Módulo Execução Penal, Fempar (ano 2015), Alexey Choi Caruncho
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FEMPAR – FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
DANILO CESAR BRITO DOS SANTOS
A CREDIBILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL NO PROCESSO
PENAL
CURITIBA
2010
DANILO CESAR BRITO DOS SANTOS
A CREDIBILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL NO PROCESSO
PENAL
Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista em Ministério Público – Estado Democrático de Direito, na área de concentração em Processo Penal, Fundação Escola do Ministério Público do Paraná – FEMPAR, Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil.
Orientador: Prof. Ms. Emerson Luiz Laurenti
CURITIBA
2010
TERMO DE APROVAÇÃO
DANILO CESAR BRITO DOS SANTOS
A CREDIBILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL NO PROCESSO PENAL
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de
Especialista no curso de Pós-Graduação em Ministério Público – Estado
Democrático de Direito, Fundação Escola do Ministério Público do Paraná –
FEMPAR, Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil, examinada pelo
Professor Orientador Emerson Luiz Laurenti.
_____________________________Prof. Ms. Emerson Luiz Laurenti
Orientador
Curitiba, 5 de julho de 2010.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 6
1 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS ............................................................................................... 8
1.1 SISTEMA ACUSATÓRIO ....................................................................................................... 8
1.2 SISTEMA INQUISITÓRIO .................................................................................................... 13
1.3 SISTEMA MISTO ................................................................................................................ 15
1.4 EM BUSCA DA VERDADE REAL .......................................................................................... 18
2 A PROVA TESTEMUNHAL ......................................................................................................... 22
2.1 FASES DA FORMAÇÃO DO TESTEMUNHO ........................................................................ 26
2.2 CAPACIDADE PARA TESTEMUNHAR ................................................................................. 30
2.3 FALSO TESTEMUNHO ....................................................................................................... 32
3 AVALIAÇÃO DOS DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS ................................................................... 36
3.1 CREDIBILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL ...................................................................... 36
3.1 A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ............................................................................. 41
3.2 VALORAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL .......................................................................... 44
CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 47
REFERÊNCIAS .............................................................................................................................. 49
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo mostrar a evolução e os variados sistemas penais existentes, bem como demonstrar a discussão existente para saber qual é o adotado pelo ordenamento brasileiro. Irá explicitar, também, como funciona o sistema de provas penais, em especial a prova testemunhal. Este trabalho tem por objetivo principal mostrar que a análise das provas testemunhais deve ser realizada com muita atenção, e em alguns casos, com certo receio. Sua credibilidade não é muito confiável, vez que a produção deste meio de prova pode ser feito de qualquer modo, inclusive valendo-se da mentira, porém, neste caso, a testemunha irá incorrer no crime de falso testemunho. Por fim, será analisada a valoração do testemunho de diferentes testemunhas, tais como, crianças, parentes da vítima ou do acusado, policiais, dentro outros.
Palavras-chave: Sistemas Processuais. Prova Penal. Prova Testemunhal. Credibilidade. Valoração do Testemunho.
6
INTRODUÇÃO
O processo penal como é conhecido hoje em dia evoluiu desde que foi
concebido. Sua evolução está diretamente relacionada com a mudança do sistema
processual penal.
Em seu início o sistema era extremamente inquisitório, onde havia pouco
ou quase nenhum meio de defesa por parte do acusado. Ele estava à mercê dos
julgadores, ou melhor, do julgador, já que a pessoa do acusador e daquele que
proferia a sentença se confundia em um só sujeito. Era o detentor de todo o poder
dentro do processo.
Ao passar do tempo surgiu o sistema acusatório e com ele surgiram
princípios que norteiam, até hoje, a defesa do acusado. Passou a existir,
efetivamente, o contraditório e a ampla defesa, podendo o réu se defender de uma
forma mais justa, ficando no mesmo patamar do acusador, que não mais se
confundia com a pessoa do julgador.
Após algum tempo surgiu o sistema misto, que possui duas fases. Na
primeira fase é basicamente inquisitório e na outra extremamente acusatório. No
ordenamento jurídico brasileiro, o melhor exemplo é o inquérito policial e a ação
penal. Naquele o inquisitório aparece em todo seu andamento, e neste prevalece o
acusatório.
Com esta evolução processual, as provas produzidas nos autos passaram
a ter um grande valor, já que o acusado pode passar a usá-las em seu favor, e o
julgador passou a examiná-las com maior atenção.
Através da análise das provas apresentadas o julgador deve sempre
buscar proferir uma sentença baseada na verdade real, ou seja, o material
probatório deve indicar para o juiz qual é a correta solução para o caso.
As provas penais têm o objetivo de convencer o juiz de que a versão
apresentada é a verdadeira. Devem ser ao menos, suficientes para a convicção do
juiz, que ao exercer seu livre convencimento cumulado com a análise das provas
decidirá buscando a verdade dos fatos.
7
Existem vários meios de prova, dentre as quais, objeto deste trabalho, a
prova testemunhal.
É uma prova muito discutida atualmente no que se refere à sua
credibilidade, pois como será demonstrado neste trabalho, cada testemunho
possui um grau de confiabilidade e isto se deve aos sentimentos humanos, já que
deve ser analisado qual o grau de ligação que a testemunha tem com a vítima ou
acusado, qual é o interesse que possui em relação ao desfecho do processo e, até,
qual a condição pessoal da testemunha.
Portanto, o presente trabalho tem por objetivo demonstrar a evolução do
sistema processual penal, a importância das provas penais, bem como a atenção
que deve ser dada para a análise da prova testemunhal, pois nem todos os
testemunhos passam a credibilidade necessária e almejada para a correta decisão
do processo.
8
1 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS
No direito processual penal há (houve) três sistemas penais: o acusatório,
inquisitório e um tipo misto.
Neste primeiro capítulo serão abordadas as principais características de
cada um desses sistemas e a maneira pela qual as provas são produzidas e
sopesadas.
1.1 SISTEMA ACUSATÓRIO
O sistema acusatório, segundo Aury LOPES JÚNIOR1 “remonta ao
direito grego, onde se desenvolve referenciado pela participação direta do povo
no exercício da acusação como julgador. Vigorava o sistema de ação popular
para os delitos graves (qualquer pessoa podia acusar) e acusação privada para os
delitos menos graves em harmonia com os princípios do Direito Civil”.
Este sistema coloca o órgão julgador entre as partes, as quais gozam de
igualdade entre si, ficando o juiz como um árbitro entre elas, nunca começando
uma investigação, assemelhando-se ao processo civil.
É um sistema oral, público, possuindo contraditório, adotando-se a livre
convicção do julgador, fazendo coisa julgada, e tem como regra a liberdade do
acusado.
É o sistema que foi adotado pela Constituição de 1988. É a maneira mais
democrática de se conduzir o processo, possuindo várias características, como as
citadas por José Frederico MARQUES2
a) separação entre os órgãos da acusação, defesa, e julgamento, instaurando-se assim um processo de partes; b) liberdade de defesa e igualdade de posição das partes; c) a regra do contraditório; d) livre apresentação das provas pelas partes; e) regra do impulso processual autônomo, ou ativação inicial da causa pelos interessados.
1 LOPES JUNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade constitucional. 4 ed. rev. at. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Iuris Editora, 2006, p. 162.
2 MARQUES, José Frederico. Estudos de Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Millenium, 2001, p. 23.
9
Dessa forma o processo procura ser mais justo, vez que possibilita ao réu
ser acusado por uma pessoa, julgado por outra, estar em pé de igualdade com seu
acusador com base na ampla defesa e no contraditório. É uma maneira de
assegurar um julgamento justo, que busca realmente a verdade real.
Jacinto de Miranda COUTINHO3 diz que o juiz fica numa “posição
passiva, sempre longe da colheita da prova. O processo surge, destarte, como
uma disputa entre partes, que em local público (inclusive praças), argumentavam
perante o júri, o qual, enquanto a sociedade, dizia a verdade – vereditcum”.
O mesmo autor, diz que o sistema acusatório
não deixa espaço, da maneira como foi estruturado, para que o juiz desenvolva aquilo que Cordero, com razão, chamou de ‘quadro mental paranóico’, em face de não ser o gestor da prova, pois, quando o é, tem, quase que por definição, a possibilidade de decidir antes e, para confirmar sua versão, isto é, o sistema legitima a possibilidade da crença no imaginário, ao qual torna como verdadeiro.4
Esse quadro mental paranóico diz respeito à questão do juiz, ao se
deparar com determinado processo já ter sua decisão pronta, necessitando,
apenas, do surgimento de uma prova que possa confirmar seu pensamento. O
magistrado já possui uma solução para um tipo de ocorrência, isto é, já está
“viciado” com casos semelhantes que lhe são apresentados, e já tem seu juízo de
valor preparado.
José Frederico MARQUES5 afirma que “a forma acusatória traduz a
regra de que a descoberta da verdade se opera através do exercício de funções
específicas e distintas, dos órgãos fundamentais do processo”.
O acusador, no sistema processual penal brasileiro, seja o Ministério
Público ou o ofendido, deve demonstrar a existência de condições da ação, e na
sua falta estará cometendo coação ilegal.
3 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Crítica à teoria geral do direito processual penal. 1 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 36.
4 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. Crítica à Teoria do Direito Processual Penal. (Coord. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho). Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 32.
5 MARQUES, José Frederico. Op. cit., p. 23.
10
O réu, no sistema acusatório, deve ser tratado como sujeito de direitos,
devendo ter suas garantias constitucionais respeitadas. Por isso há essa separação
de poderes, onde o acusador moverá uma ação que, posteriormente será julgada
por um terceiro imparcial, que no caso é o Estado-Juiz, levando-se em conta
todas as provas produzidas pelas partes, sem qualquer intervenção, nesse
momento processual, por parte do julgador.
Com isso, o legislador brasileiro quis deixar de forma clara a
implantação do sistema acusatório no Brasil, separando as funções no processo
entre o acusado, acusador e julgador.
As características deste sistema englobam, em geral, conceitos e
princípios que buscam moldurar o processo de acordo com as normas
constitucionais, que é a base de qualquer sistema jurídico.
No sistema acusatório não seria diferente, ou seja, vários são os
princípios que norteiam este processo, tais como: princípio acusatório; do juiz
natural; da acusação; da defesa; da oralidade e da publicidade. A seguir serão
analisados um a um.
O princípio acusatório tem seu alicerce na divisão entre o acusador, réu
e julgador, onde um não pode interferir na atividade do outro, acarretando, assim,
a cada parte atuações diferenciadas no processo, ou seja, direito de defesa do réu,
de acusação pelo autor e de julgador exercido pelo juiz. Percebe-se, então, que o
órgão jurisdicional deve atuar de forma imparcial ao julgar a lide, estando todas
as partes em pé de igualdade, no mesmo patamar.
