Feliz ano novo

22
Feliz Ano Novo: realismo e distorção Prof. Dr. Rejane Pivetta de Oliveira Letras UniRitter – Porto Alegre Graduação e Programa de Pós-Graduação em Letras [email protected]

description

Palestra sobre o livro Feliz Ano Novo da pela professora Rejane

Transcript of Feliz ano novo

Page 1: Feliz ano novo

Feliz Ano Novo: realismo e distorção

Prof. Dr. Rejane Pivetta de OliveiraLetras UniRitter – Porto Alegre

Graduação e Programa de Pós-Graduação em [email protected]

Page 2: Feliz ano novo

Rubem Fonseca

Page 3: Feliz ano novo

Nascido em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 11 de maio de 1925, José Rubem Fonseca é formado em Direito, tendo exercido várias atividades antes de dedicar-se inteiramente à literatura. Em 31 de dezembro de 1952 iniciou sua carreira na polícia, como comissário, no 16º Distrito Policial, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro.

Após sair da polícia, Rubem Fonseca trabalhou na Light até se dedicar integralmente à literatura. É viúvo e tem três filhos.

Rubem Fonseca

Page 4: Feliz ano novo

LIVROS PUBLICADOS NO BRASIL• Os prisioneiros (contos, 1963),• A coleira do cão (contos, 1965)• Lúcia McCartney (contos, 1967)• O caso Morel (romance, 1973)• Feliz Ano Novo (contos, 1975)• O cobrador (contos, 1979)• A grande arte (romance, 1983)• Bufo & Spallanzani (romance,

1986)• Vastas emoções e pensamentos

imperfeitos (romance, 1988)• Agosto (romance, 1990)• Romance negro e outras histórias

(contos, 1992)• O selvagem da ópera (romance,

1994)• O Buraco na parede (contos,

1995)

• Romance negro (romance, 1996)• Histórias de Amor (contos, 1997)• Do meio do mundo prostituto só

amores guardei ao meu charuto (novela, 1997)

• Confraria dos Espadas (contos, 1998)

• O doente Molière (novela, 2000)• Secreções, excreções e desatinos

(contos, 2001)• Pequenas criaturas (contos,

2002)• Diário de um Fescenino (contos,

2003)• Ela e outras mulheres (contos,

2006)• O romance morreu (crônicas,

2007• O seminarista (romance, 2009)

Page 5: Feliz ano novo

O que li me espantou, me causou arrepios. É pornografia de baixíssimo nível, que não se vê hoje nem nos recantos mais remotos do país.

Senador Dinarte Mariz, Jornal do Brasil, 1977

Page 6: Feliz ano novo

No mundo destes autos, falou-se bastante sobre o erotismo e olvidou-se a violência. Falou-se bastante sobre a linguagem e olvidou-se o conteúdo. Nem o erotismo nem a linguagem empregada, por si só, justificariam o veto censório. O grave está no modo pelo qual se tratou da violência.

... como se verifica pelo texto dos cinco contos escorçados nesta sentença, subsiste um denominador comum consistente na inusitada violência contra a pessoa humana, aureolada por uma sugestão de impunidade. (...) Realmente, tanto os três marginais do primeiro conto como todos os criminosos grã-finos dos outros quatro contos aparecem como heróis absolutos e as suas reprocháveis atitudes aparecem como se socialmente louváveis, dissimuladamente travestidas de atos meritórios.”

Juiz Bento Gabriel da Costa Fontoura

Page 7: Feliz ano novo

A obra censurada “em quase toda sua totalidade retrata personagens portadores de complexos vícios e taras, com o objetivo de enfocar a face obscura da sociedade, a prática da delinqüência, suborno, latrocínio e homicídios, sem qualquer referência à sanção.”

Procuradora da República, Maria da Glória Ferreira Tamer

Page 8: Feliz ano novo

Sempre existiu tendência repressiva contra as obras de arte que espelham a realidade social. Assim, os problemas sociais são atacados na sua expressão artística e não mais nas suas causas efetivas.

Afonso Arinos, Jornal do Brasil, 1977

Page 9: Feliz ano novo
Page 10: Feliz ano novo

Violência narrada por personagens marginais: Feliz Ano Novo; Botando pra quebrar

Violência narrada por grã-finos: Passeio noturno I e II; O Outro; 74 Degraus; Nau Catrineta

Temas vinculados à sexualidade: O campeonato; Dia dos Namorados

Desamparo social: Entrevista; O pedido; Abril, no Rio, em 1970

Discussões metaliterárias: Corações solitários; Agruras de um jovem escritor; Intestino Grosso

Este edifício está mesmo fudido, disse Zequinha,enquanto subíamos, com o material, pelas escadas imundas e arrebentadas. (p. 20)

Page 11: Feliz ano novo

O conto narra a entrevista com um escritor, que podemos ler como sendo o duplo do próprio Rubem Fonseca.

O conto encerra a coletânea, fornecendo ao leitor várias pistas de como os contos que lemos em Feliz Ano Novo podem ser interpretados.

Intestino grosso: a poética de Rubem Fonseca

Page 12: Feliz ano novo

Uma boa história tem que terminar com alguém morto

• Feliz Ano Novo• Passeio Noturno I e II• 74 Degraus• O Outro• Nau Catrineta• Agruras de um jovem

escritor

Page 13: Feliz ano novo

Corações solitários:– Homenagens literárias:

Nathanael Lessa (Nathanael West e Ivan Lessa); Clarice Simone (Clarice Lispector e Simone de Beavoir)

– Intertextualidade: li todos os clássicos gregos, os ibsens, os o´neals, os beckts, os tchkovs, os shakespears, as four hundread best television plays. Era só chupar uma idéia aqui, outra ali, e pronto.

