Fe e Razao - A luz do tratado teologico-politico

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  • 49REVISTA ConatusConatusConatusConatusConatus - FILOSOFIA DE SPINOZA - VOLUME 5 - NMERO 9 - JULHO 2011

    * Integrante do GRUPO DE ESTUDOS DO SCULO XVII, vinculadoao NCLEO DE PESQUISAS EM FILOSOFIA DA HISTRIA E MODERNIDADE(NEPHEM/UFS). Estudioso do pensamento filosfico dosculo XVII, sobretudo da filosofia de Leibniz, Mestre emFILOSOFIA MODERNA E CONTEMPORNEA pela UNIVERSIDADE FEDERALDO PARAN UFPR e Doutorando em FILOSOFIA MODERNA ECONTEMPORNEA pela UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO UERJ. Seu projeto de tese, o qual conta com apoio daFUNDAO DE AMPARO PESQUISA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO FAPERJ, versa sobre a relao entre linguagem econhecimento em Leibniz, com nfase no papel fundamentaldesempenhado pelo conceito de expresso no sistema depensamento construdo pelo autor da Monadologia.1 As passagens do Tratado Teolgico-Poltico citadas neste

    artigo foram extradas da edio brasileira traduzida porDiogo Pires Aurlio e publicada pela Editora MartinsFontes, conforme indicado nas Referncias Bibliogrficas.Cumpre, desde j, informar que as referncias seencontram no corpo do texto, com a indicao da obrade forma abreviada (TT-P) e seguida da respectiva pginaonde se localiza a passagem.

    F E RAZO LUZ DO TRATADO TEOLGICO-POLTICODE BARUCH DE ESPINOSA 1

    IZAIAS RIBEIRO DE CASTRO NETO *

    I

    Considerando alguns acontecimentoshistricos ocorridos no Sculo XVII ocontexto de uma Europa marcada porconflitos religiosos, a guerra entre Inglaterra eHolanda, o governo holands sob domnio doPartido Monarquista-orangista, etc. , Espinosaobserva que eles no podem ser objeto de risoou lgrimas, portanto, no devem provocar aspaixes, principalmente de homens dedicados aocultivo da razo e busca da verdade. Pelocontrrio, eles mobilizam o pensamento e levamo filsofo reflexo. Em resposta a Oldenburg,a propsito das invectivas deste ao fato deEspinosa ter interrompido a feitura da tica epassado a se dedicar ao Tratado Teolgico-Poltico(TT-P), o filsofo holands afirma o seguinte:estas perturbaes no me provocam o riso,tampouco as lgrimas; levam-me a filosofar ea conhecer melhor a natureza humana. Porque

    eu julgo no ter o direito de me divertir custada natureza, e muito menos de me queixar,quando penso que os homens, como os outrosseres, no so seno uma parte da natureza e euignoro como cada uma dessas partes convm como todo e lhe est conforme, como, por outro lado,cada parte se liga s outras (Correspondncia,Carta XXX, Apud AURLIO, p. XV). Neste sentido,o texto do TT-P foi elaborado no calor daquelascircunstncias de lutas e conflitos presenciadas evivenciadas por Espinosa na Europa setecentista.Contudo, esta obra se inscreve em um projetofilosfico mais amplo, ultrapassando, assim, ocarter de simples manifesto circunstancial, poissua abordagem vai alm de um diagnstico crtico,mesmo que consistente e denso, da situaohistrico-poltica, ou seja, da realidade conflitualna qual o pensador est inserido.

    A problemtica filosfica que se desenhae se consolida no Tratado Teolgico-Polticopossui, sem dvida, uma dimenso radical euniversal. Ela universal porque consiste em umareflexo sobre a natureza do homem; e radical,pois se trata de uma anlise acerca dosfundamentos da f e da liberdade de profess-la, de um estudo dos limites da religio e dopoder, destacando, com isso, o traoeminentemente poltico que peculiar a estaesfera do mundo propriamente humano. aprxis humana que est em jogo. O autorempreende uma crtica s religies reveladas judasmo, cristianismo, islamismo, discute osfundamentos da f, defende a liberdade depensamento e de expresso, pe em relevo oslimites do poder, da lei e da obedincia2. Espinosa

    2 Remetemos o leitor a outro filsofo do sculo XVII,Thomas Hobbes, cuja obra principal, Leviat, apresentaalguns elementos que fomentam uma anlise da relaoentre poltica e religio. Ressaltamos que o conceito deobedincia desempenha papel importante na (CONTINUA)