Outro princípio importante é o do juiz natural, que exerce um papel
importante no processo, qual seja, o da condução do mesmo. Ele só será atendido
se o julgador permanecer imparcial durante todo o trâmite processual, ou seja,
deve julgar a causa favorável ou desfavoravelmente sem tender nem para
acusação nem para a defesa, assegurando a eficácia jurisdicional necessária à
demanda.
11
Para Jacinto Nelson de Miranda COUTINHO6 a “imparcialidade do juiz
funciona como uma meta a ser atingida pelo juiz no exercício da jurisdição, razão
porque se busca criar mecanismos capazes de garanti-la”. E continua, “que a
imparcialidade é uma garantia tanto para aquele que exerce a jurisdição, como
para aquele que demanda perante ela”.
Tem-se, então, que este princípio busca equilibrar a lide processual,
buscando não desvirtuar as funções do julgador.
O princípio da acusação consiste na imputação de uma infração penal a
alguém, podendo este ser condenado no caso de ser levado a juízo.
Para Geraldo PRADO7, alguns requisitos devem ser necessariamente,
preenchidos para que se tenha uma acusação de fato, quais sejam: o direito de
ação deve estar voltado à conformação da decisão jurisdicional; a acusação deve
ser exercida por pessoa ou órgão distinto daquele que irá julgar; deve incluir o
direito de provar os fatos consistentes na acusação deduzida; a acusação deve
integrar o direito de ação, e por esta que o acusado se defenderá; deve limitar o
objeto da demanda; e legitimar o autor para propô-la, desde que venha fundada
em uma justa causa.
Neste sistema, o acusado está no mesmo nível do acusador, podendo
valer-se de todos os meios dispostos no ordenamento jurídico para se defender de
qualquer acusação que lhe foi imposta a fim de convencer o juiz de que não é o
autor de determinada infração penal, daí a importância da separação dos poderes
e deveres entre o acusado, acusador e juiz. Isto vem preconizado pelo princípio
da defesa.
Geraldo PRADO8 diz em sua obra “Sistema Acusatório” que algumas
diretrizes devem ser atendidas para evitar qualquer dano a este princípio. Diz que
deve haver publicidade de todo procedimento a fim de se evitar a restrição do
acusado ao acesso a informações importantes do processo, tendo em vista que é
6 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios do direito processual penal brasileiro. Direitos Fundamentais. Disponível em: http://www.geraldoprado.com/principios.html. Acesso em: 08 fev. 2010.
7 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. p. 140.
8 Ibidem, p. 141.
12
dessas que irá preparar sua defesa. Deve ter o acusado, ainda, à sua disposição
todas as informações necessárias a respeito dos comportamentos processuais,
inclusive com esclarecimentos acerca de qual caminho é o melhor a ser tomado.
Há, ainda, o princípio da oralidade. A oralidade é composta por algumas
características, quais sejam: predominância da palavra falada, imediatidade da
relação do juiz com as partes e com os meios de prova, a identidade física do
órgão judicante em todo o decorrer do processo e a concentração da causa no
tempo.
Não se pode admitir no processo penal que dá análise das provas o
processo se perpetue no tempo. Por isso que a oralidade é uma das melhores
formas de garantir a liberdade do acusado dentro do processo, já que se for
depender da apreciação de todas as provas juntadas no processo pelo juiz, pode
ser que este se prolongue por um longo tempo, ficando o acusado recluso,
quando poderia aguardar o trâmite processual em liberdade.
Ele torna o processo mais célere, ao passo que a instrução se desenvolve
de forma mais eficaz, não ficando restrita a um procedimento escrito. A oralidade
coloca o acusador e o acusado – com seu defensor – frente a frente num debate
que será analisado pelo julgador, possibilitando ao juiz uma forma mais
imparcial para a decretação de sua sentença.
Por último tem-se o princípio da publicidade, que é uma das principais
características do sistema acusatório, vez que um processo sigiloso é próprio de
outro sistema penal, o inquisitório. A publicidade possui tamanha importância
que o legislador constituinte o incluiu no art. 5º, inc. XXXII e LX e art. 93, inc.
IX da Constituição Federal9.
9 Art. 5º (...)XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
(...)LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem;Art. 93 (...)IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos
13
Desta forma, percebe-se que a publicidade é essencial para um processo
digno e justo – pilares do sistema acusatório –, sendo este princípio uma das
maiores garantias dos cidadãos frente ao poder punitivo do Estado.
Ele é, ainda, um dos delimitadores entre o sistema acusatório e o sistema
inquisitório, vez que neste o que vale e predomina é o sigilo processual, sem
qualquer fiscalização por parte do “povo”.
Assim, como já dito, conclui-se que o sistema acusatório foi adotado
pelo ordenamento jurídico brasileiro quando da edição da Constituição Federal
de 1988, vez que nesta foram adotados todos estes princípios, dentre outros mais.
1.2 SISTEMA INQUISITÓRIO
O sistema acusatório, em princípio, foi adotado pelo ordenamento
brasileiro, porém o Código de Processo Penal Brasileiro possui resquícios
inquisitórios, como por exemplo, o inquérito policial, que é realizado de forma
sigilosa, não respeitando princípios como os da ampla defesa, contraditório e
publicidade, conferindo ao juiz o poder de diligenciar em busca da tão procurada
verdade real, comprometendo, assim, a imparcialidade de seu julgamento.
Este sistema é consagrado por conferir ao acusado poucas ou nenhuma
garantia de um julgamento correto, justo, já que o acusador e julgador do
processo se concentra numa só pessoa. Desta forma o acusado não parece ser um
sujeito de direitos, mas sim, um mero objeto dentro do processo, onde o julgador
tentará provar para toda a sociedade que o acusado é realmente culpado.
O julgador irá valer-se de todos os meios possíveis de investigação legais
e, inclusive, os ilegais, tal como, tortura, que para muitos, é a forma mais eficaz
de se chegar à tão almejada confissão.
Ele suprime, na realidade, as possibilidades de defesa por parte do
acusado, uma vez que sua prisão é a regra, passando a ser, como dito acima, um
mero objeto de investigação.
quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
14
É um sistema totalmente contrário aos princípios do sistema acusatório,
já que neste o indivíduo esta completamente protegido pelos princípios, que não
o deixará de mãos atadas frente aos atos punitivos por parte do Estado.
Aqui, o princípio da imparcialidade praticamente está abolido, já que
como foi dito, o acusador e julgador se confunde numa mesma pessoa.
O sistema inquisitório tem sua base inicial o modelo Egípcio, no qual o
poder absoluto se concentrava, exclusivamente, nas mãos do Governo, sendo que
as principais características da época eram que a acusação era tida como dever de
todos que tivesses conhecimento do crime, polícia repressiva e a cargo das
testemunhas, instrução pública e escrita, desenvolvida nas províncias por um
sacerdote que exercia a função de juiz e o julgamento era secreto e solene.10
Este sistema, como é conhecido, teve seu início em Roma, e tratava-se de
um procedimento público, realizado unicamente em nome do Estado romano, e
concebia ao magistrado os poderes de investigação e deliberação, podendo este
valer-se, inclusive, da já mencionada tortura.
É um sistema marcado pelos regimes absolutistas, que deixou marcas,
resquícios até os dias atuais, como a inquisitoriedade, onde os poderes de
investigar e julgar se concentram numa só pessoa, deixando a defesa sem o
contraditório.
Para Guilherme de Souza NUCCI11, este sistema, apesar de ser brutal,
também trouxe algumas vantagens, considerando as condições da época
Ainda que pareça um despotismo singular, esse sistema teve suas vantagens no período que decorreu entre os séculos XII e XVIII, pois, permitindo instruções secretas, facilitava ao homem humilde, exposto às arbitrariedades dos ricos e poderosos, o acesso à justiça, livrando-o das vinganças que certamente viriam após ter feito sua acusação. Os abusos, no entanto, acabaram inviabilizando o sistema inquisitivo.
O mesmo autor enumera algumas características do sistema inquisitório.
Havia uma enorme concentração nas mãos do julgador, sendo este, ao mesmo
10 MALCHER, José Lisboa da Gama. Manual de processo penal brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos S.A, 1980. p. 25.
11 NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 148.
15
tempo, acusador, defensor e juiz. A confissão do réu era um elemento
indispensável para levá-lo à condenação. Não haviam debates orais,
predominando, assim, um procedimento completamente escrito. Os julgadores
eram irrecusáveis e permanentes. O procedimento, no sistema inquisitório, era
dominado pelo sigilo, segredo, não havendo qualquer meio de contraditório. A
defesa exercia um papel meramente decorativo. E, mesmo com todas essas
restrições, havia a possibilidade de ingressar com recurso da sentença, o que,
como visto, parece ser algo desnecessário, pois este seria julgado pelos mesmos
julgadores que o levaram à condenação.12
Este sistema, como já dito, é escrito, secreto, não permite o contraditório
e a prova é legalmente tarifada. A prisão preventiva é adotada como regra neste
sistema como uma medida cautelar, pois aqui se presume a culpa do réu.
Percebe-se que este sistema não é nem um pouco democrático, vez que
não possibilitando ao acusado o contraditório e aglomerando todos os poderes
inerentes de um processo (julgar, defender e acusar) numa mesma pessoa, torna o
julgamento um meio completamente imparcial.
O acusado senta nos bancos dos réus já sabendo qual será o seu destino
dentro deste “julgamento”, pois não poderá em nenhum momento ter acesso às
provas, investigações que estão sendo feitas contra sua pessoa. Ele já sabe que a
possibilidade de ser condenado beira a certeza.
Este sistema inquisitório é adotado no Brasil dentro do direito processual
penal, mais especificadamente no inquérito policial.
No inquérito não incidem os princípios do contraditório e da ampla
defesa, já que, tecnicamente, não há uma acusação nem um acusado, não
precisando, assim, respeitar estes princípios. É um ato secreto e sigiloso, como
dita a regra do sistema inquisitivo.
1.3 SISTEMA MISTO
12 Idem.
16
É um sistema que teve início na França, após a Revolução Francesa,
onde as investigações eram realizadas, primeiramente e secretamente, por um
juiz instrutor, o qual fazia a identificação e qualificação do acusado. Aqui valia-
se das regras do sistema inquisitório.
Após isto, com a instituição da ação penal, passou-se a usar também,
dentro do mesmo processo, os ideais da forma acusatória, ou seja, passou a usar o
contraditório, ampla defesa, oralidade e, inclusive, a publicidade de todos os atos
judiciais.
Percebe-se, então, que é um sistema dividido em duas fases. A primeira,
uma fase instrutória, basicamente inquisitorial, e a segunda, uma fase de
julgamento, onde prevalece o sistema acusatório.
O sistema que o Brasil adota, para alguns doutrinadores, é o misto, pois
no ordenamento processual penal brasileiro fica fácil a percepção da separação
dessas fases, ou seja, do inquérito policial e da ação penal.
