Fenômeno de Transporte

download Fenômeno de Transporte

of 86

Transcript of Fenômeno de Transporte

  • Ernesto Bozzano

    Fenmenos de Transporte (Extraordinrios e comentados casos de transporte

    e de desintegrao e reintegrao da matria)

    Contedo resumido

    O ilustre professor e cientista italiano Ernesto Bozzano estudou os fenmenos de transporte, de objetos e pessoas, atravs de longos anos de experimentao. A presente obra o resultado desse criterioso trabalho de pesquisa.

    Fenmenos de Transporte , como os outros livros do autor, um trabalho essencialmente cientfico. O fenmeno de transporte um dos mais objetivos e tambm dos mais extraordinrios de todos os fenmenos de alm-tmulo.

    No decorrer da obra Bozzano relata uma srie de fatos, todos eles documentados, comprovados, capazes de enfrentar a crtica mais exigente, mais rigorosa. Sumrio Sobre o Autor.............................................................................................................. 1 Prefcio ....................................................................................................................... 4 Introduo................................................................................................................... 4 Categoria I

    Transportes a pedido ou em que se encontram modalidades de produo que excluem toda possibilidade de fraude .................................................................... 14

    Categoria II Fenmenos obtidos em plena luz ........................................................................... 47

    Concluses................................................................................................................. 73 Nota final................................................................................................................... 83 Sobre o Autor

    Ernesto Bozzano foi um dos mais eruditos sbios dos ltimos tempos. Nascido em Savona, provncia de Gnova, na Itlia, no ano de 1861, ele veio a desencarnar em Gnova, no dia 7 de julho de 1943.

    Dado o seu inusitado interesse pelo estudo do Espiritismo, em cujo af dedicou metade de sua profcua existncia de 81 anos, mereceu o cognome de Grande Mestre da Cincia da Alma. Trabalhando catorze horas dirias, durante cinqenta e dois anos, elaborou um estudo que se fosse enfeixado num livro de tamanho mdio, resultaria num volume de 15.000 pginas. Para colimar seus estudos contou com o concurso valioso de 76 mdiuns, tendo ainda deixado nove monografias inconclusas.

    Com apenas 16 anos de idade, Bozzano j se interessava por temas abrangendo assuntos filosficos, psicolgicos, astronmicos, cincias naturais e paleontolgicas. Alm disso, desde a sua juventude, sentia inusitada atrao para os problemas da personalidade humana, principalmente os que conduziam s causas dos sofrimentos, a finalidade e a razo da vida humana.

    O seu nome alcanou notvel projeo internacional, tendo sido escolhido como Presidente de Honra do V Congresso Esprita Internacional, realizado em Barcelona, Espanha, de 1 a 10 de setembro de 1934.

    Conforme notcia estampada no famoso jornal ingls Two Worlds, em sua edio de maio de 1939, os espritas britnicos ofereceram-lhe belssima medalha de ouro, tendo em uma de suas faces uma figura simblica segurando uma coroa de louro na mo direita, com a divisa latina Aspera ad Astra, e na outra face uma legenda cuja

  • traduo a seguinte: Ao Grande Mestre da Cincia da Alma, Ernesto Bozzano, que abriu novos horizontes humanidade sofredora, seus amigos e admiradores.

    Bozzano foi intransigente defensor do Espiritismo, tendo tomado a incumbncia de tamanha relevncia aps estud-lo minuciosamente.

    Numa poca em que o Positivismo de Augusto Comte empolgava muitas conscincias, Bozzano passou a engrossar suas fileiras, demonstrando ntida inclinao por todos os ramos do saber humano e entregando-se resolutamente ao estudo das obras dos grandes filsofos de todas as pocas. Dos postulados positivistas gravitou para uma forma intransigente de materialismo, o que o levou a proclamar, mais tarde: Fui um positivista-materialista a tal ponto convencido, que me parecia impossvel pudessem existir pessoas cultas, dotadas normalmente de sentido comum, que pudessem crer na existncia e sobrevivncia da alma.

    Nos idos de 1891, recebeu do professor Ribot, diretor da Revista Filosfica, a informao sobre o lanamento da revista Anais das Cincias Psquicas, dirigida pelo Dr. Darieux, sob a gide de Charles Richet. A sua opinio inicial sobre essa publicao foi a pior possvel, dada a circunstncias de considerar verdadeiro escndalo o fato de representantes da Cincia oficial levarem a srio a possibilidade da transmisso do pensamento entre pessoas que vivem em continentes diferentes, a apario de fantasmas e a existncia das chamadas casas mal-assombradas.

    Nessa mesma poca, o professor Rosenbach, de S. Petersburgo (atual Leningrado), publicou violento artigo na Revista Filosfica, situando-se numa posio antagnica introduo desse novo misticismo no domnio da psicologia oficial. Na edio subseqente, o Dr. Charles Richet, refutou, ponto por ponto, as afirmaes de Rosenbach, as quais reputava errneas, mostrando em seguida as suas concluses lgicas sobre a matria. Esse artigo do sbio francs teve o mrito de diminuir as dvidas de Bozzano.

    Os ltimos resqucios dessa dvida foram completamente destrudos na mente de Bozzano, quando ele leu o livro Fantasmas dos Vivos, de autoria de Gurney, Podmore e Myers. As dvidas que alimentava sobre os Fenmenos telepticos foram assim completamente eliminadas. Dali por diante dedicou-se, com afinco e verdadeiro fervor, ao estudo aprofundado dos fenmenos espritas, fazendo-o atravs das obras de Allan Kardec, Lon Denis, Gabriel Delanne, Paul Gibier, William Crookes, Russel Wallace, Du Prel, Alexander Aksakof e outros.

    Como medida inicial para um estudo mais profundo, Bozzano organizou um grupo experimental, do qual participaram o Dr. Giuseppe Venzano, Luigi Vassalo e os professores Enrico Morselli e Francisco Porro da Universidade de Gnova.

    No decurso de cinco anos consecutivos, graas ao intenso trabalho desenvolvido, esse pequeno grupo propiciou vasto material imprensa italiana e, ultrapassando as fronteiras da pennsula, chegou a vrios pases, pois praticamente havia-se objetivado a realizao de quase todos os fenmenos, culminando com a materializao de seis Espritos, de forma bastante visvel e com a mais rgida comprovao.

    O seu primeiro artigo intitulou-se Espiritualismo e Crtica Cientfica, porm o sbio levou cerca de nove anos estudando, comparando e analisando, antes de publicar as suas idias. Polemista de vastos recursos, sustentou quatro acrrimas e importantes polmicas com detratores do Espiritismo. A fim de pulverizar uma obra de ataque, publicada na poca, fez editar um livro de duzentas pginas, o qual levou o ttulo Em Defesa do Espiritismo.

    A primeira obra por ele publicada, com o fito de sustentar a tese esprita foi a Hiptese Esprita e a Teoria Cientfica, qual se seguiram outras no menos importantes: Dos Casos de Identificao Esprita, Dos Fenmenos Premonitrios, e A Primeira Manifestao de Voz Direta na Itlia.

  • As seguintes obras de Bozzano foram vertidas para o portugus: Animismo ou Espiritismo?, Pensamento e Vontade, Os Enigmas da Psicometria, Metapsquica Humana, A Crise da Morte, Xenoglossia, Fenmenos Psquicos no Momento da Morte e Fenmenos de Transporte.

    O seu devotamento ao trabalho fez com que o grande sbio italiano se tornasse de direito e de fato um dos mais salientes pesquisadores dos fenmenos espritas, impondo-se pela projeo do seu nome e pelo acendrado amor que dedicou causa que havia esposado e defendido com todas as foras de sua convico inabalvel.

    Um fato novo veio contribuir para robustecer a sua crena no Espiritismo. A desencarnao da sua me, em julho de 1912, serviu de ponte para a demonstrao da sobrevivncia da alma. Bozzano realizava na poca sesses semanais com um reduzido grupo de amigos e com a participao de famosa mdium. Realizando uma sesso na data em que se comemorava o transcurso do primeiro aniversrio de desencarnao da sua genitora, a mdium escreveu umas palavras num pedao de papel, as quais, depois de lidas por Bozzano o deixaram assombrado. Ali estavam escritos os dois ltimos versos do epitfio que naquele mesmo dia ele havia deixado no tmulo de sua me.

    Durante os anos de 1906 e 1939, Bozzano colaborou intensamente na revista esprita Luce e Ombra, escrevendo tambm centenas de artigos para as revistas do gnero, que se publicavam na Itlia, Frana, Inglaterra e outros pases.

  • Prefcio

    Ernesto Bozzano ainda, sem a menor dvida, a maior expresso esprita nos dias que correm. Falecido j h alguns anos, o grande mestre italiano continua a ser o autor citado na literatura esprita contempornea no campo da fenomenologia.

    verdade que nenhum dos grandes autores espritas, de Crookes a Bozzano, de Flammarion a Geley, destruiu o cerne da obra de Allan Kardec. Terminologia nova, interpretaes mais desenvolvidas at certo ponto, eis o que se tem notado, depois de Kardec, mesmo porque todo ramo de conhecimento recebe enriquecimentos com a marcha dos anos. No fundo, porm, no que diz respeito aos princpios gerais do Espiritismo, nenhum autor, da Terra ou do Alm, sobrepujou a codificao de Kardec.

    Ernesto Bozzano trouxe inestimvel contribuio cincia esprita. Basta dizer que os trabalhos de Bozzano so sempre uma fonte universal. No se pode atualmente discutir a cincia esprita, sem, depois de conhecer a obra de Kardec, citar Bozzano. Seus livros so considerados clssicos em matria esprita.

    Fenmenos de Transporte , como os outros livros do grande professor italiano, um trabalho essencialmente cientfico. O prprio ttulo, alis, o diz, porque o fenmeno, como se sabe, o objeto, a razo de ser da cincia esprita. Sem o fenmeno no haveria cincia esprita, no teramos o Espiritismo, embora o Espiritismo (corpo de doutrina) no seja apenas fenmeno. O fenmeno de transporte um dos mais objetivos, mais caractersticos de todos os fenmenos de alm tmulo. Bozzano estudou o assunto atravs de longos anos de experimentao, o que lhe d autoridade cientfica. Nas suas muitas pginas cita uma srie de fatos, todos eles documentados, comprovados, capazes de enfrentar a crtica mais exigente, mais rigorosa. Consta do livro, como fecho, alis, bem apropriado, o trecho de uma carta do Dr. Charles Richet, nome consagrado mundialmente nos meios cientficos, como mdico famoso e professor de Fisiologia na Faculdade de Medicina de Paris, relatando um interessante caso de transporte ocorrido em Buenos Aires, Argentina, no ano de 1891 e que lhe foi comunicado pelo prprio protagonista, o visconde Saul de Vitray.

    Este, pois, trata-se de um livro muito curioso e interessante, que deve ser lido por todos os adeptos do Espiritismo.

    Deolindo Amorim

    Introduo

    Percorrendo os numerosos resumos, com relativos comentrios e observaes, feitos na Itlia e no estrangeiro, acerca de nossas experincias em Millesimo, tive ocasio de observar, de modo geral, que as manifestaes supranormais que pareciam mais duvidosas a muitos cticos no eram as vozes diretas e sim os fenmenos de transportes,1 e no do ponto de vista particular dos casos por ns obtidos mas sim do genrico e terico da pressuposta inverossmil cientfica do fenmeno em si, combinada com a ausncia de boas provas em tal ramo das manifestaes metapsquicas. E o que mais me impressionou foi a circunstncia de que entre os que se declaravam teoricamente incrdulos se achavam eminentes personalidades cientficas pertencentes ao movimento metapsquico, personalidades que, desde muito, haviam aderido interpretao espirtica de muitas manifestaes medinicas.

