FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6...

70
CURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: [email protected] SÃO PAULO 2004

Transcript of FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6...

Page 1: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

CURSO DE DIREITO

“IMPUTAÇÃO OBJETIVA”

FÁBIO LUCIO PAIVAR.A.: 444.283/6TURMA: 3109-BFONE: 6991-3330E-MAIL: [email protected]

SÃO PAULO2004

Page 2: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

FÁBIO LUCIO PAIVA

Monografia apresentada à bancaexaminadora do Centro Universitáriodas Faculdades MetropolitanasUnidas, como exigência parcial para aobtenção do título de Bacharel emDireito sob orientação do professorEnio Luiz Rossetto.

Page 3: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

SÃO PAULO2004

BANCA EXAMINADORA

Professor Orientador: ____________________________

Professor Argüidor:______________________________

Page 4: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

Professor Argüidor:______________________________

Page 5: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

Aos meus pais pelo incentivoe apoio nas horas difíceis

Page 6: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

Agradeço a todos aqueles quecontribuíram para a concretização

deste trabalho, em especial a orientaçãodo Professor Enio Luis Rossetto.

SINOPSE

A moderna teoria da imputação objetiva surgiu no século XX

como uma alternativa à causalidade.

Imputação objetiva significa atribuir a alguém a realização de

uma conduta criadora de um relevante risco juridicamente proibido e a

produção de um resultado jurídico.

Esta nova teoria permite uma solução mais “justa” para os crimes

culposos, já que o resultado não pode ser objetivamente imputável ao autor

quando o evento jurídico mais grave não se apresenta adequado ao risco

inicial.

Page 7: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

Pelo princípio do incremento do risco, só é possível

responsabilizar o autor se a conduta criou ou aumentou um risco

juridicamente relevante.

Page 8: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................. 081. BREVE HISTÓRICO................................................................................. 092. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA................................................... 113. ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA................... 15 3.1. Requisitos de aplicação........................................................................ 174. PRINCÍPIO DO INCREMENTO DO RISCO............................................18 4.1. Criação ou não-criação do risco juridicamente relevante.................... 18 4.2. Diminuição do risco............................................................................. 225. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA ................................................................. 23 5.1. No tráfego de veículos automotores.....................................................24

5.2. Trabalho em equipe de profissionais................................................... 255.3. Realização de conduta dolosa ou culposa por parte de terceiro.......... 26

6. PROIBIÇÃO DE REGRESSO................................................................... 277. PREVISIBILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA..................................... 308. CONSENTIMENTO E PARTICIPAÇÃO DA VÍTIMA........................... 329. CRIMES CULPOS......................................................................................3610. CRIMES DOLOSOS................................................................................ 38 10.1. Dolo eventual e culpa consciente..................................................... 3911. MOMENTO CONSUMATIVO E TENTATIVA.....................................42 11.1. Crime impossível e imputação objetiva........................................... 43CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................44APÊNDICE..................................................................................................... 47BIBLIOGRAFIA.............................................................................................64

Page 9: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

INTRODUÇÃO

A teoria da imputação objetiva é adotada pela maioria dos

autores alemães, bem como em outros países europeus. No Brasil, conta com

uma crescente adesão dos estudiosos do Direito Penal, sendo que várias

decisões dos Tribunais pátrios já se valeram de seus fundamentos.

O princípio geral da imputação objetiva é a criação pela ação

humana de um risco juridicamente proibido, consubstanciando um resultado

típico.

Toda atividade humana possui um risco, assim, através do

princípio do incremento do risco é estudado o comportamento incorreto

adotado pelo autor, verificando se houve ou não o aumento da possibilidade

de produção do resultado.

Para a imputação objetiva, o consentimento do ofendido adquire

uma maior importância com as considerações sobre a cooperação para que a

vítima se coloque em perigo e a produção de um perigo consentido

Page 10: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

1. BREVE HISTÓRICO

As primeiras idéias sobre o tema podem ser encontradas na obra

“A República”, o termo imputabilidade significa em grego deon tina poiein,

ou seja, fazer recair sobre alguém. Para Platão, “o sujeito está ligado à sua

ação, bem como às conseqüências que dela decorrem”.1

Os princípios da imputação objetiva foram mais claramente

determinados por Aristóteles ao afirmar que “uma ação somente poderia ser

imputável se submetida ao âmbito de controle daquele que atua, de forma que

poderia ter agido de outro modo”.2

A moderna teoria da imputação objetiva surgiu somente no

século XX como uma alternativa à causalidade.

Atualmente, a Parte Geral do Código Penal Brasileiro, adota a

teoria finalista. Para essa teoria, não se pode dissociar a ação da vontade do

agente, já que “conduta é o comportamento humano, voluntário e consciente

(doloso ou culposo) dirigido a uma finalidade. Assim, o dolo e a culpa fazem

Page 11: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

parte da conduta (que é o 1° requisito do fato típico) e, dessa forma, quando

ausentes, o fato é atípico” .3

Diante da insuficiência do finalismo, que não solucionou várias

questões, como a do crime culposo, há uma ampla discussão doutrinária e

jurisprudencial sobre a teoria da imputação objetiva, principalmente na

Alemanha e na Espanha.

Gimbernat Ordeig introduziu a imputação objetiva na Alemanha

após a Segunda Grande Guerra Mundial, foi ele quem deu os primeiros passos

nesse sentido, elaborando as pioneiras contribuições4.

No início da década de 70, Roxin deu inicio à formulação de uma

série de critérios normativos de imputação para os delitos de resultado

(dolosos e culposo), visando à construção de uma teoria geral de imputação

objetiva desvinculada do dogma causal5.

1 Luiz Regis Prado, Érica Mendes de Carvalho, Teorias da imputação objetiva do resultado, p. 18.2 Ibid., p. 19.3 Victor Eduardo Rios Gonçalves. Direito Penal: Parte Geral, p. 36.4 Damásio Evangelista de Jesus, Imputação objetiva, p. 24.

Page 12: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Imputar significa “atribuir a alguém a responsabilidade de” .6

Para Damásio Evangelista de Jesus “imputação objetiva significa

atribuir a alguém a realização de uma conduta criadora de um relevante

risco juridicamente proibido e a produção de um resultado jurídico” .7

Fernando Galvão, em seu livro Imputação Objetiva, ensina que a

expressão “significa atribuir a alguém a prática de conduta que satisfaz as

exigências objetivas necessárias à caracterização típica. A imputação

objetiva estabelece vinculação entre a conduta de determinado indivíduo e a

violação da norma jurídica, no plano estritamente objetivo” .8

Neste contexto, o resultado normativo só poderá ser atribuído ao

sujeito, quando a sua conduta criou ao bem, um relevante risco juridicamente

desaprovado e esse perigo determinou o resultado jurídico.

5 Luiz Regis Prado, Érica Mendes de Carvalho, Teorias da imputação objetiva do resultado, p. 64.6 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Minidicionário da língua portuguesa, p. 278.

Page 13: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

Dessa forma, a responsabilidade do autor vai somente até os

limites de sua atuação. Na estrutura da imputação objetiva observa-se a

relação de causalidade material entre a conduta e o resultado, quando se tratar

de crimes materiais, e a relevância jurídica da produção desse resultado, sob a

ótica da realização de um risco juridicamente não autorizado.

A teoria da imputação objetiva não se restringe a estabelecer a

relação causal existente entre uma conduta natural e seu resultado.

A relação de causalidade é somente a primeira exigência, que se

completa com a constatação da relevância jurídica da relação existente entre a

conduta e o resultado produzido.

Figura, portanto, “como princípio geral de imputação objetiva a

criação pela ação humana de um risco juridicamente desvalorado,

consubstanciando em um resultado típico”. 9

Claus Roxin afirma que:

7 Damásio Evangelista de Jesus, Imputação objetiva, p. 33.8 Fernando Galvão A. N. da Rocha, Imputação objetiva, p. 15.9 Luiz Regis Prado, Érica Mendes de Carvalho, Teorias da imputação objetiva do resultado, p. 64.

Page 14: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

“(...) ‘un resultado causado por el agente sólo se puede imputar al tipo objetivo si la

conducta del autor ha creado un peligro para el bien jurídico no cubierto por un riesgo

permitido y esse peligro también se há realizado en el resultado concreto’” .10

Quanto à natureza jurídica, “a imputação objetiva constitui

elemento normativo do tipo, seja o crime doloso ou culposo” .11

Os elementos do tipo podem ser objetivos, subjetivos e

normativos.

Os objetivos são os que descrevem ou se referem a dados

objetivos do fato, como forma de execução, tempo, etc. Ex.: coisa móvel (art.

155 do Código Penal).

