Felipe Do Amaral Silva

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1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Formação de Professores Departamento de Ciências Humanas Pós-Graduação em História Social Felipe do Amaral Silva João da Silva Feijó: Uma análise acerca de sua expedição empreendida à Capitania do Ceará em fins do século XVIII e início do século XIX. São Gonçalo 2009

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DISSERTAÇÃO

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades

Faculdade de Formação de Professores

Departamento de Ciências Humanas

Pós-Graduação em História Social

Felipe do Amaral Silva

João da Silva Feijó: Uma análise acerca de sua expedição empreendida

à Capitania do Ceará em fins do século XVIII e início do século XIX.

São Gonçalo 2009

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Felipe do Amaral Silva

João da Silva Feijó: Uma análise acerca de sua expedição empreendida à

Capitania do Ceará em fins do século XVIII e início do século XIX.

Dissertação apresentada, como requisito parcial

para a obtenção do título de Mestre ao programa de

pós-graduação em História da Universidade

Estadual do Rio de Janeiro. Área de concentração

em História Social.

Orientadora: Profa. Dra. Célia Tavares

São Gonçalo 2009

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João da Silva Feijó: Uma análise acerca de sua expedição empreendida à

Capitania do Ceará em fins do século XVIII e início do século XIX.

Felipe do Amaral Silva

Dissertação apresentada como requisito para a obtenção de

título de mestre, ao programa de pós-graduação da Faculdade

de Formação de Professores da Universidade Estadual do Rio

de Janeiro. Área de concentração em História Social.

Aprovado em___________________________________________________________

Banca Examinadora: _____________________________________________________

______________________________________________________________________

Professora Doutora Margareth de Almeida Gonçalves

______________________________________________________________________

Professora Doutora Maria Fernanda Vieira Martins

______________________________________________________________________

Orientadora Doutora Célia Cristina da Silva Tavares

São Gonçalo 2009

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DEDICATÓRIA

Agradeço sobremaneira a orientação ministrada pela professora Doutora Célia

Cristina da Silva Tavares, que mantendo muita paciência e tolerância, contribuiu

significativamente para a conclusão deste trabalho de pesquisa. O respeito e o

reconhecimento que tenho por ela e por sua contribuição me serão sempre lembranças

caras, ocorridas em um momento conturbado, mas, sobretudo feliz. Também gostaria de

agradecer a professora Doutora Maria Fernanda Vieira Martins e a professora Doutora

Margareth de Almeida Gonçalves pelo apoio e consideração, para, além disso, gostaria

de agradecer a toda a equipe do programa de Pós-Graduação em História Social do

Território da UERJ-FFP, e a todos os professores, sempre solícitos e esclarecedores. Por

fim gostaria de agradecer a minha família, em especial a minha mãe, dona Céli Regina

do Amaral Silva e ao meu pai Paulo César Barbosa da Silva as pessoas mais

significantes que tenho em minha vida, aos quais devo total gratidão e carinho.

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Não há arte patriótica nem ciência patriótica. As duas, tal como tudo o que é bom e

elevado, pertencem ao mundo inteiro. Então podemos progredir a não ser pela livre ação

recíproca, de todos os contemporâneos e tendo sempre em conta aquilo que nos resta, e

aquilo que conhecemos do passado.

Johan Goeth

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RESUMO

Comum entre as práticas econômicas em vigor no decorrer dos séculos XVII e XVIII,

encontrava-se o interesse manifesto por parte das metrópoles europeias em garantir a

manutenção e a sistemática exploração de suas colônias ultramarinas; a esse respeito às

ações empreendidas pela coroa portuguesa, contaram com grande auxílio da atuação dos

naturalistas, que empreendendo seus esforços a cargo do Estado, procurando auferir

maior conhecimento e, por conseguinte, angariar maior soma de divisas para seu reino.

Nesse contexto, João da Silva Feijó, como naturalista a cargo da coroa portuguesa,

empreendeu uma série de viagens direcionadas a pontos variados dos domínios

ultramarinos lusitanos, em especial ao Brasil, que representava a possessão colonial de

maior importância econômica da coroa. Feijó, em suas peregrinações filosóficas, guiado

pelas orientações de Domenico Vandelli e norteado pelos interesses economicistas

portugueses, pesquisou a respeito dos mais variados campos do conhecimento.

Orientado pelo código taxonômico desenvolvido por Lineu, procurou empreender seus

estudos de forma bastante sistemática, seguindo, sempre que possível, o rigor científico

em voga no período. Este trabalho tem por objetivo empreender uma análise, ainda que

introdutória, da obra produzida pelo naturalista brasileiro, intitulada Memórias sobre a

Capitania do Ceará, na qual o viajante realiza uma série de relatos acerca do quadro

natural e social da Capitania durante o período em que lá esteve com o objetivo de

tornar mais factível a exploração das potencialidades econômicas da região.

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ABSTRACT

This paper has as objective analyse the work of brazilian naturalist João da Silva Feijó,

“Memórias sobre a capitania do Ceará”, where this traveler holds a serie of reports

about the natural and social Capitania at the ending of 18 th century. João da Silva

Feijó, as a naturalist in charge of the Portuguese Crown, undertook a series of trips

aimed particularly to Ceará, Brazil to obtain knowledge to serve Portuguese economic

interests.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

I - ILUSTRAÇÃO: PORTUGAL SOB A INFLUÊNCIA DAS LUZES 12

1.1 – Portugal no século XVIII: apontamentos 12 1.2 – Portugal e a difusão da ilustração 14

1.3 – O antigo regime colonial português: características gerais 17

1.4 – As reformas educacionais ocorridas em Portugal 19

II - O CEARÁ QUANDO DA ESTADA DE FEIJÓ NA REGIÃO 25

2.1 - Características do Ceará em princípios do século XIX 25

2.2 - Ocupação territorial, aspectos sociais 25

2.3 - Sobre a população e a economia do Ceará colonial 30

2.4 - Principais centros urbanos 39

III - A VIAGEM A FILOSÓFICA A CAPITANIA DO CERÁ E SEUS

ASPECTOS CIENTÍFICOS 43

3.1 - Diligências filosóficas e História Natural em Portugal 43

3.2 - A chegada a Capitania do Ceará e a atividade mineralógica 49

3.3 - Produção científica sobre a Capitania do Ceará 64

CONSIDERAÇÕES FINAIS 75

Fontes 78

Bibliografia 80

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INTRODUÇÃO

As viagens filosóficas portuguesas inseriram-se num contexto de grande

profusão deste tipo de atividade na Europa. Estas expedições pautaram-se, no campo

das ciências, pelas ideias iluministas do século XVIII1. Entretanto, no caso específico de

Portugal, as viagens científicas financiadas pelo Estado, buscavam alvos peculiares, por

vezes ciência e colonização atuavam de forma integrada; em outros momentos, o

naturalista abandonava a ciência em nome dos interesses administrativos e econômicos2.

Mudanças ocorridas no campo econômico da colônia trouxeram reformulações

no aparato burocrático-administrativo empreendido pela metrópole. Isto motivou a

criação de cargos e funções a serem inseridos no governo lusitano. Dessa forma, houve

o estabelecimento de muitas reformulações no período pombalino, dentre elas, aquelas

aplicadas à Universidade de Coimbra, verificadas no ano de 1772, quando foi instituída

a cátedra de História Natural. Bastante ampla, abrangia campos do saber como zoologia,

botânica, mineralogia, agronomia, dentre outros. Cursada por reinóis e, em menor

escala, por colonos, tinha a finalidade de capacitar funcionários a exercerem funções

específicas ligadas ao trato com a natureza, como a catalogação e a reunião de

informações que pudessem ser valiosas aos interesses econômicos do Estado e a recolha

de espécimes da fauna e da flora local, a fim de serem estudas posteriormente.

Invariavelmente estes estudiosos realizavam peregrinações a locais distantes dentro do

Império português, que eram comumente conhecidas como viagens filosóficas.

As linhas deste trabalho de pesquisa têm por objetivo analisar a significância das

obras produzidas pelo naturalista João da Silva Feijó durante sua estada na capitania do

1 FIGUEROA, Silvia. F. de M.; SILVA, Clarete P. da e PATACA, Ermelinda M. Aspectos mineralógicos das Viagens Filosóficas pelo território brasileiro na transição do século XVIII para o século XIX. História, Ciências, Saúde Maguinhos. Vol. II. Rio de Janeiro: [s.n.], 2004; set./dez., p.713/729. 2 RAMINELLI, Ronald. Ciência e colonização: Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira. Rio de Janeiro: Tempo, 1998.

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Ceará, a partir do ano de 1799. Para tanto foi empreendido um estudo apurado acerca de

sua obra mais detalhista sobre a localidade, intitulada Memória sobre a Capitania do

Ceará, associada à análise de outros textos produzidos pelo autor referentes à mesma

capitania, como: Memória econômica sobre a raça do gado lanígero da Capitania do

Ceará, com os meios de organizar os seus rebanhos por princípios rurais, aperfeiçoar a

espécie atual das suas ovelhas e conduzir-se ao tratamento delas e das suas lãs em

utilidade geral do comércio do Brasil e prosperidade da mesma capitania, Preâmbulo

ao ensaio filosófico e político sobre a Capitania do Ceará para servir para a sua

história geral e Coleção descritiva das plantas da Capitania do Ceará. A análise dessas

obras propiciou uma compreensão mais clara a respeito da capitania do Ceará, quando

Feijó lá esteve, entre os anos de 1799 e 1814. Tais obras foram publicadas pela

Imprensa Régia do Rio de Janeiro no ano de 1810 e pelo periódico “O patriota”, no ano

de 1814. Posteriormente foram compiladas e publicadas pela Fundação Waldemar

Alcântara em 1997, sob o título de “Biblioteca Básica Cearense”, que além das obras

produzidas por Feijó, conta com uma série de documentos e textos históricos

específicos sobre a capitania.

A análise sobre os fatos referentes à vida e às obras produzidas pelo naturalista,

balizada em seus escritos e demais fontes, tem por finalidade traçar um perfil particular

referente ao desempenho de Feijó na capitania do Ceará, no Brasil. Contudo também há

o interesse de inserir sua atuação na lógica de profusão das viagens científicas

empreendidas pela coroa portuguesa, no período em questão.

No primeiro capítulo da dissertação é traçado uma análise sobre a difusão do

conhecimento e o desenvolvimento da ilustração em Portugal. Consta ainda no estudo, a

realização de uma contextualização geral sobre o quadro educacional, verificado em

território luso, vinculando as reformulações empreendidas na Universidade de Coimbra

ao desenvolvimento da filosofia natural no país.

A segunda parte do texto dedica-se a analisar a capitania do Ceará quando da

estada de João da Silva Feijó na localidade, com a apreciação em âmbito social, político

e econômico da região, tendo por finalidade última, caracterizar a conjuntura geral da

capitania em fins do século XVIII e primeiro quartel do século XIX, sob a perspectiva

do naturalista e de outros registros historiográficos.

No terceiro e último capítulo, será empreendido um estudo sobre as obras

historiográficas produzidas por Feijó durante o período em que permaneceu no Ceará,

com a finalidade de obter uma melhor compreensão a respeito da sua atuação na

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referida localidade. Nesta seção do texto também serão abordados temas concernentes à

biografia de Feijó, que contribuíram para uma apuração mais minuciosa sobre o caráter

de sua atuação na capitania.

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I – ILUSTRAÇÃO: PORTUGAL SOB A INFLUÊNCIA DAS LUZES

1.1 – Portugal no século XVIII: Apontamentos

O século XVIII em Portugal foi marcado por mudanças significativas no campo

político, social e econômico. Com o objetivo de restabelecer o controle frente aos

influxos das riquezas originadas nas colônias, que se dirigiam à metrópole, o governo

português —, capitaneado pelo ministério pombalino —, empreendeu uma série de

novas medidas. Sobre as reformulações realizadas por Pombal a frente do governo de

Dom José I, o autor Kenneth Maxwell, considera que o marquês “[...] adaptou as

peculiaridades da situação portuguesa muitas das técnicas que havia conhecido em

outros lugares da Europa, em especial na Grã-bretanha e na Áustria 3”, experiências

estas adquiridas quando de sua estada nas referidas localidades a serviço diplomático do

Reino.

Pombal realizou um grande programa de reformas verificadas no campo

econômico e político português. Tais reformas procuraram tornar a economia lusa mais

dinâmica e competitiva, para tanto concebeu estímulos ao comércio colonial e a

produção de manufaturas. É nesta lógica que foram fundadas as Companhia de

Comércio da Ásia Portuguesa (1753), a Companhia para a Agricultura das Vinhas do

Alto Douro (1756) e a Companhia Geral das Reais Pescarias do Reino do Algarve

(1773).

Sebastião de Carvalho e Melo também fundou o Banco Real no ano de 1751,

estabelecendo uma nova estrutura administrativa sobre a cobrança de impostos,

3 MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: Paradoxo do Iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 108.

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centralizada sobre a Real Fazenda de Lisboa, órgão que se encontrava sob sua

administração direta.

O ministro também sancionou estímulos fiscais para incentivar o

desenvolvimento de pequenas manufaturas voltadas para o mercado interno e colonial,

favorecendo a importação de matéria-prima e encarecendo os produtos similares

europeus.

Somado ao plano econômico, — que tinha por meta a regeneração financeira do

Reino, obtida mediante o estabelecimento de uma exploração mais racional das

potencialidades e riquezas encontradas no ultramar luso, encontrou-se a questão

referente às definições de fronteira do território brasileiro, pois havia a recusa, por parte

de religiosos, em acatar as determinações estabelecidas pelo Tratado de Madrid, que

substituiu as decisões anteriores sustentadas pelo Tratado de Tordesilhas, e delimitou

novas linhas demarcatórias no território brasileiro. De acordo com documento que data

de 13 de janeiro de 1750, assinado pelos reis de Portugal, Dom João V e da Espanha

Dom Sebastião VI, foi utilizado o conceito do “Uti-possidetis”, que garantia a posse das

terras a quem de fato as ocupasse, o que favoreceu territorialmente Portugal, uma vez,

que boa parte das terras localizadas na América meridional e centro-ocidental,

encontravam-se ocupadas por colonos portugueses e seus descendentes.

Segundo Luiz Ernani Caminha Georgis, o Tratado de Madrid:

[...] foi assinado para pôr fim às disputas luso-espanholas na América, promovendo a troca da Colônia do Sacramento pelas Missões. Portugal havia fundado Sacramento,

dentro de território espanhol, para obter e manter a livre navegação no Rio da Prata. 4

A grande querela decorrente do acordo relacionava-se ao aldeamento jesuíta, que

antes se situava em território espanhol e, posteriormente, passou à administração

portuguesa. Mediante a política pombalina de combate à companhia, ocorreram

inúmeros conflitos que culminaram com a expulsão dos eclesiásticos da região.

Uma medida que limitou o poder da Igreja em Portugal foi a secularização da

Inquisição. Já no ano de 1768, os poderes de polícia da Inquisição foram redirecionados

a recém-criada Real Mesa Censória. Um ano depois o ministério pombalino limitou

ainda mais o poder da instituição, ao retirar a sua autonomia de Tribunal Independente,

tornando-a submissa ao governo e estabelecendo como propriedade real todo domínio

4 GEORGIS, Luiz Ernani. O gaúcho. Órgão de divulgação das atividades do Instituto de História e Tradição do Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul, 2007; n0 47. http://www.ihtrgs.org/informativo/40.doc. Acesso em: 15 de janeiro de 2010. Documento digital.

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que viesse a ser confiscado pelo processo inquisitório. Pombal indicou ainda seu irmão,

Paulo de Carvalho, para exercer a função de inquisidor-geral.

Mediante tal fato é possível notar que em Portugal a Real Mesa Censória atuou

como um instrumento que permitiu ao Estado secularizar o controle e as determinações

religiosas, que até aquele momento haviam comprometido a introdução de novas ideias

e a divulgação do conhecimento no país. Como salienta Kenneth Maxwell:

[...] desse modo a real Mesa Censória substituiu a Inquisição e tornou-se o juiz do que se supunha aceitável para o público leitor português. [...] Nessas circunstâncias, paradoxalmente, a censura do Estado foi planejada para fornecer os meios suscetíveis de estimular o iluminismo. A mesa frequentemente liberava livros para seus proprietários ou livreiros que antes haviam sido banidos pela inquisição 5.

Contudo, a ação do governo junto à presença de representantes dos interesses da

Santa Sé no território português não objetivou o estabelecimento de maiores liberdades

no que tange ao desenvolvimento e à divulgação de ideias e do conhecimento no país.

Fato verificado mediante a manutenção da censura à publicação e à circulação de obras

que contivessem um teor contrário aos valores e dogmas religiosos, o que ainda refletia

a forte influência da Igreja católica em território português.

Diante do exposto é possível perceber que a oposição do ministério pombalino

em relação à Igreja apresentou motivações marcadamente político-administrativas e

econômicas. Pombal procurou garantir maior autonomia do Estado frente à Santa Sé,

contudo não era de seu interesse combater a religião católica e seus valores.

1.2 – Portugal e a difusão da ilustração

A autora Mariana Lampert6, afirma que o movimento ilustrado característico de

distintas regiões da Europa, como a França; a Inglaterra; a Alemanha; a Itália, dentre

outros, estabeleceu-se de forma peculiar em Portugal. Em sua concepção as academias

científicas e instituições de ciências, onde, comumente, difundia-se o conhecimento,

desenvolveram-se no país de forma bastante tímida se comparadas a estabelecimentos

similares existentes em outras regiões europeias, tais como a Academia Nacional do

Liceu de Roma fundada em 1503, a Academia Francesa fundada em Paris no ano de

1635; também em Paris a Academia de Ciências que tem sua fundação datada em 1666;

5 MAXWELL, op. cit., nota n03, p. 100. 6LAMPERT, Mariana. A academia das Ciências de Lisboa. [S.I:s.n]. Publicação acadêmica. http://www.historiacolonial.arquivonacional .gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1394&sid=126. Acesso em: 18 de 2010. Documento Digital.

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a Royal Society, fundada em Londres no ano de 1660 e a Academia de Ciências de

Berlim datada do ano de 1700.

Contudo no caso de Portugal houve somente a criação da Real Academia de

Ciências de Lisboa em 13 de maio de 1783. Flavio Rey7 afirma que, mesmo locais

como a Real Academia de Ciência, o Real Jardim Botânico da Ajuda, o Ministério da

Marinha e dos Domínios Ultramarinos e a Universidade de Coimbra reformada, sem

mencionar as reuniões particulares e públicas, que eram responsáveis pela transmissão

do conhecimento referente ao mundo natural, faziam-no de forma bastante dificultosa,

devido à influência da Igreja católica e à escassez de fontes e materiais para a análise e

estudos constatados no país.

Lampert8 pondera que, somado ao atraso na concepção de uma instituição ou

centro de divulgação do conhecimento, verificava-se forte influência da Igreja Católica

neste e em outros estabelecimentos ligados aos mais variados campos do saber em

Portugal.

Sebastião de Carvalho e Melo, fez um esforço no sentido de trazer lentes,

cientistas e sábios que proviessem de Estados europeus que tivessem experimentado a

disseminação do conhecimento científico e empirista, comuns à ilustração. Neste

sentido Dom José I, ordenou a contratação de estrangeiros, como exemplo tem-se Julio

Matiazzi, que trabalhou como auxiliar de Domenico Vandelli, na Real Academia de

Ciências de Lisboa e no Real Jardim Botânico da Ajuda. O próprio Vandelli ocupou

diversos cargos relacionados à difusão da filosofia natural no país. Este cientista italiano

também foi um dos principais responsáveis pelo estabelecimento da cátedra de História

Natural na Universidade de Coimbra, onde atuou como professor de botânica, capacitou

e orientou naturalistas em sua formação e posteriormente nos desígnios de suas

incursões filosóficas.

Sobre Julio Matiazzi é interessante ressaltar que9:

Na época da construção do Jardim Botânico de Ajuda, Julio Mattiazzi auxiliou Vandelli na execução das obras. Posteriormente foi contratado como administrador e jardineiro botânico do Jardim Botânico. Ele foi de grande importância para as Viagens Filosóficas, pois recebia as remessas de coleções zoológicas, botânicas, e etnográficas, bem como desenhos e memórias que estavam sendo produzidos. Em 1794, quando os membros da expedição para a Amazônia tinham retornado a Lisboa, Alexandre Rodrigues Ferreira assumiu o cargo de administrador do Jardim Botânico de Ajuda, pois Julio Mattiazzi havia falecido.

Já sobre Domenico Vandelli, pondera João Carlos Pires Brigola que:

7 REY, Flavio C. Um iluminismo português?. Rio Grande do Sul: Annablume, 2008. 8 LAMPERT, op. cit., nota n0 6. 9 FIGUEIROA; SILVA; PATACA, op. cit., nota n0 1.

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[...] foi o primeiro lente de Química e História Natural da Universidade de Coimbra após as reformas pombalinas. Exerceu suas atividades naquela instituição entre os anos de 1772 e 1791. Foi um dos mais vigorosos impulsionadores da criação da Academia Real das Ciências de Lisboa (1779). Vandelli transitou por alguns dos espaços de investigação mais importantes criados durante o processo reformista iniciado pelo ministro de Dom José I, Marquês de Pombal (1699-1782), e continuado por seus sucessores. Durante seu trabalho como professor e investigador em Coimbra, Vandelli e seus alunos utilizavam o Laboratório Químico, o Gabinete de História Natural e o Jardim Botânico. Ao mesmo tempo Vandelli participava ativamente dos trabalhos da Academia Real das Ciências de Lisboa, como diretor da classe das ciências da observação, bem como do Museu da Ajuda onde dava aulas

desde 1782. 10

A partir da formação de quadros promovida por influência das idéias e métodos

de Vandelli, podem-se citar vários exemplos de naturalistas de origem brasileira. O caso

de João da Silva Feijó terá sua incursão filosófica à capitania do Ceará analisada de

forma mais abalizada no terceiro capítulo deste texto. Contudo é interessante destacar,

num primeiro momento, a figura de José Bonifácio de Andrada e Silva11, tendo por

finalidade melhor compreender o quadro geral que inseriu os estudantes brasileiros na

Universidade de Coimbra e posteriormente na administração lusa. Era do interesse das

elites coloniais que seus jovens em formação cursassem a Universidade na metrópole,

como uma forma de garantir melhor capacitação para ocuparem cargos na

administração pública do Reino.

De acordo com Mariana Lampert, José Bonifácio exemplifica bem a figura do

filosofo naturalista, uma vez que:

[...] observa-se sua adesão ao modelo do homem de ciência organicamente ligado ao Estado, que aceitava inteiramente a lógica e os valores de uma sociedade hierarquizada, estabelecida, organizada por ordens, classes e corpos diferenciados segundo dignidades, honras, onipresença do privilégio e categorias. O Estado atribuía ao estudioso das ciências honras e privilégios, conforme o costume e a lógica do Ancien Régime, que iam desde uma isenção parcial dos rendimentos à dispensa do serviço militar, à honrosa possibilidade de ser levado à presença do rei, ao recebimento de bolsas de estudo, à participação no cerimonial da Corte e nas manifestações públicas. O compromisso com o monarca e com o sistema de organização da vida intelectual assente no patronage permitia, aliás, desenvolver a fundo as potencialidades do método científico e aumentar o número dos protagonistas, em virtude dos financiamentos, das pensões, dos privilégios ampliados pelo soberano. O homem de ciência do século XVIII, no contexto do antigo regime,

10 BRIGOLA, João Carlos Pires. Coleções, gabinetes e museus em Portugal no Século XVIII. Portugal: Universidade de Évora. 2000. Apud. SILVA, Clarete P. As viagens filosóficas de João da Silva Feijó. História: Questões e debates. Curitiba: editora UFPR, 2007; n0 47. p.181. 11 José Bonifácio de Andrada e Silva nasceu em Santos, em 1763. Era filho de dona Maria Bárbara da Silva e Bonifácio José de Andrada. O pai era alto funcionário da coroa, embora também tivesse outras atividades, como o comércio, e possuía a segunda maior fortuna de Santos. Tinha outros irmãos, dentre os quais destacaram-se Martim Francisco e Antônio Carlos. Em 1780 viajou para Portugal, matriculando-se na Universidade de Coimbra, nos cursos de direito canônico e filosofia natural. Naquele espaço, ele e seus dois irmãos, membros da elite colonial, juntaram-se às elites cultas da metrópole que também ali estudavam; juntos leriam as mesmas obras e receberiam a mesma formação. SILVA, Nizza. Um manuscrito inédito do naturalista José Bonifácio de Andrada e Silva: O parecer sobre o método de desinfetar as cartas vindas de países estrangeiros. História, Ciências, Saúde: Manguinhos. Rio de Janeiro: [s. n. ], 2006; Vol. XIII, no 1, Jan./Mar. p.4.

