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    Estudos Feministas, Florianpolis, 21(2): 336, maio-agosto/2013 659

    FFFFFeminismo e/no ps-colonialismoeminismo e/no ps-colonialismoeminismo e/no ps-colonialismoeminismo e/no ps-colonialismoeminismo e/no ps-colonialismo

    Copyright 2013 by RevistaEstudos Feministas.

    Deepika BahriEmory University, Estados Unidos

    ResumoResumoResumoResumoResumo: Neste artigo, a autora discorre sobre a relao entre feminismo e ps-colonialismoa partir dos conceitos-chave nos estudos ps-coloniais, salientando as premissas, os mtodose as tenses dessa aliana, bem como os desafios entre os feminismos ocidental e ps-colonial no contexto da globalizao.PPPPPalavras-chavealavras-chavealavras-chavealavras-chavealavras-chave: feminismo ps-colonial; representao; essencialismo; mulher do TerceiroMundo; globalizao.

    IntroduoIntroduoIntroduoIntroduoIntroduo

    No h mulheres no terceiro mundo.

    Sara SURELI, 1989, p. 20.

    Em seu influente e controverso ensaio Can the Subal-tern Speak? (Pode o subalterno falar?), Gayatri ChakravortySpivak reconta a histria de um misterioso suicdio:

    Uma jovem de dezesseis ou dezessete anos,Bhubaneswari Bhaduri, enforcou-se no modestoapartamento de seu pai em Calcut do Norte em 1926.1

    O suicdio se tornou um enigma; como Bhubaneswariestava menstruada na ocasio, claramente no setratava de um caso de gravidez ilcita.2

    Porque Bhubaneswari sabia que sua morte seria iden-tificada como a conseqncia de um romance ilegtimo,informa Spivak, ela [...] esperou a chegada da menstruao.

    Alguns anos depois, quando as sobrinhas de Bhubaneswariso questionadas sobre o suicdio, dizem que foi um casode amor ilcito.3

    Spivak confessa emA Critique of Postcolonial Reason(Uma crtica da razo ps-colonial) que a contemplao

    dessa falha de comunicao a irritou tanto que, em suasdiscusses iniciais sobre o suicdio de Bhaduri, foi levada aescrever em tom de queixa exaltada: os subalternos no

    1Deepika BAHRI, 2004. Traduode Andria Guerini e Juliana Steil;e reviso de Claudia de Lima

    Costa.2 Gayatri Chakravorty SPIVAK,1988a, p. 307.

    3SPIVAK, 1988a, p. 307.

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    podem falar!.4A queixa surgiu de sua constatao de queos subalternos em geral, e o sujeito historicamente emudecidoda mulher subalterna em particular, estavam inevitavelmentefadados a serem ou mal compreendidos ou mal represen-tados por interesse pessoal dos que tm poder para represen-

    tar.5As vrias consideraes de Spivak sobre as mulheressubalternas geraram uma srie de crticas e reaes quelevantam alguns questionamentos fundamentais para qual-quer discusso sobre feminismo e/no ps-colonialismo: Quempode falar e por quem? Quem ouve? Como se representaa si e os outros?. Tais questionamentos aludem a debatesacalorados no que se refere representao e ao essencia-lismo; ao relacionamento entre o intelectual do Primeiro Mundoe o objeto de investigao do Terceiro Mundo; posiodefensiva e conflitante do intelectual do Terceiro Mundo no

    Ocidente (problemas de posicionamento e de localizao,nas palavras de Lata Mani);6 e possibilidade de ummovimento feminista coerente e coeso.

    O tema do feminismo e/no ps-colonialismo esttotalmente ligado ao projeto de ps-colonialidade literria esuas relaes com a leitura crtica e a interpretao de textoscoloniais e ps-coloniais. Uma perspectiva feminista ps-colonial exige que se aprenda a ler representaes literriasde mulheres levando em conta tanto o sujeito quanto o meiode representao. Exige tambm um letramento crtico geral,isto , a capacidade de ler o mundo (especificamente, nessecontexto, as relaes de gnero) com um olhar crtico. Assim,o suicdio de Bhaduri, descrito por Spivak pelo tropo da fala,funciona como uma carta do passado que pode ser lida einterpretada diversamente por diferentes leitores com vriasmotivaes em diferentes lugares e em diversas pocas. Asligaes etimolgicas entre literrio e letramento, que vmdo latim littera, letra, reforam a ideia de que a comuni-cao abrange no apenas o ato da fala, como tambmo da recepo, da audio e da interpretao. Pode-se dizer,com efeito, que quase todos os debates centrais ao feminismo

    ps-colonial esto preocupados com os diferentes modos deler o gnero: no mundo, na palavra e no texto.

    Como esperado, a crtica feminista enfatiza a impor-tncia das questes de gnero na histria, na poltica e nacultura. Inerentemente interdisciplinar, o feminismo examinaos relacionamentos entre homens e mulheres e as conse-quncias dos diferenciais de poder para a situao econ-mica, social e cultural das mulheres (e dos homens) em dife-rentes lugares e perodos da histria. Perspectivas feministastm sido centrais para os estudos ps-coloniais desde seu

    momento inicial, compartilhando muitas das preocupaesgerais do ps-colonialismo, mas tambm revisando, questio-nando e complementando-as. Conforme detalha o magistral

    4 SPIVAK, 1999, p. 308. Vertambm SPIVAK, 1985b e 1988b.

    5

    SPIVAK, 1988a, p. 295.

    6 Lata MANI, 1990, p. 25.

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    estudo Orientalism(Orientalismo)de Edward W. Said, a carac-terizao do oriental em termos feminizados e por extensoa caracterizao de todos os povos nativos e colonizadosnos discursos coloniais predominantes marca a proemi-nncia e a caracterstica constitutiva do gnero no projeto

    colonial. Assim, os temores coloniais em relao revoltanativa, como argumenta Jenny Sharpe emAllegories of Empire(Alegorias do Imprio), traduzem-se na figura da mulher euro-peia violentada. O estupro inter-racial, afirma Sharpe, deveser ento entendido como um tropo de grande importnciaque est implicado na conduo de uma revolta.7No menossignificativo o modo como a posio das mulheres nativasera usado para justificar o projeto colonial como uma missocivilizatria. Spivak notadamente descreveu a intervenobritnica na prtica Sati da ndia como homens brancos

    salvando mulheres pardas de homens pardos.8

    ParthaChatterjee explica que os colonizadores podiam dessa formatransformar esta figura da mulher indiana em um indcio danatureza inerentemente opressora e sem liberdade de toda atradio cultural de um pas;9e Mrinalini Sinha acrescentanesse contexto que as mulheres coloniais eram coniventescom a misso colonizadora, visto que as indianas forneciamuma oportunidade para que as britnicas exercessem suainfluncia na ndia atravs [...] do imperialismo maternal.10

    No surpreende que muitos esforos anticoloniais em favordo nacionalismo usassem, por sua vez, a figura da mulherpara simbolizar a nao e se empenhassem para articularum papel significativo para as mulheres nos processos deconstruo da nao e de descolonizao. Sinha nota que,na ndia, a estratgia anglo-indiana de usar a subordinaodas mulheres na ndia como um meio conveniente de conteros anseios de igualdade poltica dos indianos transfigurou aquesto da mulher em um campo de batalha nos direitospolticos dos indianos.11Anne McClintock observa que o na-cionalismo [...] constitudo desde o incio como um discursode gnero e no pode ser compreendido sem uma teoria do

    poder de gnero,12uma opinio compartilhada por outrastericas feministas, notadamente Elleke Boehmer13e NailaKabeer.14Vrias crticas discutiram o relacionamento entrefeminismo e nacionalismo.15Na fase ps-colonial, a situaoda mulher continua a interessar muitas pesquisadoras. Sobas atuais circunstncias de globalizao e o domnio quasetotal do capitalismo no mundo, a condio das mulheres tor-nou-se mais do que nunca uma questo urgente. As questesde gnero so, desse modo, inseparveis do projeto da crticaps-colonial.

    11SINHA, 1995, p. 45.

    7 Jenny SHARPE, 1993, p. 2.

    8

    SPIVAK, 1988a, p. 297.

    9Partha CHATTERJEE, 1993, p. 118.

    10Mrinalini SINHA, 1995, p. 60. Vertambm Kumari JAYAWARDENA,1995.

    12 Anne McCLINTOCK, 1995, p.355.13Elleke BOEHMER, 1992.14Naila KABEER, 1991.15Anne McCLINTOCK, Aamir MUFTIe Elle SHOHAT, 1997; e WEST, 1997.