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    reintroduz o homem na ordem da histria,enfatizando os elementos que o determinamsocial, cultural e politicamente. Mas no s isso.Ao que parece, levando-se em conta o sistemaespinosista, estamos diante de uma novaconfigurao do Ser, a qual deve estar emconsonncia com a totalidade da Natureza, masnem por isso se deixa captar pelo modelo moregeometrico. De todo modo, conforme ressaltaDiogo Pires Aurlio, a religio e a poltica deque se fala aqui [no TT-P] esto intimamenteconectadas com a filosofia demonstrada na tica(AURLIO, p. XI). Cumpre, por conseguinte,

    buscar a racionalidade imanente a estamanifestao singular da Substncia Infinita,resgatar a racionalidade prpria a essa esferafluida do Ser que se expressa no mundo doshomens. Nessa perspectiva, a poltica se revelao verdadeiro e autntico lugar de aclimataodo ser do homem, pois nela que a liberdadehumana pode encontrar as condies de suarealizao. A originalidade do projeto espinosistaresidiria, por conseguinte, em considerar apoltica como uma instncia que pode garantiras condies para o homem se libertar, para arazo se exprimir, e no como uma instnciaprodutora da liberdade e tradutora da razo(AURLIO, p. XXIII).

    Ao tematizar a relao entre poltica ereligio, Espinosa objetiva compreender anatureza humana a partir da dinmica que moveaquela relao e vai definindo os contornos domundo do homem. Assim, ao ressaltar adissociao entre Estado e Religio, o filsoforeivindica a separao entre f e razo, filosofiae teologia. Se de um lado, temos a irracionalidadeda superstio, da f cega, da Teologia, daservido; de outro, encontramos a carterracional da verdadeira religio, da Filosofia, daliberdade. O TT-P configura-se, dessa maneira,o registro singular de um pensamento que visapromover a autonomia humana pelo exerccioda razo e pela defesa incondicional da verdade,libertando o homem do jugo da esperana e domedo3 signos da superstio, da ignorncia eda servido.

    Se se trata, portanto, de encetar umadiscusso acerca da autonomia e da liberdadehumana, h que se empreender uma reviso dalei. E se o horizonte, aqui, est circunscrito nombito da poltica e da religio, preciso

    (CONTINUAO DA NOTA 2) articulao daquelas duasesferas, tal como Hobbes a aborda. Ele afirma, porexemplo, que a segurana e a prosperidade de um povogovernado residem no na forma de governo adotada(Democracia, Aristocracia, Monarquia), mas unicamentena obedincia e concrdia dos sditos. Retirem,assevera o autor do Leviat, seja de que Estado for, aobedincia (e consequentemente a concrdia do povo), eele no s no florescer, como a curto prazo serdissolvido. E aqueles que empreendem reformar o Estadopela desobedincia vero que assim o destroem (...)(HOBBES, 1979, p. 202). O captulo no qual encontra-sea passagem citada trata Do cargo do soberanorepresentante, cargo este que consiste, segundo Hobbes,no objetivo para o qual lhe foi confiado o soberano poder,nomeadamente a obteno da segurana do povo, ao qualest obrigado pela lei de natureza e do qual tem de prestarcontas a Deus, o autor dessa lei, e a mais ningum almdele (HOBBES, 1979, p. 200). Um outro aspecto quegostaria de enfatizar diz respeito instruo do povoacerca dos direitos essenciais da soberania, fundamentalpara se evitar o perigo da rebelio, garantindo, portanto,a prpria segurana do representante do Poder Soberano.O filsofo de Malmesbury extrai dos Dez Mandamentos,ou seja, da Lei de Moiss, os ensinamentos que deveminstruir o povo obedincia e concrdia. Essesprincpios tirados da autoridade das Escrituras, almde no impor qualquer dificuldade no que diz respeito instruo do povo, se revelam eficazes justamente pelasua simplicidade. Ora, o esprito da gente vulgar, a menosque esteja marcado por uma dependncia em relao aospoderosos, ou desvairado com as opinies de seusdoutores, como papel limpo, pronto para receber seja oque for que a autoridade pblica queira nele imprimir(HOBBES, 1979, p. 201). Certamente h tanto elementosem comum, quanto aspectos radicalmente distintos, entreo Tratado Teolgico-poltico de Espinosa e o Leviat deHobbes no que respeita relao entre religio e poltica.O nosso trabalho, porm, limita-se apenas a tecer algumasconsideraes acerca de certos aspectos da mencionadarelao tal como abordada pelo filsofo holands. De todomodo, fica sugerido o cotejamento das duas obras acimareferidas como mote para estudos posteriores.

