Federalismo Oligarquico Brasileiro Uma revisão da política do Café com Leite

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    O FEDERALI SMO OLI GRQUICO BRASI LEI RO: UMA REVI S O DA

    POLTICA DO CAF-COM-LEITE1

    Cludia Maria Ribeiro Viscardi2

    A tese da poltica do caf-com-leite uma das mais consolidadas pela

    historiografia brasileira, construda em torno da discusso do Estado Oligrquico

    (1889-1930). A tarefa de contestar uma representao to aceita no foi fcil. Tentarei

    nessas breves linhas resumir uma longa argumentao, baseada no levantamento e

    anlise de um corpo terico-documental bastante expressivo, com o intuito de provocar

    e fomentar rediscusses acerca deste importante perodo da Histria do Brasil.

    Nos ltimos vinte anos, a Repblica Velha Brasileira passou por importantes

    revises historiogrficas.3A marca essencial de tal renovao consistiu na releitura da

    tese, at ento dominante, de que o Estado Republicano fora refm dos interesses

    corporativos dos cafeicultores, propondo e executando medidas de seu exclusivo

    interesse. A partir das contribuies de economistas e historiadores da economia, foi

    possvel relativizar o carter explicativo desta tese, ao perceber-se que, na maior parte

    do perodo, as elites polticas brasileiras estabeleceram polticas monetria, creditcia e

    cambial que no vinham necessariamente ao encontro das expectativas dos setores

    cafeeiros. Ao contrrio, a opo pela ortodoxia financeira ou pelo atrelamento da moeda

    nacional ao padro-ouro foram medidas muitas vezes prejudiciais aos cafeicultores,

    contando, em alguns momentos, com sua forte oposio.

    Foram os historiadores citados que reivindicaram uma explicao no campo

    da poltica para a concluso a que chegaram. Tal explicao no tardou. Um conjunto

    expressivo de trabalhos, fundamentados em fontes de carter bastante diferenciado e

    tendo como foco diferentes regies brasileiras, fizeram uma nova reflexo acerca do

    1 Este artigo foi publicado originalmente em Anuario Iehs 16 (2001), Argentinahttp://www.unicen.edu.ar/anuarioiehs/ind1601.htm2Doutora em Histria Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professora Titulardo Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal de Juiz de Fora - MinasGeraisBrasil. E-mail:[email protected] Aqui nos referimos, entre outros a: FRISTCH, Winston. External constraints on economic

    policy in Brazil, 1889-1930. Hong Kong, University of Pittsburgh Press, 1988; TOPIK, Steven.A presena do estado na economia poltica do Brasil de 1889 a 1930. Rio de Janeiro: Record,1989.

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    Estado Republicano, a partir do estudo de suas elites regionais.4 Algumas concluses

    derivaram de tais trabalhos, a saber:

    1) Muito embora os setores relacionados direta ou indiretamente exportao

    do caf fossem politicamente hegemnicos, oligarquias ditas de segunda ou

    terceira grandeza (elites fluminenses, gachas, baianas, etc.) tiveram

    importncia significativa nos processos de deciso poltica em curso;

    2) Muito embora a aliana entre Minas e So Paulo tenha sido hegemnica, ela

    no impediu a construo de eixos alternativos de poder por parte de outros

    setores a ela no vinculados;

    3) A despeito do Estado Nacional ter a sua sustentao vinculada ao contnuo

    fluxo de capital estrangeiro para o pas - cujo principal meio era a exportao

    do caf - a poltica econmica implantada visava tambm garantir a

    estabilidade das finanas pblicas e o atendimento a compromissos

    financeiros junto aos credores internacionais, o que muitas vezes fez com que

    os interesses corporativos dos cafeicultores fossem contrariados;

    4) O estudo da aliana Minas-So Paulo precisava ser revisto para que uma

    melhor compreenso do perodo pudesse advir.

    Incorporando as concluses acima esboadas e tomando a quarta delas como um

    desafio, empreendemos uma pesquisa que constou da anlise da rica documentao que

    compe os arquivos privados da elite brasileira. Foram consultados onze arquivos

    privados, compostos de correspondncias, recortes de imprensa, relatrios, discursos,

    plataformas eleitorais e etc.5

    Entre os estados-atores priorizou-se o estudo de uma das unidades federadas, a

    de Minas Gerais, por trs razes. Primeira, por ter sido Minas a unidade que mais se

    4Aqui nos referimos principalmente a: KUGELMAS, Eduardo. Difcil hegemonia:um estudosobre So Paulo na primeira repblica. So Paulo: tese de doutorado, USP, 1986; ENDERS,Armelle. Pouvoirs et federalisme au Bresil (1889-1930). Paris IV, Sorbonne, 1993. Tese;FERREIRA, Marieta M. Em busca da Idade do Ouro. Rio de Janeiro: UFRJ, 1994;PERESSINOTTO, Renato M. Estado e capital cafeeiro: burocracia e interesse de classe naconduo da poltica econmica (1889/1930). Campinas: Unicamp, 1997-tese; MENDONA,Snia R. de. O ruralismo brasileiro(1888-1931). So Paulo: Hucitec, 1997.5 Foram pesquisadas as seguintes colees: Afonso Pena e Afonso Pena Jnior (ArquivoNacional); Wenceslau Brs, Raul Soares e Ribeiro Junqueira (Arquivo do CPDOC- Fundao

    Getlio Vargas); Rui Barbosa (Arquivo da Fundao Casa de Rui Barbosa); Rodrigues Alves eEpitcio Pessoa (Arquivo do Instituto Histrico-Geogrfico Brasileiro); Arthur Bernardes eJoo Pinheiro (Arquivo Pblico Mineiro); Jlio Bueno Brando (Correspondncias reproduzidas

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    apropriou do aparelho burocrtico estatal ao longo do perodo. Segundo, por ter sido o

    estado o segundo maior exportador de caf, superado apenas por So Paulo. Terceiro,

    por ter sido Minas Gerais um dos parceiros da aliana que, por pressuposto, dominava o

    regime oligrquico brasileiro, a qual se intencionava contestar.

    Ao contestar a existncia de uma abordagem, que para a quase totalidade dos

    historiadores, serviu de fundamento estabilidade do regime poltico da Primeira

    Repblica, qual seja, o da aliana mineiro-paulista, tornou-se imprescindvel apresentar

    um novo arranjo alternativo, que tenha conferido ao sistema, um grau mnimo de

    funcionalidade.

    Assim nossa hiptese central em relao ao modelo poltico que vigorou durante

    a Repblica Velha brasileira que ele teve a sua estabilidade garantida pela

    instabilidade das alianas entre os estados politicamente mais importantes da Federao,

    impedindo-se, a um s tempo, que a hegemonia de uns fosse perpetuada e que a

    excluso de outros fosse definitiva. Tal instabilidade pde conter rupturas internas, sem

    que o modelo poltico fosse ameaado, at o limite em que as principais bases de

    sustentao deste modelo deixaram de existir, ocasionando a sua capitulao.

    Considerando as sucesses presidenciais como episdios recorrentes de

    desconstruo e reconstruo de alianas polticas, travadas entre os atores

    hegemnicos, na identificao dos princpios recorrentes que nortearam estes eventos,

    foi possvel encontrar-se a lgica responsvel pela estabilizao do regime.

