Federalismo Monica Herman

download Federalismo Monica Herman

of 15

description

Federalismo em Monca Herman

Transcript of Federalismo Monica Herman

  • 31

    REVISTADIREITO MACKENZIE NMERO 2 ANO 1

    FEDERALISMO INCOMPLETO

    Monica Herman S. Caggiano*

    1. Explorando o federalismo. O que o federalismo?

    Daniel J. Elazar, um dos maiores expoentes da doutrina federalista, queanota, num de seus inmeros e poderosos estudos sobre o tema, o fato de que asmaiores e mais destacadas invenes identificadas no mbito das teorias domoderno governo democrtico so o federalismo, a proteo dos direitos indivi-duais e a idia de sociedade civil no seu dizer: the three pillars of moderndemocracy. E, na realidade, os ltimos sessenta anos vm demonstrando a ocor-rncia de um verdadeiro fenmeno revolucionrio no especial espectro das estru-turas institucionais adotadas pelos Estados, the federalist revolution, nas pala-vras do mestre Elazar. 1

    De fato, desde o Segundo Conflito Blico Mundial, sob coloridos de nuanasdiferenciadas, mais de dezena de naes , a exemplo da Alemanha, ndia e Nigria,acolheram o modelo federativo. Outras, a exemplo de Colmbia e Dinamarca,edificaram um quase federalismo, evoluindo da unio para a federalizao e umestgio de associao de Estados, e h, ainda, o todo peculiar exemplo da Comu-nidade Europia, transformando o mundo num espectador da construo da fr-mula de reorganizao de Estados numa banda comandada por um arranjosupranacional de perfil confederativo. Enfim, o sistema federativo ou soluespolticas de ndole federativa vm conquistando adeptos em todas as partes, afi-gurando-se, na atualidade, uma das mais requisitadas opes na definio domodelo de organizao estatal desejado, exatamente na expectativa de que, ope-rando por via de um poder governamental difuso, o federalismo viria autorizar as

    * Coordenadora do Programa de Ps-Graduao da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Assessora para Relaes Internacionais daUniversidade Presbiteriana Mackenzie. Professora Associada do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da Universi-dade de So Paulo.

    1 ELAZAR, Daniel J. Federalism, diversity, and rights. In: Federalism and rights. Maryland: Rowman & Littlefield Publishers, Inc., 1996.

    ...........................................................................................................................

    Sem ttulo-5 24/3/2003, 12:2731

  • REVISTADIREITO MACKENZIE NMERO 2 ANO 1

    32

    FEDERALISMO INCOMPLETO

    comunidades perifricas (as unidades componentes de um sistema federativo) adeterminar, em razovel extenso, os seus objetivos e os meios pelos quais es-ses sero perseguidos e atingidos.2

    Em verdade o federalismo, criao dos founders of the United States, tem asua receita vocacionada a acomodar diversidades. Da o seu sucesso e expanso,posicionando o analista, hoje, diante de um farto material bibliogrfico repleto deesboos e estudos sobre o que o federalismo ou o que deveria ser, girando emtorno de teorias e teses sobre a sua problemtica central the shared Rule e theself Rule, e, porque no registrar, sobre as eventuais falhas e sua alegada inapti-do para conviver com a democracia majoritria.

    Nesse sentido, emerge o federalismo como uma verdadeira paixo. E aliteratura especializada focaliza tanto posicionamentos favorveis ao sistema como,tambm, hostis.3 H os que entendem o federalismo como um instrumento de incre-mento da poltica governamental e outros o encaram como elemento inibidor doprogresso; alguns o vem como mecanismo de garantia da liberdade e outros, aoinvs, lhe atribuem o papel de respaldo ao racismo; dependendo da tica, emerge ofederalismo como incentivo democracia participativa ou como suporte domina-o de elites locais; como sistema a robustecer a tutela de direitos fundamentais oua ensejar a ditadura e a instalao de regimes totalitrios ou autoritrios; um instru-mento a apoiar uma poltica de responsabilidade fiscal ou, ao contrrio, a gerarpresso sobre os contribuintes, incrementando a expanso governamental.4

    O federalismo, de fato, vem se destacando como um sistema apto a acomo-dar reclamos esparsos de grupos minoritrios convivendo no mbito de uma mes-ma comunidade estatal. A sua especificidade consiste em autorizar as unidadesfederativas a vivenciarem a diversidade na unidade. Atuando por intermdio de ummecanismo que autoriza a partilha do poder entre a autoridade central e os centrosde autoridade perifricos o denominado shared-rule e self-rule, o sistema temlogrado responder de forma mais gil e consentnea s demandas decorrentes deculturas, etnias, religies e lnguas diferentes.

    E mais, capitaneado pelo princpio da autonomia5 dos Estados-Membros, ex-presso nas regras de autogoverno,6 autolegislao, auto-organizao e auto-admi-nistrao, o modelo federativo oferece um reforo ao sistema de tutela de direitos,

    2 KATZ, Ellis, G, TARR, Alan. Introduction. In: Federalism and rights. Maryland: Rowman & Littlefield Publishers, Inc., 1996.3 Nessa linha as observaes de Michael P. Zuckert. Toward a theory of corrective fedralism. In: Federalism and rights. Maryland: Rowman &

    Littlefield Publishers, Inc., 1996.4 Ver nesse sentido Ellis Katz, op. cit., onde frisado que, por longo perodo, dominou a idia de que o federalismo era inimigo dos direitos

    e de que a invocao do federalismo se consubstanciava em tnues eveladas tentativas de manter o estado de segregao e de outrasprticas sociais moralmente suspeitas.

    5 Para Raul Machado Horta, autonomia do Estado-Membro consiste na capacidade de auto-organizao do Estado-Membro, no domnio daatividade constituinte, e de criao do ordenamento jurdico ordinrio, mediante o exerccio da atividade legislativa do Estado. HORTA,Raul Machado. Estudos de Direito constitucional . Belo Horizonte: Del Rey, 1995.