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era basicamente um funcionário do Estado, cujas atividades eram financiadas pelos monarcas, revelando assim o pacto tácito com o poder 12.

José Bonifácio, mediante a patronagem régia, percorreu uma série de Estados

europeus, com a finalidade de adquirir conhecimentos científicos, em especial sobre

mineralogia, chegando inclusive a ser enviado à Saxônia, local de notável difusão da

pratica mineralógica e de seus conhecimentos.

Bonifácio além do destaque no campo mineralógico ocupou uma série de

atribuições de caráter político-administrativo em Portugal, vindo inclusive a tornar-se

Ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros, cargo que manteve durante os anos de

1822 e 1823, adquirindo, posteriormente, destaque no processo de independência do

Brasil.

Entretanto, o sucesso como funcionário régio, — sobretudo para os colonos —,

dependia de seu desempenho nos cargos ocupados. José Bonifácio, ao longo de sua vida

a serviço da coroa portuguesa, destacou-se em suas atribuições. Já o naturalista João da

Silva Feijó — como será analisado —, não apresentou o mesmo desempenho como

funcionário a serviço do governo português.

1.3 – O antigo regime colonial português: características gerais

As peregrinações filosóficas, bem como suas reverberações nos domínios

ultramarinos, no decorrer do século XVIII, inseriram-se na conjuntura político-

administrativa do Estado português durante este período. Neste contexto, houve um

esforço por parte do governo em promover a integração econômica e administrativa das

regiões sob seu domínio, influenciado, sobremaneira, pela ótica iluminista, e,

especialmente, pela fisiocracia, corrente econômica que tinha como um de seus

pressupostos mais importantes à valorização da natureza, do seu conhecimento e

aproveitamento, com a finalidade de auferir lucro ao Estado.

Neste sentido deter maior conhecimento sobre a fauna, a flora e a mineralogia

dos domínios ultramarinos constituía-se uma forma de garantir lucro ao governo, além

de status, prestígios e benefícios diversos ao filósofo natural que promovesse o estudo e

exploração destes recursos. Para tanto o governo português contava com um relativo

aparato burocrático-administrativo com a finalidade de garantir o maior controle sobre

os influxos de riquezas provenientes das diversas regiões do ultramar lusitano.

12 LAMPERT, op. cit., nota n0 6.

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A esse respeito Antonio Manuel Hespanha13 aponta para a formação de uma

“elite local”, que mediante as mais variadas práticas, como o comércio de cativos e

demais produtos, além da posse e utilização de grandes latifúndios agro-pastoris,

destacou-se na colônia, distanciando-se da ideia de um mundo colonial e submisso.

Mesmo em uma sociedade em processo de transição marcado pela ascensão da

burguesia e pelo declínio da sociedade estamental, valores e conceitos ligados ao Antigo

Regime ainda mantinham-se presentes na sociedade, tanto no Reino quanto no Ultramar

e invariavelmente, funcionários ligados à administração lusa faziam uso destes valores.

Interessante notar que, na perspectiva do autor, mesmo havendo uma grande dificuldade

no gerenciamento e no desenvolvimento das instituições tidas como atribuições do

Estado, ainda mantinham-se forte os valores simbólicos referentes à sociedade de

Antigo Regime europeia, com destaque, para a obtenção de possíveis títulos, benesses,

agraciamentos, ritos, festivais e demais elementos vinculados à corte, suas tradições e

instituições, do que invariavelmente valeram-se funcionários régios motivados pela

obtenção de privilégios.

Como exemplo tem-se o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, que de

acordo com o historiador Ronald Raminelli14, constantemente valeu-se dessas

atribuições com a finalidade de potencializar sua atuação de campo. Após explorar

minas em Buarcos, ainda sob a orientação de Vandelli e na companhia de Feijó,

Alexandre Rodrigues Ferreira foi designado para a realização de uma expedição

filosófica a região amazônica.

Fazendo uso da autoridade régia (quase sempre questionável, segundo o próprio

autor), obteve relativo sucesso, recolhendo grande variedade de espécimes da fauna, da

flora e da mineralogia local, além de angariar material e apoio, disponível, para enviar

tais “produtos da natureza” a diversas instituições de ciência em Portugal. Obteve o

título de doutor no ano de 1779, no ano seguinte foi admitido como membro

correspondente na Real Academia das Ciências de Lisboa, momento em que se dedicou

basicamente a atribuições de caráter burocrático, em detrimento, da ocupação como

naturalista.

13 HESPANHA, Antonio Manuel. O Antigo Regime 1620-1807. (Coord.). Dir. MATTOSO, José. Vol. IV. Lisboa: Circulo de Leitores, 1993. 14 RAMINELLI, Ciência e Colonização, op. cit., nota n0 2.

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Ao traçar um paralelo existente na estratégia de ascensão social que relacionou a

colônia e o Reino, Nuno Monteiro aponta diferenças verificadas em Portugal, que pelas

razões já explicitadas, não se deram na colônia, segundo o autor:

As tendências oligárquicas e o acentuar da tutela das monarquias sobre as cidades caracterizaram, em geral, a Europa moderna. No entanto, importa não esquecer que a maioria das cidades era governada por elites recrutadas em grupos corporativos, cuja base medieval era mercantil ou burocrática, tanto quando se mantinha a elegibilidade dentro de um universo corporativo como quando se tratava de ofícios patrimonializados e hereditários. Mesmo nos casos em que o desempenho de tais cargos nobilitava, as oligarquias urbanas não coincidiam, em regra, com as elites aristocráticas fundiárias, embora a tendência fosse sempre para que as diferenças se atenuassem15.

Ainda de acordo com Nuno Monteiro, no Reino, os elementos sociais do setor

urbano e da aristocracia agrária, mesmo quando a serviço do Estado, apresentavam certo

distanciamento e atribuições distintas e “hereditárias”, o que tenderia a diminuir as

chances de mobilidade social proveniente de elementos menos abastados da sociedade

lusa, o que ocorria de forma mais dinâmica na colônia, onde a origem nobiliárquica não

se apresentava como elemento fundamental para a ocupação de cargos públicos, uma

vez que a grande maioria dos colonos não possuía títulos de nobreza ou com ela

mantinha laços.

Em suma, para os elementos sociais que não descendessem da pura nobreza do

Reino, em especial brasileiros, mesmo que de origem abastada, uma boa forma de

ascender no quadro burocrático-administrativo do governo português era através da

meritocracia, servindo aos interesses do Estado e mostrando o máximo de competência

possível em seu desempenho.

Outra forma de galgar posições neste imbricado quadro político era o

estabelecimento de redes de aliança que viabilizassem a garantia de uma base de

sustentação em momentos de oposição e mesmo uma política conciliadora no sentido de

evitar conflitos, tanto no Reino quanto no ultramar, o que invariavelmente contribuía

para a obtenção de cargos de maior destaque no aparelho administrativo lusitano.

1.4 – As reformas educacionais ocorridas em Portugal

A estrutura educacional verificada nas instituições portuguesas de ensino no

decorrer do século XVII e XVIII foi marcada pelo modelo escolástico16. Tal padrão

15 GONÇALO, Nuno Monteiro. Elites locais e mobilidade social em Portugal nos finais do Antigo Regime. Vol. XXXII. Analise social. Lisboa. 1997; p. 337. 16 Pode-se dizer, considerando as iniciativas educativas do clero secular e do clero regular, que mudaram os conteúdos, e que dos clássicos da tradição helenístico-romana passou-se para os clássicos da tradição bíblico-

Page 20: Felipe Do Amaral Silva

20

caracterizava-se pela manutenção de um perfil especulativo, metafísico e literário,

baseados, sobretudo, na leitura de textos sagrados, nos dogmas da Igreja e no

misticismo cristão.

Além disso, contava com a análise de textos canônicos, ou mesmo leituras

produzidas por padres e monges, denominadas “auctoritates”, elemento marcadamente

contrário à prática científica moderna, centrada no empirismo e no cientificismo. Em

relação ao conteúdo, apresentava-se mais como método de ensino — praticado nas

“escolae” —, que eram escolas situadas em centros urbanos — e que posteriormente

foram estendidos às universidades —, do que como doutrina filosófica.

De acordo com Flávio Rey:

Apesar de os humanistas no século XVI, recomendarem o estudo e o contato direto com os textos originais, houve durante o concilio de Trento (1545-1563), a re-afirmação do método escolástico como paradigma epistemológico do pensamento católico A “ratio studiorum” — documento baseado nas constituições da companhia de Jesus, elaboradas por Inácio de Loyola (1491-1556) — publicada em 1599 tornou-se o padrão pedagógico vigente nas escolas, mantendo-se inalterado até 1832 17.

Nesse sentido, é possível notar que o modelo escolástico, estabelecido após o

Concílio de Trento, consolidou-se como um padrão generalizante e imutável de

explicação acerca da realidade e dos fenômenos naturais, o que se contrapunha ao

modelo racionalista surgido no século XVIII, centrado no empirismo, no cientificismo e

no experimentalismo proposto pelos filósofos das luzes.

Mediante tal fato nota-se o desenvolvimento da ciência em âmbitos extra-

acadêmicos, tais como: a formação de grupos de estudo, academias científicas ou

sociedades de ciências. Como já exposto, mesmo após a expulsão dos jesuítas do

território português e as reformulações estabelecidas na Universidade de Coimbra em

1772, a Igreja Católica ainda mantinha grande influência sobre as instituições de ensino

pertencentes ao Estado. Neste sentido, surgiram no Reino grupos, associações e

academias particulares, que dentro da lógica da ilustração, eram freqüentadas por

membros que desejavam menor interferência da Igreja no desenvolvimento e na

divulgação da ciência em Portugal.

Segundo Flavio Rey: “Essas agremiações de eruditos visavam à discussão, ao

desenvolvimento, a experimentação de novas ideias científicas e intelectuais que

despontavam na Europa” 18, uma vez que não havia na universidade cátedras de ensino

evangélica. MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação: Da antiguidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez, 2000, p.122. 17 REY, op. cit., nota n0 7, p. 30. 18 Idem.

Page 21: Felipe Do Amaral Silva

21

que viabilizassem a prática de estudos relacionados a áreas do conhecimento que

detivessem um caráter mais pragmático.

Após a expulsão dos jesuítas era imprescindível ao governo português realizar

uma reforma educacional, uma vez que a citada ordem se incumbia de ministrar o

ensino, tanto em âmbito secundário quanto em nível universitário no país e sua expulsão

suscitou o declínio dessa atividade no Reino e nas colônias.

As reformas educacionais pombalinas estabeleceram como meta principal a

secularização da educação, garantindo a manutenção do controle, por parte do Estado,

sobre o sistema educacional e a concretização da padronização curricular.

As reformulações neste campo também se destinaram a renovar o quadro de

funcionários do Estado, no sentido de garantir a composição de um corpo de pessoas

com melhores atribuições para o desempenho de suas funções, formadas no estilo

ilustrado, que seriam incorporadas à burocracia estatal e à hierarquia da Igreja

reformada em Portugal. De modo que, a reforma verificada na Universidade de

Coimbra, ocorrida no ano de 1772, adquiriu um papel importante neste processo. Flávio

Rey salienta que:

Após a morte de Clemente XIII, Francisco de Lemos foi confirmado bispo de Coimbra pelo sucessor daquele papa, Clemente XIV, que estava ansioso por restabelecer as relações rompidas com Portugal. Para preparar os novos estatutos da universidade criou-se a Junta da Providencia Literária em dezembro de1770. [...] Francisco de Lemos tornou-se o reitor da reforma. Francisco de Lemos e seu irmão, compuseram os novos estatutos da universidade. João Pereira Ramos coordenou a parte jurídica em estreita relação com o marquês de Pombal, enquanto Francisco de Lemos concentrou-se nos novos estatutos relacionados com as ciências naturais e a matemática. Frei Cenáculo foi também membro da Junta da Providência Literária. A intervenção pessoal de Pombal colocou cenáculo nessa comissão, onde Pombal tomou parte ativa em discussões, tendo ele próprio presidido algumas seções da junta. A universidade foi fechada durante as fases finais da reforma e Pombal supervisionou pessoalmente a inauguração da instituição reformada durante uma estada de 32 dias em Coimbra, de setembro a outubro de 1772 19.

Até a expulsão dos jesuítas existiam duas universidades em atividade em

Portugal. A Universidade de Évora, criada por decreto papal no ano de 1559,

encontrava-se imune à jurisdição régia portuguesa. Marcadamente religiosa com

preponderância da Companhia de Jesus, oferecia as cátedras de Humanidades, Teologia

e de Casos de Consciência.

A outra instituição de nível superior do Reino era a Universidade de Coimbra,

criada em 1° de março de 1290, abrigava os cursos de Filosofia, Moral, Escritura

Teológica Especulativa, Retórica, Gramática e Humanidades. Tal instituição constituía-

19 REY, op. cit., nota n0 7, p. 110.

Page 22: Felipe Do Amaral Silva

22

se como principal centro de estudo superior do país, e abrigava estudantes não somente

do Reino como também das possessões portuguesas no Ultramar.

Com a expulsão dos jesuítas deu-se o fechamento da Universidade de Évora, o

que tornou a Universidade de Coimbra a única instituição de nível superior existente em

Portugal. Em Coimbra mantiveram-se os cursos de Teologia e Lei Canônica, com a

busca pela modernização do currículo dos referidos cursos e a criação de novas

cátedras, como por exemplo, a de Medicina. Essa cadeira teve avanços significativos,

com o incremento do estudo de anatomia, mediante a dissecação de cadáveres20.

Com a saída da Companhia de Jesus também adquiriu destaque no campo

educacional a Congregação dos Oratorianos. A instituição religiosa estabeleceu-se em

território português com o advento da restauração da coroa portuguesa mediante o fim

da unificação das coroas ibéricas. Composta por clérigos seculares incumbiu-se de

redigir manuais utilizados na orientação dos “estudos menores”, que posteriormente

transformaram-se em livros oficiais de estudo. Contudo a contribuição propiciada por

esta congregação não se manifestou somente em nível dos estudos primários. Como

exemplo tem-se a publicação da obra O verdadeiro Método de estudar, escrita pelo

oratoriano Luís Antonio Verney21.

De acordo com Eduardo Teixeira de Carvalho Junior22, a citada obra redigida

por Verney, tinha como objetivo contribuir para o desenvolvimento da ciência em

Portugal. Deveria orientar os estudos científicos em caráter universitário. Verney

creditava grande importância ao estudo da Filosofia para a compreensão das demais

ciências, que compreendia diversos ramos do saber ligados à natureza, tais como

mineralogia, botânica, física, matemática e biologia. Mediante o desenvolvimento desta

cátedra que se formularam as primeiras viagens filosóficas portuguesas, dentre elas a

empreendida pelo naturalista João da Silva Feijó, a capitania do Ceará.

20 REY, op. cit., nota n0 7, p. 110. 21 De origem francesa, filho de Dionísio Verney e Maria Arnaut, Luis Antonio Verney nasceu em Lisboa, a 23 de julho de 1713. Estudou Filosofia na Congregação do Oratório de Lisboa e, tendo concluído o ensino fundamental, deslocou-se para Évora. Graduou-se mestre em artes, depois de ter sustentado teses públicas de Filosofia. Decorridos poucos anos, concluiu o curso de Teologia na Universidade de Évora. Em 1736, estabeleceu-se em Roma, onde cursou as cadeiras de Teologia Dogmática e de Jurisprudência. Verney indica que nessa época, o movimento intelectual francês repercutia mais em Roma do que em Portugal. Em Roma, o pontífice Bento XIV conferiu-lhe a sinecura de arcediago no arcebispado de Évora, em 1742. CARVALHO Jr., Eduardo T. Verney e a questão do iluminismo em Portugal. Curitiba. 2005; Dissertação Apresentada ao Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Paraná – UFPR, [s.n], p.35. 22 Em 1746, publicou o Verdadeiro Método de Estudar, provavelmente redigido até 1744. Eram dezesseis cartas em português, formando dois tomos, como oferta aos padres da Companhia de Jesus. Seu objetivo, partindo de um idealismo, era livrar Portugal do atraso em relação às demais nações europeias, e como escreveu: "formar homens que sejam úteis para a república e religião". Seu livro causou muita polêmica, sendo publicadas várias obras contra seu método. Dentre seus críticos, o mais ferrenho foi um jesuíta que usava o codinome de padre Arsénio da Piedade, que acusava Verney de ser jansenita e inimigo do Reino. Idem, p. 36.

Page 23: Felipe Do Amaral Silva

23

Por manterem certa intervenção direta em Portugal entre os anos de 1755 e

1760, a ordem dos Oratorianos detinha grande prestígio no Reino, neste contexto

adquire destaque a publicação da obra do Padre João Baptista, intitulada de

“Philosophia Aristotelica Restituta”, que teve grande relevância no desenvolvimento

filosófico em Portugal, esta somada à expulsão dos jesuítas, acabou por transformar os

oratorianos em aliados do ministério pombalino. Contudo de acordo com Francisco

Adelgido Ferrér devido a uma série de conflitos entre os oratorianos e o marquês de

Pombal, seguiu-se:

[...] a aniquilação parcial dos Oratorianos, tão minguado ficou sua órbita de atuação. A mesma reforma e redução se prescreviam para as demais casas da Província... Ainda de acordo com a argumentação á qual nos referimos os congregados haviam se desvinculado da primeira função de simples clérigos, degenerando clandestinamente em padres, ao ocuparem-se da educação e da moralidade23.

Numa conjuntura de transformações políticas, Dom José I, em carta de 13 de

dezembro de 1770, criou a Junta da Providência Literária. Constituía atribuição da

Junta, analisar os problemas e as causas que comprometeram o ensino universitário em

Coimbra, bem como formular possíveis soluções e apontar medidas necessárias ao

revigoramento da universidade. Composta por sete membros, a saber: Frei Manuel do

Cenáculo, Antonio Marques Giraldes, Francisco de Lemos, José Ricardo Pereira de

castro, Manuel Pereira da Silva, João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho e José Seabra

da Silva, manteve como presidente o cardeal Dom João Cosme da Cunha e era

inspecionada diretamente pelo próprio marquês de Pombal.

Manuel de Cenáculo Vilas Boas, à frente da Real Junta Censória, promoveu

algumas medidas significativas relativas ao sistema de ensino superior em Portugal, a

notar: a ampliação do sistema nacional de educação; abrigando escolas de leitura;

cálculo e composição, aumentou também o número de aulas de latim; grego; filosofia e

retórica.

Em decorrência da reforma houve ainda a contratação de novos professores e

instrutores, notadamente italianos. Somado a isso houve a criação de um programa de

obras, que permitiu a criação de novos laboratórios e centros de estudo, como o Real

Laboratório de Química, o Gabinete de Física, o Observatório Astronómico, o Real

Jardim Botânico da Ajuda, o Museu de História Natural e a Tipografia Académica. Na

reforma da Faculdade de Medicina, foram seguidas as sugestões experimentalistas de

23 FERRÉR, Francisco Adelgiso. Pombal e os Oratorianos. Ceará: Revista do Ceará, 1988. p. 232.

Page 24: Felipe Do Amaral Silva

24

Ribeiro Sanches24, que levaram à fundação do Teatro Anatómico e do Dispensário

Farmacêutico.

A Universidade de Coimbra assim reformada foi fundamental ainda na formação

da geração de cientistas brasileiros. Com a proibição da abertura de cursos superiores

em territórios coloniais, as famílias mais abastadas do Brasil enviavam seus filhos para

concluir seus estudos na metrópole. Um reduzido número de estudantes brasileiros

chegou a buscar outras universidades europeias. Contudo, Coimbra manteve-se ao

longo do século XVIII como a instituição mais requisitada pelos indivíduos

provenientes das colônias. Caso possível de ter sido aplicado a João da Silva Feijó, que

nascido na Guanabara teria cursado a cátedra de História Natural na Universidade de

Coimbra25.

Dentre as reformulações verificadas na Universidade de Coimbra, é mister

destacar as que remetem à criação da cátedra de filosofia. Esta disciplina constituía-se

bastante abrangente e abordava questões referentes a assuntos diversos como: política,

medicina, ética, matemática, história natural, teologia natural, dentre outros.

Compreendia-se que as ciências filosóficas deveriam orientar seus estudos sobre tudo

aquilo que dissesse respeito à totalidade do pensamento humano e que fosse obtida por

meio de estudos referentes à natureza.

É importante afirmar que a ação das reformas promovidas no sistema

educacional não teve por objetivo garantir a livre divulgação do conhecimento e

tampouco se apresentou influenciada pelos ideais ilustrados, mas sim, procurou atender

aos interesses do Estado.

A influência do ideário ilustrado, sobretudo, no campo econômico e educacional

verificadas em Portugal no último quartel do século XVIII, apresentou-se como de

fundamental importância para o desenvolvimento e a compreensão do significado das

viagens filosóficas empreendidas pelo governo luso.

24 António Nunes Ribeiro Sanches, (1699-1783) foi Médico, filósofo e pedagogo. Pertence ao grupo dos intelectuais portugueses que exerceram a sua atividade no estrangeiro, de onde adquiriu a designação de “estrangeirado”. De imediato ressalta, nos seus textos, o firme e generoso propósito de intervir na reforma da cultura filosófica e científica do seu país, ainda que por tantos anos longe de Portugal. Fê-lo essencialmente através de duas obras de fundo, que muito influenciaram a redação dos futuros Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), sobretudo no capítulo dedicado ao curso de Medicina e aos assuntos pedagógicos em geral. MANACORDA, op. cit., nota n0 16, p. 58.

25 Os biógrafos do naturalista João da Silva Feijó não têm consenso quanto a real natureza de sua formação acadêmica, devido à falta de documentos que vinculem Feijó a Universidade de Coimbra, fato que será abordado de forma mais aprofundada no terceiro capítulo deste texto.

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25

II - O CEARÁ QUANDO DA ESTADA DE FEIJÓ NA REGIÃO

2.1 - Características gerais do Ceará em princípios do século XIX

O Ceará é dos estados do norte, quiçá de todos da União, o que com mais fraca se entrega ao estudo das suas coisas passadas. Talvez por não ter propriamente história, isto é, faltarem-lhe factos estrondosos que chama e fixam attenção, nada mais deixando ver além, como as guerras hespanholas no Rio Grande do Sul, as invasões francesas no Rio de Janeiro, as revoluções pernambucanas, o longo duello com os jesuítas a propósito de índios no Maranhão e no Amazonas26.

As linhas gerais que compõem esta seção do texto têm por objetivo ponderar a

respeito da conjuntura geral da capitania do Ceará, no final do século XVIII e início do

século XIX, período em que o naturalista João da Silva Feijó realizou suas

peregrinações filosóficas na região. A esse respeito convém considerar os aspectos

sociais, políticos e econômicos característicos da localidade, atentando para suas

especificidades e relacionando-os com as atribuições impostas ao naturalista.

2.2 - Ocupação territorial, aspectos sociais do Ceará

Até a primeira metade do século XVII, o domínio das áreas secas no interior do

nordeste do Ceará foi marcado pela presença de indígenas nativos. Segundo José

Honório Rodrigues, dois personagens foram de grande importância no processo de

colonização do Ceará, Dom Diogo Botelho e Diogo Meneses. Salienta o autor que:

Ao primeiro deve a capitania a expedição de conquista e colonização dirigida em 1603 por Pero Coelho e ao segundo não só a idéia da criação das duas capitanias de Jaguaribe ou Ceará e do Camocim, abrangendo seu atual território, como também a primeira feitoria ali estabelecida por esforço de Martim Soares Moreno. Este, porém

26 ABREU, Capristano. Sobre uma história do Ceará. Revista do Instituto Ceará. Fortaleza. 1899; ano XVIII, p. 22.

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26

é seu fundador. Participou da primeira expedição em 1603, e lá esteve várias vezes e, em 1611, fundou o fortim, sinal de posse e conquista27.

Em sua obra intitulada História da Província do Ceará, Tristão Alencar

Araripe28, pondera que a efetiva ocupação do espaço territorial cearense iniciou-se com

a administração do Governador Geral do Brasil, Diogo de Meneses, verificada entre 22

de agosto de 1608 e 22 de agosto de 1612; momento em que se deu a formação de

pequenos povoamentos litorâneos.

De acordo com Pedro Thérberge convém destacar que houve a realização de

algumas expedições ocorridas no decorrer do século XVII, que apresentavam

finalidades variadas com destaque para a bandeira de apresamento de indígenas,

somadas às incursões lideradas por padres jesuítas no ano de 1607, que tinham como

objetivo realizar a conversão dos nativos. É importante destacar ainda as ocupações

holandesas ocorridas entre os anos de 1637 e 1643 e posteriormente entre 1649 e

165429.

