Fazer Pesquisa Eh Um Problema

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FAZER PESQUISA É UM PROBLEMA Lusia Ribeiro Pereira Martha Lourenço Vieira O meu intento não é ensinar aqui o método que cada qual deve seguir para bem conduzir a sua razão, mas somente mostrar de que maneira procurei conduzir a minha. (Descartes) O objetivo deste manual é discutir os fundamentos teóricos e metodológicos da pesquisa na atualidade, bem como a elaboração, desenvolvimento e apresentação de um projeto de pesquisa. Ao elaborar este manual, buscamos atender a uma necessidade dos alunos pesquisadores na elaboração e formatação de um projeto de pesquisa, e discutir os fundamentos básicos de um processo de produção de conhecimento. Nesse sentido, as orientações e reflexões teóricas propostas neste manual não se encontram apenas no conteúdo impresso em suas páginas, mas também, na sua forma de apresentação. Para isso, buscamos não nos atermos muito ao conteúdo técnico-formal da elaboração de projetos científicos, mas enfocarmos o processo de interação sujeito-objeto na produção de conhecimentos. Com este manual, esperamos contribuir para o processo da pesquisa e da produção do conhecimento como um princípio educativo que fundamente qualquer atividade de estudo. As Autoras 1. Para entender o que é pesquisa 1.1. Para começo de conversa: Normalmente, quando se discute a forma como se constrói o conhecimento, as pessoas imaginam que ele está ancorado em algum lugar fora da relação do sujeito com o seu mundo. As práticas humanas, em suas mais diversificadas formas de interação com o mundo, sempre se deram a partir da necessidade de resolver algum problema, ou de desvelar um enigma que se postava como um desafio. Na busca de respostas possíveis e sempre provisórias a esse enigma, o homem construiu, reconstruiu, elaborou saberes, aprendeu e desaprendeu diversos modos de elaborações teóricas, ora mais pontuados pela sua subjetividade imediata, ora mais pontuados pela sua objetividade racional e instrumental. Ou, dizendo de urna outra forma: da elaboração da explicação

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FAZER PESQUISA É UM PROBLEMA Lusia Ribeiro Pereira Martha Lourenço Vieira

O meu intento não é ensinar aqui o método que cada qual deve seguir para bem conduzir a sua razão, mas somente mostrar de que maneira procurei conduzir a minha.

(Descartes) O objetivo deste manual é discutir os fundamentos teóricos e metodológicos da pesquisa na atualidade, bem como a elaboração, desenvolvimento e apresentação de um projeto de pesquisa. Ao elaborar este manual, buscamos atender a uma necessidade dos alunos pesquisadores na elaboração e formatação de um projeto de pesquisa, e discutir os fundamentos básicos de um processo de produção de conhecimento. Nesse sentido, as orientações e reflexões teóricas propostas neste manual não se encontram apenas no conteúdo impresso em suas páginas, mas também, na sua forma de apresentação. Para isso, buscamos não nos atermos muito ao conteúdo técnico-formal da elaboração de projetos científicos, mas enfocarmos o processo de interação sujeito-objeto na produção de conhecimentos. Com este manual, esperamos contribuir para o processo da pesquisa e da produção do conhecimento como um princípio educativo que fundamente qualquer atividade de estudo.

As Autoras

1. Para entender o que é pesquisa

1.1. Para começo de conversa:

Normalmente, quando se discute a forma como se constrói o conhecimento, as pessoas imaginam que ele está ancorado em algum lugar fora da relação do sujeito com o seu mundo.

As práticas humanas, em suas mais diversificadas formas de interação com o mundo, sempre se deram a partir da necessidade de resolver algum problema, ou de desvelar um enigma que se postava como um desafio. Na busca de respostas possíveis e sempre provisórias a esse enigma, o homem construiu, reconstruiu, elaborou saberes, aprendeu e desaprendeu diversos modos de elaborações teóricas, ora mais pontuados pela sua subjetividade imediata, ora mais pontuados pela sua objetividade racional e instrumental. Ou, dizendo de urna outra forma: da elaboração da explicação

