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T HE L AST REMAINING L IGHT: * O SUICÍDIO DE CHRIS CORNELL ATRAVÉS DA ÓTICA DO FAIT DIVERS Fábio Cruz & Arthur Freire Simões Pires Universidade Federal de Pelotas DOI: 10.25768/20.04.01.010 Índice 1 Shadow On The Sun – Aspectos In- trodutórios .............. 2 2 Hunger Strike – Apresentação dos objetos de análise .......... 4 3 Superunknown – Suicídio na mídia . 4 4 Preaching The End Of The World – Mídia e Sensacionalismo ...... 6 5 Out Of Exile – O Fait divers barthe- siano ................. 7 6 Wide Awake – Análise e apresenta- ção dos resultados .......... 8 7 Head Down – Considerações finais . 10 8 Songbook – Referências Bibliográ- ficas ................. 10 * Música presente no disco Audioslave, homônimo à banda a qual lançou o trabalho. A tradução livre da can- ção é A Última Luz Remanecente. Sua escolha é devido a uma homenagem ao cantor que faz parte do corpus do es- tudo. Ou seja, seu uso tem cunho metafórico, como a “luz do fim do túnel”, especialmente devido a outra temática trabalhada no corpus, o suicídio. O refrão da obra signi- fica (tradução livre): “se você não acredita que o Sol vai se levantar, fique sozinho e cumprimente a noite que vem, na última luz remanescente”. c 2020, Fábio Cruz & Arthur Freire Simões Pires. c 2020, Universidade da Beira Interior. O conteúdo deste artigo está protegido por Lei. Qualquer forma de reprodução, distribuição, comunicação pública ou transformação da totalidade ou de parte desta obra ca- rece de expressa autorização do editor e do(s) seu(s) au- tor(es). O artigo, bem como a autorização de publicação das imagens, são da exclusiva responsabilidade do(s) au- tor(es).

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THE LAST REMAINING LIGHT:∗O SUICÍDIO DE CHRIS CORNELLATRAVÉS DA ÓTICA DO FAIT DIVERS

Fábio Cruz & Arthur Freire Simões Pires

Universidade Federal de Pelotas

DOI: 10.25768/20.04.01.010

Índice

1 Shadow On The Sun – Aspectos In-trodutórios . . . . . . . . . . . . . . 2

2 Hunger Strike – Apresentação dosobjetos de análise . . . . . . . . . . 4

3 Superunknown – Suicídio na mídia . 44 Preaching The End Of The World –

Mídia e Sensacionalismo . . . . . . 65 Out Of Exile – O Fait divers barthe-

siano . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 Wide Awake – Análise e apresenta-

ção dos resultados . . . . . . . . . . 87 Head Down – Considerações finais . 108 Songbook – Referências Bibliográ-

ficas . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

∗Música presente no disco Audioslave, homônimo àbanda a qual lançou o trabalho. A tradução livre da can-ção é A Última Luz Remanecente. Sua escolha é devido auma homenagem ao cantor que faz parte do corpus do es-tudo. Ou seja, seu uso tem cunho metafórico, como a “luzdo fim do túnel”, especialmente devido a outra temáticatrabalhada no corpus, o suicídio. O refrão da obra signi-fica (tradução livre): “se você não acredita que o Sol vaise levantar, fique sozinho e cumprimente a noite que vem,na última luz remanescente”.

c© 2020, Fábio Cruz & Arthur Freire Simões Pires.c© 2020, Universidade da Beira Interior.

O conteúdo deste artigo está protegido por Lei. Qualquerforma de reprodução, distribuição, comunicação públicaou transformação da totalidade ou de parte desta obra ca-rece de expressa autorização do editor e do(s) seu(s) au-tor(es). O artigo, bem como a autorização de publicaçãodas imagens, são da exclusiva responsabilidade do(s) au-tor(es).

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Fábio Cruz & Arthur Freire Simões Pires

1 Shadow On The Sun2 – AspectosIntrodutórios

A madrugada entre os dias 17 e 18 maio de2017 foi marcada por uma notícia que

trouxe o luto sobre os fãs de um dos músicosconsiderados mais importantes para o movi-mento Grunge3. Noticiava-se a morte de Ch-ris Cornell4, até aquele momento, sem causaconfirmada.

Após um show, realizado em Detroit (Mi-chigan, EUA), o cantor causou estranhamentoem sua esposa, Vicky. A maneira a qualele falava não condizia com seu comporta-mento usual. Segundo ela, durante uma li-gação telefônica, suas palavras soavam arras-tadas, com erros nos dizeres e, em algumasvezes, apresentavam uma maneira mais agres-siva de se expressar.

Assim que a conversa se encerrou, Vickyentrou em contato com o segurança particularde Cornell, Martin Kirsten, e relatou suas sus-peitas. Com isso, o funcionário foi ao quartodo cantor e – sem sucesso – não conseguiu res-posta alguma. O guarda-costas arrombou duasportas, a do apartamento em que o rockstar es-tava hospedado e a de seu quarto, até que en-controu o compositor caído, com sangue es-correndo de sua boca e uma faixa de exercí-cios físicos vermelha em volta de seu pescoço.

