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    MARCUSE OU HABERMAS: DUAS CRTICAS DA TECNOLOGIA*Andrew Feenberg

    Traduo de Newton Ramos-de-Oliveira**

    O debate entre Marcuse e Habermas sobre a tecnologia marcou um importante ponto de

    mudana na histria da Escola de Frankfurt. Aps 1960, a influncia de Habermas cresceu

    ao mesmo tempo em que a de Marcuse declinava e a Teoria Crtica adotava uma posio

    bem menos utpica. Recentemente tem havido um renascimento da crtica tecnologia

    bastante radical no movimento ambiental e por influncia de Foucault e do construtivismo.

    Este artigo instaura um novo olhar ao debate original a partir desses desenvolvimentos

    recentes. Ao mesmo tempo que muitos dos argumentos de Habermas permanecemconvincentes, sua defesa da modernidade parece agora conceder demais s exigncias da

    tecnologia autnoma. Seu quadro essencialista da tecnologia como aplicao de uma forma

    puramente instrumental da racionalidade no-social menos plausvel aps uma dcada de

    pesquisas histricas sobre os estudos tecnolgicos. Este artigo argumenta que Marcuse

    tinha razo ao afirmar que a tecnologia socialmente determinada, mesmo que no tenha

    tido xito ao defender seu insight. O artigo tenta chegar a uma nova abordagem da crtica

    tecnologia ao recorrer tanto ao construtivismo quanto teoria da comunicao de Habermas.

    Mostra-se, agora, a essncia da tecnologia como histrica e reflexiva, semelhana de

    outras instituies sociais. Por ser uma instituio, sua racionalidade sempre se implementa

    em formas marcadas pelos valores e sujeitas crtica poltica.

    I. INTRODUO

    Nesse ensaio, comparo os pontos de vista de Marcuse e de Habermas sobre a

    tecnologia e proponho uma alternativa que combina elementos de ambos. possvel tal

    sntese porque os dois pensadores provm de duas tradies de crtica diferentes, mas

    complementares. No entanto, como veremos, nenhum deles sai ileso quando confrontados.

    A prpria crtica da tecnologia caracteriza a Escola de Frankfurt e, de maneira especial,

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    suas lideranas, Adorno e Horkheimer. Na Dialtica do Esclarecimento (1972), argumentam

    que a instrumentalidade , em si mesma, uma forma de domnio, que, ao controlar os

    objetos, viola-lhes a integridade, suprimindo-os e destruindo-os. Se assim for, ento a

    tecnologia no neutra e seu uso j implica uma tomada de posio de valor.

    A crtica da tecnologia como tal tema comum no apenas na Escola de Frankfurt mastambm em Heidegger (1977), Jacques Ellui (1964) e numa multido de crticos sociais que

    poderiam ser descritos, de maneira rude, como tecnfobos. Geralmente este tipo de crtica

    posto num quadro especulativo. A teoria da tecnologia de Heidegger baseia-se numa

    compreenso ontolgica do ser; o mesmo papel representa para a Escola de Frankfurt uma

    teoria dialtica da racionalidade. Estas teorias radicais no so totalmente convincentes, mas

    tm a utilidade de oferecerem um antdoto contra a f positivista no progresso e para colocar

    sob exame a necessidade de estabelecer limites tecnologia. No entanto, so

    exageradamente indiscriminadas em sua condenao da tecnologia para que possam

    orientar esforos de reformas. A crtica da tecnologia como tal normalmente desemboca da

    esfera tcnica para a arte, para a religio ou para a natureza.

    A reforma da tecnologia preocupao de uma segunda abordagem a que chamarei de

    crtica projetiva. A crtica projetiva sustenta que os interesses sociais ou os valores culturais

    influenciam a concretizao dos princpios tcnicos. Para alguns crticos, so os valores

    cristos ou machistas que nos do a impresso de que conquistamos a natureza, uma

    crena que aparece em projetos tcnicos ecologicamente mal formados; para outros, so os

    valores capitalistas que tornaram a tecnologia um instrumento de dominao do trabalho e

    explorao da natureza. ( White: 1972; Merchant: 1980; Braverman: 1974)

    Estas teorias algumas vezes se generalizam em verses da crtica da tecnologia como

    tal. Nesse caso, sua relevncia como projeto se perde por uma condenao essencialista de

    toda e qualquer mediao tcnica. Mas, quando a tentao essencialista evitada e a crtica

    fica restrita nossa tecnologia, esta abordagem promete um futuro tcnico radicalmente

    diferente baseado em diferentes projetos que corporificam um esprito diferente. Nesse ponto

    de vista, a tecnologia social da mesma maneira que a lei ou a educao ou a medicina

    porque igualmente influenciada por interesses e processos pblicos. Crticos do processo

    de trabalho fordista e ambientalistas tm debatido projetos tcnicos nesses termos h vinte e

    cinco anos (Hirschhorn: 1984; Commoner: 1971). Mais recentemente, esta viso tem

    encontrado amplo suporte emprico na sociologia da cincia e na tecnologia construtivistas.

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    Embora seja freqentemente visto como um tecnfobo romntico, Marcuse pertence a

    este campo. Ele argumenta que a razo instrumental historicamente contingente e, assim,

    deixa marcas na cincia e na tecnologia modernas. Cita a linha de montagem como

    exemplo, mas seu objetivo no opor-se a qualquer projeto especfico e, sim, estrutura de

    poca da racionalidade tecnolgica que, ao contrrio de Heidegger e Adorno, consideramutvel. Argumenta que poderia haver formas da razo instrumental diferentes das

    produzidas pela sociedade de classes. Um novo tipo de razo instrumental poderia gerar

    uma nova cincia e novos projetos tecnolgicos livres das caractersticas negativas de

    nossas atuais cincias e tecnologias. Marcuse um advogado eloqente desta posio

    ambiciosa, mas hoje a noo de uma transformao da cincia sob inspirao metafsica

    encontra audincia cada vez menor e alvo de total descrdito.

    Habermas oferece uma verso modesta e desmistificada da crtica da tecnologia como

    tal. A ao instrumental, que inclui a ao tcnica, tem certas caractersticas que se revelam

    apropriadas em algumas esferas da vida e inapropriadas em outras. A abordagem de

    Habermas implica que em sua prpria esfera a tecnologia neutra, mas que fora desta

    esfera causa as vrias patologias sociais que so os problemas principais das sociedades

    modernas. Embora esta posio seja fortemente combatida, a idia de que a tecnologia

    neutra, mesmo com as limitaes que Habermas levanta, lembrana do instrumentalismo

    ingnuo que foi posto de lado pelo construtivismo.

    A questo a que me refiro aqui : o que podemos aprender com estes dois pensadores

    sob o pressuposto de que no somos nem metafsicos nem instrumentalistas e que

    rejeitamos tanto uma crtica romntica da cincia quanto a neutralidade da tecnologia ?

    Na discusso que se segue, trabalho a argumentao em trs fases. Comeo com a

    crtica que Habermas faz a Marcuse em Tcnica e cincia enquanto ideologia[1] (1970),

    locus clssico deste debate. Depois considero a apresentao mais profunda de temas

    similares em Teoria da ao comunicativa (1984-1987) quando ele reformula o problema

    em termos weberianos. evidente que Marcuse no poderia replicar a tais argumentos, logo

    meu procedimento anacrnico, mas tentarei ao mximo imaginar como ele poderia ter

    respondido e para isso posso usar seus argumentos quando critica Weber. A seguir, discutirei

    aspectos da teoria de Habermas que podem ser reconstrudos para considerar a crtica de

    Marcuse que estamos discutindo. Por fim, formulo minha proposta de abordagem

    alternativa.[2]

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    II DE ESPERANAS SECRETAS NOVA SOBRIEDADE

    Marcuse acompanha Adorno e Horkheimer na Dialtica do esclarecimento[3] aoargumentar que tanto a natureza interna quanto a externa so suprimidas na luta pela

    sobrevivncia que ocorre na sociedade de classes. Para evidenciar peso crtico, esta posio

    precisa implicar, se no uma unidade original entre o homem e a natureza, pelo menos a

    existncia de algumas foras naturais congruentes com as necessidades humanas e que

    foram sacrificadas no curso da histria. Como seus colegas da Escola de Frankfurt, Marcuse

    acredita que tais foras se manifestam na arte. Mas, hoje em dia, at mesmo a conscincia

    do que se perdeu no desenvolvimento da civilizao tem sido, em grande medida, esquecido.

