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Toxicidade 1. Quando se torna tóxica? 1.1. Toxicodinâmica Os efeitos tóxicos decorrentes da utilização da fenitoína resultam de níveis elevadas do fármaco, podendo ser simplesmente devida a uma dosagem inapropriada, embora outros factores pareçam estar envolvidos no desenvolvimento da toxicidade. Estão claramente relacionados com a dose, e mostram correlação com os níveis plasmáticos do fármaco inalterado. A difenilhidantoína é metabolizada por hidroxilação do anel aromático pelo sistema citocromo P450, sendo esta a principal via metabólica. Níveis elevados do fármaco podem resultar de um metabolismo insuficiente bem como da dosagem elevada. Foram descritos padrões genéticos em indivíduos nos quais parecia haver uma deficiência nesta via metabólica, resultando no aparecimento de efeitos tóxicos mesmo em doses terapêuticos, devido à acumulação do fármaco inalterado. Outras situações passíveis de toxicidade, com doses terapêuticas da fenitoína incluem: hipoalbuminémia, insuficiência renal crónica, disfunção hepática e inibição do metabolismo por outros fármacos. Em situações de overdose, a via metabólica é propensa a saturação, conduzindo à acumulação de fenitoína livre. 1.2.Teratogenicidade A difenilhidantoína é provavelmente teratogénica em humanos. Existe até ao dia de hoje, dados insuficientes para especificar os tipos de malformações causados em humanos, embora estejam descritos casos de anomalias craniofaciais, atraso no crescimento e

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Toxicidade

 

1. Quando se torna tóxica?

 

                1.1. Toxicodinâmica

                                Os efeitos tóxicos decorrentes da utilização da fenitoína resultam de níveis elevadas do fármaco, podendo ser simplesmente devida a uma dosagem inapropriada, embora outros factores pareçam estar envolvidos no desenvolvimento da toxicidade. Estão claramente relacionados com a dose, e mostram correlação com os níveis plasmáticos do fármaco inalterado. A difenilhidantoína é metabolizada por hidroxilação do anel aromático pelo sistema citocromo P450, sendo esta a principal via metabólica. Níveis elevados do fármaco podem resultar de um metabolismo insuficiente bem como da dosagem elevada. Foram descritos padrões genéticos em indivíduos nos quais parecia haver uma deficiência nesta via metabólica, resultando no aparecimento de efeitos tóxicos mesmo em doses terapêuticos, devido à acumulação do fármaco inalterado. Outras situações passíveis de toxicidade, com doses terapêuticas da fenitoína incluem: hipoalbuminémia, insuficiência renal crónica, disfunção hepática e inibição do metabolismo por outros fármacos. Em situações de overdose, a via metabólica é propensa a saturação, conduzindo à acumulação de fenitoína livre.

 

               1.2.Teratogenicidade

                                A difenilhidantoína é provavelmente teratogénica em humanos. Existe até ao dia de hoje, dados insuficientes para especificar os tipos de malformações causados em humanos, embora estejam descritos casos de anomalias craniofaciais, atraso no crescimento e deficiência mental. Anomalias cardíacas e fenda palatina também foram reportadas em algumas situações. Em animais de experiência, a fenitoína é claramente teratogénica, tendo sido demonstrado repetidamente em ratos e ratazanas (anomalias orofaciais e esqueléticas, fenda palatina). Curiosamente, os macacos "Rhesus" são, no entanto, muito mais resistentes à teratogenicidade, demonstrando, apenas, pequenas anomalias do tracto urinário, deformações ósseas e abortos ocasionais, após dosagem elevada. Embora a teratogenicidade de difenilhidantoína em humanos não tenha sido ainda demonstrada tão claramente quanto a talidomida, os

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níveis de fármaco a que os animais foram expostos não são excessivamente elevados. Os níveis plasmáticos da droga inalterada no plasma materno com doses teratogénicas eram apenas 2 a 3 vezes superiores aos encontrados no Homem após doses terapêuticas. Existem evidências de teratogenicidade em humanos após ingestão diária de 100-800mg de fenitoína no primeiro trimestre da gravidez.        