Começa-se a questionar a sobriedade deCornell. Algum tempo depois, quando feitaa autópsia, foram descobertas no organismodo músico Butalbital5, Lorazepam6 (quatrodoses), Naloxona7, Pseudoefedrina8 e ca-feína9.Segundo estudo do psiquiatra, Tyler

2 Canção do disco Audioslave, da banda Audioslave, lan-çado em 2002. Sua tradução (livre) significa “Sombra noSol”. Na música, o eu-lírico se coloca – dentro da poesiada música – como a sombra no Sol e, ao longo da letra elese coloca como sabedor de alguns conflitos existenciaisestabelecidos. Ela foi escolhida para a Introdução comoum símbolo de luto em homenagem ao músico.

3 Grunge é um estilo surgido em Seattle, Washington, EUA.Também conhecido como Seattle Sound, o subgênero doRock, surgiu do movimento underground e independenteda cidade. Influenciado por outros subgêneros como PunkRock e Heavy Metal, o Grunge se destacou entre a se-gunda metade da década de 1980 e a primeira metade dadécada de 1990. Com letras majoritariamente de cunhointrospectivo, crítico quanto a questões sociais e conflitosexistenciais, o estilo tem como artistas-símbolo os gruposNirvana, Soundgarden, Alice In Chains, dentre outros.

4 Nome artístico de Christopher John Boyle, músico, voca-lista, guitarrista e baterista de projetos como Soundgarden(1984 – 1997, 2010 – 2017), Audioslave (2001 – 2007,2017), Temple Of The Dog (1990 – 1992), além de suacarreira como artista solo.

5 Composto químico de uso terapêutico, utilizado como an-tiepilético, sedativo e no tratamento de insônia. Um dosefeitos colaterais, quando utilizado em doses contraindi-cadas ao paciente, é depressão profunda. O medicamentotambém pode causar sonolência, tremor constante (ou per-sistente), shuffeling walk (propensão a tropeçar, dificul-dade em manter equilíbrio – tradução livre), febre, difi-culdade em respirar, além de outros efeitos. Disponívelem www.drugs.com/fioricet.html.

6 Conhecido comumente como Ativan, é um medicamentoutilizado para pacientes os quais sofrem de ansiedade.Seus efeitos colaterais, quando ingerido em excesso, po-dem ser: confusão, inibição de formação de novas me-mórias (quando sob efeito) e ataxia (perda da coordena-ção motora). Além disso, o Lorazepam pode ocasionar,segundo o psiquiatra Tyler Dodds (psiquiatra formado naUniversidade de Yale), autor do artigo Prescribed Benzo-diazepine sand Suicide Risk (“Benzodiazepinas Prescritase Risco de Suicídio” – tradução livre), uma elevação dorisco de suicídio, como o nome de seu trabalho propõe.Disponível em www.drugs.com/lorazepam.html.

7 Substância utilizada para reverter ou bloquear opiá-ceos (que são substâncias utilizadas para aliviar dores,como morfina). Utilizados para tratar overdoses narcó-ticas em situações de emergência. Em caso de over-dose, os sintomas passam por: tremores, taquicardia, au-mento da pressão sanguínea, irritabilidade, nervosismo,calafrios, tremeliques, coriza, dentre outros. Disponívelem www.drugs.com/naloxone.html.

8 É um descongestionante que diminui os vasos sanguíneosnas passagens nasais, utilizado no tratamento de conges-tionamento nasal, consequentemente. Seus efeitos cola-terais vão de tontura severa, ou ansiedade severa, pres-são sanguínea perigosamente alta (ocasionando, visão bor-rada, dores no peito), dentre outros sintomas. Disponívelem www.drugs.com/ephedrine.html.

9 A cafeína pode gerar insônia, ansiedade, irritabilidade,náuseas, dores de cabeça, reações alérgicas, palpitações,aumento da pressão sanguínea, dores no peito, dentre ou-tros sintomas, quando consumida em excesso. Disponívelem www.drugs.com/caffeine.html.

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Dodds (2017)10, as duas primeiras substânciasagem nos mesmos receptores do corpo hu-mano e, a partir disso, acontece um aumentodos efeitos colaterais.

The majority of the studies foundthat benzodiazepines were associa-ted within creased suicide risk. Thisfinding was consistente across va-rious populations and diferente ty-pes of research, including a placebo-controlled crossover trial, a la-boratory model of suicidal beha-vior, case-control studies regardingcompleted suicides on in patientunits, and large naturalistic stu-dies.11 (Dodds, 2017)12

O artigo Prescribed Benzodiazepines andSuicide Risk, do médico americano, expõe nú-meros e relações entre efeitos colaterais dosmedicamentos que, no caso, podem impulsio-nar suicídios.