Guilherme de Souza NUCCI diz que o sistema adotado pelo Brasil,
mesmo que não oficialmente, é o misto, vez que para ele há dois enfoque que
devem ser levados em conta: o constitucional e o processual. Se for levar em
conta a Constituição Federal, pode-se dizer, sem sombras de dúvidas, que nosso
ordenamento é exclusivamente acusatório, tendo em vista todos os princípios que
ditam as regras deste sistema. Porém, tem-se que ter como base, igualmente, o
enfoque processual, vez que o Código de Processo Penal de 1941 foi elaborado
numa nítida ótica inquisitiva.13
Porém, há doutrinadores que discordam da ideia de Nucci, alegando que
o sistema adotado pelo Brasil é o acusatório. Para Fernando da Costa
TOURINHO FILHO14 o sistema adotado é realmente o acusatório, já que, no seu
entendimento
13 NUCCI, Guilherme de Souza. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 117.
14 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Direito Processual Penal. v. 1. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 92-93.
17
O processo é eminentemente contraditório. Não temos figura de juiz instrutor. A fase processual propriamente dita é precedida de uma fase preparatória, em que a Autoridade Policial procede investigação não contraditória, colhendo, à maneira do Juiz instrutor, as primeiras informações a respeito do fato infringente da norma e da respectiva autoria. Com base nessa investigação preparatória, o acusador, seja órgão do Ministério Público, seja a vítima, instaura o processo por meio de denúncia ou queixa. Já agora, em juízo, nascida a relação processual, o processo torna-se eminentemente contraditório, público e escrito (sendo que alguns atos são praticados oralmente, tais como debates em audiências ou sessão). O ônus da prova incube às partes, mas o Juiz não é um espectador inerte na sua produção, podendo, a qualquer instante, determinar de ofício, quaisquer diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
A base para quem alega que o Brasil adota o sistema acusatório é que o
juiz, na ação penal, não fica vinculado ao que ocorre no inquérito policial, pois
ele poderá avaliar novamente as provas colhidas em sede inquisitorial, deverá
ouvir os depoimentos das mesmas testemunhas que já foram ouvidas.
Entretanto, o sistema misto realmente é visto como o adotado pelo
ordenamento brasileiro, mesmo com essas ressalvas citadas, pois na fase do
inquérito, os resquícios do sistema inquisitivo são, ainda, muito fortes e de fácil
percepção. Tanto que a falta de contraditório e ampla defesa nessa fase não
acarretará a nulidade do processo.
Para Hélio TORNAGHI15, o sistema adotado pelo ordenamento brasileiro
é o misto, pois as duas fases estão presentes, ou seja, o inquérito (inquisitório) e a
ação penal (acusatório). Diz que
a apuração do fato e da autoria é feita no inquérito policial (somente nos crimes falimentares o inquérito é judicial). O processo judiciário compreende a instrução e o julgamento. Nos crimes da competência do Júri esta duas atividades estão separadas em duas fases, entre as quais, e interpõe a decisão de pronúncia. Por meio desta o juiz, entendendo estar provado o fato e a autoria (a lei fala em indícios, mas essa palavra tem ali o sentido de provas – CPP, art. 408), manda o réu a julgamento pelo Júri. Nos demais crimes tudo se faz em seqüência, instrução e depois julgamento. Mas, se bem que o inquérito seja inquisitório e processo judiciário acusatório, em suas linhas gerais, na verdade, um e outro têm brechas: no inquérito permite-se ao ofendido e ao indiciado requererem diligências (CPP, art. 14) e, na fase judiciária, inúmeros são os atos escritos, e se permite, por vezes, o segredo (v. g., CPP, arts. 486, 745, 792, § 1º). E o juiz pode sempre determinar as diligências necessárias para descobrir a verdade (CPP, arts. 156, fine, 176, 209 etc.).
15 TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 10 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva Editora, 1999. vol. I. p.18.
18
Deduz-se, então, que o sistema misto vale das vantagens de cada um dos
sistemas penais (acusatório e inquisitório) e retira os inconvenientes de cada um
deles.16
1.4 EM BUSCA DA VERDADE REAL
Um dos princípios que rege o processo penal é o da verdade real. Ela é
buscada através de um procedimento justo, ou seja, num processo onde há o
contraditório e ampla defesa. Não se pode alcançá-la por meio de provas ilícitas.
Devem ser sempre, provas colhidas e apresentadas perante um juízo imparcial.
Essa busca pela verdade real não pode em nenhum momento ferir
garantias constitucionais, tais como, as já citadas, ampla defesa e contraditório. O
juiz, ao julgar, deve analisar todas as verdades formais, que são todas aquelas
juntadas durante o processo, com o intuito de atingir a tão almejada verdade real.
Este princípio vigora quando o juiz determina a realização de algumas
diligências necessárias para que ele possa dirimir toda e qualquer dúvida acerca
de um ponto que tem extrema relevância dentro do processo, já que não deve, em
nenhuma hipótese, julgar sem ter certeza, ou pelo menos, julgar com dúvidas que
podem ser solucionadas.
Segundo Luiz Francisco Torquato AVOLIO17
O princípio da verdade real, que também se denomina da verdade material, como originariamente concebido, diz respeito ao poder-dever inquisitivo do juiz penal, tendo por objeto a demonstração da existência do crime e da autoria. A prova penal, assim, é uma reconstrução histórica, devendo o juiz pesquisar além da convergência das partes sobre os fatos, a fim de conhecer a realidade e a verdade dos fatos.
16 Ibidem. p. 17.17 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas: interceptações telefônicas,
ambientais e gravações clandestinas. 3 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 38.
19
É um princípio utilizado com frequência pelos magistrados quando de
suas sentenças. Ele analisa as provas juntadas no processo (as verdades formais)
e com base nelas tenta chegar a real. Quando não enxerga indícios de que essas
provas são cabais para a condenação do acusado, absolve-o com base neste
princípio. Como exemplo tem-se um julgado proferido no Tribunal de Justiça de
Minas Gerais, pelo Relator Delmival de Almeida CAMPOS18
FURTO - RES FURTIVA EM PODER DO ACUSADO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - PRINCÍPIO DA VERDADE REAL - INDÍCIOS ISOLADOS - ABSOLVIÇÃO MANTIDA. - A inversão do ônus da prova, em face de a res furtiva ter sido encontrada com o acusado, não é uma regra absoluta, por submeter-se ao princípio da verdade real, cedendo ante as peculiaridades do caso concreto. Caracterizado que a imputação ao acusado da prática de furto se lastra apenas em indícios isolados, os quais não encontram respaldo no arcabouço probatório laborado no feito, mostrando-se parcos ao sustento da tese acusatória, resulta ser imperiosa a absolvição do acusado, em face do princípio contido no brocardo in dubio pro reo. Apelação desprovida.
Da análise deste julgado, percebe-se que o julgador, analisando o
processo, observou que as provas colhidas não eram suficientes para incriminar o
acusado, e utilizando-se do princípio da verdade real, julgou o processo em favor
do acusado, in dubio pro reo.
Fernando CAPEZ19 diz, a respeito do tema, que
No processo penal, o juiz tem o dever de investigar como os fatos se passaram na realidade, não se conformando com a verdade formal constante nos autos. Esse princípio é do próprio processo penal, já que no cível, o juiz deve conformar-se com a verdade trazida aos autos pelas partes, embora não seja um mero espectador inerte da produção de provas.
A verdade real se preocupa com a busca da verdade dos fatos, isto é, tem
a intenção de demonstrar como de fato foram os acontecimentos que estão sendo
18 BRASIL. TJMG: Processo 1.0091.04.01418-4/001. Rel. Delmival de Almeida Campos. Data do Julgamento: 03/10/2007. Disponível em <http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/juris_resultado.jsp?numeroCNJ=&dvCNJ=&anoCNJ=&origemCNJ=&tipoTribunal=1&comrCodigo=0091&ano=04&txt_processo=001418&dv=4&complemento=001&acordaoEmenta=acordao&palavrasConsulta=&tipoFiltro=and&orderByData=0&relator=&dataInicial=&dataFinal=07/03/2010&resultPagina=10&dataAcordaoInicial=&dataAcordaoFinal=&pesquisar=Pesquisar>. Acesso em: 03 mar 2010.
19 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 26-27.
20
julgados dentro do processo. Deve mostrar que o acusado realmente é o autor dos
fatos a ele imputado ou, no caso da defesa, mostrar que ele é inocente, não tendo
qualquer relação com o ocorrido.
Porém, para alguns, essa busca pela verdade real pode fazer com que o
magistrado deixe de ser imparcial no julgamento, pois quanto mais ele tende a
buscar essa verdade, ele pode estar pendendo para um lado e, inclusive, fazendo
o papel do Ministério Público.
Eugênio PACELLI20 diz que
Talvez o maior mal causado pelo citado princípio da verdade real tenha sido a disseminação de uma cultura inquisitiva, que terminou por atingir praticamente todos os órgãos estatais responsáveis pela persecução penal. Com efeito, a crença inabalável segundo a qual a verdade estava efetivamente ao alcance do Estado foi a responsável pela implantação da idéia acerca da necessidade inadiável de sua perseguição, como meta principal do processo penal.
Para o autor essa busca pode trazer a tona os ditames do sistema
inquisitório, já que neste o juiz é quem acusa, portanto, quem investiga. Pode vir
a tornar o processo imparcial, já que como é sabido, este mesmo juiz-acusador
será o juiz-julgador.
Tem-se, então, que essa tão almejada busca deve ser feita com extrema
parcimônia por parte do magistrado, já que ele pode enganar a si próprio. Todo
humano é limitado e tem sua falibilidade. Fernando da Costa TOURINHO
FILHO21, ao tratar deste assunto, diz que
mesmo na justiça penal, a procura e o encontro da verdade real se fazem com as naturais reservas oriundas da limitação e falibilidade humanas, e, por isso, melhor seria falar de verdade processual ou verdade forense, até porque, por mais que o Juiz procure fazer uma reconstrução histórica do fato objeto do processo, muitas e muitas vezes o material de que ele se vale poderá conduzi-lo a uma falsa verdade real.
Essa falsa verdade real que o autor se refere, é aquela em que se
alcançada, tudo levará a crer que o julgador proferiu um julgamento imparcial ou
até mesmo, cometeu uma injustiça, já que uma vez decretada a absolvição do
20 PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Curso de processo penal. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 328.
21 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 47.
21
acusado, mesmo que após o trânsito em julgado desta sentença surjam novas
provas, esta não pode ser revista. Desta forma a busca da verdade real não foi
efetivada.
Este é um tópico difícil de ser alcançado, porém deve ter preferência em
todo e qualquer julgamento, pois somente assim o processo estará envolvido da
justa e correta sentença.
22
2 A PROVA TESTEMUNHAL
A prova no processo penal tem por objetivo demonstrar a verdade sobre
um determinado fato, fazer a restituição de um fato criminoso e não indicar o
culpado pelo crime, ou seja, tem como função indicar a verdade real.