    3 O medo, afirma Espinosa, a causa que origina,conserva e alimenta a superstio (TT-P, p. 6). Mais adianteele declara: Se esta a causa da superstio, h queconcluir, primeiro, que todos os homens lhe estonaturalmente sujeitos (digam o que disserem os que julgamque ela deriva do fato de os mortais terem todos uma ideiaqualquer, mais ou menos confusa, da divindade); emsegundo lugar, que ela deve ser extremamente varivel einconstante como todas as iluses da mente e os acessosde furor; e, por ltimo, que s a esperana, o dio, a clerae a fraude podem fazer com que subsista, pois no provmda razo, mas unicamente da paixo, e da paixo maiseficiente (TT-P, p. 7).

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    reinterpretar a lei tal como ela se configura no scomo ordem absoluta, lei divina, mas, sobretudo,como autodeterminao do ordenamento humano.Espinosa empreende essa tarefa a partir de umaanlise da Bblia. A Escritura Sagrada seria, aosolhos do filsofo, o mais exemplar discurso acercada lei considerada em toda a sua amplitude eambiguidades. Por conseguinte, uma reinterpretaodo texto bblico no visa desautorizar o que nelevem escrito; antes, pelo contrrio, pretendereinscrever a palavra-lei assinalando seu sentidoimanente e reinstal-la no seu devido lugar. Ahermenutica espinosista se concentraria,portanto, no na busca da verdade do texto, masna determinao do seu verdadeiro sentido. Ouseja, preciso compreender e revelar o que aEscritura diz, e no se o que tudo o que ela diz sempre verdadeiro e divino. Ou, ainda, a despeitoda particularidade do registro bblico, precisoassinalar seu elemento de universalidade. Apreocupao do filsofo segue na direo deperscrutar a dinmica das opinies que geraramo discurso e, a partir da, encontrar o ncleocomum, universal e certo que o legitima comopalavra divina revelada aos homens. Trata-se delapidar o texto bblico, retirando dele todoartifcio humano resultante de opinies que sepretendem verdades reveladas, mas que nopassam de frutos da imaginao. Opinies estasdas quais a maioria dos filsofos lanam mo eas tomam como sendo de origem divina,portanto, expresso da mais pura e irrefutvelverdade. Ocorre que o exame que tais filsofosfazem da Escritura Sagrada e a maneira como acompreendem, longe de promoverem aconcrdia, engendram controvrsias, alimentamdios e geram conflitos, descaracterizando averdadeira religio e colocando em risco asegurana do Estado.

    Assim, diante do mundo de aparnciasque vigora em torno daqueles que professam areligio universal e se julgam possuidores da luzdivina, diante dos preconceitos, do desprezo edo falso juzo que eles dirigem queles queexercem o livre pensamento, taxando-os deimpiedosos, diante da degradao dos cultosreligiosos, cuja superficialidade s fizeramreduzir a f a crendices, diante das vsespeculaes e das interpretaes equivocadasno que diz respeito palavra revelada, em suma,

    foi considerando esse estado de coisas que Espinosase props a reler a Bblia. Refletindo sobre tudoisso (...), diz ele, fiquei seriamente decidido aempreender um exame da Escritura, novo einteiramente livre, recusando-me a afirmar ou aadmitir como sua doutrina tudo aquilo que delano ressalte com toda a clareza (TT-P, p. 11).

    II

    No Captulo VII Da Interpretao daEscritura, Espinosa retoma sua crtica aostelogos, acusando-os de subverterem os textossagrados, preocupados que esto em manter ereforar sua autoridade perante o vulgo. Paratanto, procuram corroborar suas prpriasfantasias e opinies; e o fazem, segundo nossofilsofo, sem escrpulos e sem temerem o riscode cometerem algum sacrilgio contra o prprioDeus. Eles alteram o sentido do Livro Sagrado,fazendo passar por palavra de Deus as suasprprias invenes (TT-P, p. 114). Cumpreevitar enredar-se nessa teia, sair de taisconfuses, libertarmos a mente dos preconceitosdos telogos e no abraarmos temerariamenteinvenes humanas como se fossem ensinamentosdivinos (TT-P, p. 115). Ora, enquanto nosoubermos como ler a Escritura, para, enfim,compreendermos seu verdadeiro ensinamento,corremos a risco de sermos vtimas da ambiodos telogos e cmplices de seus crimes. nasequncia dessas estimaes que o filsofo passa exposio de sua hermenutica bblica, a qual,segundo ele, seria o verdadeiro mtodo parainterpretar a Escritura (TT-P, p. 115).