A morte do vocalista foi um choque para omundo da música, visto que ele tinha 52 anose outros vocalistas de seu estilo (o grunge) jáeram falecidos, restando apenas um dos front-men13 das principais bandas do subgênero14.As primeiras horas tiveram grandes movimen-tações nas mídias sociais de ex-colegas debanda, de profissão, além de companheirosde vida. Ao passo que a perícia foi desco-

brindo mais conteúdo do falecimento de Cor-nell, mais informações eram divulgadas pelosveículos jornalísticos. No dia 18 de maio, omundo recebia a notícia do suicídio do mú-sico.

Ao analisarmos dados estatísticos da Or-ganização Mundial da Saúde (OMS), cerca de800 mil pessoas se suicidam anualmente, equando se trata de tentativas de suicídio, o nú-mero é ainda maior.

Do ponto de vista científico, mais es-pecificamente da suicidologia, já sesabe que, na maioria absoluta dos ca-sos (aproximadamente 90%), o au-toextermínio está associado a pato-logias de ordem mental diagnosticá-veis e tratáveis, razão pela qual nãoé mais possível dizer que alguémcom o ímpeto esteja irremediavel-mente condenado a cometê-lo (Tri-gueiro, 2015, p. 12).

Por conta disso, no presente artigo, volta-remos nossas atenções à notícia do suicídio deChris Cornell, utilizando como base teórica acategoria do fait divers, formulada pelo soció-logo francês Roland Barthes. Os fatos diver-sos, ou casos do dia, se dão por uma conceitu-ação a partir de tipologias de artifícios notici-osos na busca pela atenção cativa do público oqual consome a notícia.

10 Formado em medicina pela Yale University, com residên-cia e estágio na Harvard LongwoodPsy. Dodds é espe-cializado em psiquiatria e atualmente faz parte do corpomédico do Austen Riggs Center, em Stockbridge, Massa-chusetts (EUA).

11 A maioria dos estudos encontraram que benzodiazepinosforam associados a um aumento do risco de suicídio. Essadescoberta foi consistente através de várias populações ediferentes tipos de pesquisa, incluindo um crossover trial(teste no qual os pacientes são submetidos a várias for-mas distintas de tratamento) controlado por placebo, ummodelo laboratorial de comportamento suicida, estudos decaso e controle sobre suicídios em unidades de internaçãoe grandes estudos naturalistas. (Tradução livre)

12 Disponível em www.psychiatrist.com/PCC/article /Pa-ges/2017/v19n02/16r02037.aspx.

13 Frontman é uma expressão que, na tradução literal, signi-fica “homem da frente”. No mundo da música, se refere ao(s) músico (s) que fica à frente da banda, um dos membrosde maior exposição visual.

14 De cinco grandes bandas do grunge, apenas o Pearl Jam,do vocalista Eddie Vedder, ainda tem seu “cantor original”vivo. Figuras como Laney Stanley (Alice In Chains), KurtCobain (Nirvana), Scott Weiland (Stone Temple Pilots) e,agora, Chris Cornell vieram a falecer.

15 Sendo dois grandes veículos de renome internacional, am-bos tiveram conteúdo autoral e cobertura da pauta. O Ti-mes é o jornal de segunda maior circulação nos EUA e aagência de notícias Associated Press teve seu conteúdousado como referência para diferentes jornais brasileirose americanos. Desta forma, eles comprovam relevânciapara serem utilizados como corpus do trabalho.

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A partir disso, buscamos jornais que apre-sentaram material autoral sobre o aconteci-mento, chegando à Associated Press e aoThe New York Times15. Assim, a partir deuma abordagem barthesiana, analisaremos asmatérias jornalísticas a respeito da morte dorockstar – a partir dos seus elementos noticio-sos – de ambos os veículos acima menciona-dos.

Uma vez que existe uma divergência deopiniões entre a classe profissional quando setrata de noticiar um suicídio, consideramosimprescindível um estudo sobre a maneira aqual a pauta é tratada. Especialmente no casode uma figura globalmente conhecida – queera o caso de Cornell – este fator contribuipara a avaliação do tratamento dos repórterescom a narrativa textual.

Para entender a ideia trabalhada, precisa-mos compreender o conceito de “sensaciona-lismo” estudado no presente artigo. Adotandoa obra de Angrimani (1995), a definição dedicionário para o termo se dá por uma con-jectura exagerada do conteúdo, a qual buscausar elementos que espantam, assustam, im-pactam. É a tentativa de “pescar”16 emoçõesmais acentuadas, profundas, como exempli-fica a teoria de Roland Barthes.

