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1 EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) FEDERAL DA .....VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE VITÓRIA – ES. Ementa: Ação Popular contra a Resolução CNPE nº 21 de 24 de novembro de 2017, que aprovou a 4ª Rodada de Licitações do Pré-Sal, e do Edital ANP referente à 4ª Rodada. Lesão ao patrimônio público decorrente dos parâmetros criados pelos editais de licitações. Prejuízos à União em razão dos baixíssimos valores de bônus de assinaturas e excedente em óleo para a União. Instituição de regime tributário que deixará de arrecadar aproximadamente um trilhão de reais em IRPJ e CSLL durante a vigência dos contratos de partilha de produção. Desestruturação de Política de conteúdo local e seus impactos para geração de emprego e renda no País. Inconstitucionalidade formal da Lei 13.365/2016. Arguição Incidental. Priscila Costa Patrício, brasileira, casada, técnica química de petróleo, portadora da cédula de identidade 4.076.449 SSP-ES, CPF 108.656.077.96, título de eleitor 024201071430, seção 0035, zona 001, residente e domiciliada na Rua Aristides Navarro, nº 45, apartamento 302, Bairro Centro, CEP 29016-040, cidade de Vitória ES, com endereço eletrônico [email protected] (doc. 1), e Marco Aurélio da Silva, brasileiro, solteiro, engenheiro químico, portador da cédula de identidade 05507050-2 IFP-RJ, CPF 869.488.147.00, título de eleitor nº 14167590302, seção 51, zona 210, residente e domiciliado à Rua Constante Sodré, 596, apartamento 302, - Edifício Maira, Bairro Santa Lúcia, CEP 29056-310, Vitória ES, com endereço eletrônico [email protected] (doc. 2), por seu advogados firmatários, conforme procurações in fine assinadas, vem, respeitosamente, perante a Vossa Excelência, com fulcro no art. 5.º, inciso LXXIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e na Lei n.º 4.717/65, propor a presente: AÇÃO POPULAR COM PEDIDO DE LIMINAR inaudita altera pars

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EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) FEDERAL DA .....VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE VITÓRIA – ES.

Ementa: Ação Popular contra a Resolução CNPE nº 21 de 24 de novembro de 2017, que aprovou a 4ª Rodada de Licitações do Pré-Sal, e do Edital ANP referente à 4ª Rodada. Lesão ao patrimônio público decorrente dos parâmetros criados pelos editais de licitações. Prejuízos à União em razão dos baixíssimos valores de bônus de assinaturas e excedente em óleo para a União. Instituição de regime tributário que deixará de arrecadar aproximadamente um trilhão de reais em IRPJ e CSLL durante a vigência dos contratos de partilha de produção. Desestruturação de Política de conteúdo local e seus impactos para geração de emprego e renda no País. Inconstitucionalidade formal da Lei 13.365/2016. Arguição Incidental.

Priscila Costa Patrício, brasileira, casada, técnica química de petróleo, portadora da cédula de identidade 4.076.449 SSP-ES, CPF 108.656.077.96, título de eleitor 024201071430, seção 0035, zona 001, residente e domiciliada na Rua Aristides Navarro, nº 45, apartamento 302, Bairro Centro, CEP 29016-040, cidade de Vitória ES, com endereço eletrônico [email protected] (doc. 1), e Marco Aurélio da Silva, brasileiro, solteiro, engenheiro químico, portador da cédula de identidade 05507050-2 IFP-RJ, CPF 869.488.147.00, título de eleitor nº 14167590302, seção 51, zona 210, residente e domiciliado à Rua Constante Sodré, 596, apartamento 302, - Edifício Maira, Bairro Santa Lúcia, CEP 29056-310, Vitória ES, com endereço eletrônico [email protected] (doc. 2), por seu advogados firmatários, conforme procurações in fine assinadas, vem, respeitosamente, perante a Vossa Excelência, com fulcro no art. 5.º, inciso LXXIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e na Lei n.º 4.717/65, propor a presente:

AÇÃO POPULAR

COM PEDIDO DE LIMINAR inaudita altera pars

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em face da AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS – ANP, pessoa jurídica de direito público, inscrita no CNPJ sob o número 02.313.673.0001/27, com sede no Distrito Federal – SGAN – Quadra 603, Módulos H e I – CEP 70830-030 – Brasília (DF) e com escritório central sito na Av. Rio Branco, 65 / 21º andar - 20090-004 - Rio de Janeiro – RJ, bem como em face de seu Presidente, Senhor DÉCIO ODDONE, no mesmo endereço da pessoa jurídica e, ainda, contra o CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA - CNPE, presidido pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, Senhor WELLINGTON MOREIRA FRANCO, com endereço sito à Esplanada dos Ministérios – Bloco U – CEP 70.065-900 - Brasília (DF), pelos motivos de fato e de direito que passa a expor: I - DA LEGITIMIDADE ATIVA.

A/O(s) Autor(as/es) são brasileiros natos e eleitores, no uso e gozo de seus direitos civis e políticos, aptos à propositura da ação popular, nos termos da legislação vigente. II - DA LEGITIMIDADE PASSIVA.

O artigo 6º da Lei 4.717/1965 dispõe sobre a legitimação passiva, conforme transcrito a seguir:

Art. 6º - A ação popular será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissão, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.

Como poderá ser observado ao longo da presente o ato

impugnado, é a abertura de processo licitatório com base nos edital da “Quarta Rodada de Licitações de Partilha de Produção1”, publicado pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, conforme Comunicado divulgado no Diário Oficial em 5 de abril de 20182, regido pela Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010, e pela Lei nº

1 Disponível em http://rodadas.anp.gov.br/pt/4-rodada-de-partilha-de-producao-pre-sal/edital-e-modelo-do-contrato-de-partilha. Acesso em 7 de maio de 2018. 2 Disponível em http://rodadas.anp.gov.br/arquivos/Round_P4/Edital/DOU_05042018.pdf. Acesso em 7 de maio de 2018.

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13.365, de 29 de novembro de 2016, formalmente inconstitucional, e sob a incidência de regime tributário disciplinado pela Lei nº 13.586, de 28 de dezembro de 2017, que importará em redução estimada de receita tributária de IRPJ e CSLL superior a R$ 1.000.000.000.000,00 (um trilhão de reais), em grave e irreparável prejuízo à sociedade brasileira e ao País.

É o que se passa a demonstrar.

III – DAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS.

Há quase 65 anos, o então Presidente Getúlio Vargas

sancionava, em 3 de outubro de 1953, a Lei nº 2.004, que criou a Petrobrás, após intensa mobilização popular e acesos debates nos meios políticos, militares, acadêmicos e empresariais.

Até então, nenhuma empresa estrangeira se interessava em

explorar, produzir ou refinar petróleo no Brasil, muito embora as “sete irmãs” (Shell, Exxon, Texaco, Mobil, British Petroleum, Chevron e Gulf) já estivessem instaladas na Venezuela, no México e no Oriente Médio, áreas onde os riscos eram, então, menores do que elas correriam no Brasil.

Naquela época, nosso mercado de derivados de petróleo era

suprido pelas “irmãs”, a partir de suas refinarias nos EUA ou na Europa. Os preços que o cartel nos impunha variavam segundo seus interesses, e o suprimento chegou a ser interrompido durante a Segunda Guerra Mundial, quando tivemos de nos valer da solução caseira, usando o prosaico “gasogênio” para movimentar nossos veículos.

O País gastava centenas de milhões de dólares e éramos

inteiramente dependentes das importações de derivados, embora nosso mercado estivesse aberto desde o império a esses interesses. As multinacionais não vieram porque não lhes interessava vir. Optaram por investir seus recursos em outros países e exploraram nosso mercado interno em benefício das economias centrais, como ocorre até hoje.

Urgia, portanto, a intervenção do Estado, já que a iniciativa

privada se mostrara desinteressada e incapaz de atender às demandas da sociedade brasileira. Foi criada, para cumprir essa missão, a PETROBRÁS, sociedade de economia mista, na qual a União deteria o controle acionário.

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O Brasil precisava se desenvolver e não podíamos esperar a boa vontade das empresas estrangeiras para atender às nossas necessidades.

Nesses 65 anos de atuação da Petrobrás, saímos da condição

de total dependência da importação de derivados a preços extorsivos, para a posição de país líder mundial na tecnologia de produção de petróleo, em águas profundas. A Petrobrás é há muito tempo uma das empresas mais requisitadas pelas gigantes multinacionais do setor, para troca de informações sobre seus sucessos em pesquisa e desenvolvimento. Em menos de 30 anos a partir da criação da empresa, o Brasil passou de importador de combustíveis a exportador e líder em tecnologia de produção de petróleo. Esta liderança teve o reconhecimento da comunidade petrolífera internacional, que concedeu à empresa brasileira, ainda nos idos de 1992, em Houston, Texas USA, na OTC - OFFSHORE TECHNOLOGY CONFERENCE o mais importante prêmio da indústria petrolífera, além de diversos outros reconhecimentos ao longo desses anos.

Poucos trabalhadores no Brasil podem ter o privilégio de

trabalhar numa empresa como a Petrobrás: Uma companhia dinâmica, rentável, moderna e eficiente, que atende à demanda nacional de combustíveis, em todos os pontos de nosso imenso território. Jamais permitiu que faltassem esses produtos essenciais, não obstante termos enfrentado ao longo dessas últimas décadas uma dezena de crises nas regiões produtoras do Golfo Pérsico, que abalaram seriamente as economias ocidentais e o restante do mundo. No plano interno tivemos o suicídio, a renúncia, a deposição e o impedimento de presidentes combinados com uma sucessão de programas econômicos fracassados e nunca o país foi desabastecido. Graças à ação da Petrobrás, o Brasil passou incólume por esses períodos conturbados.

O Petróleo é bem de uso coletivo. Mineral não renovável.

Produto estratégico. A mais importante fonte de energia e matéria prima da civilização contemporânea. Assunto da maior gravidade e relevância para o futuro e a segurança do Brasil.

É impossível não analisar ou mesmo negar que o petróleo é e

está no centro da geopolítica mundial, por se tratar de uma mercadoria “diferente”, como afirma Ernani Teixeira Torres Filho:

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Existem diversos elementos que demonstram que o petróleo é uma mercadoria “diferente”. Do ponto de vista da demanda, podem ser elencadas algumas características particulares. O petróleo é principal fonte de energia do mundo. Além disso, e mais importante, é praticamente a única fonte de energia do sistema de transportes. Da integração comercial entre os diversos países ao abastecimento das grandes cidades, passando pelo trafego de pessoas nos grandes centros urbanos, tudo é movido a óleo. Só isso já seria motivo suficiente para o mercado de petróleo merecer um tratamento analítico diferenciado. Entretanto, é importante não esquecer que além do transporte comercial, o petróleo é também a fonte de energia que move as forças armadas, tanto em terra quanto no ar e no mar3.

Neste sentido, esclarece, ainda, Gilberto Bercovici:,

Ao equiparar o petróleo a uma commodity, cujos preços são fixados pelo mercado internacional, a lógica de um planejamento estratégico para garantir o abastecimento futuro perde seu sentido. Na realidade, o petróleo mantém a sua especificidade completamente, que não permite que seja assimilado a uma commodity. O petróleo continua sendo uma “strategic commodity”, pois é vital para a economia moderna e é produzido, em sua maior parte, em regiões politicamente instáveis. Sua aquisição, produção e distribuição é decidida em termos políticos e militares, não de mercado. Não se pode esquecer dessa dimensão política e estratégica do petróleo, pois ela (assim como a da energia, em geral) surge das prioridades dos governos, não dos mercados4.

3 TORRES FILHO, Ernani Teixeira. PETRÓLEO: CONCORRÊNCIA, REGULAÇÃO E ESTRATÉGIA. Professor Doutor do

Instituto de Economia da UFRJ/Economista do BNDES, in www.eco.unicamp.br/docprod/downarq.php?id=46&tp=a. (acesso em

20/10/2017. 4 BERCOVICI, Gilberto, Direito Econômico do Petróleo e dos Recursos Minerais, São Paulo, Quartier Latin, 2011, p. 50.

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Não por acaso que a exploração petrolífera tem sido utilizada “para promover guerras, derrubar governos populares, silenciar opositores”5.

Para Wladmir Coelho:

O povo brasileiro, ao apoiar em 1953 a fundação da Petrobras, pretendia proporcionar ao país exatamente o controle do bem econômico petróleo entendo o seu emprego como fundamental para o desenvolvimento nacional. A propaganda oficial, em apoio ao leilão do petróleo, oferece um mundo de conquistas, todavia não passam de ilusões habilmente construídas a partir da manipulação da história confundindo a população com promessas de royalties para este ou aquele setor. O ato de leiloar o petróleo implica no rompimento desta determinação popular. Fica evidente o elevado prejuízo resultante da entrega deste mineral aos grupos internacionais6.

É a partir desse contexto histórico e do reconhecimento da importância social e estratégica do Petróleo e da Petrobras, que se deve analisar a presente ação popular.

III. 1 – A importância estratégica das reservas de Pré-Sal.

Conforme estudo realizado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, “as descobertas na província petrolífera do Pré-Sal estão entre as mais importantes em todo o mundo nas últimas décadas”7.

Neste mesmo estudo, constam informações que a área do

Pré-Sal foi estabelecida como sendo a região do subsolo formada por um prisma vertical de profundidade indeterminada, com superfície poligonal definida pelas coordenadas geográficas de seus vértices estabelecidas em

5 COELHO, Wladmir. O LEILÃO DO PRÉ-SAL - A privatização na América do Sul e o modelo chinês - -

http://politicaeconomicadopetroleo.blogspot.com.br/. 6 COELHO, Wladmir. O LEILÃO DO PRÉ-SAL - A privatização na América do Sul e o modelo chinês - -

http://politicaeconomicadopetroleo.blogspot.com.br/. 7 RIBEIRO LIMA, Paulo César e COSTA LIMA, Pedro Garrido. ÁNÁLISE DAS RODADAS DE LICITAÇÃO PREVISTAS

PARA O PRÉ-SAL. Estudo Técnico. Setembro/2017. Doc. anexado à presente inicial, p. 8.

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Anexo à Lei nº 12.351/2010, bem como outras regiões que venham a ser delimitadas em ato do Poder Executivo, de acordo com a evolução do conhecimento geológico.

A descoberta dessa província pode representar a agregação de

reservas de 176 bilhões de barris de petróleo (Jones e Chaves, 2015), volume significativamente maior que as atuais reservas nacionais, que, em 2014, foram de 16,2 bilhões de barris de petróleo.

A competência técnica da Petrobras, a atuação da Agência

Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP e a exigência contratual do programa exploratório mínimo nos vários blocos da Bacia de Santos foram decisivas para a descoberta do Pré-Sal em 2006.

