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    DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v9i1p147-163

    V. 9 - N1 jan./jun.2015 So Paulo - Brasil MATT HILLS p. 147-163 MATRIZes

    E n t r e v i s t a c o m M A T T H I L L S *

    Aberystwyth University, Department of Theatre, Film and Television Studies. Aberystwyth, Reino Unido

    p o r C l a r i c e G r e c o **

    Universidade de So Paulo, Programa de Ps-Graduao em Cincias da Comunicao. So Paulo-SP, Brasil

    O fandomcomo objetoe os objetos do fandomFandom as an object and the objects of fandom

    M Professorde Film & TV Studies na Aberystwyth University,no Pas de Gales, e antes foi um Readerna Cardiff University. Ele

    possui mestrado pela Goldsmiths, University of London, e doutoradopela University of Sussex.

    F autodeclarado da srie britnica Doctor Who, Hills tem escrito sobrefs efandomdesde o incio de sua carreira, especialmente a respeito de Doctor

    Who, Torchwood, eSherlock mais recentemente, ao lado de trabalhos sobreaudincias de mdia, cinema e TV cult, qualidade da televiso e cultura digital.Seu livro Fan Cultures() est entre as mais reconhecidas contribuies

    aos estudos de f.Em seu escritrio, cercado por livros, memorabilia de filmes e diversos

    objetos cult, Matt Hills falou sobre os desafios tericos e empricos na defini-o e estudos dos fs, a complexidade do termo e os tipos de envolvimento ecomportamento nofandomonline e offline.

    MATRIZes:Qual sua formao acadmica e como se interessou pelosestudos de f?

    Matt Hills:Tenho sido um f de diversos programas de TV e filmes porpraticamente toda a minha vida. Particularmente e isso se relaciona ao fatode ter trabalhado bastante sobre isso quando criana, era um grande f deDoctor Who. A srie uma parte significativa da cultura britnica, certamentedurante os anos e na dcada de quando cresci. Ele saiu do ar comoum programa de TV ativo ao fim da dcada de , retornou em como

    * Professor no Departmentof Theatre, Film andTelevision Studies daAberystwyth University.E-mail: [email protected]

    **Doutoranda emCincias da Comunicaopela Universidade de

    So Paulo. E-mail:[email protected] entrevista foi realizadadurante um intercmbio depesquisa da doutoranda naUniversity of Nottingham,financiado pela FAPESP -Processo n 2 014/11181-9.

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    um filme televisivo e ento desapareceu de novo. Mas havia um fandomqueseguiu em frente durante toda aquela poca, lidando com histrias originais

    que eram escritas e uma revista que publicava material novo, revisitando oarquivo de Doctor Who. E tambm vdeos de compilao, de modo que umagerao de fs que no tinham visto as histrias de TV mais antigas pode-riam comear a assistir ao Doctor Whoanterior em vdeo. Havia, assim, umacultura de f local, embora eu no fosse, na verdade, parte de um fandom

    socialmente organizado naquele momento. Eu comprava os livros, vdeos ea revista, estava consciente de uma cultura e de uma comunidade l, mascomo adolescente, realmente no participava muito dela. Apesar disso, crescitotalmente como um f de Doctor Who, e isso foi uma parte verdadeiramente

    forte de uma autoidentidade. Assim, decidi que no queria estudar literaturaantiga quando eu fosse para a Universidade, queria estudar algo que tivesseimportncia para mim. Desse modo, acabei fazendo Literatura Inglesa comEstudos de Mdia na Sussex University, mas estava muito mais apaixonadopelos estudos de mdia. E creio que foi em meu segundo ano de graduaoque descobri os estudos de f. Encontrei extual Poachers (Jenkins, ) umdia e vi a capa era uma espcie de capa de Star rek: Te Next Generation e folheei o livro e pensei, Uau, isso parece incrvel!. Levei-o para casae simplesmente o li inteiro de uma vez. At este momento, realmente nodesejara estudar meufandom. Segui a linha clssica de pensamento: Bem,

    sou um f, mas isso para mim uma coisa pessoal. No quero de verdadeestudar ou teorizar isso. Porm, quando li extual Poachers,pensei: OK,de fato, as pessoas esto levando isso a srio e elas esto estudando o assun-to. Assim no foi antes de meu terceiro ano como graduando que escrevium primeiro ensaio no qual estava, na verdade, analisando algo de que eraum f, e depois uma espcie de insero no pensamento acadmico, sendocapaz de perceber, inesperadamente, que poderia trazer igualmente a versoacadmica do meu eu, isto , o acadmico, com partes da identidade que seconstituram por terem estado l toda minha vida, na condio de f. Este foium momento bastante transformador para mim, quando percebi que seriapossvel manter essas duas coisas diferentes juntas. E eu tinha um professorfavorito na Sussex University. Bem, tive diversos professores de que realmentegostei, por eles e por seus trabalhos, mas Roger Silverstone foi uma figura--chave para mim. Quando ele lecionava para os primeiros anistas, o nvelda aula era muito similar ao dos estudantes de mestrado. Desse modo, tiveaquela sensao de descoberta intelectual e de conceitos sendo introduzidos,manipulados e ento expandidos, e voc nunca sentia que era tratado de

    maneira condescendente. Achei isso muito inspirador. Ento, estava muito

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    animado; trabalhei para conseguir uma bolsa de doutorado com Roger sobrefandomna Sussex. No meio disso, eu fiz um mestrado, com David Morley e

    outros na Goldsmiths, em parte porque Roger recomendou que poderia serbom para mim ir a algum lugar diferente de Sussex, ver formas diversas detrabalho e trabalhar com algumas pessoas diferentes. E gostei do trabalho deDavid Morley, tanto quanto gostara do de Roger, e pensei em permanecer naGoldsmiths. Isso poderia ter acontecido, mas no fim eu estava muito, muitofeliz de voltar a trabalhar com Roger na Sussex. Ento, publiquei Fan Cultures(Hills, ), que era uma verso bastante reescrita de minha tese de doutorado,em , dez anos depois de extual Poachers. Assim, passou-se uma dcadadesde o Uau, o que este incrvel livro de Henry Jenkins? para o Oh, agora

    escrevi o meu prprio livro, que tinha uma adorvel resenha de Henry nacontracapa, que me deixou muito animado.