    A correta interpretao da Bblia traria,ela mesma, um resultado salutar, qual seja: aseparao entre Razo (Filosofia) e F(Teologia). E porque est revestida de um cartereminentemente poltico, a abordagem dessaproblemtica, da maneira como proposta porEspinosa, no s compatibiliza a liberdade depensamento com a liberdade de crena, como compatvel tambm com uma sociedade livre,segura e prspera4. Ento, ao estimarmos os

    4 A liberdade de pensamento e de expresso seria, nessesentido, condio de possibilidade de uma RepblicaDemocrtica. A represso, a intolerncia e a opresso, aocontrrio, trazem a guerra e dissolvem a unidade dosagrupamentos humanos, ou ainda, desfazem o lan queintegra os homens totalidade da natureza.

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    argumentos defendidos pelo filsofo, observamosque o livre exerccio da razo, no mbito terico,e a prtica da justia e da caridade, no terrenoda praxis, quando efetivamente atuam em seusrespectivos campos, longe de representarem adissoluo do Estado, garantem a preservaoda paz e favorecem a virtude piedosa. por issoque, de acordo com Espinosa, a Escritura deixaa razo em absoluta liberdade e no tem nadaem comum com a Filosofia, assentado, pelocontrrio, cada uma delas nas suas bases (TT-P,p 12). Da a necessidade de uma anlise imanenteda Escritura. Pois, se esta objeto de disputa ecujo contedo fomenta as mais esdrxulasverses, tornando-se, por conseguinte, o ncleodos conflitos religiosos e das contendas teolgico-filosficos, os quais se transmutam em luta pelopoder e causam a desordem social; ou seja, se na Bblia Sagrada que esto os fundamentos dalegitimao do poder, ento, compreend-lasignificaria descortinar os limites da autoridade,da servido e medo, ao mesmo tempo em quepermitiria revelar as possibilidades de uma vidasocial justa e livre.

    Mas em que consiste este mtodoinovador e revelador proposto por Espinosa? Emlinhas gerais, e nas palavras do prprio filsofo,

    [...] o mtodo de interpretar a Escritura nodifere em nada do mtodo de interpretar anatureza; concorda at inteiramente com ele.Na realidade, assim como o mtodo parainterpretar a natureza consiste essencialmenteem descrever a histria da mesma natureza econcluir da, com base em dados certos, asdefinies das coisas naturais, tambm parainterpretar a Escritura necessrio elaborar asua histria autntica e, depois, com base emdados e princpios certos, deduzir da comolegtima conseqncia o pensamento dos seusautores (TT-P, p. 115-116).

    Uma breve apreciao do excerto acimapoderia no conduzir ao seguinte raciocnio: seno h diferena entre o mtodo de interpretaoda natureza e o mtodo de interpretao daBblia, como a hermenutica bblica criada porEspinosa pode ser encarada como ferramentacapaz de demarcar a separao entre Filosofia eTeologia? Bem, h que se considerar a sutilezado argumento e situ-lo em seu contexto. Poder-se-ia dizer que o mtodo o mesmo tanto no que

    respeita investigao das coisas naturais quantono que se refere s coisas reveladas; porm, ocontedo que objeto de apreciao e anlise de natureza completamente distinta. Grandeparte da Escritura composta de profecias, derevelaes, de histrias que falam de milagres,mas nem por isso, como muitos estimam,excedem os limites do nosso entendimento.Nesse sentido, tais profecias, histrias e milagresnela narrados podem ser explicitados pela luznatural. O mtodo em questo, como ressaltaEspinosa, no exige nenhuma luz para alm daluz natural (TT-P, p. 132). No entanto, como amente humana, enquanto sede da luz natural,contm em si a natureza de Deus e dela participa(TT-P, p. 17), sendo a principal causa da revelaodivina, e como o conhecimento natural dependeexclusivamente do conhecimento de Deus e dosseus eternos decretos (TT-P, p. 16), ento, oconhecimento da Natureza (ou o conhecimentoda ideia de Deus) s pode ser deduzido por meiodo intelecto humano, que se compe deprincpios e ideias (e no de histrias e fatos,sejam reais ou inventados).