A conquista e a efetiva ocupação do território cearense deram-se por volta da

década de 1680 com a chamada “limpeza da terra” —, processo no qual a população

nativa foi gradativamente expulsa ou exterminada.

Capistrano de Abreu30 destaca que na margem do Rio São Francisco existia

numerosas tribos indígenas, a maioria pertencente ao tronco cariri e com elas houve

vários conflitos, seja porque não cediam pacificamente as suas terras, ou por

pretenderem desfrutar dos gados contra a vontade dos seus donos. Havia ainda muitas

terras devolutas para onde os índios acabavam tendo que migrar. Apesar disto, o autor,

não omite que muitos índios foram escravizados, outros se refugiaram em aldeias

dirigidas por missionários, e alguns outros “acostaram-se à sombra de homens

poderosos”, lutando por eles e “cujos ódios os serviram31”.

O historiador Pedro Puntoni denomina estes conflitos como “Guerras de

Bárbaros”, que seriam caracterizados pelos confrontos acirrados entre as populações

27 RODRIGUES, José Honório. Introdução do Índice Anotado da Revista do Instituto do Ceará. Tomo I/LXVIII, 1887/1954. A Historiografia Cearense na Revista do Instituto do Ceará. 2000. In: RODRIGUES, José Honório; RODRIGUES, Leda Boechat (Orgs.). Fortaleza: ABC Editor, p. 15. 28 ARARIPE, Tristão de Alencar. História da Província do Ceará: Desde os tempos primitivos até 1850. 2ª ed. Fortaleza: Anotada, Typografia Minerva, 1958. 29 Em 1654, após a restauração portuguesa e a nomeação do capitão-mor Álvaro de Azevedo as tropas batavas deixaram o Ceará. ARARIPE, op. cit., nota n0 28, p. 204. 30 ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial (1500-1800). 7ª ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Publifolha, 2000. p.150. 31 Idem, p.152.

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27

indígenas e os diversos agentes coloniais que se encontravam no território, tais como:

moradores, soldados, missionários e bandeirantes32.

Ainda segundo Puntoni33 o processo de ocupação estendeu-se por uma ampla

parcela territorial do semi-árido nordestino, que recobria do norte da Bahia até o leste

do Maranhão, abarcando parte das capitanias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande,

Piauí e Ceará.

A respeito do combate e da violência empreendida aos indígenas, por parte dos

colonizadores, a autora Alessandra Cavalcanti34 atenta que não somente os nativos

sofreram com o processo de colonização, mas muitos aldeados foram obrigados a

trabalhar sem pagamento ou qualquer tipo de remuneração, mesmo alimentação;

ocupando-se principalmente do pescado, da lavra e demais tipos de serviço.

Contudo, algumas tribos indígenas, ou mesmo elementos pertencentes às aldeias

locais, associaram-se aos colonizadores, prestando-lhes serviços, combatendo tribos

inimigas e elementos de sua própria tribo de origem. Salienta Johnson que:

Com relação ao tratamento dado aos índios, há diferenças de procedimentos de acordo com cada nação. O regimento dado a Tomé de Souza enfatizava que seriam livres os índios, sob proteção legal (os pacíficos), sendo permitida a ‘guerra justa’ contra os índios belicosos. A escravização indiscriminada estava num dos pontos centrais de resistência indígena35.

Como exemplo tem-se também a prática empreendida pela administração

holandesa, quando de seu domínio sobre o nordeste colonial brasileiro, como afirma

Beatriz Dantas:

Os holandeses também chegaram a instituir aldeias indígenas, mantendo amistosas relações com os Tapuia. Após a expulsão dos holandeses, os índios aliados pediriam ajuda por se encontrarem em estado precário e temerosos de represálias por parte dos irados portugueses, mas seus apelos não foram atendidos, sendo o último recurso o refúgio no Ceará, na Serra do Ibiapaba. Nesse período, os jesuítas estavam concentrados no sertão da Bahia, sendo uma das primeiras missões dessa época fundada, provavelmente, em 1639, levando o nome de Nossa Senhora da Trindade de Massacará36.

A atividade pastoril também contribuiu para a colonização do sertão cearense. A

expansão da pecuária para o interior foi-se dando gradativamente, com a presença de

criadores de gado.

32 PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: Povos Indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste do Brasil (1650-1720). São Paulo: Editora HUCITEC, 2002. pp. 14/17. 33 Idem, p. 14. 34 CAVALCANTI, Alessandra Figueiredo. Missões de aldeamento em Pernambuco e Capitanias anexas. Fontes e problemas. Anais do Segundo Encontro de História Colonial; Revista de Humanidades – UFRN, Rio Grande do Norte, 2008; Vol. IX, n0 24, set./out. 35 JOHSON, H. B. A colonização portuguesa do Brasil, 1500-1580. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina. Vol. I. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Distrito Federal: Fundação Alexandre Gusmão, 2004. 36 DANTAS, Beatriz G. Os povos indígenas no nordeste brasileiro: Um esboço histórico. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. (Org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: FAPESP/SMC; Cia das Letras, 1992, pp. 438/441.

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28

Os terrenos ocupados pelos colonos deram lugar à construção de currais e

fazendas de gado, seguida da doação de terras sob o sistema de sesmarias37.

Consideradas secundárias aos interesses da coroa, a conquista e a ocupação das

“capitanias do norte”, foram empreendidas, em grande parte, pelos colonos.

A distribuição das terras em sesmarias foi responsável tanto pelo caráter privado que adquiriu a propriedade da terra, quanto pela criação dos alicerces da grande propriedade que caracteriza o sistema açucareiro. Por outro lado, sesmarias, com raras exceções, eram concedidas preferencialmente a pessoas de recurso que garantissem a valorização das terras. Deste modo, concentrava-se nas mesmas mãos, o poder sobre a terra e o poder econômico. O controle político, rebatimento do poder econômico, torna-se assim, um privilégio da aristocracia rural. Não se deve esquecer que o poder sobre a terra representava também o controle sobre o progresso de produção da força de trabalho rural 38.

Houve duas frentes de ocupação do território cearense, quais sejam: a do

“sertão-de-fora” e a do“sertão-de-dentro”. De acordo com João Capristano de Abreu39

em sua obra Capítulos de História Colonial, a primeira rota seria controlada por

pernambucanos e se dirigia desta capitania através do litoral; perpassando pelas

capitanias da Paraíba, Rio Grande e Ceará, seguindo em direção ao Maranhão,

margeando os principais rios cearenses, a notar: Jaguaribe, Acarau e Coreau. Já a

segunda rota, seria controlada por baianos e se realizou pelo interior, seguindo o curso

do rio São Francisco em direção ao Rio Parnaíba no Maranhão.

De acordo com Celeste Cordeiro40, devido à atividade pecuária e aos

deslocamentos populacionais das áreas então mais povoadas, boa parte do litoral e do

sertão cearense foi ocupada no decorrer do século XVIII, o que propiciou o surgimento

de algumas Vilas importantes nos encontros das principais estradas utilizadas pelos

criadores de gado.

Capristano de Abreu41, ao referir-se à população colonial cearense como

“sociedade do couro”, procurou conferir a importância adquirida pela pecuária

extensiva e o processamento de seus derivados para o desenvolvimento econômico

daquela região. Assim como o autor, Celeste Cordeiro42 pondera que no decorrer do

século XVIII, destacou-se o processamento, do couro; material de grande importância

para o habitante local —, visto43 sua multiplicidade de uso. A esse respeito pondera

37 MELO, Mário Lacerda de. O Açúcar e o Homem no Nordeste. Recife: Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisa, 1975. 38 MELO, op. cit., nota n0 37, p. 39. 39 ABREU, op. cit., nota n0 30, p.152. 40 CORDEIRO, Celeste. Antigos e Modernos no Ceará provincial: História do Ceará no século XIX. Porto Alegre: Annablume, 1997. 41 ABREU, op. cit., nota n0 30. 42 CORDEIRO, op. cit., nota n0 40. 43 ABREU, op. cit., nota n0 30, p. 72.

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29

Capistrano de Abreu44, que o gado apresentava grande aproveitamento econômico,

podendo ser utilizado como meio de transporte, animal de tração, alimento, na

confecção de peças de vestuário, dentre outras formas de emprego.

Convém ressaltar ainda que o desenvolvimento econômico na proximidade dos

rios foi de grande importância ao sesmeiro, uma vez que deles, o colono extraía água

para consumo; para a agricultura e para o gado, acrescenta-se a isso, o fato das margens

dos rios constituírem-se como vias naturais de acesso facilitador ao desenvolvimento da

atividade mercantil, em especial ligada ao comércio de produtos pastoris45. Entre os

anos de 1621 a 1656 a capitania do Ceará encontrou-se submetida política e

administrativamente à capitania do Grão-Pará e Maranhão. Contudo no ano de 1656 o

Ceará passou à condição de subordinação direta a capitania de Pernambuco. Segundo a

autora Maria Santana da Silva46, no ano de 1624 o Estado do Maranhão se separou do

Governo Geral do Brasil sendo composto pelo Pará, Maranhão, Piauí e parte do Ceará.

Contudo, de acordo com Pedro Thérberge, a separação político-administrativa

verificada entre as novas capitanias, na prática não refletia uma clara definição de seus

limites territoriais, no caso específico do Ceará, salienta o autor que:

[...] se por um lado às missões dos padres jesuítas na prática da conversão dos índios ao Cristianismo dependiam do Estado Maranhão, por outro, o Ceará nunca deixou de se dirigir ao governo de Pernambuco para socorrê-los nos casos mais urgentes. Um exemplo desta dependência se dá pelo fato das tropas que guarneciam os presídios do Ceará partiam da capitania do Pernambuco 47.

Thérberge também destaca que, após o processo de expulsão dos holandeses,

algumas porções de terra situadas às margens do rio Jaguaribe foram concedidas

diretamente pela administração governamental portuguesa a colonos que estivessem

dispostos a ocupá-las, em contrapartida, outras datas foram cedidas pelo Governo Geral

do Estado do Brasil. Na perspectiva do autor tal fato denota a existência de fragilidade

quanto à definição do controle político-administrativo exercido sobre o território do

Ceará, que se manifestou na delimitação de suas fronteiras.

Mediante o decreto promulgado48 pelo secretário de Estado da Marinha e dos

Domínios Ultramarinos, Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, datado de 25 de janeiro de

44 Idem. 45 CORDEIRO, op. cit., nota n0 40. 46 SILVA, Maria S. A “Reinvenção” do Reino do Ceará em fins do século XVIII e as negociações políticas com a coroa portuguesa. Anais do Segundo Encontro Internacional de História Colonial; Revista de Humanidades - UFRN, Rio Grande do Norte, 2008; Vol. IX, n0 24, set./out. 47THÉRBERGE, Pedro. Esboço Histórico sobre a Província do Ceará. Tomo I, Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 2001, pp. 96/97. 48 AVISO do Secretário de Estado da Marinha e do Ultramar, Dom Rodrigo de Sousa Coutinho ao presidente do Conselho Ultramarino, conde de Resende, Dom Antonio José de Castro, sobre o envio de uma cópia da carta régia

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30

1799, o Ceará se tornou independente da capitania de Pernambuco, à qual mantinha

condição de subordinação desde 1656, o que marcou a sua autonomia. É importante

ressaltar que neste mesmo ano deu-se a chegada do naturalista João da Silva Feijó a esta

região. Após o processo de desmembramento que conferiu maior independência à nova

capitania, o Ceará49 passou a contar com maior liberdade política e econômica, fato que

contribuiu para sua ocupação e desenvolvimento.

A historiografia tradicional credita a autonomia tardia adquirida pela capitania

do Ceará ao processo de ocupação dos domínios portugueses na América, que ocorreu

de forma diferenciada entre as “capitanias do Norte”. Nas capitanias meridionais a

exploração das riquezas e o interesse econômico metropolitano apresentaram-se de

forma mais intensa, motivados, sobretudo, pela descoberta de ouro e demais minérios

encontrados no sertão brasileiro e do interesse manifesto sobre a empresa exploratória

espanhola realizada na região do Prata50, situada no sul da colônia.

Nos primeiros séculos do processo de ocupação territorial do Brasil, Salvador e

Pernambuco adquiriram destaque devido à atividade agrícola ligada à lavoura

canavieira. Neste sentido outras capitanias que não atingiram o mesmo dinamismo

econômico, como no caso específico do Ceará, passaram a ocupar papel secundário na

política metropolitana, fato que contribuiu para a sua subordinação político-

administrativa a outras regiões51.

2.3 - Sobre a população e a economia do Ceará colonial

De acordo com o cronista Paulino Nogueira52, apesar da grande extensão

territorial da capitania, a população cearense, em fins dos setecentos, era relativamente

pequena apresentando uma estimativa que gravitava em torno de 150 mil habitantes.

Em de 14 de setembro de 1758, por ordem régia perpetrada por Sebastião de

Carvalho e Melo, as aldeias administradas pelos jesuítas foram elevadas à categoria de

expedida para o governo da Capitania de Pernambuco, ordenando a separação da capitania do Ceará e da Paraíba da subordinação imediata da Capitania de Pernambuco, no que se refere às nomeações internas. AHU, ACL, CU 015, Cx 205, D. 14019. Apud. BARBOSA, Maria S. Documentos manuscritos avulsos da Capitania de Pernambuco catálogo III (1798-1825), Recife: Editora Universitária da UFPE, 2007. 49 ARARIPE, op. cit., nota n0 28, p. 207. 50 Correspondia, em grande parte, na ocorrência de rodas comerciais fluviais, de onde o Estado espanhol encaminhava minérios extraídos de seu domínio colonial no cone sul da América, sobretudo prata e ouro, este em menor escala. Tal rota comercial despertava o interesse de colonos locais e mesmo da coroa, devido à soma em larga escala extraída da região. 51 CORDEIRO, op. cit., nota n0 40, p. 342. 52 NOGUEIRA, Paulino. O naturalista João da Silva Feijó. Tomo II. Ceará: Instituto do Ceará, ano II , 1888. p. 45.

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31

Vila, sendo a ordem afastada de seu comando e seus bens confiscados. Contudo no

Ceará o decreto só foi posto em prática em 18 de Janeiro de 1759, momento este em que

o então governador da capitania de Pernambuco, Luis Diogo Lobo da Silva enviou ao

capitão-mor a ordem para seu cumprimento53.

De acordo com Maria Auxiliadora Lemenhe:

[...] a transformação das aldeias em vilas de índios foi um processo bastante complexo e de amplo alcance, uma vez que marcou profundamente a população índias ou não do território do Ceará. O Diretório pombalino tinha por objetivo incorporar os índios ao projeto colonial, na condição de vassalos do rei e cumpridores de obrigações, entre as quais se destaca o pagamento de impostos. Entretanto, ocorreram diversas reações à implantação do Diretório nas vilas. As atitudes dos indígenas aldeados variaram da obediência à revolta contra os diretores. Diante disto, a Coroa portuguesa adotou uma multiplicidade de soluções e resoluções importantes. Um dos componentes que sobressai nessa conjuntura da dinâmica local é à margem de negociação e acomodação das vontades e tolerâncias que existiu entre as autoridades locais 54.

A formação e o crescimento populacional em Vilas ou povoados também

estiveram ligados à concessão de terras utilizadas pelos colonos para o plantio de cana-

de-açúcar. Em alguns casos foi a partir do constante deslocamento de gado entre o

sertão e o litoral que se deu a formação de núcleos populacionais, a notar: Aracati,

Quixeramobim e Icó55.

João da Silva Feijó, em sua obra, intitulada Memória sobre a Capitania do

Ceará56 faz um relato sobre as características da população cearense, além de relatar

suas impressões particulares sobre a localidade; aponta características de sua

composição, afirmando ser o povoado relativamente reduzido, creditando tal fato à

invariável disseminação de doenças, das mais diversas, associadas à eventual falta de

abastecimento de alimentos na região, além da inexistência ou menor difusão de um

atrativo econômico que viesse a estimular a vinda de migrantes para a região, como a

possível existência de jazidas de ouro e demais metais e pedras preciosas, descobertos

na região centro-sul da capitania, ou mesmo o desenvolvimento de uma atividade

econômica de forte dinamismo, uma vez que o plantio da cana-de-açúcar, principal

53 Sobre os decretos que ordenavam à criação de Vilas no Ceará, após a segunda metade do século XVIII, houve por parte do governo português, a tentativa de inserir os índios como mão-de-obra regular na pecuária extensiva e na produção agrícola algodoeira. Também se objetivou facilitar a captação de tributos da população pobre e livre. Ver o trabalho de: LEMENHE, Maria Auxiliadora. As razões de uma cidade: Conflitos de hegemonias. Fortaleza: Stylus, 1991, pp. 324/328. Ver também a tese de doutorado de: SILVA, Isabelle Braz Peixoto da. Vilas de índios no Ceará Grande: Dinâmicas locais sob o Diretório Pombalino. São Paulo, 2003; Tese de Doutorado em Ciências Sociais - IFCH/Unicamp, pp. 84/101. 54 Ver LEMENHE , op.cit., nota n0 53, pp. 84/88. 55 Ver GONÇALVES, Regina Célia. Guerras e açucares: Política e economia na capitania da Parayba. São Paulo: EDUSC, 2007. 56 Publicação: O Patriota, Tomo III, n0 1, pp. 46/62 e na edição fac-similar de Separatas de Artigos da Revista do Instituto de Ceará - Fundação Waldemar Alcântara, Fortaleza, 1997, pp. 4/27.

Page 32: Felipe Do Amaral Silva

32

atividade agrícola do nordeste colonial, não se desenvolveu de forma tão significativa

no Ceará.

A observação acerca do quadro social, bem como da constituição das Vilas e

povoados feita por Feijó atendia aos interesses da coroa portuguesa que objetivava

exercer maior controle administrativo sobre suas colônias, como informado no capítulo

1.

Tal perspectiva contribuiu para o desenvolvimento de uma burocracia colonial

mais ampla, onde se inseriu o naturalista João da Silva Feijó, que acumulou postos na

região: como naturalista, secretário régio e chefe do corpo de engenharia local.

José Eudes Gomes salienta ainda que a fundação das Vilas também contribuiu

para a tomada de outras importantes medidas administrativas verificadas no decorrer do

século XVIII, que objetivaram “regulamentar o controle social sobre a capitania”,

como os alistamentos militares, a imposição do uso de passaporte pelos moradores e o

registro de contagens populacionais periódicas57. Com a finalidade de dinamizar a

cobrança tributária e adquirirem dados que possibilitassem o estabelecimento de

políticas públicas mais eficientes a serem aplicadas na região.

Com o processo de ocupação territorial deu-se:

[...] o início ou intensificação da coleta de certos produtos naturais, como a carnaúba; desenvolveram-se ainda mais a indústria açucareira, com a introdução de máquinas a vapor e a instalação dos engenhos centrais. O cultivo do algodão expandiu-se, acompanhado pela introdução de modernos descaroçadores; a atividade do pastoreio passou por crises cíclicas comoconsequencia das graves secas do período; ocorreu a descentralização dos centros de comércio marítimos [...] 58.

Ernani da Silva Bruno59 aponta o surgimento de atividades de processamento

extrativista, como destaque tem-se a indústria salineira, de pescado e da carnaúba. No

que compete à atividade agrícola, o cultivo da cana-de-açúcar e do algodão seguidos de

seu beneficiamento mantiveram-se como posição de destaque. O autor pondera ainda

que a intensificação da cultura canavieira deu-se na região do Cariri60 e no decorrer do

57 GOMES, José Eudes Arrais Barroso. Um escandaloso theatro de horrores: A capitania do Ceará sob o espectro da violência. Monografia de Bacharelado - Departamento de História/UFC, São Paulo, 2006. pp. 104/123. 58 CORDEIRO, op. cit., nota n0 40, pp.73/74. 59 BRUNO, Ernani S. História do Brasil: Local e regional, Vol. II, São Paulo: Cultrix, 1959. pp. 146/149. 60 O Cariri permaneceu no século XVIII, como tímido povoado inserido no sertão norte, com terras férteis próximas ao rio que, embora não fosse ainda perene representava a garantia de água o ano inteiro, pois no período de estiagem as cacimbas cavadas em seu leito seco saciavam a sede e mantinham firme a vida. MEDEIROS, Maria A. A queda do sistema produtivo do semi-árido: O caso do algodão do Cariri. Monografia de Bacharelado em Geografia - Centro de Ciências Humanas; Universidade Estadual Vale do Acarú. Sobral, 2000. Segundo Salete Sousa: Somente a partir do século XIX as Vilas e cidades passaram a refletir a necessidade de uma organização administrativa que se impunha pela evolução econômica e social. SOUSA, Salete. O crescimento das cidades no Ceará e sua evolução. Fortaleza: [s.n.], In: Simpósio Nacional de Geografia Urbana: Anais, 1995, p. 105.

Page 33: Felipe Do Amaral Silva

33

século XVIII contava com mais de cem engenhos de rapadura, situando-se a maior parte

deles na região do Cariri e outra boa parcela na zona do Crato61.

Outros produtos comuns, comercializados na região provinham do extrativismo

vegetal, como destaque tem-se a carnaúba, a qual apresentava grande aproveitamento

econômico, contudo o comércio deste tipo de gênero voltava-se principalmente para o

incipiente mercado local62.

Os índios Cariri subdividiam-se em quatro grandes tribos: os Paiacu, que habitavam as serras situadas ao norte da depressão do rio Curimataú (serras de Araruna, Cuité e Calabouço); os Sucuru, que viviam no planalto da Borborema, concentrando-se principalmente nas cabaceiras dos fornecedores do rio Paraíba, os Ariá, que habitavam os vales dos Piancó, Piranhas e Subugi; e os Icó que, oriundos do Ceará, penetraram na Paraíba se fixando no vale do rio do Peixe. A organização da produção nas comunidades indígenas, fundamentava-se em parte numa economia de coleta (caça, pesca coleta de frutos) e na atividade agrícola. Produziam a mandioca, o milho, a batata doce e o algodão, apenas suficiente para o auto-consumo. Para eles, a terra representava um valor de uso, um celeiro natural de onde retiravam o essencial para sua subsistência. Até este momento, a organização de espaço se dava em função das necessidades da população local, cujo único objetivo era a luta pela sobrevivência. Esta dependia basicamente das condições oferecidas pela natureza. Daí a coincidência na localização das comunidades indígenas, regra geral situada nas proximidades dos rios ou em áreas de difícil acesso para o inimigo63.

A prática do plantio da cana-de-açúcar64 deu-se na região litorânea da capitania,

uma vez que o clima mais ameno e a constância mais frequente de chuvas favoreciam a

agricultura. Soma-se a isso a baixa no custo produtivo, uma vez que a proximidade dos

portos mercantis dispensava ou minimizava os gastos com o transporte da produção,

contudo esta prática agrícola não prosperou de forma tão significativa quanto em outras

capitanias, como a Bahia e Pernambuco.

João da Silva Feijó65, ao analisar o plantio da cana-de-açúcar no sertão cearense,

pondera que os entraves naturais existentes na localidade, a notar os referentes ao clima

semi-árido, aos baixos índices pluviométricos e ao solo pouco propício para o plantio,

foram responsáveis pelo declínio do gênero na sub-região. O naturalista aventa ainda a

61 A povoação do Crato, reduto inicialmente conhecido pelos nomes de Missão do Miranda, Aldeia do Brejo Grande e Missão dos Cariris Novos, elevou-se à categoria de Vila segundo Carta de 16 de dezembro de 1762, tendo sido instalada a 21 de junho de 1764, com a denominação de Vila Real do Crato. Sua elevação à categoria de Cidade ocorreu segundo Lei Provincial n0 628, de 17 de outubro de 1853. 62 SOUSA, Eusébio. Álbuns de Jaguaribe. Belém: Gráfica Amazônia, 1922, p. 79. 63 CLEROT. L. Distribuição dos grupos indígenas. In: Atlas Geográfico da Paraíba. João Pessoa: FAFI/UFPB, 1965. pp. 39/40. 64 O fato de a produção destinar-se ao provimento de mercados de além-mar conferia ao estabelecimento produtor de açúcar uma feição comercial, ou acrescentava um caráter também mercantil à sua natureza agro-industrial. Tratava-se, com efeito, de uma unidade de economia de mercado - o mercado internacional - para onde se voltavam todos os interesses em função dos quais se foi criando e ampliando toda uma estrutura de produção. Esses mesmos interesses comerciais, somados ao fato de ser absorvente de capital de força-de-trabalho o processo produtivo de açúcar, explicam o caráter monocultor do estabelecimento rural canavieiro. As dimensões da sua área de terras e a proporção de aproveitamento dessas terras fizeram dele, no plano da estrutura agrária, um latifundiário. E a exigência de mão-de-obra numerosa, relacionada com a natureza, o processo e a escala da produção, o tornou, por imposição das condições do tempo, uma célula escravista. [...] É, em suma, caracteristicamente de “plantation” o sistema de organização agrária que se implantou no Nordeste para produzir açúcar. MELO, op. cit., nota n0 37, p.31. 65 FEIJÓ, João da Silva. Memória sobre a Capitania do Ceará, 1814, publicação: O Patriota. op. cit., nota n0 56.