Os subjetivos são aqueles em que o tipo penal exige alguma

finalidade específica por parte do agente ao cometer o crime. Ex: raptar

mulher honesta para fim libidinoso (art. 219 do Código Penal).

Os normativos concernem a dados que requerem um juízo de

valoração, já que seu significado não se extrai da mera observação. Ex.:

mulher honesta (art. 219 CP).

A imputação objetiva “distingue-se da maioria dos outros

elementos normativos do tipo, que são expressos. Ela se encontra implícita

10 Claus Roxin, Derecho Penal Parte General. Madri: Civitas, 1997, p. 363, apud Alejandro J. RodríguezMorales. Ciencias penales y criminológicas, fev. 2004. Disponível em:http://www.geocities.com/cienciaspenales/guaruja1.html.11 Damásio Evangelista de Jesus, Imputação objetiva, p. 37.

Page 15: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

nas figuras típicas, assim como o dolo, que configura elemento subjetivo

implícito do tipo” .12

Neste contexto, nos delitos materiais, a conduta dolosa ou

culposa, o resultado e o nexo causal não são suficientes para compor o fato

típico. É preciso que o autor tenha realizado uma conduta criadora de um

risco juridicamente proibido a um objeto jurídico e, assim, produzido um

resultado (também jurídico) que corresponda à sua realização.

Nos delitos sem resultado, a existência do fato típico fica

condicionada à imputação objetiva da conduta criadora de risco juridicamente

reprovado e relevante a interesses jurídicos13.

12 Ibid., mesma página.13 Damásio Evangelista de Jesus, op. cit., p. 38.

Page 16: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

3. ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

No nosso entendimento, a esfera de aplicação da teoria da

imputação objetiva não está restrita à relação entre a conduta e o resultado nos

crimes materiais, podendo ser utilizada em todas as espécies de crimes, no

entanto, a matéria ainda não é pacífica. Há duas teorias:

Na teoria extensiva ou ampliativa, os princípios da imputação

objetiva são aplicáveis a todos os tipos de crimes, sejam materiais ou não.

Para a restritiva “a imputação objetiva sistematiza princípios em

razão dos quais se pode considerar que um resultado é objetivamente

Page 17: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

imputável a uma conduta, referindo-se a crimes materiais (de conduta e

resultado)” .14

Alguns doutrinadores sustentam, ainda, que a imputação objetiva

deve ser aplicada somente aos delitos culposos, já que o desenvolvimento da

noção de criação de risco juridicamente relevante em muito se assemelha à

observância ao dever objetivo de cuidado15.

Neste contexto, ainda há três orientações sobre a conduta e o

resultado.

A primeira corrente, segue a imputação objetiva da conduta

causadora do risco proibido, em que se incluem os conceitos e regras do risco

tolerado, da criação do risco proibido, o princípio de confiança e a proibição

de regresso 16.

Para a segunda corrente, imputação objetiva significa atribuição

de um resultado a quem realizou uma ação.

A terceira corrente entende que a imputação objetiva procura

resolver temas referentes à conduta e ao resultado. Essa posição apresenta-se

14 Damásio Evangelista de Jesus, Imputação objetiva, p. 35.15 Fernando Galvão A. N. da Rocha, Imputação objetiva, p. 37.

Page 18: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

coerente com o entendimento de que o juízo de imputação objetiva não é

somente aplicável a delitos de resultado17.

Segundo a doutrina alemã dominante, a imputação objetiva da

conduta e do resultado jurídico é examinada depois do nexo de causalidade

material, assim, o fato típico, nos delitos materiais, possui uma conduta

dolosa ou culposa, um resultado material, um nexo de causalidade objetiva e

uma imputação objetiva18.

3.1. Requisitos de aplicação

A teoria da imputação objetiva depende da apreciação de quatro

requisitos para a sua aplicação19:

O primeiro requisito, é a causalidade material entre a conduta e o

resultado (somente para os delitos materiais).

16 Damásio Evangelista de Jesus, Imputação objetiva, p. 35.17 Ibid., p. 36.18 Ibid., p. 38.19 Damásio E. de Jesus, Imputação objetiva, p. 69.

Page 19: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

O segundo, é a criação de um risco relevante e juridicamente não

autorizado a um bem protegido.

O terceiro, é o resultado jurídico produzido pelo risco.

Finalmente, o quarto, é a correspondência entre o resultado

jurídico e o perigo juridicamente de proibido.

No entanto, devemos ressaltar que a causalidade, nos delitos

materiais, é só uma condição mínima, devendo a ela agregar-se a relação

normativa entre o comportamento e a produção do resultado20.

4. PRINCÍPIO DO INCREMENTO DO RISCO

Segundo o princípio do incremento do risco é preciso comparar o

comportamento incorreto adotado pelo autor com a conduta correta e verificar

se houve ou não o aumento da possibilidade de produção do resultado, se a

20 Ibid., mesma página.

Page 20: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

conduta incorreta do autor fizer aumentar a probabilidade da produção do

resultado, em comparação com o risco permitido, caracteriza-se o tipo

objetivo, caso contrário, não haverá tipicidade objetiva.

4.1. Criação ou não-criação de um risco juridicamente relevante

Toda atividade humana possui um risco, quando o legislador

permite e regula a construção de um edifício ou uma rodovia, por exemplo,

tem consciência que mesmo seguindo as regras regulamentares, atividades

como estas, trazem um risco a interesses que ele mesmo pretende proteger.

A permissão de um risco está baseada no benefício da respectiva

atividade, que apresenta uma fundamentação plausível para quem,

potencialmente, vai suportar este risco.

Quando alguém dirige um automóvel respeitando as normas

legais, oferece a si próprio e a terceiros um risco tolerado, trata-se de um risco

permitido. No entanto, se infringir as normas, dirigindo em estado de

embriaguez, realiza uma infração ao “dever objetivo de cuidado”, produzindo

Page 21: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

um risco proibido. “A diferença entre o risco permitido e proibido não está na

gravidade do perigo e sim que às vezes é lícito e em outras não o é” .21

Ao desatender o cuidado devido, o motorista deu lugar a um

aumento da esfera do risco permitido, o que possibilita a imputação objetiva

do resultado e “independe do fato de que a observância do cuidado

produziria o resultado da mesma forma” .22

Dessa forma, o resultado morte, por exemplo, somente seria

imputável a uma pessoa quando sua ação criou ou aumentou um perigo não

permitido. Em todos os casos nos quais a ação não tenha criado um risco

juridicamente relevante de lesão para um bem jurídico não haverá, do ponto

de vista objetivo, ação típica. A falta ou a presença do dolo toma-se, portanto,

secundária.

Observe o seguinte exemplo:

21 Enrique Gimbernat Ordeig, Delitos cualificados por el resultado y causalidad, Madrid, Tecnos, 1999, p.230, apud Damásio E. de Jesus, Imputação objetiva, p. 40.22 Luiz Regis Prado, Érica Mendes de Carvalho, Teorias da imputação objetiva do resultado, p. 82.

Page 22: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

“A”, filho e herdeiro de “B”, o envia a um passeio pelo bosque,

em uma noite de tempestade, com a esperança de que este seja atingido por

um raio e que em conseqüência venha a falecer, o que realmente ocorre23.

Segundo Claus Roxin:

“(...) ‘quem induz outrem a ir ao bosque com tempestade não cria com isso nenhum perigo

de morte relevante juridicamente, porque a possibilidade de ser alcançado pelo raio é

estatisticamente tão pequena que o Direito não a valora como um perigo proibido’” .24

Portanto, se o resultado, no entanto, se realiza, não é imputável

àquele que o originou. Há uma simples causa do resultado morte, mas não

uma ação típica de homicídio. Porém, se alteramos o exemplo proposto,

continua Roxin, de tal forma que, existindo um lugar exposto a freqüentes

raios a conseqüência de especiais circunstâncias físicas, e o sujeito, com

conhecimento desses fatos, envia a vítima a tal lugar perigoso para matá-la,

dessa forma, dar-se-á um homicídio consumado se o resultado se produz

posto que aqui o sujeito criou um risco de morte estatisticamente relevante e

esse risco se consubstanciou no resultado.

O princípio do incremento do risco também pode ser utilizado

para solucionar algumas lacunas do nosso atual sistema.

23 Luiz Regis Prado, Érica Mendes de Carvalho, Teorias da imputação objetiva do resultado, p. 70.24 Claus Roxin, La problemática de la imputación objetiva, Cuadernos de Política Criminal, 1989, n.39, p.750, apud Luiz Regis Prado, Érica Mendes de Carvalho, Teorias da imputação objetiva do resultado, p.72.

