FAVARETTO, Celso - Das Novas Figurações à Arte Conceitual- (Tridimensionalidade – Itaú...

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voltar à capa do livro [Das Novas Figuraçõesà Arte Conceitual] CelsoFavaretto Doutor em Filosofia e professor da Faculdade de Educação da USP. Autor de Tropicália: Alegoria, Alegria e A Invenção de Hélio Oiticica. Propondo uma nova imagem da arte, a dissolução das distinções entre arte e vida, respondendo ao imperativo de posicionamento ético-político, a vanguarda brasileira da segunda metade dos anos 60 visava efetivar os princípios da criticidade moderna. Por sua radicalidade, as proposições celebravam a propalada morte da arte, rompiam a hegemonia do projeto construtivo e problematizavam o circuito. Abrindo o vasto campo da colagem, compôs uma ampla atividade pela apropriação das possibilidades estéticas provocadas pela pulverização dos processos e códigos modernos desencadeados a partir da Pop Art. Questionando a autonomia da pintura e da escultura e o centramento visual-retiniano; desidealizando o conceito de arte, a tradicional imagem de artista e a recepção habitual, a experimentação dedica-se a anular o ilusionismo pela valorização de técnicas, temas, retóricas e sintaxes. Desloca a prioridade da visada sintático-formal para a semântico-pragmática. A proposta de participação surge como necessidade: de um lado, artística, para compor um novo espaço estético; de outro, cultural e política, para dar conta do imperativo de falar do país e denunciar a repressão do regime militar. Tunga Lesartes, 1989 ferro, ímã e cobre, 73 x 30 x 9 cm Coleção particular Foto: Romulo Fialdini Desbordando as fronteiras fixadas desde o Modernismo, as vanguardas exercitam a multiplicidade de estilos, a mescla de técnicas, a fusão de gêneros, a ruptura dos suportes, valorizando o caráter heterogêneo e multidisciplinar da arte. Rearticulando desenvolvimentos construtivistas, ou simplesmente negando-os; reativando as proposições duchampianas ou apostando na antiarte; repropondo a representação através de novas figurações; explorando o aleatório, o eventual, o gesto e os comportamentos, a vanguarda brasileira produz a abertura do campo estético para inovações, que não são livres de ambigüidades. Entre a crítica do sistema da arte e a integração do mercado, entre o esteticismo de algumas experimentações e a significação social perseguida, as propostas promovem a reavaliação do sentido e da função da arte naquele momento. A atividade artística do período recobriu uma gama muito elástica de atitudes e experiências: objetos, ambientes, happening aparecem misturados com pintura e escultura, abstratas e figurativas, referidos a elementos pop, op, surrealistas, dadaístas, da Arte Povera, corporal, etc. Pode-se dizer que um básico procedimento conceitual se explicitava em graus diferenciados. Das tendências mais próximas da figuração às mais desconstrutivas, passando por aquelas que privilegiavam o trabalho com os signos da comunicação de massa, manifestava-se um básico empenho de auto-reflexão da arte. Embora multidisciplinar e mesclada, nessa produção podem-se observar algumas direções

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Teoria da Arte contemporânea

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Doutor em Filosofia e professor da Faculdade de Educação da USP.Autor de Tropicália: Alegoria, Alegria e A Invenção de Hélio Oiticica.

Propondo uma nova imagem da arte, a dissoluçãodas distinções entre arte e vida, respondendo aoimperativo de posicionamento ético-político, avanguarda brasileira da segunda metade dos anos 60visava efetivar os princípios da criticidade moderna.Por sua radicalidade, as proposições celebravam apropalada morte da arte, rompiam a hegemonia doprojeto construtivo e problematizavam o circuito.

Abrindo o vasto campo da colagem, compôs umaampla atividade pela apropriação das possibilidadesestéticas provocadas pela pulverização dos processose códigos modernos desencadeados a partir da PopArt. Questionando a autonomia da pintura e daescultura e o centramento visual-retiniano;desidealizando o conceito de arte, a tradicionalimagem de artista e a recepção habitual, aexperimentação dedica-se a anular o ilusionismo pelavalorização de técnicas, temas, retóricas e sintaxes.Desloca a prioridade da visada sintático-formal para asemântico-pragmática. A proposta de participaçãosurge como necessidade: de um lado, artística, paracompor um novo espaço estético; de outro, cultural epolítica, para dar conta do imperativo de falar do paíse denunciar a repressão do regime militar.