    O pensamento tcnico tem tomado de assalto toda esfera de vida, relaes humanas,

    polticas e assim por diante.

    EmboraA ideologia da sociedade industrial[4](1964) seja freqentemente comparada

    Dialtica do esclarecimento, bem menos pessimista. Ao introduzir uma viso mais

    esperanosa, Marcuse parece influenciado por Heidegger, embora no admita tal influncia,

    muito provavelmente por suas profundas divergncias polticas. Em termos heideggerianos,

    Marcuse prope uma nova abertura do ser por uma transformao revolucionria dasprticas bsicas. (Dreyfus: 1995). Isto conduziria a uma mudana na prpria natureza da

    instrumentalidade que seria fundamentalmente modificada pela abolio da sociedade de

    classes e por seus associados princpios de funcionamento. Seria possvel criar uma nova

    cincia e tecnologia que seriam fundamentalmente diferentes, que nos colocariam em

    harmonia com a natureza e no em conflito com ela. A natureza seria tratada como outro

    sujeito em vez de meras matrias cruas. Os seres humanos aprenderiam a atingir seus alvos

    atravs da realizao das potencialidades naturais inerentes em vez desperdia-las por

    interesse por metas a curto prazo, como o poder e o lucro.

    A prtica esttica oferece a Marcuse um modelo de instrumentalidade transformada,

    diferente da conquista da natureza que caracteriza a sociedade de classes. A vanguarda

    dos incios do sculo XX, especialmente os surrealistas, parece ser a fonte desta idia.

    Como eles, Marcuse acreditava que a separao da arte e vida cotidiana poderia ser

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    transcendida pela fuso da razo e da imaginao. An essay on liberation (1969) prope a

    Aufhebungda arte numa nova base tcnica. Ainda que este programa parea incrivelmente

    implausvel tem um certo senso intuitivo. Por exemplo, o contraste entre a arquitetura de

    Mies van der Rohe e Frank Lloyd Wright sugere a diferena entre uma tecnologia como

    manifestao de uma fora incontida e outra que se harmoniza com a natureza, que procuraintegrar o humano em seus ambientes.[5]

    Habermas no se deixa convencer. Em Tecnologia e cincia como ideologia, ele

    denuncia as esperanas secretasde uma gerao toda de pensadores sociais Benjamin,

    Adorno, Bloch, Marcuse cujo ideal implcito era a restaurao da harmonia entre o homem

    e a natureza. Ele ataca a prpria idia de uma nova cincia e uma nova tecnologia como um

    mito romntico; o ideal de uma tecnologia baseada na comunho com a natureza aplica o

    modelo da comunicao humana a um domnio onde apenas so possveis relaesinstrumentais. Habermas acompanha o antroplogo Gehlen, para o qual o desenvolvimento

    tcnico suplementa o corpo e a mente humanos com um dispositivo aps outro. Deste modo,

    a tecnologia um projeto genrico, um projeto da espcie humana como um todo e no de

    uma certa poca histrica determinada como a sociedade de classes ou de uma classe

    social especfica, como a burguesia.

    Em defesa de Marcuse, poderamos dizer que em nenhum lugar ele afirma que uma

    racionalidade tcnica qualitativamente diferente e que substituiria uma relao interpessoalcom a natureza viria a substituir a objetividade caracterstica de toda ao tcnica.

    Habermas quem usa a expresso relao fraternal com a natureza para descrever as

    posies de Marcuse. Marcuse, na verdade, advoga uma relao com a natureza como um

    outro sujeito, mas o conceito de subjetividade aqui implicado deve mais substncia

    aristotlica do que idia de uma individualidade. Marcuse no recomenda uma conversa

    com a natureza, mas, sim, o reconhecimento dela como possuidora de qualidades prprias

    de legitimidade inerente. Esse reconhecimento deveria ser incorporado na prpria estruturada racionalidade tcnica.

    Naturalmente Habermas no negaria que o desenvolvimento tecnolgico sofre

    influncia das demandas sociais, mas isto bem diferente da noo de que haja uma

    variedade de racionalidades tcnicas, como cr Marcuse. Assim Habermas poderia

    concordar que a tecnologia pode ser projetada de maneira diferente, por exemplo, sem levar

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    em conta restries ecolgicas, mas insistiria que permanece essencialmente intocada por

    esta ou aquela realizao especfica. A tecnologia, em resumo, sempre ser no-social,

    objetivando a relao com a natureza, orientada para o xito e para o controle. Marcuse

    argumentaria, ao contrrio, que a verdadeira essncia da tecnologia est em jogo na reforma

    do sistema industrial moderno.

    De qualquer jeito, Habermas no desconsideraria Marcuse, que, sem dvida, exerceu

    uma influncia considervel sobre ele. De fato, ele encontra no conceito de

    unidimensionalidade a base para uma crtica muito melhor da tecnologia do que aquela que

    rejeita. Trata-se de uma verso de Marcuse quanto tese da tecnocracia segundo a qual h

    uma tendncia para administrao total nas sociedades avanadas. Desenvolveu esta idia

    em termos da sobre-extenso dos modos tcnicos de pensar e agir. Para Habermas, isto

    implica a necessidade de limitar a esfera tcnica de modo a restaurar a comunicao em seulugar adequado na vida social.

    Paradoxalmente, embora o germe da famosa tese da colonizao de Habermas

    parea derivar, no mnimo, parcialmente da crtica da tecnologia por Marcuse, a prpria

    tecnologia some da equao habermasiana neste ponto do tempo e nunca mais reaparece.

    Como mostrarei, a teoria de Habermas poderia acomodar uma crtica da tecnologia em

    princpio, mas a Teoria da ao comunicativa nem sequer menciona a palavra. Este descuido

    relaciona-se com seu tratamento da tecnologia como neutra em sua prpria esfera. A tese daneutralidade obscurece as dimenses sociais da tecnologia na base da qual uma crtica

    poderia desenvolver-se.

    Qual o resultado deste primeiro encontro? A despeito dos problemas de sua posio,

    Habermas sai-se melhor. As posies de Marcuse foram esquecidas no final da dcada de

    70 e 80. Com certeza, havia algo certo com a crtica de Habermas, mas tambm contava

    com um contexto histrico favorvel. Este contexto foi a retirada das esperanas utpicas

    nas dcadas de 70 e 80, uma espcie de neue Sachlichkeit, ou nova sobriedade . As vises

    de Habermas adaptavam-se a uma poca em que domesticvamos nossas aspiraes.

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    III RACIONALIDADE NA CRTICA DA MODERNIDADE

    Habermas considera os radicais da dcada de 60 antimodernos ao mesmo tempo em

    que define sua propria posio como modernidade inconclusa. Assim, A teoria da aocomunicativa desenvolve uma argumentao implcita contra Marcuse e a New Left em

    nome da modernidade redimida.

    Farei aqui um resumo de uma importante verso do argumento de Habermas que

    explicarei na Tabela I (Figura 4 de Habermas), extrada de A teoria da ao comunicativa

    (1984, 1987: I, 238).[6] Na parte superior, Habermas relacionou os trs mundos dos quais

    participamos como seres humanos, o mundo objetivo das coisas, o mundo social das

    pessoas, o mundo subjetivo dos sentimentos. Ns nos alternamos constantemente entre ostrs mundos em nossa vida cotidiana. Na parte lateral, relacionamos as atitudes bsicas

    que tomamos quanto aos trs mundos: uma atitude objetivante quando tratamos com as

    coisas, ou pessoas e sentimentos como coisas; uma atitude normativo-conformativa que os

    v em termos de obrigao moral; e uma atitude expressiva que os trata de maneira emotiva.