Page 23: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

Vejamos um outro exemplo:

“A”, foi condenado à morte, frações de segundo antes do

carrasco ligar a cadeira elétrica, “B”, seu inimigo, desfecha um tiro em sua

cabeça, matando-o.

O Código Penal Brasileiro em seu art. 13, caput, considera causa

a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, assim, a conduta

do inimigo da vítima não poderia ser considerada a causa da morte, já que

sem ela o evento teria acontecido da mesma forma. Assim, teríamos uma

morte sem causa, o que não é correto25.

Segundo o nosso entendimento, “B” responderia pelo homicídio

porque há imputação objetiva quando o resultado é causado materialmente

por uma conduta produtora de um risco juridicamente proibido, ainda que o

evento fatalmente viesse a ocorrer em face de outro perigo preexistente.

O inimigo de “A”, realizou uma conduta perigosa juridicamente

proibida ao atirar na vítima, materializando-se o risco na morte do condenado,

ainda que, fatalmente, o evento ocorreria em face da ação do carrasco.

25 Nesse sentido, com exemplo similar: Damásio E. de Jesus, Imputação objetiva, p. 31.

Page 24: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

4.2. Diminuição do risco

Claus Roxin entende que “uma imputação ao tipo deverá ser

excluída sempre que o sujeito não criar nem aumentar o perigo de resultado

típico, mas sim diminuí-lo ou retardá-lo” .26

Desta forma, propõe-se o seguinte exemplo: “A” dirigindo seu

automóvel percebe que o freio está danificado e decide empurrar “B” para

fora do veículo, evitando, assim, que sofresse o resultado mais gravoso de

uma colisão inevitável.

Não é possível falar em uma ação típica porque ela reduz a

probabilidade de uma lesão mais gravosa. O mesmo ocorre quando um

médico tenta impedir a morte de um paciente, mas só consegue adiá-la.

26 Claus Roxin, La problemática de la imputación objetiva, Cuadernos de Política Criminal, 1989, n.39, p.755, apud Luiz Regis Prado, Érica Mendes de Carvalho, Teorias da imputação objetiva do resultado, p. 67.

Page 25: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

5. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA

O princípio da confiança foi elaborado para melhor delimitar a

idéia da atuação nos limites do risco permitido, segundo este princípio,

presume-se que todas as pessoas são responsáveis e agem de acordo com as

regras da sociedade, no sentido de evitar danos a terceiros. Assim, não realiza

conduta típica quem, agindo de acordo com o direito, envolve-se em situação

em que terceiro, descumprindo seu dever de cuidado, permite a produção de

resultado danoso27.

O princípio fundamenta-se no fato de que os indivíduos, em

sociedade, podem organizar suas atividades sobre o pressuposto de que todos

atuam de maneira adequada e de que o comportamento praticado conforme as

expectativas sociais não pode ser considerado aumento de uma situação de

27 Damásio Evangelista de Jesus, Imputação objetiva, p. 46.

Page 26: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

risco proibida. A conseqüência de sua aplicação é a impossibilidade de

responsabilizar aquele que atua conforme o cuidado objetivamente exigido 28.

No entanto, não se exclui a imputação quando o dever de cuidado

se dirige ao controle e à fiscalização de condutas alheias, como nas hipóteses

de condutas especialmente arriscadas, comportamento de crianças ou doentes

mentais.

5.1. No tráfego de veículos automotores

Pelo princípio da confiança, aquele que se comporta no trânsito

de forma normal, conforme as regras, tem direito de esperar que os demais

também o façam, salvo quando existirem indícios concretos do contrário.

Desta forma, o condutor que possui a preferência para transpor o

cruzamento, segundo o disposto no art. 29, inciso II, do Código de Trânsito

Brasileiro, não precisa diminuir sua velocidade considerando a possibilidade

28 Fernando Galvão A. N. da Rocha, Imputação objetiva, p. 82.

Page 27: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

da colisão com outros veículos, uma vez que pela regra geral pode acreditar

que sua preferência será respeitada29.

No entanto, este princípio não deverá ser aplicado quando a

situação fática indicar que a crença no respeito às regras é injustificado. No

exemplo acima, se o condutor da via preferencial percebe que o outro não vai

respeitar as regras de circulação é sua obrigação deter seu veículo e evitar a

colisão porque o fato de obedecer às normas não justifica a omissão dos

cuidados capazes de evitar o sinistro30.

5.2. Trabalho em equipe de profissionais

Segundo o princípio da confiança, quem trabalha em equipe com

distribuição de atividades pode confiar na atuação sem erros dos demais

participantes, salvo indícios do contrário.

Desta forma, a atuação devida e confiante na adequação das

demais contribuições não incrementa a situação de risco e, portanto, impede a

29 Fernando Galvão A. N. da Rocha, Imputação objetiva, p. 82.30 Fernando Galvão A. N. da Rocha, Imputação objetiva, p. 84.

Page 28: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

imputação objetiva. O exemplo típico é a atuação da equipe médico-cirúrgica,

em que a divisão do trabalho é fundamental para o seu êxito31.

Neste contexto, o médico, em uma cirurgia, confia que seus

auxiliares adotaram os cuidados necessários.

5.3. Realização de conduta dolosa ou culposa por parte de terceiro

Quanto à realização de uma conduta dolosa ou culposa por parte

de terceiro, quem age culposamente não responde pelo comportamento

posterior doloso ou culposo de terceiro.

Vejamos um exemplo proposto por Claudia López Dias:

“Após sofrer uma lesão culposa no trânsito, a vítima é levada a um hospital, onde o

pessoal de plantão nega-se a atendê-la, alegando que não possui recursos financeiros,

vindo a falecer por falta de assistência”. 32

31 Ibid., p. 87.32 Claudia López Díaz, Introducción a la imputación objetiva, Bogotá, Centro de Investigaciones de DerechoPenal y Filosofía del Derecho, Universidad Externado de Colômbia, 1996, p. 122 e 123, apud DamásioEvangelista de Jesus, Imputação objetiva, p. 47.

Page 29: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

Neste exemplo, o resultado morte recai sobre os omitentes do

hospital e não sobre o autor da lesão corporal.

Em caso de conduta dolosa por parte de terceiro, a imputação

objetiva somente ocorrerá quando a conduta do terceiro puder ser prevista,

caso contrário, pode-se confiar na conduta socialmente adequada do terceiro e

assim, excluir imputação33.

6. PROIBIÇÃO DE REGRESSO

A proibição de regresso da imputação objetiva não deve ser

confundida com a proibição do regressus ad infinitum, da doutrina

tradicional.

33 Fernando Galvão A. N. da Rocha, Imputação objetiva, p. 89.

Page 30: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

Para a imputação objetiva, um comportamento anterior

considerado inócuo não pode ser considerado co-autoria ou participação em

conduta futura proibida, assim, o vendedor autorizado de armas de fogo não

responde pelos crimes com elas cometidos, uma vez que realizou uma

conduta estereotipada, normal e permitida pela ordem jurídica34.

Na doutrina tradicional, o vendedor autorizado de armas de fogo

não responde pelos crimes com elas cometidos porque não agiu com dolo ou

culpa na produção do resultado35.

Vejamos um exemplo do professor Damásio Evangelista de Jesus

em relação a esse aspecto:

“A esposa de um detento vai à padaria e pede uma ‘baguete’ (um tipo de pão). Suponha-se

que aja de duas maneiras:

1ª) confidencia ao padeiro que vai esconder um punhal no pão e entregar a seu marido na

próxima visita, com o qual ele fugirá da cadeia mediante ameaça ao carcereiro;

2ª) solicita ao padeiro que confeccione uma ‘baguete’ especial, maior do que as

costumeiramente vendidas, esclarecendo que é para abrigar um punhal de grandes

proporções, com o qual seu marido irá fugir da prisão.

O detento, usando a arma, foge da cadeia mediante ameaça de morte ao carcereiro. O

padeiro responde pela fuga criminosa?” 36

Na primeira hipótese, o padeiro não deve responder pela fuga

criminosa porque realizou uma conduta normal, estereotipada, se a

considerássemos típica, estaríamos punindo o seu conhecimento. Sob o

34 Damásio Evangelista de Jesus, Imputação objetiva, p. 48.35 Nesse sentido: Victor Eduardo Rios Gonçalves. Direito Penal: Parte Geral, p. 42.36 Damásio Evangelista de Jesus, Imputação objetiva, p. 51.

Page 31: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

aspecto objetivo, não há diferença entre vender um pão sabendo que vai ser

utilizado em um crime e vendê-lo sem esse conhecimento.

Na segunda hipótese, entretanto, o padeiro deve responder pela

fuga criminosa porque confeccionou um tipo especial de produto que não

estava na praça e que só podia servir para ocultar a arma37.