Nesse contexto, como afirmado alhures, em 1992 a Petrobras recebeu o prêmio OTC Distinguished Achievement Award por conquistas técnicas notáveis relacionadas ao desenvolvimento de sistemas de produção em águas profundas relativas ao campo de Marlim e, em 2001, por avanços nas tecnologias e na economicidade de projetos de águas profundas, no desenvolvimento do campo de Roncador. Em maio de 2015, a Petrobras recebeu pela terceira vez o prêmio OTC. Esse prêmio é o maior reconhecimento que uma empresa de petróleo pode receber na condição de operadora offshore8.

O outro estudo elaborado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados9, indicam que falhas técnicas se repetem no Edital da 4ª Rodada de Partilha de Produção. Dessa forma, é possível que as participações governamentais nos blocos licitados na 4ª Rodada sejam tão baixas ou inferiores às de Alto de Cabo Frio-Oeste e Sul de Gato do Mato, estimados em, respectivamente, 41,14% e 32,48%.

Essas baixas participações governamentais decorrem do fato

de editais exigirem percentuais mínimos de apenas 11,53% para Sul de Gato do Mato e 22,87% para Alto de Cabo Frio-Oeste.

8 RIBEIRO LIMA, Paulo César e COSTA LIMA, Pedro Garrido. ÁNÁLISE DAS RODADAS DE LICITAÇÃO PREVISTAS

PARA O PRÉ-SAL. Estudo Técnico. Setembro/2017. Doc. anexado à presente. 9 RIBEIRO LIMA, Paulo César e COSTA LIMA, Pedro Garrido. ANÁLISE DA QUARTA RODADA DE LICITAÇÃO DO PRÉ-

SAL. Estudo Técnico. Março/2018. Doc. anexado à presente.

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A Figura 1, mostrada a seguir, apresenta as participações governamentais médias em vários países, no período de 2009 a 2014.

Na Noruega, conforme mostrado na Figura 1, a participação

governamental foi de cerca de 76% (setenta e seis por cento), enquanto, no Brasil, sob o regime de concessão, essa participação foi de aproximadamente 56%, percentual bem inferior ao da Noruega. A introdução de regime de partilha de produção no Brasil tinha o objetivo de aumentar a participação governamental.

Entretanto, conforme será demonstrado logo em seguida, o

edital da 4ª Rodada de Partilha de Produção, combatido nesta ação, poderá gerar uma participação governamental ainda menor que no regime de concessão.

Figura 1 – Participações governamentais médias em vários países.

Com efeito, em 5 de abril de 2018, foi publicado o Edital da Quarta Rodada de Licitações de Partilha de Produção, cujo objeto é a OUTORGA DOS CONTRATOS DE PARTILHA DE PRODUÇÃO PARA

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ATIVIDADES DE EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL10.

Essas licitações ocorrerão no dia 7 de junho de 2018, com previsão de assinatura dos contratos de partilha de produção até 30 de novembro de 201811.

O Edital de Licitações da 4ª Rodada de Partilha de Produção define:

as normas que deverão ser obedecidas por todas as interessadas em participar da 4ª Rodada de Licitações de Partilha de Produção e foi elaborado de acordo com as disposições pertinentes, dentre as quais a Lei n.º 9.478/97, a Lei n.º 12.351/2010, a Lei n.º 13.365/2016, a Resolução ANP n.º 24/2013, a Resolução CNPE nº 21/2017, o Decreto nº 9.041/2017, Resolução CNPE nº 25/2017, as quais devem ser consultadas e observadas.

Esse edital da 4ª Rodada, como entabulado, gerará enormes prejuízos à União e, como consequência, à sociedade brasileira. IV - DA LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO.

A Constituição Federal dispõe em seu art. 5º, LXXIII, que:

Art. 5º (…) LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; (...)

Neste sentido, o instituto da Ação Popular visa o reconhecimento jurisdicional da invalidade de atos ilegais e lesivos ao

10 Disponível em http://rodadas.anp.gov.br/pt/4-rodada-de-partilha-de-producao-pre-sal/edital-e-modelo-do-contrato-de-partilha.

Acesso em 7 de maio de 2018. 11 Disponível em http://rodadas.anp.gov.br/pt/4-rodada-de-partilha-de-producao-pre-sal/cronograma-indicativo. Acesso em 7 de maio de 2018.

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patrimônio público, incluindo-se em sua esfera o patrimônio de autarquias, entidades paraestatais, pessoas jurídicas que recebam subvenções públicas, possuindo natureza desconstitutiva do ato lesivo e a condenações dos responsáveis à reposição do status quo ante, inclusive sendo viável a tutela cautelar.

Como se demonstrará a seguir, os parâmetros estabelecidos pelo edital referente à 4ª Rodada de Licitações de Partilha de Produção são lesivos ao patrimônio público.

Preliminarmente, faz-se necessário destacar que os campos de Pré-Sal constituem a maior descoberta mundial dos últimos 50 anos da indústria de petróleo e gás natural, estimando-se que há mais de 100 bilhões de barris recuperáveis nestes campos, inserindo o Brasil entre os principais detentores de reservas.

No atual contexto exploratório brasileiro, a possibilidade de ocorrência do conjunto de rochas com potencial para gerar e acumular petróleo na camada Pré-Sal encontra-se em um polígono de aproximadamente 800 km de extensão por 200 km de largura, no litoral entre os estados de Santa Catarina e Espírito Santo. As jazidas dessa província ficam de 200 Km a 300 km da região Sudeste, que concentra 58,2% do Produto Interno Bruto (soma de toda a produção de bens e serviços do País). A área total da província do Pré-Sal (149 mil km2) corresponde a quase três vezes e meia o estado do Rio de Janeiro.

A produção diária de petróleo no Pré-Sal passou da média de aproximadamente 41 mil barris por dia, em 2010, para o patamar de 1 milhão de barris por dia em meados de 2016. Um crescimento de praticamente 24 vezes.

Para descobrir essas reservas e operar com eficiência em águas ultraprofundas, foi necessário que a Petrobras desenvolvesse tecnologia própria e atuasse em parceria com fornecedores, universidades e centros de pesquisa, contratando sondas de perfuração, plataformas de produção, navios, submarinos, com insumos que movimentam toda a cadeia da indústria de energia.

Os resultados dessa descoberta já são notáveis. A marca de 1 milhão de barris de petróleo por dia no Pré-Sal foi atingida menos de dez anos depois da primeira descoberta nessa camada geológica e apenas dois anos depois de alcançar-se, ali, 500 mil barris diários, em 2014.

Uma comparação com o próprio histórico brasileiro de produção dá a dimensão desse resultado: foram necessários 45 anos, a

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partir da sua criação, para que a Petrobras alcançasse, em 1998, a produção do primeiro milhão de barris de petróleo.

Esse crescimento acelerado da produção comprova a alta produtividade inicial dos poços em operação no Pré-Sal e representa uma marca significativa na indústria do petróleo, especialmente porque os campos se situam em águas profundas e ultraprofundas.

Um dado que mostra, comparativamente, a alta produtividade do pré-sal é que a companhia precisou, em 1984, de 4.108 poços produtores para chegar à marca de 500 mil barris diários. No Pré-Sal, chega-se ao dobro desse volume de produção com a contribuição de apenas 52 poços.

Por conta do conhecimento acumulado e da inovação tecnológica, o custo médio de extração do petróleo do Pré-Sal vem sendo reduzido gradativamente ao longo dos últimos anos. Passou de US$ 9,1 por barril de óleo equivalente (óleo + gás) em 2014, para US$ 8,3 em 2015, e atingiu um valor inferior a US$ 8 por barril no primeiro trimestre de 2016.12

Como disciplina do regime de exploração dessa importante riqueza natural, foi promulgada a Lei nº 12.351/2010, que instituiu o regime de partilha de produção para exploração e produção de petróleo, gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos em áreas do Pré-Sal.

As principais características desse marco regulatório são:

● O contratado exerce, por sua conta e risco, as atividades de exploração e produção;

● A companhia ou o consórcio que executa as atividades assume o risco exploratório;

● No processo licitatório, o critério de julgamento é o percentual de excedente em óleo (o chamado óleo-lucro), ou seja, quem oferecer à União a maior participação no volume de óleo produzido é o vencedor. No Brasil, o bônus de assinatura também é fixado no edital;

● Se uma eventual descoberta na área sob o sistema de partilha não for economicamente viável, a

12 Disponível em: http://www.petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/areas-de-atuacao/exploracao-e-producao-de-petroleo-e-gas/pre-sal/. Acesso em 7 de maio de 2018.

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companhia ou o consórcio não recebe qualquer tipo de indenização da União.

● Se houver alguma descoberta comercial, a companhia ou o consórcio recebe, como ressarcimento, volumes da produção correspondentes a suas despesas na exploração (o chamado óleo-custo). Além do óleo-custo, recebe também os volumes de produção correspondentes aos royalties devidos e o óleo-lucro. O valor dos royalties é repassado à União, que o distribui aos estados e municípios.

● A Petrobras, até o advento da Lei nº 13.365, de 2016, atuava sempre como operadora, com uma participação mínima de 30%.13

As receitas da União, no modelo de partilha de produção, podem ser sintetizadas nos recursos adquiridos por meio de: i) bônus de assinatura (valor destinado à União pela contratação da exploração de determinada área); ii) excedente em óleo da União (percentual destinado à União do excedente em óleo total; iii) arrecadação tributária; iv) benefícios diretos e indiretos das políticas de conteúdo local (empregos gerados, desenvolvimento da indústria nacional, e arrecadação tributária).

A seguir são apresentados, na Tabela 1, o potencial e as áreas

em oferta. A Petrobras apresentou no dia 14 de dezembro de 2017, ao CNPE, manifestação de interesse em exercer o direito de preferência para a 4ª Rodada de Licitações de Partilha de Produção nas áreas de Dois Irmãos, Três Marias e Uirapuru. Essa manifestação decorre da já mencionada Lei nº 13.365/2016.

13 Disponível em: http://www.petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/areas-de-atuacao/exploracao-e-producao-de-petroleo-e-gas/marco-regulatorio/. Acesso em 7 de maio de 2018.

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Tabela 1 – Potencial dos blocos e áreas em oferta

Bacia Setor Bloco em oferta Modelo exploratório Área em oferta (km²)

Santos

SS-AUP1 Três Marias Elevado Potencial 821,45

SS-AUP2 Uirapuru Elevado Potencial 1.285,33

Campos

SC-AP4 Itaimbezinho Elevado Potencial 710,54

SC-AP5 Dois Irmãos Elevado Potencial 1.414,26

Como se demonstrará, a seguir, os parâmetros o Edital da 4ª

Rodada de Licitações, ora combatido, podem lesar o patrimônio da União e, consequentemente, da sociedade brasileira.

i) excedente em óleo da União e bônus de assinatura

A título comparativo, segue a Tabela 2 que confronta o percentual do excedente em óleo da União e o bônus de assinatura estabelecidos na 1ª Rodada de Licitação de Partilha de Produção e as que são objeto do edital enfrentado por essa ação.

Tabela 2 – Excedente em óleo da União e bônus

Bloco Rodada Percentual mínimo do excedente em óleo da União (%)

Bônus de assinatura (R$ bilhões)

Libra 1ª 41,65 15,000

Três Marias 4ª 8,32 0,100

Dois Irmãos 4ª 16,43 0,400

Uirapuru 4ª 22,18 2,650

Itaimbezinho 4ª 7,07 0,050

Total do bônus da 4ª Rodada 3,200

Conforme mostrado na Tabela 1, os percentuais mínimos a serem ofertados em excedente em óleo à União na 4ª Rodada do Pré-Sal variam de 7,07%, em Itaimbezinho, a 22,18%, em Uirapuru. Esses percentuais são muito inferiores ao mínimo a ser ofertado em Libra, que foi de 41,65%.

Em relação aos bônus de assinatura, também é perceptível, com base na Tabela 1, a distorção de valores apresentados no edital. Como

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se observa, o total do bônus de assinatura para as quatro áreas a serem licitadas na 4ª Rodada do Pré-Sal é de apenas R$ 3,2 bilhões.

O próprio percentual de 41,65% para o excedente em óleo da União em Libra, que constou do Edital da 1ª Rodada, poderá gerar uma baixa participação governamental. As sociedades empresárias interessadas na licitação de Libra disputaram segundo o critério da oferta de maior excedente em óleo para a União, respeitado o percentual definido na Tabela 3.

A oferta foi composta exclusivamente com a indicação do percentual de excedente em óleo para a União, respeitado o percentual mínimo de 41,65%. Cabe ressaltar que, de acordo com a Tabela 3, esse percentual pode ser reduzido. Portanto, esse não é, de fato, o mínimo de excedente em óleo a ser efetivamente destinado à União.

O percentual do excedente em óleo para a União refere-se ao valor de barril de petróleo tipo Brent entre US$ 100,01 e US$ 120,00 e à coluna correspondente à média da produção diária de petróleo dos poços produtores compreendidos entre 10,001 mil e 12 mil barris.

Tabela 3 – Percentual de excedente em óleo a ser efetivamente destinado à União em Libra

OF = Valor ofertado.

Conforme mostrado na Tabela 3, o percentual efetivo do excedente em óleo para a União poderá variar de 9,93% (41,65% - 31,72%) para uma média de produção diária de petróleo dos poços produtores de até 4 mil barris por dia e um preço Brent de até US$ 60 por barril até 45,56% (41,65% + 3,91%) para uma média de produção diária de petróleo dos poços produtores de mais de 21,001 mil barris e um preço Brent maior

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que US$ 160,01 por barril.

Em suma, em razão da produção média e do preço Brent o excedente em óleo efetivamente destinado para a União poderá variar de 9,93% a 45,56%. É grande a faixa de alteração ou ajuste do excedente em óleo a ser destinado à União. Importa ressaltar que o ajuste para baixo é muito maior que o ajuste para cima do Excedente em Óleo para a União.

Em toda a indústria de petróleo, tanto os governos quanto as empresas buscam aumentar o índice de produtividade dos poços com o objetivo de aumentar a rentabilidade dos campos.

Entretanto, na contramão dessa lógica, os dados contidos no Edital de Libra e apresentados na Tabela 3 representam um desestímulo a se buscar altos índices de produtividade, pois quanto menor a produção do poço, menor a média da produção diária de petróleo do campo; quanto menor essa média, maior o percentual do excedente em óleo para o contratado.

Dessa forma, haverá um incentivo ao contratado para perfurar, por exemplo, poços verticais, que tendem a ser mais baratos e a produzir menos que os poços horizontais ou de alta inclinação. A perfuração de poços de baixa produtividade representará um aumento do percentual do excedente em óleo para o contratado e a redução do excedente em óleo para a União.

Governos de vários países recebem parcela do excedente em óleo, tais como Argélia, Angola, Camarões, Chade, Costa do Marfim, Chipre, República Democrática do Congo, Guiné Equatorial, Gabão, Índia, Indonésia, Quênia, Malásia, Nigéria, Omã, Paquistão, República do Congo, Senegal, Trindade e Tobago, Uganda e Vietnam.