    6 relevante assinalar que uma das facetas de maior notoriedade do sistema federativo reside no fato de que o Poder Central no podedesignar os governantes das comunidades perifricas e nem destitu-los. Da a autonomia das entidades que compem o todo de oferecero seu prprio tratamento a determinadas questes.

    ...........................................................................................................................

    Sem ttulo-5 24/3/2003, 12:2732

  • 33

    REVISTADIREITO MACKENZIE NMERO 2 ANO 1

    FEDERALISMO INCOMPLETO

    contemplando-o com uma dupla proteo.7 Isto porque, nesse ambiente, o sistemade proteo de direitos em face do governo federal, comandado a partir de deci-ses da maioria nacional, convive com tcnicas e sistemas mantidos por fora demaiorias subnacionais, resguardando direitos em face dos governos locais.

    Demais disso, nessa misso garantidora de proteo dual em relao ao es-pectro dos direitos fundamentais e reflexo direto da autonomia com que o compo-nente federal contemplado, o que lhe assegura uma esfera de atuao indepen-dente, sem a ingerncia do Poder Central, emerge o federalismo como um verda-deiro laboratrio para a democracia,8 porquanto a partir das bases regionais, quede melhor forma captam as expectativas e perspectivas da comunidade, e do em-bate com a viso menos flexvel do Poder Central que culmina por se aperfeioara prtica da democracia.

    Pilar de sustentao da democracia moderna, entendido como seu instrumen-to de acomodao de interesses e expectativas diferenciadas, no crculo de umamesma comunidade estatal, ou, ainda, como laboratrio de aperfeioamento qual-quer que seja o adjetivo, a qualidade, o papel que lhe atribudo ou a faceta que seesteja examinando, fato que os elementos estruturais da receita federalista, ideali-zada e articulada em primeira mo pelos founders dos Estados Unidos, no sofre-ram significativas reformulaes nas suas bases, consubstanciando-se, essencial-mente, em:

    um poder poltico partilhado entre a comunidade jurdica central e as comu-nidades perifricas;

    um quadro de repartio de competncias estabelecido no bojo da Consti-tuio o documento que funda e fixa as bases jurdicas da Federao;

    a soberania localizada no mbito da comunidade jurdica total, mantida eassegurada em relao aos entes federados (as comunidades parciais) a auto-nomia.

    7 Ver nesse sentido Ellis Katz, op. cit. p. xi.8 A expresso laboratories of democracy detectada na hoje clebre frase do Juiz Brandeis, da Suprema Corte dos Estados Unidos da

    Amrica, no caso New State Ice Co X Liebmann, em 1932 (Brandeis J. dissentign, 285 US 262, 311).

    ...........................................................................................................................

    2. O federalismo e sua operacionalidade

    O federalismo, no entanto, configura uma teoria que opera por via de institui-es. O seu ponto nevrlgico reside na partilha do poder entre diferentes instituiesgovernamentais, em diferentes nveis ou esferas de governo. Resulta sua idia cen-tral do entendimento de que essa distribuio partilhada de competncias polticasmelhor atender s demandas sociais, viabilizando maiores benefcios s comunida-des. O ncleo da questo implica indicao do preciso contedo do quadro de atribui-es cometidas a essas instituies. O que elas podem ou devem realizar.

    Sem ttulo-5 24/3/2003, 12:2733

  • REVISTADIREITO MACKENZIE NMERO 2 ANO 1

    34

    FEDERALISMO INCOMPLETO

    Ingressa-se, a esse passo, num dos mais delicados segmentos do panoramafederativo, porquanto o implemento do processo federativo encontra-se na depen-dncia direta da repartio do poder entre as instituies polticas. Nesse sentido jse manifestou Karl Loewenstein,9 registrando que a partilha de competncias entreos entes federados traduz the key to the interfederal power structure. que, nesseterritrio pode-se identificar a natureza do relacionamento estabelecido entre a au-toridade federal e os Estados-membros, bem como o grau de autonomia destes eos conseqentes limites de ingerncia do Poder central.

    A extrema sensibilidade dessa esfera registrada por intermdio da intensaproduo doutrinria e jurisprudencial a cuidar do tema e a buscar solues inovado-ras que autorizassem a adoo de frmulas dotadas de maior plasticidade. Para tan-to, muito concorreu a poltica do New Deal que, no panorama federativo estadunidense,ocasionou um repensar das bases federativas, envolvendo uma intervenincia doPoder Central, principalmente na conduo da economia, ingerncia que no foraprevista pelos founders construtores da figura do Estado Federal.

    Exsurgem, da, as novas concepes do federalismo: a formulao cooperativa,uma receita que, na lio de Jos Alfredo de Oliveira Baracho, foi fortalecida sob a polticado New Deal norte-americana, 10 atingindo o apogeu nos anos 50 quando se verificou

    maior papel federal nos campos da poltica econmica e da manuteno de renda,com a expanso dos programas de ajuda federal a Estados e localidades, desenvol-vendo-se um sistema intergovernamental.

    e, mais recentemente, exacerbando a presena do Poder Central, o federalismo deintegrao.11

    Inova-se na elaborao de desenhos a alojar sofisticados sistemas de parti-lha de competncias. Deflagra-se um processo de combinao de competnciasenumeradas, remanescentes e concorrentes, lanando-se a verticalizao. Esta,no magistrio de Manoel Gonalves Ferreira Filho,12 transforma-se numa verdadeiratendncia, atuando pela distribuio de uma mesma competncia a diferentes n-veis governamentais ( Unio a determinao de diretrizes e bases ou a fixao denormas gerais, aos Estados-membros o seu desdobramento e complementao).E, ainda, nessa perspectiva a aluso de Raul Machado Horta13 s engenhosas solu-es do modelo austraco de 1920 (uma frmula de comunicao entre a legislaoda Unio e a execuo dos Estados-membros) ou, ainda, ao padro germnico que