                                O mecanismo de teratogenicidade subjacente ainda não está completamente esclarecido, embora existam algumas hipóteses explicativas. Tanto no ser humano como no rato, a difenilhidantoína sofre hidroxilação aromática pelo sistema citocromo P450. No entanto, o pré-tratamento de ratas grávidas com indutores ou inibidores da oxidação microssomal diminui ou aumenta, respectivamente a teratogenicidade. Este efeito paradoxal poderá ser simplesmente devido à remoção aumentada ou diminuída do fármaco da circulação materno por metabolismo, seguida da excreção sob a forma de glucuronido. Foi realmente proposto que a activação metabólica da difenilhidantoína pode ser responsável pela teratogenicidade. após a administração de difenilhidantoína marcada radioactivamente a ratas grávidas, o fármaco marcado ou um seu metabolito mostraram estar associados a proteínas no embrião. Foi igualmente demonstrado que o uso de um inibidor da enzima epóxido hidrolase (óxido de tricloropropeno) podia aumentar a letalidade do embrião e a teratogenicidade. Consequentemente, a quantidade de difenilhidantoína marcada ligada às proteínas aumentou após este tratamento. A epóxido hidrolase desempenha um papel importante no metabolismo de intermediários epóxidos, frequentemente tóxicos e quimicamente instáveis, produzidas pelo citocromo P450 mediante hidroxilação. Foi sugerido que o intermediário epóxido da difenilhidantoína estaria na base da teratogenicidade. Um possível intermediário seria um óxido de areno, com grande afinidade para as macromoléculas celulares. No entanto, outra evidência sugere que a fenitoína é, por si só, o agente teratogénico. Usando culturas de células microssomais in vitro, a toxicidade do fármaco era aumentada pela presença do inibidor do citocromo P450. Do mesmo modo, estudos in vivo, com animais de experiência, demonstraram que os níveis plasmáticos maternos da droga inalterada e a teratogenicidade estavam directamente relacionados.          São apenas hipóteses explicativas e se é o fármaco inalterado ou o intermediário do metabolismo da fenitoína que determinam a teratogenicidade do composto ainda não está totalmente esclarecido.

 

                1.3.Carcinogenicidade

                                Vários casos reportados sugerem que poderá haver uma estreita relação entre linfomas e anticonvulsionantes, em especial a fenitoína. Um estudo efectuado na Dinamarca demonstrou

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que doentes epilépticos expostos a anticonvulsionantes, incluindo a fenitoína, apresentavam maior propensão para desenvolver cancro, essencialmente cancro no cérebro e pulmões. No entanto, a avaliação dos riscos de tumores cerebrais ao longo do tempo demonstrou que esses tumores eram diferentes para serem relacionados com o fármaco. Foram realizados estudos pormenorizados no âmbito de verificar a influência de vários tratamentos com anticonvulsionantes e o risco de cancro no pulmão, bexiga e fígado e o linfoma não-Hodgkin. O tratamento antiepiléptico com fenitoína não está associado com cancro do fígado e bexiga, embora exista um elevado risco para o linfoma não-Hodgkin associado com o uso de fenitoína, embora não seja significativo. Estudos independentes investigaram a relação entre o aparecimento de mielomas e a administração da fenitoína, entre outros factores uma das investigações não encontrou qualquer associação, embora o outro estudo tenha encontrado uma ligeira relação entre os dois. A capacidade de avaliar o efeito da fenitoína nos dois estudos era, no entanto, bastante reduzida. Embora existam evidências insuficientes que possam demonstrar carcinogenicidade de fenitoína em humanos existem indícios adequados da carcinogenicidade deste fármaco em animais de experiência. Existem evidências de que a fenitoína induz tumores no fígado de ratos por um mecanismo promotor. O aumento do peso do fígado, a hipertrofia centrolobular e o padrão de indução do citocromo P450 são similares aos observados com outros fármacos capazes de induzir tumores no rato, como o fenobarbital. Além disso, a inibição da comunicação celular pela fenitoína in vitro apoia o papel promotor da carcinogénese nestes animais.