  • Era, pois, natural que as observaes expostas me levassem a refletir sobre as causas que determinavam tal estado de incipiente ceticismo em torno da existncia real de uma categoria de fenmenos supranormais que, longe de serem raros, eram assaz freqentes na casustica metapsquica, fenmenos que investiguei durante um decnio com dois mdiuns privados notveis, obtendo, pessoalmente, absoluta certeza de sua realidade.

    Ora, eu verifiquei que a causa nica desse persistente ceticismo em relao aos casos de transportes residia no fato de que ningum jamais pensou em recolh-los, classific-los e analis-los em uma monografia especial, pois, embora existissem numerosos casos do gnero, obtidos nas condies de manifestao incontestvel, esses se achavam de tal forma dispersos em livros e revistas que ficaram ignorados grande maioria dos cultores das pesquisas psquicas.

    Foram essas consideraes que me induziram a publicar uma primeira monografia de ensaio sobre os Fenomeni di apporto ed asporto, da qual fossem excludos e isto a fim de eliminar todas as possibilidades de fraude todos os casos obtidos em plena obscuridade, com exceo dos em que os objetos transportados tivessem sido pedidos e designados, no momento, pelos experimentadores ou que, por outros motivos, bem definidos, exclussem, igualmente, toda prtica fraudulenta, casos todos que reuni na primeira categoria dos fenmenos em exame, para depois passar a uma segunda categoria em que se contivessem os casos de transportes obtidos em plena luz.

    Rejubilo-me com essa rigorosa limitao de casos obtidos em condies de excluir qualquer suspeita de fraude, suspeita dificilmente eliminvel nos casos conseguidos em plena obscuridade, sem as condies expostas; rejubilo-me, repito, porque assim agindo, deverei chegar a vencer a perplexidade de alguns eminentes homens de cincia, especialmente dos representantes das cincias fsicas, os quais, calculando a enorme quantidade de energia necessria obteno dos fenmenos da desintegrao molecular de um objeto qualquer, achavam impossvel que tal soma de energia pudesse ser fornecida pelos mdiuns, sem refletir que, aqui, no se trata de energia fsica mais de energia psquica, cuja potencialidade todos ns ignoramos; entretanto, querendo ajudar-nos a compreender, recorrendo a provas por analogia, ento deveremos reconhecer que, se a vontade capaz de criar, quase instantaneamente, um fantasma materializado, perfeitamente organizado e vivo, resulta da que no o caso de espantar-nos se a mesma vontade chega a rapidamente desintegrar um objeto em seus elementos moleculares, para, em seguida, reintegr-la, instantaneamente, em outra casa. O primeiro milagre parece bem mais estupefaciente do que o segundo.

    Por ora no formularei outras consideraes tericas a respeito, mas, antes de passar exposio dos fenmenos de transportes propriamente ditos, considero oportuno resumir, de modo breve, alguns dentre os mais notveis episdios do fenmeno de penetrao da matria atravs da matria, episdios que, intrinsecamente, se mostram idnticos aos transportes e deles diferem apenas pela modalidade com que se manifestam.

    Assim sendo, resulta da que tal categoria de fenmenos se tornar instrutiva em nosso caso, porquanto parece indicadssima a predispor o nimo de profanos e incrdulos para acolher a outra categoria afim dos fenmenos de transportes.

    E, para comear, recordarei o clssico episdio narrado por William Crookes na descrio de suas prprias experincias com o mdium Daniel Dunglas Home. Escreve ele:

    O segundo caso que vou narrar verificou-se em plena luz, numa noite de domingo e na presena do Sr. Home e de alguns membros de minha famlia, somente. Eu e minha esposa tnhamos passado o dia no campo e dali trouxe algumas flores que havamos colhido. Chegados nossa casa, entregamos criada para p-la na gua. O Sr. Home chegou logo depois e todos ns nos

  • dirigimos para a sala de jantar. Quando nos sentamos, a criada trouxe as flores que havia posto em um vaso e eu o coloquei no meio da mesa, cuja toalha fora retirada. Era a primeira vez que o Sr. Home via tais flores.

    Depois de obtidas vrias manifestaes, a conversa derivou para certos fatos que parecia no se poderem explicar seno admitindo que a matria pudesse realmente passar atravs de uma substncia slida. A esse propsito, a seguinte comunicao nos foi dada alfabeticamente: impossvel a matria passar atravs da matria, mas vamos mostrar o que podemos fazer.

    Esperamos em silncio. Uma apario luminosa foi logo vista pairando sobre o buqu de flores, depois, vista de todos, um galhinho de erva da China, com 15 polegadas de comprimento e que ornamentava o centro do buqu, elevou-se lentamente do meio das flores e, em seguida, desceu sobre a mesa, defronte do vaso, entre este e o Sr. Home. Chegando mesa, o raminho no se deteve, mas a atravessou em linha reta e todos ns o vimos muito bem at passar inteiramente.

    Logo depois do desaparecimento do galhinho, minha esposa, que estava sentada ao lado do Sr. Home, viu, entre ela e Home, uma estranha mo que vinha debaixo da mesa e que segurava o raminho da erva com o qual lhe bateu duas ou trs vezes nos ombros com um rudo que todos ouviram. Depois o depositou no soalho e desapareceu. Apenas duas pessoas viram a mo, porm todos os assistentes perceberam o movimento do raminho. Enquanto isto se dava, todos ns podamos ver as mos do Sr. Home pousadas tranqilamente sobre a mesa que estava diante dele. O lugar em que a erva desapareceu ficava a 18 polegadas daquele onde estavam as suas mos. A mesa era uma das de sala de jantar, com molas, abrindo-se com um parafuso. No era elstica e a unio das duas partes formava uma estreita fenda no meio; pois foi atravs dessa fenda que a erva passou e medi-a e observei que tinha apenas 1/8 de polegada de largura. O galhinho da erva era demasiadamente grosso para que pudesse passar atravs da fenda sem partir e, entretanto, o tnhamos visto passar por ali, sem dificuldade, docemente, e, examinando-a em seguida, ela no mostrou a mais leve marca de presso ou de arranho.

    William Crookes (Experiences sur la force psychique,

    pg. 171 da edio francesa).

    Vimos, no caso exposto, que a personalidade medinica operante dissera ser impossvel passar a matria atravs da matria, mas como depois a mesma entidade produziu um fenmeno que demonstrava praticamente o contrrio, deve-se entender que, com tal afirmativa, quis referir-se penetrao da matria slida atravs de outra matria slida, mas, em igual tempo, demonstrou, com fatos, como era possvel fazer passar atravs da matria slida outra matria desintegrada em estado molecular ou fludico.

    *

    Com referncia s clssicas experincias do gnero em exame, no posso deixar de tratar das famosas experincias do prof. Zllner com o mdium Slade, no ano de 1877, juntamente com os professores Weber e Fechner, experincias por ele predispostas com modalidades de manifestaes incomuns.

    Ele havia preparado quatro tiras com 148 centmetros de comprimento e 1 milmetro de dimetro, cujas extremidades reuniu, atou e cuidadosamente lacrou. No momento de servir-se delas tomou uma das mesmas e a colocou em torno do pescoo e, como os experimentadores se encontrassem em plena luz, ele no perdeu de vista as

  • extremidades das tiras nas quais se achavam os ns lacrados. Aps alguns instantes, sem que o mdium Slade tocasse as tiras, produziram-se quatro ns numa delas. Em outra experincia, o prof. Zllner usou tiras chatas, de couro, as disps sobre uma tbua de madeira, unindo-as nas pontas e lacrando-as, chegando, desse modo, a formar crculos concntricos do dimetro de 5 a 10 centmetros. Logo em seguida colocou sobre elas as suas prprias mos e bem pronto sentiu um sopro frio e tambm que as tiras se mexiam debaixo de suas mos, enquanto as mos do mdium se achavam a 30 centmetros de distncia e permaneciam imveis. Trs minutos aps, Zllner retirou as mos e verificou que as tiras de couro estavam entrelaadas umas s outras, formando quatro ns.

    Uma terceira experincia foi feita com uma corda de violino, na qual ele introduziu duas argolas de madeira e uma terceira argola feita de tripa, tendo os trs anis o mesmo peso. Depois atou as duas pontas da corda de violino e as lacrou. Poucos minutos aps, perceberam um leve cheiro de queimado e, ao mesmo tempo, ouviram o rudo como de dois anis de madeira que se chocassem. Olharam para esse lugar e viram as duas argolas de madeira, que cerca de trs minutos antes estavam presas corda do violino, enfiadas na perna da mesinha. Naturalmente, a penetrao no podia efetuar-se de modo normal, nem na parte do disco da mesinha, nem na parte dos trs ps em que terminava a nica perna central da mesinha. Alm disso, na corda do violino haviam se formado dois ns frouxos e o anel de tripa havia penetrado neles.

    Nenhuma dvida padece de que, de um ponto de vista estritamente lgico, as vrias experincias acima referidas, feitas em plena luz, com rigor cientfico e na presena de trs homens de cincia, devero de per si bastar para provar a existncia real dos fenmenos da penetrao da matria atravs da matria. Mas, se isso verdade de um ponto de vista estritamente racional, assim no na prtica toda vez que o critrio da razo se acha em presena de manifestaes que se mostram em franco contraste com as concepes que a humanidade vem formando em torno das leis da natureza (concepes sempre parciais e provisrias, mas constantemente consideradas como definitivas) e ento se verifica que o critrio humano repele muitas vezes o que incapaz de assimilar eu exige a reiterao, sob mltiplas formas, das manifestaes produzidas, antes de render-se evidncia.

    E no se pode negar que, se a primeira forma de acolhimento a de repelir o que novo deplorvel, a segunda, ao contrrio, parece legtima e indispensvel ao reto desenvolvimento do saber humano, o qual se funda na experincia. Em suma, se pessoalmente lcito ser lgico conceder pronto e justo valor a fatos bem verificados, embora isolados, no deve ser mais assim quando se trata de consagrar oficialmente o grande alcance dos mesmos. Neste ltimo caso, deve-se esperar que os fatos se acumulem em medida suficiente para se lhes aplicar os processos cientficos da anlise comparada e da convergncia das provas. Da a necessidade de classificar os fatos.

    Quanto ao leve cheiro de queimado sentido pelos experimentadores no momento em que se verificava o fenmeno das argolas introduzidas na perna da mesinha, noto como tal observao se liga a outra j por mim referida nos comentrios sobre as experincias de Millesimo e a propsito dos transportes em geral, em que objetos transportados, de pedra ou metal, foram muitas vezes encontrados tpidos, quentes ou quentssimos, segundo a estrutura atmica dos mesmos objetos, o que, na base da lei da transformao das foras fsicas, deve justamente produzir-se toda vez em que nos defrontarmos com um fenmeno de desintegrao e reintegrao rapidssima da matria e, assim sendo, ento se deveria inferir que, no caso aqui considerado, em que se tratava de argolas de madeira, o incidente do leve cheiro de queimado estaria a indicar que a muito rpida desintegrao e reintegrao molecular das argolas tenha provocado uma reao calrica bastante notvel para atacar e queimar, em pequena parte, a celulose da madeira.