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mítica da realidade à dialética do esclarecimento na modernidade, o homem, sujeito produtor de conhecimento, percorreu um longo caminho, construiu uma longa história. Um caminho feito de movimentos curvos e retilíneos, de avanços e retrocessos, de aspirais ascendentes e des-cendentes, em que a dúvida sempre foi a mola propulsora da busca de entendimento do mistério homem-mundo-homem. Essa busca constante de explicações para os enigmas que se apresentam é o que se pode chamar de construção de conhecimento. Normalmente, quando se discute a forma como se constrói o conhecimento, as pessoas imaginam que ele está ancorado em algum lugar fora da relação do sujeito com o seu mundo. Pensa-se, por exemplo, que o conhecimento se restringe ao acúmulo de teorias previamente estabelecidas, ao deslocamento dessas teorias do seu contexto de produção e à instituição das mesmas como verdades absolutas. Assim, elas passam a constituir a única matriz explicativa para problemas/enigmas que circundam o homem e a sua existência. Essa forma de perceber o conhecimento gera um comportamento muito comum, que é a utilização de clichês, slogans, chavões e frases feitas para explicar, de maneira bastante simplista, qualquer situação que se apresente. Observa-se, por exemplo, uma redução da complexidade social quando a mesma é explicada simplesmente por dicotomias como: "classe dominante/ classe dominada"; "cidadão crítico/alienado"; "trabalho/exploração"; "luta de classe/poder dominante" e muitas outras formas maniqueístas de se pensar a realidade, como se essa pudesse ser classificada/ rotulada, polarizada, bi-partida, linearizada, sem que se faça uma contextualização dos fatores que a integram e a condicionam. Um outro exemplo dessa forma dicotômica de conceber o conhecimento pode ser observado em situações normalmente vivenciadas na escola, como ilustram as histórias a seguir:

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Sabemos, no entanto, que para conhecer, é necessário que o sujeito se coloque frente à realidade e a ela faça. Perguntas

No texto "A prova", observamos o professor como detentor único do conhecimento e, conseqüentemente, a relação de poder que ele exerce sobre aquele que "não conhece". O mesmo acontece na segunda história, na qual o detentor do saber inibe as manifestações de produção de conhecimento fora dos ditames e dogmatizações que envolvem as situações de aprendizagem na escola. Por outro lado, é preciso pensar que essas situações e concepções não se restringem aos muros da escola, mas, ao contrário, ultrapassam o cotidiano ali vivenciado e se disseminam nas relações sociais mais amplas.

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Sabemos, no entanto, que, para conhecer, é necessário que o sujeito se coloque frente à realidade e a ela faça perguntas. As respostas a essas perguntas é o que pode ser chamado de conhecimento. Esse conhecimento deve ser entendido como relativo porque é o produto dessas perguntas e não é, portanto, absoluto e nem neutro, pois sofre interferência dos sujeitos, que fazem as perguntas, com objetivos específicos e a partir de tempos e lugares também específicos.

Jornal o Globo/Fred Wagner, 27/04/97

Numa via de mão dupla, realidade e sujeitos se constroem mutuamente na e pela relação que se estabelece entre eles.

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A história em quadrinhos que introduz esta seção ilustra como a realidade é vista e compreendida diferentemente pêlos diversos sujeitos. E, pois, a realidade o ponto focal do processo de construção do conhecimento. Assim, é preciso compreender o que é a realidade enquanto objeto de estudo, pois ela não é algo que se constrói fora da relação com o sujeito. Ao contrário, é na interação com o sujeito que ela é significada. Por isso, cada sujeito a representa de forma diferenciada, pois as interações não se repetem, dependem da temporalidade sócio-histórica em que o sujeito se insere. Numa via de mão dupla, realidade e sujeitos se constroem mutuamente na e pela relação que se estabelece entre eles. A interrogação sobre a realidade é sempre feita a partir de um ponto de vista, social e historicamente determinado. Nesse sentido/ podemos dizer que o conhecimento é social e historicamente construído. Ele é uma forma de compreender e significar o mundo e a vida. E o que pode ser lido na história da ciência, seja no campo das ciências da natureza, seja no campo das ciências sociais. Seja passando por Aristóteles, Newton ou Einstein, seja passando por Descartes, Marx, Weber ou Freud. O ponto comum entre eles é a interrogação incessante na busca de compreensão da realidade, tanto natural quanto social. Tem-se, portanto, como ponto de partida, na produção do conhecimento, um ponto de vista sobre o qual se exerce uma ação reflexiva, utilizando-se de informações teóricas já produzidas, mas sempre desdogmatizando-as, para se permitir construir outros conhecimentos necessários à compreensão da realidade. Como exemplo desse processo de dogmatização/ desdogmatização, a história abaixo, cuja versão original é geralmente tomada como única e oficial, mostra que a troca de ponto de vista altera a versão e o sentido da história, relativizando a verdade e o conhecimento.