    9 LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la constitucin. Barcelona: Ariel, 1976.1 0 BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Novos rumos do federalismo. Revista Brasileira de Estudos Polticos, n. 56, jan. 1983.1 1 Nas palavras do Prof. Manoel Gonalves Ferreira Filho, o federalismo rotulado como cooperativo numa expectativa de vir a assegurar a

    coordenao entre as duas esferas governamentais (Poder Central x Poderes perifricos), sob a evidente batuta da Unio. E mais,acrescenta o ilustre jurista Hoje fala-se at num federalismo de integrao, visto como sujeio da esfera estadual da Unio (federal).Federalismo esse que acentuaria os traos do cooperativo mas que o resultaria, antes, num Estado unitrio constitucionalmente descentra-lizado do que num verdadeiro Estado federal. FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de Direito constitucional . So Paulo: Saraiva,1999. p. 53.

    1 2 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de Direito constitucional . So Paulo: Saraiva, 1999.1 3 HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito constitucional . Belo Horizonte: Del Rey, 1995.

    ...........................................................................................................................

    Sem ttulo-5 24/3/2003, 12:2734

  • 35

    REVISTADIREITO MACKENZIE NMERO 2 ANO 1

    FEDERALISMO INCOMPLETO

    abre um largo espao ao domnio da competncia concorrente, privilegiando, noentanto, a Unio cujas normas devem prevalecer por fora do disposto no art. 31 darespectiva Lei Fundamental.

    Ainda, nesse escaninho, o tema das assimetrias a remodelar o perfiloperacional do federalismo. E, conquanto, afirme Ellis Katz que: All federal systemsare to some extent asymetrical,14 a verdade que, hoje, o padro assimtrico vemavanando, sendo explorado como um instrumento de soluo de conflitos interes-taduais, prprio das sociedades fragmentadas um mecanismo apto a acomodar,no moderno constitucionalismo, diferentes e diferenciadas demandas. Nessa linha,explicita Thomas Fleiner, 15 a soluo decorrente da aplicao das assimetrias adotada em relao minoria de lngua germnica na Blgica, na Sua, no queconcerne aos que falam romontsch, no Canad, em relao a peculiar situao deQuebec, e nos Estados Unidos no tocante aos nativos.

    Por oportuno, vale lembrar a larga utilizao do jogo das assimetrias no fe-deralismo espanhol se que pode assim ser denominado o estado autonmico ouregional instalado no Reino da Espanha. A esse respeito pondera Dirco TorrecillasRamos, num dos raros trabalhos dedicados matria:

    a natureza imperfeita do federalismo espanhol baseada nos seus elementoscaracterizadores, ....o modelo de Mltipla concorrncia etnoterritorial ...que relacionamobilizao subestatal com relacionamento competitivo entre regies e nacionalida-des espanholas na perseguio de poder poltico e econmico, tanto quanto dalegitimao de seus desenvolvimentos institucionais.

    E, ainda, do estudo promovido por este autor, o registro quanto utilizao da tc-nica assimtrica na lapidao do federalismo insculpido na Constituio brasileirade 1988. Nesta, identifica o analista relevantes pontos de assimetria nos arts. 23(competncias comuns), 43 (instalao de regies de desenvolvimento), 151(vedaes tributrias) e 155 (o ICMS imposto estadual).16

    A assimetria, em verdade, traduz e viabiliza uma determinada cooperaoentre as unidades federadas, um processo de reduo de desigualdades e, emltima anlise, busca atingir o desenvolvimento equilibrado, inclusive por intermdiode polticas de juros favorecidos, isenes e redues temporrias de tributos fede-rais. Da aplicao das assimetrias, contudo, podem, tambm, decorrer crises entreas mesmas unidades federadas, como a denominada guerra fiscal, entre ns, aque o cidado espectador ainda est assistindo e no de um lugar privilegiado.

    Pois bem, o quadro de demandas do mundo contemporneo, sob o impactoda alta tecnologia a comandar os meios de comunicao e do processo de acelera-da globalizao, mudou, exigindo uma reorientao no tocante atuao das ins-

    1 4 Asymmetrical Aspects of American Federalism, palestra proferida no mbito do 6 Encontro Nacional de Direito Constitucional. So Paulo,Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, 18-20 de setembro de 1997.

    1 5 Conferncia proferida no mbito do 6 Encontro Nacional de Direito Constitucional. So Paulo, Faculdade de Direito da Universidade deSo Paulo, 18-20 de setembro de 1997.

    16 RAMOS, Dirco Torrecillas. O federalismo assimtrico. So Paulo: Editora Pliade, 1998.

    ...........................................................................................................................

    Sem ttulo-5 24/3/2003, 12:2735

  • REVISTADIREITO MACKENZIE NMERO 2 ANO 1

    36

    FEDERALISMO INCOMPLETO

    tituies, uma ateno mais depurada em relao necessidade de conformizaodos velhos modelos s exigncias das comunidades sociais do sculo XXI.

    E o sistema federativo no escapa a esse novo desafio; poder-se-ia afirmarat que o enfrenta com maior vigor, porquanto, como acima remarcado, apresenta-se esse modelo como de estrutura flexvel, apto a se acomodar a situaes novas;pronto a ajustes decorrentes de filosofias, perspectivas, exigncias de estabilidade,equilbrio e de desenvolvimento social.

    O Federalismo, visto sob essa particular perspectiva se transforma em verda-deira cultura.

    3. A cultura do federalismo

    Discorrer sobre a cultura do federalismo importa em assinalar a importnciapara o tema da forma pela qual esse modelo compreendido e aplicado. Quaisquerque sejam os limites impostos, independentemente da frmula adotada para a par-tilha das competncias ou distribuio do poder, a receita de sucesso para o federa-lismo est na dependncia direta do costume e das tradies, das idias enraizadasna comunidade social, de suas perspectivas, da experincia e das prticas adotadaspelos povos envolvidos no respectivo processo.