    Combinando as atitudes bsicas e os mundos teremos nove relaes com o mundo.

    Habermas segue Weber ao defender que relaes com o mundo s podem ser

    racionalizadas quando admitem diferenciao clara e podem ser feitas sobre as realizaesdo passado numa seqncia de desenvolvimento progressivo. A modernidade baseia-se

    precisamente nestas relaes mundo racionalizveis. Aparecem nas caixas duplas:

    racionalidade cognitivo-instrumental, racionalidade prtico-moral e racionalidade prtico-

    esttica.

    TABELA 1

    Dos trs domnios possveis de racionalizao, o mundo capitalista s tem permitido

    desenvolvimento integral relao objetivante aos mundos objetivo e social, relao que

    produz a cincia, a tecnologia, os mercados e a administrao. A concluso de Habermas

    que os problemas da modernidade capitalista derivam dos obstculos que coloca

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    racionalizao da esfera prtico-moral.

    H, na tabela, trs Xs (em 2.1, 3.2 e 1.3) na tabela que se referem s relaes

    mundo no racionalizveis. Duas dessas nos interessam. A relao 2.1 a normativo-

    conformativa ao mundo objetivo, ou seja, a relao fraterna com a natureza. Embora no

    mencionado explicitamente aqui, Marcuse insere-se na caixa 2.1. Outro X est colocado

    em 3.2, a relao expressiva com o mundo social, bomia, contracultura, exatamente os

    locais em que Marcuse e seus aliados da New Leftbuscam alternativas modernidade. Em

    suma, os anos da dcada 1960 colocaram-se sob os X-s em zonas de irracionalidade que

    so incapazes de contribuir para a reforma de uma sociedade moderna. De maneira mais

    precisa do que seu ensaio anterior sobre Tecnologia e cincia enquanto ideologia esta

    imagem explica porque Habermas rejeita a crtica radical que Marcuse faz tecnologia.

    Como Marcuse teria respondido a tais afirmativas? Poderia ter usado os argumentos

    contra a neutralidade da cincias e da tecnologia que desenvolveu em seu ensaio sobre

    Industrializao e capitalismo no trabalho de Max Weber (1968) e em Ideologia da

    sociedade industrial. Tanto em Habermas quanto em Weber, a racionalidade tcnico-

    cientfica no-social, neutra e formal. Por definio exclui o social (que seria 1.2). neutra

    porque representa um interesse amplo pela espcie, um interesse cognitivo-instrumental que

    ignora os valores especficos de cada subgrupo da espcie humana. E formal como

    resultado do processo de diferenciao pelo qual abstrai-se dos vrios contedos a queserve de mediao. Em resumo, a cincia e a tecnologia no reagem essencialmente aos

    interesses sociais ou ideologia mas apenas ao mundo objetivo que representam em termos

    das possibilidades de compreenso e controle.

    Marcuse apresenta sua concepo de neutralidade da esfera cognitivo-instrumental no

    ensaio sobre Weber, quando ele mostra que se trata de um tipo especial de iluso ideolgica.

    Concede que os princpios tcnicos podem ser abstrados de qualquer contedo, ou seja, de

    qualquer interesse ou ideologia. No entanto, como tais, so meras abstraes. Logo que

    entram no real, assumem contedo social e histrico especfico. A eficincia, para tomarmos

    um exemplo particularmente importante, costuma ser definida como proporo entre

    entradas e sadas[7]. Tal definio aplica-se tanto a uma sociedade comunista quanto a uma

    sociedade capitalista e, at mesmo a uma tribo da Amaznia. Parece, portanto, que a

    eficincia transcende a particularidade do social. No entanto, concretamente quando algum

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    entra mesmo na situao de aplicar a noo de eficincia, tem que decidir que tipo de coisas

    admitem entradas ou sadas, quem pode oferecer e quem pode adquiri-las e em quais

    termos, o que considerar como danos e perdas e assim por diante. Todos tm sua

    especificidade social e, assim tambm o conceito de eficincia em qualquer aplicao real.

    Como regra geral, os sistemas formalmente racionais precisam ser contextua-lizados demaneira prtica a fim de serem usados de fato. No se trata simplesmente de uma questo

    de classificar contedos sociais particulares em formas universais, mas envolve a prpria

    definio daquelas formas que logo que so contextualizadas numa sociedade capitalista,

    incorporam valores capitalistas.

    Esta abordagem uma generalizao da crtica original de Marx ao mercado. Ao

    contrrio de muito socialistas contemporneos, Marx no negava que os mercados exibem

    uma ordem racional baseada numa troca igual. O problema com o mercado no se localizaneste nvel, mas concretiza-se historicamente numa forma que atrela esta troca equivalente

    com o crescimento implacvel do capital s custas do resto da sociedade. Os economistas

    podem deixar de lado a tendncia das atuais sociedades de mercado, mas atribuiriam a

    diferena entre os modelos ideais e as realidades banais a incidentais defeitos do mercado.

    O que consideram como um tipo de interferncia externa ao tipo ideal do mercado capitalista

    Marx considera um aspecto essencial de seu funcionamento. Mercados em sua forma

    perfeita so apenas uma abstrao de um contexto concreto a outro no qual empregam

    tendncias que refletem interesses especficos de classe.

    Marcuse adota uma direo similar ao criticar a noo weberiana de racionalidade

    administrativa, um aspecto fundamental da racionalizao. A administrao no domnio

    econmico pressupe separar os trabalhadores dos meios de produo. Tal separao

    eventualmente modela tambm o projeto tecnolgico. Embora Weber chame a administrao

    e a tecnologia capitalista de racional sem qualquer qualificao, elas assim so apenas num

    contexto especfico no qual os trabalhadores fazem seus prprios instrumentos. Essescontextos sociais, no entanto, continuam a desviar o conceito de racionalidade de Weber por

    mais que este continue a falar de um processo universal de racionalizao. A defasagem

    resultante entre a formulao abstrata da categoria e sua exemplificao ideolgica.

    Marcuse insiste na distino entre racionalidade geral e em sua realizao histrica num

    processo de racionalizao socialmente especfico e concreto. Uma racionalidade pura

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    uma abstrao do processo de vida de um sujeito histrico. Este processo necessariamente

    envolve valores que se tornam integrais racionalidade como esta se realiza.

    Habermas tambm considera que a teoria da racionalizao de Weber confunde

    categorias abstratas e instncias concretas, mas sua crtica difere da de Marcuse. Habermas

    argumenta que por trs do processo de desenvolvimento moderno existe uma estrutura de

    racionalidade que se realiza de formas especficas privilegiadas pela sociedade dominante.

    (cf. Tabela 1, acima) Weber descuidou-se de movimentos sistemticos de racionalizao

    potencial e normativa suprimidos pelo capitalismo e, conseqentemente confundiu os limites

    do capitalismo com os limites da racionalidade como tal.

    Porque Habermas no enfrenta a explicao de Weber sobre a racionalizao tcnica,

    ele parece tambm identific-la com suas formas especificamente capitalistas. Marcuse, ao

    contrrio, ataca a prpria compreenso que Weber tem da racionalizao. O erro de Weber

    no est simplesmente em identificar um tipo da racionalizao com a racionalizao em

    geral, mas mais profundamente em negligenciar a influncia dos valores sociais sobre toda e

    qualquer racionalidade. A explicao de Weber sobre a cincia e a tecnologia como no

    sociais e neutras, que Habermas compartilha, mascara os interesses que atuam sobre sua

    formulao original e aplicaes posteriores. Da que Marcuse veria carregado de valores at

    mesmo o ideal de racionalizao geral de Habermas com seus momentos tcnicos e

    normativos.