    MATRIZes:Em Fan Culturesvoc destaca uma histria das teorias dosestudos de f. A definio def complexa e tem passado por transformaesao longo dos anos. Quais so as principais dificuldades, atualmente, para definirumf? Qual a melhor maneira, em sua opinio, para teorizar as relaes entreos fs e seus objetos de apreo?

    Hills:Ainda acredito que uma das principais dificuldades que tentei colocarnum plano central no incio de Fan Culturespermanece um entrave, relaciona-

    do com a compreenso generalizada dofandom, de modo a que mais pessoasaceitem que elas so fs hoje, em vez de verem isso como uma identidade estig-matizada, mesmo assim, certos objetos de f continuam sendo patologizados,e certas culturas de fs so patologizadas, muito frequentemente osfandomsrelacionados com fs jovens e ligados a jovens mulheres fs, particularmente,assim ainda existe bastante necessidade de uma crtica feminista. Mas mesmoque aceitemos a noo generalizada da concepo principal defandom, acreditoque o fandom ainda performativo. Ele se mantm como o pensei em Fan

    Cultures quer dizer, ofandom realizado de maneira diferente e pode signi-ficar diversas coisas em distintos microcontextos, em diferentes momentos deinterao social, e at mesmo em plataformas distintas. Ser um f no Tumblrpode significar uma coisa, ser um f numa conveno pode significar outra.Pode haver muitos tipos diferentes defandom, indo muito, muito alm da noode (fandom) afirmativo versus (fandom) transformativo1como uma problem-tica binria. Podem existir todas as espcies de diferentes tipos, modos, nveise hierarquias defandom, que podem ser desempenhados de formas variadas.Assim, creio que a ideia de que se pode usar apenas uma definio defandomproblematizada pelo fato de que ele se desenvolve em tantas formas diferentes

    ENTREVISTAM A T T H I L L S p o r C l a r i c e G r e c o

    1. Fandom Afirmativovs.Fandom ransformativouma oposio proposta peloterico do f obsession_incem Dreamwidth.org

    (2009), que sugere que oafirmativoseria uma formapotencialmente masculinadefandom , centrada noscriadores sob as regras dacomunidade, enquantoofandomtransformativoseria ligado comunidadedominada por mulheres,com democracia depreferncias, relacionadoa reescrever o texto emfuno dos objetivos dos fs.

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    e em tantos contextos variados. Em vez de focar na definio defandom, nsprecisamos pensar sobre como o fandom realizado, para quem, em que

    contexto e tentar pensar, de verdade, sobre com que tipo de assunto destavasta categoria global difusa de fandomlidamos. o que Jonathan Gray eKristina Busse chamam de fandomindustrialmente-dirigido, ou o que

    Rebecca Williams denomina de fandomps-objeto, ou transformativo/

    afirmativo (se esta dicotomia aceita), ou fandomde culto (cult fandom).

    H potencialmente tantas diferentes verses, ento isso representa uma difi-culdade. possvel pensar nofandomem relao a distintas plataformas, nasquais ele pode se desenvolver de modo diferente. Em certos fruns pode haverpostagens maiores se comparadas a como a identidade do f desenvolvida no

    Twitter, ou como pode se realizar no Tumblr. Ela pode ser realizada a partirda escrita de fanfics, em comparao com a feitura de rplicas de produtos.Desse modo, necessrio considerar que ofandomno apenas uma variedadede diferentes realizaes, ele uma srie de atividades diversas. H todo umconjunto de dificuldades relacionadas somente com o termof.

    Em funo disso tudo, extremamente improvvel que v existir um nicoreferencial terico a partir do qual possamos entender melhor o fandomdemdia. Voltando a Fan Cultures, novamente, estava interessado em parte numaabordagem sociolgica para ofandome em parte e continuo a estar numaabordagem psicanaltica ou psicossocial, que acredito que possa ser chamada

    agora de abordagem relaes-objeto. Acredito que a abordagem sociolgicaao fandom tende a ser capaz de dizer mais sobre o capital subcultural e a

    distino em seu enquadramento bourdieusiano, porm deixa de fora coisasimportantes sobre a vida afetiva do f. Creio que em muito ofandomrelaciona--se a representar uma identidade, sobre um sentido para o eu, sobre afeto,em termos de atuar num nvel emocional, subjetivo. E sobre o indivduo sercolocado numa comunidade, na qual preciso uma noo de discurso, bemcomo emoo. Ento, uma das coisas em que estou trabalhando no momento na qual no estou complemente ocupado, mas uma das coisas em que estouinteressado tentar conjugar o trabalho sobre o afeto do f num sentido

    no deleuziano, com o trabalho no apenas sobre os discursos do f, mas

    sobre os discursos do f derivados da indstria. Por isso, estou interessadono que Margaret Wetherell, uma psicloga do discurso, tem chamado de odiscurso-afetivo, esse tipo de choque entre os dois, mais do que tom-los

    separados numa dicotomia, que cria uma posio muito difcil em termos

    de como analisar as culturas e comunidades de f. Creio que precisamos deinstrumentos mais refinados para integrar o sociolgico e o psicanaltico, ouo discursivo e o afetivo.