A proibição de regresso há de ser admitida como uma fórmula

capaz de excluir do âmbito do Direito Penal o agir comunicativo no qual,

ainda que esteja presente um curso causal, no que diz respeito à teoria da

equivalência das condições, e um dissenso, com relevância jurídico-penal, não

apresenta um liame de exteriorização intencional com o resultado final38.

Jakobs desenvolveu fórmulas para a apreciação da imputação de

fatos ao autor mediato, concluindo que os efeitos causais mediatos devem ser

definidos com base num plano delitivo, quando se cria diretamente uma

situação onde é inevitável de fato ou de direito que se produza as

expectativas39.

O importante, dentro dos fins ambicionados pelo Direito Penal, é

que as fórmulas de imputação objetiva devem ser gerais, não implicando uma

37 Nesse sentido: Marcelo Ferrante, Una introducción a la teoria de la imputación objetiva, in Estudios sobrela teoria de la imputación objetiva, em co-autoria com Manuel Cancio Meliá e Marcelo A. Sancinetti,Buenos Aires, Ad-Hoc, 1998, p. 30, apud Damásio Evangelista de Jesus, Imputação objetiva, p. 51.38 Antonio Luís Chaves Camargo, Imputação objetiva e direito penal brasileiro, p. 154.

Page 32: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

análise restrita, mas, ao contrário, possibilitando ao intérprete conduzir a

reprovação penal aos casos, efetivamente, reprováveis pelo instrumento da

pena, que é o controle mais rigoroso do sistema penal40.

7. PREVISIBILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA

39 Antonio Luís Chaves Camargo, Imputação objetiva e direito penal brasileiro, p. 15440 Ibid, mesma página.

Page 33: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

Previsibilidade “é a possibilidade de ser antevisto o risco de um

comportamento ou o resultado dele advindo nas condições em que o sujeito

se encontrava” .41

Se uma pessoa dirige um veículo na contramão de direção,

existe a possibilidade de ser prevista a vinda de outro veículo em sentido

contrário, em sua mão de direção, e a ocorrência de um acidente com vítima.

O legislador exige que o sujeito preveja o que normalmente pode

acontecer, não que anteveja o extraordinário, assim, a previsibilidade deve ser

examinada em face das circunstâncias concretas em que o sujeito se

colocou42.

Segundo a doutrina, há dois critérios para a verificação da

previsibilidade: o objetivo e o subjetivo.

Nos termos do critério objetivo, a previsibilidade deve ser

apreciada não do ponto de vista do sujeito que realiza a conduta, mas em face

do homem comum colocado em determinada situação (perspectiva “ex

ante” )43.

Segundo o critério subjetivo, a previsibilidade deve ser

verificada tendo em vista as condições pessoais do sujeito, ou seja, se o

41 Damásio Evangelista de Jesus, Imputação objetiva, p. 66.42 Ibid., mesma página.43 Ibid., mesma página.

Page 34: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

resultado era ou não previsível de acordo com as circunstâncias antecedentes

à sua produção. Não se pergunta o que o ser humano abstrato deveria fazer

naquele momento, mas sim o que era exigível do sujeito na situação concreta.

Neste contexto, a imprevisibilidade objetiva exclui a imputação

objetiva e a imprevisibilidade subjetiva afasta a culpabilidade.

Page 35: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

8. CONSENTIMENTO E PARTICIPAÇÃO DA VÍTIMA

Em alguns crimes é indispensável o dissenso, explícito ou

implícito, para a tipificação do caso concreto. Na doutrina tradicional, o

consentimento do ofendido pode atuar como causa excludente da tipicidade

ou causa supralegal excludente da antijuridicidade.

Atua como excludente da tipicidade, quando o dissenso da vítima

é uma elementar do tipo. Ex.: “Constranger mulher à conjunção carnal,

mediante violência ou grava ameaça” (art. 213, caput, do Código Penal).

A palavra “constranger” significa “obrigar”, “coagir alguém a

fazer algo contra a vontade”, portanto, o dissenso por parte da mulher é

pressuposto do crime, assim, o consentimento da vítima exclui a própria

tipicidade44.

Opera como causa supralegal excludente da antijuridicidade,

quando o dissenso do ofendido não aparece como elementar. Para a doutrina

44 Victor Eduardo Rios Gonçalves. Dos crimes contra os costumes aos crimes contra a administração,p. 02.

Page 36: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

tradicional, se o bem for disponível e a vítima for capaz, o seu consentimento

justifica esta exclusão45.

A doutrina tradicional também admite que se o agente pensa

atuar com o consentimento, quando este não ocorre, fica caracterizado o erro

de tipo, com as conseqüências previstas no art. 20 do Código Penal Brasileiro.

Entretanto, se o agente desconhece o consentimento existente, caracteriza-se a

tentativa inidônea, ou seja, o crime impossível descrito no art. 17 do Código

Penal Brasileiro.

Na perspectiva da teoria da imputação objetiva, o consentimento

do ofendido, ganha uma maior importância com as considerações sobre a

cooperação para que a vítima se coloque em perigo e na produção de um

perigo consentido.

Tecnicamente, o induzimento, a facilitação e a participação em

condutas nas quais a própria vitima se coloque em situação de perigo não são

resolvidos pelas regras de consentimento da doutrina tradicional.

Vejamos alguns exemplos de Claudia López Dias em relação à

conduta da vítima que, com participação de terceiro, cria uma situação de

risco a seus próprios interesses jurídicos:

45 Damásio Evangelista de Jesus, Imputação objetiva, p. 54.

Page 37: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

“CASO N. 1: OVERDOSE. Um viciado entrega a seu amigo, também viciado, droga e

seringa. Ele aplica em si mesmo a substância tóxica, sofre uma overdose e morre”. 46

“CASO N. 2: MORTE NO ‘RACHA’ DE AUTOMÓVEIS OU MOTOCICLETAS. Dois

amigos embriagam-se e concordam em realizar um ‘racha’ com motocicletas (ou

automóveis), vindo um deles a morrer num acidente”. 47

Segundo a doutrina tradicional há duas soluções:

Na primeira, o viciado, o piloto e o motorista sobreviventes

respondem por homicídio culposo. Há nexo causal entre a sua conduta e a

morte da vítima e inobservância do cuidado objetivo necessário, tendo em

vista que emprestar a alguém uma seringa para que injete droga proibida em

si próprio ou participar de “racha” são condutas de participação no mínimo

imprudentes48.

Na segunda, respondem por homicídio doloso, já que ao

participar de uma situação de perigo para a vítima, fornecendo a seringa para

consumo de droga, o autor criou para si a obrigação de acompanhamento do

fato e de salvamento em caso de necessidade. Se, no instante em que o

viciado, por causa da overdose, começou a sentir-se mal, o sujeito não

procurou salvá-lo, por si ou pedindo ajuda a terceiro, como deveria, é

46 Claudia López Díaz, Introducción a la imputación objetiva, Bogotá, Centro de Investigaciones de DerechoPenal y Filosofía del Derecho, Universidad Externado de Colômbia, 1996, p. 142, apud Damásio Evangelistade Jesus, Imputação objetiva, p. 56.47 Claudia López Díaz, Introducción a la imputación objetiva, Bogotá, Centro de Investigaciones de DerechoPenal y Filosofía del Derecho, Universidad Externado de Colômbia, 1996, p. 142, apud Damásio Evangelistade Jesus, Imputação objetiva, p. 56.48 Damásio Evangelista de Jesus, op. cit., p. 57.

Page 38: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

responsável pela morte a título de homicídio doloso (crime comissivo por

omissão). Além do nexo de causalidade objetiva, houve dolo eventual49.

A atual orientação da jurisprudência alemã, de acordo com a

imputação objetiva, entende que na hipótese da overdose, o provedor não

responde pelo resultado morte quer a título de dolo quer a título de culpa,

desde que a ingestão da droga seja ato próprio e responsável do viciado, no

entanto, permanece o eventual crime referente a tóxicos ou omissão de

socorro50.

No caso do “racha”, inexiste imputação objetiva, o motociclista

ou motorista sobrevivente não responde pelo resultado morte, mas apenas

pela “participação em competição não autorizada” (art. 308 da Lei n°

9.503/97).