2 Hunger Strike17 – Apresentaçãodos objetos de análise

Chris Cornell foi um músico nascido em Se-attle (EUA), onde começou sua carreira como

baterista e, por conta de sua virtuosidade, seexpandiu à guitarra, ao contrabaixo e aos vo-cais. O multi-instrumentista é conhecido porseu trabalho no Soundgarden, uma das ban-das consideradas mais icônicas do movimentoGrunge. Além disso, em 1991, alguns inte-grantes desse conjunto formaram um super-grupo18 – o Temple of the Dog – com mem-bros do grupo Pearl Jam, em homenagem a umamigo dos músicos.

Após o término do conjunto de Seattle, ocantor, o qual se destacava por ser o princi-pal compositor do grupo, iniciou uma carreirasolo produzindo músicas que marcariam a suacarreira. No entanto, pouco tempo depois deseu primeiro disco solo – Euphoria Morning –ele se juntou com os instrumentistas da bandaRage Against The Machine para formar o Au-dioslave.

Depois de três álbuns lançados, o fim destenovo supergrupo foi dado e Cornell voltounovamente suas atenções à carreira solo commais três discos até o anúncio da volta doSoundgarden (em 2010). A banda, no fim de2012, anunciou King Animal, mais um long-play para a sua discografia. Já o ano de 2015contou com mais um lançamento de disco deCornell e, pouco tempo antes de sua morte, omúsico havia publicado em suas mídias soci-ais o single The Promise, de um novo trabalho.

3 Superunknown19 – Suicídio namídia

16 O termo “pescar” é empregada como uma metáfora ilus-trativa. O sujeito que aplica os artifícios sensacionalistaspara atingir as sensações do receptor e buscar sua atençãocativa. Ou seja, as ferramentas do fait divers para prendero consumidor da informação, como um anzol em relaçãoa um peixe.

17 Música presente no álbum Temple Of the Dog (1991), dabanda homônima. Sua tradução (livre) significa “Greve defome”. A utilização se dá no porquê do disco. O álbumfoi uma homenagem à Andrew Woods, amigo dos músi-cos que havia falecido. Os autores do presente trabalhoescolheram a canção como uma forma de homenagem aChris Cornell.

18 Quando músicos de diferentes bandas conhecidas em umcenário musical se juntam em um conjunto só, é chamadode supergrupo. A categorização se deve a relevância dosmúsicos em relação a cena musical em que estão inseridos.

19 Nome do quarto disco da banda Soundgarden, e nome dasétima música do mesmo disco. A escolha desta cançãopara o tópico deve-se à sua tradução (livre): Superdesco-nhecido. De forma que há um desconhecimento de váriosdos profissionais de imprensa sobre as indicações e manei-ras de noticiar o suicídio.

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Figura 1. Le Suicidé, de Édouard Manet. Óleo sobre tela. 1877-1881.21

“Chris Cornell morre aos 52 anos”, foi anotícia espalhada e divulgada no primeiro mo-mento. Depois disso, quando confirmado osuicídio, alguns veículos estampavam este au-tocídio nos títulos de suas matérias. É muitoraro ver uma notícia de morte causada pelaprópria pessoa ser noticiada, seja no Brasilquanto no resto do mundo. Por conta disso,quando um ícone comete este tipo de ação, équase uma obrigação falar sobre este assunto,não só pelo que significa o suicida, mas pelainfluência dele sobre o seu público.

Em artigo publicado no Observatório daImprensa22, Grando disserta, logo na primeirafrase do texto, sobre uma espécie de pactofeito historicamente. Segundo ela,

existe uma convenção profissionalextra-oficial, uma espécie de acordoentre cavalheiros, que determina:suicídios não serão noticiados pelagrande imprensa. Ninguém sabeexatamente quando foi que este

acordo foi selado, nem precisamentepor que.23

Nesse sentido, Trigueiro (2015) expõe quea falta de espaço na discussão desta causadentro da mídia se dá devido a uma desin-formação. Além disso, o autor também co-loca que, assim como vacinas, medicamentose outros métodos de prevenção de doenças fo-ram altamente difundidos ao longo da histó-ria. Portanto, a precaução e a acessibilidadepara ajuda em casos de possíveis suicidas nãodeveriam ser diferentes.

Considerando a dificuldade da difusão deinformações de ajuda para este tipo de pro-blema, a OMS (2000) lançou “Prevenção doSuicídio: um manual para profissionais da mí-dia”, a partir do qual a Organização dissertasobre a questão história do espalhar de histó-rias de suicidas. Segundo ele, “os suicídiosque mais provavelmente atraem a atenção dosmeios de comunicação são aqueles que fogemaos padrões usuais. Na verdade, chama a aten-ção o fato de que os casos mostrados na mídia

20A arte influencia e contribui na expressão e formação dosseres humanos. O cantor que é pauta do corpus a ser anali-sado tem reconhecimento global por sua carreira artística.Por conta disso, acreditamos que a integração das dife-rentes artes contribui positivamente para a ilustração e odespertar da sensibilidade quanto ao tema tratado.