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    MATRIZes:Como podemos identificar as diferenas entref, espectadore audincia?

    Hills:Boa pergunta. Tome o trabalho de Cornel Sandvoss, que algumaspessoas tm criticado por ter uma definio extremamente aberta de fandom junto com alguns de meus trabalhos, ele tambm se interessou pelos fs quepodem no fazer parte de uma comunidade de fs. A ideia que o fandom

    poderia ser adquirido num nvel culturalmente mais individualizado. Comoj disse, creio que chegar a uma definio defandom, na verdade, altamenteproblemtico, mas Cornel Sandvoss ousa. E fala sobre o consumo regular, oinvestimento emocional nas narrativas culturais. A ideia que ele seria habitual,uma rotina ligada autoidentidade de algum modo. Porm, isso se situa num

    nvel de envolvimento emocional e sua definio de ser umfpode requererambas as coisas. Penso, na verdade, que o termo f embora seja utilizado,em quaisquer discursos que seja inserido e qualquer tipo ou espcie defandomque seja simplesmente no pode funcionar como uma categoria ou termo

    inteiramente delimitado. Creio que ofandom sempre um conjunto ou conceitovago; no h nunca uma demarcao clara dele como uma categoria. Existemgradaes que vo das noes defe audincia. Pode haver algumas pessoas queno se considerem elas mesmas como fs e no fazem parte de uma comunidadeou cultura de f, e no se autoidentificam como um f. Assim, possvel dizerque elas so um membro da audincia ou outra coisa elas no so um f.

    Mas se suas atividades so analisadas, como o possvel uso de mdia social, oenvolvimento da criatividade em certos domnios, seria possvel dizer que elasso audincias similares a fs. Creio que algum trabalho de Sharon Ross abordaa noo de fandomdominante ou quase generalizada, na qual as pessoas seenvolvem em atividades de mdia social e prticas que mantm a gerao ante-rior de fs. Mas onde as pessoas se envolvem em prticas culturais relacionadassem utilizar o rtulo ou o discurso dofandom, ento, analiticamente, em termosde continuidades culturais, possvel defender que so parecidas com o f. Na

    verdade, Sandvoss publicou recentemente um texto escrito com Laura KearnsnoAshgate Research Companion to Fan Cultures(Sandvoss e Kearns, ) quefala sobre alguma coisa denominada fandomcotidiano. Os fs cotidianos sopessoas que talvez no criem textos de f, assim eles no esto necessariamenteenvolvidos naprodutividade textualno sentido clssico fiskeano ou da fanfic, eno fazem parte de comunidades de f, mas eles podem simplesmente entrar esair de espaos digitais, quase como os chamados lurkers2. Eles podem entrare sair de fruns de fs para destacar suas interpretaes de um texto que estejasendo discutido l, ler alguma coisa e ento sair. Sandvoss e Kearns utilizam otermo fandomcotidiano que novamente, para mim, parece bastante similar

    2. Na cultura da internet,um lurker normalmenteum membro de umacomunidade online queobserva, mas que noparticipa ativamente.

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    ao que se pode chamar de prticas de audincia como fs, nas quais as pessoasno usam o rtulo, ou o discurso, porm esto fazendo algo que se relaciona

    com as histrias e as tradies dofandomde mdia.Classicamente, existe uma distino em Tulloch e Jenkins () entre fs

    versus seguidores, no livro Science Fiction Audiences: Watching Doctor Whoand Star rek. Eles argumentam que a diferena entre um f e um seguidor que um f pode reivindicar uma identidade cultural por meio do seufandom, demodo que vestem camisetas, desempenham o papel de outros verdadeiros ouimaginrios e tambm esto envolvidos na produo textual. Desse modo, issofaz de voc um f, enquanto um seguidor pode assistir a certo programa de TV,mas se eles perdem um episdio no se importam. Eles continuaro seguindo,

    ainda continuam envolvidos com o programa, mas no tem a intensidade deengajamento emocional. E a diferena crucial que eles no reivindicam umaidentidade cultural a partir disso. Assim, podemos consumir uma grande quanti-dade de mdia, podemos ver contedocom bastante frequncia em consonnciacom a definio de Sandvoss e podemos assisti-la com um nvel de envolvimentoemocional. Mas e se isso acontece sem que qualquer identidade cultural sejareivindicada a partir da atividade? Isso ainda fandom? Voc quase que teriaque comear a quantificar o envolvimento emocional, de modo bastante proble-mtico. Qual o limite, o quanto de investimento emocional seria necessrio parapassar de seguidoraf? A verdadeira diferena continua a ser que os seguidores,

    assim como os membros da audincia as pessoas que no entram na categoria def neste argumento so audincias que no constroem sua identidade culturalpor meio deste consumo de mdia. Por este argumento, onde as audinciasouespectadoresesto consumindo a mdia, elas no esto articulando este consumode maneira significativa com a autoidentidade representada e vivida. E diria quens todos fazemos isso em grande parte do tempo. Ns no apenas consumimosos textos da mdia dos fs apaixonados; ns assistimos a todos os outros tipos decoisas muito frequente ou rotineiramente, mas sem integrar tais coisas de modoprofundo em nosso sentido de identidade. Assim, a distino f/seguidor ainda provavelmente til de determinadas maneiras.

    Creio que uma das coisas divertidas sobre os estudos de f que eles dizembastante sobre o que pode significar ser umf. E agora ns viramos o disco ecomeamos a aprender o que poderia significar ser um antif. Porm a categoriade no fcontinua esta coisa estranha, amorfa que ningum pode definir defato. Ningum estudou empiricamente o que significa ser um no fou comoisso poderia ser possivelmente refinado. Ningum tem realmente estudado

    audincias indiferentes, em si mesmas, como um aspecto central. Suspeito quea pressuposio que estas pessoas no poderiam ter nada interessante a dizer.