Page 34: Felipe Do Amaral Silva

34

inexistência no local, de portos eficientes que pudessem escoar a produção e atender ao

comércio externo. Neste sentido, salienta Celeste Cordeiro que o rudimentar plantio da

cana-de–açúcar tendeu a ser direcionado a outras localidades, com o intuito de ser

comercializado66.

Como uma das atividades de destaque no setor primário da economia local tem-

se o cultivo algodoeiro, que eventualmente era favorecido devido à ocorrência das

secas, que comprometiam o plantio de outros gêneros agrícolas e dizimavam rebanhos

prejudicando a atividade de pastoreio, o que levava alguns colonos a optarem pelo

plantio de algodão como forma alternativa ou prioritária de atividade geradora de

renda67.

A respeito do plantio de algodão no sertão cearense, convém salientar que:

Simultaneamente a ascensão do algodão dá-se a decadência econômica do açúcar, fato que propiciou o deslocamento de grande contingente populacional do litoral para o sertão, ampliando o estagio de ocupação do espaço cearense. Nesse período o algodão passou a ter papel fundamental no desenvolvimento da indústria têxtil e de confecções, fase em que o espaço do nordeste agrário não açucareiro converte-se num vasto algodoal desde o Maranhão até a Bahia 68.

Maria Marlene da Silva69 destaca que, em fins do século XVIII e início do

século XIX, o Ceará passou a exportar algodão para o mercado internacional, fato que

contribuiu substancialmente para a expansão da cotonicultura na capitania. Somado a

isto se verificava o dinamismo do plantio de algodão que comumente associava-se à

criação de gado, uma vez que o rebanho alimentava-se das folhas do algodão na época

da colheita e das sementes na época das secas.

Segundo Maria Auxiliadora de Medeiros:

A sociedade algodoeira não se hierarquizou de forma tão rígida como na sociedade açucareira, embora nos períodos mais favoráveis se tenha formado grandes unidades de produção, empregando o trabalho escravo. Deveu-se a isso uma série de fatores; entre estes, salienta-se que a cultura algodoeira permitia ao agricultor intercalar em seu cultivo as culturas alimentares, sem acarretar em prejuízo para nenhuma das culturas, fato que estimulava a policultura, o auto-abastecimento e a formação de pequenas propriedades70.

Convém ainda salientar que o processo de independência das treze colônias

norte-americanas comprometeu sobremaneira a cotonicultura da porção sul de seu

território, o que contribuiu para o fortalecimento da prática agrícola deste gênero no

nordeste brasileiro.

66 CORDEIRO, op. cit., nota n0 40, p. 81. 67 NOGUEIRA, op. cit., nota n0 52, p. 47. 68 OLIVEIRA, Francisco. Elegia para uma (re)ligião, Rio de Janeiro: Paz e Terra ,1977. p. 47. 69 SILVA, Maria M. Sertão Norte: Área de sistema gado-algodão, Recife: SUDENE, 1982. 70 MEDEIROS, Maria A. A queda do sistema produtivo do semi-árido: O caso do algodão do Cariri. 93 f. Monografia de Bacharelado em Geografia - Centro de Ciências Humanas; Universidade Estadual Vale do Acarú, Sobral: [s.n.]; 2000. p. 24.

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35

Porém, após passadas as instabilidades decorrentes do processo de

independência, o nordeste brasileiro passou a perder espaço no comércio internacional

deste gênero, uma vez que houve o restabelecimento da produtividade cotoneira na

recém formada República Federativa Norte-Americana.

Com a queda no preço e na venda da produção de algodão, o naturalista João da

Silva Feijó em suas Memória econômica sobre a raça do gado lanígero da Capitania

do Ceará, com os meios de organizar os seus rebanhos por princípios rurais,

aperfeiçoar a espécie atual das suas ovelhas e conduzir-se ao tratamento delas e das

suas lãs em utilidade geral do comércio do Brasil e prosperidade da mesma capitania71

propõe que parte do processamento deste produto fosse direcionada ao atendimento da

demanda interna da capitania. Principalmente o material de qualidade inferior, que por

possuir um custo menos elevado atendia às necessidades dos sertanejos.

O naturalista propõe formas de melhor se organizar a produção e de se

aproveitar a criação de animais na capitania, além disso, delimita um breve quadro

sobre as falhas, o desperdício e as técnicas rudimentares que são utilizadas na criação de

animais na região.

Ainda como produto de relevante importância econômica destacava-se o plantio

do tabaco, realizado, principalmente, nas localidades de Pacatuba, Acarape, Lavras e

Canindé72. O tabaco produzido era destinado principalmente ao comércio externo sendo

comumente utilizado por mercadores de escravos como moeda na aquisição de cativos.

Uma parcela menos significativa da produção era direcionada ao mercado local73.

As demais atividades agrícolas apresentavam-se de forma reduzida, visto a

contrariedade do clima que dificultava sobremaneira a prática do cultivo. Contudo,

convém notar que a agricultura de subsistência foi realizada em escala significativa,

pela parcela menos abastada da sociedade cearense e também pelos nativos. A produção

de gêneros de subsistência também se direcionava ao pequeno comércio local74.

De acordo com Maria Yedda Linhares:

Vários foram os papéis da agricultura de subsistência na Colônia portuguesa que se implantava. Destacaremos dois: o de ocupar a terra, desbravando-a e povoando-a e, ainda, o de organizar-se sob formas de trabalho familiar para produzir excedentes e atender, progressivamente, às necessidades dos núcleos urbanos em expansão, além de suprir as frotas que se dirigiam ao sul e à África. É errôneo pensar que o Brasil

71 FEIJÒ, Memórias sobre a Capitania do Ceará. op. cit., nota0 65. 72 BRUNO, op. cit., nota0 59, p. 152. 73 MEDEIROS, Maria A., DINIZ, Aldiva S., op. cit., nota n0 70, p. 102. 74 CORDEIRO, op. cit., nota0 40, p. 59.

Page 36: Felipe Do Amaral Silva

36

viveu de açúcar, nada mais do que açúcar, nos primeiros séculos, e, depois, no século XIX [...] 75.

Mesmo diante do clima adverso, marcado por fortes períodos de seca, a pecuária

ocupou papel de destaque na economia da capitania. Nesse sentido o comércio do

charque foi de grande importância para o desenvolvimento econômico do Ceará.

No primeiro quartel do século XVIII, a criação de gado foi realizada

inicialmente no sertão e direcionava-se para a região litorânea, onde o gado era abatido

e, posteriormente, comercializado sob a forma de charque76.

O comércio do charque também contribuiu para a formação de um tímido

mercado local. Por meio dos caminhos criados pelo gado, a colonização dos sertões

cearenses seguiu as margens dos rios, fato que deu origem a uma forma de povoamento

espaçado, marcado pelo desenvolvimento da atividade pastoril acrescida da agricultura

de subsistência77.

João da Silva Feijó aborda essa questão, em suas obras intituladas Memórias

sobre a Capitania do Ceará e Preâmbulo ao ensaio filosófico e político sobre a

Capitania do Ceará para servir para a sua história geral; Memória econômica sobre a

raça do gado lanígero da Capitania do Ceará, com os meios de organizar os seus

rebanhos por princípios rurais, aperfeiçoar a espécie atual das suas ovelhas e

conduzir-se ao tratamento delas e das suas lãs em utilidade geral do comércio do

Brasil e prosperidade da mesma capitania. Em suas linhas, o autor comenta sobre o

aproveitamento econômico do gado produzido na região, sendo possível depreender que

o sistema de pecuária extensiva apresentou-se predominante. De acordo com tal preceito

o gado era criado solto, alimentando-se de pastagens naturais e gastando grande energia

em seu deslocamento em busca de alimento.

Feijó propõe que nas localidades onde as pastagens fossem mais abundantes e a

oferta de água proveniente de rios perenes, o gado fosse criado em estábulos, o que

diminuiria o gasto de energia do animal, possibilitando um maior aproveitamento

econômico de seus derivados, em especial a carne.

Essa prática justificava-se pela pouca quantidade e a baixa qualidade do pasto

existente, comprometida ainda, pela escassez de chuvas. A pecuária extensiva motivou a

75 LINHARES, Maria Y. Pecuária, Alimentos e Sistemas Agrários no Brasil (Séculos XVII E XVIII). Revista Tempo - UFF. Vol. I. Rio de Janeiro: [s.n]; n0 2, 2005. p. 23. 76 JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. O espaço nordestino: o papel da pecuária e do algodão. In: SOUSA, Simone de (Org.). História do Ceará. 2ª edição, Fortaleza: Demócrito Rocha, 1994. p. 123. 77 Idem, p. 115.

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37

requisição por parte dos colonos, de grandes extensões territoriais, uma vez que o gado

necessitava de constante locomoção a fim de buscar pastagens férteis.

Outro tema abordado nestes textos diz respeito ao estabelecimento mais efetivo

do comércio de charque, a ser realizado nas proximidades litorâneas, que comumente

era concretizado com armadores e navegadores que, em geral, pagavam preços mais

elevados pelo produto.

No Ceará, por sua vez, o forte absenteísmo dos grandes fazendeiros favorecia um certo relaxamento nas relações entre proprietários e arrendatários: “[...] alguns donos vivem em suas terras mas a maioria é propriedade de homens de ampla prosperidade que residem nas cidades litorâneas78.

Girão79 salienta que as fazendas de beneficiamento de carne denominadas:

“oficinas ou charqueadas”, instalaram-se principalmente nos estuários dos rios

Jaguaribe, Acaraú e Mossoró. Assim como Girão, Renato Braga considera que as

condições naturais dessa região favoreciam o processamento do charque uma vez que:

“[...] os ventos constantes e a baixa umidade relativa do ar, favoreciam a secagem e a

duração do produto; existência de sal cuja importância se não precisa destacar; barras

acessíveis à cabotagem da época 80”.

O resultado foi uma intensificação da ocupação dos sertões principalmente por

parte dos pecuaristas e demais indivíduos que dependiam direta ou indiretamente da

produção e processamento do charque; porém, as secas periódicas limitavam o

crescimento dos rebanhos e desencorajavam a vinda de novos habitantes para a região.

Em 1777, ocorreu uma intensa seca que ficou conhecida como a “seca dos três setes 81”, a esse respeito Valdelice Carneiro Girão pondera que o fenômeno natural foi

responsável pela redução “a um oitavo o gado da capitania e suas vizinhanças82” como

também pela transferência para o Rio Grande do Sul da fórmula utilizada na preparação

da “carne do Ceará83”.

Mesmo tal fenômeno ocorrendo dois anos antes da chegada de João da Silva

Feijó à capitania, é significativo notar que mediante a realização do censo periódico

promovido pelo naturalista, tanto sobre as populações nativas, quanto dos colonos,

torna-se possível constatar as variações de quantitativos populacionais encontrados em

Vilas, povoados ou mesmo aldeamentos indígenas que, de acordo com o naturalista,

78Livro Primeiro de Sesmarias, f. 123, Códice 155, Arquivo Nacional, Rio de Janeiro. 79 GIRÃO, Carneiro. As oficinas ou charqueadas no Ceará. Fortaleza: Secult, 1995. 80 BRAGA, Renato. Uma história esquecida da economia pastoril do nordeste. Revista do Instituto Ceará, Vol. LXI. Fortaleza: [s.n.]; 1947. p. 150. 81 GIRÃO, op. cit., nota n0 79. 82 Idem, p. 67. 83 Idem, p. 68.

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38

estavam intimamente ligados a fenômenos climáticos ou em menor escala, na

propagação de doenças, guerras tribais e demais conflitos.

Girão salienta ainda que:

Diante das grandes distâncias entre as fazendas de criar e os mercados consumidores pernambucanos e baianos surgiram no Ceará as charqueadas, que originaram a exportação de carne seca e couros, atividades responsáveis pela dinamização econômica local e a fundação de vilas espalhadas pelos sertões cearenses 84.

De acordo com Francisco José Pinheiro85 um dos recursos mais comuns

utilizados pelos sesmeiros86 para conseguirem maior quantidade de cartas de sesmarias

junto à coroa, foi à alegação do combate aos indígenas, realizado com gastos próprios e

sob risco de morte por ataque dos nativos. Nesse sentido a violência apresentava-se

como um importante fator justificativo para a posse da terra.

Assim, percebemos que já os primeiros colonos da capitania usavam como argumento o empenho e o risco de suas vidas e cabedais no sentido de clamar benesses junto ao Estado metropolitano, evidenciando de forma muito precoce no Ceará o surgimento daquilo que Luciano Figueiredo denomina de “patrimônio memorialístico”, isto é, a barganha de benefícios pelos colonos através da sua auto-afirmação como agentes ativos do processo de colonização87.

Contudo, mesmo devido aos freqüentes ataques promovidos pelos colonos aos

povos nativos, no decorrer do século XVIII a população indígena ainda se constituía

como o contingente populacional predominante. De acordo com a contagem promovida

por Feijó em sua obra intitulada: Memória sobre a Capitania do Ceará era significativa

a diminuição populacional das tribos indígenas nos períodos de intervalo em que se

realizava o censo, fato em geral atribuído à disseminação de doenças e a preação dos

nativos, para atuarem, sobretudo no plantio da cana-de-açúcar.

Ainda de acordo com Feijó, os conflitos inter-tribais e a tomada de terra por

parte dos colonos contribuíram significativamente para a diminuição das populações

visitadas. Além disso, no decorrer do processo de colonização muitos indígenas e

mestiços abandonaram suas tribos de origem e dirigiram-se aos incipientes centros

84 GIRÃO, op. cit., nota n0 79. 85 PINHEIRO, Francisco José. “Mundos em confronto: povos nativos e europeus na disputa pelo território”. In: SOUSA, Simone de (Org.). Uma nova história do Ceará. Fortaleza: Demócrito Rocha, 2000, p. 36. 86 “[...] podemos dizer que um dos atos de poder mais importantes numa colônia de plantação” – a concessão de terras para agricultura – dependia dos governadores das capitanias, enquanto a avaliação sucessiva da legalidade do uso da terra pelos sesmeiros estava a cargo de magistrados mais ou menos dependentes das elites locais... Nos níveis mais baixos da administração nomeadamente em matérias de justiça, havia novos fatores de incoerência e autonomia, originados pelas deformações, intencionais ou não, do direito, às mãos de “pessoas simples e ignorantes, que não sabem ler nem escrever”, facilmente corrompidas ou assustadas pelos poderosos das terras. FRAGOSO, João Luis. A noção de economia colonial tardia no Rio de Janeiro e as conecções econômicas do Império português: 1790/1820. In: João Fragoso (Org.). O antigo regime nos trópicos: A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI/XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 179. 87 BICALHO, Maria Fernanda Baptista. A cidade e o Império: O Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, pp. 388/389.

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39

urbanos, ocupando funções ligadas ao artesanato, comércio e prestação de serviços aos

grandes latifundiários.

Para Feijó o senso populacional referente às tribos indígenas constituía-se

relativamente importante, pois nele constava a relação das tribos aliadas à coroa

portuguesa e aquelas que fossem hostis, juntamente com seu quantitativo populacional,

o que em caso de um possível conflito envolvendo os representantes do governo e os

nativos, permitiria o estabelecimento de estimativas sobre o número de aliados e

inimigos, permitindo maior organização militar de defesa por parte das autoridades

locais.

De acordo com Ernani da Silva Bruno88 nos anos iniciais do século XIX deu-se

também a intensificação da ocupação do território cearense com a formação de novos

núcleos populacionais e o desenvolvimento de Vilas, contudo, mantiveram-se os

senhores de engenho no comando de sua clientela direta e indireta e do domínio

econômico da capitania, como elementos de maior representatividade política.

A eles somavam-se autoridades régias sediadas na colônia como o governante da

capitania Bernardo Manuel de Vasconcellos seguido de seu secretário Francisco Mariz

de Sarmento, além das autoridades régias como o ministro Dom Rodrigo de Sousa

Coutinho e João Rodrigues de Sá e Melo; o visconde de Anadia, autoridades com as

quais João da Silva Feijó manteve intenso contato.

Mediante a posse de grandes extensões territoriais e dos maiores rebanhos

locais, como pondera Gisafran Nazareno Mota Jucá89, grupos familiares detentores de

sesmarias acabavam ocupando os cargos mais importantes da administração colonial,

principalmente de atribuição militar; de média e alta patente e nas câmaras municipais,

cargos estes que lhes garantiam poder político.

2.4 - Principais centros urbanos

Ao inserir-se na região, Feijó através de seus estudos constatou que90 desde sua

ocupação no século XVII, a capitania do Ceará contou com uma população

iminentemente localizada no setor agrário, a maior parte dos agrupamentos

populacionais apresentava poucas centenas de habitantes, alguns aldeamentos nem

88 BRUNO, op. cit., nota n0 59, p.142. 89 JUCÁ, op. cit., nota n0 76. 90FEIJÒ, op. cit., nota n0 65.

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40

chegavam a atingir essa média. Sua durabilidade também era efêmera, fenômenos

naturais adversos como a ocorrência de secas - que comprometiam as plantações e a

criação de gado - invariavelmente levavam à evacuação de povoados inteiros, que se

dirigiam às regiões onde o clima fosse mais ameno e a oferta de solo fértil e de

alimentos fosse mais abundante. Fato notado por Feijó mediante a realização de censos

periódicos na capitania.

Segundo Gizafran Jucá91 o primeiro centro urbano de importância político-

administrativo verificado no Ceará colonial foi a cidade de Aquiraz92. Primeira

localidade elevada à categoria de Vila, por ordem régia em 13 de fevereiro de 1699 e

efetivamente instalada em 17 de junho de 1713, tornou-se capital do Ceará, no ano de

1726.

A Vila, no decorrer do século XVIII, foi marcada pela intensa atuação jesuítica.

Na localidade, a Companhia de Jesus construiu o chamado Hospício dos Jesuítas, que

se constituía como um posto de hospedagem onde padres missionários e membros da

ordem se hospedavam, no decorrer da prática de catequese dos indígenas, além de

realizarem cuidados médicos aplicados aos sertanejos e aos peregrinos, que pela aquela

localidade transitavam.

Situada próxima ao litoral, a cidade era composta em sua maioria por mestiços

de nativos com brancos e apresentava além de sede administrativa da capitania, um

importante centro mercantil. O principal produto comercializado era o charque,

produzido no sertão, que era transportado por sesmeiros até a Vila, onde,

posteriormente, era vendido principalmente a viajantes e comerciantes que se dirigiam

para o sudeste da colônia. Também eram comumente comercializadas com

contrabandistas e mercadores, que se interessavam pelo produto devido a sua

durabilidade.

No povoado do Aracati, região onde se verificava a existência de um porto de

águas relativamente calmas, desenvolveu-se a navegação comercial. Seu

posicionamento geográfico estratégico, — próximo a Recife e a Salvador — também

91 JUCÁ, op. cit., nota n0 76, p. 89. 92 No decorrer do século XIX a Vila de Aquiraz perdeu importância em detrimento de Fortaleza, que passou a se tornar a capital do Ceará. De acordo com Bruno, a Vila em princípio do século XIX era marcada por “[...] ruas largas e praças amplas, cercada de prédios térreos feitos em geral de barrotes92”. Pinto Paiva pondera que ao final do século XVIII a cidade passou a adquirir maior importância política e econômica, devido à atividade comercial, ligada a exportação de gêneros locais e por concentrar órgãos administrativos e políticos de significância para a colônia. Nesta localidade o naturalista João da Silva Feijó manteve contato com colonos e autoridades a fim de angariar recursos materiais e humanos para promover suas diligências. PAIVA, Maria A. P. A elite política do Ceará provincial. Rio de Janeiro : Tempo brasileiro, 1979.

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41

contribuiu para o desenvolvimento econômico e de seu povoamento. Mesmo antes de

ser elevado à condição de Vila tornou-se um importante centro dinâmico da economia

da capitania.

De acordo com Eusébio de Sousa:

Atraído por seu desenvolvimento, logo convergiu um número considerável de forasteiros; população esta oriunda não só da própria capitania, como também das capitanias vizinhas entre eles colonos portugueses e de outras nacionalidades que ali passou a desenvolver suas atividades, dando lugar a que o comércio, não só de charque, como de couro salgado de boi, vaqueta, couros de cabra e pelicas brancas se desenvolvessem de modo assombroso, transformando em pouco tempo a face do humilde arraial que tornou-se um dos mais procurados e populosos daquelas eras da então capitania93.

O crescimento econômico e populacional do povoado de Aracati acabou

possibilitando a sua elevação à condição de Vila, por decreto régio que data de 10 de

fevereiro de 1748. Contudo a ascensão a tal condição comprometeu sensivelmente o

desenvolvimento comercial da região, uma vez que a presença de autoridades coloniais

na nova Vila afastava armadores e mesmo comerciantes, que temiam possíveis sansões

impostas por estas autoridades.

A tributação cobrada dos proprietários e mestres de barco pela câmara de

Aquiráz também contribuiu para a diminuição do comércio marítimo na região,

mediante tais fatos, pondera Girão:

Aracati que antes da edificação de vila fabricava anualmente charque de ‘vinte a vinte cinco mil bois’, logo recuperou o seu papel de entreposto comercial de Pernambuco coma bacia Jaguaribe e outras regiões da capitania94.

Ainda de acordo com Girão, devido ao dinamismo econômico de Aracati e ao

“contato com as gentes mais civilizadas95”, ocorreu na localidade um desenvolvimento

que transpôs o âmbito mercantil e se manifestou também nas artes, nas letras e na

ciência96.

Acaraú foi outro importante povoado do Ceará colonial. Seu núcleo inicial de

povoamento, assim como em boa parte das regiões da capitania, deu-se mediante as

charqueadas. Situado nas proximidades do rio Jaguaribe, a produção do charque

realizada na localidade era comumente comercializada através do serviço de cabotagem

para outros povoamentos, a notar: Granja, Sobral e Camocim. Em menor proporção

também se desenvolveu na localidade o plantio da cana-de-açúcar que, contudo, não

prosperou muito no decorrer do século XVIII.

93 SOUSA, op. cit., nota0 62, p.12. 94 GIRÃO, op. cit., nota n0 79, p. 75. 95 Idem, p. 77. 96 Idem.

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O intenso comércio realizado com o povoado de Acaraú propiciou o

desenvolvimento econômico da Vila do Sobral.

Girão salienta que a relação comercial envolvendo o sertão de Acaraú e o litoral

de Sobral, envolvia a comercialização, não somente de produtos pastoris, de acordo com

a autora:

Os barcos que levavam os produtos pastoris voltavam trazendo as grandes novidades em pratarias, porcelanas, cristais, móveis de jacarandá e outros objetos raros, entre eles materiais de construção; o que muito contribuiu para o formoseamento da vila de Sobral, como a ‘segunda em grandeza’, feita por Manuel Bernardes de Vasconcelos97.

Outros povoamentos como o da Granja e de Camocim apresentaram uma

produção de charque significativa. De acordo com Guilherme Studart: “[...] a Vila da

granja que domina a foz do rio Camossi, tem em si um grande comércio de carne e de

algodão que atrai pelo seu cômodo muitas embarcações e traficantes de capitanias

vizinhas98”.

Ainda a esse respeito, convém destacar que as determinações pombalinas

aplicadas em 1759 viabilizaram a formação de uma relativa quantidade de Vilas no

interior da capitania do Ceará e, de acordo com Marilda Santos Silva, foram criadas:

A Vila Nova de Soures (Caucaia), criada em 15 de outubro e a Vila Nova de Arronches (Parangaba) no dia 25 do mesmo mês. Em 01 de janeiro de 1760 foi criada a Vila Nova de Mecejana (Paupina), quatro anos depois, isto é, em 1764 criaram as Vila de Monte-mor-novo (Baturité) e a Vila do Crato. Em 1773, foi criada a Vila de Sobral, e em 1776 a Vila de Granja. No ano de 1789 foi criada a Vila de Campo Maior de Quixeramobim, e em 1791 a Vila Nova d El Rey (Campo Grande). Por fim, no início do século XIX, foram criadas outras vilas no Ceará, em 1801 as vilas de São Bernardo das Russas e São João do Príncipe, em 1814 a Vila de Santo Antônio do Jardim, e em 1816 a Vila de São Vicente das Lavras da Mangabeira99.