    Posso imaginar Habermas respondendo que tais problemas so apenas detalhes

    sociolgicos inapropriados no nivel terico fundamental. Elev-los a esse nvel correr o

    risco de torn-los um cavalo de Tria numa crtica romntica da racionalidade. A melhor

    maneira de conservar o cavalo fora dos muros da cidade sitiada conservar uma clara

    distino entre principio e aplicao. Do mesmo modo como os princpios ticos devem ser

    aplicados se devem atuar na realidade, assim tambm acontece com os principios tcnicos,

    econmicos ou polticos. Que as aplicaes nunca correspondam exatamente a princpios

    no uma objeo sria para formular estes em tipos-ideais purificados. Nesse nvel

    essencial, no h risco de confuso entre propriedades formais de racionalidade como tais e

    interesses sociais especficos.

    Este conceito formalista da relao entre princpio e aplicao convence mais na tica

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    do que nos estudos tecnolgicos. Princpios ticos formulados abstratamente a partir de

    aplicaes fornecem critrios para julgar. Mesmo quando os prprios princpios requerem

    reviso para retirada de deficincias em sua formulao costumeira, a reviso ocorre em

    nome dos princpios. Assim critica-se uma compreenso deficiente da igualdade do ponto de

    vista de uma compreenso mais adequada. Mas os princpios subjacentes s tecnologiasso mais instrumentais do que normativos e, portanto, somente podem corrigir lacunas

    instrumentais.O cerne da teoria de Marcuse mostrar que estes princpios so insuficientes

    por eles mesmos para determinar os contornos de uma forma tcnica de vida especfica.

    Para tanto, outros fatores que nada tm a ver com a eficincia precisam entrar na equao.

    Na verdade, esta teoria uma crtica da racionalidade e no uma regresso romntica

    ao imediatismo. Ao contrrio, mudanas tcnicas implementadas no local de trabalho para

    intensificar o poder gerencial so justificadas quanto eficincia no sentido de que podemaumentar o retorno de capital mesmo que tornem o trabalho mais difcil e doloroso. A

    dimenso moral desse resultado abafada e no se revela pela aplicao de normas

    tcnicas.

    Na verdade, o uso de libis tcnicos para justificar o que na realidade so relaes de

    fora um acontecimento comum em nossa sociedade. De maneira tpica, invocam-se

    consideraes de eficincia para remover temas de julgamentos normativos e de discusso

    pblica. At a formulao de normas morais corrompida onde esto arbitrariamenteexcludas dos domnios significativos da vida. Assim o fracasso de nossa sociedade em

    julgar ambientes de trabalho conforme as normas da democracia e do respeito para com as

    pessoas faz com que nossa compreenso dessas normas retrocedam e as torna vazias e

    formalistas no mau sentido. O central , ento, que a tese da neutralidade sustenta um tipo

    de mistificao mais do que de formalismo tico, um tipo que, por vezes, envolve abusos

    formalistas e que, de qualquer maneira, bloqueia o dilogo pblico mediante libis tcnicos.

    A crtica da cincia e da tecnologia de Marcuse foi apresentada num contexto

    especulativo, mas sua maior afirmativa o carter social dos sistemas racionais um

    lugar comum da recente pesquisa construtivista da cincia e da tecnologia. A noo de

    subdeterminao central nessa abordagem (Pinch & Bijker, 1984). Se dispomos de

    solues puramente tcnicas para um problema, ento a escolha entre elas torna-se tanto

    tcnica quanto poltica. As implicaes polticas da escolha sero incorporadas em certo

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    sentido na tecnologia.

    Embora no seja um construtivista, Langdon Winner (1986) oferece uma exemplificao

    especialmente clara das implicaes polticas da tese de subdeterminao. Os projetos de

    Robert Moses para uma via expressa em Nova Iorque, anos atrs, incluiam uma grande

    especificao para viadutos que eram um pouco baixo demais para os nibus que circulavam

    na cidade. Desta maneira, as pessoas pobres que moravam em Manhattan e que dependiam

    do transporte pblico ficariam, portanto, impedidas de visitar as praias de Long Island. Desse

    modo, um simples nmero num desenho de engenharia continha um desvio racial e de

    classe social. Poderamos mostrar coisas similares com muitas outras tecnologias, a linha de

    montagem, por exemplo, que exemplifica as noes capitalistas de controle da fora de

    trabalho. Corrigir tais desvios no nos remeteria de volta a uma tecnologia pura e neutra,

    mas simplesmente alterariam seu contedo valorativo numa direo menos visvel para nsporque mais de acordo com nossas prprias preferncias.

    O prprio Habermas, certa vez, focalizou este fenmeno. Num ensaio antigo,

    argumentou que a cincia no pode nos ajudar a decidir entre tecnologias funcionalmente

    equivalentes, e que os valores podem interferir (Habermas, 1973: 270- 271). Mostrou que a

    aplicao da teoria da deciso no fornece critrios cientficos de escolha, mas apenas

    introduz diferentes preconceitos de valor. Mesmo em Tecnologia e cincia como ideologia,

    Habermas reconhece que interesses sociais ainda determinam a direo, as funes e oritmo do progresso tcnico (Habermas: 1970, p. 105). Ele no explica como esta afirmao

    se harmoniza com sua crena, expressa no mesmo ensaio, de que a tecnologia um

    projeto da espcie humana como um todo (Habermas: 1970, p. 87). Mesmo esta

    inconsistncia (contornvel, no h dvida) parece desaparecer em trabalhos posteriores

    quando a tecnologia definida como no-social.

    Mas, com certeza, a posio anterior estava certa. Se isto verdade, ento o que

    Habermas chama de relao fraterna com a natureza (2.1), no deveria ter um X por cima.

    Se 1.1, isto , a relao objetiva com o mundo objetivo j social, a distino entre ele e 2.1

    suavizada. A pura instrumentalidade no se ope s normas sociais j que toda atitude tem

    uma dimenso social. A objetividade do tipo envolvido na pesquisa cientfica natural

    certamente seria diferente da relao com a natureza que Marcuse recomenda, mas num

    eixo diferente daquele identificado por Habermas. A questo no , como Habermas pensa,

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    IV - REFORMULANDO A TEORIA DOS MEIOS

    A teoria dos meios de Habermas d a base para uma sntese. Esta teoria projetada

    para explicar a emergncia nas sociedades modernas de subsistemas diferenciados e que

    se baseiam em formas racionais, como o intercmbio, a lei e a administrao. Esses meios

    permitem que o indivduo coordene seu comportamento enquanto persegue xito individual

    numa atitude instrumental diante do mundo. A interao guiada pelos meios uma

    alternativa coordenao do comportamento social atravs da compreenso comunicativa,

    atravs da obteno de crenas compartilhadas no curso de intercmbios mediados

    linguisticamente. Resumindo grosso modo, o objetivo de Habermas corrigir o equilbrioentre estes dois tipos de coordenao racional, ambas requeridas por uma sociedade

    moderna complexa.