 

                1.4.Interacções

                                Existem numerosos fármacos que interagem com a fenitoína, podendo ser agrupadas de acordo com o mecanismo, do seguinte modo:

                                            1.4.1. Drogas que deslocam a fenitoína da ligação às proteínas plasmáticas

                                - Azapropazona                                - Diazóxido                                - Heparina                                - Ibuprofeno                                - Fenilbutazona                                - Ácido salicílico                                - Sulfadimetoxina                                - Sulfametizole                                - Sulfametoxidiazina                                - Sulfametoxipiridazina

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                                - Tolbutamida                                - Ácido valpróico

 

                                           1.4.2.Diminuição da concentração da fenitoína total ou não ligada, por indução do metabolismo

                                - Ácido fólico                                - Dexametazona                                - Fenobarbital                                - Diazepam                                - Rifampicina                                - Metadona                                - Nitrofurantoína                                - Estrogénios e Progestagénios

 

                                           1.4.3.Aumento da fracção de fenitoína não ligada secundária à inibição do metabolismo do fármaco

                                -Anticonvulsionantes:                                                - Ácido valpróico                                                - Carbamazepina                                                - Clobazam                                - Anticoagulantes:                                                - Cumarina                                - Antituberculosos:                                                - Isoniazida e PAS                                - Antagonistas H2:                                                - Cimetidina                                                - Ranitidina                                                - Omeprazol                                - Anti-inflamatórios não esteróides:                                                - Azapropazona                                                - Fenilbutazona                                                - Ibuprofeno                                - Antibióticos:                                                - Metronidazol                                                - Cloranfenicol                                - Antimicóticos:                                                - Miconazol                                                - Fluconazol                                - Antidepressivos:                                                - Fluoxetina                                - Antipsicóticos:                                                - Risperidona

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                                - Outros:                                                - Amiodarona                                                - Alopurinol                                                - Dissulfiram

 

                1.5. Síndrome de Hipersensibilidade aos anticonvulsionantes

                                O síndrome de hipersensibilidade aos anticonvulsionantes é uma reacção potencialmente fatal com manifestações sistémicas e cutâneas (incidência: 1 em 1000 a 1 em 10000 exposições) devido à produção do metabolito óxido de areno pelos anticonvulsionantes: fenitoína, carbamazepina e fenobarbital. A reacção poderá ser geneticamente determinada.

 

2. Sintomas e Diagnóstico

                Interpretação dos testes toxicológicos : Fenitoína total

Concentrações Plasmáticas (mg/mL)

Sinais e Sintomas

10-20 Nível terapêutico

20-40Tremor, letargia, naúseas, vómito,

discurso arrastado, diplopia, visão turva, nistagno

40-90

Confusão, psicose, alucinações e depressão progressiva do SNC, lentidão dos movimentos oculares e dos reflexos

osteotendinosos

> 90 Severa toxicidade, coma com depressão respiratória

 

                Interpretação dos testes toxicológicos: Fenitoína livre

Concentrações Plasmáticas (g/mL)

Sinais e Sintomas

1,5-3,5  Sinais menores de intoxicação

> 5 Efeitos tóxicos

                2.1.Diagnóstico Diferencial

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                                    Outras intoxicações: Sedativos, Hipnóticos, Acidentes Cardiovasculares, traumas do SNC e Diabetes mellitus

 

3. Efeitos Clínicos

                3.1. Vias de exposição (Ingestão aguda)

                                    A- Ingestão

                                             As manifestações tóxicas podem durar vários dias e, em geral, estão correlacionadas com as concentrações plasmáticas de fenitoína. As primeiras manifestações de toxicidade após a overdose incluem nistagno, ataxia e sonolência. Em casos de intoxicação  mais severa, nistagno vertical, disartria, ataxia progressiva a ponto de se tornar incapaz de caminhar e hiperflexia. Coma e/ou depressão respiratória são raramente observados.

                                    B- Exposição parentérica

                                            Estão descritos alguns incidentes após a administração intravenosa de fenitoína a pacientes com arritmias cardíacas. Tais complicações parecem ser mais frequentes após administração intravenosa rápida do fármaco e têm sido atribuídas essencialmente ao solvente propilenoglicol e não propriamente à difenilhidantoína. Os riscos de hipotensão e arritmia são mínimos quando a fenitoína é usada intravenosamente como anticonvulsionante e administrada ao ritmo recomendado.