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    Os estudos de audincia/f talvez continuem assumindo que o no f, o tipobastante casual de audincia, no iria ser um bomtema de pesquisa: eles no

    iriam produzir declaraes citveis, que o que voc deseja. Ns parecemosassumir que no h nenhum processo cultural interessante ocorrendo em rela-o indiferena ou casualidade. E acredito que sempre h um risco quandose pensa, Oh, esta a rea interessante de estudo, onde ns todos devemosconcentrar nossa ateno, porque a outra coisa, alm disso, simplesmente

    bvia, autoexplicativa e desinteressante. Mas no . Quando ela aberta, no integralmente bvia, existem provavelmente todos os tipos de meios produ-tivos pelos quais se poderia estudar consumidores e audincias indiferentes,entediadas ou desconectadas, por exemplo as pessoas que comeam a assistir

    s sries de TV, mas abandonam aps alguns episdios. Esta uma grande reasubexplorada ou inexplorada. Talvez esta seja a prxima grande reviravolta nosestudos de f aps os fs e antifs, ns poderamos convenientemente nosfamiliarizar com os no fs casuais?

    MATRIZes:Quais as principais mudanas nos mtodos de pesquisa queso necessrias no estudo do comportamento dos fs hoje, em comparao

    com vinte anos atrs?Hills:Esta uma discusso que tive com algum recentemente, na ver-

    dade. Acredito que h muitos estudos de f hoje, porque parece mais fcil

    faz-los, na verdade, estudar as realizaes online da identidade do f. Porqueno necessrio viajar para nenhum lugar, organizar grupos de discusso ouentrevistar pessoas; possvel fazer entrevistas online. Entretanto, isso leva netnogafia, ou etnografia virtual online, como isto costumava ser chamado,ou mesmo ciberetnografia. H todos os tipos diferentes de rtulo para isso,

    relacionado com a ascenso dos estudos de mdia digital, ou o que Paul Booth() escreveu a respeito em Digital Fandom. Assim, isso tanto uma benopara os estudos de f, porque torna tudo isso acessvel e pesquisvel, quantotambm um pouco como uma maldio, porque ao menos alguns dos estudosfundadores dofandomforam, na verdade, sobre o estudo de fs em convenesou fazendo uma etnografia, sentando e assistindo a Star rekcom um grupode fs no final da dcada de . Por isso, acredito que h um perigo em irmuito para o outro lado, no qual podemos estar produzindo trabalho sobreo fandom digital enquanto ignoramos outras representaes da identidade

    do f e histrias, afetos e complexidades do desenvolvimento dofandomquepodem no estar to regularmente acessveis se ns permanecermos no nvelde como ofandom realizado dentro da comunidade online. Ns podemostambm estar buscando aspectos da cultura do f mais estreitamente ligados

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    cultura material, quer seja o cosplay ou a construo de rplicas de produtos etodas as suas variaes. Traos destes aspectos podem ser encontrados online,

    porm voc pode desejar regressar a outras perspectivas na antropologia eetnografia, e fazer etnografia multissituada. Ou voc pode querer, na verdade,triangular ofandomdigital e outra verso dele como descrev-lo? fandomexperiencial, situado. Por isso acredito que o ponto chave que muitos de nspodemos ser atrados pelo fascnio de estudar a mdia social como acadmicos:haver um monte de estudos no Tumblr, no tenho dvida, no prximo parde anos, e comeam a existir todos os tipos de estudos no Twitter. H menossobre grupos do Facebook, de qualquer modo, no est to na moda quantoo Twitter e o Tumblr parecem estar. Acredito que precisamos, em termos de

    mtodos de pesquisa, tentar capturar um senso de abordagem multissituada,de modo que ns no estamos fazendo online ou offline ou contrastando-osem outra dicotomia. Porm, em vez disso, podemos examinar uma variedadede espaos culturais diferentes nos quais ofandom exibido, desempenhado,negociado e sancionado.

    MATRIZes:Voc poderia discutir quais as diferenas entre o comporta-mento dos fs online e offline?

    Hills:Pode ser difcil dizer com absoluta clareza quais so essas diferenas.Acredito que se voc est lidando com, digamos, um frum de fs, existem

    claramente membros que comeam a construir o capital cultural de f e umapersona ao longo do tempo, e comeam a agir de certos modos. Assim, possvelse concentrar num gosto cultural particular ou atuar num conflito especfico,porque fazer isso quase assumir uma posio bourdieusiana dentro de umcampo defandom; voc molda seu pequeno espao. Voc a pessoa que se iden-tifica com esta especialidade, quase um espao relacional para a autopromoodos fs. E voc pergunta, se estivesse relacionando-se com aqueles fs numaconveno, ou em diferentes espaos sociais, eles poderiam realizar a mesmaforma de estilizao autoidentitria? Creio que h talvez menos performancesdo self do fdo que as que se podem encontrar potencialmente em outros

    ambientes sociais de fs comparadas a fruns. Esta uma reflexo bastante

    hipottica: creio que uma questo emprica, na verdade, que a razo porque to importante tentar estudar ofandomdigital e outros tipos ou modosdefandom. Porque, por vezes, se voc conversa com um f ou entrevista um fcom um roteiro semiestruturado de questes, voc pode comparar com algumacoisa, obtendo uma noo sobre uma srie de outros contextos. Assim, por

    exemplo, voc, por vezes obtm o que eu chamaria de uma fatia mais fina daidentidade estilizada online, sem ter acesso atividade poltica de uma pessoa,

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    ou elementos de sua biografia, de sua histria de vida. E, conforme o tipo deinteraes de fs online em que as pessoas esto envolvidas, em alguns outros

    casos pode haver bastante discusso de autoidentidade ou relativamente poucasobre o real objeto do f. Assim, isto depende da plataforma utilizada, do con-texto, do espao, e das normas que esto discursivamente em ao sobre sexo,idade, e assim por diante. Creio que por vezes possvel estudar a elaboraode identidades de f articuladas com outros aspectos da identidade cultural dealgum aos quais no se tem acesso to facilmente online.