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    Discrdia e concrdiaDiscrdia e concrdiaDiscrdia e concrdiaDiscrdia e concrdiaDiscrdia e concrdia

    A teoria feminista e a teoria ps-colonial se ocupamde temas semelhantes de representao, voz, marginalidadee da relao entre poltica e literatura. Visto que os dois projetos

    empregam perspectivas multidisciplinares, ambos estoatentos, pelo menos em princpio, ao contexto histrico e scoordenadas geopolticas do tema em discusso. Se h pon-tos de harmonia e coincidncia bvios entre as duas proje-es, tenso e divergncia, entretanto, no so menos eviden-tes. Os estudos feministas e os estudos ps-coloniais s vezesse encontram em uma relao mutuamente investigativa einterativa entre si, especialmente quando se tornam muitoespecficos, por exemplo, quando as perspectivas feministasfecham os olhos a assuntos pertencentes ao colonialismo e diviso internacional do trabalho e quando os estudos ps-coloniais ignoram a questo do gnero em sua anlise. Deum lado, ento, as feministas por vezes reclamam que asanlises de textos coloniais e ps-coloniais no consideramquestes de gnero, omitindo-as para dar ateno a questessupostamente mais importantes, tais como a construo doimprio, a descolonizao e a luta pela libertao (no contex-to colonial), e a construo da nao (no contexto ps-colo-nial). McClintock nota que homens nacionalistas normal-mente argumentam que o colonialismo ou o capitalismo foi aruna das mulheres, sendo o patriarcado apenas um desagra-

    dvel primo distante condenado a desaparecer quando overdadeiro vilo se extinguir.16 Em lugar nenhum, elaobserva com pesar, se permitiu que o feminismo por si fossemais do que a criada do nacionalismo.17bell hooks tambmreclama que,

    para os crticos contemporneos, condenar o imperia-lismo do colonizador branco sem examinar o patriarca-do uma estratgia que busca atenuar os modos parti-culares como o gnero determina as formas especficasque a opresso pode tomar dentro de um grupo

    especfico.18

    De outro lado, os ps-colonialistas podem questionaro feminismo (ocidental) predominante, apontando o seufracasso ou incapacidade de incorporar questes raciais,ou a sua tendncia a estereotipar ou generalizar em excessoa questo da mulher do Terceiro Mundo. Em 1984, hookslamentava o fato de que as mulheres brancas que dominamo discurso feminista atual raramente questionam se suaperspectiva sobre a realidade das mulheres corresponde ouno s experincias vividas das mulheres como um grupo

    coletivo.19No feminismo ps-colonialista, de outro lado isto, o feminismo congruente com perspectivas ps-coloniais

    17Ver tambm Kirsten PETERSON,1984.

    16 McCLINTOCK, 1995, p. 386.

    18bell HOOKS, 1994, p. 203.

    19HOOKS, 1984, p. 3.

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    FEMINISMO E/NO PS-COLONIALISMO

    amplas, simultaneamente ps-coloniais e femi-nistas emsua natureza e comprometimento a nfase tende a sercolocada sobre o conluio do patriarcado e do colonialismo.

    Existem, assim, tenses entre feminismo e ps-colonia-lismo, e entre os feminismos ocidental e ps-colonial. (Na

    teoria feminista ps-colonial, existem inclusive suspeitas deracismo relativo e colorismo entre mulheres de cor.) Asimplicaes dessas tenses so muitas. Uma posio feministadentro dops-colonialismo deve enfrentar o dilema de pare-cer divisionista enquanto os projetos de descolonizao e deconstruo da nao ainda estiverem em curso. Fora dosestudos ps-coloniais, no mbito mais amplo do feminismopredominante, as perspectivas ps-coloniais que enfocam araa e a etnicidade podem ser percebidas como foras quefragmentam a aliana feminista mundial. Diferenas entre

    tericas feministas ps-coloniais vm, respectivamente, tona medida que a categoria das mulheres de cor se esfacelacom a poltica da localizao, o conflito entre comunidadesminoritrias no Primeiro Mundo, as mulheres em comunidadesdiaspricas e as mulheres no Terceiro Mundo. Tericas quediscutem gnero e raa esto por vezes suscetveis crticainterna e externa por se referirem insuficientemente classecomo um fator crucial nas relaes entre pessoas, seja norelacionamento entre homens e mulheres, entre Norte e Sul, ouno interior de grupos que se bifurcaram no por gnero ouraa, mas por situao econmica. O feminismo ps-colonialtoca em muitas dessas questes, sendo, assim, um campodiscursivo dinmico. Ele questiona as premissas do ps-colonialismo, bem como as do feminismo, complementando-os com suas prprias preocupaes e perspectivas, tornando-se ao mesmo tempo seu objeto de crtica e reviso. A crticainterna nessa rea no menos evidente, com umquestionamento consistente da tokenizao e da usurpaoda perspectiva subalterna. Caracterizado pelo debate, pelodilogo e pela diversidade, o feminismo ps-colonialconsistentemente convida investigao fundamentada e

    instrutiva de suas principais premissas, mtodos e tenses.

    Conceitos-chaveConceitos-chaveConceitos-chaveConceitos-chaveConceitos-chave

    O feminismo ps-colonial muitas vezes entendidocomo uma construo acadmica intrinsecamente ligada ascenso dos estudos literrios ps-coloniais na academiaocidental. Um levantamento dos principais interesses tem-ticos e dos conceitos-chave da rea a qual poderamos cha-mar de estudos feministas ps-coloniais claramente indicasua identidade relacional, sugerindo que ela existe comouma configurao discursiva em dilogo com construesacadmicas predominantes do Primeiro Mundo, mesmo

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    quando em tenso com essas. Esse relacionamento dialgicoe interativo nos obriga a fazer perguntas como: Quem falapelo (ou na voz do) feminismo ps-colonial? Quem ouve e porqu? Qual o contedo do feminismo ps-colonial? Quandoe onde o feminismo ps-colonial se realiza? Finalmente, quais

    sero os rumos da interveno feminista dentro dos estudosliterrios ps-coloniais? A identidade relacional da rea esua evoluo no contexto da globalizao tambm nos levama reformular a questo mais ampla do letramento crtico sobo ponto de vista da transnacionalidade e da transculturali-dade. Letramento transnacional, como explica Spivak, uma conscincia da posio poltica, econmica e culturaldos vrios lugares de origem nacional na financeirizao domundo.20No necessrio, por exemplo, que os imigrantesnos Estados Unidos considerem sua nacionalidade apenas

    em termos de sua posio como minorias; como americanos,podem tentar influenciar as polticas americanas queinterferem negativamente no destino de seus pases deorigem.21De modo parecido, um estudo da situao dasmulheres em locais especficos pode ter ramificaes edeterminaes mundiais ou internacionais; no se precisamais presumir que as questes esto nitidamente delimitadaspor fronteiras nacionais. Embora uma abordagem dasmulheres na globalidade seja uma imensa rea de estudo,como Spivak observa em outra ocasio, uma perspectivamundial comparativa e comprometida pode nos ajudar,gradualmente, a entender como nossas mltiplas identidadesfuncionam em diferentes situaes.22

    As principais categorias conceituais suscitadas poressas questes refletem-se na discusso a seguir. Representa-o, mulher do Primeiro Mundo, essencialismo eidentidade so construes conceituais-chave para muitosdos debates e das discusses que surgem nas perspectivasfeministas dentro dos estudos literrios ps-coloniais. A discus-so desses conceitos na obra de vrias pensadoras revela oesforo dos estudos feministas ps-coloniais para estabele-

    cerem a identidade como relacional e histrica em vez deessencial ou fixa, enquanto mantm o gnero como umacategoria significativa de anlise. Por exemplo, Alexander eMohanty energicamente observam em sua introduo a

    Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures(Genealogias feministas, legados coloniais, futuros demo-crticos): Ns duas nos mudamos para os Estados Unidos da

    Amrica do Norte h mais de quinze anos... No nascemosmulheres de cor, mas nos tornamos mulheres de cor aqui.23

    Debates sobre os modos como a identidade produzida no

    mbito de contextos especficos e o funcionamento dasrelaes de poder entre diversos grupos fundamentam adiscusso de uma srie de conceitos descritos a seguir.

    20 SPIVAK, 1996, p. 295.

    21SPIVAK, 1996, p. 295.

    22SPIVAK, 1995, p. 12.