Apesar de ser o entendimento dominante na Alemanha, e

também o nosso, o professor Fernando A. N. Galvão da Rocha, discorda:

“(...) contrariando o entendimento dos penalistas alemães, deve responder por homicídio

(doloso ou culposo) o motociclista que convida outro para participar com ele de corrida pelas vias públicas,

vindo a ocorrer queda e morte do convidado, ainda que por descuido deste, porque a situação de risco foi

criada e incrementada também por esse motociclista, que se torna garantidor da não-ocorrência do

resultado lesivo. A aceitação do desafio pelo motociclista que caiu não exclui a responsabilidade do outro

que o convidou para a atividade de risco não autorizada. Vale observar que não se trata de participação em

suicídio, pois mesmo que a intenção do motociclista que fez o convite fosse a de que o outro caísse e

49 Ibid., mesma página.50 Wolfgang Frish, Tipo penal e imputación objetiva, Madrid, Colex, 1995, p. 121, n.2, apud DamásioEvangelista de Jesus, Imputação objetiva, p. 57.

Page 39: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

morresse, não há vontade de auto-extermínio por parte deste. Havendo o resultado morte, a

responsabilidade deve-se dar por homicídio”. 51

9. CRIMES CULPOSOS

Para a doutrina tradicional, “crime culposo é aquele resultante

da inobservância de um cuidado necessário, manifestada na conduta

produtora de um resultado objetivamente previsível, através de imprudência,

negligência ou imperícia”. 52

O crime culposo, para a imputação objetiva, depende da

consideração de um resultado realizado pela inobservância do cuidado

objetivo necessário, que corresponde à realização de uma conduta criadora de

risco juridicamente proibido53.

Desta forma, podemos dizer que para existir a imputação objetiva

nos crimes culposos, é imprescindível a criação ou aumento de um risco

juridicamente reprovado e que esse risco ou aumento do perigo converteu-se

em um resultado jurídico.

51 Fernando Galvão A. N. da Rocha, Imputação objetiva, p. 79-80.52 Victor Eduardo Rios Gonçalves. Direito Penal: Parte Geral, p. 51.53 Damásio Evangelista de Jesus, Imputação objetiva, p. 122.

Page 40: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

A importância dos critérios de imputação objetiva para os crimes

culposos pode ser evidenciada na distinção entre a causa e a determinação do

resultado.

A imputação objetiva de um resultado culposo exige que a

contribuição do agente determine o resultado e não apenas que lhe seja a

causa.

Observe o seguinte exemplo:

Uma senhora, em face de atropelamento culposo no trânsito,

sofreu fratura no membro inferior direito, sendo submetida a uma cirurgia

ortopédica reparadora, durante a qual veio a falecer devido a uma parada

cardiorrespiratória54.

Para a doutrina clássica, o autor do atropelamento culposo deve

ser considerado responsável e condenado pela morte da vítima, uma vez que a

causa superveniente, parada cardiorrespiratória, não provocou o evento, “por

si só”, como exigido pela atual legislação penal 55.

No nosso entendimento, a teoria da imputação objetiva permitiria

uma solução mais “justa”, já que o resultado morte não poderia ser

objetivamente imputável ao autor da lesão inicial culposa porque o evento

jurídico mais grave não se mostrava adequado ao risco inicial. “ Se o evento

54 Damásio Evangelista de Jesus, Imputação objetiva, p. XXIII.

Page 41: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

jurídico foi causado por um risco diferente daquele produzido pela conduta

proibida, não pode ser atribuído a seu autor”. 56

10. CRIMES DOLOSOS

Para o atual Código Penal Brasileiro, há crime doloso quando o

agente quer o resultado (dolo direto) ou quando assume o risco de produzi-lo

(dolo eventual).

No entanto, para Claus Roxin, existem três formas de dolo: a

intenção ou propósito (dolus directus de primeiro grau), o dolo direto (dolus

directus de segundo grau) e o dolo eventual (dolus eventualis)57.

Na intenção ou propósito, verifica-se aquilo que o agente

persegue, não devendo, entretanto, representar o motivo, a finalidade última

do sujeito, mas a intenção típica, embora seja utilizada pelo agente para

subseqüentes fins ligados a sua índole. Neste contexto, os resultados

conscientemente causados e desejados são sempre intencionais, ainda que a

55 TACrimSP, 9ª Câm., ACrim 628.685, j. 10-4-1991, RJDTACrimSP,11:109.56 Damásio Evangelista de Jesus, op. cit., p. XXIII.57 Antonio Luís Chaves Camargo, Imputação objetiva e direito penal brasileiro, p. 163.

Page 42: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

produção não seja segura ou não seja a finalidade última58. Ex.: “A”,

querendo matar “B”, saca uma arma e dá dois tiros no mesmo, ocasionando a

morte.

A segunda forma, denominada dolo direto de segundo grau,

também tem como elemento integrante a intenção, mas as conseqüências ou

circunstâncias não são específicas da intenção do agente, mesmo assim, a

produção do resultado ou sua ocorrência podem ser atribuídas ao agente, que

as ocasiona conscientemente59. Isto ocorre quando, por exemplo, “A”

querendo matar “B”, coloca uma bomba no avião em que ele vai viajar,

sabendo que quando a bomba explodir, causará a morte dos demais

passageiros.

O dolo de segundo grau representa uma intenção da realização do

tipo, ainda quando o resultado não seja agradável ao sujeito.

No dolo eventual, falta a intenção e o agente não está seguro se a

conduta produzirá uma conseqüência típica60.

58 Ibid, mesma página.59 Antonio Luís Chaves Camargo, Imputação objetiva e direito penal brasileiro, p. 163.60 Ibid., p. 68.

Page 43: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

10.1. Dolo eventual e culpa consciente

O dolo eventual também não se confunde com culpa consciente.

No entanto, ainda não há consenso na doutrina sobre quais

elementos são relevantes para esta diferenciação.

Claus Roxin defende que caso o sujeito não realize qualquer

atividade dirigida a evitar o resultado, ou se há dúvida sobre as ações

praticadas, quanto a evitar o resultado, e mesmo assim continua sua ação,

estaremos diante de um dolo eventual. Entretanto, quando as medidas para

evitar o resultado são efetivas e ele está convencido do sucesso das mesmas,

não haverá uma ação contra o bem jurídico protegido, mas caso venha a

ocorrer o resultado, teremos a culpa consciente61.

Para Jakobs, deve ser adotado o risco como paradigma de

delimitação, assim, ocorre dolo eventual, no momento em que o autor julga

que a realização do tipo não é improvável como conseqüência desta ação.

Porém, não haverá dolo se falta o conhecimento das conseqüências que o

autor, por temeridade, pressa, indiferença ou medo, faz caso omisso do que

lhe impõe, não reparando nas conseqüências, assim, a diferenciação entre

Page 44: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

dolo eventual e culpa consciente não é um problema de vontade, mas de

conhecimento por parte do autor62.

Esta teoria adotada por Jakobs não nos parece ser a mais

adequada tendo em vista o próprio significado da palavra “consciente”.

A palavra “consciente” é um sinônimo de “conhecimento” 63,

logo, como é possível definir culpa “consciente” como sendo aquela em que o

autor “não tem conhecimento”?

Segundo o nosso entendimento, a atual doutrina é a que melhor

define a diferença entre dolo eventual e culpa consciente.

No dolo eventual o agente prevê o resultado, mas não se importa

que ele ocorra. Para o agente que atua em dolo eventual, é indiferente que o

resultado ocorra ou não.

Na culpa consciente, o agente prevê o resultado, mas espera que

ele não ocorra. Neste caso, existe a previsão do resultado, mas ele acredita

que poderá evitá-lo com sua habilidade.

Pelo exposto, acreditamos que a teoria de Jakobs, na realidade,

serve para diferenciar o dolo eventual da culpa “inconsciente”, ou seja,

61 Antonio Luís Chaves Camargo, Imputação objetiva e direito penal brasileiro, p. 163.62 Ibid, p. 174-175.

Page 45: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

quando o agente não prevê o resultado, que, entretanto, era objetiva e

subjetivamente previsível.

11. MOMENTO CONSUMATIVO E TENTATIVA

De acordo com a doutrina tradicional, o crime se consuma

quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal (o art. 14, I,

do Código Penal).

No entanto, para a teoria da imputação objetiva, não basta que o

fato concreto reúna todos os elementos da descrição legal. Existe a

necessidade de uma imputação objetiva, seja da conduta, nos crimes formais e

de mera conduta, ou do resultado, nos delitos materiais.

63 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Minidicionário da língua portuguesa, p. 132.

Page 46: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

Nos temos do art. 14, II, do Código Penal, considera-se tentado o

crime quando o agente inicia a execução, mas não consegue consumá-lo por

circunstâncias alheias à sua vontade.

Diferente da teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro, na

imputação objetiva, “não se fala em imputação do resultado naturalístico,

que falta nos delitos materiais, mas em ação produtora de risco

juridicamente relevante e proibido a um bem protegido, cuja afetação não

ocorre por circunstâncias alheias à vontade do agente”. 64

11.1. Crime impossível e imputação objetiva

Nos termos do art. 17 do Código Penal, “não se pune a tentativa

quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do

objeto, é impossível consumar-se o crime”.