TungaLesartes, 1989

ferro, ímã e cobre, 73 x 30 x 9 cmColeção particular

Foto: Romulo Fialdini

Desbordando as fronteiras fixadas desde o Modernismo, as vanguardas exercitam a multiplicidade deestilos, a mescla de técnicas, a fusão de gêneros, a ruptura dos suportes, valorizando o caráterheterogêneo e multidisciplinar da arte. Rearticulando desenvolvimentos construtivistas, ousimplesmente negando-os; reativando as proposições duchampianas ou apostando na antiarte;repropondo a representação através de novas figurações; explorando o aleatório, o eventual, o gestoe os comportamentos, a vanguarda brasileira produz a abertura do campo estético para inovações,que não são livres de ambigüidades. Entre a crítica do sistema da arte e a integração do mercado,entre o esteticismo de algumas experimentações e a significação social perseguida, as propostaspromovem a reavaliação do sentido e da função da arte naquele momento.

A atividade artística do período recobriu uma gama muito elástica de atitudes e experiências: objetos,ambientes, happening aparecem misturados com pintura e escultura, abstratas e figurativas, referidosa elementos pop, op, surrealistas, dadaístas, da Arte Povera, corporal, etc. Pode-se dizer que umbásico procedimento conceitual se explicitava em graus diferenciados. Das tendências mais próximasda figuração às mais desconstrutivas, passando por aquelas que privilegiavam o trabalho com ossignos da comunicação de massa, manifestava-se um básico empenho de auto-reflexão da arte.

Embora multidisciplinar e mesclada, nessa produção podem-se observar algumas direções

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prioritárias: nova figuração, antiarte, objetos. Entretanto, o conjunto dessas experimentações nãoconstituía uma unidade de pensamento. Havia um esforço de identificar uma "posição específica" davanguarda brasileira; uma posição coletiva de sentido ético-estético. Nas significativas exposiçõesOpinião (1965 e 1966), Propostas (1965 e 1966), Salão de Brasília (1966 e 1967), Nova ObjetividadeBrasileira (1967); nas intervenções e manifestações como os Parangolés, de Oiticica, e a Não-Exposição, de Nelson Leirner; nos textos e manifestos dos artistas, a tentativa de formulação de umaposição crítica, apesar das diferenciações e divergências, gerava a sensação de movimentoaglutinador. No mínimo, como disse na ocasião Sérgio Ferro, num debate entre artistas e críticos, aunidade do que ocorria nas artes plásticas no Brasil não estava em algum parentesco formal ou nosobjetivos específicos, mas na posição agressiva, no inconformismo, na tentativa ampla e violenta dedesmistificação. Para isso, tratava-se de lançar mão de todos os instrumentos, processos, técnicas elinguagens disponíveis, dos tradicionais aos modernos, incluindo os da comunicação de massa.

É exatamente nessa direção que a "nova figuração" produziu ressonâncias estéticas e politizadoras.Embora a expressão, às vezes substituída por "realismo" ou "novo realismo", fosse confusa, poisenglobava manifestações muito distintas como as de Oiticica, Lygia Clark e Wesley Duke Lee, porexemplo, ela queria contemplar, com as idéias de participação coletiva e desmistificação político-cultural, o restabelecimento de relações mais próximas da realidade do país. Mas os "realismos", asfigurações, eram vários, Rubens Gerchman, Waldemar Cordeiro, Vergara, Roberto Magalhães, FlávioImpério, Wesley Duke Lee muito se diferenciavam, embora todos emitissem "opiniões". Em cada umo experimentalismo agenciava imagens de modo específico, mais ou menos sintomático, com maiorou menor radicalidade estética. Em cada artista cumpriria examinar o modo de articulação dasimagens e procedimentos: as soluções estruturais em que coabitam o pictórico, os signos dacomunicação, os símbolos populares; o visual e o verbal; o plano e a tridimensionalidade; asrepresentações sociais e as fantasmagorias.