  • *

    Prosseguindo na enumerao dos fenmenos em exame, observo que so tambm instrutivas as notveis experincias dos doutores Dupouy e Puel com uma jovem posta em estado sonamblico pelo segundo deles. O Dr. Dupouy, no seu livro Sciences Occultes et Physiologie Psychique (pg. 213), assim escreve:

    Como contribuio pessoal aos fatos da ordem em exame, recordarei as famosas experincias da pulseira, feitas pelo Dr. Puel, experincias a que estive presente uma dezena de vezes, juntamente com outras testemunhas. Trata-se de um bracelete sem abertura ou solda, que se colocava no antebrao da sonmbula, Sra. L. B. Suas mos pousavam abertas, em cima da mesa ou eram seguras entre as mos de um de ns. Em um dado momento, a sonmbula emitia um grito de dor e logo ouvamos o bracelete cair ao cho ou em cima de um mvel. Algumas vezes, nas mesmas condies de experimentao, isto , com as mos da sonmbula estendidas sobre a mesa e as mos de um dos experimentadores em cima delas, assistamos, ao contrrio, passagem de uma pulseira de um antebrao para outro.

    O Dr. Chazarin, que, por sua vez, teve ocasio de assistir a tais experincias, a elas se refere nos seguintes termos:

    O fenmeno se verificou duas vezes sob o meu controle pessoal e da seguinte maneira: a sonmbula sentou-se perto da mesa e eu fiquei defronte para vigiar-lhe os movimentos. Por duas vezes eu apanhei o bracelete e o introduzi no seu antebrao direito ao mesmo tempo em que segurava a sua mo correspondente, que mantinha fortemente apertada entre ambas as minhas mos. Depois de cerca de oito a dez minutos, a sonmbula proferiu um grito, no sei se de dor ou de medo, despertando de sobressalto. Em outra experincia semelhante, o meu amigo Augusto Reveillac me disse que, tendo apanhado logo a pulseira, verificara estar ela impregnada de um calor escaldante. (Revue Scientifique et Morale du Spiritisme, 1905, pg. 347).

    Noto que esta ltima observao do relator, de que o bracelete foi encontrado em um estado de calor escaldante, no s confirma quanto se disse com referncia ao caso anlogo anterior, mas serve, ao mesmo tempo, para demonstrar a perfeita identidade de manifestao existente entre os fenmenos da penetrao da matria atravs da matria e os dos transportes, visto que, nesta ltima categoria de manifestaes, os casos em que se encontram mais ou menos quentes os objetos transportados se mostram assaz freqentes. Saliento, finalmente, como to interessante modalidade de manifestao, comum a ambas as categorias de fenmenos, serve, ademais, para provar, indireta mas eficazmente, a sua autenticidade de manifestaes supranormais indiscutveis.

    *

    Este outro interessante episdio, semelhante ao anterior, pouqussimo conhecido e isto porque est contido numa carta particular do Sr. Stainton Moses Sra. Speer e se refere ao perodo em que a mediunidade de Moses ainda no se tinha desenvolvido de modo notvel, carta em que ele tentava formar certa opinio em torno das novas pesquisas, experimentando com outros mdiuns.

    Na circunstncia aqui considerada, experimentava pela primeira vez com a notvel mdium Sra. Holmes e obtivera manifestaes excepcionais, o que se dava pelo fato de as suas prprias faculdades medinicas se harmonizarem com as da mdium. Em um dado momento, o esprito-guia Rosie lhe disse que, como ele havia levado grande contribuio de fora, experimentaria produzir o fenmeno da passagem do arco em redor do brao. Tratava-se do arco de um tamborim de madeira,

  • reforado com uma faixa de ferro e usado como coleira. Moses o examinara minuciosamente, achando-o normal. Ele assim prossegue:

    Aproximando-me da mesa, tive o cuidado de acertar, com uma das mos, a exata posio em que se achava o arco ali colocado. Em seguida, a convite de Rosie, apalpei cuidadosamente o brao da mdium para assegurar-me de que nele no fora colocado nenhum arco igual, depois do que lhe segurei ambas as mos e lhe imprimi aos braos uma sacudidela to forte que, se neles houvesse um arco ou uma coleira, teria cado ao cho. Enfim, apertei-lhe ambas as mos com uma das minhas e com a outra mo quis ainda certificar-me se o arco se achava em seu primitivo lugar. Inesperadamente verifiquei que se subtraia muita fora ao meu organismo e vi formar-se uma luz espiritual em cima da mesa. A mdium cara em transe e o seu corpo era sacudido por um tremor convulsivo. Eu olhava a luz medinica e, a um dado momento, a vi e senti aproximar-se de mim, enquanto, ao mesmo tempo, verificava que o arco do tamborim estava enrolado ao redor de meu brao. Eu havia sentido meu brao passar literalmente atravs de um dos lados do arco e a matria deste ltimo me havia parecido mrbida lanugem que tinha, de sbito, cedido ante o obstculo encontrado. Mal se produzira o fenmeno, senti que o lado da penetrao do arco se tornara madeira dura. E eis que me achei com o arco do tamborim em torno de meu brao, ao passo que, com ambas as mos, segurava as da mdium!.. Esse admirvel fenmeno, por mim pessoalmente controlado, auxiliou-me grandemente a compreender como se verifica a passagem da matria atravs da matria. (Light, 1892, pg. 599).

    O caso exposto interessante e, ao que sei, tambm o nico episdio do gnero em que o experimentador pde observar o instante em que se produzia o fenmeno e tambm o ponto preciso do prprio brao em que penetrava o arco e a modalidade com que isto sucedia. Geralmente tal no acontece e os experimentadores acham um anel, um arco, etc., enfiados no brao, sem notarem, antes, nenhuma sensao correspondente.

    Ora, a circunstncia exposta notvel do ponto de vista terico das modalidades com que se produzem os fenmenos do gnero, j que, se Moses notou a passagem do arco do tamborim atravs do prprio brao, experimentando a sensao de algo de morbidssimo como lanugem, que logo cedera frente ao obstculo encontrado, isto faz presumir que a desintegrao fludica da matria lenhosa e metlica do tamborim no foi levada ao grau mximo de sublimao, mas reduzida a estado de pastosidade suficiente para produzir o fenmeno.

    Nos casos dos transportes, ao contrrio, a desintegrao da matria dever ser constantemente levada ao grau mximo de sublimao molecular ou fludica.

    *

    Querendo enumerar todas as formas com as quais se podem produzir o fenmeno da penetrao da matria atravs da matria, mencionarei igualmente a modalidade com que se manifestou nas experincias do Rev. Haraldur Nielsson com o mdium Indridi Indridasson. Escreve o prof. Nielsson:

    Tnhamos ento feito construir uma casinha que foi exclusivamente destinada s nossas experincias, pois o crculo j aumentara consideravelmente. Havia, s vezes, setenta pessoas presentes na reunio.

    A fim de prevenir qualquer possibilidade de compadrio da parte dos assistentes, estendemos uma rede atravs da sala das experincias, do teto ao cho. Suas malhas eram to pequenas que se tornava impossvel passar uma mo atravs dela. O mdium ficava sentado atrs da rede, com um fiscal, e todos os assistentes permaneciam do outro lado.

  • Essa disposio no perturbou, de maneira alguma, a produo dos fenmenos.

    Objetos soltos, como uma mesa, uma caixa de jogos, uma ctara, duas trombetas, o suporte, etc., foram, como anteriormente, deslocados atravs da rede. (Rev. Haraldur Nielsson Mes experiences personelles, etc., pg. 37 da edio francesa).

    E, tambm nas circunstncias expostas, o fenmeno da penetrao da matria atravs da matria no duvidoso, visto que a mesinha, a ctara e o suporte no poderiam passar normalmente atravs das malhas de uma rede com dimetro muito menor do que a largura de uma palma de mo, sem rasg-la em vrios lugares.

    Resulta da que o fenmeno se torna tambm interessante de um outro ponto de vista e o caso estupefaciente de uma vontade subconsciente ou extrnseca que chega a desintegrar os fios tesos de uma rede para depois reintegr-los exatamente nos mesmos lugares.

    *

    Termino esta breve enumerao dos casos tpicos, relativos aos fenmenos em exame, narrando um episdio assaz maravilhoso na aparncia, mas, na realidade, no mais extraordinrio do que os outros, aparncia, porm, que deu causa a uma polmica instrutiva na revista que o publicou, durante a qual surgiram alguns teoristas que logo adivinharam que o relator se deixara enganar. Tal polmica se desenrolou em cinco nmeros da revista esprita inglesa Light, a comear do n 8 de janeiro de 1910. O relator das experincias o coronel F. R. Begbie, do Exrcito da ndia, e todos os experimentadores puseram as suas assinaturas de confirmao no relato publicado nessa revista.

    O Cel. Begbie declara que o episdio, de que vou tratar, se produziu no prprio crculo privado do qual no fazem parte mdiuns profissionais e que o esprito-guia de suas experincias uma jovem indiana de nome Susu e que, certo dia, lhe informara que na Terra gostara muito de chocolate. O Cel. Begbie prossegue nestes termos:

    Comprei meia libra de pastilhas de chocolate e as coloquei dentro de uma caixinha. Escrevi breve cartinha Susu, cujo contedo s por mim era conhecido, e a depositei tambm dentro da caixinha, que fechei e embrulhei, cuidadosamente, em uma folha de papel escuro, amarrando-a, bem apertada, com um barbante cujas pontas lacrei, a pondo o meu carimbo. Coloquei a caixinha em cima da mesa, dispondo, em torno da mesma, os cartes de visita dos experimentadores, todos com as respectivas firmas autgrafas. Susu no tardou a incorporar-se na mdium para anunciar que experimentaria tirar o chocolate, depois do que, aparentemente, deixou a mdium. Seguiram-se golpes na mesa com os quais ordenava: Acendei a luz. Assim se fez, verificando-se que faltavam dois cartes de visita, um dos quais era o meu e o outro da senhora vizinha. Apagou-se depois a luz e reiniciou-se o canto de um hino, meia voz, na expectativa de recebermos uma mensagem escrita nos dois cartes desaparecidos. Perto da segunda estrofe do hino que cantvamos fizeram-se ouvir golpes com os quais foi ditada a frase: Tirei o chocolate. E acendei a luz. Executada a ordem, apanhei a caixinha, que estava aparentemente intacta, e, segurando-a na mo, apercebi-me de que ela estava vazia, salvo uma pastilha solitria, que, quando sacudia a caixinha, saltava dentro, entretanto o barbante que a amarrava fortemente, o selo de lacre que imobilizava as pontas do cordo e o papel que a envolvia estavam intactos.