Por fim é interessante ressaltar que o projeto de estímulo à ocupação da capitania

desenvolvido por Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, que consistia na elevação de

povoamentos e aldeias à condição de Vila, ocorreu simultaneamente a estada de Feijó

na capitania, podendo se depreender que sua estada na região serviu aos interesses

governamentais, uma vez que os resultados de suas pesquisas de campo atendiam aos

interesses econômicos e administrativos do governo português.

97 GIRÃO, op. cit., nota n0 78, p.79. 98 STUDART, Guilherme. Notas para a História do Ceará: Segunda metade do século XVIII. Lisboa: Tip Rureio, 1893, p.499. 99 Idem, p.9.

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III – A VIAGEM FILOSÓFICA A CAPITANIA DO CEARÁ E SEUS

ASPECTOS CIENTÍFICOS.

3.1 - Diligências filosóficas e História Natural em Portugal.

Distintivo do século XVIII é o esforço por parte do Estado para inventariar as riquezas por meio da ciência. Museus, academias científicas, jardins botânicos constituíram tentativas de gerenciar a explosão empírica de materiais produzidos por meio da disseminação, mais ampla dos antigos textos, da maior mobilidade de pessoas e objetos, das viagens de exploração e por formas mais sistemáticas de comunicação, troca e apropriação. Ao redefinir a visão do mundo européia como uma medida, mesmo que relativa da civilização. Todos esses fatores contribuíram também para produzir novas atitudes com relação à natureza e a história natural 100.

As viagens filosóficas promovidas por Portugal foram direcionadas a pontos de

valor estratégico e econômico do Império Atlântico, como: Moçambique, Goa, Angola,

Cabo Verde e Brasil. Sua concepção deu-se sob o auspício da Real Academia de

Ciências de Lisboa101 e do Ministério da Marinha e dos Domínios Ultramarinos, sendo

planejadas pelo naturalista Domenico Vandelli, diretor do Real Jardim Botânico da

Ajuda, fundado no âmbito da ilustração europeia. Este estabelecimento criado pelo

100 FIGUEIROA; SILVA; PATACA, op. cit., nota n0 1, p. 718. 101 Somada a Universidade de Coimbra,outra instituição pública encarregava-se de dinamizar e incentivar a produção científica no Reino. A Academia Real das Ciências de Lisboa criada, após reformulações pombalinas em 1779 promoveu o desenvolvimento cientifico em Portugal. Segundo Cardoso “[...] a Academia, apesar do seu estatuto de instituição de escola e da ligação dos seus membros à universidade de Coimbra, procurava romper as distâncias entre o discurso teórico de feição abstracta e as acções práticas baseadas na tradição”. CARDOSO, J. L. "Introdução". In: Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes, e da indústria em Portugal, e suas conquistas (1789-1815). Vol. I. Lisboa: Banco de Portugal, 1990. O local se constituía como um palco para a divulgação científica, onde naturalistas, astrônomos, matemáticos, pensadores e em menor proporção; altos funcionários coloniais ligados à Universidade de Coimbra trocavam informações e deliberavam a respeito dos mais variados assuntos. A instituição também foi palco para discussões que atendiam interesses econômicos relacionados ao estabelecimento de práticas agrícolas, exploração de minas ou utilização de matérias vegetais, tidas por elementos pertencentes à aristocracia ou grandes comerciantes interessados em expandir ou dinamizar seus negócios e suas atividades comerciais.

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marquês de Pombal adquiriu grande importância nos ministérios de Martinho de Melo e

Castro e Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, seus sucessores.

As diligências científicas exigiam grande esforço por parte dos naturalistas que

meses antes de iniciarem as expedições preparavam o roteiro, o material e colhiam o

máximo de informações a respeito dos locais a serem visitados. No decorrer de suas

viagens estes pesquisadores tinham a atribuição de: catalogar, retratar, recolher e enviar

espécimes de origem animal, vegetal e mineral para o Real Jardim Botânico da Ajuda,

ou para a Real Academia de Ciencias de Lisboa, ambos supervisionados por Vandelli.

Ainda de acordo com Ronald Raminelli102, o naturalista também deveria atentar

para variações climáticas, definição de estações, distribuição de rios, lagos, fontes e

poços, além de tomar nota sobre as condições materiais de vilas, fortificações e

populações locais. Enfim, sua atribuição era inventariar tudo aquilo que detivesse

importância econômica ou estratégica para a coroa portuguesa.

O advento da segunda metade do século XVIII coincidiu com a realização de um

enorme esforço de renovação do conhecimento que envolveu indivíduos e instituições e

que foi, em grande medida, promovido e financiado pelo Estado103. Nele estiveram

empenhados não só cientistas, astrônomos, engenheiros-cartógrafos, retratistas —,

alguns vindos do estrangeiro, outros recém-formados pela Universidade de Coimbra, —

como também, altos funcionários régios, o que lhes permitia conjugar atribuições

administrativas com funções particulares, comuns aos filósofos naturalistas. O governo

português participou efetivamente desse processo de renovação cultural e científica,

notadamente a partir das reformulações pombalinas, mediante:

[...] a formação desta ‘elite do conhecimento’, quando impulsionou a criação do Colégio dos Nobres, da Academia Militar e a reforma da Universidade de Coimbra, ou quando requisitou em Bolonha, Gênova e Pádua os serviços de professores de física, astronomia, química, matemática, história natural para ensinarem nas instituições de ensino mencionadas, no fornecimento de meios técnicos, humanos e financeiros às viagens científicas que se realizaram ao Brasil, África e Ásia104.

102 RAMINELLI. Ilustração e Patronagem: Estratégias de ascensão social no Império português. Vol. VI In: Anais de História de Além-Mar. Lisboa: ed. João Paulo de Oliveira e Costa; 2005. 103 O Estado apresenta-se, aos olhos de Lisboa, como o grande agente da racionalidade pública. Em nome de tal racionalidade, ele vai criticar os proprietários que sempre lucraram com “as madeiras que tiravam das matas dos índios e particulares” e que não aceitavam se privar "das vantagens que sua ambição e interesses prometiam". O desejo desse grupo era “que Sua Alteza não tenha matas nas vizinhanças das cidades, que os seus vasos de guerra estejam na dependência do capricho e ambição dos negociantes, que ficarão sendo os dominadores da força pública da monarquia”. Ocorre que a monarquia representava uma entidade autônoma e superior, que jamais poderia ser dominada por interesses privados. Ela deveria ter, ao contrário, a primazia na ocupação do espaço geográfico, de forma a garantir o exercício do seu controle benéfico sobre o conjunto da sociedade. PADUA, José Augusto. Aniquilando as Naturais Produções: Crítica Iluminista, Crise Colonial e as Origens do Ambientalismo Político no Brasil (1786-1810). São Paulo: Instituto de Geociências/DGAE; Universidade Estadual de Campinas-Unicamp, 1990. p. 23. 104 DOMINGUES, Ângela, Viagens de exploração geográfica na Amazônia em finais do século XVIII: Política, ciência e aventura. Lisboa; Região Autônoma da Madeira. [S.I:s.n.];1991, p. 36.

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Com a definição de campos de estudos específicos que deram origem a novas

diretrizes científicas — viabilizadas por meio do estudo dos aspectos naturais das

possessões ultramarinas portuguesas -, naturalistas e funcionários régios criaram e

garantiram a manutenção de uma rede de informação que permitiu ao governo luso

aprofundar conhecimentos a respeito de seus domínios, materializadas sobre a recepção

e gestão das informações oriundas das mais distantes localidades das possessões

portugueses, feitas por instituições governamentais e particulares.

Convém ainda destacar que a obtenção deste tipo de informação não se

manifestou somente de forma escrita, também era atribuição dos naturalistas enviarem

espécimes da fauna e flora locais, assim como amostras minerais, pranchas desenhadas,

mapas, retratos de paisagens, dentre outros. Nesse contexto inúmeras caixas —,

contendo os mais variados “produtos da natureza” — foram endereçadas aos institutos

científicos do Reino, notadamente ao Real Jardim Botânico, à Academia Real de

Ciência de Lisboa, ao Gabinete de História Natural e à própria secretária da Marinha e

dos Domínios Ultramarinos.

No decorrer da atividade científica, atuavam também moradores, colonos,

funcionários de patentes militares e soldados, eclesiásticos, degredados e nativos, o que

se justificava pela árdua tarefa imposta ao naturalista, que em geral, recorria à ajuda

externa. Em muitas ocasiões era necessário ao cientista negociar com os habitantes

locais com a finalidade de obter êxito em suas incursões.

A realização das viagens filosóficas encontrava-se diretamente ligada à

burocracia estatal lusa, estando principalmente associada a órgãos como a Academia

Real de Ciências de Lisboa e o Real Museu da Ajuda, ambos dirigidos pelo naturalista

Domenico Vandelli, como já dito anteriormente. O citado cientista ocupou-se ainda, em

capacitar e instruir naturalistas na realização de suas peregrinações filosóficas,

determinando os objetivos específicos às mesmas. Dentre estes se encontrava João da

Silva Feijó.

Feijó nasceu no ano de 1760, na localidade da Guaratiba, situada na capitania do

Rio de Janeiro, localidade onde veio a falecer105, no ano de 1824. Em vida, teria

residido no Rio de Janeiro até o ano de 1778, quando partiu para realizar seus estudos

105 Segundo Geraldo Silva Nobre, João da Silva Feijó teria sido enterrado na sepultura de n0 24 dos Claustros da Capela de Nossa Senhora da Consolação, do Rio de Janeiro, da ordem 3a. de São Francisco de Paula, em 10 de março de 1824. NOBRE, Geraldo da S. Apresentação. Memória sobre a Capitania do Ceará e outros trabalhos. ed. Fac-similar de Separatas. Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 1997.

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em Portugal. Analisando a produção historiográfica a respeito do naturalista é possível

notar uma falta de consenso quanto à real natureza de sua formação acadêmica,

divergindo sobre o fato do mesmo ter cursado a cátedra de História Natural em Coimbra

ou a Real Academia Militar de Lisboa106.

O desacordo para tanto se justifica devido à ausência de registros do cientista na

instituição educacional portuguesa de Coimbra, somada à trajetória militar do

naturalista, que ao longo de sua vida ocupou diferentes patentes em instituições

militares107.

É presumível que Feijó tenha sido remunerado pelos cargos militares que

exerceu, quais sejam: Sargento-mor das milícias, tenente coronel agregado ao 10

regimento da cavalaria de milícias da Capitania do Ceará e tenente coronel do corpo de

engenharia do Rio de Janeiro, contudo também é possível presumir que as atribuições

impostas por tais funções mesclavam-se com atividades administrativas, políticas,

dentre outras, o que invariavelmente inviabilizava o desenvolvimento da atividade

científica.

De acordo com documentos da época referentes a Feijó108, torna-se evidente que

o naturalista integrou o grupo de cientistas liderados por Domenico Vandelli. Feijó

iniciou suas atividades científicas ainda em Portugal, explorando a viabilidade

106 CARREIRA, António. Apresentação e comentários: Ensaio e memórias econômicas sobre as Ilhas de Cabo Verde (século XVIII), por João da Silva Feijó. Lisboa: Instituto Caboverdiano do Livro, 1986. CARVALHO, Rômulo de. A História Natural em Portugal no século XVIII. Lisboa: ICALP/Ministério da Educação, 1987. E SIMOM, W. J. Scientific expeditions in the portuguese overseas territories (1783-1808) and the role of Lisbon in the intellectual-scientific community of the late eighteenth century. C.E.H.C.A./Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa. 1983. Afirmam que o naturalista João da Silva Feijó teria de fato cursado a cátedra de história natural em Coimbra, contudo não explicitam claramente as fontes pelas quais chegaram a tal conclusão. Porém NOBRE, Geraldo da S. João da Silva Feijó: um naturalista no Ceará. Instituto Histórico do Ceará. Fortaleza: GRECEL, 1978, levanta a possibilidade de Feijó ter cursado a Real Academia Militar de Lisboa, para tanto o autor justifica afirmando não ter encontrado o nome de Feijó dentre os alunos matriculados na Instituição de Coimbra quando do período de sua estada em Lisboa a fim de concluir seus estudos, além disso, salienta que Feijó no decorrer de sua vida, juntamente com as atribuições de cientista, ocupou diversos cargos militares. Ver SILVA, LOPES. Uma leitura contextualizada da memória sobre a Capitania do Ceará (1814) Do naturalista João da Silva Feijó (1760-1824). São Paulo: Instituto de Geociências/DGAE; Universidade Estadual de Campinas-Unicamp, 2004, p. 83. 107 Em vida, Feijó além de filósofo natural ocupou cargos no aparato administrativo português notadamente em instituições militares como: a patente de Sargento-mor das milícias, cargo designado no ano de 1799, quando da chegada do naturalista na Capitania do Ceará, a patente de tenente coronel agregado ao 10 regimento da cavalaria de milícias da Capitania do Ceará, posto ocupado em 1811 Já no ano de 1818 recebe a patente de tenente coronel do corpo de engenharia do Rio de Janeiro, cargo que manteve até o ano de sua morte em 1824. 108 A documentação referente à relação existente entre João da Silva e Domenico Vandelli, assim como outras autoridades portuguesas, materializa-se sob a forma de correspondências, relatos de viagem e memórias, algumas posteriormente publicadas e outras manuscritas verificadas em instituições públicas e privadas, contudo, um documento que denota a clara ligação estabelecida entre Feijó e o cientista italiano e intitula-se: Descrição e análise química do cobre virgem, ou nativo descoberto no ano de 1782 na Capitania da Bahia e escrito pelo próprio Domenico Vandelli, no qual o mesmo afirma ter sido auxiliado, por Feijó, dentre outros cientistas, explicitando ainda que aquele grupo já havia trabalhado em várias outras experiências anteriores praticadas no Real Museu da Ajuda, sob seus cuidados. IEB/USP, Coleção Lamego, p.8. In: SILVA, LOPES, op. cit., nota n0 106.

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mineralógica em Buarcos, na companhia de Alexandre Rodrigues Ferreira109. Segundo

Clarete Paranhos da Silva110, esta atividade, em verdade, tinha o objetivo de preparar os

dois naturalistas para a realização de viagens futuras ao longo dos domínios

ultramarinos portugueses. Feijó permaneceu estudando a mineralogia de Buarcos, entre

os anos de 1779 a 1783.

Terminada suas atividades em Buarcos, Feijó foi cotado para integrar uma

equipe que realizaria uma diligência filosófica à região da Amazônia, em nome da Corte

portuguesa. Essa viagem seria capitaneada por Alexandre Rodrigues Ferreira111 e

contaria ainda com os naturalistas Manuel Galvão da Silva e Joaquim José da Silva.

Entretanto, por motivos científicos e/ou econômicos112, esse grupo foi desfeito,

seguindo somente Alexandre Rodrigues Ferreira para a Amazônia.

Após o desmembramento da equipe original, João da Silva Feijó partiu no ano

de 1783 em direção ao arquipélago de Cabo Verde na África, onde deveria exercer tanto

a função de naturalista quanto a de secretário do governo de Cabo Verde. Contudo,

diferentemente dos outros viajantes, Feijó realizou uma expedição solitária; não contou

com ajudantes, retratistas e jardineiros, além de ter recebido parcos recursos e

equipamentos para executar suas atribuições. Fato que, segundo Mello Pereira113,

provavelmente fora ocasionado pela carência de espécimes naturais da região e pela

aridez do solo e do clima local.

A coroa portuguesa delegava o poder de comissariado-geral das incursões aos

governadores locais, o que estabelecia a subordinação direta do naturalista aos

representantes régios. Muitas vezes estes funcionários intervinham diretamente nos

direcionamentos das pesquisas de campo feitas pelos naturalistas, motivados pela defesa

de interesses econômicos particularistas ou do próprio Reino. Em alguns casos esta

interferência acabava por gerar conflitos entre os cientistas e as autoridades locais,

109 O baiano Alexandre Rodrigues Ferreira formou-se bacharel pela Universidade de Coimbra, em 1778, recebendo meses depois o título de doutor. Sendo assistente e discípulo talentoso de Vandelli, seria ele escolhido para comandar uma viagem filosófica pela América do Sul. Contemporâneas são as expedições ao território africano empreendidas pelos colegas de universidade, Manuel Galvão da Silva e Joaquim José da Silva. A natureza de Moçambique e Angola constituía o alvo dos brasileiros enviados por Vandelli para catalogar espécies e desbravar o interior desse continente ainda inexplorado. RAMINELLI, Ciência e Colonização, op. cit., nota n0 2. 110 FIGUEIROA; SILVA; PATACA, op. cit., nota n0 1. 111 Sobre Alexandre Rodrigues Ferreira ver o seguinte artigo: RAMINELLI. Ilustração e Patronagem, op. cit., nota n0 102. 112 Sobre o desmembramento da equipe que compunha a Viagem Filosofia a Amazônia é plausível que o ministro da Marinha e dos Domínios Ultramarinos Martinho de Melo e Castro, Vandelli, ou ambos, tenham sido motivados por uma decisão não apenas econômica, mas, também, de cunho científico. O desmembramento da equipe pode ter sido uma forma de apressar o recolhimento de “produtos da natureza [...]”. Ver PEREIRA, Magnus R. M., Um Jovem Naturalista Num Ninho de Cobras: A trajetória de João da Silva Feijó em Cabo Verde, em finais do século XVIII. Curitiba: Editora UFPR, 2002, p. 32. 113 Idem.

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como o protagonizado pelo naturalista João da Silva Feijó, quando de sua estada em

Cabo Verde114.

Neste período Feijó manteve sistemáticas correspondências com diversas

autoridades portuguesas, em especial com Domenico Vandelli e com Julio Mattiazzi115,

também responsável pelo Real Jardim Botânico da Ajuda. Desta empresa o cientista

produziu uma série de artigos e memórias116 que foram posteriormente publicados pela

Academia Real das Ciências de Lisboa.

Ronald Raminelli117 sustenta a ideia de que, ao se comparar as trajetórias de

Alexandre Rodrigues Ferreira a de João da Silva Feijó, é possível constatar uma

relevante diferença, no que compete ao envio dos “produtos da natureza” coloniais

para a metrópole. Como o empreendimento realizado por Ferreira direcionou-se a uma

localidade rica em fauna e flora teria sido mais fácil ao naturalista encontrar maior

variedade de espécimes.

Para o autor, Ferreira contou com maior financiamento do governo português,

sustentando a perspectiva de um Estado provedor. Associado a isto Raminelli118 atenta

para a forma mais articulada com que Alexandre Rodrigues Ferreira manteve

relacionamento com os nativos, colonos e demais habitantes das regiões por ele

visitadas, o que teria contribuído de forma significativa para o resultado de sua

excursão.

114 A respeito desta viagem convém ainda ressaltar os constantes desentendimentos entre o naturalista e o Bispo-Governador de Cabo Verde, D. Francisco de São Simão, posto como tutor de Feijó pelo ministro Martinho de Melo e Castro. João da Silva Feijó ainda angariou desavenças com as autoridades militares locais, principalmente com o Capitão-mor João Freire de Andrade. Sobre a exata natureza desses conflitos. A tecelagem de panos de algodão, para venda no continente africano, era uma das principais atividades econômicas de Cabo Verde. O capitão apropriava-se pessoalmente de uma prestação em algodão exigida dos moradores em nome da coroa. Feijó, em nome do serviço da coroa, apossa-se de parte deste algodão para uso “científico”, o que foi encarado como um ônus privado imposto ao capitão. Ver PEREIRA, op.cit., nota n0 112, p. 32. 115 Na época da construção do Jardim Botânico de Ajuda, Julio Mattiazzi auxiliou Vandelli na execução das obras. Posteriormente foi contratado como administrador e jardineiro botânico do Jardim Botânico. Ele foi de grande importância para as Viagens Filosóficas, pois recebia as remessas de coleções zoológicas, botânicas, e etnográficas, bem como desenhos e memórias que estavam sendo produzidos. Em 1794, quando os membros da expedição para a Amazônia · tinham retornado a Lisboa, Alexandre Rodrigues Ferreira assumiu o cargo de administrador do Jardim Botânico de Ajuda, pois Julio Mattiazzi havia falecido. FIGUEIROA; SILVA; PATACA, op. cit, nota n0 1, p. 717. 116 Ver entre outros: Memória sobre a fábrica real de anil da Ilha de Santo Antão. Publicada nas Memórias Econômicas da ARCL. Tomo I, 1789, pp. 407/421. Memória sobre a urzella de Cabo Verde. Memórias Econômicas da ARCL, tomo V, 1815, pp. 145/154. Ensaio político sobre as ilhas de Cabo Verde para servir de plano à história filosófica das mesmas. Publicado no Patriota, n0. 5, novembro de 1813. Memória sobre a última erupção vulcânica do Pico da Ilha do Fogo, sucedida em 14 de Janeiro do ano de 1785, observada e escrita, etc. Publicada no Patriota, tomo III, n0. 5, 1814, pp. 23 a 32. Ensaio Econômico Sobre as Ilhas de Cabo Verde, provavelmente lido na Academia em 1797 e publicado pela mesma Academia, em 1815. Itinerário Filosófico que contem a relação das ilhas de Cabo Verde, disposta pelo método epistolar. Dirigidas ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro, pelo naturalista régio das mesmas ilhas João da Silva Feijó, 1783. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, manuscritos, cód. 12984. In: SILVA, LOPES, op. cit., nota n0 106, p. 27. 117 RAMINELLI, Ciência e Colonização, op. cit., nota n0 2. 118 Idem.

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Ainda segundo Raminelli119, é possível que Feijó não apresentasse a mesma

articulação inter-pessoal, tendo como exemplo os desentendimentos do naturalista com

autoridades, tanto em Cabo Verde, quando na própria capitania do Ceará.

No ano de 1797, João da Silva Feijó retornou a Lisboa com o objetivo de

preparar uma nova expedição filosófica, desta vez destinada ao Ceará. Ainda em

Portugal, o naturalista redigiu o Discurso Político Sobre as Minas de Ouro no Brasil120,

neste período também realizou análises científicas acerca da existência de salitre na

região da Ribeira da Alcântara, cujo resultado foi a redação de um tratado científico121.

3.2 – A chegada à Capitania do Ceará e a atividade mineralógica

Depois de seu empreendimento a Cabo Verde e de um breve período em

Portugal, Feijó foi enviado à capitania do Ceará, de acordo com carta patente datada de

25 de fevereiro de 1799122. Após meses de viagem por mar e 32 dias por terra,

atravessando a capitania de Pernambuco, Feijó chegou ao Ceará em 24 de outubro do

mesmo ano, com o objetivo de inventariar o quadro natural e analisar sua viabilidade

mineralógica. Segundo os interesses da coroa, deveria conferir especial atenção à

existência e possível exploração de salitre.

Em 17 de Janeiro de 1799 foi indicado para governar a capitania do Ceará o

capitão da esquadra régia Bernardo Manuel de Vasconcellos, auxiliado pelo secretário

Francisco Mariz Sarmento, médico da região. Neste contexto Feijó, além das atribuições

119 Idem. 120 No âmbito desse debate, o texto de Feijó se destaca por se alinhar aos defensores da recuperação — por métodos racionais — das atividades de mineração, como Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, José Bonifácio e Vieira Couto. Foi elaborado no período em que o naturalista tendo retornado de sua viagem a Cabo Verde — provavelmente em 1797 —, permaneceu em Lisboa, de onde partiria para o Ceará em 1799. Considerando as análises de João Carlos Pires BRIGOLA em seu texto denominado: Coleções, gabinetes e museus em Portugal no século XVIII. BRIGOLA, op. cit., nota n0 10.Levantamos a hipótese de que a redação desse discurso se inseriu no processo de capacitação e treinamento do naturalista realizado no complexo museológico da Ajuda, ainda pouco explorado pela historiografia. Ao mesmo tempo, Feijó — que tivera sua carreira interrompida em Cabo Verde — estaria evidenciando, com esse texto, conhecimento acerca das discussões sobre o tema e, portanto, plenas condições para a continuidade de seu trabalho como naturalista, o que poderia ter contribuído para que ele obtivesse a patente de sargento-mor de Milícias da Capitania do Ceará, incumbido de vários objetos de história natural. In: PARANHOS, Clarete S., LOPES, Maria M. O ouro sob as Luzes: a “arte” de minerar no discurso do naturalista João da Silva Feijó (1760-1824). História, ciência e saúde: Manguinhos, Vol. XI, Rio de Janeiro: [s.n.], 2004; n0 3, Set./Dez. p. 3. 121 Manuscrito no Museu Paulista, Coleção José Bonifácio. Minerar no discurso do naturalista João da Silva Feijó (1760-1824). História, ciência e saúde: Manguinhos. Vol. XI, Rio de Janeiro: [s.n.], 2004; n0 3, Set./Dez. p. 3. 121 Manuscrito no Museu Paulista, Coleção José Bonifácio, D-79. O texto integral impresso encontra-se em: Idem. 122 De acordo com a provisão assinada por Dona Maria I na referida data o naturalista teria a atribuição de estudar todas as potencialidades naturais da região. Livro de registros da Vedoria Geral do Ceará. Fls 9 v, Vol. X. In: NOBRE, op. cit., nota n0 10, pp. 177/178.