    Conclumos que os princpios estabilizadores do regime em vigor foram

    definidos por ocasio da sucesso de Rodrigues Alves (1906) e mantiveram-se ao longo

    dos processos sucessrios posteriores. O incio de seu progressivo esgotamento se deu a

    partir da dcada de vinte. Seu desgaste final, ao longo da dcada de trinta. Vamos a eles.

    1) O Modelo Poltico-Oligrquico

    A abordagem alternativa proposta constituda de trs princpios norteadores, a

    saber: a) os atores polticos republicanos so desiguais e hierarquizados entre si; b)

    existe uma renovao parcial entre os atores, rejeitando-se atitudes monoplicas; c) as

    razes da dissoluo do regime se encontram na sua incapacidade de manter as bases da

    hierarquia e de preservar a sua parcial renovao.

    e imprensas no livro: CASASANTA, Guerino. Correspondncia de Bueno Brando. BeloHorizonte: Imprensa Oficial, 1958.).

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    a) Primeiro Princpio Norteador:

    A estabilidade do regime republicano baseou-se, sobretudo, na garantia de que

    seu elemento motor estivesse nas mos das oligarquias regionais, cujo peso poltico era

    diretamente proporcional ao tamanho de suas bancadas e as suas potencialidades

    econmicas. Tal modelo de deciso poltica fundamentava-se na reduo das

    possibilidades de competio, reduzindo os marcos do mercado poltico, a uma disputa

    entre atores mais e menos iguais.

    O formato foi se definindo ao longo do regime, at atingir nveis de estabilizao

    compatveis com as aspiraes de seus novos condutores. A primeira medida

    implementada, quando do estabelecimento da Repblica, foi garantir a excluso da

    participao dos setores populares, pelo estabelecimento normativo do voto

    alfabetizado e pela criao de meios que possibilitassem a fraude eleitoral,

    reduzindo-se drasticamente a competitividade entre os atores. A segunda medida foi a

    manuteno dos critrios de recrutamento poltico predominantes na poltica brasileira.

    Minas Gerais compe um modelo exemplar desta prerrogativa. Para fazer parte da elite

    poltica mineira eram necessrios os seguintes requisitos: ser do gnero masculino, ser

    branco, ter curso superior, ter laos de parentesco com outros membros da elite e ser

    originrio de uma das regies politicamente importantes do estado. 6

    O princpio da distribuio desigual do poder entre os diferentes estados da

    Federao fazia com que eles se diferenciassem, no s pelo tamanho de suas bancadas,

    mas tambm pelo grau de autonomia econmica em relao aos cofres da Unio. Assim,

    os grandes estados eram os que possuam associadamente bancadas numerosas e

    economias relativamente auto-suficientes; os mdios, os que possuam um dos dois

    elementos; e os pequenos os que no possuam nenhum deles. O grau de participao decada estado nos processos de deciso era proporcional ao seu tamanho.

    A conformao republicana herdou do Imprio a separao entre provncias

    menos e mais importantes. Coube Repblica, atravs da Constituio de 1891,

    sedimentar esta diviso e redistribuir o poder, segundo critrios mais modernos.7

    6A este respeito ver: WIRTH, John. O fiel da balana: Minas Gerais na federao brasileira

    (1889-1937). Rio de Janeiro: Paz e terra, 1982, captulo 5.7 BARRIGUELLI, Jos Cludio (org) O pensamento poltico da classe dominante paulista:1873/1928. UFSCAR, Arquivo de Histria Contempornea, 1986.

    Os atores polticos republ icanos so desiguai s e hierarqui zados entre si.

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    Pelo quadro abaixo pode-se perceber o crescimento das principais bancadas,

    decorrido da transio do Imprio para a Repblica:

    Percentual de Representao do Crescimento de Deputados na Transio do Imprio para a

    Repblica

    ESTADO N0

    DEP.IMPRIO% N0

    DEP.REPBLICA% RELA O

    IMPRIO/REPBLICA

    So Paulo 9 7,37 22 10,52 + 3,15

    Rio Grande 6 4,91 16 7,65 + 2,74

    Minas Gerais 20 16,39 37 17,7 + 1,31

    Bahia 14 11,47 22 10,52 - 0,95

    Rio de Janeiro 12 9,83 17 8,13 - 1,7

    Pernambuco 13 10,65 17 8,13 - 2,52

    TOTAL 74 60,62 131 62,65 + 2,03

    FONTE: Montagem com dados colhidos em: VIEIRA, Evantina Pereira. Economia cafeeira eprocesso poltico: transformaes na populao eleitoral da zona da mata mineira(1850-1889). Curitiba: UFPR, 1978, dissertao, anexo 1 e ABRANCHES, Dunshee.Governos e congressos da repblica: 1889-1917, M. Abranches, Rio de Janeiro: 1918,volume 1.

    Nota-se que, muito embora os grandes estados tenham tido crescimento em

    nmeros absolutos, nem todos o tiveram em termos relativos. Pela ordem, So Paulo foi

    o estado que mais lucrou, em termos de representao nacional com o novo regime,

    seguido pelo Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Os outros trs estados elencados

    tiveram a sua representao diminuda aps a Repblica. Nota-se que os estados que

    tiveram movimentos republicanos mais consistentes foram os melhor aquinhoados com

    a vitria. Apesar dos mdios estados terem tido sua representao diminuda, os seis em

    conjunto compunham mais de 60% do Congresso e ampliaram o seu percentual de

    representao na Repblica, em relao ao perodo imperial em 2,03%.

    A partir desta nova distribuio de bancadas por estados, a Repblica definiu

    quais estados-atores desempenhariam um papel de relevo sobre a nova ordem poltica.

    Muito embora no tenham se operado mudanas muito radicais, o nvel de autonomia

    concedido aos estados, aliado s mudanas nos critrios de representao poltica

    parlamentar, erigiram um sistema federalista cuja principal marca foi a rejeio da

    isonomia entre as unidades federadas.

    Os grandes estados travavam relaes de cooptao poltica em relao aos

    pequenos. Conhecido foi na Repblica o controle exercido pelo Rio Grande do Sul

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    sobre os estados de sua regio e do Nordeste. O mesmo pode ser dito das relaes entre

    Minas e o Esprito Santo. E das tentativas de exerccio de hegemonia de Pernambuco

    sobre a Paraba e sobre os demais estados nordestinos.

    Entre os atores polticos mais destacados estava tambm o Estado Nacional,

    majoritariamente representado pelo Legislativo e pelo Executivo (Catete). O Legislativo

    Federal retinha uma parcela considervel de hegemonia sobre o regime. Tal hegemonia

    se ampliava em duas ocasies. Nos perodos em que os processos sucessrios

    coincidiam com o de reconhecimento de poderes e naqueles em que o Catete se

    encontrava fragilizado, ou seja, quando no tinha atrs de si, uma oligarquia regional de

    peso que o sustentasse. Em ambos os casos, o Parlamento ampliava a sua margem de

    soberania, passando a ser o seu controle disputado arduamente pelos principais atores

    polticos.