O princípio geral da imputação objetiva é a criação pela ação

humana de um risco juridicamente proibido, derivando um resultado típico.

64 Damásio Evangelista de Jesus, Imputação objetiva, p. 124.

Page 47: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

Desta forma, no crime impossível pela ineficácia absoluta do

meio executório, embora o objeto jurídico exista, não há criação de risco,

assim, não há imputação objetiva da conduta.

No crime impossível por impropriedade absoluta do objeto

material, embora a conduta seja potencialmente lesiva, inexiste a coisa ou

pessoa a ser protegida. Em face disso, não havendo objeto material, inexiste

interesse jurídico a ser tutelado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Page 48: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

Apesar de as primeiras idéias terem surgido há milênios, a

moderna teoria da imputação objetiva está longe de ser terminada. Ainda há

uma grande discussão doutrinária sobre o âmbito e os limites de sua

aplicação.

No entanto, é possível notar grandes avanços em relação à teoria

finalista, adotada atualmente, como o princípio do incremento do risco, o

princípio da confiança e a proibição de regresso.

Pelo princípio do incremento do risco, só é possível

responsabilizar o autor se a conduta criou ou aumentou um risco

juridicamente relevante.

A conseqüência da aplicação do princípio da confiança é a

impossibilidade de responsabilizar aquele que atua conforme o cuidado

objetivamente exigido.

Pela proibição de regresso, um comportamento anterior

considerado inócuo não pode ser considerado co-autoria ou participação em

conduta futura proibida, assim, um vendedor autorizado de armas de fogo não

responde pelos crimes com elas cometidos, uma vez que realizou uma

conduta estereotipada, normal e permitida pela ordem jurídica.

Page 49: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

A relação de causalidade é somente a primeira exigência da

imputação objetiva que se completa com a constatação da relevância jurídica

da relação existente entre a conduta e o resultado produzido.

Através dos conceitos de previsibilidade objetiva e subjetiva

conseguimos verificar quando o sujeito tinha a possibilidade de prever o

resultado em face das circunstâncias concretas em que se colocou.

Na perspectiva da teoria da imputação objetiva, o consentimento

do ofendido ganhou uma maior importância com as considerações sobre a

cooperação para que a vítima se coloque em perigo e a produção de um perigo

consentido.

Esta nova teoria também permite uma solução mais “justa” para

os crimes culposos, já que o resultado não pode ser objetivamente imputável

ao autor quando o evento jurídico mais grave não se mostrava adequado ao

risco inicial.

Neste contexto, podemos dizer que para existir a imputação

objetiva nos crimes culposos é imprescindível a criação ou aumento de um

risco juridicamente reprovado e que esse risco ou incremento do perigo

converteu-se em um resultado jurídico.

No entanto, quanto ao dolo eventual e a culpa consciente, ainda

existe a necessidade de um maior desenvolvimento sobre esse tema pela

Page 50: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

doutrina, pois, as soluções propostas pela imputação objetiva não

apresentaram resultado satisfatório.

Desta forma, acreditamos que a atual doutrina é a que melhor

define a diferença entre dolo eventual e culpa consciente.

Entendemos, também, que a teoria da imputação objetiva

proporciona uma melhor solução para a “tentativa”, sendo definida como uma

ação produtora de risco juridicamente relevante e proibido a um bem

protegido, cuja afetação não ocorre por circunstâncias alheias à vontade do

agente.

Isto posto, defendemos a adoção da teoria da imputação objetiva

de forma complementar à teoria finalista, especialmente nos crimes culposos,

o que, sem dúvida, seria um enorme passo para que no futuro a palavra

“Direito”, seja, verdadeiramente, um sinônimo de “Justiça”.

Page 51: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

APÊNDICE

Page 52: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

PROCURADOR DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

APLICA A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

O Dr. Pedro Franco de Campos, Procurador de Justiça de São

Paulo, invocou, em parecer ofertado na Apelação Criminal n. 368.162, de

Sorocaba, referente a crime de guarda ilegal de arma de fogo, a teoria da

imputação objetiva. A seguir, transcrição de parte do parecer:

“Apel ação Criminal n. 368.162-3/4 Sorocaba.

Apelante: AFM.

Apelada: Justiça Pública.

Colenda Câmara.

Page 53: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

AFM foi processada, perante o Juízo da 1.ª Vara Criminal da

Comarca de Sorocaba, por infração ao art. 12 da Lei n. 6.368/76, porque

trazia consigo, para fins de tráfico, considerável quantidade de cocaína,

devidamente acondicionada em 32 (trinta e duas) pedras de crack, e ao art. 10,

caput, da Lei n. 9.437/97, porque guardava, em sua casa, sem a devida

autorização legal, uma arma de fogo do tipo ‘garrucha’.

Depois de regular instrução criminal, veio a sentença de fls.

103/107, que a condenou a cumprir, pelo crime de tráfico, no regime fechado,

pena de 3 (três) anos de reclusão e ao pagamento de 50 (cinqüenta) dias-multa

e, pelo porte ilegal de arma, no regime aberto, pena de 1 (um) ano de detenção

e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa.

Inconformada, interpõe, de próprio punho (fls. 126) e por

intermédio de sua defesa (fls. 116), recurso de apelação, com razões às fls.

140/177, onde pede a reforma do decidido por ausência de provas a respeito

do tráfico e por ser obsoleta a arma apreendida em sua casa. De forma

alternativa, pondera a respeito da possibilidade de ser desclassificada sua

conduta de traficante para a de portadora de drogas para uso próprio.

A Promotoria de Justiça apresentou contra-razões às fls. 179/182,

onde pugna pelo não-provimento do recurso.

Este o relatório necessário do que consta nos autos do processo.

Page 54: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

Entendo que recurso merece provimento parcial, para que a ré

seja absolvida da imputação relativa ao porte ilegal de arma de fogo. No mais,

a decisão não comporta alteração.

(...)

Por fim, como já foi dito, penso que não tem consistência a

acusação relativa ao porte ilegal de arma.

A ‘garrucha’ foi apreendida sem nenhuma munição e estava

guardada dentro da casa da ré.

Em primeiro lugar, o fato de estar descarregada, mesmo tendo

potencial ofensivo (laudo de fls. 54/55), já descaracteriza o delito. Assim,

como ensina o Prof. Fernando Capez, verifica-se a atipicidade da conduta do

réu pela ‘inexistência de objeto material, se considerarmos que, nessas

condições (descarregada ou desmontada), não existe engenho mecânico capaz

de lançar projéteis e, por conseguinte, arma de fogo’ (Arma de fogo, Ed.

Saraiva, 1997, pág. 29). (...)

Em segundo lugar, como ensina o sempre lembrado Damásio de

Jesus, sob a ótica da teoria da imputação objetiva e da ofensividade, a conduta

daquele que guarda, em casa, arma de fogo sem registro não configura crime

algum. Na verdade, conclui o festejado Professor: ‘O âmbito de proteção da

norma de conduta só é invadido quando o comportamento cria um risco,

Page 55: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

relevante e juridicamente proibido, ao objeto jurídico. Na espécie – guardar

arma de fogo em casa sem registro – o fato é ineficaz de ofender a

incolumidade pública, tendo em vista que não causa nenhum perigo efetivo ou

potencial à segurança coletiva. É, pois, atípico’ ( Phoenix, dezembro de 2001,

n. 41, órgão informativo do Complexo Jurídico Damásio de Jesus).

Em face do que ficou exposto, o parecer é no sentido de ser dado

provimento parcial ao reclamo da ré, para que seja absolvida da imputação

relativa ao crime previsto no art. 10 da Lei n. 9.437/97, mantendo-se, no mais,

a fundamentada decisão de primeiro grau.

Pedro Franco de Campos

Procurador de Justiça.” 65

Page 56: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

TRIBUNAL DE ALÇADA DE MINAS GERAIS APLICA

A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA A CRIME

CULPOSO

Apelação Criminal n. 356.212, Belo Horizonte

2.ª Câmara Criminal

Apelante: Ministério Público

Apelados: H.H.B. e H.P.A.H.

Data do julgado: 14 de maio de 2002

65 Procurador de Justiça de São Paulo aplica a teoria da imputação objetiva. São Paulo: Complexo JurídicoDamásio de Jesus, abr. 2003. Disponível em: http://www.damasio.com.br/novo/html/artigos/art_146.htm.

Page 57: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

Relator: Juiz Antônio Armando dos Santos

2.º Vogal: Juiz Alexandre Victor de Carvalho

Unânime.