A troca de ponto de vista altera a versão e o sentido da história, relativizando a verdade e o conhecimento.

AO ROÃ MEIJA OU O PASSARINHO Era uma vez um passarinho. Um passarinho, bem passarinho mesmo, porque ele era bem pequenininho. Os irmãos dele eram bem maiores que ele. E quando a mãe trazia minhoquinhas e outros petiscos para os filhotinhos, o passarinho quase sempre acabava com o bico vazio. E, em vez de ir crescendo, como os irmãos, ele foi ficando do mesmo tamanho, mas cada vez mais magrinho. Às vezes a mãe até esquecia que ele existia. Porque ela nem via o passarinho no meio dos irmãos dele. A história que este passarinho mais gostava era "O Patinho Peio". Quando a mãe dele contava essa história ele ficava todo feliz. Não porque ele fosse feio. Mas era muito pequenininho, coitado. E ele sonhava que um dia ia crescer e ficar forte. Do mesmo jeito que o patinho feio fica grande e bonito naquela história. Um dia, os irmãos do passarinho estavam jogando futebol dentro do ninho. E o passarinho estava no gol. Um dos irmãos dele chutou com força a joaninha que eles usavam de bola. O passarinho deu um pulão para tentar pegar a joaninha. E caiu do ninho! E caiu lá no chão, porque ele e os irmãos dele ainda não sabiam voar. O passarinho ficou um tempão lá no chão. Pensando que a vida dele tinha acabado. Mas aí ele lembrou que os passarinhos voam. E tentou imitar a mãe dele batendo as asinhas. Bateu, bateu, bateu. Mas tudo o que aconteceu é que ele ficou cansado. E não conseguiu voar. Aí apareceu um gato. Lambendo os beiços de vontade de comer um passarinho. Veio vindo para perto do passarinho. Mais perto. E mais perto. E quando estava pertíssimo, o gato deu um pulo. Foi aí que o passarinho descobriu que os passarinhos, além de voar, podem dar aqueles pulinhos com as patinhas juntas. E pulou pra cá, pulou pra lá. Cada vez que o passarinho dava um pulinho, o gato dava um pulão. Mas não conseguiu pegar o passarinho, que de pulinho em pulinho chegou até o tronco de uma árvore. E se escondeu num buraquinho deste tronco. Um buraquinho tão pequenininho que só cabia o passarinho lá dentro. E tão pequeno era este buraquinho que o gato não conseguiu enfiar nem a ponta de uma de suas patas lá dentro. E percebendo que não ia conseguir agarrar o passarinho, o gato disse assim: - Sabe que eu estou com vontade de comer um ratinho? E foi embora.

Aí o passarinho saiu do buraco. E resolveu caçar uma minhoquinha para comer. Mas logo descobriu que só os passa-rinhos adultos conseguem caçar minhocas. Porque as minhocas são espertinhas.