Em nenhum deles, o percentual do Excedente em Óleo é função da produção média dos poços. Na verdade, não foi identificado sequer um país que adote a produção média dos poços como uma das variáveis para determinação da repartição do excedente em óleo entre o governo e o contratado.

Observa-se, então, que o edital de Libra transfere os riscos da baixa produtividade e dos baixos preços do barril para a União, ao contrário do que dispõe a Lei nº 12.351/2010, artigos 10 e 18, transcritos a seguir:

“Art. 10. Caberá ao Ministério de Minas e Energia, entre outras competências:

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(...) III - propor ao CNPE os seguintes parâmetros técnicos e econômicos dos contratos de partilha de produção: (...) b) o percentual mínimo do excedente em óleo da União; (...) Art. 18. O julgamento da licitação identificará a proposta mais vantajosa segundo o critério da oferta de maior excedente em óleo para a União, respeitado o percentual mínimo definido nos termos da alínea b do inciso III do art. 10.”

Em razão da possibilidade de queda da produção média dos poços e do preço Brent, o contrato e o edital de Libra não garantem sequer o percentual mínimo de 41,65% do excedente em óleo para a União.

Quando se faz uma licitação, não se sabe, a priori, quais serão as receitas líquidas decorrentes da exploração da área. O critério de se estabelecer a proposta vencedora apenas com base no percentual do excedente em óleo oferecido para a União transforma a licitação sob o regime de partilha de produção em um grande “jogo”.

Para evitar que esse “jogo” possa trazer grandes prejuízos para o patrimônio público, é fundamental que seja estabelecida em lei ou em decreto uma política pública para se garantir que a União receba um excedente em óleo considerado justo e compatível com os padrões internacionais.

Na ausência dessa política pública, cabe ao Edital estabelecer esse excedente na forma de um percentual mínimo que assegure uma participação compatível com áreas tão estratégicas como as da província do Pré-Sal.

No regime de concessão, que vigorava com exclusividade no Brasil até a promulgação da Lei nº 12.351/2010, havia uma política pública para a participação governamental estabelecida pela legislação. A Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, dispõe sobre a alíquota de royalties e prevê a cobrança da participação especial nos casos de campos de grande volume de produção ou de grande rentabilidade.

Os critérios detalhados de pagamento da participação especial em campos sob o regime de concessão estão estabelecidos no Decreto nº

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2.705, de 3 de agosto de 1998. Dessa forma, os concessionários e toda sociedade brasileira sabem quais são as regras.

Admitindo-se a situação hipotética de que Libra fosse explorada sob o regime de concessão, a alíquota da participação especial tenderia a 40%, o que geraria uma participação governamental ainda baixa, da ordem de 60%. Na grande maioria dos países exportadores de petróleo, a participação governamental é superior a 85%. Na Noruega, o retorno governamental por preço do barril é de cerca de 80%, o que gera uma participação governamental líquida que pode chegar a 90%.

Em suma, o regime de concessão apresenta uma alíquota efetiva de Participação Especial muito baixa, que tende a, no máximo, a 40%. No entanto, a variável básica para se determinar essa alíquota, que é a produção trimestral fiscalizada, protege muito mais o interesse público que as duas variáveis do Edital de Libra: produção média dos poços e preço Brent, utilizadas para ajustar o Excedente em Óleo efetivamente destinado à União.

Sob o regime de partilha de produção, não existe uma política pública para a cobrança do excedente em óleo nem na Lei nº 12.351/2010, nem em decreto. Existe uma “flexibilidade total” para o Poder Executivo fixar as condições apenas em um edital.

Foi justamente essa flexibilidade que permitiu que o Edital da 4ª Rodada de Partilha de Produção estabelecesse, com base na Resolução CNPE nº 21/2017, percentuais de excedente em óleo para a União tão baixos, que variam entre apenas 7,07% e 22,18%.

Se o Edital de Libra, com oferta mínima de 41,65%, pode gerar uma participação governamental menor que no regime de concessão, o Edital da 4ª Rodada com ofertas de 7,97% a 22,18% pode significar uma participação governamental muito menor ainda que em Libra, mesmo com preços de referência para esses percentuais menores que Libra, conforme demostrado a seguir.

O percentual do excedente em óleo para a União, a ser ofertado pelas licitantes, deverá referir-se ao preço de barril de petróleo tipo Brent de US$ 50,00 e à produção diária média de 12.000 barris de petróleo por poço produtor ativo.

Conforme mostrado na Tabela 4, para um preço do petróleo entre 60,01 e US$ 80 por barril e uma produtividade entre 2.001 e 4.000 barris por dia, o excedente em óleo ofertado será reduzido em 22,12 pontos percentuais. Essa redução, à exceção de Uirapuru, geraria negativos

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excedentes em óleo para a União, no caso de ofertas vencedoras com o mínimo estabelecido no Edital de 4ª Rodada. Há, no entanto, um limite inferior de 1% do excedente em óleo para a União.

Observa-se, então, que o Edital da 4ª Rodada do Pré-Sal garante apenas baixíssimos percentuais de excedente em óleo para a União, que podem chegar a 1%, o que não ocorre em nenhum país produtor de áreas estratégicas como o Pré-Sal.

Tabela 4 – Percentual de excedente em óleo a ser efetivamente destinado

à União na 4ª Rodada

NOTA:

1. O limite mínimo da alíquota é 1%. Desta forma, todas as células para as quais o cálculo resultar em valor inferior a 1%, será fixada em 1%.

2. O preço do petróleo será atualizado conforme índice previsto nas minutas dos contratos de partilha de produção constantes no ANEXO XXVIII do Edital da 4ª Rodada.

3. O “pp” que sucede cada número da tabela é a abreviatura de ponto percentual.

Não há qualquer justificativa plausível para que os percentuais de excedente em óleo da União sejam tão baixos e tão lesivos ao patrimônio público, o que exige a intervenção do Poder Judiciário a fim de proteger a coletividade de tão grave ameaça de direito.

ii) arrecadação tributária

Ainda sob o ponto de vista do marco legal, um ato fortemente lesivo ao patrimônio público foi editado de forma absolutamente danosa ao País. Trata-se da edição da Medida Provisória – MPV nº 795, de 17 de agosto de 2017, convertida na Lei nº 13.586, de 28 de dezembro de 2017.

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Essa Lei dispõe sobre o tratamento tributário das atividades de exploração e de desenvolvimento, altera a Lei nº 9.481, de 13 de agosto de 1997, e a Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014, e institui regime tributário especial para as atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos.

Transcreve-se, a seguir, o art. 1º da Lei nº 13.586/2017:

Art. 1º Para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), poderão ser integralmente deduzidas as importâncias aplicadas, em cada período de apuração, nas atividades de exploração e de produção de jazidas de petróleo e de gás natural, definidas no art. 6º da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, observado o disposto no § 1º deste artigo.

§ 1º A despesa de exaustão decorrente de ativo formado mediante gastos aplicados nas atividades de desenvolvimento para viabilizar a produção de campo de petróleo ou de gás natural é dedutível na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL.

§ 2º Para fins de apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL, poderá ser considerada a exaustão acelerada do ativo de que trata o § 1o deste artigo, calculada mediante a aplicação da taxa de exaustão, determinada pelo método das unidades produzidas, multiplicada por dois inteiros e cinco décimos.

§ 3º A quota de exaustão acelerada de que trata o § 2º deste artigo será excluída do lucro líquido, e o total da exaustão acumulada, incluídas a normal e a acelerada, não poderá ultrapassar o custo do ativo.

§ 4º A partir do período de apuração em que for atingido o limite de que trata o § 3o deste artigo, o valor da exaustão normal, registrado na escrituração comercial, deverá ser adicionado ao lucro líquido para

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efeito de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL.

§ 5º Quanto às máquinas, aos equipamentos e aos instrumentos facilitadores aplicados nas atividades de desenvolvimento da produção, a depreciação dedutível, para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, deverá ser realizada de acordo com as taxas publicadas periodicamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, para cada espécie de bem, em condições normais ou médias.

§ 6º Sem prejuízo do disposto no § 5º deste artigo, fica assegurado ao contribuinte o direito de computar a quota efetivamente adequada às condições de depreciação das suas máquinas, equipamentos e instrumentos facilitadores aplicados nas atividades de desenvolvimento da produção, desde que faça prova dessa adequação, quando adotar taxa diferente da publicada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.

De acordo com as novas regras de arrecadação de Imposto de

Renda e de Contribuição Social sobre Lucro Líquido, estabelecidas pelo art. 1º da Lei nº 13.586/2017, foi apresentado o seguinte cenário em estudo realizado por Ex-Consultor Legislativo do Senado Federal e da Câmara dos Deputados14:

As deduções adicionais e as duplas deduções decorrentes de possíveis interpretações do art. 1º da Lei nº 13.586/2017, poderão chegar, sem considerar a possível dedução de bônus de assinatura, a US$ 23,5 por barril, assim composto:

− duplicidade de dedução: US$ 8;

− encargos financeiros: US$ 1;

− custos exploratórios de áreas não comerciais: US$ 1;

14 RIBEIRO LIMA, Paulo César. RENÚNCIAS FISCAIS DECORRENTES DO ART. 1º DA LEI Nº 13.586/2017 E O PRÉ-SAL

COMO FONTE DE EMPOBRECIMENTO DO NORDESTE. Doc. anexado à presente inicial, p. 15.

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− outros custos e outras despesas gerais, administrativas e de vendas US$ 3;

− royalties: US$ 10,5.

Tabela 11.1 – Diferença entre o custo em óleo e o art. 1º Lei nº

13.586/2017

Natureza do custo Custo em óleo Art. 1º da Lei 13.586/2017

Bônus de assinatura Não dedutível Dedutível no período em que ocorrido

Custos de exploração Dedutível ao longo da produção

Dedutível no período em que ocorrido

Custos de desenvolvimento Dedutível apenas para os bens adquiridos

Dedutível pela formação de ativo

Custos de produção Dedutível ao longo da produção

Dedutível no período em que ocorrido

Royalties Não dedutível Dedutível no período em que ocorrido

Encargos financeiros, custo de venda e outros

Não dedutível Dedutível no período em que ocorrido

Impairment Não dedutível Dedutível no período em que ocorrido

Dessa forma, há potencial redução de arrecadação de IRPJ e CSLL superior a R$ 1 trilhão, calculada a partir de deduções de US$ 23,5 por barril, da produção de 40 bilhões de barris e de taxa de câmbio de 3,2 Reais por Dólar, sem atualização a valor presente. Se fosse considerada a dedução dos bônus de assinatura, essa redução de arrecadação seria ainda maior.

No caso da licitação sob o regime de partilha de produção dos excedentes da cessão onerosa, que pode ainda em 2018, os bônus de assinatura podem chegar a R$ 80,5 bilhões. Se os bônus dos excedentes da cessão onerosa forem deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, a redução de arrecadação será de R$ 27,37 bilhões.

Destaque-se, por fim, que os Estados e Municípios do Nordeste poderão ter uma redução de R$ 141 bilhões nos repasses do FPE e do FPM em razão apenas de os royalties do Pré-Sal serem deduzidos do IRPJ. Assim sendo, o Pré-Sal, em vez de enriquecer,

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pode empobrecer ainda mais essa Região, onde vivem mais de 8 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza extrema.

Diante do exposto, o art. 1º da Lei nº 13.586/2017 é tecnicamente inadequado e deve, urgentemente, ser revisto pelo Congresso Nacional.

A situação é tão absurda que o art. 1º da Lei nº 13.586/2017 pode gerar uma arrecadação de IRPJ e CSLL muito reduzida, podendo chegar a zero. Empresas muito rentáveis também poderão apresentar prejuízos, de natureza exclusivamente contábil (fictício), com geração até mesmo de créditos tributários, apesar de apresentarem, de fato, elevados lucros reais pelos seus elevados excedentes em óleo ou pelas elevadas participações nas receitas líquidas geradas pelos campos petrolíferos. A participação governamental no Brasil para reservatórios convencionais, ou seja, sob o regime de concessão, está entre as mais baixas do mundo. O Edital da 4ª Rodada e a Lei nº 13.586/2017 podem reduzir ainda mais essa participação. Está-se diante de uma grave situação, ainda mais em se tratando da província do Pré-Sal, onde as produtividades podem ser comparáveis apenas a países cuja exploração ocorre a partir do monopólio estatal, como é o caso da Arábia Saudita.

Em razão dos baixos excedentes em óleo para a União exigidos

pelo Edital da 4ª Rodada, combatido nesta ação, e das amplas possibilidades de dedução das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, as participações governamentais dos blocos dessa Rodada poderão estar entre as mais baixas do mundo.

Analisam-se, a seguir, as participações governamentais nos blocos de Itaimbezinho, cujo excedente em óleo é de 7,07%, o mais baixo dentre os previstos no Edital da 4ª Rodada, e Uirapuru, cujo excedente em óleo de 22,18% é o mais alto previsto nesse Edital. Esses percentuais referem-se a uma faixa de preços do Brent, por barril, de US$ 40,01 a US$ 60,00.

Supondo-se um valor de US$ 55 por barril, uma alíquota de royalties de 15%, que corresponde a US$ 8,25 por barril, e um custo total de produção de US$ 22 por barril, o excedente em óleo seria de US$ 24,75

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por barril. A receita líquida dos blocos seria de US$ 55 menos US$ 22, o que corresponde a US$ 33 por barril.

Admitindo-se que a oferta vencedora de Itaimbezinho seja de 7,07% de excedente em óleo, e consequentemente de 92,93% para o contratado, a União receberia apenas US$ 1,75 por barril; o contratado receberia uma parcela do excedente em óleo de US$ 23 por barril.

Analisa-se a seguir, qual seria o valor pago pelo contratado de IRPJ e CSLL em razão desse altíssimo lucro de US$ 23 por barril por parte do contratado. Para que a alíquota de royalties seja efetivamente de 15%, com base no art. 42 da Lei nº 12.351/2010, a parcela de US$ 8,25 por barril tem que ser somada à base de cálculo desses tributos, pois esse artigo veda, em qualquer hipótese, o ressarcimento dos royalties ao contratado e sua inclusão no custo. Assim a base de cálculo, sem deduções, é de US$ 31,25 por barril.

O art. 1º da Lei nº 13.586/2017 permite, contudo, as seguintes deduções, por barril, da base de cálculo do IRPJ e CSLL:

− duplicidade de dedução: US$ 8;

− encargos financeiros: US$ 1;

− custos exploratórios de áreas não comerciais: US$ 1;

− outros custos e outras despesas gerais, administrativas e de vendas: US$ 3;

− royalties: US$ 8,25.

Essas deduções da base de cálculo do IRPJ e da CSLL totalizam US$ 21,25 por barril. A base de cálculo desses tributos seria, então, de US$ 31,25 menos US$ 21,25, o que resulta em uma base de cálculo de US$ 10,00 por barril, sem considerar outras possíveis deduções, como, por exemplo, impairments, custos exploratórios não exitosos, etc.