O campeonato:– Como disse Shakespeare, sleep,

balm of hurt minds, great nature´s second course, chief nourisher in life´s feast.

Referências literárias

Page 14: Feliz ano novo

• Superação do cânone: Machado de Assis, Guimarães Rosa, etc.

• Relação do escritor com a realidade do seu tempo: universo das grandes cidades, edifícios, trânsito, publicidade.

• Vaidade e fama: Agruras de um jovem escritor– Pensamento polifásico: personagem

imagina as manchetes no jornal que o tornarão famoso.

• Relações com o mercado: Corações solitários– Best-sellers: histórias feitas para consumo

fácil

Busca por sucesso

Page 15: Feliz ano novo

• O campeonato– Sexo mecanizado submetido a

rígidas regras e controle.– Conjunção carnal como

competição e aposta.– Sexo ‘purificado’, destituído de

sua natureza instintiva.

Comparação com Passeio noturno: sociedade psicopata; violência e sexo altamente racionalizados; prazer obtido da morte.

Temática pornográfica

Page 16: Feliz ano novo

• Feliz Ano Novo:– Eu queria ser rico, sair da merda (...) Tanta

gente rica e eu fudido.– Viu, não grudou o cara na parede, porra

nenhuma.– Depois limpei o cu na colcha, botei as calças e

desci.

• Botando pra quebrar: – Eu estava meio fudidão sem arranjar

emprego e aporrinhado por estar nas costas de Mariazinha...

– ... Ali estava outro filho da puta que eu devia matar de porrada...

– Patrão é o caralho, disse,mas fui atrás do garçom.

– Peguei meu embrulho e fui embora. Puta merda.

Linguagem pornográfica

Page 17: Feliz ano novo

• Assaltantes: Pereba, Zequinha, Lambreta, Tripé, Minhoca, Dona Candinha (Feliz Ano Novo)

• Prostituta (Entrevista)• Ex-presidiário (Botando pra

quebrar)• Biscateiro (O pedido)• Mendigo (O outro)• Escritor (Agruras de um

jovem escritor)

Personagens marginais

Page 18: Feliz ano novo

• Executivo (Passeio noturno; O outro)

• Empresário (Abril, no Rio, em 1970)

• Banqueiro (Dia dos Namorados)

• Médico, Atacadista (O campeonato)

• Fazendeiro (74 Degraus)

Personagens nobres

Page 19: Feliz ano novo

• O campeonato

– Deslocamento da linguagem: termos técnicos (v. p. 118, p. 122)

É verdade que esse tipo de esporte deixou de ser praticado há algum tempo. Ninguém mais se emociona com ele, aqui no formigueiro. (p. 124)

Presença da ciência

Page 20: Feliz ano novo

• Leitores imprevisíveis (Corações solitários)

• Função de resistência à técnica, à instrumentalização , à barbárie.– No meu livro Intestino Grosso eu digo

que, para entender a natureza humana, é preciso que todos os artistas desexcomunguem o corpo, investiguem, da maneira que só nós sabemos fazer, ao contrário dos cientistas, as ainda secretas e obscuras relações entre o corpo e a mente, esmiúcem o funcionamento do animal em todas as suas interações.

Uma civilização sem literatura acaba antes mesmo de a bomba explodir.

Para quem e para que o Autor escreve?

Page 21: Feliz ano novo

Mas o fato, a meu ver incontestável, é que vivemos cada vez mais rodeados de dejetos e deformidades de todo tipo. Não falo metaforicamente, embora a metáfora também se aplique ao caso. Basta abrir um jornal ou fazer um passeio noturno para topar em cada canto com a matéria excrementícia. Nossa imaginação, principalmente a de quem vive nas grandes cidades, está sobrecarregada de massacres. Veja agora esta guerra suja no Rio. Penso também na exibição dos corpos de Vigário Geral ou dos 111 mortos do Carandiru e associo essas imagens, por absurdo que possa parecer, à exposição dos cadáveres no museu alemão ou a outra, que vi há mais tempo, num museu de Londres: um porco apodrecendo dentro de uma caixa de vidro, a decomposição incorporada ao cotidiano como realidade e espetáculo.

Page 22: Feliz ano novo

Sinceramente não consigo ver saídas no horizonte. Nem no campo político nem no religioso nem no ético nem no artístico. Talvez porque minha visão esteja provisoriamente bloqueada, não sei... Tenho a impressão de que estamos todos meio perdidos, atordoados. Às vezes me pego dando risada com a idéia blasfema de que Deus, ao fabricar o homem, pegou o barro do vaso errado. Brincadeiras à parte, o escritor sempre trabalha com os materiais de sua época, mesmo quando fala do passado ou do futuro E o nosso mundo é excessivamente violento, vulgar, feroz até a banalidade. Mas eu nunca quis fazer apologia da violência ou do kitsch. Isso é bobagem de crítico obtuso. O que mais me interessa é explorar como esses elementos podem ser processados pela ficção, a possibilidade de transfigurá-los, de ampliá-los a tal ponto que já não seja mais possível observá-los pacificamente: em lugar da imagem "realista" "hiper-realista" - como muitos críticos me classificaram -, apenas o granulado da foto.

Rubem Fonseca