    23 Jacqui ALEXANDER e ChadraMOHANTY, 1997, p. xiv.

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    FEMINISMO E/NO PS-COLONIALISMO

    RepresentaoRepresentaoRepresentaoRepresentaoRepresentao

    Representao um termo com mltiplas e, s vezes,confusas conotaes. Significando presena bem como re-produo, semelhana, a formao de uma ideia na mente

    ou mesmo a presena por representao no sentido polticode um falar por, o termo est no centro de muitos debatesda teoria ps-colonial e/ou feminista. As mltiplas ressonn-cias do termo representao so habilmente sintetizadas ediscutidas por Ella Shohat em seu ensaio The Struggle overRepresentation: Casting, Coalitions, and the Politics ofIdentification (A luta pela representao: fuso, coalizes ea poltica da identificao): O que todas essas ocorrnciastm em comum o princpio semitico de que algo est pas-sando por outra coisa, ou que uma pessoa ou grupo estfalando em nome de outras pessoas ou grupos.24Entenderas vrias nuanas do termo pode nos ajudar a compreendermelhor os usos que se fazem dele em posies argumentativasespecficas adotadas pelos crticos. Spivak sugere que hduas maneiras principais de representar: a primeira, Vertreten, colocar-se no lugar de algum... O seu congressista, sefalarmos no caso dos Estados Unidos, na verdade se colocano seu lugar quando ele ou ela lhe representa.25Vertretungtem, assim, uma conotao mais prxima representaopoltica. Outra forma de representar, sugere Spivak, Darstellung.Segundo sua explicao, Dar, ali, mesmo cog-nato. Stellen

    colocar, logo colocar ali. A representao ento feita deduas formas: por procurao ou por descrio.26A relaoentre essas duas formas de representao, como veremosadiante, motivo de grande discusso em debates ps-coloniais.

    reas como os estudos das mulheres e os estudos ps-coloniais surgiram em parte como resposta ausncia ou indisponibilidade de perspectivas sobre as mulheres, as mino-rias raciais e as culturas ou comunidades marginalizadasem relatos histricos ou anais literrios. Essa falta de repre-

    sentao semelhante nas esferas poltica, econmica elegal. Aqueles/as outros/as no discurso dominante no tmvoz ou dizer em suas representaes; esto fadados/as, pelosque comandam a autoridade e os meios de falar, a teremquem fale por eles/as. Quando as minorias e outros so re-presentados, como argumenta Said em Orientalismo, a repre-sentao pode efetivamente existir em vez de estar em situaode correspondncia coisa real. Assim, afirma Said,

    Em qualquer caso, ao menos da lngua escrita, noexiste algo como uma presena transferida, mas uma

    re-presena ou uma representao. O valor, a eficcia,a fora, a veracidade aparente de uma afirmaoescrita sobre o Oriente, portanto, baseiam-se muito

    24

    Ella SHOHAT, 1995, p. 166.

    25SPIVAK, 1990, p. 108.

    26SPIVAK, 1990, p. 108.

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    pouco no Oriente em si, e no podem dele dependerinstrumentalmente. Ao contrrio, a afirmao escrita uma presena para o leitor em virtude de ter sidoexcluda, deslocada, tornada desnecessria qualquercoisa real como o Oriente.27

    A obra de Said demonstra que possvel gerar umrelato em grande medida fictcio, sem referncia ou compa-tibilidade significativa com algo real, para criar a ideia deum lugar e de um povo na mente dos leitores. Alm disso,provou ser possvel, historicamente, formular polticas base-adas nessas representaes, as quais interferem nas vidasde pessoas reais de maneira extremamente significativa. Umahistria semelhante caracteriza a posio das mulheres emsistemas patriarcais. O clebre nexo foucaultiano entreconhecimento e poder torna-se claro nas arenas tanto das

    relaes coloniais como das relaes de gnero.Aqueles que tm o poder de representar e descreveros outros claramente controlam como esses outros sero vistos.O poder de representao como uma ferramenta ideolgicatradicionalmente faz dele um espao disputado. A narradoradeZenzele, romance epistolar de J. Nozipo Maraire, lembrasua filha de que, at os lees aprenderem a ler, os contos decaa sempre glorificaro o caador.28Desde que as feminis-tas iniciaram suas intervenes, as perspectivas e as histriasdas mulheres comearam a encontrar voz, embora algumastericas, como Ketu Katrak,29questionassem se j encontramosum modelo apropriado para o estudo da escrita das mulheres.O desenvolvimento de modos crticos de leitura to importan-te quanto o uso da escrita para representar as mulheres. Aoler Jane Eyre de Charlotte Bront, Spivak faz a necessriaobservao de que falar pelas mulheres nem sempre implicafalar pelas marginalizadas ou pelas silenciadas em geral.Seu famoso ensaio Three Womens Texts and a Critique ofImperialism (Textos de trs mulheres e uma crtica doimperialismo) demonstra que o projeto de Bront de instalarum sujeito ideal feminista na figura de Jane Eyre passa

    necessariamente pela demonizao de Bertha, a noiva deRochester, abjeta, louca, crioula, que funciona como a outraobediente.30Mesmo no projeto feminista, ento, no hgarantia de que a perspectiva da mulher do Terceiro Mundoser representada ou respeitada. H inclusive o risco de queo mecanismo da outremizao que caracteriza o discursocolonial hegemnico se torne instrumental no projeto deproduo do eu feminista individual e individualista contraseu outro. Colocar a questo do sujeito quando se adiauma teoria do gnero, observa McClintock ironicamente,

    supe que a prpria subjetividade seja neutra no que serefere ao gnero.31Do mesmo modo, pode-se perguntar se possvel abordar a questo da subjetividade feminista no

    27Edward SAID, 1978, p. 21.

    31McCLINTOCK, 1995, p. 363.

    30SPIVAK, 1985b.

    29Ketu KATRAK, 1989.

    28 Jacqueline Nozipo MARAIRE,1996, p. 78-79. Ver tambmAbena BUSIA, 1989.

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    FEMINISMO E/NO PS-COLONIALISMO

    romance colonial da mulher escritora sem tocar na questoda raa.

    importante que as questes de raa e delocalizao sejam consideradas ao lado da questo dognero. Ao responder pergunta por que devemos nos

    preocupar com a questo das mulheres do Terceiro Mundo?Afinal, apenas um problema entre tantos outros, Trinh T.Minh-ha diz o seguinte: elimine a expresso Terceiro Mundoe a frase imediatamente revela seus clichs carregados devalor.32 Se importante ser sensvel ao sexismo nasrepresentaes literrias e em outras representaes, tambm incumbncia da crtica manter-se atenta aoracismo.

    Discusses tericas e curriculares na academiaocidental aclamam a escrita das mulheres ps-coloniais

    como uma reao salutar aos problemas observadosanteriormente. A resultante expanso do cnone tradicionalpermite que os/as leitores/as explorem temas ps-coloniaisatravs dos contextos especficos das vidas das mulheres doTerceiro Mundo. Compilaes comoInterventions: Feminist

    Dialogues on Third World Womens Literature and Film(Intervenes: dilogos feministas sobre a literatura e ocinema das mulheres do Terceiro Mundo) expuseram leitores/as a representaes literrias e flmicas de mulheres e feitaspor mulheres.33O alerta incisivo de Said, contudo, questionaa iniciativa da representao, seja ela feita pelos outros oupor si mesmo. Em primeiro lugar, uma representaoespecfica pode ser confundida como representativa de umacultura inteira. Em sua leitura de Things Fall Apartde Chinua

    Achebe, por exemplo, Florence Stratton faz o seguintecomentrio: enquanto as mulheres so excludas do domniomasculino do poder da comunidade, permitido que oshomens se intrometam no domnio domstico. Alis, seOkonkwo representativo, a intruso muitas vezesviolenta.34A complacncia de Stratton em considerarOkonkwo como representativo da cultura Igbo no incomum

    para muitos/as leitores/as de fico do Terceiro Mundo. Almdisso, representaes estticas na literatura podem serreduzidas sociologia informal, uma vez que o contextoliterrio omitido pela posio poltica do texto comorepresentao das mulheres do Terceiro Mundo. Na leituraanterior, Stratton acaba generalizando sobre a dinmica dopoder de gnero na cultura Ibgo ao ler Okonkwo comorepresentativo, ao mesmo tempo que sugere querepresentaes literrias de uma sociedade no precisamser diferenciadas dos estudos sociolgicos com tanta cautela.

    Por fim, possvel tomar representaes disponveis literrias,polticas ou tericas como se tivessem respondido necessidade de representar os subalternos. A afirmao de

    32Trinh T. MINH-HA, 1987, p. 17.

    33 Bishnupriya GHOSH e BrindaBOSE, 1997.

    34STRATTON, 1994, p. 27.