Como a alíquota de IRPJ é 25% e da CSLL 9%, o contratado pagaria, respectivamente, apenas US$ 2,5 por barril e US$ 0,90 por barril, o que corresponde a US$ 3,40 por barril.

Assim sendo, a participação governamental seria de US$ 8,25, a título de royalties; de US$ 1,75 de excedente em óleo para a União; e de US$ 3,40, a título de IRPJ e CSLL, o que totaliza US$ 13,40 por barril, o que representa 40,6% da receita líquida de US$ 33 por barril, correspondente ao valor de US$ 55 por barril menos um custo total de produção de US 22 por barril.

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Uma participação governamental em uma área do Pré-Sal, como Itaimbezinho de 40,6%, sob o regime de partilha de produção, muito menor que 56% relativa ao regime de concessão, torna o Edital da 4ª Rodada, ora combatido, uma afronta ao interesse público.

Importa registrar que o bônus de assinatura de Itaimbezinho, de apenas R$ 50 milhões, é insignificante em termos de participação governamental.

Analisa-se, a seguir, a participação governamental no bloco de Uirapuru, cujo excedente em óleo de 22,18% é o mais alto previsto nesse Edital.

Admitindo-se que a oferta vencedora de Uirapuru seja de 22,18%, o contratado receberia uma parcela de 77,82%, a União receberia excedente em óleo de apenas US$ 5,49 por barril, o que corresponde a 22,18% de US$ 24,75; o contratado receberia uma parcela do excedente em óleo de US$ 19,26 por barril.

Analisa-se a seguir, qual seria o valor pago pelo contratado de IRPJ e CSLL em razão desse altíssimo lucro de US$ 19,26 por barril. À base de cálculo desses tributos devem ser somados os royalties de 15%, que corresponde a US$ 8,25 por barril. Assim a base de cálculo, antes das deduções, é de US$ 27,51 por barril, nos termos do art. 42 da Lei nº 12.351/2010.

No entanto, o art. 1º da Lei nº 13.586/2017 permite deduções dessa base de cálculo que totalizam US$ 21,25 por barril. Dessa forma, mesmo apresentando um lucro real de US$ 19,26 por barril, a base de cálculo do IRPJ e da CSLL seria de apenas US$ 27,51 menos US$ 21,25, o que corresponde a apenas US$ 6,26. Desse modo, sem considerar outras deduções, o IRPJ (25%) seria de US$ 1,57 e a CSLL (9%) de US$ 0,56, o que totaliza US$ 2,13 por barril.

Assim sendo, a participação governamental em Uirapuru seria de US$ 8,25 por barril, a título de royalties; de US$ 5,49 por barril como excedente em óleo para a União; e US$ 2,13, a título de IRPJ e CSLL, o que totaliza US$ 15,87 por barril, representando 48,09% da receita líquida de US$ 33 por barril.

Uma participação governamental em uma área do Pré-Sal, como Uirapuru de 48,09%, sob o regime de partilha de produção, bem menor que 56% relativa ao regime de concessão, torna o Edital da 4ª Rodada, combatido nesta ação, uma afronta ao interesse público.

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O bônus de assinatura de cerca de US$ 744 milhões poderia elevar essa participação governamental em aproximadamente três pontos percentuais, o que pouco influencia a análise aqui apresentada.

Áreas estratégicas como Uirapuru deveriam apresentar participações governamentais da ordem de, no mínimo, 75% ou até mesmo estarem submetidas ao monopólio do Estado, onde essa participação é de 100%.

Ficam assim demonstrados os riscos de grave lesão ao patrimônio público decorrentes do Edital da 4ª Rodada de Licitações de Partilha de Produção, programada para o dia 7 de junho de 2018.

iii) prejuízos para o Fundo Social e para as áreas de educação e saúde

Os baixos percentuais de excedente em óleo para a União previstos no Edital da 4ª Rodada de Licitações de Partilha de Produção poderão ter grande impacto nas receitas do Fundo Social, criado pela Lei nº 12.351/2010, e, consequentemente, nas receitas destinadas às áreas de educação e saúde.

Trabalho de Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados15 já apontava para isso, em 2013, quando da licitação de Libra, em um cenário de excedente em óleo para a União estimado em 41,65% e antes da promulgação da Lei nº 13.586/2017:

Até 2030, grandes são as necessidades de recursos para as áreas de educação e saúde. Tanto no cenário “padrão”, descrito no item III deste trabalho, quanto no cenário desfavorável, descrito no item IV deste trabalho, poucos recursos decorrentes da exploração da área de Libra seriam destinados a essas áreas.

No cenário “padrão”, apesar da alta produção média dos poços e do alto preço Brent, apenas US$ 64,69 bilhões seriam destinados às áreas de educação e saúde. No cenário desfavorável, somente US$ 8,30 bilhões seriam destinados a essas áreas.

15 RIBEIRO LIMA, Paulo César. DISPUTA PELO LUCRO DO PRÉ-SAL E O CANCELAMENTO DA LICITAÇÃO DE LIBRA.

Estudo Técnico. Doc. anexado à presente inicial, p. 18.

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Para se alterar esse quadro de baixas receitas governamentais, sugerem-se algumas providências. A primeira seria que o contratado recuperasse o Custo em Óleo ao longo dos anos de produção, e não tão rapidamente como disposto no Contrato. A segunda providência seria estabelecer uma pequena faixa de ajuste do percentual do Excedente em Óleo para a União em razão apenas da produção total de Libra, independentemente da produção média dos poços. A terceira seria aumentar a faixa do percentual de Excedente em Óleo para a União de 9,93% a 45,56% para uma faixa de 60% a 86%.

Nos termos da Lei nº 12.858, de 9 de setembro de 2013, dos recursos recebidos pelo Fundo Social, 50% são destinados às áreas de educação e saúde em percentuais de, respectivamente, 75% e 25%.

O excedente em óleo médio para a União, previsto no Edital da 4ª Rodada, combatido nesta ação, é de apenas 13,50%. Como o excedente em óleo total foi estimado em US$ 24,75 por barril, receitas de apenas US$ 3,34 por barril serão destinadas ao Fundo social.

A área de educação receberia 50% de 75% de US$ 3,34 por barril, o que corresponde a US$ 1,25 por barril; a área de saúde receberia US$ 0,42 por barril.

São valores irrisórios que agravam, ainda mais, a necessidade de se evitar a realização, no dia 7 de junho de 2018, da 4ª Rodada de Partilha de Produção, com base no edital ora combatida. São interesses privados que estão se sobrepondo ao interesse público. Conforme nos ensina, Celso Antônio Bandeira de Mello, em uma excelente definição, afirma que o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. (...) significa que sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. (MELLO, 2004, p. 69)

Esse Leilão e seu conteúdo se convertem em ato fortemente lesivo ao interesse público, pois traz como consequência ao Estado Brasileiro a perda de bilhões de reais potencializados pela gravidade de

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atingir recursos que seriam destinados para Educação e Saúde, tão carentes de recursos e prioridade, podendo impactar as condições de vida atuais e futuras de gerações de brasileiros

iv) benefícios diretos e indiretos das políticas de conteúdo local

(empregos gerados, desenvolvimento da indústria nacional, e arrecadação tributária).

Outra lesão ao patrimônio público fica evidenciada por meio da análise dos impactos do esvaziamento da política de conteúdo local, propiciada pelo modelo aplicado no Edital da 4ª Rodada combatido nesta ação.

Cumpre afirmar que, a política de conteúdo local foi consagrada em nosso País como grande fonte de estímulo à cadeia nacional do petróleo e da indústria brasileira, por meio da exigência de que insumos para a indústria de petróleo e gás, inclusive sondas, plataformas e embarcações fossem fabricadas no Brasil.

Um resultado concreto desses programas, na cadeia de petróleo e gás, foi o crescimento extraordinário do emprego nos estaleiros e na indústria náutica, como se observa claramente no gráfico abaixo:

Fonte: Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI

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Ademais, estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - FIESP demonstra que, com investimento de R$ 1 bilhão na exploração e produção de petróleo e gás, a produção interna de bens e serviços do setor, observadas as atuais regras de conteúdo local, gera R$ 551 milhões em contribuição para o PIB e 1.532 empregos. Contudo, se forem retiradas as atuais regras de conteúdo local, o mesmo valor de investimento resultaria em somente R$ 43 milhões para o PIB e 144 empregos. E a arrecadação gerada em tributos cairia dos atuais R$ 521,5 milhões para ridículos R$ 31 milhões. Já o total dos salários pagos desabaria de R$ 293,9 milhões para R$ 27,8 milhões. Os impactos foram medidos para o médio e longo prazos, considerando que a demanda de bens passaria a ser 100% atendida pelas importações.

De acordo com o edital aqui contestado, a política de conteúdo local sofre redução considerável em seus índices, sendo em média 50% menor a rodadas anteriores.

O contrato de Libra, assinado em 2013, trata do conteúdo local em sua cláusula vigésima quinta, que dispões sobre os compromissos do contratado com o conteúdo local, a aferição do conteúdo local, a etapa de desenvolvimento para fins de conteúdo local, a exoneração da obrigação do cumprimento de conteúdo local, os ajustes no conteúdo local comprometido, o excedente de conteúdo local e as multas pelo descumprimento do conteúdo local.

Essa cláusula menciona que os compromissos de conteúdo local estão definidos no Anexo IX do contrato. Na fase de exploração, o conteúdo global é de 37%. Para a etapa de desenvolvimento da produção – módulos com primeiro óleo até 2021 – o conteúdo global é de, no mínimo,

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55%. Para a etapa de desenvolvimento da produção – módulos com primeiro óleo a partir de 2022 – o conteúdo global é de, no mínimo, 59%.

A Tabela 5 mostra os índices de conteúdo local nos blocos da 4ª Rodada.

Tabela 5 – Percentuais mínimos de conteúdo local global na 4ª Rodada

Bloco

% CL Mínimo

Fase de Exploração

% CL Mínimo

Etapa de Desenvolvimento

Construção de Poço

Sistema de Coleta e Escoamento

Unidade Estacionária de

Produção

Três Marias

18 25 40 25 Uirapuru

Itaimbezinho

Dois Irmãos

Observa-se, então, que em relação ao Edital de Libra, houve

uma redução de conteúdo local mínimo de 37% para 18% na fase de exploração; na etapa de desenvolvimento da produção, a redução foi de 55% para 25% a 40%.

O demonstrado retrocesso na política de conteúdo local faz com que a exploração de reservas naturais não reverta em geração de emprego e renda, quadro ainda mais agravado diante da atual taxa de desocupação para o País.

No trimestre encerrado em março de 2018, essa taxa chegou a 13,1%, com aumento de 1,3 ponto percentual em relação ao último trimestre do ano passado (11,8%), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE16. O total de pessoas desocupadas também cresceu no período, passando de 12,3 milhões para 13,7 milhões. Houve um aumento de 11,2% nesse contingente, ou mais 1,4 milhões de desempregados no País.

Com efeito, estudo da Fiesp mostra que a política de conteúdo local é compatível com a atratividade dos leilões. As rodadas ocorridas sob as regras de índices de conteúdo local mais elevados (2005-2015) tiveram

16 Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20995-desemprego-volta-a-crescer-no-primeiro-trimestre-de-2018.html. Acesso em 10 de maio de 2018.

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aumento no percentual de áreas adquiridas, tendo sido de 47,8% das áreas ofertadas (contra 30,1% do período 1999-2004).

Portanto, a realização da quarta rodada de licitações com base no edital combatido por esta ação implica séria lesão ao patrimônio público tanto por perda de receita tributária, como por decisão governamental de abdicar de explorar suas reservas de petróleo para desenvolvimento da indústria nacional e geração de emprego e renda para os brasileiros.

V - DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO REPUBLICANO. ARTIGO 1º DA CRB/88. Ao estabelecer como princípio constitucional o princípio republicano17, o Estado brasileiro apontou a direção em que sua política pública deverá caminhar, qual seja, a garantia de um Estado Democrático de Direito. Se a Constituição brasileira estabelece o princípio republicano como princípio fundamental de todo o cidadão, qualquer mecanismo que venha a proibir ou mesmo descumprir o princípio leva, necessariamente, ao vazio normativo, logo, à anomia do direito.

Como é cediço, toda constituição traz, em seu processo de elaboração e vigência, uma determinada interpretação da história precedente18. Por esta razão que o texto constitucional traz em seu bojo os princípios que nortearão os direitos fundamentais que serão exercidos pela sociedade civil. Isto quer dizer que, no direito constitucional brasileiro, os direitos à igualdade e à liberdade figuram como uma espécie de metaprincípios, que traduzem as lutas do constitucionalismo democrático e

17 CRB/88 - Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como

fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; V - os valores sociais

do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo,

que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. 18 PAIXÃO, Cristiano e CARVALHO NETTO, Menelick. A Política de Ações Afirmativas na UnB e a

Constituição. Constituição & Democracia, nº 33, 2009.

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hospedam um elemento de projeção para o futuro, de realização e aquisição de direitos, num processo dinâmico e ininterrupto.

Não foi por acaso que quando a Constituição de 1988 foi constituída, toda a experiência do passado (diga-se, de autoritarismo estatal) foi pensada no momento da elaboração do seu texto, para projetar um futuro constitucional democrático. O princípio republicano é o exemplo evidente da abertura e possibilidade de se garantir um Estado Democrático de Direito por nossa constituição. É uma prova da capacidade que o direito assume, em nossos dias, de possibilitar soluções novas, criativas e abrangentes para problemas antigos e intocados.

Para afirmar que um país tem uma legislação desenvolvida, é preciso que este adquira uma identidade constitucional, como nos ensina Michel Rosenfeld19, capaz de garantir os princípios básicos em um Estado Democrático de Direito que é o princípio republicano, aplicando-o integralmente. Este princípio constitucional traduz-se concretamente nas diversas práticas sociais constitutivas de sua vida cotidiana.

É por esse motivo que o rol de nossas garantias fundamentais expressamente não se apresenta como uma relação fechada de direitos. O texto constitucional admite no § 2º de seu artigo 5º que os direitos e garantias expressos lá “... não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. A Constituição, portanto, é um documento que, no embate pelo sentido presente de seu conteúdo, permanece aberta para o futuro. A abertura da constituição é o pulsar de um documento vivo. O sujeito constitucional há que permanecer como um processo vivo e aberto, que não pode ser corporificado, fechado, em nenhum ente, sob pena de se tornar o contrário dele próprio, privatizando o público e eliminando a liberdade enquanto direito. Portanto, é o princípio da igualdade que garante que todas as políticas públicas que venham a ser fixadas devem estar sedimentadas no princípio republicano aonde o Estado se submeta à lei, comprometendo-se na sua aplicação.

A Precariedade da matéria abordada, singularmente, da 4ª Rodada de Licitações do Pré-Sal colocará em risco a segurança jurídica que tanto afirma querer preservar.