    MATRIZes:Em seu artigo Patterns of Surprise (Hills, ), a partirda ideia defandom cclicovoc aponta a qualidade cclica do gosto, sugerindo

    que as pessoas que so fs de um programa ou grupo musical podem mudar eparar de ser f aps algum tempo. Quais so as diferenas (ou relao) entreestes tipos de fs e os fs de culto (cult fans), tais como os fs de Star rek(ostrekkers) ou de Doctor Who(os whovians)?

    Hills:Bem, creio que o prprio conceito defandom cclicoderiva de partede uma pesquisa emprica, na qual fiz semanalmente repetidas entrevistas emprofundidade com certo nmero de pessoas. Realizei conjuntos de entrevis-tas semanais de cinco horas de durao com os entrevistados. E este foi umaespcie de estudo psicossocial, para refletir sobre o gosto, a distino e questessociolgicas, mas tentava tambm pensar a respeito de estruturas afetivas ou

    padres que podem ser caractersticos do envolvimento individual. Ele foi quaseum estudo de casofreudiano, que idealmente prefere olhar para indivduos,mais do que para culturas e comunidades de fs. Ento este artigo surgiu a

    partir de algo que no estava esperando; a teoria bourdieusiana que utilizavano previa que um indivduo pudesse se envolver neste tipo defandomcclico.Isto foi, de fato, muito interessante para mim que houvesse uma experinciavivida de um tipo de fandomque no tinha sido diretamente prevista pela

    teoria naquele momento. E por isso que acredito que continuam faltando svezes mais formas de trabalho emprico em profundidade, descrio densanaqual se procura e se alcana uma noo, no exatamente holstica, mas na qual

    voc tenta colocar as atividades do f em relao a uma variedade muito maisampla de contextos sociais e psicodinmicos do que ocorre com frequncia.Este artigo foi todo sobre surpresa, a surpresa do entrevistado e a minha comoacadmico. Este era um tipo defandomque no esperava descobrir. Ele podeser relativamente marginal, e incomum, mas identifiquei-me parcialmente comele quando percebi o que estava acontecendo. Era sobre dominar algo novo, queestava ligado ideia viciante, na qual voc apenas mergulha completamentenesta coisa nova e a controla, e depois se dirige para outra coisa.

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    Voc perguntou sobre as diferenas entre este e o fandomde culto (cultfandom). Pode haver algumas limitaes em como eu penso ofandomde culto,

    mas tendoa defender que ofandomde culto e que por isso diferenciado do cultonostlgicoemFan Cultures significa estar vinculado a um objeto da comunidadede fs ao longo do tempo e no curso da vida. H uma noo de envolvimentocontnuo, de modo que ofandomcclico parece ser definido e vivido em contrastea ele, quase como se reconhecesse um risco no envolvimento. H um sentimentode contnuo envolvimento, deste modo ofandomcclico parece ser definido e

    vivido contra isso, quase como se percebesse um perigo no envolvimento. E,possivelmente, no foi por acidente que um f do sexo masculino (no estudo decaso dofandom cclico), desejou tornar-se apaixonadamente imerso em algo e

    depois voltou atrs, enquanto os fs de culto (cult fans), por contraste, so muitocomprometidos. Eles tendem a ser muito fiis. Mesmo se ficam aborrecidos poraspectos daquilo de que so fs eles podem odiar remakes, reincios,prequelsouo que seja , eles tendem a no abandonar o objeto dofandom. Por vezes, esses tiposde fs no parecem tirar muito prazer do objeto dofandom, eles se apresentamconstantemente irritados com o objeto dofandomou infelizes com ele. Como umaparte, no devemos assumir que ofandom inteiramente sobre afeto positivo,no qual voc gosta e celebra-o e que o antifandom o oposto binrio, o afetoescuro, negativo, porque existe com frequncia um choque marcante do positivoe do negativo na experincia dofandom. Henry Jenkins disse que ofandom

    significativamente sobre fascnio e frustrao, que ambas as coisas misturam-sede forma estranha. Mas para o f de culto, diria que ele tende a ser muito maissobre no deixar de fazer parte de algo, que o que teorizo sobre o envolvimentocomo uma espcie de objeto transicional secundrio winnicottiano. algo que,nesta teorizao, voc mantm no porque seja como criana ou que no possasuportar abrir mo, mas , na verdade, um objeto que voc carrega ao longo da

    vida, potencialmente, pois no pode, de fato, imaginar no ser um f desta coisa, eisso permite manter a si mesmo de maneira criativa. No posso imaginar no serum f de Doctor Who, uma vez que estou vivendo e respirando, verdadeiramente.At se o programa acabar, continuarei com alguma conexo com ele, de qualquermodo. E se voc teoriza isso numa perspectiva winnicottiana revisada, comotentei fazer e tenho regressado a isto recentemente na coleo Little Madnessesque Annette Kuhn editou, na qual escrevi sobre as repetidas revises de Aorigem e Blade Runner(Hills, ) em vez de ser regressivo ou estranho, vejoisso sustentandoum ser relacionado boa sade mental, basicamente. umaforma de criatividade. E um fundamento na e da autocontinuidade, que podeser contraposto cultura de consumo da modernidade lquida, em constantemudana, constante atualizao. Os cultuadores (cultists) vivem na modernidade