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    FEMINISMO E/NO PS-COLONIALISMO

    EssencialismoEssencialismoEssencialismoEssencialismoEssencialismo

    Uma acusao explcita da prtica do essencialismoparece evidente na descrio de Pnina Werbner:

    essencializar atribuir a uma pessoa, categoria social,

    grupo tnico, comunidade religiosa ou nao umaqualidade constitutiva fundamental, bsica e absolu-tamente necessria. colocar uma falsa continuidadeatemporal, uma distino ou delimitao no espao,ou uma unidade orgnica. sugerir uma uniformidadeinterna e uma diferena externa ou alteridade.40

    Werbner acrescenta:

    tentativas de evitar a essencializao das coletividadessociais que estudamos leva... a uma srie de dilemas.Se nomear re-apresentar, sugerir uma continuidade

    e uma uniformidade no tempo e no espao, entotodas as denominaes e classificaes so essencia-listas, e todas as construes discursivas das coletivi-dades sociais sejam de comunidade, de classe, denao, raa ou gnero so essencializantes.41

    O estudo de qualquer coletividade identitria deveenfrentar o problema do essencialismo, primeiro no sentidode como ele funcionava ou continua a funcionar nadescrio, feita pelos outros, de determinada coletividadee, subsequentemente, no sentido de como essa categoria

    costumava descrever, diferenciar e sustentar a coletividadeem questo.

    Dada a importncia da identidade e da cultura tantonos estudos ps-coloniais como nos estudos feministas, nosurpreende que as discusses sobre o essencialismo sesobressaiam nessas reas. As prticas coloniais deorientalismo ou exotismo se apoiam em uma srie deessencialismos que podem persistir na fase ps-colonial eneocolonial atravs das categorizaes coletivistas quecriam guetos e causam divises. Ao criticar a categoria de

    literatura de comunidade (commonwealth literature), porexemplo, Salman Rushdie descreve o essencialismo comoo filho respeitvel do antiquado exotismo. Ele exige que asfontes, formas, estilo, linguagem e smbolo derivem todos deuma tradio supostamente homognea e ininterrupta. Ouento....42O conceito essencializado marcado pelasexpectativas de estabilidade estereotipada e deinvariabilidade. A reduo das diferenas nesse tipo decategorizao incmoda para muitos escritores relutantesa serem lidos e entendidos apenas atravs das lentesexclusivas e limitadas sugeridas pela terminologiaessencialista. Spivak observa que a tokenizao, que despao para os indivduos falarem porque se acredita que

    40Pina WERBNER, 1997, p. 228.

    41WERBNER, 1997, p. 228-229.

    42Salman RUSHDIE, 1995, p. 67.

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    DEEPIKA BAHRI

    representam determinada categoria essencial,acompanha a guetizao e, assim, quando voc percebido como um token, voc tambm de certa formasilenciado.43

    Segundo elabora Diana Fuss, essencialismo

    normalmente entendido como uma crena naverdadeira essncia real das coisas, as propriedadesfixas e invariveis que definem o o que de umadeterminada entidade... Sobretudo, o essencialismo tipicamente definido em oposio diferena... Aoposio til no sentido de que ela nos faz lembrarque um sistema complexo de diferenas culturais,sociais, psquicas e histricas, e no um conjunto deessncias humanas preexistentes, posiciona e constituio sujeito. Contudo, a articulao binria deessencialismo e diferena pode tambm ser restritiva,

    at mesmo ofuscante, no sentido de que nos permiteignorar ou negar as diferenas dentro do essencialismo.44

    A considerao deta lhada de Fuss sobre oessencialismo como sendo marcado pela diferena nospermite entender que a diferena e o essencialismo podemfuncionar como dois lados da mesma moeda. A estratgiado essencialismo pode ser usada para estereotipar ecaracterizar indivduos ou grupos com uma infinidade demotivaes e consequncias. Esteretipos essencialistaspodem ser e tm sido usados para inferiorizar e privar de

    direitos, criar hierarquias raciais e explorar. Em seu estudo daescrita europeia de viagem e explorao, por exemplo, MaryLouise Pratt assinala a categorizao comparativa ehierrquica das variedades de Homo sapiens na histrianatural antiga; descries essencialistas, do tipo asiticocomo sujo, melanclico, severo... governado por opinies edo africano como negro, fleumtico, descontrado...governado pelo capricho, contrastam com a descriosupostamente cientfica do europeu como gentil, perspicaz,criativo... governado por leis para naturalizar o mito da

    superioridade europia.45Ao mesmo tempo, a tipologiaessencialista tambm usada para justificar agendas demelhoria e desenvolvimento, ou mesmo para compensar asinjustias histricas perpetradas a indivduos ou grupos. Talvezseja til lembrar que o essencialismo, de um tipo ou de outro,pode ser inevitvel. De fato, a categorizao identitria dequalquer tipo exige aceitao da tipologia essencialista,mesmo que o prprio grupo lute contra ela.

    possvel evitar as armadilhas do determinismo hist-rico ou da imutabilidade estereotipada mesmo ao usar o

    essencialismo de forma prudente e conscienciosa. Spivakchama o uso ttico e intencional da tipologia essencialistade essencialismo estratgico: um uso estratgico do essen-

    43SPIVAK, 1990, p. 61.

    44Diana FUSS, 1990, p. xi-xii.

    45

    Mary Louise PRATT, 1992, p. 33.

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    FEMINISMO E/NO PS-COLONIALISMO

    cialismo positivista com um interesse poltico escrupulosa-mente manifesto.46 Embora no seja desejvel aceitarqualquer noo positivista ou determinista de identidade,ainda assim Spivak permite seu uso eventual em um contextoespecfico e bem definido para o trabalho a ser realizado.

    Durante uma disputa com objetivos direcionados eespecficos, fica, assim, justificado postular uma identidadede grupo com traos comuns a fim de favorecer seus interessesao mesmo tempo que se continua a debater e contestar ahegemonia da identidade essencial. Nesse contexto, LisaLowe identifica positivamente o trabalho do grupo dosestudos subalternos, o qual

    sugere que possvel postular significantes especficoscomo indianidade, com o propsito de interromperdiscursos que excluem os indianos na qualidade de

    Outro, ao mesmo tempo revelando os deslizes econtradies internos da indianidade, de maneira agarantir que o significante indianidade no sejareapropriado pelo prprio esforo de criticar seu uso.47

    A formao de reas como os estudos afro-americanose os estudos das mulheres poderia ser considerada umexemplo de essencialismo estratgico para contrapor oequvoco ou o descuido da academia predominante.

    As feministas ps-coloniais, no entanto, protestamquando estratgias essencialistas usadas por grupos identi-

    trios acabam naturalizando essas categorias essenciais ouquando tais estratgias so empregadas para descrever umgrupo como uma totalidade indiferenciada. H alguns anos,o livroAbout Chinese Women (Sobre as chinesas), de JuliaKristeva, gerou grande controvrsia e debate, pois algumasautoras consideraram problemtica a sua caracterizaoessencialista das chinesas. Em seu estudo dos escritos deKristeva, Kelly Oliver descreveAbout Chinese Womencomoum texto muito questionvel e s vezes ofensivo.48Spivakrepreende Kristeva pelas generalizaes as mais estupendassobre a escrita chinesa e sua tendncia em autorizar... adefinio do essencialmente feminino e do essencialmentemasculino como no-lgico e lgico.49Rey Chow argumentaque, para Kristeva,

    a China existe como um espao outro, feminizadopara o Ocidente, um espao onde o utopismo e oerotismo entram em cena para vrios fins de crtica.O livro de Kristeva sobre as mulheres chinesas nos mostracomo a sedutora ttica de feminizar outra cultura natentativa de criticar o discurso ocidental na verdaderepete os mecanismos desse discurso e, portanto, no

    serve como alternativa a ele.50

    46SPIVAK, 1996, p. 214.

    47Lisa LOWE, 1991, p. 198.

    48Kelly OLIVER, 1993, p. 7.

    49SPIVAK, 1988c, p. 138.

    50Rey CHOW, 1991, p. 32.