    Os meus companheiros queriam que eu a abrisse para verificar se Susu respondera minha carta, mas eu recusei, visto no querer tocar no envoltrio para no destruir uma prova irrefutvel da passagem da matria atravs da

  • matria. E eis que, quando se fez a obscuridade, os golpes ditaram: Abri a caixinha. Acendei a luz. Com verdadeira relutncia decidi-me a cortar o barbante e a retirar o envoltrio de papel. Quando abri a caixinha fiquei surpreso ao verificar que o meu carto de visita, com a minha assinatura, se achava dentro dela o que no mesmo estava escrita uma comunicao de Susu. Ao contrrio, a carta, por mim escrita e colocada dentro da caixinha, no foi encontrada nem dentro nem fora. Na minha carta Susu, eu lhe pedia presentear-me com uma pastilha de chocolate e essa respondia me agradecendo pela lembrana que eu tivera, observando que o chocolate pedido ela o deixara na caixinha. Este era, na verdade, o modo com que Susu interpretara o meu desejo, mas no correspondia s minhas intenes, visto que eu desejava que o chocolate me fosse colocado entre os lbios, como havia feito antes com outro experimentador...

    Resumindo: Nesse extraordinrio episdio, achamo-nos em face ao caso de uma caixinha contendo meia libra de chocolate, por mim cuidadosamente enrolada numa folha de papel escuro e fortemente amarrada em cruz, com um barbante cujas pontas foram devidamente fixadas, seladas com lacre, timbradas, dentro da qual foram desmaterializados e depois transportados os chocolates, assim como a carta ali colocada. Alm disso, no lugar da carta, apareceu o meu carto de visita, colocado do lado de fora, na mesa, e tudo isso sem se mexer no envoltrio, no barbante e no lacre timbrado. O fenmeno parece de tal modo maravilhoso que no h possibilidade de se poder explic-lo a no ser admitindo-se a interveno de uma entidade espiritual extrnseca ao mdium e aos presentes. J obtivemos, em nosso crculo, numerosos fenmenos notabilssimos, mas este supera a todos. Desafio qualquer prestidigitador a tentar produzir o mesmo fenmeno sob as mesmas condies. (Firmados: o Cel. Begbie e todos os experimentadores).

    Esse o interessante episdio narrado pelo Cel. Begbie. Antes de referir-me s discusses que se seguiram, preciso recordar que na casustica metapsquica se contm outros episdios idnticos, a comear pelos obtidos por Zllner. Assim, por exemplo, este ltimo colocou algumas moedas dentro de uma caixinha que depois colou e lacrou, o que no impediu que, na presena do mdium Slade, as moedas nela contidas atravessassem a caixinha, depois a mesa em que estava colocada, para cair, tilintando, no cho.

    No caso de uma outra caixinha, contendo igualmente moedas, o fenmeno se produziu em duplo sentido, visto que foram transportadas as moedas e introduzidas na caixinha duas lascas de ardsia. J se compreende que, em ambas as circunstncias, as colas e os lacres foram achados intactos.

    Isso explicado, retomo a minha narrativa, notando que, em dois nmeros seguidos da revista Light, apareceram as observaes contraditrias de dois crticos: os senhores Mac Callum e C. W. Scarr. Este ltimo perguntou ao Cel. Begbie: Por que no podemos obter, na claridade, os mesmos resultados? Por que precisamos de um mdium para obt-los? O carter ingnuo de tal pergunta basta para demonstrar a profunda ignorncia de quem as formulava, por isso no o caso de nos ocuparmos delas. Quanto ao Sr. Mac Callum, este demonstrou achar-se altura dos chamados crticos cientficos, visto que alvejou o Cel. Begbie com uma srie de perguntas, abjees e insinuaes das quais me limitarei a enumerar as principais.

    Ele comeou por objetar que apenas as pontas do barbante estavam fixadas e lacradas, ao passo que deveria fazer outro tanto com o invlucro de papel. Depois objetou que o narrador se esquecera de informar se havia possibilidade de se entrar e sair do aposento sem ser descoberto e ainda que houvesse descurado de fazer saber quantos minutos haviam transcorrido do momento em que se apagou a luz ao instante

  • em que Susu ditara a frase: Apanhei o chocolate. Acendei a luz., enfim, que ele no se preocupara em fazer saber se tinha sempre vista a caixinha sobre a mesa toda vez que a luz era acesa. O Cel. Begbie se apressou em gentilmente responder, nos seguintes termos, primeira objeo:

    Experimentamos em um aposento pequeno, que termina diretamente na sala de jantar, sala essa que fica sempre iluminada. A porta do quarto fica sempre fechada dupla volta de chave, antes de se apagar a luz. Seria, portanto impossvel algum sair sem ser observado, visto que, se abrisse a porta, iluminaria o quarto. Demais, ningum poderia mover-se sem ser logo descoberto, tanto mais que todos ns estvamos sempre escuta para no deixarmos de ouvir os golpes que ressoavam muitas vezes bem fracamente. Como o quarto era pequeno, sentvamos em crculo cerrado e bem juntos uns dos outros. Somos quase todos experimentadores de longa data e comprovada experincia, de modo que no seria fcil sermos enganados. Isto dito observo que a nossa mdium, que h 11 anos se presta gentilmente a experincias por puro amor causa, est acima de qualquer suspeita. Vi a caixinha sobre a mesa, quando a luz foi acesa, notando que faltavam dois cartes de visita. Minutos aps, obtinha-se a mensagem: Tirei o chocolate. Acendei a luz. Nesse brevssimo espao de tempo as pastilhas de chocolate, assim como a minha carta, eram transportadas de dentro da caixinha e a minha missiva era respondida com uma mensagem escrita no meu carto de visita, que estava em cima da mesa e fora introduzido dentro da caixinha. Noto, finalmente, que a circunstncia de Susu ter respondido minha carta demonstra que a leu, em plena escurido. Tambm o Sr. Mac Callum seria capaz de ler no escuro?

    O Sr. Mac Callum respondeu reconhecendo que devia excluir-se a possibilidade de algum ter sado do quarto para ajeitar, em outra parte, a caixinha e rep-la no lugar, acrescentando, porm, que, para ler a carta e respond-la, no era preciso sair, visto que a mdium poderia ter lido no pensamento do Cel. Begbie. Quanto afirmao acerca de os experimentadores se sentarem em um crculo fechado, ele no estava em posio de coment-lo, porquanto o relator no havia fornecido o dimetro do mesmo crculo. Contudo observava que, se dois compadres se sentassem ao lado da mdium, ento seria possvel que, durante o hino cantado, os trs confederados chegassem a executar a sua combinao, sem despertarem a ateno dos outros. Acrescentava que tambm era coisa faclima escrever regularmente em plena escurido. Enfim, reconhecia a existncia de uma nica dificuldade realmente insupervel que era a possibilidade de colocar em seu lugar o envoltrio de papel com idnticas dobras de antes e, assim sendo, o Sr. Mac Callum se tirava do impasse lanando a dvida de que o Cel. Begbie no tivesse observado bem o invlucro da caixinha. Declarava, todavia, sinceramente, que a dificuldade de colocar no lugar o invlucro de papel estava praticamente removida, j que se provara reproduzir, na escurido, o mesmo fenmeno e a fora conseguido, salvo o bendito invlucro que ficara mal. Terminava por pedir ao Cel. Begbie que repetisse a experincia com uma caixinha fornecida, preparada e lacrada por ele mesmo.

    Reproduzo os trechos principais da rplica do Cel. Begbie: Ficamos profundamente surpresos ao ver que, depois de todos os informes

    por mim ministrados ao Sr. Mac Callum, persiste este em pr em dvida a honestidade dos componentes de nosso crculo. Ele observa que a subtrao das pastilhas de chocolate da caixinha seria fcil quando dois comparsas se sentassem ao lado da mdium. provvel, mas eu forneci, a propsito, razes tais que se deveria excluir, para sempre, to indigna, falsssima, injustssima insinuao, cuja sombra se projeta sobre todos os membros de nosso grupo. Se eu, por um s momento, pensasse que a minha relao (escrita por sentimento

  • de dever e no interesse da causa esprita) tivesse por conseqncia engendrar insinuaes e acusaes sobre a nossa honestidade, no a teria nunca publicado.

    Quanto ao envoltrio de papel, posso garantir ao Sr. Mac Callum que, antes de resolver-me a desamarrar a caixinha, eu e os outros experimentadores a examinamos diligentemente, minuciosamente, longamente, de todos os lados, achando-a perfeitamente intacta, tal como eu a havia preparado. O Sr. Mac Callum afirma ter conseguido remover o barbante, o invlucro e os chocolates em plena obscuridade. Eu o convido a reproduzir a prova em nosso crculo, assegurando-lhe que ele ser recebido com a mxima deferncia. Obrigo-me, alm disto, a doar 10 libras esterlinas ao Instituto de Beneficncia caso ele consiga executar a sua empresa, sem que os outros no se apercebam, condies, porm, pelas quais ele se obriga a doar outro tanto ao mesmo Instituto, em caso de insucesso.

    Relativamente proposta que me faz de repetir a experincia, operando com uma caixinha enviada pelo meu censor, respondo que, se ele possui conhecimentos adequados sobre o assunto, deveria saber que a coisa no possvel com o seu estado de nimo e que saturaria os objetos empregados na experincia com magnetismo antagnico, neutralizando, efetivamente, a produo do fenmeno. Aceito, todavia, o seu desafio, mas com a variante de que eu fornecerei a caixinha, preparando-a na presena de dois amigos do Sr. Mac Callum e lacrando-a com timbre por ele fornecido. Espero os amigos por ele escolhidos para a experincia...

    E com isso termino a polmica originada pelo episdio exposto. Deve-se deduzir da que o Sr. Mac Callum no ousou correr o risco de perder 10 libras esterlinas numa tentativa absurda, j que podia ter a palavra numa polmica, mas no traduzir na prtica o que dizia. Quis reproduzir em detalhes a polmica originada pela relao do Cel. Begbie porque nela se notam pontos de semelhana notabilssima com a por mim mantida a propsito das experincias de Millesimo, salvo que o Sr. Mac Callum se mostrou sempre correto e leal nas suas crticas e, se resvalou algumas vezes em insinuaes genricas de fraude, essas no exorbitaram nunca dos limites de quanto se deve conceder a um crtico. Viu-se, contudo, que o Cel. Begbie no se ofendeu seriamente e no se pode negar que ele no tivesse boas razes para tal. Bem diversos e muito mais reprovveis foram os mtodos com que se desenrolaram as polmicas em torno das nossas experincias e o Dr. Bernouilli, de Zurich, o notou, exprimindo-se nestes termos ao endereo desses censores que se transformaram em agressores:

    A crtica uma arma de dois gumes que deve ser manejada com extrema cautela e absoluta retido, se quiserem evitar conseqncias fatais. Assim, por exemplo, h crticos incautos que obtm por nico resultado ver atirar fora o recm-nascido juntamente com a gua do banho...

    Na verdade esse o nosso caso, mas eu no tenho nenhuma inteno de demorar-me em demonstr-lo e me satisfarei em aludir indiretamente aos resultados obtidos pelos nossos crticos, repetindo as palavras do Cel. Begbie:

    Se eu, por um s momento, pensasse que a minha relao (escrita por sentimento de dever e no interesse da causa esprita) tivesse por conseqncia engendrar insinuaes e acusaes sobre a nossa honestidade, no a teria nunca publicado.

  • Categoria I

    Transportes a pedido ou em que se encontram modalidades de produo que excluem toda possibilidade de fraude

    Na enumerao dos casos que me propus tratar, desejava seguir uma disposio em grupos, segundo as vrias modalidades com que so produzidos os numerosos fenmenos de transportes, aqui considerados, modalidades que excluem toda possibilidade de prticas fraudulentas, malgrado a condio de plena obscuridade em que foram obtidas. Entretanto, o meu propsito no se mostrou praticamente utilizvel, visto que, em uma mesma sesso, s vezes se agrupam episdios de transportes diferenciados por modalidades de produo as mais diversas, o que me constrange a renunciar a uma disposio ordenada desses episdios. No resta seno o recurso de contornar esse pequeno inconveniente por meio de um resumo final em que se contenham todas as modalidades com que eles so produzidos.