Cildo MeirelesInserções em Circuitos Ideológicos - Projeto Coca-Cola, 1970inscrições em garrafas de vidroColeção do artistaFoto: Romulo Fialdini

É no que foi denominado "problema do objeto" que se localiza uma questão central dasexperimentações dos anos 60, que, aliás, se prolongará com significações diversas, nos 70. Astransformações estruturais da pintura e escultura levaram à construção de objetos com a intenção desuperar os suportes e a idéia de obra. Embora nem sempre isso tenha acontecido, pois os objetosfreqüentemente apenas substituíam o quadro ou a escultura e impunham-se como obra, a concepçãode "objeto" foi muito eficaz. Oiticica, com os seus Bólides e teorização específica pensou de modoinstigante o problema. O objeto não seria uma nova categoria híbrida e sintética acrescentada àpintura e à escultura, mas uma proposição conceitual que praticamente abre um domínio da artecontemporânea ativo até hoje. Tal concepção de objeto radicaliza a dissolução estrutural e propõeoutras ordens estruturais, de criação e de recepção; implica a relação objeto/comportamento,ressignifica o ato artístico e a experiência estética. O objeto, diz Oiticica, é um sinal que aponta parauma ação no ambiente ou situação. Concretiza a idéia de procedimento conceitual que redimensionaa participação, a posição dos protagonistas. Há nos objetos uma imanência expressiva que pode seobjetivar de muitas maneiras: caixas, vidros, pacotes, etc., além de proposições em que o corpointervém constitutivamente, como no caso dos Parangolés, de Oiticica, e da Nostalgia do Corpo, deLygia Clark.

A proposição de objetos é uma dissolução do primado do visual. Enquanto supõe uma participaçãodiversificada, em que o visual é esbatido no tátil e olfativo, e para não ser tomado apenas comoobjeto estético substitutivo de pintura e escultura, o objeto inclui-se no domínio mais amplo daantiarte, uma fusão de arte e ação constituindo uma poética que vislumbra a arte como outra coisa. Aantiarte propõe-se como ação simbólica; lugar de produção de ações exemplares que ressaltam aforça do gesto e do conceito, valorizando situações instáveis com ressonância imediata. A eficáciasimbólica provém do simples ato de as ações se mostrarem. Antiarte é o limite da desestetização.

A arte dos anos 60, conceitualista e processual, exasperada e ambígua na efetivação danegatividade, radicalizou os signos de modernidade vanguardista, especialmente no seu momentofinal, o tropicalista. Experimental, violenta e utópica, pensou o sentido cultural da arte tanto emrelação às transformações estéticas na linha da modernidade quanto às condições específicas dacultura brasileira. Imaginou a utopia da arte-vida realizável na atividade coletiva e na participação

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como conseqüências da destruição das categorias estéticas tradicionais e transformação do sistemada arte. O corte das ações e no imaginário, provocado pelo recrudescimento da repressão e censurado regime militar, contribuiu decisivamente para pôr em recesso a aposta nas virtualidades daspropostas ético-estéticas.

Algumas atividades ainda tentaram, entre o fim de 60 e início de 70, dar continuidade àquelasmanifestações aproveitando-se dos estilhaços tropicalistas, mas foram tentativas agônicas,freqüentemente esteticistas, em que a criticidade decaiu no lúdico. A poética do instante e do gesto,da ação e do comportamento – ponto extremo do complexo fenômeno que dominara a arte dos 60 –mesclava, contraditoriamente, já no fim da década, signos contraculturais e experimentalismo delinguagem e recursos técnicos.

Mudanças significativas ocorrem na produção artística dos anos 70, devido a vários fatores: ainvestida institucional do regime para a formulação de uma política cultural e implementação do"milagre econômico"; a internacionalização da cultura e das linguagens; o desenvolvimento eespecificação dos rumos experimentais abertos no período anterior. Livres dos imperativos dosprojetos modernos, do voluntarismo e das rupturas vanguardistas, da necessidade (ouimpossibilidade) de tematizar politicamente a situação brasileira, os artistas passam a explorar umcampo de possibilidades.