    O Executivo Federal detinha tambm uma parcela desta hegemonia. No era

    mero instrumento nas mos das oligarquias estaduais. Nos processos sucessrios a

    interveno do Catete era fundamental. Tinha poder de veto sobre os nomes. Tinha

    poder de interveno sobre o Parlamento de forma a garantir a sustentao ou a rejeio

    de candidatos. Steven Topik afirma que em funo das recorrentes discordncias entre

    os trs grandes estados (So Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), o espao de

    autonomia do Estado Nacional ampliou-se consideravelmente.8

    Um outro instrumento de hegemonia do Estado Nacional tratava-se do recurso

    intervencionista, a ele disponibilizado pela Constituio de 1891. O princpio geral era o

    da no interveno, consistindo-se no direito de as situaes estaduais gerirem a poltica

    local, sem interveno do governo federal. Porm, a garantia desta autonomia estadual,

    por estar minimamente institucionalizada no artigo sexto da Constituio, abriu espao

    para que os governos desrespeitassem o instituto por variadas vezes, aumentando o grau

    de poder do Catete sobre as unidades federadas.Quanto menor o estado, maior a possibilidade de interveno do Catete sobre os

    mesmos. As sucesses estaduais eram ocasies propcias s intervenes. Atravs delas,

    o Catete pde controlar o acesso ao poder, por parte das diferentes faces, segundo

    seus interesses. Estes casos se repetiram ao longo de todo o regime.

    Os grandes estados eram os que menos corriam risco de interveno federal,

    muito embora no estivessem dela isentos. Importante frisar que o poder de interveno

    8TOPIK, Steven.A presena do estado...op. cit. p. 28.

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    do Catete sobre os estados, mesmo que no utilizado, conferia-lhe uma reserva de

    soberania a ser utilizada, sempre que necessrio.

    Assim, um outro requisito importante, indcio de fora de um estado, era o

    controle das lutas entre suas faces internas, por parte das mquinas partidrias.

    Quanto mais coeso o estado internamente menor a possibilidade de sofrer interveno

    federal.

    Um outro ator poltico de grande importncia no perodo foi o Exrcito

    Nacional. Dos treze processos sucessrios ocorridos atuou de forma intensa pelo menos

    em sete deles, ou fortalecendo candidatos situacionistas ou reforando as oposies.9

    Muito embora tenham funcionado, ocasionalmente, como caixa de ressonncia de

    grupos oligrquicos ou setores emergentes mdios e subalternos, atuaram tambm na

    defesa dos interesses prprios da corporao. Em vrias ocasies, o Exrcito reforou a

    composio de eixos alternativos s tentativas de monopolizao de poder, a exemplo

    de sua ao poltica contrria ao PRC, pelas tentativas "salvacionistas" e de sua ao no

    contexto da Reao Republicana.

    Diante do papel desempenhado pelo Estado Nacional e pelo Exrcito enquanto

    atores fundamentais do regime, foi possvel comprovar que o poder de ambos foi

    inversamente proporcional ao poder dos estados-atores hegemnicos.

    Em relao ocupao da cadeira presidencial, Minas Gerais e So Paulo foram

    os mais hegemnicos, na medida em que dos treze presidentes eleitos pelo regime, 70%

    vieram destes dois estados. Muito embora, em termos quantitativos, So Paulo tenha se

    ocupado por mais vezes da Presidncia da Repblica (seis contra trs), isto se deve,

    sobretudo, ausncia de concorrentes no contexto da primeira dcada republicana,

    quando as oligarquias de Minas, Rio Grande, Rio de Janeiro e Bahia viviam rduas

    disputas internas. Passada esta fase, toda tentativa de monopolizao de sua parte foi

    duramente contestada pelos demais estados, a exemplo do que ocorreu nas duassucesses de R. Alves e na de Washington Lus.

    a) Segundo Princpio Norteador

    9 Aqui nos referimos aos processos sucessrios que resultaram nas escolhas de: Deodoro,Floriano, Prudente, Hermes, Wenceslau, Bernardes e Jlio Prestes.

    Ex iste uma r enovao parcial entre os atores, rejeitando-se ati tudes monoplicas.

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    A garantia da renovao parcial dos atores implicava na ocupao do poder

    Executivo e Legislativo pelos estados hegemnicos, impedindo-se a monopolizao dos

    cargos e abrindo espao participao parcial dos estados que compunham o grupo

    hegemnico. A monopolizao, a simples excluso ou o mero revezamento excludente

    seriam fatores de abalo do regime.

    A renovao do poder passava pelas sucesses presidenciais. O falseamento das

    instituies democrtico-eleitorais no contexto do regime oligrquico fazia com que a

    verdadeira disputa entre atores pela parcela de poder, no restrito mercado poltico, se

    desse no durante as eleies, mas na fase que lhes antecedia, qual seja, a da indicao

    do nome para a disputa e de seu posterior acatamento por parte das lideranas dos

    principais estados da federao. Assim, os mecanismos de escolha escapavam

    institucionalidade posta em vigor a partir da carta de 1891, uma vez que as deliberaes

    eram tomadas informalmente por um reduzido e seleto corpo de atores.

    Cada sucesso presidencial implicava na realocao de cargos e na

    redistribuio de poder. A ausncia de partidos gerava a proliferao de blocos,

    correntes e tendncias difusas. Os elos formados entre os principais estados-atores eram

    de carter pragmtico e se faziam e se desfaziam ao sabor das conjunturas. No se

    formaram grupos nacionais durveis. Assim, a cada sucesso se estabeleciam coalizes

    provisrias de partidos estaduais que rapidamente se desfaziam. Isto conferia ao regime

    um grau de competitividade muito baixo.

    Chama-se aqui a ateno para o fato de que, o conhecido distanciamento entre o

    Brasil legal e real era encurtado por atalhos capazes de dar ao processo das sucesses

    um certo grau de formalidade. No modelo em vigor, os destinos da Federao eram

    decididos por um nmero restrito de atores, oriundos de um nmero restrito de

    estados-membros, eleitos por um corpo restrito de eleitores, os quais por sua vez,

    detinham restrito entendimento da dimenso de seu voto.Os polticos do Norte tinham a noo exata de seu papel na definio de

    candidaturas presidenciais. Um exemplo desta noo pode ser encontrado na fala de

    Joo Pessoa a Epitcio: "Ns do Norte temos apenas o direito de receber os nomes para

    mandar imprimir as chapas"10. Ou seja, o poder de interferncia dos pequenos estados

    sobre a definio de candidaturas era bastante reduzido.

    10

    Carta de Joo Pessoa a Epitcio em maio de 1929. LEWIN, Leda. Poltica e parentela naParaba: um estudo de caso da oligarquia de base familiar. Rio de Janeiro: Record, 1993, p.308.

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    Os atores envolvidos nos processos sucessrios eram em nmero restrito.

    Limitavam-se aos presidentes de grandes e mdios estados, lideranas do Parlamento,

    Presidente da Repblica e alguns ministros.

    O mandato dos deputados federais tinha a durao de trs anos. Em alguns

    momentos, o seu reconhecimento coincidia com o das discusses sucessrias. Quando

    este fato ocorria, o reconhecimento constitua-se em objeto de acirradas lutas polticas.

    Entre as sucesses analisadas, a de Afonso Pena e a de Epitcio Pessoa coincidiram com

    a renovao do Congresso. Nos demais casos, sendo o reconhecimento de poderes

    posterior aos eventos sucessrios, algumas serviram como mecanismo de punio das

    oposies, a exemplo do ocorrido nos governos Hermes, Bernardes e Washington Lus.