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O passarinho já estava pensando em fingir que era um esquilo e comer uma avelã que estava ali perto. Mas então acon-teceu uma coisa extraordinária! Um menino e uma menina vieram pelo caminho da floresta de mãos dadas. Este menino e esta menina eram muito parecidos. Tão parecidos, que o passarinho pensou assim: "Eles devem ser irmãos!" O mais interessante é que o menino estava com um pedaço de pão na mão. E o passarinho ficou de boca aberta quando viu o que o menino estava fazendo, e exclamou: - Mas que coisa! Ele está tirando pedacinhos de pão e jogando no chão! Que sorte a minha! O passarinho não perdeu tempo e já foi comendo um pedacinho de pão. E outro. E outro. O passarinho seguiu a menina e o menino, aos pulinhos. E assim que o menino jogava um pedacinho de pão, o passarinho abocanhava. Mastigava. En-golia. E ia dando seus pulinhos. E abocanhando. E mastigando. E engolindo. Muito caminho depois, o pão acabou. Mas o passarinho não ficou triste, porque já tinha abocanhado, mastigado e en-golido muitos e muitos pedacinhos. Foi bem quando o pão acabou que as crianças olharam para trás. E descobriram que os pedacinhos de pão tinham sumido. - Foi aquele passarinho! - Disse a menina. - Ele vai ver só um coisa! - Disse o menino. E foi logo pegando uma pedra para atirar no passarinho. Foi aí que o passarinho descobriu que voar era muito fácil para quem tem duas asas. Ele ficou com tanto medo de levar uma pedrada, e se mexeu tanto que, quando percebeu, já estava voando, A floresta era muito bonita vista lá de cima. O passarinho viu muitos tipos de árvore. Rios, cachoeiras. E uma casa muito esquisita, mas muito bonita, com as paredes marrons e muitos enfeites coloridos. Parecia até que aquela casa era feita de coisas para se comer. Mas o passarinho nem pensou em voar para perto desta casa. Porque ele não estava mais com fome. Porque ele estava com a barriga cheia de pedacinhos de pão. E porque na frente daquela casa tinha uma velha descabelada e com cara de má. O passarinho voou e voou e conseguiu voltar para o ninho dele. A mãe e os irmãos se admiraram dele estar vivo. E grande. E forte. E voando! O passarinho se sentiu como o patinho feio, quando ele descobre que se transformou num lindo cisne. E ensinou os irmãos dele a voar. E mostrou para eles e para a mãe onde tinha pedacinhos de pão. Porque antes do passarinho come-çar a seguir as crianças, abocanhando, mastigando e engolindo, o menino e a menina já tinham deixado outros pedaci-nhos pelo caminho. E a família dele comeu bastante. E todos abraçaram e beijaram o passarinho. E ele voou bastante. E cresceu bastante. E viveu bastante feliz para sempre. Fim. Que história é essa?

O conhecimento sobre um determinado objeto pode ter diversas versões, dependendo de quem o conhece, quando o conhece, e para que busca conhecê-lo.

SOUZA, Flávio de. Que história é essa? São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1995. Como observamos, a troca do ponto de vista gerou uma outra versão da história. Da mesma forma, o conhecimento sobre um determinado objeto pode ter diversas versões, dependendo de quem o conhece, quando o conhece, e para que busca conhecê-lo.

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Estar atento às perguntas, aos pontos de vista é, portanto, promover a construção do conhecimento comprometido com os problemas sociais, culturais, econômicos e políticos do contexto vivido, traduzindo-o em produtos e processos úteis para a sociedade em geral. Isso significa romper com a representação segundo a qual o lugar de produção, circulação e utilização de conhecimento é, essencialmente, a comunidade acadêmica.

1.3. Fazer pesquisa é produzir conhecimento "(,.,) a formulação de um problema é mais essencial que sua solução" Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisar. Vem talvez agora a idade de uma outra experiência, a de desaprender, de deixar trabalhar o remanejamento imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas, das crenças que atravessamos. Essa experiência tem, creio eu, um nome ilustre e fora de moda, que ousarei tomar aqui sem complexo, na própria encruzilhada de sua etimologia: sapiência: nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria e o máximo de sabor possível." Roland Barthes A pesquisa é a atividade básica da Ciência na sua indagação e construção da realidade. É a pesquisa que alimenta a construção do conhecimento e o atualiza frente à realidade do mundo. Sendo assim, o ato de pesquisar é direcionado pela aquisição de um conhecimento que possibilita a solução e a explicação de fenômenos e problemas práticos da realidade cotidiana vivenciada pelo homem. O problema é, portanto, a base, o início da investigação: uma dúvida, uma questão, uma pergunta, que demanda a criação de novos referenciais. Como afirma Einstein: " (...) a formulação de um problema é mais essencial que sua solução". Isto porque a ciência não tem por finalidade descrever a realidade, mas lançar perguntas para resignificá-la.

2. Como se faz uma pesquisa Da construção do projeto à elaboração do relatório final

Para se elaborar um projeto de pesquisa, deve-se estar atento aos passos metodológicos que orientam a sua construção. Esses passos deverão direcionar a elaboração do projeto, seu desenvolvimento e a apresentação do relatório final.