Excertos do acórdão.

“VOTOS – O Exmo. Sr. Juiz Antônio Armando dos Anjos:

Quanto aos fatos, narra a denúncia de f. 2-6 que os réus agiram de forma

negligente ao administrar a unidade industrial da M., situada no Barreiro,

local em que foram vítimas os menores D.S.V., M.J.F. L., e C.R.S.,

lesionados por queimaduras de 2.º e 3.º graus, sendo que o último, não

resistindo aos ferimentos, veio a falecer. Segundo a inicial acusatória, aos

26.7.1996, D.S.V., de dez anos, adentrou o terreno da empresa dos réus,

objetivando resgatar uma ‘pipa’, o mesmo ocorrendo com os menores

M.J.F.L. e C.R.S. em data de 31.7.1996. Não obstante o terreno ser de grande

perigo, já que formado por rescaldo (moinha) de carvão incandescente –

derivado do processamento de ferro gusa – o local não era devidamente

sinalizado ou vigiado, possibilitando a entrada de estranhos na empresa, como

ocorreu com os menores.

Adentrando o terreno, as vítimas menores se depararam com uma

camada de significativa espessura sobre o solo, mas em combustão

Page 58: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

espontânea em seu interior, que foi a causa eficiente para as queimaduras

experimentadas.

(...)

Em suma, é o relatório.

(...)

O Exmo. Sr. Juiz Antônio Armando dos Anjos:

NO MÉRITO

(...)

A partir dos elementos fáticos destacados pelo Parquet, postos à

análise segundo um ponto de vista meramente lógico-formal das categorias

dogmáticas do Direito Penal, poder-se-ia sustentar a tese condenatória

pretendida. Todavia, o conjunto de elementos fáticos apurados, aliado a uma

visão problemática – e não sistemática – das categorias penais, conduz a

manutenção da decisão vergastada.

É de sabença comezinha que o crime culposo sempre ocupou

posição secundária na Teoria do Crime, restando, assim, nas palavras de

Fábio Roberto D’Ávila, ‘à margem da dogmática jurídico-penal’ . Entretanto,

a evolução das relações sociais, conduzidas pelo próprio avanço tecnológico

do homem, culminou no aumento de situações de perigo, reflexo de uma

Page 59: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

sociedade mecanizada e em constante transformação. Neste contexto, a atual

visão do crime culposo, fruto da Teoria Finalista da Ação – mostra-se

inapropriada a reger inúmeras relações jurídicas do mundo cotidiano, pois

estando presa a um conceito puramente lógico, acaba por relegar a um

segundo plano o ideal de Justiça, fim último da Ciência Jurídica. Com efeito,

o estudo das teorias do crime anteriormente elaboradas (causalismo,

neokantismo, finalismo) apenas se preocuparam com a construção de um

sistema jurídico-penal lógico (fechado), de modo a fornecer aos operadores

do Direito um instrumento para aplicação da lei penal. Ora, na Teoria Causal

de Ação, a tipicidade era formal. Assim, a mera subsunção do fato praticado

ao modelo legal de crime implicaria na tipicidade da conduta, sem se avaliar

nenhum outro elemento. Isto porque, enquanto fruto de um Positivismo

Científico (ou empírico), o Causalismo tinha por finalidade garantir o máximo

de segurança jurídica, mediante a objetividade e o formalismo nos conceitos

das categorias dogmáticas do crime. Entretanto, esta visão estritamente formal

deixava de explicar satisfatoriamente inúmeras situações práticas,

conduzindo, em muitos casos – principalmente naqueles desprovidos de

previsibilidade do sinistro – a decisões injustas.

No atual sistema – Finalista – o rigor formal foi amenizado sem,

contudo, implicar em significativas mudanças. Isto porque a tipicidade exigia,

além da subsunção formal, a falta de adequação social da conduta praticada,

Page 60: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

sendo este critério avaliado a partir do consenso comum do que seria certo –

ou errado – em um comportamento.

Reflexo desta visão lógico-formal das categorias penais consistiu

na adoção pelas legislações penais da chamada Teoria da Equivalência dos

Antecedentes Causais, ou teoria da conditio sine qua non, desenvolvida por

Julius Glaser, visando solucionar o processo de imputação nos crimes

materiais. Segundo esta teoria, o resultado lesivo só é imputado a quem lhe

deu causa, considerando-se esta toda ação ou omissão sem a qual o evento

final não teria ocorrido. Logo, a mera relação de causalidade naturalística

entre o fato e o resultado mostrar-se-ia suficiente ao processo de imputação e

conseqüente responsabilização penal.

Atualmente, vem tomando grande relevância na comunidade

jurídica os estudos desenvolvidos pelo penalista alemão Claus Roxin, em que

procurou dar às categorias do Direito Penal uma nova dimensão, sempre

preocupada com os ideais de justiça. Para tal, reestruturou a concepção

lógico-formal das categorias do Direito Penal tratadas nas anteriores teorias

do crime, que, repita-se, apenas se preocupavam no regular e bom

funcionamento do sistema penal, de modo que ele se desenvolvesse de forma

lógica, ainda que as soluções não fossem justas. Entende Roxin que, se a

justiça é o fim último do Direito, não há como prevalecer um raciocínio

meramente sistemático defendido pelos sistemas penais pretéritos. Ao

Page 61: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

contrário, far-se-á justiça através de um raciocínio problemático – de análise

caso a caso das situações postas à apreciação dos operadores do Direito. Para

redefinir as categorias dogmáticas do Direito Penal (ação, tipicidade, ilicitude,

culpabilidade), valeu-se de elementos valorativos de Política Criminal como

critério reitor para a solução dos problemas vislumbrados. Neste norte, a

reestruturação do elemento tipicidade merece destaque, pois nela houve

considerável mudança na verificação do nexo de causalidade, sendo ali re-

introduzido o conceito de imputação. Assim, a chamada Teoria da Imputação

Objetiva fez superar o dogma causal, ao exigir para o tipo objetivo, além da

conexão naturalística ação-resultado (causalidade natural), a necessidade que

esta conexão, segundo valores de política criminal, sejam imputados ao autor

como obra jurídica sua (casualidade típica). Esta modificação introduzida no

âmbito da causalidade ajudou a acabar com o subjetivismo extremado do

finalismo, que dava muita ênfase ao tipo subjetivo (dolo/culpa), através de

uma maior valoração do tipo objetivo, notadamente incidente sobre o nexo de

causalidade. Vê-se, pois, que o nexo de causalidade físico não mais

implicaria, por si só, em nexo de causalidade jurídico.

Verificada a insuficiência, ou imperfeição, da causalidade natural

como determinante da imputação, passou-se a analisar o tipo objetivo à luz de

critérios teleológicos-normativos, complementares do tipo, e restritivos da

causalidade. Trabalhou-se o conceito de causa dado pela Teoria da Relevância

Page 62: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

Típica (elaborada por Edmund Mezger), em que causa era concebida como ‘o

evento em que o nexo causal era relevante para o tipo’ .

Restou à Teoria da Imputação Objetiva, pois, definir quando o

nexo causal seria relevante para o tipo. Concluiu-se que a relevância surgiria

da análise do nexo de causalidade a partir de critérios valorativos

(normativos) do ordenamento jurídico. Este, por sua vez, foi definido pelo

Princípio do Incremento do Risco, aferido da ponderação entre os bens

jurídicos e os interesses individuais, a partir da análise do risco que o

segundo poderia causar ao primeiro.

Em síntese: para se falar em nexo de causalidade é necessário

que, após a verificação da causalidade física, seja constatado que o agente

criou um perigo relevante fora do âmbito do risco permitido.

A imputação objetiva, embora não prevista na codificação pátria,

não tem sua aplicação vedada pelo ordenamento. Emerge como objeto de

estudo em diversos países, sendo efetivamente aplicado. No Brasil, conta com

crescente adesão dos estudiosos do Direito Penal, sendo que várias decisões

dos Tribunais pátrios já se valeram de seus fundamentos, inclusive esta 2.ª

Câmara Criminal.

Extrai-se, pois, a finalidade da imputação objetiva: analisar o

sentido social de um comportamento, precisando se este se encontra, ou não,

Page 63: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

socialmente proibido e se tal proibição se mostra relevante para o Direito

Penal. Portanto, para se ter a imputação objetiva será necessário, além da

causalidade natural, a verificação da criação de um risco jurídico penalmente

relevante, imputável no resultado e alcançado pelo fim de proteção do tipo

penal. Criou-se, então, diversos critérios valorativos de natureza negativa que,

uma vez verificados, excluiriam a imputação objetiva frente a não valoração

da conduta como juridicamente relevante para o resultado, culminando na

irrelevância jurídica do nexo causal para o tipo.