    Repare-se que estes trs governos foram resultantes de trs disputas eleitorais intensas

    (a que ops civilistas a hermistas; a que ops nilistas a bernardistas; a que ops liberais

    a situacionistas, respectivamente), "justificando-se" as punies que lhes foram

    subsequentes. Desta forma, pode-se aventar a hiptese, a ser comprovada por estudos

    adicionais, que a ausncia de reconhecimento prvio escolha das candidaturas

    presidenciais tenha atuado como mais um elemento disfuncional ao regime, abrindo

    espao para a emergncia de candidaturas de oposio. 11

    As sucesses presidenciais obedeciam a um ritual prprio. Vencido o primeiro

    binio da gesto, iniciavam-se as articulaes, com vistas escolha de um nome. Este

    processo durava, em mdia, seis meses. 12

    Os nomes dos candidatos deveriam ser alados por outros estados, e no aquele

    de origem do candidato. Esta formalidade visava levar ao mundo poltico uma

    informao: a de que por trs do nome alado havia uma aliana construda entre, pelo

    menos, dois estados-atores.

    No convinha que um nome fosse lanado muito precocemente. Caso ele fosse

    sugerido muito antes de iniciarem-se as discusses, haveria mais tempo para serdesgastado pelos eventuais opositores. O contrrio tambm era arriscado. Ao ser

    lanado muito tardiamente, corria-se o risco de encontrar os estados-atores j

    11 No se levou em conta o reconhecimento do Senado Federal por no ter tido o mesmo

    impacto que o da Cmara. Os senadores eram em menor nmero e a extenso do mandatoimpedia a recorrncia do problema. Alm do mais, quando ocorriam, coincidiam com parte dosreconhecimentos da Cmara, diluindo seu impacto.

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    previamente comprometidos com um nome anterior. A estratgia era importantssima

    para fazer uma candidatura vitoriosa.

    Uma importante vlvula inibidora da monopolizao da Presidncia da

    Repblica era o mecanismo que proibia a reeleio presidencial. Os estados tinham que

    necessariamente barganhar, a cada quatro anos. O maior exemplo contrrio a este

    respeito foi o ocorrido no interior Rio Grande do Sul, onde a lei permitia a reeleio e

    Borges de Medeiros, pde perpetuar-se no controle do estado.13

    Havia tambm o inconveniente do Catete intervir no processo de sua prpria

    sucesso. O fato da eleio ser decidida previamente s urnas refletiu-se em baixssimos

    nveis de competitividade eleitoral, resultando em desmobilizao e apatia polticas. Em

    levantamento realizado sobre os ndices de comparecimento s urnas e total de votos

    obtidos pelos vencedores, percebe-se os limites da competitividade eleitoral do perodo.

    O maior ndice de comparecimento foi de 5,7% em 1930. A mdia geral permaneceu em

    torno dos 2,65%. Percebe-se tambm, que as votaes que apresentaram um maior nvel

    de competitividade foram as que tiveram candidaturas de oposio e que dividiram mais

    equitativamente os grandes estados, como foram os casos das eleies de 1910 (Hermes

    x Rui), a de 1922 (Bernardes X Nilo) e a de 1930 (Jlio Prestes X Vargas). As demais

    foram quase unnimes.

    Importante observar que o princpio da renovao parcial dos estados-atores no

    criou mecanismos de acoplamento de setores excludos ou emergentes. Esta lacuna

    aprofundou-se com a ampliao de novos atores sociais a partir da I Guerra Mundial.

    Foi ela um dos elementos igualmente responsveis pelo progressivo desgaste do regime.

    O fato dos excludos no serem integrados ao poder no significa que deixaram

    de contestar. o que veremos a seguir.

    c) Terceiro Princpio Norteador

    12 Algumas sucesses iniciaram-se tardiamente, ou seja, no terceiro ano de governo. Foramelas: a de Hermes da Fonseca, a de A. Bernardes e a de Washington Lus. Quanto durao,

    muito embora a mdia fosse de seis meses, a de R. Alves (1906) durou cerca de um ano e as trsocorridas entre 1916 e 1921 (Wenceslau, a segunda de R. Alves e a de Epitcio) duraram apenasdois meses.

    As razes da dissoluo do regime se encontram na sua incapaci dade de man ter as bases da hierarquia

    e de preservar a sua parcial renovao.

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    O fato dos atores hegemnicos julgarem como natural a excluso das maiorias,

    fazia com que rejeitassem, com todo vigor, qualquer reao contrria por parte dos

    excludos. No obstante se esforassem em afastar do mercado poltico a

    competitividade entre seus componentes, nem sempre conseguiram xito. Na quase

    totalidade dos processos sucessrios analisados, os excludos tentaram formar eixos

    alternativos ao poder dominante.

    Desta forma, as contestaes foram frequentes e assumiram as mais variadas

    formas de manifestao. A mais comum era a no aceitao do nome acordado entre as

    partes, o que resultava na disputa eleitoral, a qual envolvia no mximo duas

    candidaturas. O resultado era sempre previsvel: vencia o candidato apoiado pelos atores

    mais hegemnicos.14 De doze sucesses ocorridas na Primeira Repblica seis incluram

    esta modalidade de contestao, mesmo reconhecendo-se a ineficcia das mesmas.

    Uma outra forma de manifestao de desagravo era o protesto contra os

    resultados eleitorais, aps a divulgao dos mesmos. Tal protesto assumiu trs

    diferentes formas: a mera denncia da fraude eleitoral pela imprensa, que teve seu maior

    exemplo nos civilistas, os quais estavam certos que haviam sido derrotados pelo

    "bico-de-pena"; a batalha jurdica, a qual inclua a utilizao do instituto do habeas

    corpus, alm da tentativa de formao de um "tribunal de honra", utilizados na sucesso

    de Epitcio Pessoa; por fim, a revoluo armada, que se configurou na Revoluo de

    1930.

    O fato de que algumas sucesses no tenham sofrido nenhum tipo das

    contestaes elencadas, no implicou na ausncia de disputa e nem que as mesmas

    tivessem sido resultado de acordos harmnicos. Nestes casos, o peso da disputa

    concentrava-se na prvia escolha do candidato. 15

    Das doze sucesses ocorridas, menos de 30% delas no sofrera nenhum tipo de

    contestao ou no tivera rdua disputa prvia. Foram elas a de Floriano Peixoto, a deWenceslau Brs e a de Artur Bernardes. A primeira ocorreu no perodo em que nenhum

    outro estado ousava ameaar a hegemonia paulista sobre a Federao. As duas ltimas

    13FRANCO, Afonso A. de M. Um estadista na repblica. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1955,p. 478.14 Foram exemplos deste tipo de contestao: as candidaturas de Prudente de Morais contraDeodoro da Fonseca (1891); a de Lauro Sodr em oposio ao mesmo Prudente (1894); a de

    Rui Barbosa contra Hermes da Fonseca (1910); a do mesmo Rui contra Epitcio Pessoa (1918);a de Nilo Peanha contra Arthur Bernardes (1922); a de Getlio Vargas contra a de Jlio Prestes(1930).

  • 7/24/2019 Federalismo Oligarquico Brasileiro Uma reviso da poltica do Caf com Leite

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    por terem sido as nicas em que se reuniram em torno de seus candidatos os principais

    estados da Federao, sem exceo. A primeira refletiu o carter monoplico do regime

    em sua fase inicial. As segundas, a possibilidade do consenso.

    A diferena entre uma sucesso com disputa prvia e uma totalmente

    consensual, que a segunda no era fator de instabilidade e a primeira, sim. Outro ponto

    a ser destacado que "a poltica dos estados" de Campos Sales, em geral interpretada

    como a frmula que garantiu a estabilidade do regime, no teve relao com as

    sucesses presidenciais, na medida em que no previu mecanismos inibidores destes

    conflitos. Aps o pacto oligrquico" (1898-1902), as sucesses presidenciais

    continuaram a dar margem instabilidade.