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    lquida, mas eles querem desaceler-la, ou eles desejam mant-la numa linhacontnua e consistente nos ciclos dos produtos e remakes, embora a continuidade

    possa ainda evoluir conforme sua identidade muda, assim ningum seria um fde culto do mesmo modo, enquanto um adolescente, mais tarde na vida, na meiaidade, ou como um cidado de mais idade, e assim por diante. A conexo pode,sociolgica e semioticamente, modificar-se e desenvolver-se ao longo da vida.Porm, para o cultuador (cultist), ela est sempre l, enquanto ofandomcclicoprecisa desta noo de ciclo, de movimento e incio repetido. E o ciclo, ao menosno estudo de caso explorado, era muito rapidamente repetido; no existia umgrande intervalo entre os objetos do f. Houve um perodo de repouso, vamosdizer, e ento aquele indivduo particular iria encontrar um novo objeto que lhe

    causaria impresso, surpreendendo-o, e iniciando o ciclo seguinte de descobertaafetiva. Em contrapartida, voc pode ser um cultuador, por exemplo, por trintaanos e depois, por qualquer razo, deixar seufandomde lado. Embora acrediteque voc provavelmente ir ainda considerar-se como um cultuador ou fdesatualizado, neste caso, voc poderia provavelmente manter-se a par comfragmentos de informao de f. Por exemplo, eu no tenho sido sempre um fde Doctor Who, como se deixasse meufandomem certos perodos de minha

    vida e depois voltasse a ele, e isso no extremamente incomum. Diria que,falando de outros fs, por vezes eles tm um perodo ligeiramente obscuro noqual seu comprometimento de f muda ou enfraquece, mas posteriormente

    redescobrem a paixo. Assim, pode haver ritmos, no ciclos completos, masritmos vividos dofandomem relao ao curso da vida, mesmo dentro da nooanaltica abrangente de um duradouro compromisso de culto. Sim, portanto,creio que existe uma distino entre o f cclico e o cultuador, mas, comosempre, se voc se aprofunda o suficiente nisso, ento h modos em que istono simplesmente binrio. Penso que os fs de futebol so bastante parecidoscom os cultuadores de mdia (media cultists); procuro ler uma quantidadeadequada do trabalho sobre os fs de futebol e creio que os estudos de f sobreo fandomde mdia poderiam, realmente, ser beneficiados em tirar mais dotrabalho sobre fs de esportes e fs de esporte ao longo da vida. Aprecio, de

    verdade, o trabalho de Gary Crawford () sobre a midiatizao do futebole como as identidades do f so representadas em relao a isso: existem todosos tipos de cruzamentos teis com ofandomde mdiaper se. Por isso, s vezespenso que os estudos de f precisam no apenas prestar mais ateno aos nofs, eles precisam tambm prestar ateno aofandomao longo de uma to amplaquanto possvel variedade cultural e contextual. Gosto do trabalho de MarkDuffett pela mesma razo, como ele combina o trabalho sobre o fandomdemsica pop com abordagens e linhagens dos estudos de f.

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    MATRIZes:Em seu recente captulo no TeAshgate Research Companionto Fan Cultures(Hills, ), voc escreveu sobre como o espectador torna-se um

    f. O que explica esse vnculo emocional? Como que o selfdo f construdo?Hills:Eu estava interessado no que vrios escritores tm chamado de

    narrativas de tornar-se um f, que pessoas como C. Lee Harrington e DeniseBielby () e Daniel Cavicchi () em uma grande etnografia sobre os fsde Bruce Springsteen exploraram esta noo do que significa refletir sobrecomo voc se torna um f. Creio, novamente, que sabemos muito nos estudosde f atuais sobre comunidades de f e fandomdigital, quando as pessoas

    esto nestes domnios e se autoidentificam destas maneiras. Porm falandode maneira comparativa, ns ainda sabemos menos sobre como as pessoas

    ingressam em tais experincias de f, sobre os mecanismos e processos deentrar nofandom. E, na verdade, sabemos muito pouco sobre como as pessoasdeixam umfandomde longo prazo. Esta outra coisa que seria interessantepensar mais, empiricamente de uma maneira nuanada e detalhada. Porm,neste texto especfico, foquei no tornar-se um f. E sugeri que o trabalho

    anterior fora bastante sensvel autonarrativa transformacional, transforma-tiva. A ideia padro a de que Eu vi essa coisa, a vivi e ela me surpreendeucompletamente, desse modo o f conecta-se a um objeto cultural, e abre asi mesmo em algum modo inesperado, isto , somos transformados. Creio

    que a comparao-chave, a metfora crucial, poderia ser se apaixonar. Voc

    sabe, como geralmente no se espera apaixonar-se por algum: se voc planejaisso, ento provvel que no funcione. O ponto que o amor tende a seralgo no antecipado, ele simplesmente acontece; ele emergente, como umfenmeno, suponho. Assim, a noo de tornar-se um fpossui esta descobertade apaixonar-se por algo, o que muda completamente a noo do eu, o quesignifica que existe um antese depois bastante claro. Este o tipo de narrativaque estava presenta na academia. Esta apenas uma verso de como algum setorna um f, embora a questo que desejei responder naquele captulo foi: Noh outras verses disso, que no estejam sendo, de fato, narradas nos estudosde f?. E creio que h ao menos outra verso principal, que , em vez destemomento transformativo de descobrir-se apaixonado, as pessoas podem j tertido experincia numfandom, mas por qualquer que seja a razo, este outroobjeto dofandomou estefandompode ter sido insuficiente ou problemtico.Ento, algum pode deixar estefandomprvio voluntariamente, e depois pro-curar por outrofandompara ingressar. Eles so como um f sem um objeto def. Eles tm as disposies da cultura do f um conhecimento autorreflexivoe conscincia de como ofandompode ser realizado online e em uma varieda-de de contextos. E quase como se eles procurassem pelo prximofandom.