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    Em outro lugar, Chow observa a estratgia de Kristevade reverenci-las [as nativas] como objetos silenciosos e acompara a outros envolvimentos europeus com o Orientecomo tema que torna esse outro um espetculo comple-tamente compreensvel, assustador e fascinante.51 Em uma

    leitura matizada que reconhece em Kristeva o uso deessencialismos orientalistas, Lisa Lowe insiste, entretanto, quea principal maneira na qual a China de Kristeva diferedos textos orientalistas dos sculos dezoito e dezenove nofato de que seus diversos usos de tropos orientalistaspretendem representar ruptura com a ideologia colonia-lista.52 As discusses em torno da representao daschinesas feita por Kristeva indicam as dificuldades do falarsobre qualquer grupo de maneira geral, mesmo que sejapara identificar a inescrutabilidade desse grupo. Falar

    atravs da diferena um desafio para o qual todo crticodeve estar atento, no importa onde esteja localizado.53

    Preocupaes sobre a representao das pessoascomo membros de grupos se intensificam no mbito da diver-sidade cultural no seio da academia do Primeiro Mundo.Rey Chow admite que o desejo de acomodar a diferena louvvel, mas tambm alerta que esse desejo pode tomar aforma de produo em massa de imagens de alteridade,reduzindo assim a complexidade do outro. A categoria damulher do Terceiro Mundo uma dessas representaesda outra que s vezes camufla o fato de que umaconstruo motivada pelo desejo de alteridade, e no algoque exista naturalmente.54

    Em resposta construo redutiva da categoria demulher do Terceiro Mundo discutida em detalhe a seguir , Sara Suleri notoriamente pronuncia em Meatless Days (Diassem carne), sua autobiografia ficcional, a seguintedeclarao: No h mulheres no terceiro mundo.55 Ascategorias de gnero e raa derivam em parte da biologia emuito mais de construes culturais e sociais. Suleri recusa anaturalizao dessas categorias pelos discursos hegemnicos

    ao expor rigorosamente que noes como mulher e mulherdo Terceiro Mundo so discursivamente construdas. Taiscategorias podem ser identificadas com certos atributosestereotipados que dificultam uma investigao sistemticamais acurada. Suleri se refere a esse processo com desprezoquando diz que a teoria crtica contempornea nomeia ooutro para que no seja necessrio conhec-lo melhor.56

    Uma vez que a teoria crtica se ocupa de examinar aspremissas, os conceitos e as categorias usadas nas vriasdisciplinas, motivo de certa preocupao para Suleri que

    essa teoria no produza tipos estereotipados de alteridade.Incomodada com a cobrana implcita de que funcionecomo uma mquina de alteridade, em Meatless Days a

    51CHOW, 1993, p 33.

    52LOWE, 1993, p. 150.

    53Mary JOHN, 1996.

    55SURELI, 1989, p. 20.

    56SURELI, 1992a, p. 13.

    54CHOW, 1993, p 69.

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    FEMINISMO E/NO PS-COLONIALISMO

    autora mostra atentamente como as categorias de mulhere de mulher do Terceiro Mundo so to construdas quantoum texto ou uma histria. Ao fazer isso, Suleri est desvendandoum texto prvio que poderia ser entendido como uma carac-terizao estereotipada das mulheres do Terceiro Mundo. Ao

    mesmo tempo que considera a identidade biolgica dasmulheres uma grande piada... escondida em algum lugarentre as nossas roupas, ela insiste no fato de que as mulheresvivem na linguagem assim como com as outras pessoas.57

    No existe, portanto, um autntico ser feminino do TerceiroMundo que fica (note-se o trocadilho)58 espera de desvela-mento; h apenas o que reside nos jogos de linguagem, nasarmadilhas e nos regimes discursivos do mundo social.

    Mulher do TMulher do TMulher do TMulher do TMulher do Terceiro Mundoerceiro Mundoerceiro Mundoerceiro Mundoerceiro Mundo

    O deslizamento entre os termos ps-colonial eTerceiro Mundo to comum que praticamente passa des-percebido. Em ao menos alguns casos, o ps-colonial simplesmente uma forma educada de dizer no-branco, no-europeu, ou talvez no-europeu-mas-dentro-da-Europa,como o coloca Aijaz Ahmad de maneira direta.59Mesmo quese aceite o termo ps-colonial como referncia a sociedadese Estados que um dia foram colonizados, seu uso para pasescomo Irlanda ou Austrlia sempre visto mais como umaescolha discutvel do que evidente nos estudos ps-coloniais.

    Antes disso, o termo mais usado para sociedades e Estadosconsiderados do Terceiro Mundo. As implicaes dessedeslizamento no reconhecido so numerosas e amplasdemais para serem discutidas aqui, mas vale observar que otermo feminismo ps-colonial muitas vezes usado alterna-damente com feminismo do Terceiro Mundo. Essa sobreposi-o significativa porque assinala o relacionamento peculiarde ambas as formulaes, ps-colonial e Terceiro Mundo,com o PrimeiroMundo. Envolto em sugestes de falta,subdesenvolvimento e diferena, o Terceiro Mundo, em

    virtude da nomenclatura se no outra coisa, est em umarelao claramente hierrquica com o Ocidente. KumkumSangari argumenta que o termo Terceiro Mundo no designaapenas reas geogrficas especficas, mas tambm espaosimaginrios. De acordo com Sangari, um termo que significae ao mesmo tempo confunde o funcionamento de umageografia econmica, poltica e imaginria capaz de unirreas amplas e amplamente diferenciadas do mundo emum nico espao subdesenvolvido.60As formulaes de

    Ahmad e Sangari podem sugerir a dubiedade (ou mesmo anulidade) do termo, mas as objees desses e de outros/astericos/as, porm, no impediram o seu uso em discussesacadmicas. A categoria no sem valor para muitos crticos,

    57SURELI, 1989, p. 1.

    58Nota do Tradutor: em seu jogode palavras com o verbo to lie,aautora evoca o sentido dedeitar. H tambm apossibilidade do sentido dementir.

    59Aijaz AHMAD, 1995, p. 30.

    60 Kumkum SANGARI, 1990, p.217.

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    que ainda assim insistem que ela deve ser usada comcuidado.

    O que acontece, pergunta Chandra TalpadeMohanty, quando o pressuposto das mulheres como grupooprimido se situa no contexto da escrita feminista ocidental

    sobre as Mulheres do Terceiro Mundo?.61A resposta umaacusao assustadora: as prprias feministas ocidentais setornam os sujeitos dessa contra-histria. As mulheres doterceiro mundo, de outro lado, jamais superam a genera-lizao debilitante de sua posio de objeto.62O artigo doqual essa citao foi extrada, Under Western Eyes: FeministScholarship and Colonial Discourses (Sob o olhar ocidental:o saber feminista e os discursos coloniais), publicadooriginalmente em 1982, frequentemente reconhecido comoum desafio ps-colonial significativo para o feminismo

    ocidental predominante. O texto de Mohanty tambm ficouconhecido por desafiar vises tradicionais do Terceiro Mundorestrito a reas geogrficas previsveis, tais como as naescolonizadas no passado. Ela aponta estruturas que situamas mulheres em um relacionamento de explorao em relaoao sistema estatal e econmico tambm no Primeiro Mundo.Em sua formulao, o termo Terceiro Mundo deveria esten-der-se, incluindo as mulheres oprimidas e exploradas dentrodo que entendemos monoliticamente como Primeiro Mundo.63

    O contedo do texto de Mohanty identifica caractersticas-chave em textos antropolgicos feministas ocidentais quetentam explicar as vidas das mulheres do Terceiro Mundo.Mohanty acusa as feministas ocidentais de homogeneizar esistematizar as mulheres do Terceiro Mundo, criando um retratocomposto e singular. O problema no est no uso da termino-logia fundamentada no critrio geogrfico, mas no colapsoda diferena na base dessa terminologia. Obviamente, noh nada de errado em descrever as mulheres do continenteda frica como mulheres africanas ou mulheres da frica.Contudo, quando as mulheres da frica se tornam umacategoria sociolgica homognea, caracterizada por

    dependncias ou impotncias em comum (ou mesmo foras),que os problemas surgem dizemos muito pouco e demaisao mesmo tempo.64 Dito em linhas gerais, em um contextoglobal as mulheres do Terceiro Mundo so normalmentevistas como um grupo indiferenciado, simplificado pelaheterogeneidade que caracteriza a sua contraparteconceitual (as mulheres do Primeiro Mundo). A opresso assim vista como uma reserva do Terceiro Mundo, e asmulheres do Terceiro Mundo se reduzem a objetos deconsumo para um mundo desenvolvido que pode reafirmar

    implcita e complacentemente a sua superioridade emrelao ao restante como padro ou referncia.65

    61 MOHANTY, 1991, p. 71, grifosda autora.

    62MOHANTY, 1991, p. 71.

    63Ver tambm Cheryl JOHNSON-ODIM, 1991.

    64MOHANTY, 1991, p. 59.

    65MOHANTY, 1991, p. 56.