Ela possui três elementos, quais sejam, o objeto, o sujeito e o meio de
prova. O objeto da prova é o fato propriamente dito; o sujeito da prova é aquele
que efetivamente demonstra o objeto; e, por fim, o meio de prova é tudo aquilo
que é utilizado para justificar, para comprovar se aquilo que está sendo
demonstrado realmente ocorreu, por parte da acusação, ou não, por parte da
defesa.22
Ela tem uma importância fundamental para justificar os fatos que estão
sendo investigados e, principalmente, formar a convicção do juiz sobre a
existência ou não dos fatos relevantes da causa.
Paulo RANGEL ao tratar sobre o tema no livro Direito Processual Penal
diz que
...o objeto da prova é a coisa, o fato, o acontecimento que deve ser conhecido pelo juiz, a fim de que possa emitir um juízo de valor. São os fatos sobre os quais versa a lide. Ou seja, é o thema probandum que serve de base à imputação penal feita pelo Ministério Público. É a verdade dos fatos imputados ao réu com todas as suas circunstâncias.23
O convencimento do juiz acerca de um determinado fato será feito de
acordo com sua interpretação em cima das provas apresentadas dentro do
processo penal. Como meios de prova tem-se o exame de corpo de delito,
interrogatório do acusado, perguntas ao ofendido (quando possível), testemunhal,
reconhecimento de pessoas ou coisas, acareação, documental e busca e
apreensão. Todas elas são importantes para o processo penal, vez que será pelo
conjunto das provas que o juiz irá se convencer acerca de um determinado fato,
onde ele poderá absolver ou condenar o réu.
22 AQUINO, José Carlos G. Xavier de. A prova testemunhal no processo penal brasileiro. 4 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 9-10.
23 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 7 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 406.
23
Acerca do convencimento do juiz, José Frederico MARQUES24 afirma,
na obra Tratado de Direito Penal que:
...em primeiro lugar, o livre convencimento não significa liberdade de apreciação das provas em termos tais que atinja as fronteiras do mais puro arbítrio. Esse princípio libertou o juiz, ao ter de examinar a prova, de critérios apriorísticos contidos na lei, em que o juízo e a lógica do legislador se impunham sobre a opinião que em concreto podia o magistrado colher; não o afastou, porém, do dever de decidir segundo os ditames do bom senso, da lógica e da experiência.
O juiz penal irá fundamentar sua decisão de acordo com seu
convencimento, porém deve ter uma atenção acerca da credibilidade das provas
apresentadas. Por isso que além da livre convicção que a lei lhe permite utilizar,
ele deve valer-se, igualmente, de sua experiência como julgador, que irá lhe
permitir analisar todas as provas e poder descartar aquelas que não contribuirão
em nada para o processo ou que, ainda, sejam provas falsas, ilícitas, que foram
“produzidas” para tentar confundir o juiz na hora de julgar o feito.
Dentro desse raciocínio, o juiz deve dar uma atenção em especial para as
provas testemunhais, vez que em muitos casos dentro do processo penal o
julgamento versa sobre a morte de alguém e a pessoa que estará depondo sobre o
ocorrido poderá falar coisas que não conferem com a realidade. Isso pode
acontecer, por exemplo, porque a testemunha estará sob forte emoção, e irá dizer
qualquer coisa que proteja os interesses daquele que está defendendo.
O ato de testemunhar diz respeito à narração verbal sobre um
determinado fato que diz respeito àquilo de que se tem conhecimento. O
depoimento da testemunha vem para declarar a veracidade do acontecimento que
é objeto de um processo.
A testemunha irá dizer suas percepções sensoriais imediatas, as quais
buscou fora do processo, acerca de um dado objetivo pretérito, e este depoimento
será aceito como um meio de prova.25
As testemunhas se classificam em direta, que é aquela que se refere a
algo que presenciou, que teve contato direto sobre aquilo que vai falar. Como ela 24 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. Campinas: Bookseller,
1997, v. 2. p. 278.25 AQUINO, José Carlos G. Xavier de. Op cit. p. 14
24
estava presente e viu o que realmente aconteceu, seu testemunho vem palpada na
autenticidade. A indireta é a pessoa que ‘ouviu dizer’ sobre o ocorrido, ela vai se
referir a algo que não presenciou.
Há, ainda, outras classificações, como a testemunha própria, ela sabe
algo a respeito do fato que está sendo imputado ao acusado (pode ser direta ou
indireta), irá dizer sobre um fato que presenciou ou ‘ouviu dizer’. A imprópria
seria aquela que não tem qualquer conhecimento a respeito do fato, porém pode
vir a auxiliar no esclarecimento, pois irá depor sobre um ato do procedimento,
e.g., testemunhas abonatórias, peritos, etc.
Tem-se, por fim, a testemunha propriamente dita ou numerárias, que
prestam compromisso legal de dizer a verdade, sendo computadas, não podendo
ultrapassar o limite legal, e a informante, que deixa de prestá-lo por possuir
alguma relação direta com os envolvidos no caso.
A prova testemunhal possui diversos conceitos, mas é evidente que todos
possuem o mesmo sentido, qual seja, que o testemunho dentro do processo penal
é o centro das investigações e influencia sobremaneira nos pareceres ministeriais,
bem como na decisão judicial.
Marcellus Polastri LIMA26, no livro A prova penal, ao tratar sobre o tema
diz que:
...a prova testemunhal é das mais importantes para o processo(...)Apesar de sua importância, e de ser a prova por excelência, já que a mais comum, pela falibilidade da pessoa humana, que vai dar o testemunho, é chamada de ‘a prostituta das provas’, pois não é incomum que o depoimento da testemunha contenha muito de seu emocional, e, assim, poderá distorcer, pela percepção à distância, os caracteres de uma pessoa.
José Frederico MARQUES27, a respeito deste tema diz que a prova
testemunhal é a que se obtém sobre fatos que se contêm no litígio penal. As
pessoas que prestam esse depoimento têm o nome de testemunhas, as quais, são
terceiros chamados a depor, sobre suas percepções sensoriais, perante o juiz.
26 LIMA, Marcellus Polastri. A prova penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 131.
27 MARQUES, José Frederico. Elementos do Direito Penal. 2 vol. 2 ed. Campinas: Millenium, 2000. p. 403.
25
Segundo Denilson FEITOZA, a prova testemunhal possui as seguintes
características. A da imediação judicial, ou seja, a prova testemunhal é somente
aquela que é colhida em juízo, tendo como destinatário o juiz da causa. Tem-se,
também, a oralidade, isto é, o depoimento da testemunha é colhido oralmente28,
porém há aqueles que podem fazê-lo por escrito, como ocorre com o presidente e
vice-presidente da República, os presidentes do Senado Federal, dentre outros. O
autor elenca ainda como características a objetividade e a retrospectividade, ou
seja, a testemunha não deve emitir suas opiniões pessoais e deve se ater acerca de
fatos passados.29
Tem-se, portanto, que o fundamento, a base da prova testemunhal é a de
que se presumi que o depoente fale apenas a verdade dos fatos, aquilo que ele
realmente sabe acerca de um determinado caso.
A oralidade na prova testemunhal é de suma importância, pois, como é
sabido, na linguagem escrita é mais fácil de termos variadas interpretações
quanto a um determinado fato, assunto. A dissimulação ocorre com mais
frequência neste tipo de linguagem, deixando o testemunho, a prova testemunhal
um tanto quanto duvidosa.
Neste contexto, diz José Carlos G. Xavier de AQUINO30
insta acrescentar que o juiz, ouvindo a testemunha de viva voz, pode analisar não só o seu comportamento expressivo, como também o seu grau intelectual e a sua ligação afetiva com o ofendido ou acusado, de sorte a auscultar a verdade do dictum(...)Este contato direto com a testemunha possibilita ao juiz extrair circunstâncias do fato investigado que para o relator, muitas vezes, sejam de somenos importância, mas que para o deslinde do caso sejam de relevo(...)O magistrado, percebendo que a testemunha deixa entrever a sua intenção de falsear a verdade, ao formular as perguntas pode estabelecer contradições, de modo que desestabilize o estado emocional do narrado.
28 O art. 204 e seu parágrafo único do Código de Processo Penal assim dispõem: “O depoimento será prestado oralmente, não sendo permitido à testemunha trazê-lo por escrito. Não será vedada à testemunha, entretanto, breve consulta a apontamentos”
29 FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal: teoria, crítica e práxis. 5 ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2008. p. 653.
30 AQUINO, José Carlos G. Xavier de. Op. cit., p. 63-64.
26
A testemunha tem o dever de dizer a verdade, tendo que, inclusive,
prestar compromisso legal de que assim agirá, sob pena de ser acusada por falso
testemunho.
O depoente não pode simplesmente agir por presunção, ou seja, dizer
algo porque presumi que assim o foi. Em alguns casos, a testemunha, ao depor,
pode começar a inverter alguns fatos, ficar nervoso e começar a dar aqueles
“brancos” durante seu testemunho, e para não deixar incompleta sua história,
começa a encher tais lacunas com presunções.
Por isso, além da atenção que o juiz deve ter em analisar o testemunho, a
própria testemunha tem que tomar cuidado com a linguagem usada, pois não
deve fazer com que suas palavras permitam mais de uma interpretação acerca do
fato. Frise-se, a declaração testemunhal se dirige de um sujeito para outro.
2.1 FASES DA FORMAÇÃO DO TESTEMUNHO
Uma testemunha deve dizer sempre, como já dito, sua real visão acerca
de um determinado fato. Suas palavras devem ser direcionadas para que se
busque a verdade, sem deixar dúvidas para o juiz.
Para se chegar a um depoimento final, o depoente passará por algumas
fases até formar seu testemunho. Para José Carlos G. Xavier AQUINO são três as
fases da formação do testemunho, quais sejam, o conhecimento do fato, a
conservação desse conhecimento e a declaração do conhecimento.31
Todas essas fases fazem parte da memória daquele que está
testemunhando, pois foi ele que viu ou, em alguns casos, ouviu dizer sobre o
ocorrido. Não se pode admitir que a pessoa faça seu testemunho com base no
fruto de sua imaginação.
Agora passa-se a analisar cada fase da formação do testemunho.
31 Ibidem. p. 25.
27
Primeiramente, o conhecimento. AQUINO32, ao citar João Mendes de
Almeida Júnior, diz que o conhecimento
é uma função vital, pela qual o sujeito congnoscente recebe e exprime em si mesmo a ação e a forma da causa; assim se verifica que o conhecimento consta de três elementos, isto é, de um sujeito cognescente, de um objecto cognoscível, e do acto da união entre este e aquele, de sorte que, formalmente, o conhecimento consiste neste acto da união pelo qual o objecto é apreendido pelo sujeito e neste representado por meio da espécie expressa.