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Nelson LeirnerPorco Empalhado, 1967c.porco empalhado em engradado de madeira, 83 x 159 x 62 cmAcervo Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo SPFoto: Romulo Fialdini

A década de 70, considerada geralmente como de "vazio cultural", apresenta-se complexa econtraditória. Até que ponto o rigor do regime, a ação da censura e a integração capitalista foramintrojetados na produção cultural? Como as manifestações artísticas especificaram ainternacionalização das linguagens e dos processos experimentais, sendo ou não permeáveis àssistematizações oficiais? No Brasil, a impossibilidade de manifestações públicas levou a atividadecrítica à marginalidade, a práticas alternativas que às vezes se tornaram rituais restritos, a açõesfragmentadas e individualizadas.

Nessa situação, as artes plásticas parecem ter caminhado segundo uma lógica que não expressavatais contradições, desenvolvendo as possibilidades abertas da experimentação em várias direções.Marcada por uma atitude de positividade diante da internacionalização e do mercado, dedica-se aespecificar e desenvolver os processos e procedimentos recentes. Adotando novos materiais – aço,acrílico, plástico, alumínio, etc. –, propondo o múltiplo para a solução do problema da crítica da obraúnica, deslocando o conceito de participação pela ênfase quase exclusiva no ludismo, esta arteconforma as novas possibilidades e imposições do momento: uma mistura contraditória deexperimentalismo, marginalidade e mercado.

Considerando cumprida a tarefa de questionamento dos suportes e de conquista da faculdade deutilizar todas as linguagens, procedimentos e poéticas, os desenvolvimentos se especificam,freqüentemente chegando aos limites do hermetismo, outras vezes aproximando-se da produção

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industrial.

Mas um fato importante se destaca à medida que a época vai liberando a possibilidade deaparecimento de produções de novos artistas ou da pesquisa daqueles aparecidos no fim dos anos60: o procedimento reflexivo, conceitual, vai tomando corpo em obras que se singularizam. EmResende, Fajardo, Baravelli, Cildo Meireles, Leirner e Cordeiro; em Regina Silveira, Waltercio Caldas,Tunga e outros, percebe-se a afirmação de um trabalho que dá forma à consciência reflexiva damaterialidade da arte. Ainda que certamente devedores da abertura estética dos 60, parecemcaminhar segundo a lógica da história da arte moderna. Optando pela realidade imediata da arte, peloseu sentido imanente, enfatizam os processos e procedimentos conceituais, tensionando os limites daarte moderna, contextualizando o lugar de aparecimento das obras.

Embora as palavras "novo" e "ruptura" ainda estivessem em franca circulação, não mais se referiamao impulso vanguardista; a ênfase no conceitual não elidia a dificuldade da formalização. A reiteraçãodo novo, embora tivesse algo de inusitado, era mais uma moeda posta em circulação pelos meios decomunicação açulados pelo mercado, tendo em vista um público de arte assimilado ao estilo de vidada cultura técnico-industrial. Os artistas exigentes procuravam entretanto uma outra coisa: dar forma,buscar formas de gerar pontos de tensão num sistema de atividades tanto variadas quanto diluidorasdas pesquisas vanguardistas. A dificuldade maior estava na quase impossibilidade de produção deimagens, em parte porque a crítica das representações efetivadas pelas vanguardas tinha sidoeficiente, em parte devido à rápida obsolescência da apropriação das imagens das comunicações demassa e, finalmente, porque o procedimento conceitual regrava o uso das imagens na formulação delinguagens singularizadas.