    O fortalecimento da ao alternativa-oposicionista - que foi avanando

    progressivamente, do mero protesto ao armada - contribuiu para o paulatino

    desgaste das bases do regime. A alternativa oposicionista derivou do desgaste dos dois

    princpios norteadores anteriormente analisados.

    Conforme afirmamos, o marco da estabilizao do regime foi a sucesso de

    Rodrigues Alves, quando o monoplio paulista sobre o regime foi substitudo por uma

    aliana entre os estados mais hegemnicos do pas. E o fim do modelo se daria a partir

    da dcada de vinte, quando as suas regras de sustentao comearam a ser abaladas. No

    entanto, o regime ainda teria flego durante toda a dcada de trinta, uma vez que a

    Revoluo de Trinta foi encarada por nosso trabalho como apenas uma reao armada a

    um jogo sucessrio a mais, ou seja, um captulo a mais de um livro composto por vrios

    episdios instveis.

    1) Dos Governos Militares Estabilizao da Repblica

    a) A sucesso de Rodrigues AlvesA partir do modelo proposto acima, analisamos a sucesso presidencial de

    Rodrigues Alves, em 1906. A opo por iniciar a anlise dos jogos sucessrios a partir

    deste evento se justifica pelos objetivos que nos propomos atingir. Como se sabe, ao ser

    proclamado o regime republicano no Brasil, o poder foi entregue a uma aliana

    civil-militar, em que as elites oligrquicas paulistas se constituam no setor mais

    dinmico e mais organizado. No tardou que assumissem, aps uma curta e tumultuada

    15 Os exemplos deste caso foram: as duas sucesses de Rodrigues Alves (a de 1906 e a de 1919)e a sucesso de Hermes da Fonseca (1914).

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    gesto militar (1889-1894), o controle sobre o novo regime, o qual passou a ser gerido

    por trs presidentes paulistas (Prudente de Morais, Campos Sales e Rodrigues Alves). A

    proeminncia do Partido Republicano Paulista (PRP) sobre as demais instituies

    partidrias regionais se explicava no s pela sua relativa coeso interna, mas,

    sobretudo, pelas disputas intraoligrquicas vivenciadas pelos demais estados que teriam

    condies de disputar com So Paulo o controle sobre o novo regime, tal como

    ocorriam em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Sul.16

    Desta forma, a hegemonia paulista sobre a Repblica comeou a ser contestada somente

    quando tais unidades federadas agregaram internamente parte de suas foras, tornando

    possvel uma articulao alternativa ao controle paulista sobre o regime. Foi o que se

    deu por ocasio da sucesso de Rodrigues Alves.

    Nossas pesquisas demonstraram que, ao contrrio do que afirma considervel

    parte da historiografia existente sobre o assunto, a candidatura vitoriosa do primeiro

    presidente da repblica vindo de Minas Gerais - Afonso Pena - derivou de uma aliana

    poltica composta pelos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia e Rio de

    Janeiro, contra as pretenses paulistas de prolongar sua permanncia no poder, ao tentar

    viabilizar a candidatura de um outro paulista (Bernardino de Campos), a qual contou

    com forte oposio dos estados citados, reunidos em uma agremiao de carter

    provisrio, o Bloco.

    Ao mesmo tempo, comprovou-se que a candidatura de Afonso Pena no resultou

    de seus compromissos em executar a primeira poltica de valorizao do caf (Convnio

    de Taubat, 1906). Atravs da pesquisa realizada pde ser comprovado que quando o

    Convnio comeou a ser discutido, a candidatura de Afonso Pena j estava consolidada.

    Ao mesmo tempo, comprovou-se que a alternativa paulista para o cargo possua um

    discurso muito semelhante ao de Afonso Pena, quando se tratava da questo

    protecionista ao caf. Por fim, no se encontrou, na farta documentao analisada,nenhum indcio emprico que relacionava a candidatura Pena ao Convnio de Taubat.

    Desta forma, a sucesso de Rodrigues Alves foi um evento fundador de uma

    nova ordem republicana, na medida em que o segundo princpio norteador acima citado

    foi estabelecido. A aliana entre os estados no Bloco impediu a monopolizao do poder

    16 Para o caso do Rio de Janeiro ver: FERREIRA, Marieta M.Em busca da...op. cit; para o casode Minas Gerais ver: WIRTH, John. O fiel da balana...op. cit. Para o caso do Rio Grande do

    Sul ver: TARGA, Luiz R. (org).Breve inventrio de temas do sul. Porto Alegre: UFRGS, FEE,UNIVATES, 1998; para o caso de Pernambuco ver: LEVINE, Robert. A velha usina:Pernambuco na federao brasileira (1889-1937). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

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    por um s estado, no caso, por So Paulo. Interessante destacar que a partir deste

    evento, os paulistas se afastariam voluntariamente das disputas federais, permanecendo

    em um longo perodo no ostracismo, s rompido posteriormente.

    a) O Convnio de Taubat17

    Ao questionar-se a aliana poltica caf-com-leite tornava-se necessrio

    contestar as bases econmicas de sua sustentao, ou seja, a pressuposta conjuno de

    interesses entre Minas e So Paulo nas polticas de amparo e defesa da cafeicultura

    brasileira. Foi o que se fez com relao ao Convnio de Taubat.

    Grande parte dos trabalhos acerca do tema partiram do pressuposto de que a

    primeira poltica de valorizao do caf se deu em ateno a interesses prioritariamente

    paulistas. A pesquisa realizada concluiu que a participao dos trs estados pactuantes

    no Convnio (Minas Gerais, Rio de Janeiro e So Paulo) esteve diretamente relacionada

    ao nvel de envolvimento de cada um com a produo e comercializao do caf. Tal

    envolvimento se relacionava ao grau de importncia que o caf possua para a economia

    desses estados, avaliada sobretudo, pelos nveis de dependncia das receitas fiscais dos

    estados em relao ao produto. Soma-se a isto, os potenciais de presso poltica

    exercidos pelos setores diretamente interessados na valorizao, mensurados pelo seu

    poder de organizao e mobilizao e pelas presses sobre seus representantes polticos.

    No caso especfico de Minas, a partir do momento em que as mais recentes

    pesquisas comprovaram um maior nvel de dinamicidade de sua economia cafeeira18, os

    interesses em relao poltica de proteo do produto tendiam a ser tambm

    compartilhados pelos setores produtivos do estado. Quanto ao Rio de Janeiro, muito

    embora sua cafeicultura apresentasse sinais de decadncia, o comprometimento da

    receita fiscal do estado com o caf era ainda muito grande, atrelando o governofluminense necessidade de preservao do produto.

    Em relao ao governo federal, ocupado por mineiros, gachos e fluminenses,

    sua participao na conduo do Convnio pode ser avaliada como eivada de restries.

    17 Uma sntese deste tema pode ser encontrada em: VISCARDI, Cludia M. R. Minas Gerais noConvnio de Taubat: uma abordagem diferenciada. In: --- III Congresso Brasileiro de HistriaEconmica e IV Conferncia Internacional de Histria de Empresas. Anais da Associao

    Brasileira de Pesquisadores em Histria Econmica.Curitiba: UFPR, 1999.18PIRES, Anderson J. Capital agrrio, investimento e crise na cafeicultura de Juiz de Fora.1870 - 1930. Dissertao de Mestrado, UFF, 1993.