É uma percepção de coisas imediatas e presentes. O conhecimento é,
basicamente, aquilo que o sujeito realmente viu ou ouviu. Essas percepções são
possíveis tendo em vista os sentidos humanos, sendo a visão e a audição os mais
eficazes.
O conhecimento, assim como a própria testemunha, pode ser classificado
em direto e indireto. O primeiro, como o próprio nome já diz, é aquele pelo qual
o depoente teve um contato de “primeiro grau”, e o segundo “quando a
informação do fato é veiculada para o sujeito por todo e qualquer meio de
comunicação”33.
Vincenzo MANZINI34, a respeito desse tema, diz que
não é necessário que a percepção seja consequência da presença material da pessoa, sempre que esta se encontre em condições de poder ouvir ou ver, etc., ainda sem achar-se em condições de perceber todos os elementos e circunstâncias do fato. Entretanto, neste caso é necessário que a pessoa exponha a situação em que se achava. Assim, por exemplo, é válido como elemento de prova o testemunho de quem pode ver ou ouvir às escondidas, ou seja, sem ser visto por quem executou o fato ou teve a conversação sobre a qual se depõe.
Assim, percebe-se que o conhecimento direto pode se basear em fatos em
que o sujeito não os tenha presenciado, mas que, ao menos, possa ter ouvido sem
32 (ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. A Celebração da Chave da Academia ou Festa Symbolica da Attenção. Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, v. 20, 1912 apud AQUINO, José Carlos G. Xavier. A Prova Testemunhal no Processo Penal Brasileiro. 4 ed. rev. e ampl. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 26).
33 AQUINO, José Carlos G. Xavier. Op. Cit. p. 27.34 (MANZINI, Vincenzo. Trattato di diritto Processuale penale italiano. v. 3. [s.a.]. p.
254 apud AQUINO, José Carlos G. Xavier. A Prova Testemunhal no Processo Penal Brasileiro. 4 ed. rev. e ampl. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 27).
28
que seja percebido que está tendo conhecimento sobre o caso. Ele não precisa
estar, necessariamente, frente a frente ao fato.
No conhecimento indireto, o sujeito não viveu a experiência, mas dela
teve conhecimento por causa de determinadas circunstâncias, e.g., policial que
atendeu o evento. Neste caso deve-se tomar cuidado, pois senão todas as pessoas
que conseguissem informações do caso através da imprensa poderiam querer ser
testemunha do caso. A testemunha, neste caso de conhecimento indireto, deve ser
necessariamente uma pessoa idônea.35
Não basta que o sujeito tenha só o conhecimento do fato, ele necessita de
atenção e compreensão também, ainda mais porque podem haver acontecimentos
que possam desviar a percepção da testemunha quando do ocorrido, fazendo com
que o sujeito não perceba corretamente o que viu ou ouviu.
Isso pode gerar alguns enganos, pois o sujeito poderá acreditar naquilo
que viu de forma errada, mas não irá depor de forma diferente. Mesmo que tenha
havido algo que desviou sua atenção do ocorrido, o depoente irá testemunhar
sobre aquilo que realmente viu.
A segunda fase da formação do testemunha é a conservação do
conhecimento.
Qualquer que seja o testemunho, ele deve se basear em fatos pretéritos,
assim, tem-se que o principal elemento desta fase é a memória, e é aqui que a
prova testemunhal pode vir a falhar, já que a memória pode desgastar, o sujeito
não se lembrar direito do que viu ou ouviu, e pode começar a distorcer os fatos
como realmente ocorreram.
C.J.A. MITTERMAYER36 diz que
o intervalo entre o acontecimento e o depoimento pode modificar consideravelmente a natureza d´este. A imaginação transforma facilmente a recordação dos factos confiados à memória; e então pode acontecer que certas circunstâncias sejam postas em lugar inferior, que outras tenham cores mais vivas, em virtude de uma operação
35 AQUINO, José Carlos G. Xavier. Op. Cit. p. 28.36 (MITTERMAYER, C.J. A. Tratado da prova em matéria criminal. Rio de Janeiro: J.
Ribeiro dos Santos, 1909. p. 263 apud AQUINO, José Carlos G. Xavier. A Prova Testemunhal no Processo Penal Brasileiro. 4 ed. rev. e ampl. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 40).
29
chimerica do espírito, que se apressa em preencher as lacunas da memória; torna-se difícil então distinguir o que é verdadeiro do que é imaginário. Não obstante ter a melhor vontade, a testemunha, chamada a depor muito depois do acontecimento, não pode mais separar a observação real das creações phantásticas do espírito; em uma palavra, quanto mais viva for a sua imaginação, tanto maior risco de cair na inexatidão.
O autor ressaltou muito bem a falibilidade da prova testemunhal, pois
quanto mais antigo o acontecimento mais difícil será de se lembrar do que
realmente ocorreu. Ainda mais quando o caso depende de detalhes importantes
para sua solução.
O que pode ocorrer são falsos testemunhos, depoimentos contraditórios
e, na pior das hipóteses, nos casos em que algumas partes esquecidas sejam
suprimidas pela imaginação.
Um exemplo pode ser em casos de testemunho no tribunal do júri. Um
sujeito é chamado para depor ainda quando das investigações preliminares, no
inquérito policial. O processo corre, e.g., por 5 anos. O acusado é encontrado,
indiciado e pronunciado. A testemunha é novamente chamada para prestar seu
depoimento no pleno 5 anos depois de suas primeiras declarações. É lógico que
seu depoimento, não necessariamente, poderá vir com outra versão, se
contradizendo com aquele já prestado há anos atrás.
Assim, percebe-se que a conservação do testemunho não é fácil de ser
mantida, já que a memória é falível, assim como todos os seres humanos.
A terceira e última fase da formação do testemunho é a declaração, isto
é, o próprio testemunho, a externização através da fala de tudo aquilo que o
sujeito viu ou ouviu e conservou em sua memória.
José AQUINO37 diz que “a declaração testemunhal consiste no relato do
fato que foi inferido por meio da percepção e, consequentemente, registrado na
memória do sujeito”.
Essa é a principal fase da formação do testemunho, já que é neste
momento que o sujeito irá dizer o que sabe, o que viu, o que escutou acerca do
caso que está sendo analisado. E irá dizer, testemunhar, para aquele que está em
37 AQUINO, José Carlos G. Xavier. Op. cit., p. 42.
30
busca da verdade dos acontecimentos; ajudará o juiz a formar seu
convencimento.
Portanto, até que o sujeito sente na frente do juiz para falar tudo aquilo
que sabe, deve-se passar por todas essas fases para se ter uma declaração eficaz.
O sujeito deve, então, ter o conhecimento, conservar o que sabe e, ao final, dizer
a verdade sobre os fatos.
2.2 CAPACIDADE PARA TESTEMUNHAR
Segundo o art. 202 do Código de Processo Penal, toda e qualquer pessoa
(capaz de direitos e obrigações) pode ser testemunha. A pessoa jurídica é
desconsiderada para fins de capacidade de testemunhar.
Testemunha é toda e qualquer pessoa humana capaz de depor e estranha
ao processo, chamada neste para declarar a respeito de fato percebido por seus
sentidos e relativo à causa.
Vale ressaltar, ainda, que os animais não podem ser considerados
testemunhas. Há animais que são capazes de reconhecer pessoas, e.g., um cão
farejador, que pode indicar um ladrão através de seu faro aguçado, um papagaio
que estava na cena do crime pode repetir o que ouviu, etc. Nesses casos, eles
serão meramente instrumentos de indicar indícios.
O sujeito assumirá o papel de testemunha quando for convocado
juridicamente para comparecer em juízo para narrar os fatos de que tenha
conhecimento, e que estão sendo objeto de investigação judicial.
Diz Guilherme de Souza NUCCI38 que
a norma processual é bastante clara ao estipular que toda pessoa pode ser testemunha, não se podendo excluir senão os sujeitos que o próprio Código permite que seja feito(...)As pessoas consideradas de má reputação (prostitutas, drogados, travestis, marginais, entre outras), imaturas (adolescentes maiores de 14 anos), interessadas no deslinde do processo (amigos ou inimigos do réu)(...)podem ser testemunhas, devidamente compromissadas, embora o juiz tenha plena liberdade para avaliar a prova produzida.
38 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8 ed, rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 451.
31
O mesmo autor cita um exemplo. Uma prostituta, testemunha de um
processo de rufianismo pode vir a ser imparcial, porém num caso de homicídio
poderá contar tudo que presenciou, sem pender para um lado.
O fato de a testemunha ter que prestar compromisso em dizer a verdade,
sob pena de falso testemunho, é um fator positivo para o Estado-juiz, vez que isto
exercerá uma grande influência sobre a moralidade e a consciência dos homens.
Foi dito, então, que para a pessoa ser testemunha ela deve ser capaz de
direitos e obrigações. Deve ter, no mínimo, a capacidade de acompanhar um
acontecimento, guardá-lo em sua memória e, posteriormente, transmiti-lo para
uma terceira pessoa.
Como já dito, antes de transmitir o que está guardado em sua memória, a
testemunha deve prestar o compromisso de dizer a verdade. Porém, não quer
dizer que se a pessoa não prestá-lo, ela irá mentir no seu depoimento. Todos são
chamados em juízo para dizer tão somente a verdade, mas se não optar em agir
dessa maneira, poderá estar sujeita às penas do falso testemunho.
Há aqueles que não prestam o compromisso da verdade antes do seu
depoimento. E são divididos em duas partes; os da incapacidade natural, e os da
incapacidade legal.
Os primeiros são os doentes e deficientes mentais e os menores de 14
anos, enquanto os legais são os elencados no art. 206 do Código de Processo
Penal.
Os menores de 14 anos e os doentes e deficientes mentais não estão em
condições de compreender a importância da prestação do compromisso. É
complicado para o magistrado sopesar um testemunho dessa ordem. 39 (a respeito
dos menores de 14 anos, será abordado um tópico específico no capítulo 3)
Uma pessoa doente ou deficiente mental não tem a mesma percepção da
realidade que as pessoas em plena consciência, possuindo uma memória afetada.
Porém, há casos em que a única testemunha é um doente mental ou um menor de
14 anos, e nestes o juiz deverá aceitar o depoimento sem a prestação do
39 AQUINO, José Carlos G. Xavier de. Op. cit., p. 75.
32
compromisso legal, devendo analisar de forma mais rigorosa o testemunho
destes.
Como onde houver a permissão, haverá a proibição. E no caso da
capacidade de ser testemunha não seria diferente. Há pessoas que são proibidas
de prestar seu testemunho, estão elencados no art. 207 do Código de Processo
Penal. São aqueles que em razão de função, ministério, ofício ou profissão,
devam guardar segredo, salvo se, desobrigados pela parte interessada, quiserem
depor.