O domínio do conceitual envolvia uma variedade de experiências: objetos, múltiplos, arte postal, artena rua, xerox, gravura, audiovisuais, videoarte, arte do computador, design, artes gráficas, etc. Avertente minimalista, entretanto, retinha o essencial das proposições conceituais, pois nela pintura eescultura foram retraduzidas em experiência plástica pura, reduzida a estados mínimos, morfológicos,perceptivos e significativos. A radicalidade minimalista é tão exemplar quanto a da antiarte. É o limitedos desenvolvimentos surgidos da crise dos sistemas visuais. A monumentalidade e a auto-referencialidade do minimalismo problematizam a circulação das obras, não mais referindo-as a umpúblico consumidor mas ao percurso institucional da produção e aparecimento, nos museus e lugarespúblicos. Contrariamente à boa parte da produção dos anos 70, que se mescla à circulação dasmercadorias industrializadas, a minimal exige tensão reflexiva e evidenciação pública para que seefetive a sua eficácia plástica.

Para evidenciar a complexidade e as contradições da cultura dos anos 70, cumpre mencionar aindaalguns fatores que interferiram na paisagem artística: a voga da arte primitiva, o ensaio deimplantação de um mercado de arte, a moda dos múltiplos e a revalorização da gravura. Em princípiooposta ao conceitualismo, a voga da arte primitiva é um sintoma do hibridismo cultural do período.Aparece como uma espécie de reação ao hermetismo da arte de vanguarda, mas é também fruto dointeresse pelo popular enfatizado nos anos 60, ainda com um certo ar de nacionalismo cultural. É,também, consonância imediata com o novo plano nacional de cultura do governo militar, interessadoem despolitizar o tema da cultura popular para utilizá-lo como instrumento de doutrinação cívica naproposição de uma "alma brasileira para o consumo". Finalmente, articulada à revivescência doartesanato trazida pelas comunidades contraculturais, a arte primitiva vem tentar ocupar o vazio deimagens provocado pela crítica da visualidade. Embora tenha afirmado um certo interesse etnológicoe antropológico pelo imaginário popular, foi um fenômeno comercial que explorou sentimentalmente avia contracultural de recusa da sociedade tecnológica. Mas, é bom lembrar, ficaram alguns traçosdessa passagem ambígua pelo popular e pela arte primitiva: permitiu a identificação de formas eimaginários que mais tarde se iriam fundir a experiências contemporâneas.

A onda dos múltiplos é bastante elucidativa da perda de vitalidade da proposição do objeto na décadade 60, pois aparentemente realizando o acesso generalizado às obras, pela multiplicação em escalaindustrial, na verdade o múltiplo não reteve o aspecto crítico das discussões sobre a reprodutibilidade.Os protótipos de múltiplos foram logo erigidos em obras únicas, com as características da aura. Foitambém um fenômeno comercial, ligado ao desenvolvimento do design, vagando entre o esteticismodos objetos e o consumo do ludismo. No fundo era uma produção ainda artesanal.

Já a revitalização da gravura, embora proveniente em boa parte do questionamento único da obra, émais interessante, pois permitiu repor em circulação alguns mestres, como Grassmann, Lívio Abramo,e evidenciar os que ascendiam, como Maria Bonomi, Evandro Carlos Jardim, Renina Katz e muitosoutros. A gravura foi proposta como substitutivo de obras visuais e objetos de fácil circulação nomercado; entretanto, as novas condições técnicas à disposição e a excelência dos trabalhos serviram

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para veicular uma diversidade muito grande de técnicas, procedimentos e imagens.

A efervescência artística gerada no início dos anos 70 deu a sensação de que se formava um amplo ediversificado público de arte, sugerindo a possibilidade de constituição de um verdadeiro mercado. Atentativa foi feita; multiplicaram-se galerias e leilões, supervalorizando as obras da tradição, inclusivealgumas de vanguarda, contrapostas à efemeridade e à precariedade das proposições conceituais.Artificial, o boom do mercado não durou, retornando o consumo de arte para os setores tradicionais,mantendo-se apenas como mais extensivo o interesse pela gravura.

As pesquisas mais exigentes oriundas do conceitualismo prosseguiram no trabalho daqueles artistasque, atravessando as contradições da época, afirmaram o sentido reflexivo e a materialidade da arte,não em relação às sugestões e demandas do mercado mas segundo o percurso institucional.Problematizando a incompletude do passado moderno, explorando a tensão do sensível e dointeligível e intervindo sem violência numa situação artística imprevisível, os trabalhos insistem naexigência de atenção e pensamento especificados para cada obra, evento ou instalação.

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