No projeto de pesquisa, explicitam-se os motivos de ordem teórico-prática que Justificam a sua realização, bem como a utilização de uma dada metodologia de investigação.

O projeto se destina a abordar um determinado problema, caminhando da sua definição para as metas gerais e específicas que irão nortear a investigação, além de indicar os procedimentos metodológicos para a consecução de tais

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metas. No projeto de pesquisa, explicitam-se os motivos de ordem teórico-prática que justificam a sua realização, bem como a utilização de uma dada metodologia de investigação. Nos próximos itens, discutiremos os elementos constituintes de um projeto de pesquisa e os mecanismos envolvidos em sua construção.

2.1. O que pode ser um problema: aprendendo a olhar

Olhar as coisas significa olhar para tudo e em tudo perceber, captar as várias dimensões, os vários significados.

Ao propormos este subtítulo, estamos elegendo o olhar /como uma categoria metodológica da pesquisa. Entendemos que olhar significa captar a realidade por inteiro. Olhar para tudo. Olhar para entender. Olhar para perguntar. Olhar para se ver. Olhar para se conhecer. Olhar para romper com a unilateralidade com que muitas vezes se trabalha com o

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conhecimento. Olhar as coisas significa olhar para tudo e em tudo perceber, captar as várias dimensões, os vários significados. É, também, permitir olhares diferentes, pontos de vista desiguais, deixar aflorar o múltiplo do qual é feita a realidade. Olhar para a realidade significa, pois, problematizá-la.

2.2. Como problematizar: de que lugar eu pergunto, de que lugar eu busco as respostas?

O problema parte sempre do interesse do sujeito, ou V/seja, daquilo que o incomoda e, conseqüentemente, provoca uma pergunta. Por exemplo: por quê os alunos não aprendem? Por quê existe violência no mundo atual? A juventude atual é alienada? A mulher de hoje é mais emancipada? A religião é um f ator de alienarão? Por que a área social não é valorizada pelo governo?

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Um problema, para tornar-se um objeto de estudo, deve constituir-se, então, de uma pergunta básica, fatorada em questões menores que tentam explicar o fenômeno a partir de um campo específico de observação. No entanto/ não basta só o interesse para se ter um problema. As perguntas anteriores apontam para campos de observação que precisam ser fatorados em temas específicos, que, por sua vez, poderão se transformar num objeto específico de estudo. Tomemos como exemplo uma das perguntas feitas: por quê os alunos não aprendem? Fatorar esta pergunta até chegar ao problema implica em: a) estabelecer o campo de manifestação desse fenômeno: o fracasso escolar; b) escolher uma das manifestações desse fenômeno: o fracasso escolar na leitura e na escrita, na 1

a série do ensino

fundamental, em escolas da rede pública; c) escolher as possíveis variáveis para explicar a manifestação desse fenômeno: a condição sócio-econômica das famílias das crianças que fracassam; o nível de escolaridade dos pais das crianças que fracassam; o pouco acesso a materiais escritos das crianças que fracassam; a infreqüência das crianças na escola; etc.. Dessa forma, a pergunta inicial se transformaria na seguinte proposição de estudo: Um problema, para tornar-se um objeto de estudo, deve constituir-se, então, de uma pergunta básica, fatorada em questões menores que tentam explicar o fenômeno a partir de um campo específico de observação que delimita algumas variáveis a serem consideradas. "Um problema decorre, portanto, de um aprofundamento do tema. Ele é sempre individualizado e específico... deve ser formulado como pergunta... deve ser claro e preciso... deve ser limitado a uma dimensão variável." (MINAYO, 1998)

2.3. Problema e hipótese são a mesma coisa?

Análise dos fatores que interferem e/ou causam o fracasso escolar na leitura e na escrita de crianças de 1

a

série do ensino fundamental em escolas públicas.