19 A identidade do sujeito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2003.

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O constituinte de 1988 ao fixar o princípio republicano em nossa constituição o fez para impedir o uso do poder despótico, mantendo a harmonia entre os poderes. Como mencionado acima, o poder administrativo mediante ordens do Poder Executivo não é absoluto. Não pode um poder abusar de suas atribuições, atuando em excesso, que, no caso, caracteriza-se como o excesso do poder de administrar o patrimônio público.

A consequência lógica da violação ao princípio republicano com atuação em abuso de poder é a ilegitimidade da decisão administrativa no tocante a matéria ora impugnada.

VI - DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO DOS DIREITOS SOCIAIS.

Como se viu acima, a redução de recursos que a sistemática de licitação da 4ª (quarta) rodada do Pré-Sal promoverá em relação ao fundo social e, consequentemente, para as verbas destinadas à saúde e educação, da mesma forma que o impacto gerado na política de conteúdo local, representa verdadeiro retrocesso social, em clara violação aos direitos sociais plasmados na Constituição Federal.

Embora os direitos sociais estejam submetidos à chamada “reserva do possível”, questiona-se se, depois de atingido um grau de concretização fática, por meio de medidas legislativas e administrativas pelas quais são asseguradas prestações materiais aos cidadãos, se poderiam estas ser suprimidas, ocasionando o retrocesso na área social atingida, seja de educação, saúde, previdência, trabalho, infraestrutura etc.

Esta posição, defendida na doutrina pelo suíço PAUL MULLER

e pelo alemão KONRAD HESSE, já mereceu acolhida em Portugal, como informa CANOTILHO (Direito Constitucional - Almedina), com a transcrição de parte do Acórdão do TC de Portugal n° 39/84 (DR, 1., 5.5.84), que declarou inconstitucional o DL nº 254/82, o qual revogara grande parte da Lei nº 15/79, criadora do Serviço Nacional de Saúde, verbis:

“(...) A PARTIR DO MOMENTO QUE O ESTADO CUMPRE (TOTAL OU PARCIALMENTE) AS TAREFAS CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTAS PARA REALIZAR UM DIREITO SOCIAL, O RESPEITO CONSTITUCIONAL DESTA DEIXA DE CONSISTIR (OU DEIXA DE CONSISTIR APENAS) NUMA OBRIGAÇÃO POSITIVA, PARA SE

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TRANSFORMAR OU PASSAR TAMBÉM A SER UMA OBRIGAÇÃO NEGATIVA. O ESTADO, QUE ESTAVA OBRIGADO A ATUAR PARA DAR SATISFAÇÃO AO DIREITO SOCIAL, PASSA A ESTAR OBRIGADO A ABSTER-SE DE ATENTAR CONTRA A REALIZAÇÃO DADA AO DIREITO SOCIAL”.- grifos nossos -

Quis o Constituinte, assim, assegurar e proteger os direitos

sociais, dando-lhes status constitucional e inserindo-os num patamar superior na hierarquia das leis, o que desde logo demonstra a inconformidade das normas restritivas do exercício desses direitos com a Carta de 1988.

São, além disso, direitos de aplicação imediata e independente

de regulamentação, auto-aplicáveis, como em oportunidades diversas entendeu, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal, não podendo ser, portanto mitigados por normas de hierarquia inferior editadas a posteriori. Como direitos sociais, têm aplicação imediata, ou como ensina CANOTILHO, aplicação direta:

“aplicação direta não significa apenas que os direitos, liberdades e garantias se aplicam independentemente da intervenção legislativa (...) Significa também que eles valem directamente contra a lei, quando esta estabelece restrições em desconformidade com a Constituição” (Curso de Direito Constitucional - Almedina - pág. 186).

Finalmente, os princípios garantidores dos direitos sociais,

notadamente o art. 6º da Carta Magna, são garantidores da proibição do retrocesso social, tese defendida pelo notável jurista luso nos seguintes termos, verbis:

“O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição de retrocesso social. A idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução reaccionária’. Com isso que dizer-se que os direitos sociais e econômicos, uma vez alcançados ou conquistados, passam a constituir, simultaneamente,

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uma garantia constitucional e um direito subjectivo. Dessa forma, e independentemente do problema ‘factico’ da irreversibilidade das conquistas sociais (...) o princípio em análise justifica, pelos mesmos, a subtração à livre e oportunística decisão do legislador, da diminuição dos direitos adquiridos (ex. segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural (...). O reconhecimento desta proteção de ‘direitos prestacionais de propriedade’, subjectivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e expectativas subjectivamente alicerçadas. Esta proibição justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da chamada ‘justiça social’ (Assim, por ex., será inconstitucional uma lei que reduza o âmbito dos cidadãos com direito a subsídio de desemprego e pretenda alargar o tempo de trabalho necessário para a aquisição do direito à reforma). (idem, pág. 469).

Nesta seara, representa um verdadeiro retrocesso social, a redução de recursos para as áreas sociais que ocorrerá com a manutenção das regras da 4ª rodada de licitações previstas para o dia 7 de junho de 2018.

J. J. Gomes Canotinho e Vital Moreira, "ín" Fundamentos da Constituição, Ed. Coímbra, 1991, pg. 131, ao discorrerem sobre a eficácia jurídico-constitucional dos "direitos sociais" que impliquem prestações pecuniárias referentes à segurança social, contemplados no artigo 25 da Constituição Portuguesa, ensinam que:

"Para começar, tais preceitos constitucionais implicam a interpretação das normas legais do modo mais conforme com elas ( por exemplo, em caso de dúvida sobre o âmbito legal de certa prestação de segurança social, deve seguir-se a interpretação mais extensiva possível). Depois, a inércia do Estado em cumprir a

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obrigação constitucional dá lugar à inconstitucionalidade por omissão (cfr. art. 28311). Em terceiro lugar, e sobretudo, tais preceitos implicam a inconstitucionalidade das normas legais que realizam um direito em termos diferentes dos constitucionalmente previstos ou que contrariem a realização legal anteriormente atingida. Por exemplo: a falta de lei a estender a todos os desempregados o subsídio de desemprego (cfr. Art. 591-1/E) pode configurar uma inconstitucionalidade por omissão (inconstitucionalidade negativa); mas uma lei que venha a restringir o âmbito do subsídio de desemprego fixado por lei anterior é seguramente inconstitucional por acção ( inconstitucionalidade positiva). Quer dizer: as normas constitucionais que reconhecem direitos econômicos, sociais e culturais de caráter positivo, têm pelo menos uma função de garantia da satisfação adquirida por esses direitos, implicando uma "proibição de retrocesso", visto que, uma vez dada a satisfação ao direito, este "transforma-se" nessa medida, em "direito negativo" ou direito de defesa, isto é, num direito a que o Estado se abstenha de atentar contra ele. Em outras palavras, a legislação infraconstitucional pode ampliar a conteúdo dos benefícios, em relação à legislação infraconstitucional existente, mas não restringi-los ou limitar a sua concessão.

Portanto, mesmo em se tratando de normas de integração restringível, o legislador ordinário encontra limites para a restrição pois, em se tratando de direitos fundamentais, sua regulamentação deve ser entendida de molde a assegurar o pleno exercício do direito e não a sua supressão, existindo também, o impedimento ao retrocesso em relação à legislação infraconstitucional existente. Salienta Canotilho, que não se deve confundir os direitos subjetivos às prestações com as normas programáticas e nem tampouco com as imposições

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constitucionais, uma vez que as prestações têm um aspecto objetivo, voltado para o Estado, impondo-lhe a dever de buscar formas de concretizar o direito garantido, e o aspecto subjetivo, que garante o direito ao indivíduo, independentemente da regulamentação legal Conclui, ainda, que ao abordar a questão da concretização dos direitos sociais, devem ser levadas em consideração, três dimensões, para o fim de aferir-se a inconstitucionalidade por omissão ou uma ação judicial contra o retrocesso ou desigualdade: uma subjetiva, que gera o direito de judicialmente ser exigida a manutenção do nível de realização e de proibir a retrocesso social,- a dimensão programática, de imposição de tarefas do Estado, necessária à realização dos direitos fundamentais e uma dimensão igualitária, que vincula o legislador ao principio da igualdade.”

Dessa forma, as regras estabelecidas para o edital da 4ª

rodada do pré-sal violam preceitos constitucionais que encerram, à toda prova, princípios, normas de regência do direito infraconstitucional, que devem ser observadas tanto na prática política quanto administrativa. Especialmente quando sejam princípios-regras, impõem-se a sua observância quando observadas as circunstâncias concretas a que se dirigem, afastando-se quaisquer outras que dispuserem de maneira diferente, porque no sistema não podem coexistir normas incompatíveis”, como ensina Inocêncio MARTIRES COELHO. A edição de lei ou decisão administrativa que os contrarie, portanto, é inadmissível, dada a eficácia negativa dos princípios constitucionais, como normas supereficazes, cláusulas que repelem, ou vedam, como ensina MARIA HELENA DINIZ, quaisquer atos políticos ou normativos que lhes sejam contrastantes. Ou ainda, como preleciona SOUTO MAIOR BORGES.

“a violação de um princípio constitucional importa em ruptura da própria Constituição, representando por isso mesmo uma inconstitucionalidade de

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consequências muito mais graves do que a violação da simples norma, mesmo constitucional”.

É incompatível com o que se dispôs a Constituição, portanto,

uma decisão administrativa (licitação) que reduzem direitos aos benefícios sociais, notadamente no campo da saúde e da educação, plasmados no texto da Carta da República. VII - DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI 13.365/2016.

1 - Da violação ao princípio da separação de Poderes (art. 2º); 2 - Das competências privativas do Presidente da República e dos Ministros de Estado (art. 84, incisos I, II e III, c/c o art. 87 da CF); 3 - Da violação à soberania popular (art. 1º, parágrafo único, da CF).

A Lei 12.351, de 22 de dezembro de 2010, dispõe sobre a

exploração e a produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, sob o regime de partilha de produção, em áreas do pré-sal e em áreas estratégicas; cria o Fundo Social - FS e dispõe sobre sua estrutura e fontes de recursos; altera dispositivos da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997; e dá outras providências.

Já a Lei nº 13.365, de 2016, promoveu uma radical alteração na

Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010, na medida em que retira, da Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras, a atuação como operadora única dos campos do Pré-Sal, com uma participação de pelo menos 30%, além de deixar de ser a única empresa responsável pela condução e execução, direta ou indireta, de todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção.

Ver-se-á logo em seguida, que a aprovação da Lei 13.365/2016, que trouxe uma radical alteração no campo material e procedimental, como mencionado acima, não respeitou o regular processo legislativo, ocorrendo a violação direta à Constituição, em razão do vício de iniciativa. É o que se passa a demonstrar.

O conceito do regime de partilha de produção está estipulado

no inciso I do art. 2º da Lei nº 12.351, de 2010: regime de exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos no qual o contratado exerce, por sua conta e risco, as atividades de

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exploração, avaliação, desenvolvimento e produção e, em caso de descoberta comercial, adquire o direito à apropriação do custo em óleo, do volume da produção correspondente aos royalties devidos, bem como de parcela do excedente em óleo, na proporção, condições e prazos estabelecidos em contrato.

Nesse regime de partilha de produção, a Petróleo Brasileiro S.A.

(Petrobras) era o único operador e, com base no conceito estipulado pelo inciso VI do art. 2º da Lei nº 12.351, de 2010, era o responsável pela condução e execução, direta ou indireta, de todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações de exploração e produção.

O art. 30 da Lei nº 12.351, de 2010, fixava as obrigações da

Petrobras quando no exercício da condição de operadora do contrato de partilha e produção.

Por esse regime, apenas a Petrobras ou, quando fosse o caso, o

consórcio por ela constituído com o vencedor da licitação para exploração e produção de petróleo poderiam ser contratados (art. 2º, VII20).

Outra regra fundamental era a que estipulava que a Petrobras seria a operadora obrigatória de todos os blocos contratados sob o regime de partilha de produção com participação mínima definida no caso de consórcio constituído com a empresa vencedora da licitação de que tratava o art. 2º, VII e art. 20, caput e § 3º, da Lei nº 12.351, de 201021, que não poderia ser inferior a 30%, nos termos do que dispunha a alínea c, do inciso III, do art. 1022, consoante proposta do Ministério de Minas e Energia (MME) ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

A participação mínima da Petrobras no consórcio vencedor estava prevista, ainda, no art. 1423 e no art. 1524, inciso IV, da Lei nº 12.351, de 2010.

20 Art. 2o Para os fins desta Lei, são estabelecidas as seguintes definições: VII - contratado: a Petrobras ou, quando for o caso, o

consórcio por ela constituído com o vencedor da licitação para a exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros

hidrocarbonetos fluidos em regime de partilha de produção; 21 Art. 20. O licitante vencedor deverá constituir consórcio com a Petrobras e com a empresa pública de que trata o § 1o do art.

8o desta Lei, na forma do disposto no art. 279 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. § 3o O contrato de constituição de

consórcio deverá indicar a Petrobras como responsável pela execução do contrato, sem prejuízo da responsabilidade solidária das

consorciadas perante o contratante ou terceiros, observado o disposto no § 2o do art. 8o desta Lei. 22 Art. 10. Caberá ao Ministério de Minas e Energia, entre outras competências: III - propor ao CNPE os seguintes parâmetros

técnicos e econômicos dos contratos de partilha de produção: c) a participação mínima da Petrobras no consórcio previsto no art. 20,

que não poderá ser inferior a 30% (trinta por cento); 23 Art. 14. A Petrobras poderá participar da licitação prevista no inciso II do art. 8o para ampliar a sua participação mínima definida

nos termos da alínea c do inciso III do art. 10. 24 Art. 15. O edital de licitação será acompanhado da minuta básica do respectivo contrato e indicará, obrigatoriamente: IV - a

formação do consórcio previsto no art. 20 e a respectiva participação mínima da Petrobras;

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A Lei nº 12.351, de 2010, fixou as competências do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) no art. 9º25, do Ministério das Minas e Energia (MME) no art. 1026, e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) no art.1127, tudo no âmbito do regime de partilha de produção por ela instituído.

O complexo arranjo institucional desenhado para a implantação

e desenvolvimento do regime de partilha de produção abrangeu graves determinações sobre a atuação da Petrobras, sociedade de economia mista controlada pela União, nos termos do inciso III do art. 5º do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, com a redação conferida pelo Decreto-Lei nº 900, de 29 de setembro de 1969, e a fixação de competências para o Ministério das Minas e Energia (MME), para a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e para o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

É importante ressaltar que o Ministério de Minas e Energia

(MME) é o órgão da administração direta responsável pela formulação das políticas públicas do Governo Federal nas seguintes áreas, de acordo com o que estabelece o art. 51, da Medida Provisória nº 782, de 31 de maio de 2017, que estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, cujo projeto de lei de conversão (PLV nº 30, de 2017) foi recentemente apreciado pelo Congresso Nacional e se encontra em vias de ser sancionado pelo Presidente da República: geologia, recursos minerais e energéticos; aproveitamento da energia hidráulica; mineração e metalurgia; petróleo, combustível e energia elétrica, incluída a nuclear; e energização rural e agroenergia, incluída a eletrificação rural, quando custeada com recursos vinculados ao Sistema Elétrico Nacional.