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    O governo federal sofria presses dos cafeicultores em prol da realizao do Convnio,

    de outros setores dominantes no cafeicultores que se opunham ou mantinham-se

    resistentes operao, alm de ter que atender, com prioridade, aos seus prprios

    interesses, que nem sempre coincidiam com os interesses mais imediatistas das

    unidades federadas.

    Cabe ainda destacar, que no interior do prprio setor cafeicultor, os interesses

    no eram homogneos e se diferenciavam em funo da posio que os agentes

    econmicos assumiam no mercado do caf. Como se tratava de uma poltica

    diretamente relacionada ao mercado externo, no se pode tambm deixar de levar em

    conta os interesses dos credores internacionais e de seus respectivos pases, na referida

    operao.

    Nossas concluses apontaram para o fato de que, muito embora So Paulo tenha

    sido o estado que mais investiu na viabilizao do Convnio, Minas Gerais e Rio de

    Janeiro no participaram da operao valorizadora na condio de parceiros

    desinteressados. Em prol de sua viabilizao, Minas Gerais e Rio de Janeiro somaram

    esforos s iniciativas paulistas e o peso de suas contribuies foi proporcional ao

    interesse de suas elites polticas em preservar as finanas pblicas, adequada ao grau de

    mobilizao e presso de seus cafeicultores e coerente com seu poder poltico no

    contexto nacional.

    Muito embora So Paulo tivesse condies econmicas de viabilizar, por si s,

    uma operao valorizadora, no o tinha em termos polticos. Afastado da coligao de

    estados que elegera Afonso Pena, havia se recusado a compor o Ministrio do novo

    Presidente. Em funo da crise de preos do caf, tornou-se refm da Unio, na medida

    que qualquer ao relativa ao produto, tanto cambial quanto ao crdito externo, estavam

    condicionadas ao governo federal. Sem o endosso da Unio, So Paulo no teria

    condies de levar frente o programa.

    c) A Sucesso de Afonso Pena

    Em geral, os trabalhos acerca da Primeira Repblica conferem a esse episdio

    um carter excepcional, na medida em que teria sido rompida, pela primeira vez, uma

    aliana por pressuposto hegemnica entre os estados de Minas Gerais e So Paulo,

    resultando em uma das eleies mais disputadas da Repblica (Hermes da Fonseca XRui Barbosa - 1910). As abordagens existentes so quase unnimes ao afirmar que o

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    fracasso da candidatura de David Campista foi o fator principal da inviabilizao da

    aliana Minas-So Paulo. Entre as razes atribudas a este insucesso predominam as que

    recorrem s caractersticas psicolgicas dos atores envolvidos e/ou s anlises de cunho

    individualizante.

    Nossa pesquisa procurou demonstrar a inexistncia prvia desta aliana, o que

    por si s, j retiraria o carter excepcional da citada sucesso. Alm do mais, foi

    demonstrado que a sucesso de Afonso Pena reeditou uma aliana estabelecida

    previamente, entre Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia e Rio de Janeiro (os dois

    ltimos divididos), sobre novos patamares. Os parceiros polticos mineiros foram

    mudados e o estado cedeu sua hegemonia ao Rio Grande do Sul.

    Procurou-se igualmente demonstrar que a sucesso de 1910 foi marcada por uma

    nova derrota poltica de So Paulo, a exemplo da anterior. No evento em foco, So

    Paulo encontrava-se mais frgil e menos autnomo, em razo de sua dependncia em

    relao poltica econmica em vigor. Acabou por lanar-se em uma aventura

    oposicionista a ter que submeter-se ao risco de uma presidncia militar e gacha.

    Procurou-se demonstrar que a rejeio a Campista partiu de dois setores: o

    primeiro, ligado situao mineira; o segundo aos membros do Bloco. Os coronis

    mineiros no viam Campista como um representante de seus interesses, em funo de

    sua ao autnoma em relao ao Partido Republicano Mineiro (PRM), durante o

    governo Afonso Pena. Os coronis do Bloco o rejeitavam enquanto smbolo de

    continuidade dos mineiros no poder.

    A partir da estabilizao dos processos sucessrios, cujo marco inicial foi o

    governo de R. Alves, todas as vezes que um estado tentou continuar no poder sofreu

    ferrenhas oposies por parte dos demais. Neste caso especfico, as aes dos grandes e

    mdios estados, somadas a do Exrcito, refletiram-se na tentativa de impedir que a

    hegemonia mineira fosse prorrogada.No que tange participao de So Paulo, conclumos que o estado tentou uma

    aliana com Minas Gerais para ampliar a sua participao no poder, consideravelmente

    restringida aps o trmino da gesto de Rodrigues Alves. O mvel desta inteno era a

    necessidade de ter garantido o cumprimento das prerrogativas ligadas ao Convnio de

    Taubat. Consta que So Paulo trocou seu apoio a Campista pelo endosso federal ao

    emprstimo que viabilizaria a realizao do Convnio. 19 Com a diviso do

    19WEINER, Jerry T. Afonso Pena: Minas Gerais and the transition from Empire to Republicin Brazil.City University of New York, 1980, tese, p. 203; LOVE, Joseph. A Locomotiva: So

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    situacionismo mineiro em dois grupos, um ligado candidatura de Campista e outro de

    oposio, So Paulo optou pelo primeiro e foi derrotado. Diante da falncia da

    candidatura Campista, restou a So Paulo apostar em um nome de oposio (Rui

    Barbosa), o que o fez de forma reticente.

    d) A Poltica Salvacionista e a Sucesso de Hermes da Fonseca

    Em geral, o governo Hermes da Fonseca (1910-1914) foi pouco estudado pela

    historiografia brasileira. Quanto a sua sucesso, o momento visto como responsvel

    pelo resgate da aliana entre Minas Gerais e So Paulo, rompida durante a sucesso

    anterior e reeditada pelo Pacto de Ouro Fino.20A edio do acordo teria resultado na

    rejeio da candidatura do gacho Pinheiro Machado e na diviso do grupo de

    sustentao poltica do governo Hermes em duas correntes (coligados e perrecistas).

    Minas e So Paulo, pertencentes primeira corrente, teriam lanado, com xito, a

    candidatura de Wenceslau Brs, por sobre as aspiraes hegemnicas perrecistas.

    Em nossa pesquisa, no encontramos qualquer tipo de referncia emprica ao

    citado Pacto. A pesquisa concluiu que o veto candidatura gacha de Pinheiro Machado

    partiu de um grupo de estados, aliados a setores do Exrcito. Desta forma, afirmar que o

    Pacto de Ouro Fino tenha sido responsvel pelo veto a tal candidatura constitui-se em

    omisso ou subestimao da influncia dos demais estados no processo de fragilizao

    do nome. Um outro problema refere-se data em que foi realizado Pacto. Na data

    aventada pelos historiadores, abril de 1913, a candidatura de Pinheiro no mais se

    encontrava em sigilo e j havia sido oficialmente comunicada maior parte dos estados

    brasileiros. Assim, se o referido Pacto de fato ocorreu, ele teria que ter se dado em

    princpios de janeiro de 1913.