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    FEMINISMO E/NO PS-COLONIALISMO

    Comparando os movimentos discursivos nessasanlises ao projeto colonialista, Mohanty argumenta que na produo desta diferena de terceiro mundo que osfeminismos ocidentais se apropriam e colonizam ascomplexidades e conflitos que caracterizam as vidas das

    mulheres de diferentes classes, religies, culturas, raas ecastas nesses pases.66Ela afirma que a representao damulher do terceiro mundo como sujeito monoltico singularna teoria feminista ocidental desempenha uma colonizaodiscursiva:

    no contexto da hegemonia do sistema acadmicoocidental na produo e na disseminao de textos, eno contexto do imperativo legitimador do discursocientfico e humanista, possvel que a definio damulher do terceiro mundo como monlito se

    incorpore prxis cultural e econmica mais amplada pesquisa e do pluralismo cientficos desinteressadosque so as manifestaes superficiais de umacolonizao econmica e cultural do mundo noocidental.67

    Se o feminismo ocidental reproduz o imperialismo aoler textos coloniais e ps-coloniais, a pesquisa sobre a situaodas mulheres do Terceiro Mundo tambm pode s vezesreproduzir pressupostos imperialistas quanto suainferioridade, atravs da produo da imagem da mulherpadro do terceiro mundo, que leva uma vida essencial-mente incompleta com base no seu gnero feminino (leia-se:reprimida sexualmente) e sendo ela do terceiro mundo (leia-se: ignorante, pobre, inculta, tradicional, domstica, orientadapara a famlia, vitimizada, etc.).68Implcita nessas represen-taes das mulheres do Terceiro Mundo como categoriacoletiva est a auto-representao das mulheres ocidentaiscomo educadas, modernas, como detentoras do controlesobre seus corpos e sua sexualidade, e da liberdade detomarem suas prprias decises.69

    Insistindo na heterogeneidade das vidas das mulheres

    do Terceiro Mundo, Mohanty defende uma anlise inter-relacional que no restrinja a definio do sujeito femininoao gnero e que no ignore as coordenadas sociais, declasse e de etnia das analisadas. Mohanty no a nica emdemandar um entendimento mais sutil da situao dasmulheres de fato, de todasas mulheres do Terceiro Mundo.

    A escritora egpcia Nawal El Saadawi j havia argumentadoque a opresso das mulheres, a explorao e as pressessociais a que elas esto expostas no so caractersticasapenas das sociedades rabes ou do Oriente Mdio, ou dos

    pases do Terceiro Mundo.70 Antes disso, uma teoriauniversalista da opresso das mulheres deveria levar emconta que tais opresses

    68MOHANTY, 1991, p. 56.

    66MOHANTY, 1991, p. 54.

    67MOHANTY, 1991, p. 51.

    69MOHANTY, 1991, p. 56.

    70Nawal El SAADAWI, 1980, p. i.

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    constituem parte integrante do sistema poltico,econmico e cultural, preponderante na maior partedo mundo seja esse sistema retrgrado e feudal ouuma sociedade industrial moderna que tenha sesubmetido profunda influncia de uma revoluocientfica e tecnolgica.71

    Saadawi relaciona a opresso das mulheres aosistema global capitalista e alerta que, sob o capitalismoem expanso e a subsequente globalizao,

    no somente cresce o nmero de mulherestrabalhadoras como tambm elas enfrentam todauma srie de novos problemas resultantes dasmudanas sociais s quais esto expostas. Elas soprivadas do apoio, da assistncia e de numerosasfunes anteriormente concedidas pelo sistema defamlia extensa.72

    Saadawi est respondendo no apenas caracte-rizao das mulheres do Terceiro Mundo como grupo mono-ltico de vtimas, mas tambm fetichizao especfica dasmulheres rabes mulumanas, para as quais o vu servecomo um smbolo sobressaturado de opresso. Mesmo decla-rando que contrria circunciso feminina e outras prti-cas retrgradas e cruis, Saadawi ope-se a todas as tentati-vas de lidar com esses problemas de forma isolada, ou deromper seus elos com as presses econmicas e sociais em

    geral s quais as mulheres esto expostas em todo lugar.73

    Ela conclui que apenas as mulheres rabes podem formulara teoria, as idias e as formas de enfrentamento necessriaspara libert-las de toda opresso.74Nesse contexto, podeser necessrio prestar ateno s maneiras pelas quais outrasmulheres do Terceiro Mundo resistem opresso; o volumeeditado por Haleh Ashfar, Women and Politics in the ThirdWorld(As mulheres e a poltica no Terceiro Mundo),75examinaa variedade de estratgias de resistncia usadas pormulheres na Amrica Latina, no Sudeste Asitico, na China eno Oriente Mdio.76

    Mulher do TMulher do TMulher do TMulher do TMulher do Terceiro Mundo no Ocidenteerceiro Mundo no Ocidenteerceiro Mundo no Ocidenteerceiro Mundo no Ocidenteerceiro Mundo no Ocidente

    Em The Rhetoric of English India (A retrica da ndiainglesa), Sara Suleri recusa a ansiosa conspirao entre asteorias ps-coloniais e feministas, nas quais cada termo servepara reificar o potencial piedosismo do outro.77A produode uma subjetividade marginal idealizada tem ocasionadomuita discusso crtica nos estudos ps-coloniais feministas.Em seu ensaio The Fascist Longings in our Midst (Os anseios

    fascistas em nosso meio), Rey Chow chega a comparar onovo desejo por nossos outros, que emerge na ps-colonialidade, aos sintomas afirmativos e projecionais do

    71SAADAWI, 1980, p. i.

    72SAADAWI, 1980, p. xii.

    73

    SAADAWI, 1980, p. xiv.

    74SAADAWI, 1980, p. xvi.

    75Haleh ASHFAR, 1996.

    76Ver tambm Amrita BASU, 1995;JAWAYARDENA, 1986; e RickWILFORD e Robert MILLER, 1998.

    77SURELI, 1992a, p. 274.

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    FEMINISMO E/NO PS-COLONIALISMO

    fascismo, que tambm se desenvolveu a partir de uma nsiapor uma imagem transparente e idealizada e uma submissoidentitria a essa imagem.78Em sua introduo editorial aum nmero especial do peridicoDiscourse, Trinh T. Minh-hafaz uma referncia irnica, no ttulo de seu ensaio, diferena

    como problema especfico de mulheres de Terceiro Mundo,chamando a ateno para o exotismo da alteridade e paraa participao das mulheres do Terceiro Mundo naproduo dessa alteridade. Ampliando as ressalvas de Sulerie de Chow, ela observa que

    ningum que seja desenraizado/a ser convidado/aa participar desse problema especfico de mulher/homem de Terceiro Mundo a no ser que ele/a tomeuma posioe se apresente com forte legitimidade.

    vida por no decepcionar, eu me esforo para

    oferecer a meus benfeitores e benfeitoras aquilo queeles mais desejam: a possibilidade da diferena;contudo, uma diferena ou uma alteridade que nochegar a questionar a base de seus seres e fazeres.79

    Em Woman Skin Deep: Feminism and the PostcolonialCondition (Superficialidade da mulher: o feminismo e acondio ps-colonial), Suleri critica as atitudes deintelectuais feministas do Terceiro Mundo na academiaocidental em resposta a um clima de receptividade emrelao a representaes da subjetividade marginal.80Em

    estranha contradio, as prprias tendncias que utilizamdefinies monolticas de mulher do Terceiro Mundo e,portanto, condenadas por sua impotncia tornam-se osmecanismos de produo de uma posio icnica epoliticamente intocvel de mulher do Terceiro Mundo. Essaposio fornece, ento, um espao de onde feministas doTerceiro Mundo podem falar, ironicamente com o mesmoprivilgio cuja ausncia se considera caracterstica dasituao das mulheres do Terceiro Mundo. Algumas feministasocidentais assumem o papel de mulheres do Terceiro Mundopara desarmar opinies contrrias, uma vez que criticaralgum do Terceiro Mundo poderia parecer umatransgresso da etiqueta do politicamente correto. A uniode ps-colonial e mulher, reitera Suleri, quase inevitavel-mente leva a ingenuidades subjacentes a celebraesimpensadas da opresso, elevando a voz racializadafeminina a uma metfora do bem.81Ao criticar o trabalhode Mohanty e Trinh, assim como o de bell hooks, Suleriargumenta que,

    em vez de estender a investigao a possibilidadesdiscursivas representadas pela interseco de gneroe raa, intelectuais feministas como hooks fazem mauuso de sua posio como vozes da minoria ao se

    78CHOW, 1995, p. 44-45.

    79MINH-HA, 1987, p. 22, grifos daautora.

    80SURELI, 1992b.

    81SURELI, 1992b, p. 758-759.