Marcellus Polastri LIMA, a respeito das pessoas proibidas de depor, diz
que
função é o exercício de uma atividade por força da lei, decisão judicial ou convenção (funcionário público, tutor, etc.); ministério é a atividade decorrente de condição individual, mormente ligada à religião (padre, irmã de caridade, pastor protestante, etc.); ofício é a atividade de prestar serviços manuais (eletricista, bombeiro, relojoeiro); profissão é qualquer atividade desenvolvida com fim de lucro (engenheiro, médico, advogado, etc.).
Fica claro, portanto, que quando um pessoa tem acesso a certas
informações, dados, ou até mesmo confissões de um terceiro, desde que
voluntariamente cedida por este, ela não poderá valer-se dessa posição para
testemunhar, depor, num processo em que o terceiro estiver envolvido, desde que
não desobrigado por este. É como se fosse uma obrigação de guardar segredo
alheio. Não pode o psicólogo, espontaneamente, dizer o que sabe sobre as
confissões de seu paciente, tampouco um padre quanto às confissões religiosas
do indivíduo.
2.3 FALSO TESTEMUNHO
O crime de falso testemunho está disposto no art. 342 do Código Penal, e
consiste em “fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como
testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou
administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral”. Possui uma pena de
reclusão de um a três anos e multa.
33
O sujeito ativo deste crime é a pessoa que realiza qualquer uma das ações
descritas acima. Já o passivo é o Estado e o particular ofendido pelo delito.
Luiz Régis PRADO40, em seu comentários ao Código Penal, diz a
respeito deste crime
são três as modalidades de conduta previstas: a) fazer afirmação falsa, ou seja, dizer uma coisa positivamente distinta da verdade – dizer que é certo o que não é; b) negar a verdade: negar um fato que sabe ou conhece (negar um fato verdadeiro); c) calar a verdade: calar ou ocultar o que sabe, como testemunha (pessoas – terceiros – chamadas a depor sobre suas percepções sensoriais ou experiências. É a pessoa que declara o que sabe a respeito de fatos alheios)(...)A testemunha que nega a veracidade de um fato afirma como não-verdadeiro aquilo que o é, ao passo que a testemunha que se limita a dizer nada saber sobre o fato nada afirma, mas oculta ou cala a verdade.
Verifica-se, então, que incidirá em falso testemunho aquela testemunha
que mentir sobre um determinado fato. Ela sabe que o que está falando é mentira.
É algo que na verdade nunca aconteceu, mas mesmo assim insiste em declará-la.
Percebe-se, ainda, que não é só o fato de falar, dizer uma mentira, basta
que ela negue um fato que saiba ser verdadeiro. A testemunha, nesse caso, diante
de um fato apresentado pelo juiz ou promotor, sabendo que aquilo realmente
ocorreu, podendo, inclusive, ter presenciado o ocorrido, simplesmente negará.
Ela não irá falar uma mentira, mas sim negar aquilo que teve conhecimento
direto.
Quando a testemunha se cala, tem-se a chamada reticência. Nesse caso é
difícil a configuração deste tipo penal, vez que ela pode alegar falta de memória.
E isso dificilmente poderá fazer com que incorra neste crime.
Para Luiz Regis PRADO, o falso testemunho deve recair sobre um fato
relevante ao feito, isto é, deve ser um fato que realmente interessa ao deslinde
normal do processo, que poderá vir a alterar a verdade dos fatos, e até mesmo
levar o juiz a um julgamento de forma errada.41
40 PRADO, Luiz Régis. Comentários ao Código Penal. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 966-967.
41 PRADO, Luiz Regis. Op. cit., p. 967.
34
Para que a testemunha incorra neste crime não é necessária que ela tenha
prestado o compromisso legal de dizer a verdade, basta a alteração dos fatos da
forma como eles realmente ocorreram.
É assim, pois num caso da mãe de um acusado; ela não prestará o
compromisso legal, pois é parente do mesmo. Em seu depoimento, com certeza,
não irá dizer algo que possa vir a incriminar seu filho, alterará a verdade dos
fatos, sempre pensando em abonar sua prole. Na verdade isso ocorrerá sempre
que envolver testemunhas que sejam ascendentes, descendentes ou cônjuges do
acusado ou vítima.
O depoente não pode ser incriminado por falso testemunho pela simples
mentira, pois deve ser analisada se ele agiu com dolo, com a vontade de deturpar
os fatos. Em não tendo dolo de mentir, não tendo a vontade de causar prejuízo ao
deslinde do feito, a testemunha não incidirá neste tipo penal. Os tribunais assim
estão decidindo, segundo a RT 445/38442.
O crime de falso testemunho é considerado, por muitos, um crime de
mão própria, ou seja, que só pode ser cometido pelo autor da ação, não podendo
ocorrer casos de co-autoria ou, até mesmo, co-participação. Várias são as
decisões jurisprudenciais, como as RT 572/29143, RT 592/31744, RT 601/32145,
RT 605/30146, RT 655/28147, etc. É um crime personalíssimo.
Porém, há aqueles que dizem que a co-autoria ou co-participação neste
crime é sim possível. José Carlos G. Xavier de AQUINO diz que “é possível que
terceiros possam, a título de participação, serem considerados co-autores, desde 42 Não é suficiente para configurar o falso testemunho que o depoimento seja contrário
à verdade e possa causar prejuízo, é preciso, ainda que tenha sido feito com intenção dolosa43 É impossível a co-autoria, por instigação, no falso testemunho, dado caráter
personalíssimo da infração.44 O delito de falso testemunho, por se tratar, efetivamente, de infração de mão própria,
não admite a co-autoria. Tem caráter personalíssimo, sendo intransferível a responsabilidade penal.
45 Firme correte jurisprudencial tem entendido que o delito do art. 342 do CP de 1940 é de mão própria, somente podendo ser praticado pelo autor direto da infração. Não admite co-autoria, a co-participação através de instigação ou orientação, nem mesmo por parte do advogado do acusado.
46 É de mão própria o delito de falso testemunho, somente podendo ser praticado pelo autor da infração. Não se admite a co-autoria, com base quer no art. 25 do CP de 1940, quer no art. 29 do mesmo Código com a redação da Lei n. 7.209/84.
47 É impossível co-autoria no delito de falso testemunho, dado o caráter personalíssimo da infração, que só pode ser cometida por testemunha, perito ou intérprete.
35
que sua participação tenha sido de tal monta que a testemunha venha modificar o
seu dictum, prejudicando a verdade” 48.
Há também julgados que admitem a co-autoria pelo crime de falso
testemunho. O Desembargador Canguçu de ALMEIDA49, em um julgado de
1998 assim admitiu
FALSO TESTEMUNHO – Advogado – Co-autoria – Cabimento, na modalidade de participação – Condenação mantida – Cancelamento, no entanto, da agravante do art. 62, II, do Código Penal – Recurso parcialmente provido para esse fim. O crime de falso testemunho, ainda que de “mão própria”, o que lhe confere a especial característica de ter como autor apenas aqueles que vêm referidos no enunciado do art. 342, do Código Penal, comporta, sim, a figura do co-autor, na modalidade de “participação”. (AP.Crim. – nº 201.568-3. Des. Canguçu de Almeida. Barueri. DJ 17/08/1998)
O Desembargador além de admitir a co-autoria na modalidade de
participação, considerou o advogado como partícipe do crime.
A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a respeito da participação do
advogado neste crime assim se pronunciou50
PENAL. CONCURSO DE AGENTES. NA TUREZA JURÍDICA. TEORIA UNITÁRIA. EXCEÇÃO PLURALÍSTICA. FALSO TESTEMUNHO. PARTICIPAÇÃO DE ADVOGADO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O ordenamento jurídico pátrio adotou, no concernente à natureza jurídica do concurso de agentes, a teoria unitária ou monista, segundo a qual todos aqueles que concorrem para o crime, incidem as penas a ele cominadas (art. 29, do CP). Entretanto, exceções pluralísticas há em que o próprio Código Penal, desmembrando as condutas, cria tipos diferentes. É, Por exemplo, o caso do falso testemunho, hipótese em que a testemunha que faz afirmação falsa responde pelo delito do art. 342 e quem dá, oferece ou promete dinheiro ou outra vantagem para que aqui ela cometa o falso no processo penal, incide nas penas do art. 343. Precedente da Corte. 2. Na espécie, a conduta da recorrida (advogada,.) é atípica, porquanto limitou-se a instruir a testemunha a dizer isso ou aquilo em juízo trabalhista sem, frise-se, conforme restou consignado pelo acórdão recorrido, dar, oferecer ou prometer qualquer vantagem. 3. Recurso especial não conhecido. (STJ - RESP 169212/PE - 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU 23.8.99, p. 157)
48 AQUINO, José Carlos G. Xavier de. Op. cit., p. 119.49 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Criminal nº
201.568-3. Disponível em <www.tj.sp.gov.br>. Acesso em: 22 de março de 2010.50 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=169212&b=ACOR>. Acesso em: 22 de março de 2010.
36
Diz o relator deste recurso especial, que o advogado que faz a
testemunha de seu cliente incidir no tipo penal do art. 342 do Código Penal,
prometendo que este será beneficiado por um depoimento deturpado da
realidade, incidirá no art. 34351 do mesmo Codex. Este tipo penal tem uma pena
de reclusão de três a quatro anos e multa.
Têm-se, então, correntes divergentes acerca da configuração ou não da
co-autoria ou co-participação no crime de falso testemunho. Ambas as correntes
admitem que é um crime de “mão própria”, porém uma aceita que a indução, a
instigação por parte de um terceiro pode fazer incorrer, junto com a pessoa que
está depondo, no crime de falso testemunho.
3 AVALIAÇÃO DOS DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS
Os depoimentos testemunhais podem ser feitos, como já visto, por
qualquer pessoa que for chamada ao feito, seja ela parente ou não da vítima,
perito, delegado, policial que tenha participado do ocorrido, crianças ou
adolescentes, pessoas com deficiência mental. etc.
Cada um desses depoimentos devem ser analisados e graduados de uma
forma diferente, pois há aqueles com maior interesse no deslinde do processo
(parentes), aqueles que só irão falar acerca de fatos técnicos (peritos) e, também,
os que podem não saber muito bem o que estão falando, porém podem gerar
grande influência para a decisão do magistrado (crianças, deficientes mentais).
Posto isto, fica claro que todo e qualquer testemunho deve ter sua
credibilidade analisada para que não influencie negativamente no decorrer do
processo e que ajude o juiz a chegar à tão almejada verdade real.
3.1 CREDIBILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL
A prova testemunhal é um dos principais meios de prova para se
demonstrar a verdade real dentro do processo penal, a análise de sua
51 Art. 343. Dar, oferecer, ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação.
37
credibilidade deve ser realizada com muita atenção pelo juiz, vez que uma
análise errônea dos depoimentos prestados pode gerar um desfecho diverso
daquele que deveria ser dado no caso de uma correta valoração da prova
testemunhal. Sua criação pode ser feita de qualquer jeito, ou seja, a pessoa que
está depondo como testemunha pode dizer o que o seu defendido quer que ele
fale, nem sempre a verdade. Pode falar qualquer coisa que venha a beneficiar o
interessado pelo seu testemunho.