    Conclumos que a candidatura de Wenceslau Brs foi resultado da conciliao

    entre as partes em luta e no uma vitria de mineiros e paulistas sobre o Rio Grande doSul. Ambas as correntes polticas que se defrontavam na ocasio apoiaram a candidatura

    Brs. Wenceslau era um aliado poltico de Pinheiro Machado e teve seu nome por ele

    Paulo na federao brasileira: 1889-1937. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 285-286 eVIEIRA, Jos. A cadeia velha: memria da Cmara de Deputados de 1909. Rio de Janeiro:Fundao Casa de Rui Barbosa, 1980, p. 124.20

    O Pacto de Ouro Fino consistiu num encontro informal entre o representante paulista,Cincinato Braga e o ento presidente mineiro, Jlio Bueno Brando, em sua cidade natal, o qualteria resultado na reedio da aliana caf-com-leite, rompida na sucesso anterior.

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    endossado. Cabe aqui lembrar, que So Paulo concedeu seu apoio a Brs, aps uma

    acirrada disputa interna, que no poupou dissidncias.

    Por fim, afianamos que o retorno dos paulistas cena poltica nacional s foi

    possvel em razo da fragilizao poltica do Rio Grande do Sul, ocorrida em razo da

    oposio travada contra ele, por parte dos militares. Desta forma, acabamos por

    relativizar teses que apontam para a existncia de uma associao permanente entre

    gachos e militares, enquanto elementos desagregadores do regime.21

    Um ponto relevante a ser destacado foi a ampliao do leque de alianas de

    Minas Gerais no contexto nacional. A partir desta sucesso, So Paulo passou a fazer

    parte do grupo de estados com os quais Minas estabelecia alianas polticas. Este fato

    teve clara relao com o aumento do grau de competitividade da disputa prvia, que

    resultou, por sua vez, de dois fatores interrelacionados: a presena de um novo ator - o

    Exrcito - e a fragilizao de um deles - o Rio Grande do Sul.

    Cabe por fim ressaltar que, na abordagem alternativa ao Pacto de Ouro Fino

    proposta por nosso trabalho, no se advoga a hiptese de que a aliana Minas-So Paulo

    tenha ocorrido a partir deste evento. O que se afirmou que So Paulo, aps um longo

    perodo no ostracismo ou na oposio, foi reintegrado ao grupo de estados politicamente

    hegemnicos na nao. E que Minas Gerais passou a desfrutar de um novo parceiro no

    conjunto de alianas estabelecidas pelo estado.

    e) A Sucesso de Wenceslau Brs (1918)

    Esta sucesso foi dupla. Primeiro, foi escolhido novamente o paulista R.Alves,

    que veio a falecer antes de assumir. Depois, foi escolhido o paraibano Epitcio Pessoa.

    A historiografia, em geral, analisa a escolha de ambos os nomes como tendo sido

    resultado consensual de uma aliana entre mineiros e paulistas.Neste evento, nossa pesquisa pretendeu comprovar que, muito embora So

    Paulo tenha se tornado um importante aliado poltico de Minas Gerais, esta aliana no

    se deu de forma exclusivista e nem foi isenta de fragilidades. Atravs da pesquisa

    empreendida, pde-se perceber que os estados com os quais Minas mantinha alianas

    21LOVE, Joseph.A Locomotiva ...op. cit. p. 278; LOVE, Joseph. O regionalismo gacho. SoPaulo, Perspectiva, 1975, p. 115 e 116. Op.cit. p. 115 e 116. SCHWARTZMAN, Simon. Um

    enfoque terico do regionalismo poltico. In: --- A poltica tradicional brasileira: umainterpretao das relaes entre o centro e a periferia .In:---BALN, Jorge (org.) Centro ePeriferia no Desenvolvimento brasileiro.So Paulo: Difel, 1972, p. 106.

  • 7/24/2019 Federalismo Oligarquico Brasileiro Uma reviso da poltica do Caf com Leite

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    histricas continuaram a fazer parte de seu leque de alianas polticas preferenciais, no

    obstante a incluso de um novo parceiro poltico de grande importncia, como foi So

    Paulo. Ao mesmo tempo, pde-se perceber que esta aliana foi construda com muitas

    dificuldades e teve que enfrentar srios obstculos.

    Comprovamos que a ausncia de disputas polticas prvias escolha de R. Alves

    pode ser explicada por duas razes. Primeiro, pelo abalo sofrido pelo Rio Grande do Sul

    em seu desempenho poltico nacional, aps a morte de Pinheiro Machado. A ausncia

    de um agente poltico de peso e com pretenses hegemnicas diminuiu o grau de

    competitividade do mercado poltico. Uma segunda razo diz respeito diminuio do

    nmero de polticos habilitados para concorrerem ao cargo. O envelhecimento da

    primeira gerao de polticos republicanos, ao lado da projeo de novos atores ainda

    muito jovens, restringiu o recrutamento, reduzindo as opes polticas disponveis.

    Acerca da segunda sucesso, conclumos que a escolha de Epitcio resultou de

    um acordo entre os grandes e mdios estados, onde o apoio de Minas ao veto do Rio

    Grande do Sul s pretenses hegemnicas paulistas foi fundamental para a definio da

    candidatura do lder paraibano.

    Mostramos que a escolha de Epitcio Pessoa expressou profundas dificuldades

    no relacionamento entre Minas e So Paulo. Durante todo o processo, seus

    representantes atuavam com desconfianas mtuas, omitiam informaes e agiam nos

    bastidores, apontando para o fato de que a parceria entre mineiros e paulistas tinha ares

    de casamento em contnua crise conjugal.

    Por fim, o nome de Epitcio foi escolhido como resultado de um acordo interno

    entre os estados. Mas claro estava que a posio mineiro-gacha em prol da rejeio do

    nome paulista e da viabilizao do nome de Epitcio foram elementos fundamentais na

    definio da escolha.

    2) Da Estabilizao Crise Oligrquica

    a) A Sucesso de Epitcio Pessoa

    Um elemento excepcional acerca da sucesso de Epitcio Pessoa (1922) esteve

    no fato do processo sucessrio ser coordenado por um Presidente que no tinha atrs de

    si um grande estado, o que fragilizava o Catete, em seu poder de interferncia sobre oprocesso. J o fato da candidatura situacionista de Arthur Bernardes contar com um

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    opositor de peso (Nilo Peanha), sustentado por importantes oligarquias (Reao

    Republicana) no se constitua em novidade. Nova era, no entanto, a discusso de

    diferentes projetos alternativos a serem desenvolvidos pelos candidatos ao futuro

    governo. Pela primeira vez, as alianas foram compostas com base em programas de

    governo diferentes entre si, o que era indcio de um maior amadurecimento poltico por

    parte das elites dominantes brasileiras. Tal diferenciao derivava da emergncia de

    novos atores polticos, representados pelos setores mdios do Exrcito e pelos setores

    urbanos.

    Igualmente, pela primeira vez, a posse do Presidente eleito esteve efetivamente

    ameaada, principalmente em razo da oposio do Exrcito. No fossem a poderosa

    aliana entre os dois maiores estados brasileiros, Minas e So Paulo e a garantia de

    apoio do Catete, Bernardes no conseguiria ser empossado.

    Conclumos que o fator primordial no desencadeamento da Reao Republicana

    foi a ruptura, por parte dos mineiros, de um dos pilares bsicos de sustentao do

    modelo de sucesses presidenciais em vigor, ao imporem um candidato situacionista,

    respaldados pelo controle do Executivo Federal e pela aliana com So Paulo.