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    utilizarem de estratgias belicosas que nesse caso somais divisionistas do que informativas. Essas afirmaesde revisionismo radical refugiam-se na intocabilidadepoltica atribuda categoria de Mulher do TerceiroMundo, o que nesse processo macula o importanteconhecimento que a categoria ainda tem a oferecerao dilogo do feminismo hoje.82

    Ao identificar duas atitudes feministas a reivindica-o de legitimidade na base da origem nacional ou racial,e o recurso a narrativas ou relatos , Suleri desafia renomadastericas ps-coloniais e feministas minoritrias situadas noOcidente. Sobre Mohanty, ela diz que sua

    reivindicao de legitimidade somente um negropode falar pelo negro; somente uma feministasubcontinental ps-colonial pode representar

    adequadamente uma experincia vivida daquelacultura indica a grande dificuldade colocada pelalegitimidade das vozes raciais femininas no grande

    jogo que reivindica ser a primeira narrativa daquilo quese julga que a mulher etnicamente construda deseja.83

    Suleri condena a tica especiosa e insustentavelmenteliteral que subjaz a essa dicotomia [mulheres feministasocidentais do Terceiro Mundo].84

    De modo parecido, Suleri ataca hooks e Trinh pordefenderem que a narrativa pessoal o nico remdio para

    as graves escoriaes que a teoria feminista ocidental causouno corpo da etnia.85A apropriao manipuladora do con-ceito de experincia vivida para justificar o uso da narrativapessoal, contesta Suleri, , na melhor das hipteses, mistifica-dora e, na pior delas, perigosa por sua tendncia de tomar aexperincia subjetiva e tentar transform-la em uma espciede verdade objetiva: O realismo... um termo muito perigosopara uma linguagem que procura elevar a identidade categoria de teoria.86No mnimo, Suleri afirma, a experinciavivida, por meio desses usos, serve de forragem para acontinuao da epistemologia do outro, mesmo quando se

    registra em uma posio contestatria em sua relao como realismo e com a estrutura global da profisso.87

    Se a experincia vivida e o realismo devem ser ascategorias relevantes para a crtica feminista, sugere Suleri, necessrio verificar como o realismo situa a sua linguagemdentro da condio ps-colonial. Ela insiste que a experin-cia vivida no alcana sua articulao por meio da autobio-grafia, mas por meio daquela outra narrativa em terceirapessoa conhecida como lei.88No contexto institucional, otrabalho de Suleri extremamente significativo no sentido de

    que ela se dispe a manter a categoria de mulher do TerceiroMundo, mas deixa claro que tal categoria deve ser ativadaatravs de uma teoria feminista material-mente situada. Para

    84 SURELI, 1992b, p. 760.

    82SURELI, 1992b, p. 765.

    83 SURELI, 1992b, p. 760.

    85 SURELI, 1992b, p. 764.

    86 SURELI, 1992b, p. 762.

    87 SURELI, 1992b, p. 765.

    88 SURELI, 1992b, p. 776.

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    exemplificar o mbito do trabalho, ela prope a vida noPaquisto como um caso desse tipo de experincia vividaps-colonial.89 As leis paquistanesas, argumenta Suleri,pertencem mais ao discurso de um realismo petrificado doque qualquer uma das crticas feministas que citei at aqui.90

    A anlise dos discursos da lei e do Estado pode fornecer otexto para investigar a experincia vivida daquelas cujoscorpos so diretamente atingidos por esses discursos.Mencionando como exemplo as leis de Zina (adultrio) doPaquisto, Suleri apresenta o caso de uma mulher de quinzeanos, Jehan Mina, que, aps a morte do pai, foi estupradapelo marido e pelo filho de sua tia, sendo ento condenadapor fornicao e sentenciada a cem chibatadas em pblicopelo seu prprio depoimento.91

    Em vez de restringir essa anlise ao mbito local e

    provincial do Terceiro Mundo, Suleri, na verdade, ressitua oproblema multiculturalmente. Ela explica a conexo daseguinte forma:

    Menciono esses realismos alternativos e construesde identidade para reiterar o problema endmico dacrtica feminista ps-colonial. No foram os horrores doisl que desencadearam os regulamentos Hudood noPaquisto, mas mais provavelmente o apoioeconmico e ideolgico do governo dos EUA a umregime militar durante aquela dcada sangrenta,porm eminentemente esquecida, marcada pela

    libertao do Afeganisto.92

    Ela ento nos convida a considerar a seguintepergunta: de que maneiras o testemunho de Jehan Minaleva o discurso ps-colonial e feminista a um reconhecimentodo provincianismo e do profissionalismo inerentes de nossasreivindicaes?.93 Qualquer esforo das feministas doTerceiro Mundo para analisar o que significa ser multiculturalno Ocidente deve confrontar-se no apenas com a prpriaposio de minoria dessas feministas no Ocidente, comotambm com a experincia das mulheres do Terceiro Mundodentro de um contexto scio-histrico cuidadosamenteinvestigado. Na falta dessa habilidade de abandonar opapel de mulher do Terceiro Mundo, Suleri teme que ofeminismo ps-colonial no Ocidente fundamentado nadualidade e na poltica da autenticidade corra o risco deser assimilado com as experincias exclusivas das feministasps-coloniais no Ocidente.

    Em rplica implcita crtica de Suleri, Mohanty, emseu recente trabalho, insiste que a categoria de mulher doTerceiro Mundo, mesmo que baseada em uma poltica

    dualista, mantm um valor heurstico, especialmente nombito da globalizao. Em Women Workers and Capitalist

    93 SURELI, 1992b, p. 768.

    92 SURELI, 1992b, p. 768.

    91 SURELI, 1992b, p. 768.

    90 SURELI, 1992b, p. 766.

    89 SURELI, 1992b, p. 766.

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    Scripts (Trabalhadoras mulheres e roteiros capitalistas),Mohanty chama ateno para as maneiras nas quais as

    questes de economia espacial o modo pelo qual ocapital utiliza espaos especficos para a produodiferenciada e para o acmulo de capital e, no

    processo, transforma esses espaos (e pessoas) passam a ter fundamental importncia para a anlisefeminista.94

    As trabalhadoras do Terceiro Mundo, definidas porMohanty como as mulheres do Terceiro Mundo geogrfico,bem como indgenas e mulheres imigrantes de cor nosEstados Unidos e na Europa Ocidental, ocupam um lugarsocial especfico na diviso internacional do trabalho, o queelucida e explica traos cruciais dos processos capitalistasde explorao e dominao.95A denncia subentendida

    de Mohanty de uma dinmica desigual de poder quefavorece o Primeiro Mundo recebe grande destaque em seusescritos sobre as mulheres na globalizao.

    Nos ltimos anos, tem havido uma mudana deenfoque das questes culturais para a situao das mulheresem um cenrio internacional definido pela globalizao.Contrapondo a preocupao primeiro-mundista emrelao a questes de tokenismo, de poltica de identidadee de poltica de localizao, Rajeswary Sunder Rajan e You-Me Park exaltam as

    intelectuais feministas, tanto do Primeiro como doTerceiro Mundo, que esto produzindo um entendi-mento do feminismo ps-colonial mais dialtico eorientado para a prtica que vincula locais do Primeiroe do Terceiro mundos e enfatiza a diviso internacionaldo trabalho como preocupao fundamental.96

    Sunder Rajan e Park nos lembram que muitos feminis-tas transnacionais consideram a diviso internacional do tra-balho e no os conflitos ou transaes culturais o elementocaracterstico mais importante da ps-colonialidade.97A

    crescente importncia do global como contexto para osestudos feministas tem dado novos ares e, muitas vezes, novoformato aos debates sobre representao, localizao e acategoria da mulher do Terceiro Mundo.

    GlobalizaoGlobalizaoGlobalizaoGlobalizaoGlobalizao

    A discusso anterior nos leva questo do trabalhointernacional e comparativo na rea dos estudos feministas,ao mesmo tempo que nos exige revisar a importncia dapoltica de localizao. O surgimento dessas questes pos-svel apenas em um perodo marcado pelo movimento mas-sivo de pessoas atravs das fronteiras globais, pelo desenvol-

    94 MOHANTY, 1997, P 5.

    95 MOHANTY, 1997, P 7.

    96Rajeswari SUNDER RAJAN e You-Me PARK, 2000, p. 57.

    97 SUNDER RAJAN e PARK, 2000,

    p. 58.