    Pelo exposto acima, nota-se que h coisasque so prprias da Bblia, e o conhecimentodelas deve ser extrado unicamente da prpriaEscritura Sagrada (Cf. TT-P, p. 117), do mesmomodo que o conhecimento da natureza seinvestiga na prpria natureza (TT-P, p. 116).Disso resulta que no devemos confundir aquiloque da ordem do sagrado e objeto de f comaquilo que da ordem da Natureza e objeto depuro pensamento. E devemos evitar essaconfuso para que no incorramos em erro etomemos por revelao divina o que apenasmera opinio ou fruto da imaginao proftica5.5 Procurar a sabedoria e conhecimento das coisas naturais

    e espirituais nos livros profticos enveredar por uma via,no mnimo, equivocada. digno de nota que os homensde grande sabedoria no foram profetas (ou seja, notiveram o dom de profecia), mas homens rsticos e alheiosa qualquer cincia, e mesmo algumas mulheres, os quaistinham uma vvida capacidade imaginativa, eramportadores daquele dom. Os profetas desenvolveram aimaginao, ao passo que os sbios, cultivaram a luz natural(Razo). Segundo Espinosa, aqueles que sobressaem pelaimaginao so menos aptos para compreender as coisasde maneira puramente intelectual; em contrapartida, osque sobressaem mais pelo intelecto e o cultivamsuperiormente, possuem uma capacidade de imaginar maistemperada, mais regrada, e como que a refreiam para queassim no se misture ao intelecto (TT-P, p. 32).

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    Espinosa reconhece que a profecia portaum sentido, isto , o conhecimento revelado portador de uma certeza6. No entanto, o acessoa essa revelao no se d de forma imediata,por meio de processo auto-reflexivo no qual oesprito extrai da natureza da mente a verdadeclara e distinta7, mas somente a f nos concedea graa de participar da revelao proftica. Estanos apresentada pelo profeta, o intrprete dascoisas que Deus revela para os que no socapazes de ascender ao conhecimento divino.Ressaltemos que o profeta no um serprivilegiado. Eles, diz Espinosa, no so homensdotados de uma mente mais perfeita mas sim deuma capacidade de imaginar mais viva, conformeas narrativas da Escritura abundantementeensinam (TT-P, p. 32). O dom da profecia seria,assim, marcado fundamentalmente por essavivacidade da imaginao. Ocorre que, pelo fatode a imaginao no ser uma faculdade cognitivaperfeita e carecer de elementos para envolverpor si mesma uma certeza, a certeza proftica(profecia que fruto da imaginao mais viva)demanda algo mais, alm da prpria revelao,que confira objetividade ao que est sendorevelado. Da que os profetas, asseveraEspinosa, no tivessem a certeza da revelaode Deus atravs da prpria revelao, mas simatravs de qualquer sinal (...) (TT-P, p. 33).Ademais, a certeza que os profetas obtinham

    pelos sinais no era matemtica (ou seja,resultante da necessidade da percepo da coisapercebida ou vista), mas apenas moral [grifonosso], e como os sinais no se destinavam senoa persuadir o profeta, resulta que eles eramadaptados s opinies e capacidade de cadaum, de tal maneira que o sinal que dava a esseprofeta a certeza de sua profecia podia noconvencer minimamente um outro que estivesseimbudo de opinies diferentes (TT-P, p. 35).

    Mas diante desse carter varivel eimpreciso das profecias, uma vez que elasdependiam das opinies, do temperamento, daimaginao dos profetas, alm de seconformarem s qualidades estilsticas destes, sua cultura, eloquncia de cada um, enfim;dadas essas flutuaes, o que poderia levar osoutros homens a acreditarem que se tratava alide uma revelao divina, de um ensinamentocerto e seguro? Segundo Espinosa, toda certezaproftica tem como fundamentos: 1. a nitidezdas coisas imaginadas pelos profetas e por estesreveladas; 2. um sinal; e 3. por ltimo, e acimade tudo, a nica coisa que movia os profetas eraa justia e a caridade (Cf. TT-P, p. 34-35). Sendoassim, as representaes profticas maisautnticas so aquelas que ensinam a justia e obem. Nesse sentido, apenas somos obrigados aacreditar nos profetas quando se trata daquiloque a finalidade e a substncia da revelao;quanto ao resto, cada um livre para acreditarconforme lhe aprouver (TT-P. p. 48). A Bblianos exorta a praticar o bem, a sermos virtuosos,piedosos, justos e amorosos, em suma, a certezaproftica se mede pela exortao da prtica dajustia e da caridade: devemos amar Deus e aoprximo. Se esse o ncleo comum, cujo sentidode universalidade (moral) parece explcito; seesse sentido verdadeiro no que respeita vidaprtica e caridade; ento, salutar queacreditemos nas declaraes, nas recomendaes,nas narrativas, nas profecias que so portadorasdessa certeza moral8. No mais, porque as questes