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impostas pela função de naturalista, recebeu o cargo de engenheiro chefe123 da

capitania, de sargento mor das milícias124 e de secretário régio.

O cargo de secretário régio era comumente atribuído ao funcionário que se

dirigia do Reino a variadas localidades do Império ultramarino português, recebendo um

soldo por tal atribuição, tendo por função elementar reter informações sobre os locais

visitados, que eram direcionadas a diversas instituições sediadas na metrópole.

Invariavelmente filósofos naturalistas acumulavam esta incumbência, uma vez que fazia

parte de suas atribuições básicas avaliarem o quadro natural e social da região onde se

alocavam.

Já a função de chefe do corpo de engenharia local, obtida pelo naturalista,

possuía um valor mais honorífico. Em uma sociedade de Estado provedor, a

demonstração de colaboração para com o governo, poderia valer, futuramente, benesses

de variadas formas.

A indicação para o cargo deu-se pela boa relação estabelecida entre o naturalista

e o então governador da capitania Bernardo Manuel de Vasconcellos, soma-se a isto o

conhecimento em âmbito de História Natural notoriamente demonstrado por Feijó que

se fazia bastante abrangente, englobando o campo de astronomia, da química, da

matemática, da física, dentre outros. Fatos que contribuíram para que Feijó executasse

tal incumbência, uma vez que dificilmente o governador local encontraria outro

funcionário tão capacitado.

Feijó, por ser um representante da coroa, acabou adquirindo um status que não

advinha de posses, de riquezas, ou mesmo de força policial, mas sim de sua

proximidade e de seu vínculo com as autoridades metropolitanas. De acordo com

Bourdier, o poder simbólico: “[...] é uma forma de poder invisível que só pode ser

exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou

mesmo que o exercem125”.

Neste sentido o naturalista, no exercício da prática científica, contaria com a

possível vantagem de obter benefícios a nível local, o que em contrapartida também

poderia garantir vantagens àqueles elementos sociais que lhe prestassem auxílio,

123 De acordo com Paulino Nogueira, Feijó teria ocupado o cargo de engenheiro chefe da Capitania do Ceará In: 124 Arquivo Histórico Ultramarino, caixa 13, doc. 727, Queluz, 1/2/1799. In: SILVA, LOPES, op. cit., nota n0 106, p. 182. 125 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: ed. Bertrand Brasil, 1998, p.8.

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caracterizando assim uma lógica de troca, na qual colonos (oriundos dos mais diversos

extratos sociais) contribuiriam para o desenvolvimento de suas atribuições.

Na perspectiva de um Estado provedor, onde o governo garantia pensões,

mercês, cargos públicos, títulos honoríficos, dentre outros, constituía-se relativamente

comum esse tipo de prática, envolvendo colonos e elementos provenientes da

metrópole, o que não eliminavam os conflitos entre ambos.

Para Ronald Raminelli126 embora a extensão territorial do Império ultramarino

português impusesse uma série de dificuldades nos mais variados âmbitos, a notar

referentes à comunicação, trocas comerciais, policiamento, dentre outros, constituía-se

essencial à coroa, o estabelecimento de redes de informação que possibilitassem ao

governo manter a unidade do Império.

João da Silva Feijó, enquanto elemento inserido nessa rede de informações,

acabou por ser incluído no que o autor denominou como “economia das mercês” que

não ocorria somente em âmbito econômico, mas funcionava como um sistema mais

amplo envolvendo o Reino e suas possessões, e balizava-se na obtenção de benefícios,

títulos honoríficos e nobiliários, pensões, salvos condutos, enfim, uma série de

privilégios por serviços prestados ao Estado, que atenderiam tanto colonos quanto

reinóis e que tinham por finalidade última, garantir o controle da coroa portuguesa sobre

seus domínios no ultramar127.

Na prática, Feijó teve uma série de atribuições, sendo a mais importante a

quastão do salitre. No dia 4 de Dezembro por ordem do governador local, Feijó foi

incumbido de analisar a possível exploração de salitre na Vila do Monte Mor ou Novo

Baturité, localizada na região do Canindé. Contudo, devido à ocorrência de intensas

enxurradas, que provocaram erosão e lixiviação do solo, a expedição de Feijó foi

cancelada. Definiu-se como novo objetivo a região da Ribeira do Xoró, onde se supunha

haver grande quantidade de salitre.

Como salienta Márcia Helena Mendes Ferréz, a obtenção de salitre adquiria

especial importância, uma vez que:

O salitre era utilizado como fertilizante e, ainda, como matéria-prima para a produção industrial de ácido. Entretanto, sua importância na fabricação de materiais explosivos é sobejadamente conhecida desde muito tempo e mereceu o cuidado dos governos preocupados, em maior ou menor extensão, com a defesa de seus domínios. Tratava-se por um lado da obtenção de uma das matérias-primas básicas para a

126RAMINELLI, Ronald. Viagens Ultramarinas: Monarcas, vassalos e governo a distância. São Paulo: Alameda, 2008. 127 RAMINELLI. Ilustração e Patronagem, op. cit., nota n0 1, pp. 297/325.

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produção de pólvora e, por outro, da fabricação de pólvora propriamente dita e do aperfeiçoamento de sua eficácia destrutiva. Até onde se sabe, pouco salitre estava disponível em Portugal e o governo mandou recolher por toda parte onde fosse encontrado, tornando ainda mais escasso o material128.

Nesse contexto, a atuação do naturalista assumia relativa significância para o

Reino, verificada a importância do material, somada a um quadro de instabilidade

política encontrado na Europa, decorrente da Revolução Francesa e da subsequente

investida militar napoleônica, empreendida no velho continente, fato que mobilizou os

Estados europeus no sentido de garantir a manutenção de suas unidades territoriais e sua

independência política.

As investidas militares Francesas, além de provocarem grande instabilidade

política no continente alarmaram o governo português, uma vez que o país mantinha

fortes vínculos comerciais com a Inglaterra, principal opositora da França em fins do

século XVIII e início do século XIX. Mediante tal fato, o governo português procurou

atuar no sentido de impulsionar a sua produção bélica, objetivando garantir sua defesa

numa conjuntura de ameaça externa. Neste sentido tem-se a orientação ministrada por

Vandelli para que Feijó dedicasse especial importância à exploração do salitre.

Na região da Ribeira do Xoró, Feijó encontrou somente sal marinho, não se

detendo em análises mais profundas, se comprometeu a retornar à localidade novamente

no intuito de realizar análises mais cuidadosas129. De acordo com informações

propiciadas pelo Capitão Mor do Distrito de Baturité, o cientista partiu para a análise da

possível existência de salitre no sítio de Caxerabomim, situado na serra dos Cocos, onde

iniciou de fato a exploração do minério130. Contudo Feijó enfrentou constantes

contratempos protagonizados pelo deputado e escrivão da junta da fazenda, Bento Maria

Targibe, que considerava os gastos da empresa excessivos e com retorno duvidoso.

No entanto, Feijó, em carta131 datada de 21 de dezembro de 1799, endereçada a

Dom Rodrigo de Sousa Coutinho132, comunicou a descoberta de salitre na região, além

128 FERRÉZ, op. cit., nota0 123. 129 Uma as atribuições dos naturalistas, era a realização de uma analise geral a cerca dos aspectos naturais das localidades visitadas, avaliação esta seguida de um relatório imediato enviado a autoridade regional. Nesse contexto não cabia a Feijó realizar investigações mais profundas a respeito do quadro natural local e sim um parecer bem abrangente da viabilidade econômica daquela região. 130 SILVA, LOPES, op. cit., nota n0 106. 131 Coleção Studart, publicada In: NOBRE, op. cit., nota n0 105, pp. 177/178. 132 Dom Rodrigo de Sousa Coutinho ocupou a secretaria da Marinha e dos Domínios Ultramarinos, de 1796 a 1802 posteriormente exerceu a presidência do Real Erário de 1802 a 1803, vindo a retornar em 1808, ao secretariado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos, onde permaneceu até 1812. Sob o secretariado do citado ministro o ideário das luzes exerceu grande peso sobre as determinações econômicas e administrativas do Estado. Tal fato, portanto, influiu diretamente nos objetivos das viagens filosóficas, uma vez que estas eram imbuídas de forte caráter econômico e regidas pelo dirigismo governamental.

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de tratar de uma série de assuntos de incumbência comuns aos filósofos naturais acerca

da zoologia, da botânica e da mineralogia local.

O ministro Dom Rodrigo considerava de extrema importância o investimento na exploração das minas. Ele estava atento às novas demandas de materiais minerais que ganharam relevância com o advento da revolução industrial, sobretudo carvão e ferro, e preocupado com o esgotamento das minas de ouro do Brasil, criou a Intendência Geral das Minas e Metais do Reino 133.

Em correspondência datada de 13 de dezembro de 1800, o naturalista escreveu a

João Rodrigues de Sá e Melo, o visconde de Anadia, informando sobre a descoberta de

minas de salitre, e também ponderou sobre as péssimas condições de trabalho,

desejando providências das autoridades locais para que sua atividade exploratória

pudesse prosseguir com relativo sucesso.

[...] solicita a última edição do Sistema Geral de Lineu, uma flora guianense, a Enciclopédia metódica botânica, uma prensa e papel para dissecar plantas, instrumentos de medição para calcular latitude onde se encontravam as minas, um laboratório portátil para os ensaios químicos das mineiras e um desenhador. Observa que essas providências que não sendo fora de costume, deram-se a todos os seus colegas134.

De acordo com a solicitação de Feijó, pode-se depreender o esforço do

naturalista em guiar-se pelo método taxonômico lineano135 ensinado por Vandelli a seus

discípulos em suas aulas nas instituições científicas nas quais lecionou. Outra

preocupação assinalada pelo naturalista diz respeito à falta de apoio técnico, fato que,

segundo ele, comprometia o andamento de suas atividades.

[...] com Carl Von Lineu aparece o código tornado universal para a história natural. Em 1735 Lineu publica na Holanda as catorze páginas da primeira edição do Sistema Natural, contendo os princípios básicos da proposta de classificação. O sucesso de seu sistema pode ser atribuído ao fato de oferecer uma rigorosa diagnose ou descrição em estilo telegráfico, em linguagem precisa e concisa, dos caracteres das plantas. Na décima edição do Sistema Natural, datada de 1758, Lineu adota e estabelece universalmente, nos reinos vegetal e animal, o uso da nomenclatura binomial. A nomenclatura morfológica imprime um método próprio e é orientada pro critérios que são paulatinamente utilizado pela comunidade de investigadores136.

133 Publicado In: VARELA, Alex Gonçalves. Ciência e Patronagem na Correspondência entre Dom Rodrigo de Sousa Coutinho (“Pai e Protetor”) e José Bonifácio de Andrada e Silva (“Venerador Sincero e Criado Humilíssimo”) (1799-1812). Identidades: XIII Encontro de História da Anpuh, 2007.p. 4. 134 SILVA, LOPES, op. cit., nota n0 106. 135 Carlos Lineu ou ainda Carl von Linné, nasceu a 23 de Maio de 1707 em Stenbrohult, na Suécia.É considerado o fundador da taxonomia moderna, pela concepção de um novo sistema de organização e de classificação da biodiversidade proveniente da conquista do Novo Mundo. O seu legado científico influenciou várias gerações de cientistas, mesmo aqueles que se opuseram às concepções filosóficas e teológicas sobre as quais assenta a sua obra. Filho de um pastor luterano, Lineu considerava-se enviado de Deus para desvendar o segredo da Natureza. Cristão convicto via Deus em cada ser vivo que estudava e para ele o jardim botânico era um verdadeiro Jardim do Éden. Através da sua obra-prima, Systema Naturae, publicada em 1735, deu a conhecer ao mundo mais de 7000 plantas e 4000 animais, que classificou e designou. O impacto do seu sistema de classificação na cultura do seu tempo foi incalculável e influenciou um considerável número de discípulos, atingindo não só cientistas como também figuras de Estado e do clero, bem como jardineiros, pintores ou escritores. A prioridade taxonômica vegetal e animal começou com Lineu: as designações mais antigas ainda hoje aceites estão contidas no Species Plantarum, para as espécies vegetais e as dos animais, na décima edição do Systema Naturae, de 1758. AMARAL, Maria I. Taxonomia moderna: A ordem a partir do caos. Revista Annualia, 2006/2007. p. 23. 136 MARTINEZ, Paulo H. História ambiental paulista. São Paulo: ed. Unesp, 2007, p. 137.

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O código taxonômico lineano se apresentou como um importante instrumento

utilizado por cientistas e pesquisadores, no decorrer do século XVIII, pois padronizou a

classificação dos espécimes animais e vegetais, fazendo uso do latim —, língua neutra

perante as nações européias —; balizava-se na utilização de divisões e subdivisões dos

espécimes. Esse sistema tornou-se amplamente empregado e permitiu a difusão da

divulgação científica na Europa.

Contudo em outro documento datado de 1801, escrito em Lisboa e denominado

pelo Arquivo Nacional do Rio de Janeiro como Relatório de Charles Napion sobre a

reação química em vários minerais e de um relatório escrito pelo próprio Feijó, que se

apresentou como uma longa e descritiva carta, acrescida de um comunicado de

despesas, quando da instalação do Real Laboratório de Refino no Ceará137, verificou-se

que o naturalista encontrou problemas no início de sua atividade exploratória.

Ao relatar detalhes sobre os preços dos materiais e utensílios, custo de mão-de-

obra e demais gastos necessários à criação e à manutenção dos laboratórios de extração

de salitre, é possível perceber que Feijó encontrou sérios entraves à mineração nessa

região, ocasionados, dentre outros fatores, pela fome, por longos períodos de seca e

pelos gastos excessivos com o transporte do material; — uma vez que a condução do

material de pesquisa as localidades exploradas era dificultado, não somente pela

precariedade do sistema de transporte, como também pelo relevo local — além, da

perda de um carregamento de 50 arrobas138 de salitre que havia sido enviadas para

Portugal, mas fora avariado pelo manuseio inadequado do produto quando de seu

transporte, que após misturar-se com água do oceano, teve sua qualidade comprometida.

Em artigo intitulado Uma contribuição para a divulgação da memória científica

do Brasil, Clarete Paranhos139 considera que a diligência filosófica empreendida por

Feijó no Brasil se inseriu num contexto em que medidas de recuperação econômica

eram levadas a cabo pelo Estado português, sendo estas fomentadas pela ciência.

Portanto a realização de uma diligência filosófica à região objetivou a

concretização de uma análise mais apurada a respeito do quadro social e natural da

137 O documento data de 1803 e se encontra no Arquivo Histórico da Casa da Moeda em Lisboa. 138 Ofício de João de Almeida Melo e Castro ao Visconde de Anadia sobre remessa de 13 caixotes de salitre enviados da Capitania do Ceará, que deveriam ser remetidos para a refinaria de Alcântara, encontra-se em Lisboa, In: FIGUEIROA; SILVA; PATACA, op. cit., nota n0 1. 139 SILVA, Clarete P. Uma contribuição para a divulgação da memória científica do Brasil. Vol. VI, São Paulo: Revista técnica IPEP, 2006; n0 2, ago./dez., p. 79.

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localidade e a prática de uma exploração mais racional140 desses recursos, com a

finalidade de auferir maior lucratividade à coroa.

Após as análises preliminares, Feijó iniciou a exploração do salitre em Tatajuba,

no final do ano de 1799, nesta localidade a exploração do minério se deu de forma

relativamente tranqüila, viabilizada pela construção de um laboratório. De acordo com o

cronista Paulino Nogueira Borges da Fonseca141 tal fato, justificou-se pela boa relação

que o naturalista estabeleceu com o então governador da capitania, Bernardo Manuel de

Vasconcellos, que garantia provimentos para a empreitada exploratória.

Com o falecimento de Bernardo Manuel de Vasconcellos em 1802, Gregório

José da Silva Coutinho assumiu interinamente o cargo de governador. Segundo Paulino

Nogueira142, o presidente da junta de fazenda, Bento Maria Targibe, teria se aproveitado

da situação de transição e levado uma representação ao governo metropolitano onde

criticava a atuação de Feijó. Ressaltando a baixa produtividade das minas de salitre,

conseguiu bloquear o capital destinado à manutenção das minas, fato que levou Feijó a

fazer uso do próprio numerário para dar continuidade a seu trabalho de campo.

Maria Helena Mendes143 afirma que o naturalista angariou desavenças com os

governadores interinos que sucederam Bernardo Manuel, notadamente, Gregório José

da Silva Coutinho, José Henrique Pereira e Antonio Martins Ribeiro, que governaram

sob a forma de junta administrativa de 8 de novembro de 1802 a 3 de novembro de

1803.

Isso teria comprometido seriamente a atuação do naturalista na região, uma vez

que, via de regra, o contato entre o cientista e as autoridades a que estava subordinado

no Reino, em especial o Real Jardim Botânico da Ajuda, era mediado pelos governos

locais. De acordo com Clarete Paranhos144, os desígnios e atribuições dos naturalistas

140 Convém destacar que as reformulações legais empreendidas pela administração pombalina procuraram nortear-se pela aplicação das leis naturais, “um sistema secularizado, que se apresentava como uma construção lógica na qual a razão mais do que a fé ou o costume definia a justiça ou a injustiça”. No intuito de consolidar esse novo critério de interpretação legal, Pombal divulgou a “Lei de Boa Razão”, em 1769. MAXWEL, op. cit., nota n0 3, pp. 14/17. A idéia desenvolvida na Europa iluminista e veiculada em Portugal de explorar racionalmente os recursos naturais dos domínios ultramarinos objetivava garantir ao Estado, o maior lucro possível, na exploração adequada dos recursos naturais tanto dos domínios ultramarinos como também do Reino tal perspectiva é claramente verificada na seguinte obra de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho: COUTINHO, D. Rodrigo de Sousa. Memória sobre o melhoramento dos domínios de Sua Majestade na América (1797 ou 1798). In: SILVA, Andrée Mansuy Diniz (Ed.). D. Rodrigo de Souza Coutinho: Textos Políticos, Econômicos e Financeiros, 1783/1811, Vol. II, Lisboa: Banco de Portugal, 1993. pp. 47/66. 141 Paulino Nogueira Borges da Fonseca, cearense nascido em 1842 e falecido em 1908. Bacharelado em direito pela Universidade do Recife, ocupou o cargo de presidente interino da província do Ceará de 22 de Fevereiro a 4 de março de 1878. Realizou, para o Instituto do Ceará, uma biografia sobre a vida e a obra de Feijó. Ver. NOGUEIRA, op. cit., nota n0 52. 142 Idem. 143 FERRÉZ, op. cit., nota n0 132. 144 FIGUEIROA; SILVA; PATACA, op. cit., nota n0 1.

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eram determinados pelos órgãos de competência de Lisboa, que informavam os

governos locais, e estes sim, encaminhavam as orientações aos filósofos naturais.

A intervenção de Targibe levou Feijó a encaminhar uma correspondência direta

a Dom Rodrigo de Sousa Coutinho145 objetivando conseguir uma intervenção do

ministro junto ao deputado-escrivão, para que pudesse continuar a exploração de

minério em Tatajuba, Feijó alegou a ilegalidade das sanções financeiras impostas por

Targibe, solicitou ainda o pagamento dos seus numerários atrasados e requisitou mais

verbas para o pleno desenvolvimento de suas atividades.

Em 13 de novembro de 1803 assumiu o governo da capitania João Carlos

Augusto de Oyenhausen-Gravenburg146. Com a posse do novo governador o laboratório

de extração de salitre foi transferido em julho de 1804 de Tatajuba para Pindoba na

serra do Ibiapaba, pois de acordo como próprio Feijó a mina de Tatajuba já não gerava

um volume razoável de salitre. Contudo havia chegado rumores sobre a existência do

minério nas proximidades da Vila da Granja, por onde previamente o naturalista em

diligências anteriores constatou a existência do minério e de nitreiras propícias à

exploração.

Considerou a possibilidade de se realizarem descobertas de novas minas na

região, além do fato das mesmas oferecerem melhor estrutura para a extração do

minério, visto que possuíam recursos importantes, como a oferta de riachos que

pudessem fornecer água para aplacar as altas temperaturas do sertão e para facilitar o

transporte de mercadorias através da utilização dos leitos dos rios e a existência de

madeira para ser utilizada como combustível e para a construção de casas e instalações.

Outro problema descrito por Feijó em Tatajuba se refere às péssimas condições

da oficina, a dificuldade com o funcionamento e a manutenção da fornalha e a distância

que esta detinha do centro da colônia, encarecendo e tornando dificultoso o transporte

do produto.

Como relata o naturalista: “[...] amanhã parto para o lugar de Bari daqui distante

4 léguas para junto da serra da onde me dizem haver amostras desse sal o resultado

145 Ofício da junta de 22 de dezembro de 1802 foi esta representação emitida a Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, ministro do Reino. In: NOGUEIRA, op. cit., nota n0 52, p. 207. 146 10 Marques de Acarati nasceu em Lisboa em 1776 e faleceu em Moçambique no ano de 1838. Governo a capitania do Ceará entre os anos de 1803 a 1807, também governou a capitania do Maranhão entre os anos de 1807 a 1819 e de são Paulo de 1819 a 1822 além de ter sido senador do Império de 1826 a 1831, pela província do Ceará.

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desta diligência de que logo darei conta a V. S.a a espera dos ulteriores para meu

governo147”.

Ao analisar as palavras do próprio João da Silva Feijó endereçadas ao

governador pode-se verificar características específicas do ofício de filósofo natural,

que concernem à utilização dos relatos de habitantes locais, sejam eles nativos ou

colonos, no intuito de facilitar o alcance dos “produtos da natureza” intentados pela

coroa. Segue-se também a prática do relato do andamento das pesquisas as autoridades

locais —, governador — e centrais —, Ministério da Marinha e dos Domínios

Ultramarinos.

Seguindo sua empresa em direção de Pindoba, apoiado pelo ajudante das

ordenanças local, Gonçalo Ferreira de Vasconcelos, o naturalista examinou toda a

localidade, documentando de forma objetiva a disposição geográfica e social do local,

bem como traçou suas coordenadas, dispensando importância aos pontos de referência

geográficos, no intuito de facilitar o acesso posterior à região. Nesta viagem, Feijó

encontrou nitreiras, em número de sete, todas, segundo ele, próximas umas das outras.

De acordo com Clarete Paranhos e Maria Margareth Lopes148 era atribuição do

naturalista realizar um relato direto, objetivo, seguindo as orientações de Domenico

Vandelli, o relato das diligências filosóficas deveria ser utilitário e prático, necessitava

ainda ser preciso e bem abrangente, no sentido de facilitar a melhor compreensão

possível por parte das autoridades régias.

Em outro artigo Clarete Paranhos149 pondera que esses diários de viagem,

juntamente com as memórias escritas pelo naturalista, possibilitaram, não somente

empreender uma análise acerca do quadro natural e social de uma determinada

localidade, mas também entender a concepção de mundo do naturalista, suas crenças,

suas opiniões, constituindo-se, portanto ricas fontes primárias passíveis de estudos. A

seguinte passagem contida no tratado de memórias escrito por Feijó sobre o Ceará

intitulado Memórias sobre a Capitania do Ceará150, ilustra bem essa questão:

Sendo, porém esta Capitania tão vasta é de admirar a sua diminuta e esfalecida população, que apenas montará a 150 mil habitantes de todas as classes, e estes pela maior parte, de péssima qualidade, porque uns são índios originais do país, estes de si mesmos ineptos para se felicitarem ou para fazerem a felicidade dos outros, ou seja, por natureza e por sua constituição física, ou por falta de educação ou por algum capricho particular, outros são provenientes destes com os negros, cuja raça indígena

147 FEIJÓ, João da Silva, Carta endereçada ao Sar. Governador João Carlos Augusto Oyenhauser, Timbauba, 24 de Abril de 1803. In: NOGUEIRA, op. cit., nota n0 52, p. 259. 148 FIGUEIROA; SILVA; PATACA, op. cit., nota n0 1. 149 Idem. 150 FEIJÓ, op. cit., nota n0 65.