 

                3.2. Órgãos alvo

                                   A- Coração

                                            Foram reportados casos de depressão da condução cardíaca, fibrilação ventricular e paragem cardíaca em pacientes adultos tratados com fenitoína IV nas arritmias cardíacas. A fenitoína IV é irritante e pode causar flebites.

                                   B- Sistema Nervoso Central

                                            Nistagmo, ataxia, disartria, sonolência, tremor de repouso. Na intoxicação grave, o doente permanece confuso e desorientado. Coma e depressão respiratória são invulgares.

                                   C- Fígado

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                                            O síndrome de hipersensibilidade à fenitoína ocorre e é caracterizado pela hepatite. Hepatomegalia com ou sem esplenomegalia poderão estar presentes. A concentraçao de transaminases, que poderão alcançar os milhares nas unidades internacionais, continua a aumentar após a interrupção de administração de fenitoína. A hepatite crónica induzida pela fenitoína foi igualmente descrita.

                                   D- Sistema Reprodutor e Endócrino

                                            A difenilhidantoína pode induzir hiperglicémia por inibição da libertação de insulina. No entanto, foi descrito um caso de hipoglicémia num doente tratado com fenitoína ao longo de 19 anos que ingeriu simultaneamente 20 g de fenitoína com Zoplicone. Este episódio de hipoglicémia foi atribuído à fenitoína e poderá ser devido à perda dos efeitos inibitórios do fármaco sobre a secreção de insulina ou a um aumento da sensibilidade dos tecidos à fenitoína. Outros efeitos endócrinos são conhecidos: redução da concentração da tiroxina.

                                    E- Pele

                                             O Síndrome de Hipersensibilidade aos anticonvulsionantes caracteriza-se por eritemas, rash cutâneo, tendo sido, também, descritos erythroderme e até mesmo necrose epidérmica.

                                    F- Sangue

                                              Os efeitos hematológicos não são observados após overdose. As anomalias hematológicas descritas incluem: leucocitose com linfócitos atípicos, eosinofilose, leucopenia e agranulocitose.

                                    G- Medula óssea

                                               A fenitoínq é responsável pelo aparecimento de deficiência em folatos e anemia megaloblástica. foi sugerido que a baixa concentração de folatos resultaria do metabolismo aumentado deste composto após indução das enzimas hepáticas pelo anticonvulsionante. A difenilhidantoína pode ainda estar envolvida directamente no aparecimento de pancitopenia e agranulocitose.

 

4. Tratamento

                A toxicidade é raramente fatal e é ultrapassada pela instituição de cuidados básicos e pela descontinuação com fenitoína.

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Deve-se manter as vias aéreas desobstruídas sendo a administração de oxigénio indicada bem como a administração IV de fluidos. A monitorização dos sinais vitais deverá constituir uma preocupação, embora seja necessário monitorizar o ritmo cardíaco apenas em situações de extensa gravidade. Aconselha-se a descontaminação do tracto gastrointestinal, através da lavagem gástrica (com sonda nasogástrica, utilizando a técnica apropriada, se o doente é tratado nas primeiras 4H-6horas após ingestão) e da administração de carvão activado. A diurese forçada, a hemodiálise e a hemoperfusão não são efectivos no tratamento de intoxicações por fenitoína. Não está disponível qualquer antídoto para reverter esta situação, tanto nos adultos como em crianças.

 

5. Prognóstico

                Se não ocorrem anóxia ou sépsis a recuperação é completa, após eliminação da droga, a qual pode durar aproximadamente uma semana. O doente pode regressar a casa, se as seguintes exigências forem obedecidas: se não existir doença neurológica subjacente; se o doente não tiver administrado fármaco com intenções suicidas, se a ingestão foi acidental e o paciente está completamente assintomático.

Fenitoína: O limiar entre o Fármaco e o Tóxico

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Toxicologia e Análises Toxicológicas I 2004-2005