    No panorama norte-americano, onde se aloja a matriz do sistema federativo,essa cultura foi sendo paulatinamente edificada e consolidada por intermdio dedeterminados padres que permeiam toda a doutrina do federalismo, ainda que, emalgumas hipteses, sem uma superfcie de sustentao legal ou constitucional. Nessediapaso, o sentimento perene da prevalncia do direito estadual, o qual somentepoderia vir a ser deslocado para fazer prevalecer a regra federal em hiptesesextraordinrias e excepcionais.

    Nessa perspectiva, a lio de Alexander Hamilton (The Federalist, 28) que,aproximando o federalismo engendrado do modelo do check and balances, ope-rando numa linha verticalizada, assinalava:

    O poder apresentando-se quase sempre como o rival do poder, o governo centralestar de prontido para promover o controle de eventual usurpao do (poder do)governo estadual e este ter a mesma disposio em relao ao governo central.

    Concebe, pois, o sistema operando por intermdio de controles recprocos e numjogo de rivalidade entre instituies, exerccio esse prprio ao fenmeno oposioque, afinal, traduz, a seu turno, um mecanismo de limitao e de controle do poderpoltico.

    Ainda, reflexo dessa cultura federalista, a presena expressiva no seio dasaltas personalidades do governo federal de profissionais com experincia em nvelestadual. E mais, o incentivo ao dos lobbies intergovernamentais verdadeirasONGs organizaes no-governamentais, a exemplo do Council of StateGovernments, a National Governors Association, a National League of Cities, a US

    Sem ttulo-5 24/3/2003, 12:2736

  • 37

    REVISTADIREITO MACKENZIE NMERO 2 ANO 1

    FEDERALISMO INCOMPLETO

    Conference of Mayors, enfim um elenco considervel, sendo conhecido o grupo dasmais influentes como The Big Seven todas aparelhadas e qualificadas para as-segurar a canalizao das expectativas regionais junto ao polo decisional central.17

    Enfim, o federalismo atende a um padro dotado de plasticidade que deveser tratado, aprimorado, enriquecido e, por que no, cultuado. Amolda-se aos inte-resses desenvolvidos no seio da sociedade e atua razoavelmente na sua acomoda-o. Parece, alis, que essa era a expectativa de James Madison que, no Federalist(51), observava que o interesse dos Estados estaria a salvo sob essa Constituioporque as instituies e a cultura poltica da Amrica promoveram um localismoherdado, capaz de defender o Estado contra os abusos federais. Entendia Madison,conforme exposto por Larry Krammer, que edificada uma cultura prpria, haveriasempre, por intermdio do modelo federativo, a possibilidade de defesa dos interes-ses das pessoas integrantes da comunidade estadual.18

    Extrai-se da lio de Madison que a vitalidade do sistema federativo dependedas instituies adotadas e do seu funcionamento. Destarte, o que deve ser questio-nado o quadro institucional por meio do qual opera o sistema federativo a suaadequao s necessidades e cultura desenvolvida em torno desse modelo.

    Trata-se, portanto, de um modelo inacabado e, portanto, apto a acolher parti-cularidades que lhe assegurem melhor desempenho e nveis mais elevados de efi-cincia, sem ocasionar o seu afastamento dos seus objetivos e de sua essncia queo identifica como tcnica de organizao do Estado em clima democrtico.

    Resultado dessa realidade, porm, o federalismo se apresenta como umatcnica exigente. No ser qualquer formulao a satisfazer a cultura do federalis-mo, um desenho institucional direcionado a evitar a tirania sem obstaculizar agovernabilidade.19 O modelo, para fazer jus a essa cultura, deve atender a requisi-tos bsicos e reclamos diretamente vinculados s perspectivas democrticas. E,nessa esteira, emerge como primeira condio a ser observada na formatao dopadro federativo o princpio da segurana jurdica, que encontra no instituto dojudicial review a sua expresso maior de garantia.

    4. Quem decide?

    O Federalismo na sua matriz originria, a partir da idia desenvolvida pelosFounding Fathers, repousa sobre elementos de duas diferentes categorias: unidadee disjuno (inerente noo de federao).20 E, nesse espao bifacial que oacomoda, atua impulsionado por um sistema constitucional dual (a ConstituioTotal e as Constituies das unidades federadas) que vem se alinhar a uma dupla

    1 7 Sob este aspecto, ver KRAMER, Larry. Understanding federalism. In: Vanderbilt law review , 47, 1994. p. 1485-1561.1 8 Idem.1 9 ELAZAR, Daniel. Exploring federalism. Alabama: University of Alabama Press, 1987. p. 292 0 SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. So Paulo: Malheiros Editora, 2000.

    ...........................................................................................................................

    Sem ttulo-5 24/3/2003, 12:2737

  • REVISTADIREITO MACKENZIE NMERO 2 ANO 1

    38

    FEDERALISMO INCOMPLETO

    garantia de direitos fundamentais, fator amplamente reconhecido pelos tericos epela jurisprudncia.21 Esse ambiente dual, prprio do federalismo, porm, implicaem srias dificuldades na aplicao prtica do esboo federalista constitucional.22

    No basta a perspectiva constitucional, ainda que preconizando um adequadoequilbrio entre o Poder Central e os Poderes dos Estados-Membros. Impe-se umbalanceamento claro e preciso dos plos decisionais (Poder Central e Poderes Perif-ricos), exatamente com o escopo de evitar o conflito ou o exorbitante e excessivo climade rivalidade, o qual poder conduzir a rupturas sociais; o objetivo perseguido, em ver-dade, e deve ser a viabilizao do desenvolvimento social e o adequado cumpri-mento das funes sociais, num ambiente de tranqilidade e de segurana.