    Conclumos que a Reao Republicana decorreu do protesto de alguns setores

    oligrquicos que se sentiram injustiados pela quebra das regras sucessrias, efetuada

    pelo bloco composto por Minas Gerais, So Paulo e o Catete. Ao atribuirmos o

    advento da Reao Republicana tentativa de se criar um eixo alternativo aliana

    Minas-So Paulo, temos em vista o carter conjuntural, no s deste eixo alternativo de

    poder, como da prpria aliana entre os dois estados.

    Cabe aqui retomarmos o terceiro princpio norteador dos processos sucessrios

    republicanos, anunciado no primeiro captulo. Conforme vimos, um dos elementos

    responsveis pelo esgotamento do pacto poltico em vigor era a dificuldade em garantir

    as bases de sua prpria renovao. A no incorporao de elementos renovadores queemergiram no cenrio poltico implicou na agudizao das reaes oposicionistas,

    fragilizando as bases do pacto. Assim, acreditamos que a Reao Republicana tenha, de

    fato, introduzido algumas alteraes na prtica poltica republicana, contribuindo para o

    seu progressivo esgotamento.

    b) A Revoluo de 1930

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    Vemos a Revoluo de 30 como uma ruptura de uma aliana conjuntural entre

    Minas e So Paulo. Como foi visto, a aliana entre os dois estados havia se concretizado

    por ocasio da sucesso de Epitcio, e teria o seu fim antes de completar a segunda

    gesto governamental.

    Enfocamos o perodo como mais uma fase do progressivo esgotamento do

    modelo sucessrio, estabelecido a partir da sucesso de R. Alves, em 1906. A partir da

    dcada de vinte, o modelo foi sofrendo sucessivas avarias. A principal razo de seu

    esgotamento relacionou-se s tentativas de monopolizao por parte dos principais

    estados-atores. Minas Gerais tentou monopolizar todo o espao de poder disponvel

    durante o governo de Epitcio Pessoa. Uma aliana mineiro-paulista, de carter

    exclusivista, havia monopolizado o processo sucessrio, garantindo a eleio de

    Bernardes. Neste evento, os governos Bernardes e Washington Lus foram

    monopolizados por Minas e So Paulo, respectivamente, contribuindo para a

    fragilizao do pacto interelitista.

    Analisamos processo relativo ao evento sucessrio de 30 a partir de duas

    conjunturas diferentes. A primeira consiste na ruptura da aliana entre Minas e So

    Paulo, que teve seu ponto culminante na sucesso de Washington Lus, em 1929. A

    segunda consiste na reao armada empreendida, aps a eleio presidencial, que se

    configurou na Revoluo de 30.

    A partir das anlises empreendidas conclumos que a indicao de Jlio Prestes

    como sucessor de Washington Lus, revelia de Minas Gerais, consistiu na culminncia

    de um processo de esvaziamento progressivo da aliana Minas-So Paulo, que se deu ao

    longo de sua breve existncia, limitada aos governos de Epitcio e Bernardes. As razes

    para este esvaziamento podem ser encontradas na conjuno de dois fatores precpuos.

    O primeiro residiu no grande distanciamento de So Paulo em relao ao conjunto da

    nao, nela includa Minas Gerais, no que diz respeito ao seu desenvolvimentoeconmico. O segundo, diretamente relacionado ao anterior, consistiu no interesse de

    So Paulo em exercer uma hegemonia poltica sobre o pas, correspondente ao seu

    potencial econmico, j que o estado se sentia subrepresentado no modelo distributivo

    em vigor. Para atingir este objetivo, Minas Gerais, de estado aliado passou a ser o seu

    principal obstculo, culminando na ruptura definitiva da aliana.

    Concluiu-se tambm que o evento revolucionrio foi provocado como reao

    tentativa paulista de interveno sobre a autonomia dos estados vencidos, que seconfigurou na quebra das regras de distribuio proporcional de poder entre as unidades

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    federadas. A escalada hegemnica de So Paulo no se limitou obteno da vitria

    eleitoral. To logo assumiu o controle sobre o regime, os novos vencedores procuraram

    eliminar os vencidos, intervindo diretamente sobre suas polticas internas, sem levar em

    considerao o potencial de cada um. So Paulo rompia, assim, com as regras que

    fundamentavam a alocao de hegemonia no contexto do "Federalismo Desigual".

    Desta forma, a reao armada, conduzida pelos estados que seriam mais vitimados pela

    ruptura destas mesmas regras - Minas e Rio Grande - no se deu com o objetivo de

    romper com o pacto oligrquico, conforme se afirma; mas ao contrrio, se deu com o

    fim de resgat-lo.

    Diante de tais consideraes, o nico elemento realmente novo, presente neste

    evento sucessrio, foi o fato dos derrotados terem apelado para a soluo

    revolucionria. Na realidade, esta postura rompia com o modus operandipredominante

    no sistema.

    Desta forma, tendemos a discordar das anlises que enfocam a Revoluo de 30

    como um divisor de guas entre dois pases: um anterior, de carter agrrio, oligrquico,

    descentralizado e liberal; e outro posterior, de carter urbano, burgus, centralizado e

    estatista. O estado pr-30 j continha elementos que seriam tipificados como prprios ao

    perodo posterior Revoluo. Ao mesmo tempo, o estado varguista seria marcado mais

    pela continuidade do que pela ruptura em relao ao seu passado oligrquico.

    Ao contestarmos a existncia de uma aliana monoltica, exclusivista e

    permanente entre Minas e So Paulo, responsvel pela estabilizao de um regime

    poltico de vida relativamente longa (41 anos) e propormos uma releitura das alianas

    polticas e de procedimentos a que tais alianas obedeciam, uma pergunta vem sempre

    mente. Quando, a quem coube e a quem servia a interpretao do modelo poltico

    republicano como tendo sido fundamentado pela poltica do caf-com-leite? As

    pesquisas j realizadas acerca das origens da expresso apontam que ela tornou-se

    popular, provavelmente, ao final dos anos vinte, atravs de um maxixe datado de 1926,

    que continha referncias aproximadas ela. O mesmo se deu com o samba de Noel

    Rosa, que de 1934, onde se fazia referncias ao fato de Minas produzir leite e So

    Paulo o caf. Antes mesmo das canes citadas, a imprensa divulgou um cartoon, no

    ano de 1929, que contm referncias indiretas expresso. Mas no se sabe ao certo,

    exatamente o perodo em que ela tornou-se difundida.

    Na pesquisa que fizemos, emgrande parte em fontes testemunhais dos acontecimentos do perodo, no encontramos

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    nenhuma referncia expresso. Da sugerirmos a hiptese, a ser comprovada em

    eventuais pesquisas futuras, acerca do perodo ps 30, de que a expresso tenha sido

    divulgada pelo regime Vargas, com o fim de desqualificar a Repblica Velha, em

    funo da ruptura pretendida por seu governo, em relao aos eixos bsicos do regime

    pregresso. Segundo Pedro Fonseca, foi durante o perodo que intermediou a divulgao

    dos resultados eleitorais e a deflagrao do movimento revolucionrio, que Vargas

    comeou a alterar o seu discurso quando se referia ao regime republicano,

    desqualificando-o. 22 A questo ainda encontra-se em aberto.

    (Juiz de Fora, abril de 2001)

    22 FONSECA, Pedro C. D. Vargas: O capitalismo em construo: 1906-1954, So Paulo:Brasiliense, 1989, p. 133.