    6 O filsofo define assim a profecia: Profecia ouRevelao o conhecimento certo de alguma coisarevelado por Deus aos homens (TT-P, p. 15).7 Ao distinguir o conhecimento proftico do conhecimento

    natural, Espinosa enfatiza que: Como a nossa mente, spelo fato de conter em si a natureza de Deus e delaparticipar, tem o poder de formar certas noes queexplicam a natureza das coisas e nos ensinam a conduzirna vida, poderemos afirmar que a primeira causa darevelao divina justamente a natureza da menteenquanto faculdade do conhecimento natural. Porquetudo o que conhecemos clara e distintamente a ideia deDeus (conforme indicamos) e a natureza de quem no-lodita, no por palavras, mas de uma forma ainda maisexcelente e adequada natureza da mente, como, semdvida, sabe por experincia prpria todo aquele quealguma vez experimentou a certeza do entendimento(TT-P, p. 17). Ora, o conhecimento proftico, por ser deuma natureza distinta daquela que caracteriza a certezado entendimento, possui outros princpios causais e outrosmecanismos mediante os quais Deus nos revela aquiloque ultrapassa os limites do nosso entendimento e mesmoaquilo que no o ultrapassa (Cf. TT-P, p. 17).

    8 Podemos encontrar na abordagem hobbesiana darelao entre poltica e religio, algo parecido a estasalegaes de Espinosa. Para Hobbes, cabe ao homemsensato s acreditar naquilo que a justa razo lhe apontarcomo crvel. Se desaparecesse este temor supersticiosodos espritos, e com eles os prognsticos tirados dos sonhos,as falsas profecias, e muitas outras coisas (CONTINUA)

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    filosficas ou puramente especulativas noestavam adaptadas inteligncia (ou imaginao) dos profetas, nem tampoucocondizia com os critrios da palavra revelada,seria incuo buscar na Bblia o conhecimento dascoisas naturais e espirituais. E quando o que estem jogo o exame dos textos profticos na buscado sentido da Escritura, preciso evitar sempre aingerncia do nosso raciocnio, uma vez que eleassenta nos princpios do conhecimento natural(TT-P, p. 118). Mais uma vez temos a, atravs daanlise da Profecia e dos Profetas, e considerandoo mtodo de interpretao da Bblia traado porEspinosa, elementos que apontam para umadissociao entre Filosofia e Teologia. Ficaria,assim, assegurada a liberdade de pensamento eexpresso, de opinio e de crena.

    III

    Ou outro aspecto que merece serdestacado diz respeito noo de lei ou, aomenos, s ambiguidades do termo. O CaptuloIV do TT-P, intitulado Da lei divina, dedicadoa essa questo, da qual trataremos brevemente.

    O autor da tica apresenta algumasnuances que, segundo ele, a definio de leicomportaria. Assim, pela palavra lei em sentidogeral e absoluto, devemos entender aquilo quefaz um indivduo, ou todos, ou alguns de umamesma espcie, agir sempre de uma certa edeterminada maneira (TT-P, p. 66). Todas ascoisas seriam, nessa perspectiva, determinadaspor leis universais, seja no tocante suaexistncia, seja atinente s aes dos indivduos.Mas Espinosa distingue uma lei que determinadapela ordem natural de uma lei que depende dadeciso humana, afirmando que a primeira derivanecessariamente da prpria natureza, enquantoa segunda depende da livre deciso dos homens.Estes, no curso da vida em sociedade, prescrevemleis tendo em vista a segurana e a comodidadeda vida. Da se impor a seguinte definio: leisignificar, portanto, uma regra de vida que ohomem prescreve a si e aos outros em funo de

    um determinado fim (TT-P, p. 67). Essas regras,ou mais precisamente o direito, podem serrespeitadas ou no, sendo o homem, porconseguinte, livre para se autodeterminar. Nesteponto, isto , considerada a lei em seu sentidoespecfico, como regra de vida, evidencia-se maisuma distino, a saber: entre a lei humana e a leidivina. Afirma Espinosa: Por lei humana,entendo uma regra de vida que serve unicamentepara manter a segurana do indivduo e dacoletividade; por lei divina, entendo uma regraque diz respeito apenas ao soberano bem, isto ,ao verdadeiro conhecimento e amor de Deus(TT-P, p. 68). A lei humana possui um cartercoercitivo, na medida em que, para conter ovulgo e faz-lo obedecer ao que lhe determinado, os legisladores se valem depromessas para aqueles que a defendem ou deameaas e punies para os que a violam (Cf.TT-P, p. 68). A lei divina, ao seu turno, porqueenvolve um amor incondicional a Deus, s asegue quem realmente o ama. E s amaverdadeiramente a Deus quem o conhece, assimcomo, s o conhece verdadeiramente quem oama (Cf. TT-P, p. 70). Da que a regra de vidacuja finalidade segue na direo do amor e doconhecimento de Deus se denomina lei divina.