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    E no realmente o fandomcclico, contudo, embora seja sequencial. No

    exatamente monogamia serial, talvez, mas prximo disso. Assim, a ideia torna-

    -se Oh, eu cansei destefandom, j tive o suficiente, quero fazer parte de umnovofandom. Esta no a mesma verso do transformativo tornar-se um

    f. Em vez disso, h bem mais autocontinuidade, existe uma transferncia defandommuito mais reflexiva. No chega a ser um ciclo, onde voc exauriu oobjeto anterior e, ento, se desliga e vai para outra coisa. prximo, mas diriaque no tem exatamente a colorao de um ciclo: mais sobre uma sequnciado que um grande pico emocional em algum novo fandom. Em funo dofandomcclico ter o momento de excitao, ele possui o tom da paixo, quereacende novamente, e em seguida voc, de fato, reingressa no novo objeto do

    f apaixonadamente, antes de ser um caso de Oh, no, vou sair disso, ir emfrente e esperar pela prxima grande paixo. Em vez disso, considero que asnarrativas de tornar-se um fem relao transferncia de disposio de umobjeto a outro, na qual transferir umfandom, sugiro, pode ser mais gradual.Assim, os fs cclicos tem o momento-chave de Fiquei encantado, o trans-formativo tornar-se um ftem o mesmo momento-chave de Oh, meu Deus,isso incrvel, estou apaixonado por isso, enquanto fs transferidos, creio,podem gradualmente tornar-se interessados em alguma coisa: gradualmentedesligam-se e reconectam-se. No completamente imperceptvel, mas umamudana diferente de algo repentino, e mais a reinsero de um conjunto de

    prticas e disposies de f j estabelecidas, de modo que isso no transformao self exatamente da mesma forma. No h esse formidvel antese depois, hapenas uma sequncia de movimentaes entre objetos de f. E esta , vocsabe, uma das tantas coisas que os estudos de f poderiam examinar mais nofuturo. Outra coisa que continua a intrigar-me, e adoraria fazer um grandeprojeto financiado sobre ela, a noo de transfandom: pessoas que esto

    cruzando diferentesfandoms, de modo que, em vez de abordar algum que um f de Sherlockou um f de Doctor Who, que tal olhar para os interessadosem Superwholock, que esto combinando uma srie de diferentes textos defs dos EUA e do Reino Unido. Ou os fs de Inspector Spacetime, na qual seencontram fs de Communitye Doctor Who mais provavelmente mistura-dos, cruzando diferentes formas de conhecimento de f. Assim, o captuloque voc me perguntou , na verdade, sobre diferentes modos de ingressonofandom. Mas acredito que ns precisamos tambm pensar em todas asdiferentes formas de deixar o fandom, e tambm nas maneiras de cruzar,combinar e fundirfandoms. O transfandom uma grande rea na culturageneralizadamente mediada que requer uma abordagem apropriada. Ento,h muito ainda a fazer!

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    MATRIZes:Voc teve algum contato com os estudos de recepo brasi-leiros ou latino-americanos? Este o nome de uma tradicional e importante

    linha de pesquisa que tem contribudo com os estudos de f no Brasil e naAmrica Latina.

    Hills:Li algo sobre telenovelas h algum tempo. No algo que est atu-almente no topo da minha memria, mas certamente li trabalhos sobre isso.Escrevi uma seo em Fan Culturessobre se poderia existir algo como umasoap opera cult, e como a serialidade relaciona-se ou no se relaciona

    cultificao (cultification), e se so necessrios intervalos na serialidade parapermitir a criatividade do f. Se voc sempre tem outro episdio no dia seguinte,ento, quando poder escrever sua fanfic, ou quando ir pensar sobre a evo-

    luo do enredo se h, aparentemente, uma margem bastante estreita para oenvolvimento criativo? J se voc tem um suspense e depois um episdio umasemana depois, ou um final de temporada de suspense, ou at um programaque cancelado, mas que termina de alguma maneira ambgua, desse modoh um grande espao aberto, por exemplo, por algo como win Peaks, para aespeculao e a criatividade do f. E, assim, quando estava lendo sobre soapsqueria, na verdade, discutir esse ponto agora no concordo com todas as coisasque disse em Fan Cultures de que provavelmente no poderia haver uma soapopera cult. E lembro de ter lido sobre telenovelas a esse respeito tambm. Eraparte da construo desse discurso, porque minha proposta era que as contnuas

    soap operas, ou seriados, que possuem uma resoluo bastante especfica pormeio de narrativas entrelaadas, no do espaos para os tipos de criatividadede f que poderiam ser mais predominantes com textos abertosou prematu-ramente cancelados, ou textos que terminam em um momento de suspense

    significativo, como diversos programas de TV cult fazem, historicamente. Ou,igualmente, programas que terminam com algum grande quebra-cabea queoutros tipos de serialidade no podem desenvolver uma singular hermenuticacontinuada, como eu a chamei. Se existe uma srie de diferentes quebra-cabeasnarrativos que devem se resolver em diferentes momentos ao longo da srie ouda entrelaada soap, e no h um fim que deixe em aberto um enigma central,

    voc entende, ento que esse tipo de textualidade no parece colocar desafios eenigmas narrativos exatamente da mesma forma. De qualquer modo, sim, tenhosido altamente criticado por isso. As pessoas dizem sobre a ideia de que o cultno funciona em relao soap opera, Ela no , na verdade, sexista? e Issono problemtico?. H um conjunto de pressuposies nisso que, olhandopara trs, no gostaria de assinar neste momento, pensando sobre isso agora.Havia uma injusta premissa binria relacionada com a desvalorizao de gnerodas soaps, lamento, e realmente deveria ter pensado melhor.