Ressalte-se, ainda, por oportuno, que compete aos Ministros de Estado, nos termos art. 84, inciso II28, e do parágrafo único do art. 8729, ambos da Constituição Federal (CF), auxiliar o Presidente da República no exercício da direção superior da administração federal.

Cabe, assim, ao Ministro de Minas e Energia auxiliar o Presidente da República na formulação, implementação e avaliação das

25 Art. 9o O Conselho Nacional de Política Energética - CNPE tem como competências, entre outras definidas na legislação, propor

ao Presidente da República: 26 Art. 10. Caberá ao Ministério de Minas e Energia, entre outras competências: 27 Art. 11. Caberá à ANP, entre outras competências definidas em lei: 28 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção

superior da administração federal; 29 Art. 87. Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos

políticos. Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:

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políticas públicas, programas, projetos e ações em sua área de competência.

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) é, nos termos do art. 7º, inciso IV30, da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, o órgão que dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências, entidade integrante da administração federal indireta submetida ao regime autárquico especial, e tem como principal função institucional ser o órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis. É vinculada ao Ministério de Minas e Energia.

A ANP tem como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, cabendo-lhe, entre outras competências implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de petróleo, gás natural e biocombustíveis, contida na política energética nacional, com ênfase na garantia do suprimento de derivados de petróleo, gás natural e seus derivados, e de biocombustíveis, em todo o território nacional, e na proteção dos interesses dos consumidores quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos (art. 8º, caput e inciso I, da Lei nº 9.478, de 199731).

O CNPE é, por seu turno, nos termos do art. 2º da Lei nº 9.478, de 199732, e do art. 2º, § 1º33, inciso IV, da MPV nº 782, de 2017, órgão colegiado vinculado à Presidência da República e presidido pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, com a atribuição de propor ao Presidente da República políticas nacionais e específicas relacionadas, entre outras, ao aproveitamento dos recursos energéticos do país.

O art. 15 da MPV nº 78234, de 2017, estabelece que ao CNPE compete assessorar o Presidente da República na formulação de políticas e

30 Art. 7o Fica instituída a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíves - ANP, entidade integrante da

Administração Federal Indireta, submetida ao regime autárquico especial, como órgão regulador da indústria do petróleo, gás

natural, seus derivados e biocombustíveis, vinculada ao Ministério de Minas e Energia. IV - elaborar os editais e promover as

licitações para a concessão de exploração, desenvolvimento e produção, celebrando os contratos delas decorrentes e fiscalizando a

sua execução; 31 Art. 8o A ANP terá como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da

indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, cabendo-lhe: I - implementar, em sua esfera de atribuições, a política

nacional de petróleo, gás natural e biocombustíveis, contida na política energética nacional, nos termos do Capítulo I desta Lei, com

ênfase na garantia do suprimento de derivados de petróleo, gás natural e seus derivados, e de biocombustíveis, em todo o ter ritório

nacional, e na proteção dos interesses dos consumidores quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos; 32 Art. 2° Fica criado o Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, vinculado à Presidência da República e presidido pelo

Ministro de Estado de Minas e Energia, com a atribuição de propor ao Presidente da República políticas nacionais e medidas

específicas destinadas a: 33 Art. 2o Integram a Presidência da República: IV - o Gabinete Pessoal do Presidente da República; 34 Art. 15. Ao Conselho Nacional de Política Energética compete assessorar o Presidente da República na formulação de políticas e

diretrizes na área da energia, nos termos do art. 2o da Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997.

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diretrizes na área da energia, nos termos do art. 2º da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 199735.

A Petrobras, por sua vez, teve sua criação autorizada pela Lei nº 2.004, de 03 de outubro de 1953, como uma sociedade de economia mista. No debate recente sobre a Petrobrás, muito se tem dito e escrito sem que se preste atenção no significado concreto da natureza jurídica da Petrobrás como uma sociedade de economia mista. A sociedade de economia mista é uma espécie de empresa estatal. De início, basta recordarmos que, segundo o artigo 5º, III do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, a sociedade de economia mista é uma entidade integrante da Administração Pública Indireta, dotada de personalidade jurídica de direito privado, cuja criação é autorizada por lei, como um instrumento de ação do Estado.

Apesar de sua personalidade de direito privado, a sociedade de economia mista, como qualquer empresa estatal, está submetida a regras especiais decorrentes de sua natureza de integrante da Administração Pública. Estas regras especiais decorrem de sua criação autorizada por lei, cujo texto excepciona a legislação societária, comercial e civil aplicável às empresas privadas.

Sob a Constituição de 1988, as empresas estatais, como a Petrobrás, estão subordinadas às finalidades do Estado. Neste sentido, é correta a afirmação de que o interesse público é o fundamento, o limite e o critério da iniciativa econômica pública. Os objetivos das empresas estatais estão fixados por lei, não podendo furtar-se a estes objetivos. Devem cumpri-los, sob pena de desvio de finalidade. Para isto foram criadas e são mantidas pelo Poder Público.

A sociedade de economia mista é um instrumento de atuação do Estado, devendo estar acima, portanto, dos interesses privados. A Lei das S.A. (Lei nº 6.404, de 17 de dezembro de 1976), se aplica às sociedades de economia mista, desde que seja preservado o interesse público que justifica sua criação e atuação (artigo 235). O seu artigo 238 também determina que a finalidade da sociedade de economia mista é atender ao interesse público, que motivou sua criação. A sociedade de economia mista está vinculada aos fins da lei que autoriza a sua instituição, que determina o seu objeto social e destina uma parcela do patrimônio público para aquele fim. Não pode, portanto, a sociedade de economia mista, por sua

35 Art. 2° Fica criado o Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, vinculado à Presidência da República e presidido pelo

Ministro de Estado de Minas e Energia, com a atribuição de propor ao Presidente da República políticas nacionais e medidas

específicas destinadas a:

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própria vontade, utilizar o patrimônio público para atender finalidade diversa da prevista em lei, conforme expressa o artigo 237 da Lei das S.A.

Percebe-se, pois, que o projeto de lei, de iniciativa privativa e cuja aprovação deu origem à Lei nº 12.351, de 2010, objetivava, segundo os termos da Exposição de Motivos que o acompanhou, estabelecer novo marco institucional para a exploração do petróleo da área do Pré-Sal, com a definição das competências dos diferentes órgãos e entidades da administração pública federal envolvidos na formulação e implementação das políticas públicas do setor energético, e, ainda, assegurar o caráter estratégico e harmônico das decisões relativas à produção de petróleo e gás nas áreas do Pré-Sal e em áreas estratégicas consideradas de interesse para o desenvolvimento nacional, além de promover a efetiva e coordenada atuação governamental na implementação, normatização, regulação e fiscalização das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural sob o regime de partilha de produção.

O art. 61, § 1º, inciso II, alínea e, da Constituição Federal36 atribui ao Presidente da República a competência privativa para deflagrar o processo legislativo quando se trata da criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, inciso VI37.

O art. 84, inciso VI, da CF, por sua vez, estabelece, com a redação conferida pela Emenda Constitucional nº 32, de 12 de setembro de 2001, a competência privativa do Presidente da República para dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa, criação ou extinção de órgãos públicos e a extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.

A interpretação sistemática desses dispositivos constitucionais que tratam da iniciativa privativa de projetos de lei pelo Presidente da República e da disciplina por decreto de matérias afetas à organização e funcionamento da administração pública federal (art. 61, § 1º, e art. 84, inciso VI, ambos da CF) permite a constatação de que objetivam preservar a autonomia do Poder Executivo no que concerne à sua organização e funcionamento.

Em outras palavras, essas normas constitucionais estão a indicar a autonomia do Poder Executivo na estruturação de seus órgãos e 36 Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do

Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao

Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º São de iniciativa privativa do

Presidente da República as leis que: II - disponham sobre: e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública,

observado o disposto no art. 84, VI; 37 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VI - dispor, mediante decreto, sobre

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entidades e na montagem do aparato institucional adequado à formulação e implementação das políticas públicas necessárias à concretização dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e na transformação em ação das promessas eleitorais que se tornaram vitoriosas com a manifestação da soberania popular prevista no art. 1º da Constituição Federal38.

É necessário sublinhar que o projeto de lei que se transformou na Lei nº 12.351, de 2010, objetivava a instituição de novo marco regulatório para a exploração e produção do petróleo, recurso mineral estratégico, de grande relevância comercial e geopolítica, totalmente distinto de tudo que havia sido implantado no País até então.

Esse marco regulatório inovador, a despeito de não criar órgãos ou entidades, atribuía, como visto, novas e complexas competências a órgãos e entidades pré-existentes (Petrobras, MME, ANP e CNPE) e criava novos direitos e obrigações não só aos agentes estatais como também às pessoas jurídicas de direito privado que se interessassem em explorar o petróleo na área do Pré-Sal.

Evidente a atração, no caso concreto, da cláusula constitucional que reserva a inciativa de projeto de lei ao Presidente da República prevista no art. 61, § 1º, inciso II, alínea e, da CF.

Não seria constitucionalmente sustentável que esse novo arranjo institucional e que essa nova política pública no setor petróleo fossem implementados por decreto.

Afinal, a iniciativa legislativa geral é o poder do seu titular propor a adoção de direito novo sobre qualquer matéria, exceto as reservadas por determinação constitucional39. A iniciativa reservada, ou exclusiva, compete a apenas um só dos titulares do poder de iniciativa, excluindo-se qualquer outro. A decisão de propor a adoção de direito novo em matérias de seu interesse preponderante constitucionalmente fixadas é resguardada ao seu titular com exclusividade. Cabe apenas ao titular do poder escolher a melhor oportunidade para exercê-lo40. Os casos de iniciativa reservada acabaram aumentando como contrapartida à extensão dos titulares do poder de iniciativa legislativa41.

38 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,

constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: 39 FERREIRA Filho, Manoel Gonçalves, Do Processo Legislativo, 3ª ed, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 203. 40 SILVA, José Afonso da, Princípios do Processo de Formação das Leis no Direito Constitucional, São Paulo, RT, 1964, pp. 147-

149 e FERREIRA Filho, Manoel Gonçalves, Do Processo Legislativo cit., pp. 203-204. 41 FERREIRA Filho, Manoel Gonçalves, Do Processo Legislativo cit., pp. 144-145.

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O poder de iniciativa legislativa faz parte da concretização do programa governamental, que reflete a ideologia das políticas do governo. O poder de iniciativa legislativa conferido ao Executivo irá permear-se da ideologia do governo, que informa o seu programa de políticas públicas. Portanto, a tarefa administrativa do Poder Executivo seria praticamente de impossível realização sem que este pudesse indicar o conteúdo das leis que considera necessárias para a concretização de seu programa governamental42.

Em relação à iniciativa legislativa, ainda, cumpre destacarmos que boa parte da doutrina, representada por autores como Francisco Campos, Caio Tácito e Manoel Gonçalves Ferreira Filho., tem manifestado o entendimento de que um projeto de lei apresentado por um parlamentar ou através de iniciativa popular no âmbito de matérias cuja iniciativa é exclusiva do Executivo consiste em um vício insanável de usurpação do poder de iniciativa, mesmo com a posterior sanção do Executivo ao projeto

43.

Da mesma forma, não seria lícito aos Deputados Federais e Senadores deflagrarem o processo legislativo que resultou na Lei nº 12.351, de 2010, sem comprometer fortemente a independência e harmonia dos Poderes de que trata o art. 2º da CF44, cláusula imodificável de nossa Constituição, por força do que determina o inciso III do § 4º de seu art. 6045.

De outro giro, é necessário registrar que o sistema de governo adotado em nosso ordenamento jurídico-constitucional é o presidencialista, em que as atribuições de chefe de governo e de chefe de Estado são enfeixadas pelo Presidente da República, com o auxílio de seus principais auxiliares, os Ministros de Estado (art. 84, incisos I e II e art. 87 da CF).

Não seria razoável supor, então, que uma política pública dessa magnitude e o arranjo institucional que dela decorreu, totalmente atrelados à concepção de Estado e de sociedade e à orientação político-ideológica do Presidente da República, de seu partido e das demais forças políticas que o apoiaram no processo eleitoral pudesse ser proposta por parlamentar, nos marcos do sistema presidencialista adotado pelo Brasil.

42 SILVA, José Afonso da, Princípios do Processo de Formação das Leis no Direito Constitucional cit., pp. 105-106 e 113. 43 Vide, por todos, FERREIRA Filho, Manoel Gonçalves, Do Processo Legislativo cit., pp. 210-217. 44 Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. 45 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das

unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 4º Não será objeto de

deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

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A proposta de políticas públicas é matéria delicada que tem merecido a atenção dos Parlamentos, da academia e do Poder Judiciário e deve ser apreciada com grande cuidado, caso a caso. Entendemos não ser possível a formulação de tese geral para todas as hipóteses.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já avançou ao entender ser possível ao Poder Legislativo propor políticas públicas e programas governamentais, obedecidos determinados requisitos, além das balizas constitucionais estabelecidas. Admitiu, ainda, a intervenção do próprio Poder Judiciário quando se constatar a omissão sistemática dos Poderes Executivo e Legislativo na concretização de direitos fundamentais plasmados no texto constitucional.

Mas, como dissemos anteriormente, trata-se de avaliação peculiar, individualizada, que deve ser feita caso a caso, observadas as características da política pública e seu grau de relação com a essência da linha programática vitoriosa defendida nas eleições e que, portanto, deve ser implementada. A subversão dessa macrodiretriz significaria fraude ao processo eleitoral e grave violação à soberania popular.

Nem se alegue que a própria Constituição Federal assegurava a iniciativa geral do processo legislativo que resultou na aprovação da Lei nº 12.351, de 2010, com base no que estabelecem, respectivamente, os §§ 1º e 2º do art. 177 da CF46: que lei ordinária estabelecerá condições a serem observadas pela União na contratação com empresas estatais ou privadas das atividades previstas nos incisos I a IV do caput do art. 177 da CF; e que a lei ordinária de que trata o § 1º deverá dispor sobre a garantia de fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional, as condições de contratação e a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União. Essas normas não podem ser analisadas isoladamente.

Essas regras devem ser interpretadas em conjunto com as demais normas constitucionais que tratam do papel do Presidente da República no sistema presidencial de Governo, do princípio da separação de Poderes, da cláusula de reserva da iniciativa legislativa do Presidente da República e da soberania popular.

A interpretação sistemática dessas normas constitucionais leva à conclusão de que o Presidente da República agiu corretamente ao ter escolhido o projeto de lei ordinária como espécie legislativa adequada a

46 Art. 177. Constituem monopólio da União: § 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das

atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei. § 2º A lei a que se refere o § 1º

disporá sobre

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tratar do tema (art. 59, inciso III da CF47) e ao ter iniciado o processo legislativo respectivo (art. 61, § 1º, inciso II, alínea e, da CF).