    Nossa felicidade, nosso soberano bem, emsuma, nossa perfeio, dependem do conhecimentode Deus, pois sem o Ser Supremo nada pode existir.Sendo assim, a verdadeira finalidade da vidaconsiste na busca do conhecimento de Deus. Ora,se todas as coisas que existem na naturezaimplicam e exprimem a ideia de Deus naproporo de sua essncia e da sua perfeio,ento, quanto mais conhecemos as coisasnaturais, maior e mais perfeito conhecimentoadquirimos de Deus (TT-P, p. 69). Considerandoque o Entendimento a fonte da verdadeira vidae a melhor parte do nosso ser, aqueles que ocultivam so os que participam efetivamente dasuprema felicidade, porque amam acima detudo o conhecimento intelectual de Deus (Cf.TT-P, p. 69). Segundo Espinosa: Sendo o amorde Deus a suprema felicidade, a beatitude dohomem, o fim ltimo e o objetivo de todas assuas aes, s segue a lei divina quem procuraamar a Deus, no por temer o castigo nem poramor de nenhuma outra coisa, sejam prazeres,fama, etc., mas apenas porque conhece a Deus,

    (CONTINUAO DA NOTA 8) dele decorrentes, graas squais pessoas ambiciosas e astutas abusam da credulidadede gente simples, os homens estariam muito mais bempreparados do que agora para a obedincia civil(HOBBES, 1979, p. 14).

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    CASTRO NETO, IZAIAS RIBEIRO DE. F E RAZO LUZ DO TRATADO TEOLGICO-POLTICO DE BARUCH DE ESPINOSA. P. 49-56.

    ou seja, porque sabe que o conhecimento e oamor de Deus so o bem supremo (TT-P, p. 70).Mas se estimarmos que um tal bem denatureza especulativa e intelectual, somente ossbios e filsofos, ou melhor, somente os que sededicam perfeio do entendimento e aocultivo da razo esto aptos a alcanarem abeatitude. Sendo assim, estaria o vulgocondenado desde sempre? Como, ento, garantira salvao dos ignorantes? Quais as condies quetornam possvel a beatitude dos que no sosbios e no se dedicam ao conhecimentointelectual de Deus?9

    Retomemos, aqui, nosso fio condutor: aEscritura. Espinosa alega que, apesar mesmo deseu carter particular e sendo ela destinada aum determinado povo, a lei de Moiss pode sertomada como lei divina (Cf. TT-P, p. 70).Contudo, a divindade da lei mosaica no se deveao fato de ela representar uma regra de vida quenos orienta na direo do conhecimento e doamor de Deus, mas apenas porque ela foisancionada pela luz proftica (TT-P, p. 70)10.Mas a obedincia lei conduziria os homens salvao? Matheron assinala que Espinosa seconfessa incapaz de demonstrar que a simplesobedincia levaria os homens salvao e queningum jamais deu alguma demonstrao disso,embora reconhea que o dogma fundamentalsobre o qual se assenta a Lei Revelada, qual seja,a prtica da justia e da caridade, pode lhes servirde uma certeza moral (Cf. MATHERON, 1971,p. 149). As seguintes palavras do filsoforeferendam as consideraes do intrprete:

    [...] se no podemos demonstrar pela razo averdade ou falsidade do princpio fundamentalda teologia, segundo o qual os homens sesalvam apenas pela obedincia, poder-se-objetar-nos: por que que acreditamos entonesse princpio? (...) A minha resposta queadmito absolutamente que esse dogmafundamental da teologia no pode ser

    investigado pela luz natural ou, pelo menos,no houve ainda ningum que o demonstrasse,pelo que a revelao foi extremamentenecessria; no entanto, ns podemos usar afaculdade de julgar para abraarmos, pelomenos com uma certeza moral, aquilo que foirevelado (TT-P, p. 229-230).