    Quando consultamos as obras e as revistas publicadas nos primeiros quarenta anos de pesquisas no campo das manifestaes supranormais, encontramos bom nmero de extraordinrios casos de transportes diferenciados pelas condies de produo aqui consideradas, no obstante renuncio a relat-los para no exorbitar nas propores da presente monografia, reservando espao para os episdios do gnero, obtidos em mais recentes decnios e em nossos dias.

    Acerca das manifestaes relativamente antigas, aludirei, de passagem, a alguns incidentes obtidos com a mediunidade do Rev. William Stainton Moses para depois demorar-me um tanto em torno de episdios obtidos graas mediunidade da Sra. Guppy (ento Sra. Nicoll), e isto pela considerao de que essa mdium, tornada famosa pelos casos de transporte da prpria pessoa de uma casa para outra, no bastante conhecida como maravilhosa mdium de transportes a cujo respeito deve-se acrescentar que algumas sesses notabilssimas por ela realizadas em Florena, durante uma viagem de recreio Itlia, so literalmente ignoradas, conquanto se mostrem dignas de sair do esquecimento.

    Caso I Malgrado a variedade e a importncia dos fenmenos de transportes obtidos com a mediunidade do Rev. Moses, em que, entre outros, se classifica a rara especialidade de transportes de pequenas gemas (prolas orientais, esmeraldas, safiras, bem como camafeus de origem supranormal), raros so os episdios que apresentam algumas das caractersticas aqui contempladas. No obstante, verificaram-se chuvas de prolas orientais em plena luz (at trinta perolazinhas de uma s vez) e isso nos intervalos entre uma e outra sesses, no momento em que os experimentadores passavam sala de refeies para tomar ch e, em outra circunstncia, a Sra. Speer viu uma perolazinha oriental pousar em cima do papel de carta no qual escrevia.

    No me estendo sobre essa fase interessantssima da mediunidade de Moses, porquanto o esprito-guia Rector j explicara que no se tratava de transportes verdadeiros e sim de criaes espirticas. Observo, de qualquer maneira, que se tratava de criaes de gemas autnticas e duradouras e, quando Moses, conforme ordem recebida, foi a uma joalheria para fazer engastar o magnfico rubi medinico em um anel que devia trazer constantemente no dedo, o joalheiro, depois de t-lo longamente examinado, observou que aquele rubi era de uma beleza e de uma pureza excepcionais.

  • Destaco, dentre os vrios transportes obtidos a pedido, dois seguintes episdios colhidos nos relatrios da Sra. Speer:

    Sesso de 7 de Setembro de 1872 Esta noite nos reunimos como de costume. Logo se manifestou o nosso amigo A., que respondeu a vrias perguntas e tocou, a pedido nosso, o seu maravilhoso instrumento espiritual. Mentor espargiu em abundncia um delicioso perfume para harmonizar os fluidos. Eu pedi que me fosse trazido um objeto que se achava no meu quarto de dormir. Quase imediatamente me foi posto na mo um frasco de perfume que se encontrava sobre a minha mesa de toalete. (Light, 1892, pg. 391).

    Na sesso de 18 de janeiro de 1873 l-se este outro episdio: Esta noite o quarto foi inundado de perfumes e as manifestaes de ordem

    fsica foram poderosas. Em um dado momento, caiu entre mim e o dr. Speer um livro que provinha da biblioteca fechada chave. O Dr. Speer ento nos informou que pedira mentalmente ao Mentor para trazer-lhe algum objeto que se achasse fora da zona fludica que circundava o mdium. (Light, 1892, pg. 523).

    Este segundo episdio, conforme pedido formulado mentalmente, se mostra mais do que nunca interessante do ponto de vista probatrio. Observo que a biblioteca, da qual foi trazido o livro transportado, se achava na sala das sesses, mas como o livro foi tirado da seo envidraada da biblioteca, sempre fechada chave, o fato se traduz em transporte, visto que o fenmeno da penetrao da matria se realizou igualmente.

    Relato ainda este outro episdio de transporte de uma campainha. Escreve Moses: Na sesso de 28 de agosto (1873), sete objetos, tirados de aposentos

    diversos, foram transportados; no dia 30 outros quatro, entre os quais uma campainha, levada da sala de jantar contgua ao quarto das experincias. de notar-se que se deixava sempre aceso o gs, com toda chama, tanto na sala de jantar como na saleta, em razo do que, se algum abrisse qualquer uma das portas, certa onda de luz teria logo invadido o aposento em que fazamos as experincias. Como o fato no se verificou mais, obtivemos com isto a tal prova que o Dr. Carpenter considera a mais desejvel, isto , a prova do bom senso, visto que as duas portas permaneceram sempre fechadas. Na sala de jantar se achava uma campainha e ns a ouvimos, imprevistamente, tilintar e pudemos seguir-lhe o movimento no ar, observando que o rudo se aproximava lentamente da porta que a separava de ns. Pode-se facilmente imaginar o espanto de todos ns quando, a despeito da porta, ouvimos a campainha tilintar dentro do quarto, aproximando-se lentamente de ns. Deu a volta ao quarto, tilintando sempre, depois desceu, passou por debaixo da mesa e elevou-se um pouco, chegando ao nvel de meu cotovelo. Veio tilintar justamente debaixo do meu nariz, depois em torno da cabea de todos os presentes, um aps outro, e finalmente pousou delicadamente em cima da mesa. (Proceedings of the S. P. R., vol. IX, pg. 267).

    Ao ler o magnfico episdio aqui exposto, ocorreu-me logo memria um caso semelhante obtido por William Crookes com a mediunidade da Srta. Kate Fox. A diferena existente entre os dois episdios consiste na circunstncia de que, no caso de Crookes, a campainha transportada comeou a tilintar quando j se achava na sala das sesses, ao passo que, no caso de Moses, a campainha j o fizera em outro aposento, fornecendo, desta forma, um complemento de prova sobre a genuinidade do fenmeno, que se mostra ento positivo. E isto quanto importa do ponto de vista a que me propus com a presente classificao.

  • Noto ainda, no episdio em apreo, que o que me parece mais espantoso a circunstncia de ter a campainha penetrado na sala sem quase deixar de tilintar. Caso estivessem apagadas as luzes da sala de refeies, ter-se-ia podido explicar o mistrio, supondo que, em tal contingncia, se tivesse produzido o fenmeno inverso da desintegrao de uma parte da porta, atravs da qual passara a campainha, mas como a sala de refeies estava iluminada, no possvel recorrer-se a tal plausvel soluo do mistrio. Dever-se-, portanto, inferir que o fenmeno da desintegrao e reintegrao da campainha se produziu com tal rapidez que o intervalo de silncio foi bastante curto para no ser notado pelos experimentadores.

    Caso II Devendo ocupar-nos da mediunidade da Sra. Guppy (antes Srta. Nicoll), no posso deixar de extrair algumas citaes dos escritos do famoso naturalista Alfred Russell Wallace, que foi quem descobriu as faculdades medinicas. Ele, no seu livro On miracles and modern Spiritualism, escreve nestes termos:

    Conheci a Srta. Nicoll antes de nunca ter ela ouvido falar de mesas girantes e do Espiritismo e descobri-lhe as faculdades medinicas por mera especulao, convidando-a a tomar parte em nossas experincias. Isso aconteceu em novembro de 1866 e por alguns meses continuamos ininterruptamente as nossas sesses, de modo que tive facilidade em vigiar e acompanhar o maravilhoso desenvolvimento de sua mediunidade. A forma mais notvel por ela assumida consistia nos transportes de flores e frutas, em um quarto hermeticamente fechado. O fenmeno se produziu, pela primeira vez, em minha casa e isto se deu no incio de seu desenvolvimento medinico. Esse fenmeno, porm, se verificou centenas de vezes em ambientes diversos, sob condies variadssimas. Algumas vezes as flores chegaram, de repente, em tal quantidade, que formaram um grande monte sobre a mesa e, alm disso, aconteceu muitas vezes que flores e frutas eram transportadas justamente a pedido dos experimentadores. Assim, por exemplo, um meu amigo pediu um girassol e logo caa em cima da mesa uma dessas plantas da altura de seis ps, com as suas razes envoltas em uma espessa camada de terra.

    Um episdio anlogo a este ltimo foi narrado pelo conhecido escritor espiritualista Robert Cooper, amigo de Russell Wallace e seu companheiro de experincias. Escreve ele:

    Certa vez, depois do jantar, dirigi-me casa do Sr. Guppy, em Highbury, c por ele soube que a sua esposa fora passar a noite na residncia de uma famlia vizinha. O Sr. Guppy acrescentara que se tratava de novos conhecidos, bem como de pessoas ignorantes das coisas do Espiritismo e que lhe haviam pedido para assistir a algumas sesses do gnero, em vista do que me prontifiquei a acompanh-lo quela casa. Sucedeu, portanto, que, pelas 6 horas, dirigimo-nos juntos para ela. Depois do ch, resolvemos fazer uma sesso. O quarto era pequeno e perfazamos uma dzia de pessoas sentadas em crculo, ao redor da mesa, razo pela qual no ficava espao algum para se passar entre um e outro de ns. Apagou-se a luz e pouco depois pancadinhas alfabticas pediram aos presentes que especificassem as coisas que desejavam fossem transportadas e alguns pediram flores e outros frutas. Eu, a princpio, pensei numa couve-flor, mas como no estivesse certo de que era poca dela, disse: Trazei-me um torro de terra com erva. Poucos minutos aps vimos sinais manifestos de que a minha ordem estava traduzida em ato, pois um dos presentes acusou ter sido tocado no peito por algo de impreciso. Logo depois sucedeu outro tanto comigo e, ao mesmo tempo, notei algo de indefinido que me caa no colo. Acendeu-se a luz e ento todos viram que se encontrava no meu colo um torro de terra mida com ramos de erva bem compridos. Apenas pus-lhe a mo, notei, com

  • espanto, que dentro da terra mida da raiz se contorciam minhocas! Evidentemente o torro fora arrancado, naquele momento, de algum prado dos arredores. (Light, 1896, pg. 165).

    E agora passo a citar alguns trechos no menos interessantes, tomados de sesses realizadas em Londres e em Florena, mas igualmente ignoradas de todos, visto que s foram relatadas por experimentadores italianos, bem como publicadas exclusivamente na revista Annali dello Spiritismo in Italia, dirigida pelo professor Scarpa (Niceforo Filalete) e h muitos anos extinta.

    Transcrevo, antes de tudo, um longo trecho da narrao de Achille Tanfani, redator da publicao supracitada, o qual, tendo ido a Londres a negcio, teve ocasio de assistir a algumas sesses com a Sra. Guppy. Escreve ele:

    Fui favorecido pelo nosso excelente amigo Sr. Damiani com uma carta que me apresentou aos Guppy e tive, com isto, a fortuna de presenciar grande parte das maravilhas medinicas que, com tanto prazer, eu lera nos jornais espritas da Inglaterra.