Da mesma forma, foi precisa a atuação do Congresso Nacional ao entender que o projeto de lei de iniciativa do Presidente da República era a única forma possível para se implementar profunda transformação nos marcos da política de exploração do petróleo, inserida no âmbito da política energética nacional, além da atribuição de novas competências à Petrobras, ao MME, à ANP e ao CNPE, compatíveis com o novo modelo, totalmente diverso do modelo anterior.

A remodelagem completa do marco regulatório e das competências institucionais em função da descoberta do “petróleo do Pré-Sal” e a total reformulação, para esse tipo de exploração, das competências institucionais impunham a iniciativa legislativa do Presidente da República.

Agiram acertadamente, pois, o Presidente da República e o Congresso Nacional ao observarem essas balizas constitucionais formais na proposição, aprovação e sanção do projeto de lei que se transformou na Lei nº 12.351, de 2010.

A questão que ora se coloca é saber se a Lei nº 13.365, de 2016, originada de projeto de lei de iniciativa parlamentar (PLS nº 131, de 2015, de autoria do Senador José Serra) pode ser considerada formalmente constitucional ao propor significativas alterações no marco regulatório instituído pela Lei nº 12.351, de 2010, que, por seu turno, se originou de projeto de lei de iniciativa privativa do Presidente da República.

A conclusão lógica para a resposta a esta questão é negativa.

Todos os argumentos que foram expendidos até aqui sustentam a constitucionalidade formal da Lei nº 12.351, de 2010, que, em face de seu objeto, somente poderia ter tido seu processo legislativo iniciado pelo Presidente da República.

Assim, por desdobramento lógico desse argumento, é inconstitucional que o projeto de lei que redundou na Lei nº 13.365, de 29 de novembro de 2016, e gerador de drásticas alterações no modelo de exploração e produção do petróleo da área do Pré-Sal, assim como nas competências dos principais atores institucionais envolvidos, pudesse ter sido iniciado por parlamentar federal.

47 Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: III - leis ordinárias;

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Essa circunstância caracteriza vício constitucional formal indelével que macula a Lei nº 13.365, de 2016, e impõe sua eliminação do ordenamento jurídico.

É importante, neste momento, sublinhar quais foram as drásticas alterações promovidas pela Lei nº 13.365, de 2016, na Lei nº 12.351, de 2010 (conteúdo e dispositivos alterados) no que concerne ao regime de partilha de produção em áreas do Pré-Sal e às competências dos órgãos e entidades públicos envolvidos:

a) quanto à Petrobras:

● é eliminada sua condição de operadora única (art. 2º, inciso VI, art. 4º, art. 20, caput e § 3º e art. 30);

● passa a ter que se manifestar sobre o direito de preferência em

● cada um dos blocos ofertados, no prazo de até 30 (trinta) dias a partir da comunicação pelo CNPE, apresentando suas justificativas (art. 4º, § 1º);

● passa a ser possível a participação da Petrobras na licitação para a contratação sob o regime de partilha da produção, inclusive para ampliar sua participação mínima (anteriormente a Petrobras somente participava para ampliar sua participação mínima; na verdade não é um acréscimo de competência, mas sim uma redução) (art. 14 e art. 15, inciso IV).

b) quanto ao CNPE ● passa a ter a competência de, considerando o interesse

nacional, oferecer à Petrobras a preferência para ser operador dos blocos a serem contratados sob o regime de partilha de produção (art. 4º, caput);

● passa a ter a competência de, após a manifestação da Petrobras, propor à Presidência da República quais os blocos que deverão ser operados pela empresa, indicando sua participação mínima no consórcio previsto no art. 20, que não poderá ser inferior a 30% (art. 4º, § 2º);

● passa a ter a competência de propor ao Presidente da República a indicação da Petrobras como operador, nos termos do art. 4º (art. 9º, inciso VIII);

● passa a ter a competência de propor ao Presidente da República a participação mínima da Petrobras caso a

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empresa seja indicada como operador, nos termos do art. 4º (art. 9º, inciso IX).

c) quanto ao MME ● passa a ter a competência de propor ao CNPE, entre

outros parâmetros técnicos e econômicos dos contratos de partilha da produção, a indicação da Petrobras como operador e sua participação mínima, nos termos do art. 4º (art. 10, inciso III, alínea c).

Percebe-se, pois, tratar-se de um regime completamente

remodelado de partilha de exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos em áreas do Pré-Sal.

Grande parte da engenharia institucional montada pela Lei nº 12.351, de 2010, foi alterada pela Lei nº 13.365, de 2016, com a introdução da ideia-força de que a Petrobras não é mais o operador único do regime. Dessa determinação decorre uma série de mudanças de competências institucionais que somente poderiam ter sido propostas, com base em todos os argumentos alinhavados anteriormente nesta inicial, ao Congresso Nacional pelo Presidente da República e não por um Senador da República.

De tudo o que foi exposto decorre a conclusão de que a Lei nº 13.365, de 2016, é formalmente inconstitucional, pois viola a cláusula de reserva de iniciativa legislativa do Presidente da República (art. 61, § 1º, II, e, da CF), o princípio da separação de Poderes (art. 2º), as competências privativas do Presidente da República e dos Ministros de Estado (art. 84, incisos I, II e III, c/c o art. 87 da CF) e a soberania popular (art. 1º, parágrafo único, da CF).

Como demonstrado acima, o Edital de Licitações publicado em abril de 2018, cujo objeto é a Quarta Rodada de Licitações de Partilha de Produção – Outorga dos Contratos de Partilha de produção para atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural – que ocorrerá no dia 7 de junho de 2018, tem como premissa as regras alteradas pela Lei nº 13.365, de 2016 com a introdução da ideia-força de que a Petrobras não é mais o operador único do regime.

A inconstitucionalidade formal da Lei nº 13.365, de 2016, que alterou grande parte da engenharia institucional montada pela Lei nº 12.351, de 2010, torna nulo os Editais de Licitações, devendo ser suspensos todos os procedimentos previstos no mesmo, impondo-se a determinação, em especial, da suspensão do leilão previsto para o dia 07 de junho de 2018.

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VIII - A produção e refino de petróleo como utilidade pública. Os Prejuízos que a 4ª Rodada de Licitações do Pré-Sal podem impor ao País e à Sociedade.

Como bem estabelece a Constituição Federal, em seu art. 177,

tanto a lavra quanto o refino são monopólios da União, que, por sua vez, pode contratar essas atividades com empresas estatais ou privadas. Transcreve-se parcialmente, a seguir, esse artigo.

“Art. 177. Constituem monopólio da União: I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; (...) § 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995) (...)”

Também é importante destacar que o abastecimento nacional de combustíveis é considerado atividade de utilidade pública, nos termos da Lei nº 9.847 de 26 de outubro de 1999:

“Art. 1º A fiscalização das atividades relativas às indústrias do petróleo e dos biocombustíveis e ao abastecimento nacional de combustíveis, bem como do adequado funcionamento do Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis e do cumprimento do Plano Anual de Estoques Estratégicos de Combustíveis, de que trata a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, será realizada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) ou, mediante convênios por ela celebrados, por órgãos da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. § 1º O abastecimento nacional de combustíveis é considerado de utilidade pública e abrange as seguintes atividades: I - produção, importação, exportação, refino, beneficiamento, tratamento, processamento,

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transporte, transferência, armazenagem, estocagem, distribuição, revenda, comercialização, avaliação de conformidade e certificação do petróleo, gás natural e seus derivados; (...)”

Em resumo, a produção e refino de petróleo não podem ser tratados como um simples negócio privado com foco no lucro empresarial e no mercado como tem ocorrido, ilegalmente, no País.

O Brasil, com a descoberta da província petrolífera do Pré-Sal, tem oportunidade única de se tornar autossuficiente tanto em petróleo quanto em combustíveis. Importa ressaltar que o País é exportador líquido de petróleo, mas importador líquido de derivados de petróleo. Nos anos recentes, o Brasil tem sempre exportado petróleo pesado e importado petróleo mais leve para gerar uma carga adequada para as refinarias. No entanto, nos últimos anos, foi muito grande o aumento das exportações de petróleo, conforme mostrado na Figura 1.

Figura 1 – Evolução das exportações de petróleo cru.

Em 2005, o Brasil exportou cerca de 100 milhões de barris; em 2017, as exportações foram superiores a 350 milhões de barris. Se esse petróleo exportado, produzido a partir da exploração de um bem da União, nos termos do art. 20 da Constituição Federal, fosse refinado no Brasil, seriam gerados empregos e autossuficiência em derivados de petróleo, propiciando alavancagem no desenvolvimento do País.

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A consequência das exportações de petróleo cru e a pouca importância dada às atividades de refino é o aumento das importações de derivados, como mostrado na Figura 2.

Figura 2 – Evolução das importações de derivados básicos.

Em 2005, o Brasil importou apenas cerca de 15 milhões de barris de óleo diesel; em 2017, a importação desse derivado ultrapassou 80 milhões de barris. No passado, o País era exportador de gasolina; em 2017, o Brasil importou mais de 28 milhões de barris desse combustível. Também grande foi o aumento das importações de gás de cozinha, o chamado gás liquefeito de petróleo (GLP), cujas importações aumentaram de cerca de 5 milhões de barris em 2005 para mais de 20 milhões em 2017.

Essas importações provocam um grande impacto nos preços

aos consumidores brasileiros, pois são importados a preços de mercado internacional em dólares e sujeitos a variações cambiais. Além disso, há um custo de logística e transporte para trazer esses combustíveis para o Brasil.

As licitações de blocos da província do Pré-Sal são, então, uma

grande oportunidade para fazer com que o Brasil se torne autossuficiente em derivados básicos como óleo diesel, gasolina e GLP.

Bastava que as resoluções do CNPE e da ANP, que

estabelecem as condições contratuais, condicionassem as exportações de petróleo cru ao abastecimento do mercado nacional com combustíveis

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produzidos no Brasil. Se isso ocorresse, estariam resolvidos os graves problemas do mercado nacional de derivados de petróleo.

Atualmente, o custo de extração do Pré-Sal já é inferior a US$

7 por barril. O preço mínimo do petróleo para viabilização dos projetos do pré-sal (break-even ou preço de equilíbrio), que era de US$ 43 por barril no portfólio da Petrobrás de três anos atrás, caiu para US$ 30 por barril no plano de negócios em vigor, o que representa uma redução de 30%48. Adicionados ao custo de extração outros custos como depreciação e amortização, de exploração, de pesquisa e desenvolvimento e de comercialização, entre outros, o custo total de produção pode chegar a US$ 20 por barril.

Mas não é apenas o custo de produção do Pré-Sal que é baixo,

o custo médio de refino da Petrobrás no Brasil também é baixo, muito inferior ao do exterior, conforme mostrado na Tabela 349. Nos últimos quatro trimestres, o custo médio de refino da Petrobrás foi inferior a US$ 3 por barril.

Figura 3 – Custo médio de refino da Petrobrás.

O custo total de produção somado ao custo de refino totaliza apenas US$ 23 por barril. Se o preço de equilíbrio for somado ao custo médio de refino, em vez do custo total de produção, chega-se a um custo médio de US$ 33 por barril de combustível.

48 Disponível em http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/vamos-bater-meta-de-producao-e-reduzir-custos-de-extracao-afirma-parente-na-otc.htm. Acesso em 24 de maio de 2018. 49 Disponível em http://www.investidorpetrobras.com.br/pt/destaques-operacionais/precos-e-custos. Acesso em 24 de maio de 2018.

Trimestre

US$/barril

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Somados outros custos administrativos e de transporte, o custo médio de produção de óleo diesel, por exemplo, seria de, no máximo, US$ 40 por barril. Utilizando-se uma taxa de câmbio de 3,7 Reais por Dólar e que um barril tem 158,98 litros, o custo médio de produção do diesel é de apenas R$ 0,93 por litro.

Ocorre que a Petrobrás, antes da redução de 10% no preço do

óleo diesel por 15 dias50, estava praticando um preço médio nas refinarias de R$ 2,3335 por litro, o que representa uma margem de lucro de 150%. Depois dessa redução, o preço do óleo diesel nas refinarias reduziu-se para R$ 2,1016 por litro.

Mesmo após essa redução de 10%, a margem de lucro da

Petrobrás de 126% seria altíssima. Assim sendo, não faz sentido a estimativa de que a União poderia ter que repassar R$ 4,9 bilhões à estatal até o final do ano. Em relação ao óleo diesel produzido a partir do petróleo nacional, essa redução de 10% representa apenas uma diminuição nas margens de lucro de 150% para 126%, ambas altíssimas.

Se todo o óleo diesel consumido no Brasil fosse produzido internamente a um custo de R$ 0,93 por litro, o preço nas refinarias, mesmo com uma margem de 50%, seria de R$ 1,40 por litro, valor muito inferior ao praticado pela Petrobrás, de R$ 2,3335 ou R$ 2,1016 por litro.

Estima-se, a seguir, qual seria o preço nos postos se o preço de realização da Petrobrás, nas refinarias, fosse de R$ 1,40 por litro. A esse valor têm que ser acrescidas as seguintes parcelas, por litro:

- Cide e Pis/Cofins: R$ 0,4651;

- Biodiesel: R$ 0,18;

- Margem de distribuição e revenda (cerca de 9%): R$ 0,24;

- ICMS (15%, em média): R$ 0,40.

50 Disponível em http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/preco-do-diesel-tem-reducao-de-10-em-nossas-refinarias.htm. Acesso em 24 de maio de 2018.

51 Disponível em http://www.fecombustiveis.org.br/wp-content/uploads/2018/05/Carga-tribut%C3%A1ria-estadual-Maio-2018-2%C2%AA-quinzena.pdf. Acesso em 27 de maio de 2018.

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Observa-se, então, que se o petróleo do Pré-Sal

for refinado no Brasil, ele poderá ter um preço nos postos de combustíveis

de R$ 2,68 por litro, sem considerar o biodiesel; preço muito menor que o

atualmente praticado que chega a R$ 4,00 por litro.

Conforme mostrado na Figura 4, a carga tributária

incidente sobre o óleo diesel, da ordem de 30%, é muito baixa quando

comparada a outros países. Na Europa, a carga tributária sobre esse

combustível é bem superior a 50% e mesmo o diesel sendo importado, o

valor pago na refinaria é menor que no Brasil. Os tributos cobrados chegam

a ser três vezes maiores que no Brasil.

Nesse contexto, não faz sentido que a União deixe

de arrecadar, anualmente, cerca de R$ 14,4 bilhões, relativos a Pis/Cofins,

como aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados, no dia 23 de maio

de 2018, e aproximadamente R$ 2,5 bilhões, relativos à Cide. Registre-se

que 29% da Cide é repassada a Estados e Municípios.

Os dados mostrados na Figura 4 demonstram,

claramente, como a atual política de preços no Brasil é tecnicamente

equivocada.