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constitui o maior numero dela conhecidos com a vil denominação de cabras, outros são nascidos dos mesmos índios com os brancos, que fazem uma diminuta parte da população, verdadeiros mamelucos,porque há outra raça impropriamente assim chamada, proveniente da mistura de outras, digo de todas as outras classes entre si, a outra classe antiga e mais diminuta é a dos brancos nascidos em Portugal151.

De acordo com as próprias palavras de Feijó, fica clara a sua concepção sobre a

população local da capitania. Para o cientista, o quadro social da localidade apresentava

má qualidade, por ser composto em sua maioria de indígenas, negros e suas variantes. O

naturalista chega a relacionar o baixo desenvolvimento econômico e a pouca

produtividade da região à “inaptidão” e à “indolência” da população local, afirmando

que a mesma não possui vocação para o trabalho produtivo, se acomodando e coletando

da natureza tudo aquilo de que necessitava. Ou seja, mesmo num relato que prima pela

objetividade e pela concisão, é possível verificar aspectos referentes à própria

concepção de mundo do naturalista e suas opiniões particulares.

Seguindo-se a isso, Feijó imediatamente enviou uma nova correspondência

endereçada ao gabinete de Sousa Coutinho152 informando a descoberta e executando

outra prática bastante comum perpetrada pelos naturalistas, que compete a analisar a

necessidade, a viabilidade e o retorno econômico na exploração da região, afirmando

ainda que em nenhum outro lugar daquela região, encontrar-se-iam produtos da natureza

com tanta abundância e tão lucrativos.

Segundo o naturalista existia no local uma boa oferta de carne e alimentos

plantados pelos índios, o que não ocorria em Tatajuba. Neste contexto Feijó deixa claro

outro aspecto de seu ofício: a integração com as comunidades locais, objetivando

potencializar os resultados de sua atuação como naturalista. Não raro o sucesso de uma

diligência filosófica dependia do bom relacionamento estabelecido entre o naturalista e

as comunidades na qual se estabelecia. Como salienta Ronald Raminelli em seu artigo

intitulado Ciência e colonização: Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues

Ferreira153, as dificuldades enfrentadas por um naturalista, como: a precariedade no

sistema de comunicação, a falta de recursos e mão-de-obra, poderiam parcialmente ser

contornadas com o apoio das autoridades régias e das populações locais.

Embasando seu discurso, o naturalista afirmou que as vantagens dispostas

anteriormente propiciavam uma fixação efetiva de trabalhadores no local, pois as

151 Idem, p. 27. 152 Carta endereçada em 3 de janeiro de 1803 a secretária da Marinha e dos Domínios Ultramarinos,sob os cuidados de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho. In: NOGUEIRA, op. cit., nota n0 52, p. 207. 153 RAMINELLI, Ronald. Ciência e colonização: Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira. Rio de Janeiro: Tempo, 1998.

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dificuldades na extração do salitre em Tatajuba acarretavam grande debandada de

funcionários, levando a utilização de índios baturité, que viviam a 50 léguas de lá, sendo

a despesa empregada em seu transporte atribuída a Real Fazenda, o que não ocorreria

em Pindoba. Além disso, Feijó ressalta que a qualidade do trabalho indígena era

bastante inferior a do trabalhador livre.

A distância de Pindoba a Granja é de porto mais próximo para o imediato embarque para Lisboa é de pelo menos 29 léguas, ¾ a menos que a de Tatajuba ao Forte que dista dali de 55 a 60 léguas as comodidades da condução para a granja são muito mais vantajosas que as de Tatajuba por se poderem efetivar em carros... Consequentemente a facilidade de se poderem prover as novas oficinas de Pindoba dos utensílios necessários para o seu manejo é muito maior que a de Tatajuba154”.

Inserido em uma lógica onde a dependência de favores era essencial à realização

da prática científica, Feijó além de relacionar-se com elementos pertencentes aos

substratos mais elevados da capitania, manteve contato com elementos menos abastados

e mesmo cativos, uma vez que sua função de catalogar, arregimentar, embalar e

deslocar espécimes da fauna e da flora local exigia mão-de-obra apta, o que seria

bastante dificultoso sem o apoio dos colonos.

A descrição do local e das viabilidades econômicas traçadas por Feijó, se

fizeram de forma bastante utilitárias, sempre apresentando contrapontos, vantagens e

desvantagens econômicas, despesas e possibilidades de lucro, seguindo assim as

características próprias da ilustração em Portugal e os interesses econômicos do Estado,

como abordado no primeiro capítulo desta dissertação.

Em seguida a carta endereçada à Corte, que trata da viabilidade econômica da

instalação de oficinas para a exploração de salitre em Pindoba, retorna uma

correspondência155 dirigida a Feijó, advinda do Ministério da Marinha e dos Domínios

Ultramarinos. O conteúdo do documento é uma interpelação a respeito da falta do

cálculo dos gastos e despesas referentes à instalação do laboratório. De acordo com

Maria Helena Mendes156, essa omissão teria o objetivo de acobertar gastos excessivos e

a falta de lucro da mina de Tatajuba.

A omissão causou transtornos a Feijó, o que motivou o mesmo a enviar uma

nova correspondência157 ao Ministério da Marinha e dos Negócios Ultramarinos, onde o

naturalista se retratava. A nova correspondência contava com uma minuciosa descrição

154 NOGUEIRA, op. cit., nota n0 52, p. 261. 155 Carta endereçada em 20 de novembro de 1803 ao governo da capitania do Ceará, sob os cuidados de João da Silva Feijó. In: NOGUEIRA, op. cit., nota n0 52, p. 209. 156 FERRÉZ, op. cit., nota n0 132. 157 Carta endereçada em 18 de abril de 1804 a secretária da Marinha e dos Domínios Ultramarinos, sob os cuidados de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho. In: NOGUEIRA, op. cit., nota n0 52, p. 209.

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60

dos possíveis gastos e do material necessário para o estabelecimento de duas oficinas na

localidade.

Outro assunto abordado nessa troca de correspondências dizia respeito aos

gastos com a mão-de-obra. O naturalista delimitou um total de 15 funcionários, que

seriam distribuídos da seguinte forma: 3 responsáveis pela escavação e condução das

barras nitrogeneas, 4 para a feitura continuada das cinzas — utilizada como

combustível, 5 para o serviço interno das oficinas, 2 mestres — um para cada oficina, e

um fiel administrador, que custariam a Fazenda Real 50 réis por dia de trabalho e uma

ração de 8 libras de carne seca e meia quarta de farinha, com exceção dos 2 mestres e do

fiel administrador que receberiam em torno de 400 réis.

Feijó propôs o pagamento de ração aos funcionários, afirmando que se estes

fossem buscar na “mata” o que comer, poderiam faltar com suas obrigações,

comprometendo-se, assim, a extração do salitre que se encontrava em grande

quantidade no local.

Ainda sobre o empreendimento em Pindoba, o naturalista pondera a respeito do

envio da mercadoria para Lisboa, considerando que o melhor período para o transporte,

por cabotagem, de qualquer produto, situava-se entre os meses de setembro e novembro,

dizia ainda que partindo do porto da Granja em direção a Lisboa havia somente uma

embarcação, pertencente a um negociante pernambucano denominado Antonio Marques

da Costa, que juntamente com seu sócio Antonio José de Pinho, comumente realizavam

negócios em Portugal.

Já sobre o armazenamento e o transporte do salitre, Feijó ponderava que se fosse

do interesse da Coroa os ditos comerciantes se dispunham a estocar e transportar o

minério sem custos adicionais para o governo, tendo somente como recompensa a

satisfação de ser útil à corte. Tal fato se configura de fácil compreensão em uma

sociedade marcadamente estamental, onde privilégios, pensões e mercês eram

conseguidos através de prestações de serviço e demonstrações subserviência para com o

Estado.

Após uma ampla, porém concisa, descrição das potencialidades econômicas da

região e dos gastos e recursos necessários, o cientista fixou o valor do investimento em

200$000 réis. Contudo, de acordo com Clarete Paranhos158, de sua inauguração até seu

158 FIGUEIROA; SILVA; PATACA, op. cit., nota n0 1.

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fechamento o laboratório teria custado 740$000 réis, valor bem maior que o estimado

pelo naturalista, fato que teria levado o fechamento do laboratório.

Nesse sentido foi designado que o cientista Charles Antoine Napion, no ano de

1804159 realizasse uma análise da produção do salitre explorado por Feijó nas nitreiras

do Ceará. O cientista, ao estudar as amostras do minério, concluiu que o investimento

na extração de salitre era prejudicial ao Reino. De acordo com os métodos utilizados por

Napion, o salitre encontrado por Feijó apresentava baixa qualidade e os gastos

empreendidos para sua extração eram maiores até mesmo do que o valor pago na

importação do minério. Ainda de acordo com o cientista francês, Feijó não teria

realizado com o cuidado necessário o refino e a purificação do salitre. Napion também

aventa a supervalorização do custo da terra e outros insumos, como o carvão e as cinzas

utilizados no processamento do salitre.

O mineralogista aponta como causa da baixa qualidade do salitre, o uso

excessivo por parte de Feijó de cinzas — material utilizado no processo de

beneficiamento do minério, sendo o material de base terrosa. Ainda de acordo com ele,

Feijó supervalorizou o preço das cinzas.

Como observa Napion: “[...] eu não consigo entender como as cinzas podem

custar tanto como pretende nosso senhor Feijó, num país onde a madeira aparentemente

não custa nada, pois ele não a menciona em sua nota de despesas160”.

De acordo com Maria Helena Mendes161, Napion, em seu relatório, utilizou os

argumentos da ciência química do período, descrevendo detalhadamente o processo de

análise por ele desenvolvido, discordando dos dados enviados por Feijó e questionando

a sua formação acadêmica, tendo como argumento os possíveis erros cometidos pelo

naturalista.

Porém, segundo Clarete Paranhos162, Feijó, em resposta, teria afirmado que esses

possíveis equívocos se deveram à falta de material e de capital necessário para o pleno

estabelecimento do serviço, o que teria comprometido uma análise mais cuidadosa do

material. O naturalista teria aproveitado ainda para solicitar equipamentos para a

execução mais eficaz de seu trabalho.

159 FEIJÓ, Documento citado, Arquivo Histórico da Casa da Moeda de Lisboa, pl 4r. In: FERRAZ, op. cit., nota n0 131. Charles Antoine Napion além de mineralogista ocupou o cargo de Inspetor do Arsenal Real do exército entre os anos de 1839 a 1847. In: FIGUEIROA; SILVA; PATACA, op. cit., nota n0 1. 160 Relatório de Charles Napion sobre a descrição química de vários minerais. Publicações do Arquivo Nacional, Vol XLVIII, 1961, p. 210. In: FERRÉZ, op. cit., nota n0 132. 161 Idem. 162 FIGUEIROA; SILVA; PATACA, op. cit., nota n0 1, p. 189.

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62

Outra recomendação estipulada ao Real Erário163 foi a de que este órgão

averiguasse os gastos feitos pelo filósofo naturalista, desde a sua chegada à região, no

ano de 1799 até oano de 1805, e que redigisse um relatório a respeito das condições em

que se encontravam os laboratórios e proferisse ainda, um parecer, onde constasse

algum motivo que pudesse justificar a manutenção da existência dos referidos

laboratórios.

Seguindo-se a orientação da corte, a análise sobre os gastos, lucros e o estado de

conservação em que se encontravam os laboratórios de extração de salitre criados por

Feijó na capitania constatou-se que:

Em virtude, pois desta régia determinação tem a junta a honra de por na respeitável presença de V. Exc.a, que pelo que pertence ao laboratório de Tatajuba, criado em Novembro de 1799 ele se acha extinto desde 1803, por constar a decadência em que se achavam a produção de salitre como verificou o mesmo naturalista... Em que declara as ditas minas empobrecidas e a dificuldade da condução o referido salitre para a capital... A despesa total destas oficinas, inclusive as comandadas pelo naturalista, foi a de 3:880$ 030 réis... Sendo o resultado final desta elaboração 94 quintais, duas arrobas e 27 libras de salitre que se remeteram pela secretaria deste governo para a secretaria em diferentes ocasiões164.

O laboratório de extração de salitre de Tatajuba foi extinto em 1804 devido à

baixa produtividade que apresentava, conforme informou o próprio Feijó. Já o de

Pindoba foi fechado em 1805, de acordo com o relatório de Charles Napion, endereçado

a Real Fazenda, onde o mesmo concluíra que devido à baixa qualidade do minério, bem

como seu custo elevado, não compensava a atividade exploratória. 165.

Além da dedicação conferida pelo naturalista à análise e à extração do salitre,

Feijó realizou uma série de outras incumbências pertinentes à função de filósofo

naturalista, dentre elas pode-se destacar a análise da flora e da fauna local, com o envio

de caixotes contendo espécimes para serem analisadas posteriormente no Real Jardim

Botânico da Ajuda.

Seguindo a orientação de Domenico Vandelli, os espécimes vegetais seriam

classificados e posteriormente acabariam por ser destinados a jardins reais e

particulares. Da mesma forma, os espécimes animais seriam alvos de estudo, em aulas

práticas de academias e universidades, bem como os minerais originariam coleções nos

gabinetes geológicos e nos museus que se espalhavam em Portugal e na Europa.

163 O Erário-Régio foi uma instituição criada pelo Alvará de 22 de Dezembro de 1761, da autoria de Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, estabeleceu-se como um orgão de suma importância na administração fiscal lusa, na medida em que centralizava a gestão corrente das contas públicas. Foi criado com o objetivo de reorganizar o sistema de cobrança de impostos e de combater o fluxo contrabandista, que comprometia os monopólios comerciais concedidos às companhias de comércio portuguesas. SARAIVA, op. cit., p. 134. 164 NOGUEIRA, op. cit., nota n0 52, p.267. 165 Oficio da Junta da fazenda ao Vice-Rei do Brasil (Luiz de Vasconcelos e Souza) datado de 2 de junho de 1807. Publicado, In: NOGUEIRA, op. cit., nota n0 52, p. 247/276.

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Contudo, o saber científico, tal como era entendido após a renovação cultural ocorrida no Portugal setecentista do triunfo do Iluminismo e da racionalidade, tinha caráter eminentemente prático. As descrições e amostras dos produtos que confluíam dos vários pontos do Império destinavam-se não só o inventário, a catalogação e classificação das espécies ou ao reconhecimento das potencialidades naturais, como deviam contribuir para o desenvolvimento econômico do reino, para o incremento das indústrias, manufaturas e do comércio ou contribuir para a cura de doenças166.

A aclimatação e a cultura de novos espécimes tinham o objetivo de viabilizar

maior lucratividade à coroa, assim como a utilização de práticas mais racionais, aplicada

à agricultura, que, mediante o incremento de novas técnicas de cultivo, associadas a um

melhor conhecimento do solo, do clima e dos insumos necessários ao pleno

desenvolvimento agrícola, objetivaram elevar a produtividade da metrópole.

Consta da estada de Feijó na capitania do Ceará ainda a produção de uma série

de memórias, preâmbulos e cartas que tratam de aspectos específicos referentes ao

Ceará, quais sejam: Preâmbulo ao ensaio filosófico e político sobre a Capitania do

Ceará para servir para a sua história geral; Memória econômica sobre a raça do gado

lanígero da Capitania do Ceará, com os meios de organizar os seus rebanhos por

princípios rurais, aperfeiçoar a espécie atual das suas ovelhas e conduzir-se ao

tratamento delas e das suas lãs em utilidade geral do comércio do Brasil e

prosperidade da mesma capitania. Memória sobre a Capitania do Ceará, Memória

sobre as minas de ferro do Cangati do Choró na Capitania do Ceará; Memória sobre

as antigas lavras de ouro da Mangabeira da Capitania do Ceará; Carta topográfica do

Ceará à mina Salpetra, descoberta no sítio da Tatujuba na distância de 55 léguas da

villa da Fortaleza, dentre outras obras167.

Encerrada a atividade nas minas, o filósofo naturalista permaneceu na capitania,

empreendendo a prática científica. Feijó atuou no Ceará até o ano de 1818, quando

partiu para o Rio de Janeiro e assumiu o posto de tenente coronel do corpo de

engenharia. De acordo com Maria Helena Mendes168, o naturalista teria solicitado sua

transferência para o Rio de Janeiro alegando ser muito penosa e cansativa a atividade

166 SILVA, Maria B. N. A cultura luso-brasileira: Da reforma da Universidade à independência do Brasil. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p.13. 167 Carta topográfica da Capitania do Ceará para servir à sua história geral, 1809. Autógrafo no Arquivo Militar. Planta demonstrativa da Capitania do Ceará para servir de plano à sua carta topográfica, delineada pelo sargento mor naturalista, João da Silva Feijó, 1810. Cópia no Arquivo Militar. Coleção descritiva das plantas da Capitania do Ceará, 1818. In: Estudos sobre a coleção descritiva das plantas do Ceará. Fortaleza: Gráfica editorial Cearense Ltda; coleção Estudos Cearenses, 1984. 168 FERRÉZ, op. cit., nota n0 132.

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científica. Feijó alegou ainda, problemas de saúde que não mais lhe permitiriam

executar suas atribuições de forma satisfatória169.

3.3 – Produção científica sobre a Capitania do Ceará

As memórias são fontes importantes de análise no âmbito da literatura de viagens, uma vez que neles observamos as primeiras apreciações e observações dos naturalistas. Constituem como que um trabalho inicial de registro, o mais 'isento' e completo possível, ainda que já contenham o primeiro critério de seleção do conjunto dos fatos e das experiências170.

Karen Macknow Lisboa171 considera que a literatura de viagem, seja ela

científica ou não, tem como finalidade primeira retratar o deslocamento físico dos

cientistas viajantes pelo espaço geográfico da região visitada. Também compete ao

naturalista realizar a transcrição de forma mais fidedigna possível dos “objetos naturais”

por ele encontrado.

Ainda de acordo com a autora a formação acadêmica na cátedra de História

Natural, criada no âmbito da ilustração européia, garantia ao naturalista o aparato

intelectual que lhe permitia realizar estudos nos mais diferentes âmbitos das ciências

naturais —, zoologia, botânica e mineralogia.

Segundo Rachel Pinheiros:

A literatura presente no preparo das Viagens Científicas é composta por Instruções de Viagens e correspondências trocadas nesta fase. Através das cartas e ofícios, podemos constatar as negociações que envolvem a escolha dos nomes dos naturalistas integrantes da Viagem, o seu destino e outras particularidades, além das encomendas de equipamentos e livros. As Instruções de Viagem apresentam outros diversos aspectos históricos. A demanda por Instruções de Viagem tornou-se evidente no século XVIII, devido à ausência de sistematicidade das observações feitas pelos naturalistas nas expedições. Tentou-se excluir o fator subjetivo do olhar do naturalista, que tornava pessoal o relato de viagem, deixando-o vulnerável à interpretações diversas, como conseqüência de uma padronização que as instruções passaram a exigir, tornando o mais homogêneo possível o olhar do naturalista. Em outras palavras, as Instruções buscavam, acima de tudo, diminuir a tensão entre o sujeito observador e o objeto observado172.

169 Carta de Manoel Joaquim Garcia, cirurgião-morda Capitania do Ceará, atestando a precária Saúde de Feijó, declaração de 12 de março de 1803, fl. 1r, Arquivo Histórico da Casa da Moeda de Lisboa, março 718, Q 10. In: FERRÉZ, op. cit., nota n0 132, p. 849. 170 BOURGUET, Marie. N. O explorador. In: VOVELLE M. (Dir.). O homem do iluminismo. São Paulo: ed. Presença, 1997, pp. 230/231. 171 LISBOA Karen. M. A nova Atlântida de Spix e Martius: Natureza e civilização na viagem pelo Brasil (1817/1820). São Paulo: Hucitec, 1997. 172 PINHEIRO, Rachel. Aspectos das produções textuais nas viagens científicas. Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. Campinas: ANPUH/SPUNICAMP, 6/10 de setembro de 2004, p. 4.

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Heloisa Jochims Reichel173 também destaca a importância de se analisar os

relatos e memórias de viagem como uma forma de melhor compreendermos o passado,

contudo ressalta o cuidado para não se entender esses documentos como plenamente

confiáveis, pois apesar de seguirem padrões comuns de orientação, também se

apresentam como interpretações particulares, feitas pelos filósofos naturalistas, que

mediante sua bagagem cultural e ideológica, interagem com o meio no qual se

estabelecem, e mesmo seguindo instruções prévias, acabam por, em maior ou menor

escala, transparecer suas impressões particulares.

Durante sua permanência na capitania do Ceará, o naturalista João da Silva Feijó

produziu uma série de pranchas, preâmbulos, relatos e memórias acerca de suas análises

do quadro natural e social da localidade, entre os anos de 1799 —, quando de sua

chegada à região a 1814 —, ano em que deixa a capitania e parte em direção ao Rio de

Janeiro.

O mais descritivo e abrangente desses relatos intitula-se Memória sobre a

Capitania do Ceará174. Apesar de tratar-se de um texto que aborda temas muito

variados, o documento é conciso, o que demonstra que Feijó procurou seguir as

orientações acadêmicas difundidas por Vandelli.

Segundo o diretor do Real Jardim Botânico da Ajuda, a produção deste tipo de

texto deveria dar-se de forma utilitária e objetiva, evitando o uso de exageros por parte

dos memorialistas. Cabia também a este evitar a concretização de hipóteses vagas ou

imprecisas, competindo somente notar aquilo que fosse claro e facilmente verificável. É

possível perceber ainda que não foi objetivo de Feijó realizar um estudo aprofundado

sobre os aspectos naturais e sociais da capitania e sim traçar um quadro geral das

potencialidades da mesma.

O texto apresenta-se dividido em uma introdução acrescida de três parágrafos,

intitulados: Da corografia do Ceará, Do físico e Do político do Ceará, que se

subdividem respectivamente, em:

Da corografia do Ceará: situação topográfica; limites; extensão as superfícies,

configuração do terreno, direção da grande serra; principais montanhas; sorte de solos;

enseadas e portos da costa.

173 REICHEL Eloisa J. Os relatos dos viajantes como fonte para o estudo da história. Rio Grande do Sul. Dissertação Apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da UNISINOS – Universidade do Vale dos Sinos. Rio Grande do Sul. 2009. //www.unisinos.br/ppg/images/stories/pdfs/historia/catalogo_dissertacoes _ppghist.pdf. Acesso em: 28 de dezembro de 2008. Documento digital. 174 FEIJÓ, op. cit., nota0 65.

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66

Do Físico: do ar em geral; do clima e estações; do verão; causas que moderam

seu calor; do inverno; suas chuvas; seu menor calor; umidade da atmosfera e seus

efeitos; causa da diferença do calor; e das doenças do país; qualidade física do terreno;

sua construção interior e produções do reino mineral; de pedra calcárea; raras

petrificações; ossada fóssil; terra vegetal; minas de ouro; minas de ferro; minas de

cobre; minas de plumbagina; nitreiras naturais; salinas; produções vegetais; das matas;

frutificação das árvores e arbustos; hortaliças; produções das plantas indianas; árvores

particulares; préstimos de outros vegetais e de suas produções.

Do político do Ceará: conclusão; deve-se proteger a arte pastoril; o mesmo da

arte piscatória; aproveitamento das salinas; proteção da agricultura em geral; introdução

da cultura de muitos vegetais exóticos.

Na primeira parte do texto o filósofo natural se preocupa em destacar as

coordenadas geográficas e apontar características físicas do relevo com o intuito de

proporcionar uma compreensão mais clara do quadro natural da capitania. A existência

de montanhas, serras, planícies e planaltos recebem especial atenção por parte de Feijó.

Ainda neste capítulo do texto, Feijó procura notar aspectos da geografia

litorânea da região, atentando para a localização de baías e enseadas. Neste momento o

naturalista deixa claro que suas intenções, ao abordar tal assunto, atendem a interesses

econômicos estatais, uma vez que o próprio cientista menciona procurar locais de

“águas calmas” que futuramente pudessem vir a abrigar portos, a serem utilizados na

intensificação das relações comerciais com o Reino.

Em sua memória, Feijó segue rigorosamente as orientações de Vandelli ao

conferir grande significância à configuração de formações rochosas e cadeias

montanhosas, para o citado cientista italiano:

[...] são estas elevações que observamos na superfície da terra. Elas além de conterem os mais ricos tesouros da natureza, são de infinitos outros usos aos homens: as repartições dos Estados, o ar puro, que nelas se respira, o prodigioso numero de vegetais que aqui se criam... A variedade de fosseis, a formação dos metais, a direção dos ventos, a abundancia das águas de que elas são como reservatório; tudo isto faz o mais importante objeto ‘as séries de reflexões de um filosofo175.