In casu, há a exclusão da imputação não só pela permissão do

ordenamento jurídico ao risco criado, como também pelo fato de o resultado

produzido não estar amparado pelo fim de proteção da norma de cuidado. Por

fim, rompe-se o nexo de causalidade pelo consentimento das vítimas em sua

autocolocação na situação de perigo.

DA INEXISTÊNCIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA PELA PERMISSÃO

DO ORDENAMENTO AO RISCO CRIADO

A questão dos autos cinge-se à aferição da responsabilidade dos

réus H.H.B. e H.P.A.H. pelas lesões causadas em D. e pelo óbito de C., pois

mantendo postura omissa e negligente, não realizando o efetivo

acondicionamento de material nocivo (moinha de carvão), tampouco o correto

Page 64: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

isolamento da área industrial – mediante vigilância, sinalização e cercamento

do local – permitiram a entrada das vítimas em suas dependências e a

ocorrência dos sinistros. Em que pese a postura dos réus – não

acondicionamento do material nocivo – ter incrementado o risco para a

produção dos resultados lesivos, verifica-se que as medidas adotadas para a

destinação daquele material (moinha de carvão) encontrava-se em

consonância com as regras administrativas, contando mesmo com a tolerância

dos órgãos públicos quanto à solução traçada. É de se destacar que os

lamentáveis acidentes apurados nestes autos ocorreram dentro dos prazos

consignados no Termo de Compromisso para a acomodação dos indigitados

resíduos sólidos, revelando que a empresa dos réus comportava-se dentro dos

parâmetros estabelecidos pelos órgãos ambientais (itens 3.3 e 3.5, do quadro

de f. 144).

Do exposto, vê-se que a postura da empresa dos réus estava

amoldada às determinações dos órgãos competentes, que fiscalizando

constantemente suas atividades, entendia possível não só a prorrogação de

prazos para a destinação dos resíduos sólidos – em limites por ela

estabelecidos – como também a continuidade das atividades industriais,

mediante permissão provisória. Logo, embora se sustente que a postura da

empresa tenha gerado um incremento no risco para o resultado materializado

nos menores, certo é que as medidas então adotadas encontravam-se em

Page 65: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

perfeita consonância como as determinações administrativas competentes.

Desta forma, surge o conflito, pois embora subsista a causalidade natural do

evento, tem-se por prejudicada sua causalidade típica, pois não há como

desvalorar uma conduta que se encontra em harmonia com as regras do

sistema jurídico.

DA INEXISTÊNCIA DE IMPUTAÇÃO OBJETIVA PELO FATO DE O

RESULTADO PRODUZIDO NÃO ESTAR AMPARADO PELO FIM DE

PROTEÇÃO DA NORMA DE CUIDADO

O dever objetivo de cuidado exigido dos réus consistia na correta

destinação ou armazenamento de resíduos sólidos derivados da produção de

ferro gusa (moinha de carvão), até porque a inobservância deste dever

permitiu a realização dos trágicos resultados apurados nas vítimas. Contudo,

muito embora se tenha demonstrado que este dever objetivo fora cumprido de

forma adequada e tolerável pelos órgãos competentes, vê-se que o destinatário

do cuidado objetivo não eram as vítimas menores, mas sim a qualidade do

meio ambiente como um todo. Pedindo vênia aos que entendem em contrário,

tenho que a orientação traçada pelas normas administrativas destinavam-se ao

resguardo do meio ambiente contra possíveis danos a serem causados à

coletividade, v.g., a poluição do lençol freático da região. Logo, se o resultado

fatídico apurado não se encontrava no fim imediato de proteção da norma de

Page 66: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

cuidado, impossível se mostra à imputação, sob pena de se resgatar o temível

versari in re ilicita.

DA INEXISTÊNCIA DE IMPUTAÇÃO OBJETIVA PELA

AUTOCOLOCAÇÃO DA VÍTIMA NA SITUAÇÃO DE PERIGO

Por fim, tenho que a imputação do resultado se mostra

prejudicada, pois patente no caso em tela que as tenras vítimas se

autocolocaram na situação de risco. Objetivando resgatar uma ‘pipa’, os

menores adentraram as instalações da empresa dos apelados, vindo a sofrer as

graves lesões (queimaduras e morte, respectivamente) em razão da existência

de moinha de carvão no terreno da empresa. Ora, o comportamento das

vítimas é que determinou a ocorrência do resultado lesivo, e não a suposta

conduta omissiva dos apelados, não havendo que se falar em criação de risco

por parte destes. Como verificado nas provas amealhadas, a empresa possui

um muro divisório de quase três (3) metros de altura, dotado de arame-

farpado em sua parte superior. Esta construção possui cerca de 1,5 Km de

extensão, objetivando isolar a área da empresa da entrada de estranhos.

Paralelamente à existência deste muro, o local possui placas de advertência,

alertando com dizeres de ‘Perigo’ e ‘Proibida a entrada de estranhos’,

contando com vigilância periódica de empresa terceirizada.

Page 67: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

Neste ponto, oportunas se fazem em algumas considerações

acerca do denominado ‘Princípio da Confiança’. Os apelados agiram segundo

seu dever, procurando o isolamento da área do parque industrial, confiando

que as medidas adotadas fossem suficientes a afastar os estranhos dos limites

da empresa. Por sua vez, os menores infringiram o dever de respeitar a

propriedade privada, embora advertidos não só pela existência das barreiras

físicas (muros) e visuais (placas), como também pelas advertências verbais

feitas pelos seus genitores, conforme apurado à f. 468.

Por todo o exposto, e diante das inúmeras peculiaridades do caso

colocado à apreciação, entendo que a pretendida responsabilização dos

apelados, com base em uma causalidade meramente naturalística, não espelha

o ideal de Justiça perseguido pela sociedade e pelo Direito Penal.

Fiel a essas considerações e a tudo mais que dos autos consta,

julgo parcialmente procedente o presente apelo tão-somente para, acolhendo a

preliminar eriçada pelo Parquet, nos termos do art. 107, IV, do CP, declarar

extinta a punibilidade dos réus H.H.B. e H.P.A.H. pelo crime de lesões

corporais culposas, em tese, perpetrados contra a vítima M., por ausência de

condição específica de procedibilidade da ação penal. Entretanto, entendendo

que os lamentáveis acidentes somente ocorreram face dos comportamentos

Page 68: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

imprudentes das vítimas, no mérito mantenho incólume a r. sentença

absolutória por seus próprios e jurídicos fundamentos. É como voto.” 66

66 Tribunal de Alçada de Minas Gerais aplica a teoria da imputação objetiva a crime culposo. São Paulo:Complexo Jurídico Damásio de Jesus, abr. 2003. Disponível em:http://www.damasio.com.br/novo/html/artigos/art_147.htm.

Page 69: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

BIBLIOGRAFIA

CAMARGO, Antonio Luís Chaves, Imputação objetiva e direito penal

brasileiro. São Paulo: Cultural Paulista, 2001.

CARVALHO, Érika Mendes de; PRADO, Luiz Regis. Teorias da

imputação objetiva do resultado: uma aproximação crítica de

seus fundamentos. São Paulo: RT, 2002, v. 1.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da língua

portuguesa. 2. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.

GENOFRE, Fabiano; LAVORENTI, Wilson; SILVA, José Geraldo da.

Leis penais especiais anotadas. 4.ed. rev. amp. atual. Campinas:

Millennium, 2003.

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal: Parte Geral.

4. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 7.

____________. Dos crimes contra os costumes aos crimes contra a

administração. 6. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 10.

Page 70: FÁBIO LÚCIO PAIVACURSO DE DIREITO “IMPUTAÇÃO OBJETIVA” FÁBIO LUCIO PAIVA R.A.: 444.283/6 TURMA: 3109-B FONE: 6991-3330 E-MAIL: fabiolucio01@hotmail.com SÃO PAULO 2004 FÁBIO

HENRIQUES, Antonio; MEDEIROS, João Bosco. Monografia no

curso de direito. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2001.

JESUS, Damásio E. de. Imputação objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia

científica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual da monografia jurídica. 3. ed.

rev. amp. São Paulo: Saraiva, 2001.

PEREIRA, Helena B. C.; SIGNER, Rena. Michaelis: pequeno

dicionário Espanhol-Português, Português-Espanhol. 6.ed. São

Paulo: Melhoramentos, 1996.

ROCHA, Fernando A. N. Galvão. Imputação objetiva. 2.ed. rev. amp.

atual. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

SALOMON, Décio Vieira. Como fazer uma monografia. 9.ed. São

Paulo: Martins Fontes, 1999.