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Figura 4 – Composição do preço do óleo diesel em diversos países.

Dessa forma, não se justifica reduzir tributos

sobre esse combustível, que podem ser importantes para a consecução de

políticas públicas em quadro de crise fiscal. A grande parcela, e que precisa

ser reduzida, é o valor pago na refinaria, que representa 55% do preço nas

bombas.

O alto preço de realização nas refinarias do Brasil

decorre do fato de a política de preços da Petrobrás acrescentar ao preço

no Golfo (Estados Unidos) um custo de transporte, de taxas portuárias e de

margem de riscos52. Assim, o preço da estatal é mais alto que o preço no

mercado internacional.

Está também sendo repassada para os

consumidores, até diariamente, a volatilidade tanto dos preços no

mercado internacional quanto do câmbio para a população, o que não faz,

tecnicamente, o menor sentido. A redução dessa volatilidade pode ocorrer

52 Disponível em http://www.petrobras.com.br/pt/produtos-e-servicos/composicao-de-precos-de-venda-as-distribuidoras/. Acesso em 25 de maio de 2018.

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por diversos métodos, como bandas ou médias móveis, como ocorre nos

países não autossuficientes em derivados. Nesses países, os períodos de

amortecimento variam de semanas a meses.

A Figura 5 mostra os preços de realização nas

refinarias da Petrobrás do óleo diesel S-10 e S-500, assim como o óleo

diesel de baixo enxofre nos Estados Unidos (Golfo).

Figura 5 – Evolução dos preços do óleo diesel depois da nova política da

Petrobrás.

Como mostrado na Figura 5, além de voláteis, os

preços nas refinarias do Brasil são mais altos que nos Estados Unidos

(Golfo), em razão da atual política de preços da Petrobrás.

Em suma, mesmo que a Petrobrás tivesse uma

margem de lucro de 50%, o óleo diesel poderia ser vendido nos postos a R$

2,30 por litro, desde que o petróleo fosse produzido e refinado no Brasil.

Julho de 2017 Abril de 2018

Óleo diesel S-10 (Brasil)

Óleo diesel S-500 (Brasil)

Diesel de baixo enxofre (Estados Unidos)

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Daí a importância de se combater o Edital da 4ª Rodada de Licitações do

Pré-Sal, por não fazer qualquer exigência relativa a refino no País.

Se os contratos assinados com as empresas

petrolíferas estabelecessem esse tipo de exigência, por certo não

estaríamos vivendo a dramática crise de abastecimento que ora assola o

País.

IX - DO PEDIDO LIMINAR – PRESENÇA DE FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA.

Antes de fundamentar o pedido liminar, prudente se faz a transcrição do texto abaixo, de autoria do Jornalista Aloysio Biondi, publicado no Jornal Folha de São Paulo, edição de 05 de junho de 1999, mas que continua atual e aplicável à hipótese vertente: “Dona Maria, espantada com o Dr. David Família de classe média, marido executivo bem-

sucedido, dona Maria é uma brasileira dinâmica, que resolve montar uma confecção com mais três amigas. Sua marca conquista o mercado, as vendas crescentes justificam novas ampliações da empresa e até a abertura de lojas para vendas diretas. Ao fim de três anos, as sócias já aplicaram R$ 500 mil na empresa, e, aí, resolveram dar uma descansada.

Não querem, porém, vender a firma. Decidem arrendá-la, isto é, entregá-la a outros(as) empresários(as), que passarão a explorar o lucrativo negócio. Como é feito o arrendamento? Dona Maria e suas sócias passarão a ter uma participação, digamos de 1%, sobre o faturamento da confecção, agora nas mãos de um arrendatário.

Mas é claro que essa participação de 1% é uma ninharia quando comparada com os investimentos de R$ 500 mil que dona Maria e suas amigas já fizeram na empresa. Por isso mesmo, nesses negócios de arrendamento, o novo “dono”, o arrendatário,

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“devolve” também uma parte do investimento que foi feito pelos criadores da empresa.

Dona Maria é dinâmica, esperta. Só entrega a empresa a quem lhe der 20% ou 30%, isto é, R$ 100 ou R$ 150 mil do dinheiro que ela e suas sócias aplicaram. É assim que se faz qualquer negócio, em qualquer país do mundo. Por isso mesmo, dona Maria, apesar de ser “tucana”, está absolutamente espantada com as explicações que o Governo FHC vem dando sobre os leilões que vai realizar este mês, nos próximos dias, para permitir que empresas multinacionais (37) e brasileiras (5) arrendam áreas onde se sabe que existem bilhões e bilhões de barris de petróleo:

Eu não acredito, diz ela ao marido, Pacheco, no café da manhã. Os jornais notificam que as ofertas iniciais das empresas interessadas nessas áreas são de R$ 50 mil a R$ 150 mil... Será que os jornais não erraram e querem dizer R$ 50 milhões? Afinal, sabe-se que nessas áreas surgem poços de petróleo fantásticos, que produzem até 10 mil barris de petróleo por dia cada um...

- Por dia? Mas isso é uma loucura, os pocinhos dos EUA produzem uma titica, de 100 barris por dia e olhe lá.

- Eu também não sabia, foi a Silvia que me alertou. Será possível que o Governo está distraído, como aconteceu em outras privatizações? Afinal, pondera dona Maria, nem eu entrego minha empresa por tostões.

- Não é distração, não. Eu vi uma entrevista do presidente da Agência Nacional do Petróleo, o Sr. David Zylbersztajn. Ele dizia que esse preço tem de ser baixo, simbólico mesmo, porque o petróleo sofreu violenta queda no mercado mundial.

- Ah, Pacheco. Essa explicação não serve mais. O petróleo subiu 60% a 80%, de US$ 10 para US$ 16 ou US$ 18 o barril, nos últimos meses. Esse, aliás, é o fato econômico mais importante de ano, pois vai agravar a crise dos EUA, que importa de seis a oito milhões de barris de petróleo por ano.

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- Dizem até que é por isso que países como o Brasil estão sendo pressionados pelo Fundo Monetário e países ricos a entregar seu petróleo a multinacionais. Os EUA e os países ricos dependem do petróleo. E não é para fabricar gasolina e movimentar automóveis, como a maioria das pessoas pensam, não. É para produzir energia elétrica, em usinas chamadas termelétricas. Sem petróleo, a economia dos EUA e de outros países ricos pára, simplesmente, pondera Pacheco.

Dona Maria faz um gesto de enfado: - Olha, não quero nem entrar nesse tipo de discussão.

Mas quero, e acho que todo brasileiro deveria querer também, que o país receba um preço justo pelas suas reservas de petróleo. Depois que os preços internacionais do petróleo subiram, sobe o que o Sr. David Zylbersztajn está dizendo agora?

- Acho que vi alguma coisa... - Imagine só, Pacheco, ele diz que as jazidas de

petróleo podem ser dadas a preços de banana porque o que importa são os impostos que o Governo vai arrecadar depois, com a produção de petróleo...

Pacheco concorda: - Raciocínio estranho... - Só pode ser distração... Até eu, diz dona Maria, se

arrendar minha confecção, não vou “dar” para o interessado os R$ 500 mil que investi nela. Ninguém faz isso...

- Você tem razão. O Governo Fernando Henrique Cardoso está confundindo os impostos futuros, que qualquer empresa tem mesmo de pagar, em qualquer lugar do mundo, com a participação que todos os governos, de qualquer país do mundo, cobram sobre a exploração do petróleo... Aliás, no resto do mundo esses impostos chegam a ser de 60% a 70% do valor do petróleo extraído, e aqui vai ser cobrado a um nível muito mais baixo, de 19% a 50%. Note bem: esses impostos não iam sair do bolso do consumidor, não. Eles sairiam dos lucros fabulosos das empresas petrolíferas...

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- Engraçado, reflete dona Maria. Os poços daqui vão ser os mais lucrativos do mundo, e a parte do governo, isto é, do país, vai ficar entre as menores do mundo?

- Pacheco levanta-se, limpa a boca com o guardanapo e prepara-se para sair.

- Só mais uma coisa, Pacheco. Ouvi dizer também que as multinacionais estão comprando por R$ 300 mil os estudos que a população brasileira financiou durante décadas, para descobrir petróleo em todo o território do país. Será possível? Mas esses estudos custaram bilhões de reais à população, bilhões da classe média, povão e empresários, agricultores. Não deveriam ser vendidos a um preço decente, ainda mais que são esses estudos que garantem que as multinacionais vão apenas perfurar e o petróleo vai começar a jorrar? Esses estudos são o mapa da mina e estão sendo cedidos pelo preço de um apartamento ou um carro importado?

- Pacheco faz um gesto de desalento com os ombros e despede-se. Dona Maria resmunga:

- É por isso que o governo comete os maiores absurdos no Brasil. Está doando o que não lhe pertence. Ninguém reage, ninguém pressiona o Congresso. Imagine se isso aconteceria nos EUA, onde o cidadão quer saber como é usado cada tostão do seu patrimônio e dos seus impostos.

- O Brasil está sendo literalmente saqueado por países estrangeiros, arrematou, indignada, dona Maria”.

O §4º do art. 5º da Lei nº 4.717/65 prevê a suspensão liminar de ato lesivo ao patrimônio público, verbis:

§ 4º Na defesa do patrimônio público caberá a suspensão liminar do ato lesivo impugnado. (o realce é nosso)

Resta sobejamente comprovado os danos que advirão da

manutenção do edital da 4ª rodada do Pré-Sal, quais sejam:; a lesão ao patrimônio público decorrente dos parâmetros criados pelo Edital da 4ª

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Rodada de Licitações de Partilha de Produção; prejuízos à União em razão dos baixíssimos percentuais de excedente em óleo assegurados à União e dos baixos valores de bônus de assinaturas; instituição de regime tributário que deixará de arrecadar aproximadamente um trilhão de reais em IRPJ e CSLL sob o regime de partilha de produção; bem como a desestruturação de política de conteúdo local e seus impactos para geração de emprego e renda no país; e, ainda, a realização em ambiente de insegurança jurídica, em face da inconstitucionalidade formal da Lei 13.365/2016.

Demonstrados os prejuízos de ordem material ao patrimônio

público que não se restringem à perda de arrecadação de aproximadamente um trilhão de reais.

Por fim, está evidenciado, ainda, que a Lei nº 13.365, de 2016, é formalmente inconstitucional, pois viola a cláusula de reserva de iniciativa legislativa do Presidente da República (art. 61, § 1º, II, e, da CF), o princípio da separação de Poderes (art. 2º), as competências privativas do Presidente da República e dos Ministros de Estado (art. 84, incisos I, II e III, c/c o art. 87 da CF) e a soberania popular (art. 1º, parágrafo único, da CF).

Demonstrado, portanto, o fumus boni iuris.

O periculum in mora está presente na medida em que, como apontado acima, a realização da 4ª Rodada de Licitações de Partilha de Produção, que ocorrerá no dia 7 de junho de 2018, trará dano irreparável ou de difícil reparação tanto ao patrimônio público, restando, ainda, desatendidas as normas legais e constitucionais que atualmente destinam-se a assegurar ao Estado os direitos sobre os recursos naturais objeto da presente ação, bem como, sua exploração com as devidas garantias e salvaguardas econômicas.

O interesse público é o bem a ser protegido pela medida liminar, com o fito de evitar a prática de atos lesivos, restando preenchidos os pressupostos legais, em especial o fumus boni iuris, fartamente demonstrado pela infração das disposições legais e constitucionais relatadas na presente petição e pelas diversas formas de lesão ao patrimônio público.

Presentes, portanto, o fumus boni iuris e o periculum in mora. Requer, assim, seja concedida medida liminar inaudita altera

pars para:

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i) Determinar a suspensão, comunicando imediatamente às rés, do leilão a ser realizado no dia 7 de junho de 2018, até o julgamento final da presente ação, sob pena de multa igual ao preço da alienação, sem prejuízo de outras sanções, inclusive a criminal. ii) Seja fixado multa diária no valor de $ 1.000.000,00 (um milhão) de reais por dia de descumprimento da medida concedida. iii) Ante a possibilidade do perecimento do direito, REQUER que a notificação seja efetuada em regime de URGÊNCIA por meio do Sr. Oficial de Justiça;

X - DOS PEDIDOS FINAIS.

Pelo exposto, requer autor, o acolhimento de todos os

pedidos, ratificando-se a medida liminar postulada nos itens i e ii, supra, em todos os seus termos, para meritoriamente:

A) Seja declarada, incidenter tantum, nos termos dos fundamentos supra, a inconstitucionalidade formal da lei Lei nº 13.365, de 2016, que alterou grande parte da engenharia institucional montada pela Lei nº 12.351, de 2010, e sejam tornados nulos os Editais da quarta rodadas de licitações de partilha de produção, publicados pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, publicado em 5 de abril de 2018, devendo ser determinada a suspensão de todos os procedimentos previstos nos mesmos e, consequentemente a declaração de nulidade de todos os atos praticados decorrentes do ato administrativo eivado de inconstitucionalidade; B) Seja mantida em sentença de mérito a liminar deferida, transformando-se então a tutela em jurisdicional ordinária, julgando-se procedentes os pedidos aqui elencados, e mantida sua eficácia até o trânsito em julgado da lide;

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C) A intimação do i. representante do r. órgão do Ministério Público Federal, para que se manifeste no feito (artigo 7º, I, “a”, da Lei 4.747/65); D) Seja ordenada a citação dos réus para, querendo, apresentar contestação no prazo legal, sob pena de revelia (artigo 7º, I, “a”, da Lei 4.747/65);

E) Requer-se também a citação da União para, querendo, intervir no feito, de preferência ao lado do Autor popular; F) A condenação dos Réus aos ônus da sucumbência, nos termos do art. 12 da Lei nº 4.717/1965.

Protesta pela produção de todos os meios de prova em direito

admitidos, em especial, documental suplementar, testemunhal, pericial e depoimentos pessoais dos representantes legais das Rés, sob pena de confissão.

Com fulcro no artigo 425, IV do CPC, DECLARA-SE, SOB RESPONSABILIDADE PESSOAL, que os documentos em cópia ora anexados com a inicial são autênticos.

Que todas as publicações e intimações atinentes à presente demanda sejam realizadas em nome do Dr. Maximiliano Nagl Garcez.

Atribui-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), somente para efeitos fiscais, considerando-se o seu valor inestimável seja ele material e/ou ético, além de versar sobre patrimônio e interesse públicos.

Vitória (ES), em 28 de maio de 2018.

Termos em que Pede e espera deferimento.

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Maximiliano Nagl Garcez OAB/DF - 27.889 OAB/PR - 20.792

Clara Lis Coelho de Andrade OAB/RJ - 185.778

Éder Marcelo de Melo OAB/DF – 56.511

Diego Felipe Bochnie Silva OAB/DF - 39.372

Bruno Jugend OAB/PR 49.045

Felipe Gomes da Silva Vasconcelos OAB/SP - 305.576

Fernando Luís Coelho Antunes OAB/DF - 39.513