    Dvidas no restam de que, sob esse peculiar prisma, a questo atinente dis-tribuio de competncias assume papel de extrema relevncia nos panoramas federa-tivos. que, destaca com a propriedade que lhe peculiar Raul Machado Horta: Aautonomia do Estado-Membro sofre o condicionamento da repartio de competn-cias.23 De fato, nesse escaninho que repousam os tpicos de maior polmica e com-plexidade e, independentemente do arranjo esculpido, da elevada tcnica e sofistica-o empregadas, a tnica perseverante da engrenagem federativa continua perquirin-do a quem e sobre que tipo de matria deve ser outorgado o poder de deciso.

    Apenas, a ttulo ilustrativo, convm lembrar a extica partilha de competnciasoferecida Federao brasileira pelos constituintes de 1988, escultura que, nomagistrio de Raul Machado Horta introduziu o federalismo brasileiro... no grupointegrado pelo federalismo canadense, austraco, alemo e indiano, ....24 Nessesnovos moldes,

    ...sem prejuzo dos poderes soberanos e nacionais da Unio, que foram acrescidoscom expressivas atribuies novas, criou o domnio autnomo da legislao concor-rente, abastecido com matrias prprias, e no com matrias deslocadas da compe-tncia legislativa exclusiva da Unio....25 (grifo nosso)

    A engenhosa tcnica da partilha concorrente, contudo, foi insuficiente para acalmar asperspectivas das unidades perifricas (dos Estados-Membros), como, tambm, a tradi-cional tendncia centralizadora da autoridade federal, ensejando um repertrio de dvi-das e debates a alcanar relevantes pontos da esfera das competncias que forampartilhadas na verticalidade, abrindo uma significativa brecha insegurana jurdica.

    Nesse contexto vale lembrar as questes suscitadas em So Paulo sobre ofumo e o conhecido caso dos denominados marronzinhos, ou seja agentes defiscalizao do trnsito no Municpio de So Paulo, cuja competncia para autuar

    2 1 Ver nesse sentido o memorvel caso Garcia versus San Antonio Metropolitan Transit Authority 469 US 258 (1985), Giustizia costituzionalee diritti delluomo negli Sati Uniti I giudici Warren e Burger, a cura di Jeffrey Greenbaum, Milo, Giuffr, 1992.

    2 2 As dificuldades na preservao do federalismo e no aperfeioamento desse sistema, na histria norte-americana, so apresentadas tantono trabalho de Ellis Katz, op. cit., sup., como tambm no estudo produzido por Michel P. Zuckert, op. cit., sup.

    2 3 HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito constitucional . Belo Horizonte: Del Rey, 1995.24 Idem. p. 407.25 Idem. p. 405.

    ...........................................................................................................................

    Sem ttulo-5 24/3/2003, 12:2738

  • 39

    REVISTADIREITO MACKENZIE NMERO 2 ANO 1

    FEDERALISMO INCOMPLETO

    foi contestada com base no entendimento de que a atribuio de aplicar multas foraatribuda ao Estado e no ao poder local.

    De fato, na hiptese tabagista (proibio do fumar cigarros em lugares pbli-cos), as trs esferas governamentais federal, estadual e municipal houveram porbem utilizar da mesma competncia (regulao do fumo em recintos pblicos), pas-sando a produzir normas legais disciplinando a matria. Num primeiro momento, oMunicpio de So Paulo que editou a Lei n 10.862, de 4 de julho de 1990, aprimo-rando um quadro normativo j em desenvolvimento na comuna.26 Em 1995, foi pro-mulgada a Lei estadual n 9.178, de 17 de novembro, disciplinando a mesma matria,com nuanas diferenciadas da legislao municipal vigente. E, em 1996, a Lei 9.294,de 15 de julho, produzida em esfera federal, pretendendo dispor sobre as restriesao uso e propaganda de produtos fumgeros, acabou por introduzir uma nova regu-lamentao incidente sobre a questo fumo em locais pblicos. O quadro, sob trpliceregulamentao, passou a servir de palco a uma acirrada disputa judicial: a que leideveriam obedecer os estabelecimentos comerciais, restaurantes e bares e osmuncipes? lei municipal? (a competncia seria municipal por pertinente ao interes-se local, consubstanciado em providncias de polcia sanitria?); estadual? (a tare-fa de disciplinar a questo tabagista estaria inserida no crculo de competncias doEstado-Membro?); ou, ainda, federal (competncia que estaria sendo exercida comsuperfcie no disposto no 4 do art. 220 da Constituio Federal, que atribui aolegislador federal a tarefa de dispor sobre a propaganda comercial de tabaco, bebidasalcolicas etc.?). Ainda no solucionada a divergncia jurdica pelos nossos Tribu-nais, as trs leis continuam em vigor nenhuma, porm, contando com o respeito eatendimento da comunidade. Em especial, no Municpio de So Paulo, cada estabe-lecimento fixando as suas regras internas, at em razo da ausncia de fiscalizaoeficaz e, portanto, das respectivas sanes.

    A seu turno, confuso o espectro a albergar o, tambm paulistano, tema dos rotu-lados marronzinhos, envolvendo os agentes de fiscalizao de trnsito, dos quadrosdo Municpio de So Paulo. A problemtica nessa esfera gira em torno da competnciaatinente ao lanamento e arrecadao de multas de trnsito estaria inserida no rol deatribuies da esfera estadual ou municipal? Como frisado, em deciso emanada daTerceira Cmara de Direito Pblico do Egrgio Tribunal de Justia de So Paulo:

    Trata-se, evidentemente, de competncia concorrente. Como decorrncia, entregou-se-lhe (ao municpio) por deferimento constitucional, estabelecer poltica de educaopara a segurana do trnsito....27

    A matria j deu margem em 1996 a um clima de pr-caos no Municpio, quandoo Tribunal de Justia Pleno, de So Paulo, na ADIn 16.330-0/8, de 08/05/96, decla-rou a inconstitucionalidade da atuao fiscalizatria a cargo j mencionados

    26 Ver Leis ns. 8.421/76, 9.120/80, 9.146/80, 11.404/93, 11.467/94, 11.657/94.27 Acrdo proferido em Apelao Cvel n 044.465-5/1-00, em 1/9/1998.