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Posto o que é um problema, passemos então a discutir o que é uma hipótese e de que forma ela se relaciona com o problema. A formulação de uma hipótese está intimamente relacionada com a base teórica, o ponto de vista adotado pelo pes-quisador. A hipótese é, na verdade, uma resposta provisória à pergunta proposta no problema. É através dela que o pesquisador estabelece um diálogo entre o seu olhar e a realidade a ser investigada. Tomemos o exemplo dado no item anterior e vejamos que hipóteses poderíamos formular. Uma possível "resposta provisória" (hipótese) para esse problema poderia ser: essas crianças fracassam porque o método de aprendizagem da leitura e da escrita utilizado pelo professor não considera a realidade e os conhecimentos prévios produzidos por essas crianças.

A diferença entre hipótese e problema é que o problema é uma pergunta e a hipótese é uma resposta provisória p ara essa pergunta.

Outra hipótese poderia ser: o fracasso dessas crianças ocorre por um distanciamento entre as expectativas desses alunos para com a escola e os objetivos propostos pela mesma. Outras hipóteses ainda poderiam ser formuladas para esse problema, pois elas se originam dos conhecimentos prévios (leituras, observações, outras pesquisas, teorias, etc.) do pesquisador em relação à temática a ser pesquisada. Portanto, a diferença entre hipótese e problema é que o problema é uma pergunta e a hipótese é uma resposta provisória para essa pergunta.

2.4. O que me levou a perguntar e a escolher esse problema?

Análise dos fatores que interferem e/ou causam o fracasso escolar na leitura e na escrita de crianças de 1

a

série do ensino fundamental em escolas públicas.

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Tomemos, novamente, o problema proposto no item 2.2. e vejamos qual seria a sua relevância científica e social.

Justificar uma pesquisa significa, portanto, enquadrar o problema num campo de discussões teórico-metodológicas que dê sustentação ao estudo proposto.

Qual a razão científica e social de se pesquisar o fracasso escolar? Em que o estudo desse problema poderia contribuir, efetivamente, para alterar o entendimento da temática e ampliar o campo de conhecimento em que ela se insere? Que tipo de interferência pode advir desse estudo? Poderíamos justificar o problema a ser investigado a partir da compreensão do campo educacional que o envolve, da relação escola-sociedade, dos métodos e princípios pedagógicos, dos processos cognitivos que constituem os sujeitos envolvidos, bem como da compreensão dos conceitos de leitura e de escrita. Justificar uma pesquisa significa, portanto, enquadrar o problema num campo de discussões teórico-metodológicas que dê sustentação ao estudo proposto. Além disso, é indicar as contribuições teóricas que tal estudo pode trazer para área a ser pesquisada.

2.5. Para quê pesquisar tal problema?

Como pode ser observado, o objetivo geral nada mais é que o problema apresentado em forma de ação. Retomando o problema que tem sido focalizado como exemplo ao longo da discussão apresentada nesse manual, vejamos, agora, como propor objetivos que direcionem a sua investigação. Fatorar este problema em objetivos ou metas operacionalizáveis implica em estabelecer, primeiramente, o que se deseja alcançar com a pesquisa em termos mais amplos, ou seja: qual será o objetivo ou meta geral de investigação. No caso do problema aqui enfocado, poderíamos propor como objetivo geral:

Análise dos fatores que interferem e/ou causam o fracasso escolar na leitura e na escrita de crianças de 1

a

série do ensino fundamental em escolas públicas.

Análise dos fatores que interferem e/ou causam o fracasso escolar na leitura e na escrita de crianças de 1

a

série do ensino fundamental em escolas públicas.

Análise dos fatores que interferem e/ou causam o fracasso escolar na leitura e na escrita de crianças de 1

a

série do ensino fundamental em escolas públicas.

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Como pode ser observado, o objetivo geral nada mais é que o problema apresentado em forma de ação. Ou seja, o substantivo (análise) é transformado em um verbo no infinitivo (analisar). No entanto, apenas o objetivo geral não garante a explicitação das metas necessárias ao desenvolvimento da pesquisa. Por isso, é preciso fatorar o objetivo geral em objetivos específicos. Vejamos, por exemplo, alguns objetivos específicos para o problema aqui exemplificado:

� Identificar o índice de fracasso dos alunos da 1a

série de escolas públicas do ensino fundamental na leitura e na escrita.

� Caracterizar os problemas e dificuldades de aprendizagem desses alunos na leitura e na escrita. � Caracterizar os materiais didáticos utilizados no ensino da leitura e da escrita. � Caracterizar a realidade sócio-cultural desses alunos e de suas famílias. � Caracterizar as práticas de leitura e de escrita desses alunos fora do espaço escolar.