Portanto, surge a necessidade de uma análise diferenciada deste meio de
prova, para que o juiz não decida de forma contrária à verdade, vez que, como já
dito, o depoimento testemunhal pode percorrer os caminhos obscuros da mentira,
pois em alguns casos a testemunha pode ter certa falha de memória, uma
influência de estado emotivo que acarretará a um depoimento sem qualquer
credibilidade.
A credibilidade dos depoimentos deve ser analisada de diferentes
ângulos. Num primeiro momento deve-se verificar se a testemunha não está se
contradizendo, uma hora afirmando uma coisa e logo em seguida dizendo outra
sem qualquer nexo com o que havia dito. Para isso denomina-se deficiência de
percepção e falhas de memória. Em outro momento analisa-se se o depoente está
dizendo alguns episódios que, da análise dos autos, verifica-se que realmente são
falsos. Nesses casos, pode ser que a testemunha esteja com medo de retaliações
que possam vir a ocorrer caso diga a verdade. Isso ocorre, em alguns casos, no
plenário do Tribunal do Júri, vez que a testemunha estará na frente do réu e pode
ser que este a tenha ameaçado. Não só o réu intimidará a testemunha, mas
também a presença da família deste, pois assim como a família do acusado, a da
testemunha também, involuntariamente, estará envolvida no processo.
José Carlos G. Xavier de AQUINO52, a respeito da credibilidade da
prova testemunhal, assim leciona
(...)é de inferir que o magistrado, ao tomar o depoimento testemunhal, deve proceder com muita cautela, pois, às vezes, os olhos e os ouvidos da testemunha, com os quais, segundo a imagem de Bentham, o julgador chega mais perto da realidade fática, são
52 AQUINO, José Carlos G. Xavier. Op. cit., p. 67.
38
olhos que não vêem e ouvidos que não escutam(...) É normal a falha da percepção. Problema maior surge quando a testemunha, com a intenção de demonstrar não ser incompetente, em vez de dizer “eu não sei isso, não vi aquilo”, envereda por caminhos que podem inverter a verdade probatória(...)Afora o falso testemunho, não pode haver nada mais desastroso que isso para o direito.
E o autor continua53
eis quanto basta para demonstrar que é mister usar de muita prudência na apreciação da prova testemunhal, e que acontece frequentemente, não obstante a boa vontade da testemunha, afirmar esta perante o juiz fatos puramente imaginários em lugar da verdade. Portanto, o legislador deve cercar esta prova de todas as garantias possíveis, porque só estas podem satisfazer a consciência do juiz e firmar a seguinte presunção necessária: que a testemunha observou realmente os fatos, e quis a respeito deles depor com completamente fidelidade.
É um meio de prova, como restou demonstrado, muito importante para o
processo penal, porém da mesma forma frágil.
O magistrado ao ouvir qualquer que seja o depoente (vítima, acusado,
parentes, perito, delegado, etc.) deve analisar o testemunho sob quatro aspectos,
quais sejam, a forma de expressão da testemunha, sua condição pessoal, grau de
confiabilidade e, principalmente, o teor do depoimento54.
Devem ser analisados conjuntamente, pois havendo falha em uma das
etapas, as outras restarão comprometidas.
A expressão da testemunha, isto é, a linguagem utilizada, é um aspecto
importante a ser analisado pelo juiz, pois quando alguém está falando mentiras
atrás de mentiras fica perceptível em suas expressões que assim está agindo. O
olhar da pessoa pode demonstrar isso, possíveis falas gaguejadas igualmente
entregarão o depoimento falso.
Da condição pessoal da testemunha deve ser analisada qual a relação que
ela tem com o processo, ou seja, se é parente do acusado, da vítima, enfim, qual o
real interesse dela com a sentença que será proferida.
O grau de confiabilidade da testemunha também é de suma importância
ser analisado, vez que uma pessoa que está intimamente envolvida com o
53 Ibidem. p. 68.54 Idem.
39
processo não é muito confiável, pois como já dito, irá defender os interesses
daquele que o chamou para o processo.
O teor do depoimento, assim como a expressão testemunhal, também é
fácil saber se o sujeito está falando a verdade ou se está mentindo. E isso fica
mais evidente quando lhe é feito vários questionamentos, pois se a pessoa
realmente sabe do que está falando, não irá entrar incorrer na mentira em nenhum
momento, mas agora, se está tentando “enrolar” o magistrado, a contradição logo
surgirá, principalmente acerca dos fatos mais antigos.
Resta claro, então, que ao analisar a credibilidade de um depoimento
testemunhal, deve-se levar em consideração a memória da testemunha, sua
capacidade de recordar com extrema convicção o fato pretérito; a fidelidade do
depoimento prestado, ou seja, suas palavras devem ser consistentes, e todos os
fatos por ela narrado devem ter ligações um com o outro; e sua sinceridade, isto
é, um depoimento que em nenhum momento tentou induzir o juízo em erro, que
nunca teve a intenção de enganar o magistrado.
Um depoimento que atenda todos esses requisitos está eivado de
credibilidade e, com certeza absoluta, irá fazer com que o juiz julgue o processo
de forma correta. Será, então, uma decisão que transmitirá a tão almejada
verdade real que todos buscam no processo, mas que dificilmente é “encontrada”.
Porém, há certa dificuldade em encontrar um testemunho que preencha
esses requisitos. Muitas vezes os depoimentos não possuem qualquer lógica, são
contraditórios, não exprimem convicção, certeza daquilo que estão dizendo.
Por óbvio que nem todos os depoimentos que não passam credibilidade
estão eivados de má-fé. A memória humana, como já dito, é bem falível,
podendo, assim, o testemunho não ser tão preciso quanto aos fatos ocorridos.
Qualquer pessoa que é indagada para relatar acerca de acontecimentos pretéritos
pode vir a dizer uma mentira acreditando tratar-se da mais pura verdade. Ela
pode demonstrar, inclusive, que está sendo totalmente sincero ao narrar os fatos,
mesmo que recaia em contradições.
Esse é um dos pontos mais complicados da prova testemunhal, pois de
tão sincero que uma testemunha que esteja agindo com má-fé, pode vir a enganar
40
o magistrado sem que este perceba. Por isso que o juiz deve ter a consciência de
que cada sujeito tem um comportamento, uma forma de agir, e tentar, na medida
do possível, separar os depoimentos verdadeiros dos falsos. Não é uma tarefa
fácil, mas é uma meta a ser alcançada em toda e qualquer análise de prova
testemunhal seja no processo penal ou no cível.
A análise da credibilidade da produção das provas testemunhais dentro
do processo penal é de suma importância, vez que sua produção, em muitos
casos, não demonstra a verdade, ou seja, pode vir a alterar os fatos em busca dos
interesses daquele que as testemunhas estão defendendo, mesmo que para isso
seja necessário distorcer a verdade real.
A testemunha pode falar o que quiser na frente do juiz, embora sempre se
espera que fale a verdade dos fatos. Tudo o que disser poderá ser usado contra
ela, desde que sejam mentiras por óbvio.
As mentiras contadas pelas testemunhas podem se dividir em duas
classes, as voluntárias e as involuntárias.
As primeiras, como o próprio nome já diz, são aquelas que o depoente
fala já com a intenção de tentar ludibriar o magistrado. É aqui que ocorre o crime
clássico do falso testemunho. É a real intenção do sujeito em mentir acerca dos
verdadeiros fatos que estão sendo apurados.
O motivo que faz o depoente agir desta maneira é a de tentar ajudar, de
qualquer maneira, os interesses da pessoa que está defendendo. Ela sabe tudo
sobre os fatos, como eles ocorreram, mas para tentar beneficiar a vítima ou o
acusado, depende de qual lado está, incorrerá em falácias.
A segunda classificação de mentiras é a involuntária. Esta ocorre quando
a pessoa começa a cair em contradições, mas não por querer. Acontece com mais
frequência quando são sobre fatos mais remotos. É uma mentira que a pessoa não
queria estar contando, mas por certa falha na memória não recorda exatamente
sobre o que aconteceu e tenta completar com falas fantasiosas, mudando, às
vezes, o rumo dos acontecimentos.
Na declaração mentirosa involuntária, a própria testemunha realmente
pode não saber que assim está fazendo. São depoimentos considerados falhos
41
objetivamente, porém não subjetivamente, já que depõem dessa forma através do
que sua mente, memória e imaginação lhes transmitem como sendo a verdade.55
Portanto, tem-se que é difícil dar credibilidade para uma prova
testemunhal, mesmo sendo a mais comum. Com certeza é a que se deve dar mais
atenção quando for analisar o conjunto probatório presente num processo. Como
já dito, este meio de prova pode estar envenenado por mentiras desde a sua
produção, desde o primeiro momento em que a testemunha for questionada
perante o juízo.
É claro que não se pode generalizar quando se trata da “falta” de
credibilidade da prova testemunhal, pois cada ser humano pensa de uma forma,
mas quando se trata de depoimentos de familiares, pessoas ligadas intimamente
com a vítima ou acusado, sua análise deve ser feita com uma atenção ímpar, não
podendo deixar ser enganado por declarações emocionadas e ou munidas de
raiva.
Assim, resta clara a importância da análise da credibilidade das provas
apresentadas no processo penal, em especial a testemunhal, já que o
convencimento do juiz pode ser alterado pelos depoimentos das testemunhas
quando estes tentam maquiar a verdade, seja voluntária ou involuntariamente,
bem como quando o depoimento é feito por pessoas sugestionáveis. O
magistrado deve tomar cuidado para realizar seu convencimento acerca das
provas apresentadas, vez que muitas podem tentar induzi-lo em erro.
3.1 A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público é uma instituição permanente, extremamente
essencial para o regular funcionamento das leis. Defende os direitos de todo e
qualquer cidadão e cuida da proteção das liberdades civis e democráticas. O art.
12956 da Constituição Federal dispõe acerca das funções do órgão ministerial.
55 AQUINO, José Carlos G. Xavier de. Op. cit. p., 51.56 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua
42
Este órgão pode agir, dentro do processo, como parte processual ou
custus legis, ou seja, como um fiscal da aplicação da lei (sob pena de nulidade
processual), vez que possui a função de defender a ordem jurídica.
O Ministério Público possui a legitimidade de propor ação pública
condicionada, incondicionada e a condicionada mediante representação. Pode
ainda tomar frente de qualquer investigação criminal, consoante dispõe o art.
129, VIII da Constituição Federal, onde diz que este órgão pode requisitar
diligências investigatórias. Embora haja algumas linhas de pensamento que
dizem o contrário, ou seja, de que o Ministério Público não pode tomar a frente
das investigações.