    ...........................................................................................................................

    Sem ttulo-5 24/3/2003, 12:2739

  • REVISTADIREITO MACKENZIE NMERO 2 ANO 1

    40

    FEDERALISMO INCOMPLETO

    marronzinhos (autuaes lanadas por tais agentes e a respectiva arrecadao),deciso cujos efeitos foram suspensos por fora de medida recursal interposta eainda pendente de julgamento final. Hoje, no entanto, essa questo encontra-se decerta forma amortecida por fora de dispositivo inserido no novo Cdigo de TrnsitoBrasileiro (art. 24, VI), que aclara o quadro, atribuindo aos rgos e entidades exe-cutivas de trnsito dos municpios a atribuio de: executar a fiscalizao de trn-sito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabveis, por infraes de circula-o, estacionamento e parada previstas neste Cdigo, no exerccio regular do Po-der de Polcia de Trnsito.

    E, mais ainda, decorrente dessa tcnica de partilha vertical de competncias,que, por vezes atropela a distribuio horizontal (que autua atribuindo s diferentesesferas atribuies exclusivas, reservadas), emerge a postura contestatria em facedo disposto no 13, do art. 40, da Constituio Federal (acrescido pela EC n 20, de15 de dezembro de 1998) que serve de base s Portarias n 4.882, 4 884, de 16/12/98e a de n 4992, de 5/2/1999, todas do Ministrio da Previdncia e Assistncia Social.

    Estas exigem dos municpios a contribuio social, ignorando a autonomiamunicipal que lhes assegura a possibilidade de instituir sistema de previdncia eassistncia social prprio em relao a seus servidores, fato reconhecido e robuste-cido por deciso proferida no mbito do Mandado de Segurana (proc.1999.61.00.016274-4), em curso na 10a - Vara da Justia Federal, onde resta assen-te a autonomia do municpio no tocante ao estabelecimento do regime previdencirioe de assistncia social de seus servidores, desautorizando a ingerncia federal.

    No nos parece, pois, que a sofisticada partilha de competncias, resultanteda verticalizao, tenha oferecido adequado suporte e soluo pergunta que seformula: quem decide?

    O quadro, inobstante as 27 emendas introduzidas na Lei Fundamental pro-mulgada em 1988, no mudou. Continua vlida, assim, a recomendao que o Se-nador Lcio Alcntara lana em artigo publicado na Revista Brasileira de EstudosPolticos, n 85, de julho de 1997, onde reclama como necessria: a definio claradas competncias e encargos desses entes federativos, de molde a que no restemdvidas acerca do que lhes cabe....28

    E mais, denota, entre ns, a persistente presena de trauma antigo, j iden-tificado pela historiadora Aspsia Camargo, reflexo direto da formao do federalis-mo domstico de cima para baixo. Isto, explica a ilustre pesquisadora, implica nacontinuidade e manuteno de um modelo defeituoso, que ela denomina de pactopatrimonial, ...baseado na cumplicidade promscua entre o poder pblico centraliza-do, e o poder privado de origem local, o que impede a real concretizao da auto-nomia das unidades federadas, por mais sofisticada que venha a se afigurar a tc-nica utilizada para a repartio das competncias.

    28 ALCNTARA, Lcio. Olhando para o futuro. Perspectivas para o sistema federalista brasileiro. Revista de Estudos Polticos, n. 85, p. 89, jul.1997.

    ...........................................................................................................................

    Sem ttulo-5 24/3/2003, 12:2740

  • 41

    REVISTADIREITO MACKENZIE NMERO 2 ANO 1

    FEDERALISMO INCOMPLETO

    De qualquer forma, o prprio carter difuso, peculiar verticalizao em-pregada na partilha de competncias pela Carta de 1988, enseja a abertura derelevantes brechas ingerncias e, notadamente, interferncia do Poder Cen-tral, inserindo srios riscos no tocante ao standard da segurana jurdica, introdu-zindo um clima de incerteza. Ademais autoriza, a nosso ver, uma flagrante burlado princpio federativo, preordenando uma ao centralizadora a reconduzir aomodelo federalista de integrao, que dominou o espectro federal brasileiro porquase trs dcadas.

    Nessa linha a recomendao do aperfeioamento do mecanismo operativoda federao, com vistas, sempre, ao atendimento e prestgio da segurana jurdi-ca, princpio que exsurge na atualidade, ganhando planos cada vez de maior noto-riedade um standard de construo avantajada que, numa trajetria evolutiva,busca reforar a idia de Estado de Direito, dirigindo-se tanto ao legislador, como,tambm, ao executor da lei e ao seu intrprete.

    2 9 Professor da Universidade de Paris I, Panthon Sorbonne.3 0 Constitution et Securit Juridique, relatrio apresentado na Xve Table Ronde Internationale, Aix en Provence, setembro de 1999, pelo

    Prof. Bertrand Mathieu, da Universidade de Paris I, Panthon Sorbonne, com o auxlio de Anne Laure Velembois, monitora da Faculdade deDireito e de Cincias Polticas de Dijon.

    3 1 O princpio da segurana jurdica foi reconhecido como princpio geral de direito no mbito do Direito Comunitrio, por fora de decisoproferida pela Corte de Justia das Comunidades Europias em 1961.

    ...........................................................................................................................