21 A pintura Le Suicide, de Édouard Manet, foi empregadacomo uma forma de ilustração.

22 Disponível em http://observatoriodaimprensa.com.br/ so-bre/.

23 http://observatoriodaimprensa.com.br/diretorio-academico/o-suicidio-na-pauta-jornalistica/

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são quase que invariavelmente atípicos ou in-comuns”24 (a partir disso, já há uma ligaçãomuito forte entre o noticiar de um suicídio eo fait divers). Portanto, o documento se mos-tra significativo da narrativa jornalística, auxi-liando na prevenção da catástrofe que é o fimde uma vida.

Além de citar fontes confiáveis para buscade dados, o manual indica cuidados na leituradeles. Uma das recomendações no noticiar deum autocídio é evitar a generalização (outraomissão do código de ética dos jornalistas bra-sileiros, a omissão em relação a qualquer ge-neralização), e o uso de termos que sistemati-zam os índices de autodestruição25.

Ademais, em casos específicos de suicí-dio, o guia coloca sete itens indicando formasespecíficas de manuseio das informações.

A cobertura sensacionalista de umsuicídio deve ser assiduamente evi-tada, particularmente quando umacelebridade está envolvida. A cober-tura deve ser minimizada até ondeseja possível. Qualquer problema desaúde mental que a celebridade pu-desse apresentar deve ser trazido àtona. Todos os esforços devem serfeitos para evitar exageros. Deve-se evitar fotografias do falecido, dacena do suicídio e do método utili-zado. Manchetes de primeira páginanunca são o local ideal para uma cha-mada de reportagem sobre suicídio.(OMS, 2000, p. 7)

Considerando isso, abordaremos, a seguir,

a relação Mídia e Sensacionalismo visandocontextualizar e fomentar mais um lugar defala para contribuir para o aprofundamento daanálise. Desta maneira, acreditamos ser pos-sível criar um estudo mais embasado ao passoque se associa o suicídio na mídia e o uso dosensacionalismo.

4 Preaching The End Of The World26

– Mídia e Sensacionalismo

A discussão do uso do sensacionalismo (po-deríamos dizer, por vezes, até sobre um su-persensacionalismo27) é frequente na acade-mia e no exercício da profissão (ou seja, nomercado de trabalho), sendo costumeiramentecolocado em debate quanto à questão ética daprofissão.

Angrimani (1995) explica que o termo éconduzido a uma imprecisão por conta de ummau entendimento, causando uma deturpaçãodo termo. Desta forma, ele é sempre vistocomo algo necessariamente depreciativo, indoalém do exagero. De maneira que, devidoa esta ressignificação causada pelo senso co-mum, o fazer “sensacionalismo” seja interpre-tado como deslizes das linhas editoriais, im-precisões e distorções das informações leva-das aos receptores.

Apesar dessa radicalização do termo, Ra-mos (2004, p. 5) coloca, em um de seus en-saios, que “em maior ou menor grau, a Mídiaé sensacionalista por natureza. É o agente dainterpelação que busca o reconhecimento in-terpelado e sua consequente submissão. (...)Não há como abdicar do Sensacionalismo, ex-plícito ou implícito, mas presente”. Ou seja,

24 Disponível em http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/67604/7/WHO_MNH_MBD_00.2_por.pdf. p. 4.

25 Como “epidemia de suicídios”, “surto de suicídios”, “olugar com maior taxa de suicídios do mundo”.

26 Música presente no disco solo de Chris Cornell, EuphoriaMorning (1999). Na tradução (livre): Pregando o fim domundo. Uma ironia utilizada pelos autores numa relaçãodireta com o tema tratado no tópico: o exagero e a relaçãomídia e sensacionalismo.

27 O supersensacionalismo, no caso, se refere a comuni-cadores e veículos que transformam o chocante em umabengala espetaculosa. Ou seja, instrumento de apoio parao (s) programa (s) quase sempre no ápice do espetáculo,com isso, sempre secundarizando o conteúdo principal edramatizando seus elementos – relação direta com o faitdivers. Alguns ícones seriam programas televisivos comoBrasil Urgente (da Band TV) e Cidade Alerta (Rede Re-cord), por exemplo.

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o chocante e o esdrúxulo serão ressaltados dealguma maneira.

A questão por trás do tópico aqui colo-cado é a forma como é apresentada a infor-mação. Levando em conta esta perspectiva,todo conteúdo jornalístico, de alguma ma-neira, visa aproximar, causar, ou prender aaudiência, mas, no caso, ela pode extrapolarquestões morais, éticas e de bom senso. Por-tanto, o polemizado deve ser a quase exclusi-vidade do uso de elementos que tangem o faitdivers em uma matéria jornalística, então se-cundarizando a mensagem e visando apenaslucratividade e audiência. Com isso, coloca-mos na discussão a questão do suicídio, tra-balhada ao longo do artigo, considerada pelosautores, um tabu na mídia brasileira e mun-dial.