    O conceito de meios generalizado a partir de trocas monetrias ao longo de linhas que

    Parson foi o primeiro a propor. Habermas argumenta que apenas o poder se assemelha

    bastante ao dinheiro a ponto de qualificar-se como meio integral. Juntos, o dinheiro e o

    poder adulteram e justificam a vida social ao organizar a interao por comportamentos

    objetivantes. As compreenses comuns e os valores compartilhados desempenham um

    papel diminuto no mercado, porque o mecanismo do mercado d um resultado

    reciprocamente satisfatrio e indiscutvel. Algo similar acontece com o exerccio do poder

    administrativo.

    importante no exagerar as concesses de Habermas teoria sistmica. [8] Em sua

    formulao, os meios no eliminam totalmente a comunicao, apenas a necessidade de

    ao comunicativa. Este termo no se refere faculdade geral de usar smbolos para

    transmitir crenas e desejos, mas forma especial de comunicao em que os sujeitos

    buscam mtua compreenso (Habermas, 1984, 1987: I, 286). A comunicao que se refere

    aos meios bastante diferente. Consiste em cdigos altamente simplificados e expresses

    ou smbolos que objetivam no a compreenso mtua, mas o desempenho vitorioso. A

    coordenao da ao um efeito da estrutura da mediao mais do que uma inteno

    consciente por parte dos sujeitos.

    http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn10http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn10
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    Eis a base do contraste que percorre as pginas da A teoria da ao comunicativa

    entre sistema, instituies racionais regulada pelos meios, e o mundo da vida, a esfera

    das interaes comunicativas cotidianas. A patologia central das sociedades modernas a

    colonizao do mundo da vida pelo sistema. O mundo da vida contrai-se enquanto o sistema

    expande-se nele adulterando e justificando as dimenses da vida social que deveriam serlingisticamente mediadas. Habermas acompanha Luhmann ao chamar isto de tecnificao

    do mundo da vida.

    A teoria dos meios permite que Habermas oferea uma explicao muito mais clara das

    tendncias tecnocrticas das sociedades modernas do que a Dialtica do esclarecimento

    ou a Ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. Usa como estratgia aqui

    a mesma que empregou antes para criticar Marcuse: limitar a esfera instrumental, limit-la de

    tal maneira que a ao comunicativa possa desempenhar seu papel. Mas,surpreendentemente, mesmo protestando contra a tecnificao do mundo, Habermas

    quase no menciona a tecnologia. Isto me parece descuido bvio. Com certeza, a tecnologia

    tambm organiza a ao humana enquanto minimiza a necessidade da linguagem.

    H uma forte objeo a esta posio, a saber, que a tecnologia envolve relaes

    causais com a natureza enquanto os demais meios so essencialmente sociais. Os cdigos

    que governam o dinheiro e o poder so convencionais, ao passo que os que governam a

    tecnologia parecem carecer de contedo comunicativo. Ou, em outras palavras, a tecnologiaalivia o esforo fsico mas no o comunicativo.

    Mas, na verdade, a tecnologia atua nos dois nveis.H vrios e diferentes tipos de

    contedo comunicativo. Algumas tecnologias, como automveis e escrivaninhas comunicam

    o status de seus proprietrios (Forty, 1986); outras, como os cofres, comunicam obrigaes

    legais; a maioria das tecnologias tambem comunicam atravs das interfaces pelas quais so

    manipuladas. Um programa de computao, por exemplo, transmite a concepo do

    projetista quanto aos problemas a que o programa se destina e, ao mesmo tempo, tambm

    ajuda a resolver tais problemas (Suchman, 1987). Em qualquer sistema de transporte, a

    tecnologia pode ser vista organizando um grande nmero de pessoas sem discusses:

    precisam apenas seguir as regras e o mapa. E, ainda, os trabalhadores numa fbrica bem

    projetada podem encontrar suas posies de maneira quase que por combinaes

    automticas graas estrutura do equipamento e dos edifcios trata-se de uma ao

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    coordenada sem muita interao lingstica.

    Na verdade, bem improvvel sugerir, como Habermas faz, pelo menos por implicao,

    que pode-se descrever completamente a coordenao de ao nas esferas racionalizadas

    da vida social simplesmente pelas referncias do dinheiro e do poder. Com certeza, ningum

    no campo da teoria administrativa apoiaria a viso de que uma combinao de incentivos

    monetrios e regras administrativas seria suficiente para coordenar a atividade econmica. O

    problema da motivao bem mais complexo e, a no ser que a racionalidade tcnica do

    trabalho consiga unir de maneira harmoniosa os trabalhadores para a obteno dos mesmos

    objetivos, a organizao de suas atividades no pode ser restrita apenas a uma questo de

    regras.

    Reduzir a tecnologia simplesmente a uma funo causal perder os resultados de uma

    gerao de pesquisa pela sociologia da tecnologia. Para provar o que afirmo, seria um

    engano ignorar a importncia de uma compreenso dos mecanismos causais para o controle

    do comportamento humano na esfera administrativa: a frase tecnologias sociais bem

    escolhida. Mas se no se pode reduzir a tecnologia causalidade natural, por que exclui-la

    da lista dos meios a que se assemelha em tantos aspectos? Naturalmente, trata-se de algo

    bem diferente do dinheiro, meio paradigmtico, mas, se a analogia se aplica vagamente ao

    poder, argumentaria que tambm pode ser estendida tecnologia. Na Tabela 2 (figura de

    Habermas 37), quando Habermas define o dinheiro e o poder como meios, relacionei atecnologia com eles e encontrei uma aproximao com cada um dos termos que emprega

    para descrev-los (1984, 1987: II, 274). No vou rever a Tabela toda, mas me concentrar em

    trs das funes mais importantes.

    Primeira: consideremos um valor instrumental generalizado. No caso do poder sua

    efetividade, e a chamo de produtividade no caso da tecnologia. Os que se encarregam das

    mudanas tecnolgicas (que no so necessariamente tcnicos) introduzem recursos e

    comportamentos associados entre os membros da comunidade que os aliviam tanto do nvel

    comunicativo quanto do fsico. Isto gera dois tipos de valor: primeiro, o comando ampliado de

    recursos dos indivduos equipados e coordenados, e, segundo, o comando ampliado de

    pessoas ganha os que intermediam o processo tcnico. Tal autoridade tcnica assemelha-se

    ao poder poltico mas no pode ser a ele reduzido. Nem mesmo to vago quanto a

    influncia e prestgio, meios sugeridos por Parsons e que Habermas no mantm. Creio que

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    sui generis.

    Segunda: cada um desses meios apresenta uma reivindicao nominal. Com o dinheiro

    trata-se de uma troca de valor, isto , o dinheiro demanda um equivalente; o poder coloca

    decises obrigatrias que exigem obedincia; e a tecnologia gera o que chamo, como o faz

    Bruno Latour (1992) prescries, regras de ao que demandam aceitao. Aceitar

    instrues para operar uma mquina difere tanto de obedecer a ordens polticas quanto de

    aceitar uma troca de equivalentes no mercado. Isto se caracteriza por um cdigo

    especficamente prprio. A comunicao que define, aquela que corresponde mais

    intimamente aos cdigos simplificados do dinheiro (comprar, no comprar) e do poder

    (obedecer, desobedecer) pragmaticamente a ao certa ou a ao errada.

    Terceira: existe a coluna de sano, que Habermas chama de retaguarda de reserva. Ao

    reivindicar que o dinheiro tem reserva em ouro, Habermas salta sobre vinte e cinco anos da

    histria econmica, mas lgico que o valor monetrio deva referir-se a algo em que as

    pessoas confiam. O poder requer meios de fora; no caso da tecnologia, as conseqncias

    naturais do erro tm uma funo similar, freqentemente mediada por sanes

    organizacionais de alguma espcie. Se voc recusa as normas tcnicas, digamos, por dirigir

    o carro pelo lado errado da rua, voc arrisca a vida. Voc sobrecarrega aqueles que seriam

    auxiliados por sua adeso e que agora precisa gastar tempo ao fazerem sinais que evitem a

    batida. Fracassando nessa empreitada, a natureza assume sua marcha e o acidente vemreforar as regras consolidadas na lei e na configurao tcnica das rodovias e dos carros.

    Tabela 2

    Se a tecnologia for includa na teoria dos meios, os limites que Habermas pretendecolocar em torno do dinheiro e do poder lhe sero tambm estendidos. certo que faz

    sentido argumentar que a mediao tcnica adequada em algumas esferas e inadequada

    em outras.