    Sexta-feira, 23 de junho de (1874) No obstante uma neblina que me ocultava a vista do magnfico palcio de Westminster e uma chuva mida que filtrava de um cu escuro, abalei-me do meu hotel em Rupert Street e me dirigi para o n 1 da Morland Villa, moradia do casal Guppy. Passamos o dia em agradvel palestra e, depois do jantar, fui gentilmente convidado pela Sra. Guppy a acompanh-la a uma casa da cidade, onde prometera fazer uma sesso esprita.

    O oferecimento no podia ser mais cativante e, pouco depois, eu me achava numa carruagem em companhia dos Guppy e de certa Sra. Fisher, em direo quela residncia. Devo fazer notar que o veculo era to pequeno que s havia lugar para quatro pessoas, de modo que ficaram amarrotados at os vestidos das senhoras e mais ou menos importunadas as pernas de todos. Esta observao, conquanto frvola, poder servir para dar maior realce aos fenmenos que estou para descrever. Depois de uma boa hora de caminho, chegamos finalmente ao n 7, Dane Inn, casa do Sr. Volkmann, nosso amvel hospedeiro.

    Achei na sua casa uma pequena mas seleta assistncia de seis ou sete pessoas, entre as quais o Sr. Greck, coronel do exrcito russo. Tomamos todos os lugares em redor de uma grande e pesada mesa, numa saleta do andar trreo que dava para o corredor de entrada por uma nica porta, que foi fechada chave. Durante a breve palestra que precedeu sesso, tive facilidade em inspecionar o aposento, mas nada descobri que pudesse ter a menor relao com os belssimos fenmenos de que fui testemunha. Apenas feita a obscuridade e mantendo-nos todos em cadeia, em volta da mesa, esta comeou a fazer movimentos bruscos e ondulatrios com tal fora que foi bom que no nos encontrssemos em andar superior, pois de outra forma teramos receado pelo soalho. Logo uma brisa bastante agradvel, em uma noite to quente e naquele quarto hermeticamente fechado, veio bafejar-nos as mos e os rostos e repetidamente fomos banhados com gua de colnia. Seguiram-se alguns golpes misteriosos, inimitveis. Parecia-nos que se estava batendo no na superfcie, mas no interior da madeira e, ao mesmo tempo, alguma coisa caiu em cima da mesa, de tanto peso que, movidos pela curiosidade, acendemos a luz e pode-se calcular a nossa surpresa ao encontrarmos sobre a mesa um grande p de uva-espim, com terra e razes, que, em altura e largura, media mais de dois ps.

    Foi novamente apagada a luz e, alguns minutos aps, caiu uma chuva de rosas, que, na claridade, achamos to frescas e to umedecidas de orvalho que

  • parecia terem sido colhidas ali mesmo, e nove insetos multicores esvoaavam de uma para outra flor.

    Tornamos a fazer a obscuridade, por recomendao dos invisveis, e esperamos s poucos instantes quando diversos objetos foram atirados sobre a mesa e verificamos, com a luz acesa, se tratarem de um limo, uma laranja, um grande pepino e um enorme ramo de framboesas com a altura de cerca de seis ps. Compreende-se que seria preciso uma pequena despensa para esconder todas essas coisas e seria bem pueril crer que a Sra. Guppy tivesse podido ocult-las naquela pequena carruagem em que framos para a sesso. Acrescento que essas plantas tm espinhos agudos e que a fragrncia das flores as teria revelado ao olfato, caso se tivesse meios de subtra-las vista. De rosas a quantidade foi tal que, depois de cada um de ns ter feito o seu ramalhete, ainda sobrou bastante para enfeitar toda a comitiva. (Annali dello Spiritismo in Italia, 1874, pg. 274 ).

    Em outra sesso, qual teve ocasio de assistir o mesmo Achille Tanfani na casa dos Guppy, presente tambm o escritor Robert Cooper, produziram-se outros fenmenos da mesma natureza, mas que no relatarei aqui para no me alongar muito, salvo o seguinte episdio em que se verificou o aparecimento de outros animaizinhos vivos. Escreve o narrador:

    Em um dado momento derramou-se gua perfumada sobre ns e fomos gentilmente acariciados com raminhos de cerejas, nos quais, acesa a luz, descobrimos dois escaravelhos vivos, com muito pavor da Sra. Guppy, que tem por eles repugnncia. (Idem, pg. 302).

    E agora passo a narrar os principais trechos dos relatrios sobre as sesses com a Sra. Guppy, em Florena, relatrios esses escritos por Rinaldo Dall'Argine, secretrio da Societ Spiritica Florentina e um dos mais inteligentes e benemritos espritas da primeira hora.

    Tiro os trechos, aqui reproduzidos, dos Annali dello Spiritismo in Italia (1869, pg. 178 e seguintes). O relator assim comea:

    A Sra. Guppy, apenas chegada a Florena, fez amizade com a condessa Enrichetta Bartolomei, esposa do Sr. conde Tomaso Passerini, e como so ambos ardorosos e perseverantes cultores de nossa doutrina e muito freqentemente fazem experincias em sua residncia, a Sra. Guppy, por eles convidada a dar provas de suas extraordinrias faculdades medinicas, se prestou com toda a boa vontade e obteve os costumeiros fenmenos...

    A primeira sesso, que a Sra. Guppy fez na casa Passerini, foi na noite de 23 de dezembro de 1868. Os convidados, em nmero de 14 ou 15, eram todos espritas e, em volta de uma mesa redonda, do dimetro de cerca de um metro, se sentaram os cnjuges Guppy e muitos dos assistentes. A mdium quis que lhe ligassem as mos e que a dona da casa as prendesse entre as suas e assim se fez. O Dr. Wilson (um dos convidados) segurou as mos do Sr. Guppy. As outras pessoas do crculo estavam em torno da mesa, em segunda linha, formando cadeia.

    Aps alguns minutos, a mdium (sempre de mos ligadas e seguras pela Sra. Passerini) mandou apagar a luz. Com a sala em profunda escurido, ouvimos pancadas na mesa como se algum, com os ns dos dedos, batesse sobre ela. Ento, por meio da tipologia, houve um dilogo entre o Sr. Guppy e o esprito que se manifestava.

    A Sra. Bulli (mdium vidente que assistia sesso) disse ver uma grande quantidade de flores, entre as quais distinguia, claramente, uma belssima rosa

  • vermelha, muito grande e com trs folhas. Alguns minutos aps, foi por todos sentido um suave perfume de flores e depois como que uma chova que casse em cima da mesa. Cessado o rumor ouvido e acesa a luz, ficaram todos maravilhados ao achar o mvel inteiramente coberto de flores fresqussimas. As flores eram junquilhos, violetas, gernios, magnlias, cravos e uma belssima camlia vermelha em trs folhas, que a mdium vidente j vislumbrara na escurido e que, pela sua semelhana, julgara ser uma rosa.

    Na noite de 26 do citado ms, a Sra. Guppy voltou mesma casa para dar novas provas de sua mediunidade. Os resultados foram pouco mais ou menos iguais aos obtidos na noite de 23. Tivemos, por duas vezes, uma abundante chuva de flores frescas, fresqussimas mesmo, e todas molhadas (naquela noite chovia deveras). Uma senhora, tendo pedido ao esprito alguns animaizinhos vivos, como, por exemplo, um passarinho, um rato ou um coelho, o esprito no se fez de rogado e logo ps sobre a mesa diversos insetos alados, quase todos grandes, que eu no sei como denominar, os quais, depois de terem passeado em cima e em baixo da parte superior da mesa, alaram vo e se foram embora. O esprito presenteou-nos com algumas mas, limes e laranjas. Antes, uma dessas me foi arremessada, com certa fora, contra o peito, mas sem me causar o menor mal.

    Tambm, naquela noite, a Sra. Guppy e seu marido, quando a sala ainda estava na mais completa escurido, no tinham livres as mos, que eram firmemente seguras por aquelas que se achavam mais prximas. Todas as vezes que os cnjuges Guppy se encontram em alguma casa, para tentar qualquer experincia, sempre exigem que sejam revistados para dissipar qualquer suspeita de que possam ocultar objetos que, na escurido, caiam sobre os assistentes.

    Os esposos Guppy, que so de uma rara gentileza, recusavam favorecer, com as suas presenas, a nossa sociedade. Enquanto espervamos que o nmero de scios estivesse completo para comearmos as nossas experincias, algum disse que no podia compreender como que os espritos podiam distinguir as cores na escurido. Apagada a luz, manifestou-se um esprito que ditou, pela tipologia, as seguintes palavras: H aqui algum que acredita que os espritos no vem no escuro. Cessadas as batidas, reinou, durante alguns minutos, o mais profundo silncio, quando, de repente, ouviram-se como que uma chuva de folhas secas a cair em cima da mesa. Acesa a luz, vimos a mesa coberta de confeitos de diversas cores: brancos, vermelhos, verdes, amarelos, etc. Ento o esprito convidou-nos a reuni-los todos em um s monte, no meio da mesa, e a apagar de novo a luz, o que logo se fez. Depois de breves instantes, por ordem do mesmo esprito, foi acesa a luz e, com grande surpresa nossa, verificamos que os confeitos haviam sido separados segundo as suas cores, isto , os brancos estavam todos reunidos parte, os vermelhos igualmente, os verdes tambm e assim todos os outros. O esprito, operando aquela separao, quisera provar que os espritos podem, na escurido, que s existe para ns, distinguir perfeitamente as cores.

    Pela terceira vez a Sra. Guppy se prestou a servir de mdium Societ Spiritica Florentina. Tambm dessa vez foram tomadas as habituais precaues, isto , revistar o casal Guppy e segurar-lhe bem firmemente as mos por todo o tempo em que as luzes estivessem apagadas. O primeiro resultado que obtivemos foi uma abundante chuva de fresqussimas flores de diversas qualidades e que embalsamaram o ar com os seus perfumes suaves. Todos os presentes tiveram a sua parte e as senhoras, terminadas as experincias, partiram munida cada uma de um belo buqu. Depois daquela chuva de flores, as luzes foram apagadas de novo e, quando reinava o mais

  • completo silncio, fomos todos abalados por uma fortssima pancada vibrada na mesa, semelhante que teria produzido uma grande pedra que sobre ela houvesse cado. Reacendida a luz, achamos, no uma grande pedra, como acreditvamos, mas um grande pedao de gelo, claro como cristal, do cumprimento de 15 centmetros e 10 espessura, o qual, ao cair, se partira.

    Pode-se calcular a surpresa de todos: o tamanho daquele pedao de gelo era para liquidar qualquer dvida que algum alimentasse. Quem teria podido escond-lo no prprio bolso e ocult-lo por tanto tempo, sem ficar completamente molhado?

    Paro aqui com as citaes. Para quem quer que se proponha a analisar os fatos, sem deixar ofuscar a sua mente pela caligem dos preconceitos, deveriam bastar os episdios citados para admitir a existncia indubitvel dos fenmenos de transporte.