    5. O princpio da segurana jurdica

    Produzido em esfera germnica, onde se encontra constitucionalmente pro-tegido, o princpio da segurana jurdica rapidamente conquistou a simpatia da dou-trina e da jurisprudncia no panorama europeu. Na Frana, como remarca BertrandMathieu,29 esse cnone se instala como reflexo do direito comunitrio em expansoe, embora ainda no tenha sido contemplado de forma expressa em nvel constitu-cional, vai se robustecendo ganhando espao prprio em textos legais, no mbitoda doutrina e da jurisprudncia. Um de seus primordiais atributos vem a se configu-rar na sua vocao ao reforo, entendido como necessrio, da proteo dos direitosfundamentais. E, nesse sentido, adverte C. Autexier (Introduction Au Droit Allemand.Paris: PUF, 1997, n. 93), superado o sistema assente no respeito e atendimentoda hierarquia das normas jurdicas para autorizar e exigir o exame do contedodessas normas.

    Sob essa peculiar faceta, o princpio da segurana jurdica passa a seconsubstanciar em indicador de qualidade do direito, conduzindo Bertrand Mathieu aexplicitar A segurana jurdica exprime, pois, um certo nmero de exigncias as quaisdeve atender o direito enquanto instrumento. Ela condiciona a realizao da proemi-nncia do direito.30 Amplamente acolhido no direito comunitrio, o princpio da segu-rana jurdica31 repousa sobre a idia do prvio conhecimento da lei e do tratamento aoqual essa ser submetida na sua aplicao. Na realidade, concebido como um estgio

    Sem ttulo-5 24/3/2003, 12:2741

  • REVISTADIREITO MACKENZIE NMERO 2 ANO 1

    42

    FEDERALISMO INCOMPLETO

    3 2 Cf. Prof. Bertrand Mathieu, Constitution et Securit Juridique, relatrio apresentado na Xve Table Ronde Internationale, Aix en Provence,setembro de 1999.

    33 J h referncias legais ao princpio da segurana jurdica, a exemplo dos dois recentes textos que cuidam do processo e julgamento daao direta de declarao de inconstitucionalidade e declaratria de constitucionalidade (Lei n 9.868, de 10/11/1999) e daquela atinente aoprocesso e julgamento da argio de descumprimento de preceito fundamental (Lei n 9.882, de 3/12/1999).

    34 Formulao apresentada pelo professor Bertrand Mathieu na Xve Table Ronde Internationale, realizada em Aix en Provence, em setembrode 1999.

    35 A expresso inglesa para o princpio da confiana legtima legitimate expectation reveladora do contedo desse cnone, impondo aidia da manuteno da ordem jurdica e das situaes juridicamente definidas por essa ordem.

    Esse standard, que implica na proteo da confiana jurdica, foi inserido de forma implcita na ordem jurdica da Comunidade Europiapela deciso da Comisso Conseil de 5/6/1973, confirmada de modo expresso pela deciso Tpfer, de 3/5/1978, onde restou assente quea ignorncia dessa mxima constitui violao de tratado ou de qualquer regra de direito no tocante a sua aplicao. In: Recueil de JurisprudenceConstitutionnelle, p. 575 e 1019.

    ...........................................................................................................................

    avanado do standard Estado de Direito, esse princpio assume contornos de principefdrateur.32 Por isso que poder-se-ia afirmar que o cnone se apresenta comomacroprincpio ainda que no positivado a nvel constitucional 33 a alojar no seu bojouma srie de outros princpios, a exemplo da irretroatividade, da proteo dos direitosadquiridos, da confiana legtima, da legalidade ou da qualidade da lei.

    Interessante, ainda, o arranjo estrutural desses princpios considerados, natica do Prof. Mathieu, como elementos componentes da segurana jurdica, vis-lumbrando a possibilidade de distingui-los em duas diferentes categorias.

    Com efeito, no desenho produzido por Mathieu, todos esses princpios inte-gram e esto presentes na esfera de incidncia da segurana jurdica, a essevinculando-se por uma forte, porm, diferenciada ligadura. Alguns tm sua interfacecom esse cnone, de maior amplitude, assegurada por sua vocao ao combateda insegurana e da incerteza que podem atingir a norma jurdica tanto no seuaspecto formal quanto no que toca a seus requisitos de fundo. Outros, contudo,aproximam-se da segurana jurdica, complementando-a em sua formatao, pelapredisposio de contornar e evitar incertezas decorrentes da aplicao do direitono tempo.

    Nessa visualizao, portanto, o analista viria a se deparar, de um lado, comos princpios direcionados exigncia de qualidade do direito e, de outro, com osatinentes imposio de previsibilidade do direito, na seguinte configurao:

    O princpio da segurana jurdica34

    Princpios atinentes Princpios atinentes exigncia dequalidade do direito previsibilidade do direito

    1. Princpio da claridade da lei 1. Princpio da irretroatividade2. Princpio da acessibilidade 2. Princpio da proteo dos direitos3. Princpio da eficcia4. Princpio da efetividade 3. Princpio da confiana legtima35

    4. Princpio da estabilidade das

    adquiridos

    relaes contratuais

    Sem ttulo-5 24/3/2003, 12:2742

  • 43

    REVISTADIREITO MACKENZIE NMERO 2 ANO 1

    FEDERALISMO INCOMPLETO

    Nesse panorama, pois, no s a qualidade do direito, a autorizar um controlesobre os elementos estruturais da lei, assume contornos de exigncia constitucio-nal, mas, a seu turno, a questo da previsibilidade e da confiana de que deve sermerecedor o legislador passam a assumir o status de elementos imprescindveispara a correta anlise da conformizao de ato ou norma do Poder Pblico aospreceitos maiores da Constituio. Isto no sentido de extirpar a ao corrosiva dolea e garantir um ambiente de segurana jurdica.