    No entanto, tem-se objetado que, a despeito de algumas similaridades quanto ao

    dinheiro e ao poder, a tecnologia est to integralmente entretecida com eles e com o mundo

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    objees aplicao da tecnologia ao mundo da vida. Mas a aplicao da tecnologia s

    funes do mundo da vida s vezes d origem a patologias. Considere, por exemplo, a

    ofensiva mdica contra a amamentao pelo peito nas dcadas de 1930 e 1940. Nessa

    instncia, um aspecto da vida familiar foi invadida pela tecnologia numa crena equivocada

    de que os produtos fornecidos pelas indstria eram mais saudveis do que o leite do peito.Essa mediao tcnica complicou sem necessidade os cuidados com a infncia ao mesmo

    tempo que abria grandes mercados. O amplo emprego de produtos qumicos em pases sem

    depsitos naturais de gua pura espalha a diarria infantil, o que, por sua vez, requer

    tratamentos mdicos uma outra intromisso da tecnologia nos cuidados com a criana. Eis

    uma clara interveno patolgica da tecnologia no mundo da vida.[10]

    Esta seo sugeriu uma maneira de desenvolver uma teoria crtica da tecnologia numa

    base terica de comunicao. Em vez de ignorar a crescente tecnificao das sociedades

    avanadas, pode-se submet-la anlise e crtica. Espero que esta abordagem possibilite

    que a Teoria Crtica retome a discusso interrompida da tecnologia desde quando ocorreu o

    debate entre Marcuse e Habermas que mencionamos.

    V - VALOR E RACIONALIDADE

    Este tratamento da tecnologia como um meio melhora a teoria da ao comunicativa de

    Habermas sem apagar seus contornos. No entanto, sugere alguns problemas tericos mais

    profundos que pem sua estrutura sob tenso. Quero abordar tais problemas nas sees

    finais desse ensaio.

    A sntese que at agora esquematizamos diz respeito apenas extenso e ao alcance

    da mediao instrumental e no ao projeto tecnolgico. Isto acontece porque a teoria

    sistmica de Habermas no oferece base para uma crtica estrutura interna de qualquer

    meio. Pode desafiar a super-extenso aos domnios comunicativos mas no seu projeto no

    domnio de sua prpria competncia. Nada em sua teoria corresponde crtica que Marcuse

    levanta tese da neutralidade. Mas difcil ver como uma teoria crtica da tecnologia pode

    evitar questes. Ser possvel retomar o ponto essencial da crtica de Marcuse sem que

    tenhamos que defender as controvertidas pressuposies com as quais ele a defende?

    Argumentarei que este objetivo pode ser atingido mas apenas se abandonarmos tanto a

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    O problema no a distino em si, mas a identificao de um de seus termos

    racionalidade formal e neutra. A teoria feminista contempornea, a sociologia organizacional,

    a sociologia da cincia e a tecnologia tm demonstrado abundantemente que tal racionalidde

    no existe. Nancy Fraser (1987), por exemplo, mostrou que o alto nvel de abstrao em que

    Habermas define suas categorias serve apenas para mascarar sua realizao marcada pelognero nas sociedades concretas.O sistema e o mundo da vida, a produo material e

    simblica, pblica e privada, todas essas abstraes escondem distines entre papis do

    macho e da fmea que existem at na racionalidade que, aparentemente, apenas

    administrativa e poltica na economia e no estado modernos. Deixar de ver este fato leva a

    uma superdimensionalizao da centralidade das patologias da colonizao (reificao) e a

    uma correspondente subavaliao da opresso dos grupos sociais, tais como o da mulher.

    Precisamos de um jeito de falar sobre normas-projeto do tipo que caracteriza todas as

    instituies sem perder a distino entre sistema e mundo da vida. Proponho aplicarmos o

    conceito de desvio implementao para tal propsito. Desvios implementao entram

    nos meios e nas formas especficas dos meios no como compreenses comunicativas do

    tipo que caracteriza o mundo da vida. Latour (1992) chama delegao a este tipo de desvio:

    as normas acabam delegadas tecnologia pelo projeto e pela configurao de recursos e

    sistemas. A noo de delegao pode ser generalizada aos demais meios, de modo que

    pode-se falar de delegao de normas a mercados, a leis etc. As duas formas de ao-

    coordenao que Habermas identifica e os correspondentes domnios de sistema e mundo

    da vida podem, assim, serem mantidos separados sem a necessidade da noo de pura

    racionalidade, pois esta no convence.

    Contudo, tanto quanto posso dizer, esta no a agenda de Latour. Em vez de

    reconstruir a noo de racionalidade deste modo, Latour e seus colegas parecem tentar

    confundir a fronteira entre racionalidade e prtica cotidiana. Como a microssociologia

    construtivista, reduzem a especificidade das funes sistmicas ao mundo da vida sem

    tomar em considerao as macroconseqncias da expanso sistmica nas sociedades

    modernas. Na verdade, Latour (1991) intitulou um de seus livros Nunca fomos modernos.

    Creio que se trata de uma hiper-reao noo de pura racionalidade. Mesmo no livro de

    Latour, o socilogo no moderno acha necessrio introduzir substitutos para as distines

    sistema/mundo da vida e moderno/premoderno. Por mais que sejam construdas, no tem

    sentido negar as diferenas entre operaes racionalizadas pela moderna tecnologia e

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    modos de ao no tecnolgicos. Mas faz sentido, no entanto, mostrar que, a despeito das

    diferenas, as operaes racionalizadas ainda esto embebidas de valores.

    Exatamente como a racionalidade sistmica e a normatividade coexistem nos meios? A

    charada s parece to difcil porque nossa concepo de desvio valorativo est configurado

    pelos contextos e experincias do mundo da vida. Pensamos nos valores como enraizadosem sentimentos ou crenas, como expressos ou justificados, como escolhidos ou criticados.

    Os valores pertencem ao mundo do deveria em contraste com o mundo do .

    Naturalmente, esta noo de senso comum sobre os valores negligencia a realizao

    institucional das normas num consenso objetivado de fundo que torna a vida social possvel.

    A sociologia organizacional insiste sobre este ponto e Habermas concorda que as atividades

    racionalizadas requerem um fundo normativo compartilhado de algum tipo, por exemplo,

    consenso sobre o significado e valor das atividades. No entanto, a questo mais profunda.

    Precisamos saber como instituies baseadas na racionalidade sistmica faz normas

    objetivadas nos recursos e prticas, e no simplesmente em crenas individuais ou

    pressuposies compartilhadas.

    Uma dificuldade conceitual mais ou menos do mesmo tipo acontece em relao ao

    tratamento equitativo aos grupos raciais ou tnicos. Um teste culturalmente enviezado pode

    ser administrado corretamente e, no entanto, favorecer deslealmente um grupo s custas do

    outro. Em tais casos, o desvio no precisa estar presente na forma cotidiana de preconceito,

    nem tratar-se apenas de uma pressuposio de fundo dos aplicadores do teste. Na verdade,

    esto realmente ali no prprio teste, e, contudo, isto no ser revelado por nenhum estudo

    do teste ou das condies em que aplicado, pois se trata de um propriedade relacional do

    teste com seu contexto social.

    Proponho chamar este tipo de desigualdade desvio formal, em contraste com o

    desvio substantivo que normalmente aparece no mundo da vida.[11] O desvio formal

    conseqncia das propriedades formais da atividade em desvio, no como escolhas de

    valores substantivos. No caso de um teste com desvio cultural, por exemplo, a escolha da

    linguagem ou das questes supostamente familiares bastam para enviezar o resultado. No

    preciso uma interveno substantiva como a diminuio dissimulada dos membros do

    grupo minoritrio ou citaes que os excluam das posies a que o teste pretende dar

    acesso.

    http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn13http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn13
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    O conceito de desvio formal pode ser generalizado para abranger desvios na

    implementao de sistemas tecnicamente racionais. Seus trabalhos internos podem ser

    descritos exaustivamente sem qualquer outra referncia a valores do que eficincia e

    adequao cognitiva; no entanto, seus projetos revelam um contedo normativo implcito

    quando colocado em seu contexto social.A teoria crtica tem lutado para trazer tal contedo conscincia desde a crtica

    marxiana original quanto neutralidade do mercado. Muito do que obscuro e desafiador

    em Marx e em marxistas como Marcuse parece originar-se da complexidade dessa crtica.