São os objetivos específicos que, na verdade, garantirão a consecução do objetivo geral e é na busca da operacionalização desses objetivos que surge a metodologia da investigação.

São os objetivos específicos que, na verdade, garantirão a consecução do objetivo geral.

2.6. Como Pesquisar tal problema?

A pesquisa empírica ou pesquisa de campo se caracteriza basicamente pelo contato com os dados no próprio lugar onde eles se manifestam. A pesquisa teórica tem, normalmente, como objeto de estudo um corpus de dados constituídos de estudos já realizados ou de documentos relacionados à temática.

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Existem várias formas de se investigar um problema. A escolha da forma mais adequada será determinada pela própria natureza do problema. Por exemplo, a metodologia mais adequada à investigação do problema que tem sido exemplificado aqui seria a pesquisa de base empírica/ uma vez que se trata de analisar um caso específico. A pesquisa empírica ou pesquisa de campo caracteriza-se basicamente pelo contato com os dados no próprio lugar onde eles se manifestam. Nesse tipo de pesquisa/ podemos contar com alguns procedimentos do tipo: observação, entrevista, análise de materiais, testes, questionários, definição da amostragem, etc. Outro tipo de metodologia é a pesquisa de base teórica, que se caracteriza pela análise de uma bibliografia específica sobre a temática a ser pesquisada. A pesquisa teórica tem, normalmente, como objeto de estudo, um corpus de dados constituídos de estudos já realizados ou de documentos relacionados à temática. Nessa pesquisa, os procedimentos definem-se essencialmente pela leitura, categorização e interpretação dos dados evidenciados nesse corpus. Como exemplo desse tipo de pesquisa, temos o Estado da Arte/ que tem como característica principal a organização e catalogação de um corpus de estudos já realizados e publicados sobre uma dada temática: sua amplitude, tendências teóricas, vertentes metodológicas, com o objetivo de descrever o processo de evolução da ciência num determinado momento. Sua contribuição principal é possibilitar a integração de diferentes áreas do conhecimento, permitindo a identificação de duplicações/ contradições e a determinação de lacunas ou vieses, dado que o corpus é resultante de diferentes linhas de pesquisa.

A metodologia vai, pois, orientar a escolha do campo ou espaço da pesquisa, a seleção da amostra, os instrumentos e procedimentos de análise dos dados.

É importante ressaltar que a pesquisa empírica não dispensa o levantamento de um referencial bibliográfico. Ao contrário, ela inicia-se com um mapeamento dos estudos já realizados, necessário à exploração do tema. A metodologia vai, pois, orientar a escolha do campo ou espaço da pesquisa, a seleção da amostra, os instrumentos e procedimentos de análise dos dados. Vejamos, então, o caso específico da organização metodológica da investigação do problema aqui exemplificado. Dado que será uma pesquisa de base empírica, um estudo de caso sobre o fracasso escolar na leitura e na escrita, o seu corpus de análise poderia ser:

� Alunos da primeira série de uma dada escola pública que apresentam dificuldades de aprendizagem na leitura e na escrita.

� Professores responsáveis pelo processo de ensino-aprendizagem desses alunos. � Pais ou responsáveis pêlos alunos envolvidos no processo. � Material didático-pedagógico utilizado por esses professores no ensino da leitura e da escrita.

Levantamento bibliográfico está implícito em todo o processo da pesquisa: desde a elaboração do projeto até o relatório final.

Para a seleção dos dados que integram esse corpus e que farão parte da análise, poderíamos elencar como pro-cedimentos:

� Observação do desempenho dos alunos nas tarefas de leitura e de escrita desenvolvidas em sala de aula e registro dessas observações.

� Seleção dos alunos que farão parte do corpus. � Entrevistas com os alunos selecionados. � Observação das intervenções da professora nas atividades desenvolvidas pêlos alunos com dificuldades na

leitura e escrita e registro dessas observações.

Análise dos fatores que interferem e/ou causam o fracasso escolar na leitura e na escrita de crianças de 1

a

série do ensino fundamental em escolas públicas.