    A Escritura, ou melhor, a lei divinasubjacente ao texto sagrado tem, portanto, umafinalidade: conduzir os homens, na medida dopossvel, a uma vida de paz e felicidade. Pelaprtica das boas aes, pela prtica do amor aDeus e aos semelhantes e, fundamentalmente,pela graa concedida por Deus aos mortais, oshomens se sentem consolados e se fiam nacerteza da salvao pela f. Os ensinamentos daEscritura no passam de lies de obedincia (Cf.TT-P, p. 215). Seja a obedincia s leis de Moiss,como no caso dos judeus; seja a simples egenuna f em Deus e a consequente adorao aele, conforme a doutrina evanglica. A LeiRevelada ensina e recomenda a obedincia.Porm, o nico ensinamento, isto , a nicarecomendao digna de ser obedecida omandamento do amor. Todo aquele que ama oprximo como a si mesmo porque Deus manda realmente obediente e feliz segundo a lei (...)(TT-P, p. 216). Segundo Espinosa, eis a o nicomandamento a que somos obrigados a aderir,porque constitui critrio e fundamento de todaf catlica.

    O princpio da prtica da justia e dacaridade para com o prximo a verdadeira regracapaz de tornar possvel uma vida de paz econcrdia entre os homens. Fiis so aquelescujas obras so justas e piedosas, aqueles queespalham a justia e a caridade; ao passo queos mpios so aqueles que, com seusensinamentos e suas opinies distorcidas, incitamos homens insubmisso, ao dio, s dissensese clera (Cf. TT-P, p. 222). Nesse sentido, af, ou a Teologia, nada tem a ver com a Filosofia,uma vez que aquela se atm a questes de ordemprtica, se ocupa das aes que se determinampor regras de prudncia ou por princpios depiedade e amor; a Filosofia se ocupa da verdade,se atm a problemas de natureza terica. A f,portanto, segundo Espinosa, concede a cadaum a mxima liberdade de filosofar, de tal modoque se pode, sem cometer nenhum crime, pensar

    9 Para um aprofundamento do tema acerca da salvaodos ignorantes, consultar a obra Le Christ et le Salut desIgnorants chez Spinoza, de Alexandre MATHERON, emespecial o Captulo III Le Salut des Ignorants. (areferncia completa se encontra nas RefernciasBibliogrficas).10 Nosso filsofo enftico ao afirmar que os israelitas

    no conheceram quase nada acerca de Deus, embora elese lhes tenha revelado (...) (TT-P, p. 45).

  • 56 REVISTA ConatusConatusConatusConatusConatus - FILOSOFIA DE SPINOZA - VOLUME 5 - NMERO 9 - JULHO 2011

    CASTRO NETO, IZAIAS RIBEIRO DE. F E RAZO LUZ DO TRATADO TEOLGICO-POLTICO DE BARUCH DE ESPINOSA. P. 49-56.

    o que se quiser sobre todas as coisas (Cf. TT-P,p. 222). A razo e a Filosofia reivindicam o reinoda verdade e da liberdade. A f e a teologiareinam em outro domnio: o da moralidade e daobedincia. Pela Filosofia, iluminados pela luznatural da razo, ns conhecemos a Deus e oamamos de uma maneira excelente e perfeita,alcanando, assim, a Suprema Beatitude. Mas areligio tambm tem sua utilidade, pois umavez que no podemos compreender pela luznatural que a simples obedincia uma via paraa salvao, e uma vez que a revelao ensinaacontecer assim por uma singular graa de Deusimpossvel de atingir pela razo, segue-se que aEscritura veio trazer aos mortais uma enormeconsolao (TT-P, p. 233). A Escritura noensina questes filosficas; nem a Filosofia,tampouco, deve adaptar ao seu pensamento osensinamentos profticos. Assim, atuando em suaesfera prpria, separadas que esto pela naturezado objeto com que cada uma lida, Filosofia eTeologia podem conviver de maneira harmnica,para o bem e a segurana do Estado.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    AURLIO, Diogo Pires. Introduo ao TratadoTeolgico-Poltico. In: ESPINOSA, Baruch.Tratado Teolgico-Poltico. Traduo,introduo e notas de Diogo Pires Aurlio. SoPaulo: Martins Fontes, 2003.

    ESPINOSA, Baruch. Tratado Teolgico-Poltico. Traduo, introduo e notas de DiogoPires Aurlio. So Paulo: Martins Fontes, 2003.

    HOBBES, Thomas. Leviat ou matria,forma e poder de um Estado Eclesisticoe Civil. Trad. Joo Paulo Monteiro e MariaBeatriz Nizza da Silva. 2. ed. So Paulo: AbrilCultural, 1979. (Coleo Os Pensadores)

    MATHERON, Alexandre. Le Christ et le Salutdes Ignorants chez Spinoza. Paris: AubierMontaigne, 1971.

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