    Com efeito, nos referidos trechos, se contm tudo quanto poderia legitimamente exigir-se para prtica e racionalmente reconhecer a genuinidade de uma fenomenologia supranormal obtida em condies de completa escurido.

    de notar-se, antes de tudo, a circunstncia de que, nas experincias de Florena, os cnjuges Guppy, a seu prprio pedido, foram sempre revistados, bem como constantemente seguros pelas mos, enquanto, alm disto, a mdium exigia que se lhe ligassem as mos s dos seus vizinhos. E malgrado essas condies inexcedveis de segurana contra qualquer prtica fraudulenta, no s foram obtidas as habituais e abundantssimas chuvas de flores e frutos, mas, numa noite em que chovia torrencialmente, as flores transportadas estavam literalmente molhadas pela chuva, circunstncia teoricamente notabilssima do ponto de vista probatrio e que se renova muitas vezes nos fenmenos de transporte. Quem escreve j a obteve uma vez cem a mediunidade de Euspia Paladino (como mais adiante se ler), e na Inglaterra obtiveram-se transportes de flores cobertas de flocos de neve, e isso em correspondncia com o fato de que, naquele momento, nevava. Noto, alm disso, que nas sesses de Florena foram obtidos casos de transporte a pedido, o primeiro dos quais se realizou com a chegada de animaizinhos vivos, pertencentes classe dos colepteros, e o segundo, mais extraordinrio ainda, foi provocado pela observao de um assistente (o que naturalmente se identifica com um transporte a pedido). Aludo com isto ao transporte dos confeitos multicores que a entidade comunicante subdivide, em plena obscuridade, em tantos montes quantas eram as suas cores, fenmeno que serve, portanto, para provar a gnese supranormal dos transportes produzidos. E, como se tal no bastasse, chega-se, enfim, ao magnfico fenmeno do transporte de um grande pedao do gelo (15 centmetros de lado e 10 de espessura), coisa que a mdium no teria podido ocultar sob as saias, sujeita ao calor do corpo, por uma hora e meia, sem derreter inteiramente e formar uma lagoa no soalho.

    Observo que o fenmeno do transporte de pedaos de gelo se produziu outras vezes com a Sra. Guppy. Assim, por exemplo, o clebre escritor ingls Adolph Trollope atestou, perante a Comisso de Inqurito da Sociedade Dialtica, que numa sesso com a mdium em apreo foi atirado sobre a mesa um enorme pedao de gelo com tal rudo e com tanto mpeto que o gelo ficou em pedacinhos, acrescentando que o fenmeno se dera uma hora depois de comeada a sesso, de modo que se o gelo j estivesse no aposento aquecido ter-se-ia derretido completamente. (Relatrio da Sociedade Dialtica, pg. 371). Saliento, enfim, que o professor Ochorowicz refere que, com a sua prpria mdium, Sra. Tomczyk, obteve, a pedido, o transporte de um punhado de neve, em correspondncia com o fato de que, naquele momento, nevava (Annales des Sciences Psychiques, 1909, pg. 71).

    Demorei-me em tratar das sesses de Florena porque elas foram otimamente fiscalizadas. Noto, no obstante, que as experincias antes relatadas so igualmente positivas do ponto de vista probatrio. Pense-se na circunstncia referida por Achille

  • Tanfani, que fora a uma sesso na casa dos Volkmann numa carruagem em que se achavam quatro pessoas, inclusive a mdium, apertadas e imobilizadas pela falta de espao, circunstncia que prova que a mdium, em semelhante condio de cerceio recproco, no teria podido esconder, junto ao seu corpo, uma poro de rosas, que foram achadas fresqussimas, bem como umedecidas de orvalho; limes, laranjas, pepinos, um grande p de uva-espim com terra e razes, que, em altura e largura, media mais de dois ps, um grande galho de framboesa da altura de seis ps e nove insetos multicores que se puseram a voar de flor em flor.

    Pense-se ainda no outro episdio de Achille Tanfani, que pede o transporte de uma relva que lhe caiu pouco depois no colo e, quando a observou, descobriu que, na terra mida, aderente s razes, se contorciam minhocas. E, a propsito de animaizinhos vivos, recordo ainda o transporte de dois escaravelhos em raminhos de cerejas em flor, enquanto em outra sesso, de que fala Podmore na sua obra (vol. II, Pg. 67), foram transportados caranguejos e enguias vivos. Recordo, finalmente, outro fenmeno obtido, a pedido, de um p de girassol de seis ps de altura, na casa do naturalista Russell Wallace. Diante disso, observo que no me parece ter exagerado quando disse que os fenmenos de transportes, que se produziam com a mediunidade da Sra. Guppy, bastam tambm, por si ss, para provar, experimentalmente, a existncia incontestvel desses fenmenos.

    Isto posto, apresso-me a repetir o que disse antes, isto , que, se bastam e devem bastar, do ponto de vista estritamente pessoal, poucos casos bem fiscalizados para levar racionalmente convico quem quer que no tenha a mente ofuscada por preconceitos, o mesmo no se pode afirmar no caso de demonstraes cientficas para as quais se exige confirmao de um dado fenmeno sob formas suficientemente variadas e bastante numerosas para se ter um modo de aplicar, srie inteira dos fenmenos investigados, os processos da anlise comparada e da convergncia das provas. A Cincia tem uma elevadssima misso a cumprir no mundo: a de iluminar e guiar a humanidade na sua lenta evoluo social e espiritual e tudo isso implica uma grandiosa responsabilidade moral nos representantes do saber, responsabilidade esta que exige o caminhar, com cautela, pela estrada que conduz verdade. Assim sendo, s me resta continuar com a exposio dos fatos.

    Casos III e IV No demais lembrar que os fenmenos de transporte, como todas as outras categorias de manifestaes supranormais hoje investigadas com mtodo experimental, se produziram atravs dos sculos e no meio de qualquer povo civilizado, brbaro e selvagem , bem como sempre por intermdio de indivduos especiais denominados iogue na ndia; mago nos antigos imprios orientais, na Grcia e em Roma; feiticeiro na Idade-mdia e mdico-feiticeiro nas tribos selvagens.

    No o caso de estender-me a citar episdios do gnero, tendo em vista que, com a presente monografia, no me propus fazer um resumo histrico da fenomenologia em questo, mas recolher um nmero adequado de casos de transportes obtidos em condies de produo que exclua a hiptese de fraude. Limito-me, portanto, a fornecer apenas dois exemplos de fenmenos de transportes obtidos, a pedido, com iogues indianos.

    A Sra. Annie Besant, a conhecida Presidente da Sociedade Teosfica, tratando, num longo estudo publicado nos Annales des Sciences Psychiques (1906, pgs. 657/73) dos iogues indianos e dos mtodos pelos quais chegam a adquirir faculdades supranormais, alude a experincias de tal natureza, executadas, em sua presena, por um deles. Escreve ela:

    Ele estava quase nu, detalhe da mxima importncia quando se trata de fenmenos de transporte. Efetivamente, no tinha bolsos onde pudesse ocultar objetos e todas as suas vestes consistiam em uma faixa de tela em redor dos

  • rins. As pernas e o tronco todo, da cintura cabea, estavam completamente nus.

    Quanto aos utenslios empregados, consistiam eles em uma mesinha por ns mesmos fornecida, uma caixinha de duas tampas que ps em nossas mos e foi por ns minuciosa e longamente examinada, conquanto se tratasse de um trabalho rpido, e uma garrafa ordinria, contendo um lquido claro em tudo semelhante gua, mas que a meu ver no era gua pura.

    Tomamos lugar em volta dele. Por um momento olhou os convidados, um aps outro, com olhar penetrante e, quando chegou a minha vez, me examinou com o mximo interesse para depois observar-me: Tende cuidado em no me interromper e, sobretudo, no faais oposio durante as operaes. Prometi-lhe que me manteria totalmente passivo, a respeito do que devo fazer notar que tambm eu praticara a disciplina Ioga, razo pela qual julgo que aquele homem percebera que eu lhe poderia fazer oposio, se quisesse.

    Ento ele pediu: Designai-me os objetos que quereis que eu vos traga. O meu esprito elemental os far chegar a esta caixa. Algum lhe perguntou se poderiam obter coisas de pases muito afastados e ele respondeu: Posso, se se tratar da ndia, mas j no me ser possvel faz-lo de pases de alm-mar. Havia, pois, limites ao seu poder. Ento um de ns observou: A cem milhas daqui h uma cidadezinha onde so fabricadas certas balas, absolutamente especiais da ndia. Trazei-nos, pois, algumas delas.

    Era de manh e aquele homem sentou-se no meio de ns, em plena luz do dia. Pouco depois ele abriu a caixinha e se ps a esvazi-la com ambas as mos, atirando sobre a mesinha as balas pedidas e delas fez logo um monte mais alto do que a caixinha. Perguntou-se-lhe de onde brotava aquela torrente e ele respondeu que quem lha trazia era o seu esprito elemental. Tratava-se, precisamente, da espcie de balas por ns pedida. Distribumo-las entre os meninos da povoao, que as saborearam com grande prazer.

    Essas espcies de experincias, to dificilmente compreensveis por uma mentalidade ocidental, so, ao contrrio, facilmente explicveis para o indiano, que vos falar da prpria conscincia posta em relao com os espritos elementais.

    O seguinte episdio, que tiro da revista inglesa The Occult Review (1923, pg. 339), semelhante ao anterior, porm mais complexo.

    A Sra. Josephine Ranson relata que, em breve permanncia que fez em uma grande povoao situada na base do Himalaia, ali conheceu um jovem iogue que se iniciara, desde a primeira infncia e com as mais severas formalidades, nos mistrios da Ioga. E assim prossegue:

    Aquele jovem iogue era absolutamente avesso a fazer alarde de seus poderes mgicos, mas chegamos a convenc-lo a realizar alguma coisa para ns, que estvamos sincera e seriamente interessados em tais mistrios.

    Ele escolheu uma noite de tera-feira, dia em que adorava a sua divindade, e, em conseqncia, possua, em mais alto grau, faculdades supranormais. Veio a ns diretamente da cerimnia de adorao, estava s e com as vestes reduzidas ao mnimo. Sentou-se no meio de ns (a iluminao do ambiente permaneceu como estava), pois formvamos um crculo, no soalho, com ele no centro.

    O moo iogue perguntou que coisa se desejava que ele produzisse. Algum pedia o transporte de leite quente e ento ele pediu uma tigela com gua e um xale, tendo colocado a tigela diante de si, no cho, cobrindo-a com o xale. Depois mergulhou a mo direita na gua e, quando a retirou, levantou o brao,

  • aspergindo a gua no ar com um enrgico gesto dos cinco dedos, que manteve um instante estendidos. Enquanto executava o rpido gesto, entoava em snscrito uma evocao (mantr). E sempre evocando a sua divindade, com outro gesto enrgico, levou a mo, a distncia de um p, sobre a tigela coberta pelo xale, mantendo os dedos estendidos e imveis, em sentido horizontal. Foi ento que percebemos o rumor de um lquido que caa dentro da vasilha e logo depois ele retirou o xale. Verificamos, estupefatos, que a tigela estava dois teros cheia de leite fervido e ainda muito quente.

    Aps certo tempo, pediu-se o transporte de frutas secas. O iogue pediu um prato que colocou na sua frente, sem cobri-lo com o xale. Repetiu o rpido gesto da evocao e, no momento em que a sua mo voltava a estender-se sobre o prato, apareceram no mesmo dois cachos de passas e sultanas secas.

    Em seguida, outro de ns pediu o transporte de um melo, conquanto no fosse poca de meles no norte da ndia. No obstante, aps a habitual evocao e o gesto que a acompanhava, materializou-se, em sua mo, um grande melo verde. Parecia colhido to recentemente que corria ainda seiva da haste cortada.