    No tenho certeza se a teoria da ao comunicativa de Habermas reflete bem essa

    complexidade. A noo de uma racionalidade instrumental no social parece retirar a ao

    da crtica. Onde os projetos tcnicos incorporam desvios normativos que so tomados como

    garantidos e postos fora da discusso, apenas um tipo de crtica que a teoria de Habermas

    exclui que poderia abrir um dilogo verdadeiramente livre.

    No caso da tecnologia, esta crtica ainda no se desenvolveu amplamente embora

    algum trabalho tenha sido feito no processo do trabalho, das tecnologias reprodutivas e no

    ambiente. A pesquisa parece mostrar que a moderna racionalidade tecnolgica exibe

    deficincias fundamentais ao lidar com o trabalho, o gnero e a natureza. Estas deficincias

    relacionam-se sistematicamente com a natureza de nossa ordem social. Determinam a

    maneira pela qual pensamos sobre ao tcnica e recursos do projeto tcnico. Torna-se

    necessria, portanto, uma crtica social dessas deficincias gerais.

    verdade que este padro muitas vezes condenado a totalizar crticas da tecnologia

    como tal. Habermas tem razo ao querer evitar a tecnofobia que s vezes se associa a tal

    abordagem. No entanto, a crtica histrica de Marcuse (1964) identifica um padro

    semelhante sem julgar prematuramente a possibilidade de mudana futura na estrutura da

    racionaldade tecnolgica. Como vimos, baseia-se na distino quase heideggeriana entre

    tecnologia como reduo a matrias primas por interesse de controle e uma tecnologia com

    projeto diferente que libertaria o potencial inerente de seus objetos em harmonia com as

    necessidades humanas.

    Tais problemas, no entanto, no justificam voltar a uma abordagem essencialista que

    defina a tecnologia abstrada de qualquer contexto socio-histrico. Nem tampouco tomar

    como hiptese, la Habermas, que haja um nvel de racionalidade tcnica invariante a

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    despeito de mudanas contextuais. Enquanto haja um certo ncleo de atributos e funes

    que nos permite distinguir racionalidade tcnica de outras relaes com a realidade, ele

    deseja extrair demais uma crtica social completa de algumas poucas propriedades

    abstratas que pertencem quele ncleo. Sem dvida de se incluir, como ele afirma, a

    relao objetivante orientada ao xito quanto natureza mas precisa ser incorporada nasdisciplinas tcnicas que incluem muito mais do que prover uma base para aplicao. a

    racionalidade de tais disciplinas que est em questo, j que esta a forma institucional

    concreta em que a razo se torna historicamente ativa.

    Seria possvel desenvolver uma crtica da racionalidade tcnica neste nvel institucional

    ao mesmo tempo em que se evitaria os pontos fracos da teoria de Marcuse? Creio que isto

    pode ser feito por anlise das propriedades reflexivas da prtica tcnica. Esta abordagem

    pode captar algo da contribuio de Marcuse e, ao mesmo tempo, esclarecer problemas da

    noo de racionalidade de Habermas.

    No h dvidas de que surpreendente alegar que a tecnologia tenha propriedades

    reflexivas. No entanto, se afirmamos seriamente que a tecnologia essencialmente social,

    ento, como todas instituies sociais deve caracterizar-se pela reflexibilidade. Que isto

    geralmente no seja reconhecido deve-se identificao da tecnologia em si com uma

    ideologia especial e hostl reflexo. Heidegger o admite praticamente ao afirmar que a

    essncia da tecnologia no nada tecnolgico. Ellul tambm nos adverte logo no incio de

    sua obra maior: o fenmeno tcnico no tanto um assunto de recursos mas do esprito

    como ocorre a sua apropriao. Mas, ao final, estes pensadores e seus continuadores

    fracassam na tentativa de desenvolver uma teoria da tecnologia independente. Parecem

    concluir que uma vez que a tecnologia agasalha os males que identificaram com o

    positivismo, instrumentalismo, behaviorismo e com o mecnico e todas as demais doutrinas

    que efetivamente criticam , a crtica a qualquer uma pode transferir-se a qualquer outra. A

    esse respeito, Habermas no se diferencia muito dos que o precederam: seu modelo de

    relao tcnica com o mundo positivismo e extrai pressupostos daquela doutrina sobre a

    possibilidade de uma racionalidade neutra, no-social. Identifica tal ideologia com a eterna

    essncia da tecnologia.

    verdade que, concebida abstratamente, a tecnologia guarda uma afinidade eletiva

    com o positivismo, mas isto acontece precisamente porque cada elemento da reflexibilidade

    foi deixado de lado ao retirar sua essncia da histria. A essncia da tcnica em seu sentido

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    mais amplo no simplesmente aqueles aspectos distintos e constantes que se identificam

    em construtos conceituais extra-histricos como os de Habermas. Com certeza, tais

    construtos podem s vezes trazer algum insight, mas apenas no que chamaremos de

    instrumentalizao primria que distingue a ao tcnica em geral. A tcnica inclui aquelas

    caractersticas em combinaes com variveis que se desenvolvem historicamente. Apenasalgumas determinaes compartilhadas por todos os tipos de prtica tcnica no so uma

    essncia anterior histria, mas simplesmente abstraes das vrias essncias concretas

    historicamente concreta em seus diferentes estgios de desenvolvimento, o que inclui o atual

    estgio moderno delas.

    As propriedades reflexivas da tcnica permitem que ela volte-se para si mesma e para

    seus usurios como inserida em seu contexto social e natural. Penso tais atributos como

    formas estticas, organizao de trabalhos de equipe, investimentos vocacionais e vrias

    propriedades relacionais de artefatos tcnicos. Chamo tais aspectos reflexivos da tcnica de

    instrumentalizaes secundrias; sua configurao caracteriza eras distintas na histria da

    racionalidade tcnica.[12] A passagem do ofcio para a produo industrial oferece um

    exemplo claro: a produtividade rapidamente cresceu, uma mudana qualitativa de grande

    significado no mbito da instrumentalizao primria, mas igualmente importante, as

    instrumentalizaes secundrias como o design do produto, a administrao e a vida de

    trabalho sofreram uma profunda transformao qualitativa. Estas transformaes no so

    apenas acrscimos numa pr-social relao natureza, mas so essenciais para a

    industrializao considerada exatamente em seu aspecto tcnico.

    Esta posio parece mais plausvel em contraste com a de Habermas logo que algum

    pergunta o que ele realmente pensa por essncia da tecnologia, isto , a relao natureza,

    relao que objetivante e orientada ao xito. Existe substncia suficiente para tal definio

    que possa imagin-la implementada? Ser que no , de preferncia, to vazia de contedo

    que tolere uma ampla escala de realizaes, que inclui a noo de Marcuse de relacionar-se

    com a natureza como a um outro sujeito? A no ser que, exemplifiquemos, que se fraude

    muitas coisas no contedo histrico especfico. Eis a nica maneira de se ir do conceito

    excessivamente geral de uma relao com a natureza orientada ao xito para chegar a uma

    afirmativa especfica de que a tecnologia necessariamente exclui respeito pela natureza no

    sentido que lhe d Marcuse. Mas este movimento reproduz o erro de que Habermas acusa

    Weber, a saber: de identificar a racionalidade em geral com sua especfica realizao

    http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn14http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftn14
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    caso. Essa posio no envolve nem o repdio da cincia, nem uma metafsica, ou um

    instrumentalismo e defesas de neutralidade. Resolve o que considero os principais

    problemas nas teorias sobre a tecnologia feitas por Marcuse e Habermas e oferece a base

    para uma crtica radical.