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� Entrevistas com as professoras responsáveis pelo processo. � Entrevistas com os pais ou responsáveis pêlos alunos da amostra. � Leitura e caracterização do material didático-pedagógico utilizado no ensino da leitura e da escrita.

Para a organização e análise dos dados selecionados, teríamos como procedimentos:

� Categorização e análise dos dados registrados nas observações. � Transcrição, categorização e análise das entrevistas realizadas. � Categorização e análise dos dados obtidos na leitura dos materiais didático-pedagógicos. � Cruzamento desses dados à luz de um referencial teórico.

É importante lembrar que o levantamento bibliográfico está implícito em todo o processo da pesquisa: desde a elaboração do projeto até o relatório final.

E importante lembrar que o cronograma é uma previsão do tempo a ser gasto com a pesquisa, podendo, no entanto, ser modificado conforme o andamento da investigação.

Nesse sentido, ele se inclui em cada uma das etapas de investigação, estando presente em todos os procedimentos: da seleção da amostra à analise dos dados. Definidos os procedimentos metodológicos, é necessário estabelecer um tempo para a sua realização. Isto é o que normalmente chamamos de cronograma da pesquisa. Desse modo, cada um dos procedimentos definidos deve seguir um tempo previsto para a sua realização. Muitos desses procedimentos podem ser realizados simultaneamente. Vejamos, nas paginas seguintes, um cronograma possível para os procedimentos aqui estabelecidos. É importante lembrar que o cronograma é uma previsão do tempo a ser gasto com a pesquisa, podendo, no entanto, ser modificado conforme o andamento da investigação.

PROCEDIMENTO MÊS 1 MÊS 2 MÊS 3 MÊS 4 MÊS 5 MÊS 6 MÊS 7 MÊS 8

Levantamento bibliográfico X X X X X X X X

Seleção do corpus X X

Observações X X X X X

Entrevistas X X

Transcrição das entrevistas X X

Análise das observações e das entrevistas

X X X

Leitura e análise do material didático-pedagógico

X X X X

Cruzamento de dados X X

Elaboração do relatório final X X X

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2.7. Como apresentarei os resultados da pesquisa?

Os resultados finais da pesquisa podem ser apresentados sob a forma de: um artigo para revista especializada, um relatório, uma monografia, uma dissertação ou uma tese. Todos esses formatos seguem normas e padrões estabelecidos pela ABNT, cujo endereço eletrônico é: http://www.editoras.com/ufmg. Sempre que necessário, essas normas devem ser consultadas. Qualquer que seja a forma escolhida de apresentação dos resultados finais, essa deve conter sempre: a) uma introdução, na qual se familiariza o leitor com objeto, os objetivos e a metodologia da pesquisa; b) um desenvolvimento, que se constitui de itens ou capítulos que descrevem detalhadamente os resultados obtidos na investigação; c) uma conclusão, que contém a análise dos resultados obtidos, podendo apontar para a necessidade de outras investigações.

É importante lembrar que a indução de todo e qualquer texto deve Considerar a definição de um leitor-modelo a quem o texto terá direcionado.

Além desses aspectos formais, é importante lembrar que a produção de todo e qualquer texto deve considerar a definição de um leitor-modelo a quem o texto será direcionado, a escolha de uma linguagem adequada a esse leitor, o objetivo do texto a ser produzido, bem como a forma de circulação desse texto.

3. E agora? Preste atenção ao diálogo dos personagens:

E você, o que diria? Fazer pesquisa é um problema? Ou toda pesquisa envolve um problema?

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Bibliografia BARROS, Aidil de Jesus Paes & LEHFELD, Neide Aparecida de Souza. Projeto de pesquisa: propostas metodológicas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. BASTOS, Cleverson & KELLER, Vicente. Aprendendo a aprender: introdução à metodologia científica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. BROWNE, Dick. [ tradução de Clarissa Becker] O melhor do Hagar. Porto Alegre: L&PM, 1996. FRANÇA, Júnia Lessa, et al. Manual para normalização de publicações técnico-científicas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998. GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar. Rio de Janeiro: Record, 1998. LAVILLE, Christian & DIONNE, Jean. [adaptação Lana Mara Siman]. A construção do saber. Porto Alegre: Artes Médicas; Belo Horizonte: Editora UEMG, 1999. MINAYO, M

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