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    vimento de um mercado internacional de bens e ideias, epelo poder crescente das editoras com alcance global. Ottulo de um artigo escrito por Lata Mani, Multiple Mediations:Feminist Scholarship in the Age of Multinational Reception(Mltiplas mediaes: os estudos feministas na poca da

    recepo multinacional), apresenta em sua fraseologia osdesafios e as oportunidades dos estudos feministas nessemomento sem precedentes. As assimetrias de poder, regis-tradas em oportunidades diferenciadas de financiamento,elos institucionais e entraves, acesso desigual publicaoe circulao de informao todas as mltiplas media-es , influenciam diretamente a produo e a recepode conhecimento em diferentes partes do mundo.98

    Cada lugar traz sua prpria histria e suas marcas nopresente. No contexto de seu trabalho sobre Sati, por exemplo,

    Mani explica que na Inglaterra e nos Estados Unidos, ondeelementos do discurso colonial do sculo XIX ainda circulamem favor do racismo britnico e do imperialismo culturalestadunidense, a recuperao da pr-histria colonialdessas ideias poderia ser considerada um gesto poltico. Demodo recproco, no entanto, diferentemente de muitas naesda Amrica Caribenha ou da Amrica Central, na ndia, oque se sente no pescoo no a corda do imperialismo,mas a presso do estado nao, de instituies polticas esociais dominantes e de fundamentalismos religiosos devrios tipos.99No contexto indiano, nesses termos, uma crticapoliticamente engajada deve dirigir-se aos parmetroslimitados dentro dos quais os nacionalistas dispuseram aquesto da situao das mulheres, marginalidade dasmulheres nas discusses supostamente sobre elas do sculodezenove, e ao legado do colonialismo no debatecontemporneo das questes das mulheres.100O conceitode conhecimento significativo depende, ento, do contextono qual ele ser recebido e usado ao articular-se compreocupaes locais.

    A discusso de Mani sobre a proeminncia da loca-

    lizao na produo e na recepo do conhecimento remetea algumas das questes levantadas anteriormente: a pre-sena de intelectuais feministas ps-coloniais do TerceiroMundo no Ocidente e a responsabilidade dessas de repre-sentar os vrios grupos com os quais esto associadas, aomesmo tempo se mantendo alerta provisoriedade e cons-truo social de suas prprias identidades nos contextos espe-cficos de suas prticas intelectuais. necessrio tambmverificar o nvel no qual uma localizao (e perspectiva)metropolitana forma agendas de pesquisa em toda parte,

    especialmente porque o nmero de fontes de financiamentoe meios para publicao so maiores no Ocidente.

    100MANI, 1990, p. 29-30.

    98MANI, 1990. Ver tambm AmalAMIREH e Lis Suhair MAJAJ, 2000.

    98MANI, 1990, p. 29.

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    Indepal Grewal e Caren Kaplan trabalharam emcolaborao para desenvolver o conceito de prticasfeministas transnacionais como reposta aos desafios e soportunidades ocasionados pela globalizao ou o queDavid Harvey chamou de compresso tempo-espao.101

    Para Grewal e Kaplan, o relacionamento entre os estudosps-coloniais e os estudos transnacionais faz parte de umatrajetria feminista especfica que sempre enfocou asdesigualdades geradas por patriarcados capitalistas emvrias pocas da globalizao.102 A estrutura de umaresponsabilidade feminista transnacional apontada noseguinte comentrio de Caren Kaplan:

    Analisar a poltica de localizao na produo e na re-cepo da teoria pode mudar os termos da investiga-o de desejar, atrair e conceder espao para as ou-

    tras para tornar-se responsvel pelos prprios investi-mentos nas metforas e valores culturais. Essa responsa-bilizao pode comear a transformar o terreno daprtica feminista, do relativismo autoritrio (como se aproduo cultural diversificada ocorresse simplesmenteem um vcuo social) s complexas prticas interpre-tativas que reconhecem os papis histricos da media-o, da traio e da aliana nos relacionamentos entremulheres em localizaes diversas.103

    A rede flexvel de Kaplan em favor de uma polticafeminista transnacional comea a esboar os termos docompromisso transnacional sem o grandioso projeto deapagar as desigualdades e sem o prospecto de serparalisada por elas.

    No cenrio da teoria global, Carla Freeman fez umanotvel interveno no entendimento habitual do global edo local. Freeman rejeita a insustentvel dicotomia entregrandes teorias masculinistas da globalizao que ignoramo gnero como lente analtica, e estudos empricos locais daglobalizao nos quais o gnero ocupa o lugar central.104

    Na base de sua investigao sobre as mulheres do mercado

    no Caribe contemporneo, Freeman conclui que processoslocais e atores em pequena escala podem ser vistos como aprpria estrutura da globalizao.105 Recusando separar olocal (assinalado como feminino) do global (assinalado comomasculino), Freeman alerta para os modos como umletramento transnacional devidamente desenvolvidopossibilitar-nos-ia ler ambos em um contnuo. Outraexplicao da importncia do letramento transnacional podeser encontrada no ensaio de Spivak Feminism and CriticalTheory (O feminismo e a teoria crtica).106Nesse ensaio,

    Spivak chama nossa ateno para um artigo da revista Ms.que exalta as bondosas licenas de servio social e outraspolticas favorveis famlia da empresa Control Data

    101 Inderpal GREWAL e Caren

    KAPLAN, 1994; e David HARVEY,1989.

    102GREWAL e KAPLAN, 1994.

    103KAPLAN, 1994, p. 139.

    104Carla FREEMAN, 2001, p. 1008.

    105 FREEMAN, 2001, p. 1009.

    106SPIVAK, 1988b.

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    Management.107Spivak lamenta o fato de que a cegueiraem relao ao teatro multinacional por parte das feministasburguesas as impede de reconhecer as prti-cas repressivasda Companhia em sua fbrica na Coreia e seu uso da mode obra local masculina para dividir as mu-lheres e

    enfraquecer a sua organizao como cooperativa. O trabalhopioneiro de Cynthia Enloe, Bananas, Beaches and Bases:Making Feminist Sense of International Politics (Bana-nas,

    praias e bases: a poltica internacional sob a perspectivafeminista),108mostra como gnero e poltica internacional estoprofundamente interligados, lembrando que um olharfeminista pode revelar muito sobre as maneiras nas quais oglobal, o local e o gnero so mutuamente constitutivos.109

    A globalizao oferece oportunidades sem prece-dentes para o ativismo feminista transnacional, mas aproveitar

    essas oportunidades depender da capacidade de leituradas feministas sobre a semelhana e a diferena em umaescala global. Para Mohanty, a experincia deve ser histori-camente interpretada e teorizada se for tonar-se a base dasolidariedade e da luta feministas, e ser a partir deste mo-mento que um entendimento da poltica da localizao pro-var ser fundamental.110Quando o capital e a produoindustrial no levarem mais em conta as fronteiras nacionais,quando as ideias e as literaturas se realizarem globalmente,a capacidade de ler e de traduzir deve se tornar ainda maisfundamental. Um letramento transnacional significativo exigiro reconhecimento da localizao dos/as leitores/as e daleitura como atividade socializada dentro de um contextoespecfico. Exigir que aprendamos a ler literatura sobre, eescrita por, mulheres do Terceiro Mundo, considerando-amais do que uma sociologia informal, mesmo que isso nosimponha a necessidade de ler experincias e acontecimentosglobais como textos sociais complexos e intrinsecamente inter-ligados. Em outras palavras, seremos obrigadas a reconheceras complexidades da construo do sujeito em todo lugar ea aprender a ler o mundo atravs do que eu chamaria de l-

    gica da adjacncia. Leramos, ento, as mulheres no mundono como iguais, mas como vizinhas, como moradoras prxi-mas cuja adjacncia pode tornar-se mais significativa. Atra-vs dessa lgica uma lgica que poderia ser proveito-samente aplicada orientao geral do ps-colonialismo , leramos o mundo no como nico (no sentido de j estarunido), mas como um conjunto.

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    108Cynthia ENLOE, 1989.

    107SPIVAK, 1988b, p. 91.

    109Ver tambm Swasti MITTER eSheila ROWBOTHAM, 1995.

    110MOHANTY, 1995, p. 89.

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    DEEPIKA BAHRI

    Feminism and/in PostcolonialismFeminism and/in PostcolonialismFeminism and/in PostcolonialismFeminism and/in PostcolonialismFeminism and/in PostcolonialismAbstractAbstractAbstractAbstractAbstract:In this article, the author examines the relat ionship between feminism andpostcolonialism by emphasizing key concepts in postcolonial studies and by exploring thepremises, methods and tensions of the intersection between these two areas. The author alsoexplores the challenges between Western and postcolonial feminisms in the context ofglobalization.Key WordsKey WordsKey WordsKey WordsKey Words:Postcolonial Feminism; Representation; Essencialism; Third World Women;Globalization.