    Muitos dos avanos significativos de Habermas so compatveis com este alargamentoda teoria dos meios de modo a incluir a tecnologia. Em escritos recentes, j deu um passo

    signficativo na direo do que descrevo como dois nveis de crtica da lei. Habermas (1994:

    124) distingue entre (a) as normas morais puras que descrevem possveis interaes entre

    o falar e o agir em geral e (b) normas legais que se referem rede de interaes numa

    sociedade especfica. Como so a expresso concreta de um povo num tempo e espao

    particulares, as normas ligam-se a uma concepo particular de vida boa, precisam

    incorporar valores substantivos. Mas assim procedem de maneira legalmente destacada,

    no de um jeito que venha a apagar a distino entre lei e poltica. Habermas (1994: 124)

    conclui: Todo sistema legal tambm expresso de uma forma particular de vida e no

    apenas um reflexo do contedo universal dos direitos fundamentais Isto no bem parecido

    com a abordagem aqui defendida? Tenho argumentado que qualquer exemplificao dos

    princpios tcnicos socialmente especfica, justamente como Habermas afirma da lei.

    Ambos esto abertos crtica no apenas onde so aplicadas de maneira inadequada, mas

    tambm em relao aos defeitos da forma de vida que envolvem.

    Nesse relato, no basta amarraro sistema; preciso tambm ser estratificado com

    exigncias que correspondem a uma concepo de vida boa publicamente colocada. [14]

    meio obscuro saber como isto fica na teoria de Habermas original sobre os meios por causa

    da falta de um conceito de desvio de implementao, mas decorre diretamente da reviso da

    teoria que aqui se prope. Onde o projeto tcnico estratificado com exigncia

    democrticas, divisa-se profundas mudanas sociotcnicas. Precisamos de um mtodo que

    possa apreciar tais situaes, mesmo que sejam poucas e distanciadas, mesmo se no

    pudermos predizer seu conseqente sucesso. Este ensaio tentou criar uma estrutura terica

    para alcanar justamente isto.

    Pode-se indagar porque o problema da tecnologia no foi antes tratado, neste termos

    ou em similares, dado o desejo que tantos da tradio da Escola de Frankfurt tiveram por

    uma ampliao do horizonte da crtica. Poderia ser que aquelas velhas fronteiras

    disciplinares entre as humanidades e as cincias tenham determinado as categorias

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    fundamentais da teoria social? Se isto acontece, hora de pr em cheque os efeitos de tais

    fronteiras em nosso campo pois essas esto destinadas a serem violadas pela prpria

    natureza de seu objeto.

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    * Publicada no Inquiry 39, 1996: pp. 45-70. Traduo de Newton Ramos-de-Oliveira. O artigo

    foi baseado numa palestra dada no Centro TMV da Universidade de Oslo e no Centro para

    Estudo das Cincias e Humanidades da Universidade de Bergen. Alm dessas sesses, o

    autor baseou-se tambm em discusses com Torben Hviid Nielsen, Thomas Krogh, David

    Ingram e Gerald Doppelt, a quem transmite seus agradecimentos.

    ** Professor aposentado da Unesp e pesquisador do CNPq. E-mail: [email protected]

    [1] Publicado em Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Jrgen Habermas

    Textos escolhidos. So Paulo: Abril Cultural, 1980. Traduo de Zeljko Loparic e Andra

    Maria Altino de Campos Loparic. P. 313- 343.

    [2] O autor discute algumas questes correlatas na interpretao de Habermas en Feenberg

    1994.

    [3] ADORNO, Theodor W e HORKHEIMER, M.- Dialtica do Esclarecimento: fragmentos

    filosficos. Traduo de Guido Antonio de Almeida, Rio de Janeiro, Zahar editores, 1986;

    http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref1http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref2mailto:[email protected]:[email protected]://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref3http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref4http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref5http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref1http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref2mailto:[email protected]://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref3http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref4http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm#_ftnref5
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    [4] MARCUSE, H. - A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional, Rio de

    Janeiro, Zahar editores, 1986.

    [5] Para um tratamento mais completo das posies de Marcuse, cf Feenberg 1987.

    [6] Esta tabela foi objeto de um interessante debate entre Habermas e Thomas McCarthy. Cf.

    Bernstein (1985: pp. 177 e segs e 203 e segs). Habermas confunde-se ao pedir desculpas

    por estar usando a tabela para demonstrar suas prprias posies quando, na verdade,

    pretendia mostrar uma explicao de Weber; mas, depois, continua a us-la para apresentar

    suas prprias opinies. O debate continua inconcluso, pois, como mostrarei mais

    detalhadamente abaixo, coloca a questo de uma relao normativa ao mundo objetivo em

    termos da possibilidade de uma filosofia natural mais do que em termos de uma razo

    tcnica revista, Cf.. tambm Thompson & Held (1982: pp. 238 e segs). Marcuse (1964: 166)

    tambm no foi nada claro quanto ao que pretendia, mas, pelo menos, rejeitou

    explicitamente uma regresso fsica qualitativa.

    [7] No original : ratio of inputs to outputs. (nota nro)

    [8] Para uma discusso desta questo, cf McCarthy: 1991 e a resposta de Habermas,

    Habermas:1996.

    [9] Esta objeo foi-me sugerida por Torben Hviid e Thomas Krogh.[10] Antes de deixar este ponto, faz-se talvez necessrio anteciparmo-nos a um possvel erro

    de compreenso. Seria um equvoco identificar a tecnologia (ou outro meio qualquer) com a

    instrumentalidade como tal. Se toda instrumentalidade for identificada como tecnolgica, no

    teremos base para distinguir entre os vrios meios. Alm disso, no se pode distinguir o

    amplo domnio da tcnica em geral de sua forma tecnolgica especificamente moderna. De

    maneira especial, o artefato tradicional com sua tecnologia pre-moderna e o que podemos

    chamar de tcnicas pessoais, precisam ser diferenciadas da tecnologia moderna, isto , o

    trabalho manual e as atividades comuns do mundo da vida realizados por indivduos ou por

    pequenos grupos com meios de pequena escala sob controle individual, como opostos s

    atividades extraordinariamente complexas mediadas por recursos semi-automticos e

    sistemas sob algum tipo de controle administrativo. No resta dvida de que a linha

    nebulosa, mas esta diferenciao geral til e nos permite julgar o grau de tecnificao do

    mundo da vida no sentido que lhe d Habermas. Isto fica claro no exemplo da amamentao

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    que no deixa de ter sua tcnica., diferente na frmula, mas igualmente orientada ao xito.

    Neste sentido, frmulas ao beb so tecnologia e, como tal, mediaes, ao contrrio da

    amamentao pelo seio que uma tcnica pessoal. Portanto, o domnio da ao tcnica

    mais amplo do que o domnio dos meios.

    [11] Para um estudo desse conceito veja-se Feenberg 1991: captulo 8.

    [12] J outra perspectiva bem diferente representada pelo livro de Lorenzo Simpson

    Tecnologia, tempo e conversas da modernidade. Simpson nega que esteja essencializando

    a tecnologia, no entanto, trabalha em todo seu livro com um conjunto mnimo de

    caractersticas invariantes de tecnologia como se constituissem uma coisa da qual pudesse

    falar independente do contexto socio-histrico (Simpson, 1995: 15-16 e 182). Este contexto

    , ento, mostrado como apenas um nvel contingente de influncias e condies mais do

    que como integrados na concepo da prpria tecnologia.

    [13] Para uma interessante tentativa de defender a tica do discurso atravs do alargamento

    de seu escopo de modo a incluir relaes tcnicas veja-se Ingram 1995: captulo 5.

    [14] Para o conceito de estratificao, cf. Feenberg 1995, especialmente o captulo 9. b.

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