Porém, este requisitar não seria um “solicitar”, mas sim um “mandar
fazer”. Ao mandar alguém fazer algo, deduz-se que está à frente da investigação.
Para oferecer a ação penal deve preencher as condições da ação, dentre elas a
justa causa, que é o indício probatório. No caso do agente ministerial não poder
contar com a assistência policial par ao levantamento de provas, não haverá a
justa causa. Assim, diante da falta de estrutura, e sendo órgão ministerial o
“dono” da Ação Penal, justifica-se que ele próprio faça diligências
investigatórias.
No que diz respeito à prova testemunhal, o Ministério Público pode e
deve requerer a sua produção, vez que no processo penal, além de atuar como
fiscal da lei, ele atua como parte no processo.
garantia;III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de
intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência,
requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
43
O agente ministerial deve agir com a intenção de auxiliar o magistrado
na interpretação das provas testemunhais que são colhidas durante o processo.
Deve analisar todos os testemunhos como uma pessoa imparcial, mesmo sendo a
parte acusatória, pois ele tem o dever de aplicar a lei da forma correta.
Dentro de todo esse contexto aqui apresentado, a atuação do Ministério
Público é de suma importância, vez que atua como parte e como fiscal da lei. Ao
denunciar o réu, o Ministério Público deve provar a existência do fato típico,
ilícito e culpável, desta forma, assume integralmente o ônus da acusação. O réu
pode alegar inocência, exclusão da ilicitude, porém, incumbe ao Ministério
Público demonstrar que ele não é inocente, que estão presentes todos os
elementos da ilicitude. Pode ocorrer de que o promotor de justiça narre na
denúncia que, efetivamente, foi o réu quem cometeu um determinado crime,
porém depois da análise das provas juntadas pela defesa, da oitiva das
testemunhas, ele se convença de que realmente não foi o denunciado quem
cometeu o delito. Quando isso acontecer, não deve ele persistir com a denúncia,
já que como fiscal da lei deverá pedir a absolvição daquele que ele próprio havia
denunciado como culpado pela ocorrência do crime.57
O agente ministerial não deve fechar os ouvidos para os depoimentos das
testemunhas do acusado, pois eles mostrarão um lado diferente daquele que lhe
foi apresentado. Pode ser que ele entenda que a verdade dos fatos não é aquela
que ele está defendendo, e desta forma mudará seu pensamento quanto ao
processo.
Porém, quando perceber que as testemunhas estão mentindo, ocultando
fatos que são de seu conhecimento não deve quedar silente, mas sim agir em
defesa da correta aplicação da lei.
Assim, tem-se que atuação do Ministério Público na apuração da
credibilidade da prova testemunhal deve ser feita da forma mais eficaz possível,
tendo que, inclusive, em alguns casos, mudar seu pensamento inicial e pedir a
absolvição daquele que outrora fora denunciado por fatos que agora não mais lhe
dizem respeito.
57 RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 28.
44
3.2 VALORAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL
Por todo o exposto até agora, percebe-se que cada depoimento
testemunhal possui um peso diferente.
O depoimento de uma mãe desesperada que acabara de perder seu filho
será totalmente contrário à pessoa que está sendo acusada de ter cometido o
crime, pois a emoção e a raiva falarão mais alto. Assim como o da genitora
daquele que está sentado no banco dos réus, que tentará de qualquer jeito livrar
seu filho de todas as acusações que estão sendo feitas contra ele.
Neste contexto vale a pena destacar, também, a palavra da vítima quando
possível. Ela não presta o compromisso legal de dizer a verdade, já que não é
comparada com aquelas pessoas chamadas ao processo como testemunha. A
vítima prestará declarações e não depoimentos, porém sua fala é de extrema
importância, pois poderá indicar detalhes que nenhuma outra testemunha tenha
presenciado, já que muitas vezes ela e o acusado eram as únicas pessoas
presentes no momento do ocorrido.
Essas declarações igualmente devem ser valoradas de uma forma
especial, pois a vítima é o principal interessado no resultado do processo, e por
isso irá tentar de todas as formas incriminar o acusado.
Um dos principais testemunhos que merecem uma atenção mais do que
especial é o depoimento de crianças, menores de 14 anos, enfim, o depoimento
infantil.
Os magistrados devem tomar cuidado quando se deparam com
testemunhos infantis. Normalmente estes possuem uma capacidade de criar
histórias fantasiosas, que se analisadas podem vir a comprovar o que está
disposto no processo.
Marcellus Polastri LIMA58 diz que “quanto ao testemunho infantil, em
vista da imaturidade da criança, influenciável psicológica e moralmente, sendo
58 LIMA, Marcellus Polastri. Op. cit., p. 141.
45
ainda o infante tendente à imaginação fértil e a inocentes mentiras deve ser visto
com a necessária e prudente reserva”.
A criança é um sujeito muito sugestionável, fácil de ser influenciada, por
isso seu depoimento deve ser analisado com muita atenção. Uma recompensa
qualquer para o infante pode fazer com que ele fale o que for necessário, aquilo
que for pretendido pela pessoa que tem interesse na sua fala.
Isto não quer dizer que o depoimento de uma criança não possa ser
considerado confiável, pois pode haver casos em que ela seja a única testemunha
de um determinado fato e por isso toda sua fala deve ser levada muito a sério
pelo magistrado, porém deve sempre ser analisado com o devido bom senso.
Uma criança não consegue manter uma mentira por muito tempo, então
se o juiz perceber que ela assim está agindo, deve, ao máximo, indagá-la acerca
dos fatos, pois uma hora ou outra entrará facilmente em contradição. Sua
memória é frágil e quando são instadas a recordar de algo muito importante,
mesmo que já tenha falado sobre isso, pode vir a se confundir.
Toda e qualquer criança é capaz de falar mentiras, uma vez que é dotada
de forte imaturidade, não tendo noção dos efeitos que suas palavras podem vir a
causar pro deslinde do processo.
O depoimento infantil deve ser realizado, portanto, somente quando
extremamente necessário, pois a criança e o menor de 14 anos não possuem,
ainda, a maturidade suficiente de poder lidar com noção de tempo e espaço, e
com as consequências de seu depoimento, além de ser, é claro, pessoa
influenciável, que tenta corresponder às expectativas de seu influenciador, seja
para agradar ou em troca de uma recompensa.
Outra prova testemunhal que deve ser questionada é a realizada pelo
policial. Alguns entendem ser ele parcial, pela simples função exercida, isto é,
não vai querer livrar o réu do crime que está sendo acusado e também tem a
intenção de validar o ato que o levou a efetuar a prisão do acusado, e, portanto,
ser um depoimento sem qualquer credibilidade.
Outros entendem que para que seu depoimento seja considerado parcial
deve haver uma justa causa, ou seja, o policial deve ter algo contra o acusado. Se
46
não existir essa relação, o depoimento é considerado válido, e possuirá valor
probatório normalmente, como se fosse o testemunho de qualquer pessoa.
Desta forma, fica evidente que as provas testemunhais devem ser
analisadas caso a caso. Não pode-se aceitar um testemunho de um perito técnico
com o mesmo grau do depoimento de um familiar, pois cada um possui interesse
diverso.
A graduação a ser dada pelos depoimentos testemunhais deve ser feita
pelo magistrado, que deverá perceber qual a ligação que cada testemunha tem
com o caso, as emoções, raivas, enfim, os sentimentos que são colocados em
cada palavra dita pelas testemunhas.
47
CONCLUSÃO
A prova testemunhal tem grande importância para o deslinde de um
processo penal, pois muitas vezes os testemunhos convencem o juiz a julgar de
uma determinada maneira.
Quando é o único meio de prova capaz de formar a convicção do
magistrado, ela deve ser analisada com uma atenção em especial, ainda mais
quando o testemunho é feito por pessoas que são ligadas intimamente com o
acusado e ou vítima.
Uma mãe, como dito, nunca prejudicará seu filho, tentará de todas as
formas abonar seu filho de qualquer conduta que esteja sendo acusado, e se for
necessário irá mentir quando indagada pelo juiz, assim como a mãe da vítima,
que munida de ódio e de grande emoção, irá tentar incriminar o acusado da
maneira que for possível.
É complicado, para não dizer impossível, encontrar testemunhos cem por
cento confiáveis, que não deixem qualquer margem de dúvida para o magistrado
julgar o processo. Se isso acontecesse seria perfeito, pois a verdade real iria
aparecer, e esta deve ser sempre buscada para que o desfecho do feito seja
correto.
Outro motivo que dificulta que o depoimento seja inteiramente
verdadeiro é que a testemunha é chamada para responder sobre fatos pretéritos, e
quanto mais antigos forem mais difíceis de serem lembrados, já que a memória
humana é falível, deixando os famosos “brancos” acerca de uma determinada
história. Quando isso acontece, a testemunha ao invés de falar que não se lembra
do ocorrido, tenta preencher essas lacunas com fatos que não ocorreram,
chegando ao ponto de inventar histórias só para não deixar seu depoimento
incompleto.
A busca pela verdade real depende muito das provas apresentadas no
processo, mas como muitas pessoas tentam maquiar os acontecimentos como eles
realmente ocorreram, a verdade pura dificilmente será encontrada.
48
No que tange à prova testemunhal, o sujeito incorrerá em falso
testemunho, e deve ser punido, pois ao mentir a testemunha distorce a verdade
com o intuito de favorecer aquele que está testemunhando a favor.
Algumas vezes a mentira pode aparecer sem que o sujeito saiba que
esteja agindo desta forma, é a chamada mentira involuntária, que não deve ser
punida como a voluntária (falso testemunho puro).
Uma criança ou menor de 14 anos por não possuir uma maturidade
suficiente, mas, sim, uma capacidade enorme de criar histórias fantasiosas, é
capaz de mentir, e por isso seu testemunho merece uma análise mais profunda
ainda do que os depoimentos de outras testemunhas.
Outro motivo que faz com que a credibilidade de seu testemunho caia
por terra é a de que são pessoas fáceis de serem sugestionáveis e influenciadas
por quem quer que seja. Não possui a capacidade, ainda, de manter um raciocínio
lógico, com noção de tempo e espaço, sem estarem sob influência externa.
O magistrado deve sempre proferir uma sentença baseada na verdade
real, e ela somente será alcançada quando os meios de prova forem suficientes
para seu convencimento.
Desta forma, fica evidente que a credibilidade da prova testemunhal é
muito frágil, pois todo ser humano tem a capacidade de inventar história. A
fragilidade fica mais evidente, ainda, quando se trata de testemunhas com relação
direta com os envolvidos no processo ou quando o depoimento é realizado por
crianças ou menores de 14 anos.
Por isso que a prova testemunhal não pode ser considerada suficiente
como único meio de prova capaz de convencer o juiz dentro de um processo, mas
quando assim o for, sua análise deve ser realizada com atenção e receio.
49
REFERÊNCIAS
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