5 Out Of Exile28 – O Fait diversbarthesiano

Como dito anteriormente, o trabalho tomacomo principal norte teórico a categoria faitdivers, de Barthes (1964). A partir de seus es-tudos, o pensador francês analisou diferentesusos exacerbados de sensacionalismo na mí-dia e assim passou a categorizar e subcatego-rizar esta utilização.

Os dois gêneros dos casos do dia são osde causalidade e de coincidência. Cada umapresenta dois subtipos e todos os termos temuma explicação dentro do fenômeno. O faitdivers de causalidade tem como “descenden-tes” a causa esperada e a causa perturbada. Jáo de consequência traz a antítese e a repetição.

O conceito dos fatos diversos de causa es-perada se dá pela identificação do público como assunto tratado. Como seu próprio nomediz, a causa é esperada, ou seja, o desenrolarda notícia tende a ser dedutível. Mas uma ou-tra tendência dele, tornando-se seu diferencial,por assim dizer, é o dramatis personae (per-

sonagem dramático). Desta forma, a históriaterá uma centralização em algum personagemem algum tipo de situação de risco ou vulnera-bilidade, produzindo – esta é a intenção – umaforma de consternação para o público.

O segundo subtipo é o de causa pertur-bada. “Na causa perturbada ocorrem fatos ex-cepcionais, espantosos, que implicam pertur-bação, conflito. Há um efeito (o conflito surgedaí)”. Destarte, “a causa é desconhecida, im-precisa ou, até mesmo, ilógica, sem sentido.Não obstante, uma pequena causa pode pro-vocar um grande efeito. Há uma riqueza dedesvios causais” (Cruz, Curi. 2015, p. 75).Naturalmente, há um enfoque maior na ori-gem da causa para o efeito ocasionado, devidoà imprevisibilidade dela.

O outro tipo de fait divers, o de coincidên-cia, tem a repetição e a antítese como suassubtipologias. Barthes coloca que a repeti-ção faz com que o receptor possa imaginaruma causa desconhecida, enquanto acompa-nhada de um efeito. Como apontam Cruz eCuri (2015), o repetir da informação ocasionao imaginar de uma causa desconhecida, a qualocorre em diferentes circunstâncias.

A antítese une dois termos opostos, comose nunca tivessem sido, estabelecendo a no-ção de conflito, disponibilizando a emociona-lidade. Em cada termo, pertencendo a um per-curso autônomo de significação, a relação decoincidência apresenta, como função parado-xal, fundir dois percursos diferentes em umpercurso único (Ramos, 1999).

Assim, todo fait divers comportapelo menos dois termos, ou, se sepreferir, duas notações. E pode-semuito bem levar adiante uma pri-meira análise do fait divers sem sereferir à forma e ao conteúdo dessesdois termos: a sua forma, porque afraseologia da narrativa é estranha à

28 Canção-título do segundo álbum da banda Audioslave,de 2005. Sua tradução (livre) significa “Fora de Exílio”.Foi selecionada como título do tópico como um posicio-namento nosso em relação a suicídio na mídia, visto como

um tabu. Portanto, simbolizando a saída de um exílio defala através da teoria trabalhada.

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estrutura do fato contado, ou, paraser mais preciso, porque essa estru-tura não coincide fatalmente com aestrutura da língua, se bem que sóa possamos atingir através da línguado jornal: a seu conteúdo, porque oimportante não são os próprios ter-mos, o modo contingente como sãosaturados (por um crime, um incên-dio, um roubo etc.), mas a relaçãoque os une. É essa relação que sedeve interrogar primeiro, se se querapanhar a estrutura do fait divers,isto é, seu sentido humano. (Barthes,1964, p. 2)

Conforme dito anteriormente, analisare-mos duas notícias sob o olhar da teoria barthe-siana por conta da gravidade a qual o assuntosuicídio apresenta. Levando isso em consi-deração, Trigueiro (2015) critica abertamentea omissão dos veículos quando o assunto é aautodestruição, assim como critica o mito do“não falar sobre” por conta de outro mito, ode crescimento de números quando noticiadoo suicídio. O estudo consiste em buscar a apli-cação dos conceitos de Barthes nos textos ena forma pela qual o acontecimento foi infor-mado aos receptores.

6 Wide Awake29 – Análise eapresentação dos resultados

A primeira parte da análise será conjunta eabordará a questão dos títulos. No estampardo The New York Times há os dizeres: ChrisCornell, Soundgarden and Audioslave Front-man, Dies at 5230. Ou seja, além do nomeda vítima, são dadas duas “credenciais” desua carreira, oferecendo ao público vínculos

de memória com seus trabalhos. Além disso,existe o destaque para a idade de morte, 52anos. A informação choca não só pela mortede um famoso, mas por sua idade em relaçãoà expectativa de vida do país o qual ele vivia,os EUA.31

Já a Associated Press escreve Lauded roc-ker Chris Cornell killed himself by hanging32.Aqui já se pode problematizar – comparativa-mente – ambas chamadas. O fato de se tratarde uma pessoa famosa chama a atenção. Porconta disso, as pessoas as quais se identificam,gostam ou consomem trabalhos do músico emquestão, tendem a ser leitores da matéria. As-sim como outras pessoas que conhecem o can-tor.