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    MATRIZes:Voc tem algum trabalho em desenvolvimento agora? O quepodemos esperar das prximas contribuies de Matt Hills?

    Hills:Estou escrevendo um livro para a coleo Palgrave Pivot, uma sriede livros que tm entre e mil palavras, com cerca de trs ou quatro cap-tulos, ou metade do tamanho de uma monografia. Estou fazendo um sobre oaniversrio de anos de Doctor Who, ocorrido em , sob o prisma das lentesda midiatizao e do evento miditico. Por isso, estou interessado na noo deaniversrio de mdia/marca e na grande quantidade de paratextos que circulamem torno dele merchandising de marca, bem como marketing e promoo.Estou analisando isso em relao a teorias do evento de mdia e tambm emrelao a teorias significativas da paratextualidade. Quero participar de um

    debate crtico com essas duas reas em relao a Doctor Whoe seufandom.O ttulo do meu livro, Doctor Who: Te Unfolding Event, uma reminis-cncia ao primeiro livro acadmico publicado sobre a srie pela Macmillan, em, chamado Doctor Who: Te Unfolding ext (Tulloch e Alvarado, ). Estousugerindo uma mudana, no apenas numa orientao textual, mas tambmdizendo que ns devemos avanar nos estudos paratextuais. Ns temos tal varie-dade de paratextos agora que alguns tm os seus prprios paratextos: existempress releases e notcias divulgando trailers ou estreias de filmepara os extras debluray. Assim, estamos de tal modo numa cultura mediada generalizadamentemultiparatextual, para-paratextual e interparatextual que voc praticamente

    precisa complexificar a abordagem paratextual para pensar sobre como estascoisas se desenvolvem no tempo, e como a noo de um evento antecipada oudirigida para ele. Quero explorar e pensar sobre o que acontece se a abordagemparatextual possui um sentido to preciso, se existem tantos paratextos e cada

    vez mais paratextos para paratextos, que a abordagem quase limita a si mesmacomo um foco analtico das relaes paratexto-texto, e aonde isso leva.

    Depois disso, irei trabalhar em um livro para a I.B. Tauris chamado

    Sherlock: Detecting Quality V, que ir, em parte, analisar ofandomno Tumblr,mas tambm verificar as noes de transfandomem maior profundidade, isto ,as pessoas como fs de um programa, mas relacionando-o a outros programase contedo de mdia, como ser um f de Conan Doyle e Sherlockde determi-nadas maneiras. Assim, o que acontece quando os fs passam por diferentes

    verses, adaptaes e diferentes imaginrios para um personagem. Tambmdesejo abordar o trabalho sobre V de qualidade, os discursos de qualidade,da indstria e do fandom. A esttica da TV tornou-se um tpico central nocampo. Meu livro sobre Sherlockser bastante parecido com riumph of a imeLord (Hills, ), que destacou certos debates da poca, a partir do estudo doDoctor Whoda BBC do Pas de Gales. Haver um captulo sobre os produtores

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    de televiso como celebridades, e Benedict Cumberbatch e Sherlock como umveculo para o estrelato em relao a Cumberbatch e Martin Freeman Desse

    modo, haver aspectos sobre repensar o estrelato e a celebridade quanto TVcontempornea de qualidade. Uma variedade de diferentes tpicos, de fato,

    incluindo os poucos captulos finais, dirigidos aos estudos de f. Mencionei

    antes a ideia do afetivo-discursivo, que estou tentando reunir sobre o afeto e oque importa para as pessoas com trabalho sobre a construo discursiva daqualidadedo drama televisivo. Parte do que o livro sobre Sherlock ir fazer no apenas teorizar a qualidade de um modo particular, mas tentar relacionarisso, de uma maneira inovadora, noo de afetivo-discursivo. Estou traba-

    lhando em vrias outras coisas tambm, mas esses livros so meus principais

    projetos no momento.Em longo prazo e tenho dito isso j h muito tempo, pois desejo darcontinuidade a isso, mas continua uma meta para o futuro, j que esses projetos,tais como Doctor Who: Te Unfolding Evente Sherlock: Detecting Quality V,tm que ser finalizados primeiro , de qualquer modo, em longo prazo, gostariade revisar o livro Fan Culturese fazer um livro totalmente novo sobre estudosde f semelhante a ele; um panorama reflexivo sobre como a rea dos estudosde f tem se desenvolvido e como pode ter outros desenvolvimentos. Assim,esperanosamente, regressarei a Fan Cultures ., digamos, ou Fan Cultures -Te Sequel, em algum ponto.

    REFERNCIASBOOTH, Paul.Digital Fandom:New Media Studies. New York: Peter Lang, .

    CAVICCHI, D. ramps Like Us: Music and Meaning Among Springsteen Fans. Oxford:

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    HILLS, Matt. Returning to Becoming-a-Fan Stories: Theorising Transformational

    Objects and the Emergence/Extension of Fandom. In: DUITS, Linda; ZWAAN,

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    Annette (ed.). Little Madnesses:Winnicott, Transitional Phenomena & Cultural

    Experience. London: I.B. Tauris, . p. -.______ . riumph of a ime Lord:Regenerating Doctor Who in the Twenty-First Century.

    London: I. B. Tauris, .

    O fandomcomo objeto e os objetos do fandom

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