    Nesse panorama, o controle de constitucionalidade passa a traduzir a aplicaodireta da segurana jurdica e, conseqentemente, do tratamento que outorgado queletema que vai depender o adequado atendimento do standard da segurana jurdica.

    Em verdade, a idia da necessidade de um sistema prprio de vigilncia sobrea produo normativa e sobre condutas praticadas pelos detentores do poder, nosentido de assegurar a sua conformizao aos cnones maiores do Estatuto Funda-mental, j se encontra assente nos ordenamentos jurdicos de todas as partes. Evo-luindo, com celeridade, a partir do memorvel pronunciamento do Juiz Marshall,36 em1803, hoje, h consenso, quase que pacfico, de que no basta que a Constituiooutorgue garantias; tem, por seu turno, de ser garantida., como afirma Jorge Miranda.37

    E, sob este aspecto, caber ao rgo encarregado desse controle ao PoderJudicirio entre ns preservar o federalismo, um modelo dotado de plasticidade,porm atento e respeitoso no que toca ao cnone da segurana jurdica; o federalis-mo entendido como um autntico princpio constitucional.

    6. Concluses

    A estrutura federativa no panorama domstico, na sua linha histrica evolutiva,passou por diversas e diferentes fases, cada qual sofrendo diretamente os reflexosda vontade poltica, da ideologia e da conjuntura econmica que a essa era subjacente.Longo o rol de vicissitudes. Inmeras, tambm, as tentativas de aprimoramento, nosentido de adaptar um modelo que as antigas provncias (hoje unidades federadas/Estados-Membros) receberam como uma ddiva que no lhes custou o menor esfor-o38 s reais exigncias da tnica federativa e s efetivas necessidades de umacomunidade de imenso territrio e de diferentes peculiaridades regionais.

    Sobreviveu o sistema, exatamente, em razo de sua plasticidade, de suacapacidade de enfrentar adversidades e, ainda assim, em climas antagnicos, ofere-

    3 6 clebre hoje o caso Marbury x Madison, no mbito do qual o Chief Justice Marshall da Suprema Corte norte-americana lanou para omundo a tese do controle de constitucionalidade das leis, frisando: se uma lei est em oposio Constituio; se ambas, a Lei e aConstituio se aplicam a um caso particular, devendo o tribunal decidir o caso, ou conforme a Lei e deixando de lado a Constituio, ouconforme a Constituio e deixando de lado a Lei, deve determinar qual de ditas regras em conflito rege o caso. Isto da real essncia dodever judicial. Se ento os Tribunais do prevalncia Constituio e a Constituio superior a todo ato ordinrio da legislatura, aConstituio e no aquela lei ordinria deve reger o caso no qual ambas se aplicam. Portanto, os que controvertem o princpio de que aConstituio deve ser considerada pelo Tribunal como uma lei suprema, se vem constrangidos pela necessidade de sustentar que ostribunais devem fechar os olhos Constituio e ver somente a lei. Esta doutrina subverteria o real fundamento de todas as constituiesescritas.

    3 7 MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Coimbra: Coimbra Editora, 1996. p. 76-7738 Cf. BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Novos rumos do federalismo. Revista Brasileira de Estudos Polticos, n. 56, p. 125, jan. 1983.

    ...........................................................................................................................

    Sem ttulo-5 24/3/2003, 12:2743

  • 39 Idem. p. 98.

    cer vantagens, na qualidade de sistema de organizao estatal, preservao daidentidade e dos interesses das unidades federadas, bem como no que tange tutela dos direitos fundamentais.

    Consolidou-se o federalismo. Ao longo desse processo de consagrao, noentanto, restou evidente que o federalismo continua sendo um sistema exigente e,portanto, para a boa prtica, impe a observncia de duas leis fundamentais, con-forme magistrio de Jos Alfredo de Oliveira Baracho:

    a) a Lei da Autonomia: coletividades territoriais distintas do Estado centraltm (devem ter) sua prpria estrutura governamental e competncias, quedependem de situaes e particularidades prprias a cada Estado;

    b) A Lei da participao: essas coletividades participam por seus delegadosna vida dos rgos federais centrais.39

    nessa esteira que nos permitimos concluir:

    1. No h como evoluir no aperfeioamento do sistema federativo sem atingirum desenho adequado quanto partilha de competncias, de molde adefinir com preciso os diferentes planos decisrios. A questo atinente aquem decide avulta como o ncleo central a servir de base a uma equilibra-da e operativa distribuio de atribuies, evitando o conflito e principal-mente a marginalizao da autonomia dos Estados-Membros.

    2. temtica relativa atribuio de competncias vem se alinhar a questoparticipativa das unidades federadas junto ao plo central de deciso. E,irretrucvel se afigura o fato de que qualquer desequilbrio verificado nosistema de participao das unidades federadas junto ao Poder centralimplica no conseqente desequilbrio na repartio das competncias,maculando o princpio federativo por investir diretamente sobre o seu me-canismo operativo.

    3. Para o regular funcionamento do federalismo necessrio no somente umadequado sistema de partilha e um eficaz mecanismo a garantir a expectati-va de participao; impe-se, hoje, a observncia do princpio da seguranajurdica, voltado tanto para o legislador como, tambm, para o administrador o aplicador da lei e/ou seu intrprete. Um cnone a demandar: a claridadeda norma, a acessibilidade, a sua eficcia e a previsibilidade, sendo estaltima imposio consectrio natural do princpio da confiana legtima, oqual, afinal deve comandar o arranjo institucional do federalismo.

    4. E isto, ainda se apresentaria como uma receita incompleta na busca de no-vos caminhos para o aprimoramento do modelo de Estado Federal, se cons-tatada a ausncia de um forte e robusto sistema de controle da eficcia dosstandards maiores do federalismo, por intermdio de uma adequada fiscali-zao quanto ao respeito e endendimento da norma constitucional.

    ...........................................................................................................................

    Sem ttulo-5 24/3/2003, 12:2744