Portanto, assume-se que a matéria irá teracesso de uma fatia da audiência apenas pelonome do artista. Ao passo em que se dá aidade dele, há o chamamento, por assim di-zer, de uma outra parte do público. Especi-almente, na matéria da AP, há um ponto fri-sado negativamente pelo manual da ONU, queé “a glorificação de vítimas de suicídio comomártires e objetos de adoração pública podesugerir às pessoas suscetíveis que a sociedadehonra o comportamento suicida. Ao contrário,a ênfase deve ser dada ao luto pela pessoa fa-lecida”. Ou seja, a segunda matéria já começacometendo gafes, visto que o significado dapalavra “lauded” é louvado, glorificado etc.

Ambos títulos se utilizam do fait divers decausa perturbada. Segundo Ramos (2004, p.68), “há o desconhecimento causal e quandouma pequena causa produz um grande efeito”.Então, uma vez que os elementos como idadee/ou fama chocam e as razões do autocídio sãodesconhecidas – e, no caso do NYT, não haviase falado em suicídio, naquele ponto –, forma-se a incompreensão da causa. Além disso, am-

29 Música presente no trabalho Revelations, da banda Audi-oslave. Sua tradução (livre) é “bem acordado”. O tema dacanção é uma critica ao governo Bush sobre o tratamentoàs vítimas do furacão Katrina. O uso dela como tópico sedá por uma crítica à mídia, pelo fato de “estar bem acor-dada” para a questão do suicídio e de suas noticias sobre.

30 Tradução livre: Chris Cornell, frontman de Soundgardene Audioslave, morre aos 52 [anos].

31 A expectativa de vida de estadunidenses homens é de 77anos.

32 Tradução livre: Louvado rockeiro Chris Cornell se matapor enforcamento.

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bas publicações utilizam a antítese ao fundirCornell (um percurso) com diferentes possibi-lidades (frontemen, louvado e suicida), o queserá uma das tônicas das reportagens.

A partir deste ponto, analisaremos as ma-térias separadamente. A começar pelo TheNew York Times, logo nos quatro primeirosparágrafos, apenas uma declaração é trazida,no caso pelo representante de Cornell, BrianBumbery, o qual afirma que a morte do cantorfoi “repentina e inesperada”. Além disso, amatéria fala da agenda de shows da banda deCornell que tinha apresentação marcada paradois dias depois de sua morte.

Os parágrafos quinto e sexto descrevem opanorama do momento do suicídio e do co-municado. Todos os seguintes falam sobre alinha histórica de Chris Cornell e sua carreira– e brevemente sobre o uso de drogas. O únicoparágrafo destacável é o décimo sexto da ma-téria, no qual é abordada sua guerra contra adepressão e as drogas.

Por mais que Caryn Ganz e John Leland,autores da reportagem, possam ter buscadotransmitir luto e a grande perda de uma sin-gularidade, o texto não seguiu esta ideia. Nodecorrer das palavras, destacava-se a bem-sucedida carreira do vocalista, sem abordaramigos, fãs ou conhecidos para ilustrar a dorque é perder alguém importante. Ademais, emnenhum momento são sugeridos números detelefone, endereços de grupos de apoio ou al-gum tipo de serviço os quais trabalhem comauxílio a suicidas, como indica a OMS.

Do ponto de vista barthesiano, os fatosdiversos de causa perturbada aparecem nova-mente. Como disse Ramos (2004, p. 68),“a excepcionalidade está localizada no porquêda factualidade. Existe um efeito, porém acausa é desconhecida ou deformada pela im-precisão, ou pela ilogicidade”. Neste caso, oporquê do suicídio sequer é mencionado. Nãosão abordadas quaisquer razões as quais po-

deriam ter levado o cantor ao autocídio. O re-pórter apenas coloca no início da matéria queo resultado da autópsia ainda não estava com-pleto. Por conta disso, deteria a informação damorte causada por si mesmo e da forma comose deu.

Na matéria assinada pelos repórteres Mes-fin Fekadu e Corey Williams, da AssociatedPress, a abordagem foi, incialmente, parecida.Primeiro, noticia-se, no lead, o suicídio porenforcamento. Secundariamente, é colocada adeclaração do médico legista. Até este ponto,as reportagens estão bastante semelhantes.

Eis que, no terceiro parágrafo, é formu-lada a seguinte frase: “Cornell’s death stun-ned his family and his die-hard fans, who Cor-nell just performed for hours earlier at a showin Detroit”33. Finalmente é apontando algumgrau de impacto da morte do cantor.