Segundo Clarete Paranhos, desde o século XVII, o tema das montanhas

despertou o interesse dos sábios estudiosos. A autora afirma ainda que se trata de um

assunto abordado pelos filósofos naturalistas quase que de forma obrigatória. Como cria

Vandelli, as formações montanhosas apresentavam variadas utilidades, abrigando,

175 VANDELLI, Domenico. Memórias de história natural, In: Ciência e iluminismo. (Int. E Coord.). CARDOSO, José L. Porto: Porto editora, 2003, p.17.

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minas, fornecendo água, atuando como fronteiras naturais, além de servirem para a

defesa do território, mediante a visualização privilegiada que se tem desse tipo de

relevo, além de serem passíveis de sediar fortificações. Ainda de acordo com a autora,

era prática comum aos filósofos naturalistas atentarem para as especificidades deste tipo

de relevo, em suas memórias e relatos.

Feijó, ao seguir as instruções do professor Vandellie da Academia Real das Ciências de Lisboa, coloca-se dentro de uma tradição vigente em seu tempo. Nos textos de muitos naturalistas que se dedicavam aos estudos da terra, alguns temas tinham que aparecer quase que obrigatoriamente, mesmo que não fossem discutidos em profundidades, mas apenas para seguir aquela tradição176.

Clarete Paranhos atenta para a possibilidade de Vandelli ter sido influenciado

pela teoria desenvolvida pelo cientista alemão Abhahan Gottlob Werner177, que

procurou explicar a formação das rochas, do relevo e da própria estrutura geológica da

Terra através dos oceanos.

Segundo sua teoria, a formação do relevo terrestre teria se dado de acordo com

um longo processo de sedimentação e de depósito de minerais em um oceano primordial

primitivo, neste contexto o entendimento a respeitos das montanhas seria fundamental

para a própria compreensão das origens do relevo terrestre. Tal teoria influenciou os

estudos de cientistas naturalistas e mineralogistas ao longo de boa parte do século

XVIII. Analisando as palavras de Vandelli, é presumível que este tenha influenciado o

cientista italiano, e, por conseguinte, interferido nas orientações das viagens filosóficas

sob sua orientação, incluindo a empreendida por João da Silva Feijó.

Werner foi catedrático da Escola de Minas de Freiberg, na Saxônia durante o

último quartel do século XVIII. Nesse período a região se constituía como um grande

centro de estudos mineralógicos. Fazendo uso de pesquisas anteriores, o mineralogista

elaborou o modelo, que posteriormente seria denominado “netunista”, pois como

mencionado anteriormente, vinculava o relevo terrestre, bem como suas especificidades,

à existência dos oceanos. Porém de acordo com o cientista alemão178, as rochas de

origem vulcânica seriam mais recentes, dado a sua consistência magmática, que

176 SILVA, LOPES, op. cit., nota n0 106, p. 20. 177 Em 1774, Abraham Gottlob Werner (1749-1817) propôs três subdivisões para a mineralogia, as quais, consideradas conjuntamente, aproximam-se bastante do escopo da moderna geologia: a orictognosia (estudo da identificação e classificação dos minerais); a geografia mineral (estudo da distribuição das rochas e minerais); e a geognosia (estudo da formação e história das rochas e minerais). SILVA, Clarete P. O desvendar do grande livro da natureza: Um estudo da obra do mineralogista João Vieira Couto (1798-1805). São Paulo: ed. Fapesp, 1999. p. 91. 178 O cientista Abhahan Gottlob Werner, nasceu na Saxônia região que atualmente faz parte da Polônia, mas que, em fins do século XVIII, fazia parte da confederação germânica.

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apresenta aspecto pastoso, portanto, em estado de indefinição de forma e volume, o que

as diferenciava dos outros tipos de rocha.

Seguindo sua narrativa a respeito das formações montanhosas, Feijó descreve a

Serra Grande, informando que a mesma recebia variadas denominações, de acordo com

a localidade da região, como: Serra da Ibiapaba, Biapina, dos Cocos, Cratiux e do

Araripe. O naturalista trata ainda, sobre as principais montanhas da localidade, neste

momento do texto, traça um relato mais abrangente sobre o relevo local, apontando a

existência de planícies, lagos, rios, além de ponderar sobre a vegetação local.

Em estudos anteriores registrados em território africano, Feijó179 já havia

abordado este tema, sendo possível que sua conclusão tenha se baseado em tais estudos

realizados em Cabo Verde.

De acordo com Maria Estela Guedes180 o estudo do vulcanismo já se conjeturava

como comum à prática científica. Ainda de acordo com a autora, era função do

naturalista apontar sua existência ou não, mesmo que não aprofundasse o

desenvolvimento do tema.

Seguindo o modelo padrão indicado por Vandelli, empregado na Real Academia

de Ciências de Lisboa, Feijó neste primeiro artigo, procurou apresentar as características

físicas mais marcantes da capitania, expondo seus aspectos positivos, com a finalidade

de melhor caracterizar o painel geográfico geral da região.

O segundo artigo é o mais amplo dos três e trata de uma grande variedade de

temas. Feijó começa analisando o clima local e destaca com veemência as altas

temperaturas verificadas, principalmente durante o verão, onde segundo ele, se dá um

longo período de estiagem que afeta sobremaneira a vegetação.

Nesse contexto, pondera que a melhor localidade para se fixar são as regiões

próximas às montanhas devido a seu clima mais ameno, também salienta que a

existência das matas ajuda a minimizar o calor, uma vez que as folhas das árvores

bloqueiam e absorvem a incidência dos raios solares tornando o clima mais agradável.

Feijó pondera que a região possui somente duas grandes estações, quais sejam: o

verão; que se configura como a de maior duração e onde o calor é intenso e se verifica a

ocorrência de chuvas irregularmente distribuídas pelo território e o inverno; e uma

179 FEIJÓ, João da Silva. Itinerário filosófico que contém a relação das ilhas de Cabo Verde disposto pelo método epistolar. Cabo Verde: Praia. 1783. http://www.triplov.com/hist_fil_ciencia/feijo/feijo1.html. Acesso em: 25 de dezembro de 2008. Documento digital. 180 GUEDES, Maria Estela. João da Silva Feijó: Naturalista brasileiro em Cabo Verde. In: As Ilhas e o Brasil. Região Autônoma da Madeira, 2000, pp. 509/524.

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estação de menor duração, onde por conseqüência da estiagem alastra-se a seca e a

fome, fato que compromete a economia local, principalmente o plantio de gêneros como

a cana-de-açúcar e o algodão, produtos de destaque da economia local.

A criação de gado, segundo ele, também seria afetada neste período, uma vez

que a seca queima as pastagens e dificulta o abastecimento de água. Ainda de acordo

com o naturalista, a umidade da atmosfera seria uma consequência direta das elevadas

temperaturas encontradas na capitania.

Após tratar do clima, Feijó abarca como temática o tipo de solo e os divide da

seguinte forma: beira-mar, montanhoso e sertão. Feijó considera que o solo da região

tem origem vulcânica. Contudo, neste artigo o naturalista não apresenta justificativa

para sua conclusão.

Em trabalhos anteriores o naturalista já havia abordado essa temática em

memórias, como a: Memórias sobre a Ilha do Fogo, analisados por Maria Estela

Guedes em seus artigos intitulados: Feijó, um naturalista brasileiro em Cabo Verde no

século XVIII e João da Silva Feijó: viagem filosófica a Cabo Verde181 e por Antonio

Carreiro em seu artigo intitulado: Apresentação e comentários ao ensaio e memórias

econômicas sobre as Ilhas de Cabo Verde (século XVIII) 182.

Feijó ressalta que apesar de procurar, nunca conseguiu encontrar a presença de

pedra calcária na região. A importância deste insumo é dada por sua utilização em obras

de edificação. Tal minério, portanto, adquiria importância na localidade, uma vez que

era empregada na ampliação dos centros urbanos e em construções públicas.

O naturalista descreve que na serra dos Cariris encontrou uma série de fósseis

petrificados, alguns de grande porte, segundo ele “quatro palmos”, cujo estado de

preservação o impressionou. Nesse contexto, Feijó faz uma crítica ao sistema analítico

de Buffon, que determinava que as substâncias “carnosas” de seres vivos não poderiam

ser petrificadas.

O conde de Buffon, em sua obra publicada em 1749 afirma ser o continente

americano mais recente que o europeu influenciado pela teoria “netunista”, defendida

por Werner e já mencionada anteriormente, entendia que a América teria emergido de

um oceano ancestral. Como argumento o naturalista francês faz menção a grande

quantidade de rios, lagos e pântanos encontrados no novo continente, que seriam provas

181 GUEDES, Maria Estela. João da Silva Feijó: Viagem filosófica a Cabo Verde. Vol. XLIX. Cabo Verde: Asclépio, 1997; n0 1, pp. 131/138. 182 CARREIRA, op. cit., nota n0 107.

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da presença mais recente de sua imersão, uma vez que tanto volume d’água não se

encontrava em território europeu.

Ainda segundo Buffon essa característica associada às elevadas temperaturas,

teria tornado a América menos propensa à vida, abrigando espécimes animais e vegetais

de qualidade inferior e menor porte.

De acordo com o cientista tal fato explicaria a existência de grande quantidade

de insetos e animais pequenos. Até mesmo as populações locais seriam passíveis dessa

crítica, tidas por Buffon, como mais fracas, de constituição física mais frágil e de

intelecto limitado. Feijó partilha dessa concepção183, sendo possível encontrar na sua

argumentação críticas à “indolência”, à falta de capacidade e à fragilidade dos nativos.

Sobre a vegetação Feijó afirma existir “grande variedade de espécimes nativas”

que sustentam uma rica variedade de animais —, e que, mesmo no longo período de

calor ocorrido no verão, a flora se apresenta abundante, com exceção das plantas

herbáceas, que por serem menos resistentes acabam sucumbindo às elevadas

temperaturas. Também salienta que boa parte dessa vegetação localiza-se na região

litorânea, por ele denominada como “beira-mar”.

Ainda sobre a vegetação característica da capitania, Feijó, afirma que a mesma é

mal distribuída pelo território, estando acobertura vegetal mais densa situada no litoral,

pois, segundo ele, trata-se da região mais fecunda, propicia para o desenvolvimento da

atividade agrícola; sendo o sertão uma área caracterizada por cobertura vegetal mais

pobre, tornando-se, portanto, menos útil para o desenvolvimento da atividade produtiva.

Influenciado pela fisiocracia do século XVIII, constituía grande interesse dos

naturalistas o estudo da terra e de seus minerais. Somado à produção agrícola eram as

atividades econômicas tidas como de maior importância para o Estado, porém como

afirma Clarete Paranhos da Silva184, tal fato não significa que a atuação dos naturalistas

foi pautada por determinações fisiocráticas, o que se conjectura é que o Estado teria se

apropriado dessas ideias objetivando vantagens econômicas.

De acordo com Vandelli:

È logo a agricultura o primeiro móvel das fortunas de qualquer país eúnico manancial de todo o bem do Estado, e de todo interesse, ou seja, público, ou particular de uma nação. Ora como esta academia se tem proposto fomentar, a indústria de nossos povos, e contribuir quanto esta, da sua parte, para o aumento da agricultura, e perfeição das artes, eu vou nesta pequena memória fazer ver que quanto interessa ao mesmo o progresso da agricultura e artes o conhecimento das substancias, de que abunda o nosso reino; mostrando ao mesmo tempo quanto se faz digno de sua providendissima atenção,

183 Tal passagem se encontra no terceiro artigo de suas Memórias sobre a Capitania do Ceará, e foram analisadas anteriormente neste trabalho de pesquisa. 184 SILVA, LOPES, op. cit., nota n0 106.

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71

o mandar fazer para o mesmo fim uma viagem filosófica primeiramente nele e depois nos seus domínios 185.

Continuando sua exposição Feijó, atenta para a existência de ouro na capitania.

Neste contexto, afirma que são muitas as evidências que apontam a existência do

minério, sendo este encontrado tanto em minas sob a forma de pedras maiores, quanto

em riachos misturado ao cascalho. Assim como afirma que o solo da região tem origem

vulcânica, sem explicitar especificamente como chegou a tais conclusões. É possível

que Feijó tenha se orientado por relatos dos habitantes locais, prática recorrente entre

naturalistas.

A respeito do quadro mineralógico, o naturalista comenta vagamente sobre a

existência de ferro, entretanto, como de costume, não precisa sua localização ou se

estende no assunto. Já sobre o minério de cobre, afirma existir grande oferta na

localidade, principalmente na serra do Ibiapaba, onde já haviam se instalado minas no

intuito de realizar a extração desse mineral. Segundo o cientista a existência de salitre se

revelou de forma bastante significativa.

Seguindo a sua narrativa, Feijó, pondera sobre as árvores frutíferas e os vegetais.

É interessante notar seu esforço em denotar a boa qualidade do solo. Feijó também

ressalta que a maior parte das plantas exógenas se adaptaria bem à capitania, tanto as

oriundas da Europa quanto as da Ásia.

Neste ponto é possível perceber a influência do ideário ilustrado que vigorou em

Portugal quando do secretariado de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho. Ao se referir à

aclimatação de espécimes vegetais provenientes do continente europeu e asiático, Feijó

demonstra claramente a ideia de integração econômica verificada no ultramar

português, fato estimulado, sobremaneira, durante a administração de Sousa Coutinho e

que norteou as diligências filosóficas empreendidas nesse período.

O cientista comenta ainda sobre a qualidade e a importância da madeira da

região, utilizada principalmente na construção civil. Feijó afirma que a utilização desse

insumo na indústria naval é dificultada pela precariedade no sistema de transporte e

carregamento de mercadorias, uma vez que as melhores árvores estariam localizadas no

interior da capitania.

Já no terceiro artigo intitulado: Da política no Ceará, Feijó inicia afirmando que

a capitania tem inúmeras potencialidades econômicas, contudo se encontra em situação

de abandono e que tal fato seria a causa de seu atraso econômico. Neste artigo final

185 VANDELLI, op. cit., nota0 178.

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Feijó traça ainda uma estimativa do total de habitantes da capitania, totalizando em

cerca de 150 mil habitantes.

Em seguida, atenta para a organização administrativa da região, segundo ele a

capitania se divide em 18 vilas, 5 constituídas por populações eminentemente indígenas

e 13 formadas por brancos, além de alguns povoados. Cada vila era governada por um

juiz ordinário e por um capitão-mor, estando todas subordinadas à capitania Geral

situada na Vila da Fortaleza, capital do Ceará.

De acordo com Feijó a população local vivia da caça, da pesca e da coleta

associadas à produção de pequenas plantações de gêneros de primeira necessidade, em

especial o algodão, gênero econômico, mais importante produzido na localidade.

Findando a análise do terceiro artigo é possível perceber que se trata de uma

exposição generalizante acerca do quadro natural e social da capitania, contudo em

determinados momentos é perceptível que Feijó expressa suas opiniões particulares,

sem, contudo, deixar de seguir rigidamente as orientações impostas pela Real Academia

de Ciências de Lisboa.

Em sua obra denominada Preâmbulo ao ensaio filosófico e político sobre a

Capitania do Ceará para servir para a sua história geral, João da Silva Feijó, assim

como em suas Memórias sobre a Capitania do Ceará, aborda como temática o quadro

natural e social do Ceará. Também como no trabalho anterior, realiza uma narrativa

concisa, descritiva e objetiva. Convém, porém, destacar o forte destaque que o cientista

confere à botânica da capitania.

O próprio filósofo naturalista, em documentos anteriores, já deixara clara a sua

predileção pelo estudo da botânica186 em detrimento da zoologia e da mineralogia.

Nesse ensaio, descreve uma série de espécimes vegetais naturais da capitania,

notadamente as frutíferas. Salienta, mais uma vez, as potencialidades do solo na

aclimatação de espécimes alienígenas, que segundo ele adaptar-se-iam facilmente ao

solo e ao clima local.

Em sua obra intitulada: Memória econômica sobre a raça do gado lanígero da

Capitania do Ceará, com os meios de organizar os seus rebanhos por princípios rurais,

aperfeiçoar a espécie atual das suas ovelhas e conduzir-se ao tratamento delas e das

suas lãs em utilidade geral do comércio do Brasil e prosperidade da mesma capitania,

186 Coleção descritiva das plantas da Capitania do Ceará, 1818. In: Estudos sobre a coleção descritiva das plantas do Ceará. Fortaleza: Gráfica editorial Cearense Ltda; Coleção Estudos Cearenses, 1984.

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73

o cientista faz uma análise acerca da criação do rebanho de gado e de caprinos na

região.

É interessante destacar que Feijó além de analisar a criação desses rebanhos,

aponta considerações que, segundo ele, potencializariam a produção de seus derivados,

notadamente a produção de lã, a ser exportada para a metrópole. Feijó, assim como em

suas Memórias sobre a fábrica real de anil da ilha de Santo Antão187 critica a forma

com que é realizada a atividade econômica nessa localidade e atenta para o emprego de

uma forma mais racional de exploração e da produção local.

Ainda sobre este artigo, convém notar que o mesmo foi concebido e dedicado ao

próprio regente, que no período de sua concepção — ano de 1810 — já se encontrava

em território brasileiro, juntamente com sua corte e a família real. Tal documento

permite perceber que com a investida napoleônica sobre o Estado português e a

subseqüente transmigração da corte lusa, o contato, antes realizado pelos filósofos

naturalistas com instituições científicas metropolitanas, passou a ocorrer dentro da

própria colônia; uma vez que a corte encontrava-se sediada no Rio de Janeiro.

Além dos trabalhos escritos, o naturalista, por se mostrar um exímio retratista,

também produziu pranchas e mapas sobre a capitania do Ceará como os intitulados

Carta topográfica do Ceará à mia Salpetra, descoberta no sítio da Tatujuba na

distância de 55 léguas da villa da Fortaleza, Planta demonstrativa da Capitania do

Ceará para servir de plano à sua carta topográfica, delineada pelo sargento mor

naturalista, João da Silva Feijó e Carta topográfica da Capitania do Ceará para servir

à sua história geral. São mapas topográficos que procuram caracterizar as

especificidades geológicas e geográficas da capitania, assim como nos textos escritos os

mapas se mostram bastante objetivos, contendo somente as características mais

significativas a serem destacadas na região. Feijó também aponta suas especificidades

no intuito de tornar mais clara a sua localização geográfica.

De acordo com Clarete Paranhos188, as obras produzidas por Feijó foram

referências para o estudo de História Natural, dado seu volume de informações e a

variedade de temas abordados.

Ao se analisar os escritos redigidos pelo filósofo naturalista, como trocas de

correspondências, diários de viagem, ou ensaios é possível perceber especificidades de

sua relação com as autoridades ibéricas ou locais. Somado a isto também se pode

187 Coleção Darcy damasco. Fragmentos de texto. Biblioteca Nacional, seção de obras raras. 188 SILVA. Uma contribuição para a divulgação da memória científica do Brasil, op. cit., nota n0 142.

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constatar a importância que determinados “produtos da natureza” tinham para o Reino,

como o salitre; utilizado como insumo para a produção de pólvora.

Por fim, convém destacar a preocupação demonstrada pelo filósofo naturalista

com as normas e os costumes utilizados na produção dos documentos. Sejam nas cartas

endereçadas às autoridades ou nos diários e ensaios, Feijó faz uso das regras comuns à

época, tais como a preocupação em utilizar o latim ao nomear espécimes animais e

vegetais em diários, a sistematização utilizada em sua apreciação acerca da capitania do

Ceará; segue toda uma ordem analítica comumente utilizada pelos naturalistas da época

e demais procedimentos abordados ao longo destas linhas.

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75

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A expedição filosófica realizada pelo naturalista João da Silva Feijó à capitania

do Ceará, no final do século XVIII, foi marcada diretamente pela reformulação do

quadro político-institucional do Império luso. Empreendida pelo marquês de Pombal e

continuada por seus sucessores — em especial por Dom Rodrigo de Sousa Coutinho e

por Martinho de Mello e Castro —, todos ocupando Ministérios do Reino.

A reforma educacional pombalina verificada no âmbito da Universidade de

Coimbra foi assinalada por um norte notadamente utilitário, ou seja, buscou formar um

novo corpo funcional ilustrado que viesse a fornecer pessoal bem treinado para

incorporar o quadro burocrático estatal. “Seria, entre esses burocratas e clérigos recém-

formados, que as reformas pombalinas encontrariam seus perpetuadores e seus

defensores” 189.

É possível depreender que os filósofos naturalistas formados na instituição, via

de regra, guiaram-se por tais orientações, analisadas no corpo do texto do presente

trabalho. Devido à ausência de fontes, não é possível afirmar que o naturalista Feijó

tenha cursado Coimbra, contudo, caso não o tenha realizado, é provável que, devido à

acuidade como realizou suas atribuições científicas, tenha tido acesso a métodos,

manuais e guias relativos à prática científica, que por ventura fossem passíveis de serem

encontrados no reino, sob a forma de panfletos, jornais e revistas, ou mesmo diálogo em

academias e locais onde ciência e outras formas de conhecimento fossem livremente

debatidas.

189 MAXWEL, op. cit., nota0 3, p. 110.

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Convém destacar que as reformulações legais empreendidas pela administração

pombalina procuraram nortear-se pela aplicação das leis naturais, “um sistema

secularizado, que se apresentava como uma construção lógica na qual a razão mais do

que a fé ou o costume definia a justiça ou a injustiça” 190.

A administração metropolitana, em fins do século XVIII, apresentou uma

drástica mudança em sua política econômica. As remessas de minérios valiosos que

provinham do Brasil e o influxo de especiarias oriundos das distantes possessões lusas

no ultramar reduziram-se sobremaneira, o que causou graves problemas econômicos ao

Estado. Nesse tocante torna-se perceptível uma clara reorientação manifesta pela

política portuguesa, aplicada, sobretudo, mediante a influência fisiocrática, na qual o

pleno aproveitamento da terra e de suas potencialidades naturais teria fundamental

significância, no sentido de sanar o déficit orçamentário proveniente da queda dos

“produtos da natureza” provenientes das distantes regiões do Império.

Era prática comum à época a atuação de viajantes que, em suas incursões

empreendidas nas mais variadas regiões do planeta, invariavelmente mantinham

interesses economicistas, associados as suas pesquisas científicas; centravam-se na

busca pelo conhecimento manifesto em diversos campos do conhecimento, tanto

sociais, quanto naturais.

Dom Rodrigo de Sousa Coutinho191 em seu ministério já havia atentado para as

potencialidades naturais existentes em território brasileiro, e temia a atuação, sobretudo,

de naturalistas forasteiros que, por atuarem como pesquisadores e cientistas, poderiam

sob a forma de roubo ou apropriação, de componentes mineralógicos, ou mesmo da

fauna e flora local, sob a forma de recolha, plantio ou criação em solo alienígena,

ocasionar a competição e mesmo o declínio de atividades comerciais exercidas por

Portugal, relacionadas aos componentes da natureza encontrados no Brasil.

Neste quadro de mudanças político-administrativas realizadas na estrutura do

Estado português, somadas à dependência econômica de Portugal em relação à colônia

brasileira, que neste contexto histórico atravessava uma grave crise, solidificada sobre a

queda na exportação dos principais produtos coloniais, como algodão; tabaco e cana-de-

açúcar, adquire importância significativa a atuação dos cientistas a cargo da Coroa

portuguesa.

190 Idem, p.114. 191 COUTINHO, op. cit., nota n0 142.

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Nessa perspectiva conjuntural, a concretização de uma análise mais apurada

acerca da atuação do naturalista João da Silva Feijó na capitania do Ceará contribuiu

para se fazer uma maior reflexão sobre a importância da atuação de naturalistas na

consolidação do Império português.

Por fim, convém ressaltar que a atuação do naturalista João da Silva Feijó na

capitania do Ceará se faz de grande importância, sobretudo pelo volume documental

produzido pelo cientista. Mesmo afastado de suas atribuições, Feijó continuou a exercer

a prática naturalista, sempre guiado pelos preceitos comuns ao rigor científico do

período. Feijó fez uso de suas atribuições diversas no intuito de galgar postos no quadro

político-administrativo do reino, o que parece ter sido infrutífero, no seu caso. Contudo,

mediante sua grande produção científica, é possível depreender que o mesmo manteve-

se ligado à prática da filosofia natural, após o término de suas peregrinações filosóficas.

É relevante constatar ainda a significância das obras produzidas por Feijó, tanto no

tocante à compreensão da história natural no Brasil, em especial na província do Ceará,

quanto em relação ao conhecimento acerca do quadro social e natural da capitania do

Ceará em fins do século XVIII e início do século XIX que seus escritos proporcionam.

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