    Uma jovem do grupo, a quem no agradaram os docinhos indianos, pediu que lhe fossem trazidas doces europeus e, se possvel, chocolate. O nosso iogue no conhecia o chocolate, como no conhecia tambm uma palavra do ingls, pois nunca estivera em relao com europeus antes de nossa chegada. Em todo o caso disse ele que faria o possvel para content-la, desde que ela lhe explicasse o que era chocolate. A moa experimentou faz-lo, mas evidentemente s o conseguiu at certo ponto, porque, quando a evocao e os gestos correspondentes foram executados, materializou-se no prato um notvel monte de doces que no era chocolate. Alm disso, pareciam de antiga fabricao e estavam tambm poucos limpos, de modo que no se apresentavam com aspecto muito atraente e as senhoras no quiseram prov-los. O nosso iogue, vista da hesitao delas, desculpou-se de sua incapacidade em satisfazer o pedido feito.

    Enfim, pediram-se frutas ainda frescas e no tardou a aparecer no prato, sob a influncia das mos do mago, um monte de mas e laranjas que logo todos comeram fartamente. Restaram algumas, que conservamos enquanto no se estragaram.

    Naturalmente que dirigimos muitas perguntas ao iogue acerca da natureza e extenso de seus poderes mgicos. Ele respondeu, com franqueza, a algumas de nossas perguntas, mas a outras no o fez ou no pde. Achando-nos to sinceramente interessados, ele observou que poderia ter-se colocado em estado de ver o que acontecia durante a produo dos fenmenos e explicou que a sua iniciao, com os grandes sacrifcios que ela exigia e a austeridade da vida que levava, lhe tinha conferido autoridade sabre certa categoria de elementais, seres do mundo etreo que lhe obedeciam instantnea e cegamente. Acrescentou que, se nos quisssemos submeter-nos a uma iniciao preparatria, que ele nos explicaria, poderamos ver o que realmente se produz durante as manifestaes. A iniciao preparatria consistia em jejuar, em nutrir-se unicamente de substncias especiais, em concentrar-se na meditao, evitando toda relao com outras pessoas. Tudo isso nos tornaria suscetveis de apurar o nosso poder visual a ponto de perceber os seres etreos que operavam por seu intermdio.

    Com referncia aos episdios de que tratei nos casos expostos, observo, antes do mais, que eles no s foram obtidos, a pedido, como se produziram em plena luz do dia no primeiro caso, e, em aposento normalmente iluminado, no segundo, quando os

  • dois iogues se apresentaram quase nus durante as experincias, trs condies de fato que, combinadas, excluem toda possibilidade de fraude.

    No que se refere aos narradores, saliento que a personalidade notabilssima da Presidente da Sociedade Teosfica exclui de modo categrico qualquer dvida acerca da autenticidade de quanto ela afirma ter pessoalmente observado. Quanto Sra. Josephine Ranson, trata-se da esposa de um oficial superior do exrcito da ndia e o que ela relata concorda exatamente com o que diz a Sra. Annie Besant.

    Voltando aos fenmenos de transporte obtidos, saliento que eles se mostraram indubitavelmente maravilhosos, porm no mais do que os obtidos experimentalmente no ocidente. Uma circunstncia interessante que acontece no raramente entre ns a de que, quando os transportes devem ser produzidos em plena luz, muitas vezes, mas nem sempre, os mdiuns, os iogues e os feiticeiros africanos recorrem a idntica medida de precauo, a qual consiste em cobrir, com um pano, o recipiente ou espao em que deve ocorrer o fenmeno ou em se servirem de caixas dentro das quais ele produzido. Dir-se-ia, em tais circunstncias, que a obscuridade indispensvel para a rematerializao do objeto transportado em condies fludicas. Nas clebres experincias desse gnero, com a mediunidade da Sra. D'Esperance, experincias, por sua vez feitas com suficiente luz, a personalidade medinica Yolanda cobria tambm, com um pano, o recipiente em que deviam se rematerializar as plantas transportadas. Entretanto, para muitos outros objetos transportados, tais precaues no parecem necessrias e viu-se que o segundo iogue cobrira, com um pano, o recipiente em que devia se produzir o fenmeno do transporte de leite quente, mas no fizera uso dele para outros transportes tambm maravilhosos. Por qu? Ningum o sabe e seria intil esforar-se em penetrar no mistrio das diferenas existentes entre os objetos materializveis em plena luz e os que exigem obscuridade. Aos prximos cabe a soluo do mistrio.

    Nos referidos incidentes, curiosa a circunstncia do iogue, ignorando o que fosse chocolate, esforar-se como pde para satisfazer o desejo expresso pela moa, conseguindo-o apenas em aparncia, o que no impediu que o fenmeno obtido fosse igualmente interessante e talvez ainda mais do ponto de vista terico, pois que subentende no mdium, ou, se quiser em quem por ele operava, uma faculdade de pesquisa supranormal maravilhosa e ao mesmo tempo limitada pelas indicaes do mdium.

    Saliento ainda que, como no caso da Sra. Annie Besant como no da Sra. Josephine Ranson, os iogues afirmaram que os transportes foram obtidos com o auxlio de espritos elementais, submetidos s suas volies, com o detalhe de que eles dizem perceb-los em trabalho, acrescentando que tambm os assistentes poderiam chegar a vislumbr-los se se submetessem s praticas disciplinares indispensveis. Em suma, poderia tratar-se de visualizaes puramente subjetivas e alucinatrias, mas... poderia tambm ser que assim no fosse.

    Caso V Depois dos episdios de transportes, a pedido, a grandes distncias e por obras de iogues indianos, disponho-me a relatar um caso igual, no menos maravilhoso e obtido nos Estados Unidos da Amrica com o auxlio de um mdium.

    Tiro-o da Light (1911, pg. 507). Seu narrador um deputado pelo Estado da Califrnia, que no deseja ter o seu nome publicado, porm no s ele o d por completo ao diretor dessa revista, como autentica a sua narrativa por meio de um depoimento prestado em cartrio. O diretor da Light, por sua vez, declara conhecer pessoalmente o relator, que h muitos anos era assinante da revista.

    O narrador se subscreve com o pseudnimo de Ewing e conta quanto segue: Doze anos antes do acontecimento que me apresso a expor, eu fora eleito

    Secretrio da Cmara dos Deputados pelo Estado da Califrnia. Em

  • conseqncia, fizera imprimir duzentos cartezinhos-circulares para participar a minha nomeao, cartezinhos que eram subscritos com o fac-smile de minha assinatura. Sobraram duas dzias que guardei em um ba juntamente com um pacote de cartas particulares que tinha as minhas razes para conservar. Saliento que, entre tais cartas, se achava uma procedente de um exmio musicista por mim grandemente admirado. Tanto os cartezinhos como as cartas estavam guardados numa latinha munida de fechadura. A chave era nica e eu a trazia constantemente no bolso. O ba estava depositado num esconderijo sempre fechado chave, no terceiro andar de minha residncia.

    Isto dito, conta ele que uma senhora sua conhecida lhe props certo dia assistir a experincias de voz direta com um mdium particular. Aceitou o convite por delicadeza, mas com alguma relutncia e, quando foi, levou consigo a sua esposa. Apenas apagada a luz, retumbou uma voz masculina que perguntou ao recm-chegado se desejava que ele trouxesse alguma coisa. Aquela voz de homem, que parecia brotar do teto, em um ambiente onde os assistentes eram todos mulheres, no deixou de surpreend-lo, mas, de qualquer maneira, respondeu que o transporte de objetos no o interessava, a menos que se tratasse de algum objeto trazido verdadeiramente de sua casa, como, por exemplo, de certa latinha existente em um ba depositado no esconderijo do terceiro andar de sua residncia. O narrador assim prossegue:

    Ouviu-se a voz do esprito comunicante que, sem hesitao alguma, acolheu a minha proposta da maneira mais gentil possvel e observou que, se os presentes entoassem um canto qualquer meia voz, ele experimentaria atender ao meu pedido.

    Achava-se sentado e com a mo pousada sobre o meu joelho direito. No haviam transcorrido trinta segundos quando senti que algum introduzia, delicadamente, um cartozinho entre a palma de minha mo e o joelho. Notei, com surpresa e apesar da escurido, que quem assim agia o tinha feito sem hesitar, com admirvel preciso, justamente como se visse muito bem no escuro. Apesar disto, eu no estava preparado para a grande surpresa que me esperava.

    Anunciei o que acontecera e ento a mdium, sentada do lado oposto do quarto, acendeu a luz. Com enorme espanto meu, verifiquei que o cartozinho, introduzido debaixo da palma de minha mo era um dos meus cartezinhos-circulares de participao de minha nomeao para Secretrio da Cmara Estadual. Embora h doze anos no me acontecesse abrir a caixinha em que eles estavam encerrados e ainda parecesse inverossmil que alguma outra pessoa possusse cartozinho igual, novo e sem mancha, como se tivesse sido impresso ontem, apesar disto pensei que tal possibilidade no fosse de todo eliminvel. Decorreu da que o meu cepticismo prevaleceu logo sobre o espanto e observei aos presentes que naquela mesma caixinha estavam depositadas algumas cartas a mim endereadas e que, se alguma de tais cartas me fosse trazida, ento eu no hesitaria mais em proclamar, em alta voz, a genuinidade dos fenmenos de transporte. Isto dito, a mdium props apagar a luz e pedir a opinio do esprito comunicante. A resposta dele foi igual primeira: os convidados deviam entoar um hino meia voz e ele se esforaria por satisfazer meu desejo. Assim se fez e, depois de cerca de um minuto de espera, senti roar pelo meu rosto um papel volante. Contei o que sucedia, a luz foi acesa e com esta tive ocasio de experimentar a maior emoo de minha vida, pois o papel que sentira tocar-me a face era a carta do citado musicista.

    Quando me dirigi, depois da sesso, ao esconderijo, munido da nica chave existente para abrir a latinha, chave por mim constantemente trazida no bolso,

  • verifiquei que a carta do musicista desaparecera e que o pacote dos cartezinhos, que estavam seguros por um elstico, parecia intacto.

    A fim de que essa experincia fosse apreciada e avaliada em toda a sua importncia, que grande, e para que no se creia que eu tenha agido com pouco cuidado no divulg-la, quis subscrever o meu relatrio perante um tabelio, prestando juramento acerca da escrupulosa autenticidade de quanto nele se contm.

    (Segue o documento oficial, com o atestado do relator e a assinatura do tabelio Thomas S. Burne, residente em So Francisco da Califrnia).

    Ainda no caso exposto, a genuinidade supranormal dos fenmenos de transporte se mostrara incontestvel: em primeiro lugar porque ningum poderia imaginar que o novo assistente iria pedir o transporte de um objeto de sua prpria casa, objeto que seria tirado de uma latinha fechada chave, depositada em um ba, que, por sua vez, estava encerrado em um esconderijo no terceiro andar da mesma casa; em segundo lugar, porque, ao primeiro fenmeno de transporte, ocorrido em condies insuspeitveis de pedido formulado no momento, aconteceu um outro em confirmao ao primeiro e em seguida a novo pedido do experimentador. Pergunta-se de que outra coisa se poderia cogitar em matria de provas positivas, em demonstrao da gnese supranormal dos fenmenos de transporte.

    Caso VI Referem-se s famosas experincias da Sra. Frondoni Lacombe, em