Destarte, os autores falam brevemente so-bre o ocorrido e começam a traçar a linha his-tórica do cantor. Assim, fazem uma aborda-gem bastante semelhante à do NYT quando fa-lam sobre o consumo de drogas. No entanto,outro diferencial do texto se dá no uso dostweets. Ao longo da reportagem, os repórte-res da Associated Press utilizam-se de tweetsde Perry Farrell, Joe Perry e de Elton John34,os quais lamentaram a morte de Cornell.

Por fim, a reportagem da Associated Presscomete erros parecidos com a do The NewYork Times, segundo o manual da OMS. Oproblema textual não é gramatical ou semân-tico, mas a forma como é tratado o assunto.Os repórteres falaram da carreira do cantor, deseu legado, mas não trataram da dor e das cau-sas que ela trouxe.

Ao passarmos a lupa do fait divers sobre amatéria, continuamos detectando relações decausa perturbada. Um suicídio sempre seráuma causa perturbada. É, a priori, inexplicá-vel. É inesperado, é diferente, choca a todos.O conflito, apontado por Cruz e Curi (2015),

33 Tradução livre: A morte de Cornell chocou sua famíliae seus leais fãs, quem Cornell acabara de performar umshow, algumas horas mais cedo, em Detroit.

34 Respectivamente, vocalista da banda Jane’s Addiction,guitarrista da banda Aerosmith e cantor britânico de car-reira solo.

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não é um conflito físico. Mas um ponto deinterrogação, um conflito existencial sobre oefeito de causa, como colocado no autocídioque é pauta das matérias.

Os principais ganchos para se fazer cone-xão com os casos estudados e a teoria barthe-siana é – não só o apontado anteriormente– mas o foco no dramatis personae propostopela causa esperada. Por mais esdrúxulo quepareça, as infinitas linhas de carreira e linhastemporais criadas na matéria servem comoapoio para fugir do tema “suicídio” e se man-ter no tema Chris Cornell. No caso, não so-mente “suaviza” a matéria, como foge a even-tuais polêmicas acerca do tema e puxa os ho-lofotes à vítima. Mas, neste momento, a ví-tima acaba virando protagonista.

7 Head Down35 – Consideraçõesfinais

A partir da análise do corpus trabalhado nesteartigo, é notável uma omissão por parte da mí-dia em falar do suicídio e dos vitimados porele. Especialmente pelo fato de que a pautadas matérias – o cantor Chris Cornell – temrenome global, torna-se fácil encontrar fontespara a retratação da devastação que o suicídiopode causar. Mas, acima de tudo, algo que éindispensável quando o assunto em questão éa autodestruição, são grupos, números, entida-des e qualquer tipo de instituição de auxílio asuicidas. Um dos principais tropeços dos qua-tro repórteres.

Ao passo em que as reportagens passammais tempo falando da carreira do músico doque do sofrimento causado, das entidades quepodem ajudar, o teor da pauta muda. Destaforma, deixa de ser “o suicídio de Chris Cor-nell” e passa se tornar “a carreira do músico,recém falecido, Chris Cornell”. Além disso,em nenhum momento durante o texto é bus-

cada alguma explicação para o auto assassi-nato. Não são destacadas alternativas ao sui-cídio (como terapias e diferentes formas deatendimento por pessoas especializadas) e, es-pecialmente por se tratar de um consideradoícone, estes tópicos se tornariam importantes.

Como dito anteriormente, os fait diverssão inerentes ao texto jornalístico. O nega-tivo é o menosprezo da informação (e do com-promisso com o público) para tentar provo-car sensações no receptor, de forma que bus-que uma cativação da audiência apenas porprendê-la, sem um objetivo maior por trás. Donosso ponto de vista, os autores das reporta-gens utilizaram-se de outros vieses, fugindodo tema principal.

A partir disso, há uma extrapolação do usodos casos do dia, omitindo informações im-portantes de uma situação de grande repercus-são. Ou seja, os artifícios categorizados pelosemiólogo francês acabam se manifestandona condução discursiva das matérias. Assim,quando utilizada, esta fuga – seja ela consci-ente ou inconsciente, voluntária ou involuntá-ria – falta com o compromisso jornalístico deinformar. E mais, com o compromisso socialao qual a profissão se dispõe. Especialmentepor se tratar de uma das principais causas demorte no mundo contemporâneo.

8 Songbook36 – ReferênciasBibliográficas

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Barthes, R. (2013). A estrutura dos fait divers– íntegra. Disponível em https://bibliotecadafilo.files.wordpress.com/2013/10/barthes-a-estrutura-dos-fait-divers.pdf.Acesso em: 11 de jun. 2017.

35 Música presente no disco Superunknown. Sua tradução(livre) se dá por “cabeça baixa”, seu uso é em forma deanalogia, como uma crítica à forma a qual o suicídio e asvítimas dele são trabalhados na mídia.

36 Penúltimo álbum de Chris Cornell. Na tradução (livre),

Livro de Canções, analogia dos autores com a bibliografiautilizada.

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37 Todas as drogas foram consultadas no site drugs.com.

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