FERNANDES - A Matemática No Curso de Pedagogia

12
A MATEMÁTICA NO CURSO DE PEDAGOGIA: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES George Pimentel Fernandes 1 Introdução Diversos aspectos poderiam ser destacados na historicização da educação escolar brasileira, no século XX. Mas, considerando o simples fato de que o presente artigo reflete o trabalho que desenvolvo diretamente na formação de professores, especificamente, em disciplinas que refletem o ensino da matemática na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, pontuo apenas um aspecto que servirá para iniciar o estudo da Matemática, no Curso de Pedagogia. Trata-se fundamentalmente do “dragão colorido” que urge em se manter, o construtivismo. Embora tenha recorrido a uma metáfora – dragão colorido – é oportuno que a apropriada denominação atenda ao fim proposto, ou seja, refutar aquilo que é pernicioso ao processo de formação humana. Um “dragão feroz” que é “engolidor de criancinhas” certamente seria uma história que não deveria ser propagada através da educação infantil. Similarmente, o construtivismo com todas as derivações precisa ser banido da educação infantil e das séries iniciais do Ensino Fundamental. Neste sentido, o presente artigo é uma primeira contribuição para a reflexão da inserção da matemática na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental (FERNANDES, 2011). Deixando de lado a metáfora e adentrando no espaço material é oportuno lembrar alguns aspectos que foram vivenciados por muitos através da educação escolar. Refiro fundamentalmente as mazelas inseridas na mente humana, através de práticas que, supostamente, visaram à aprendizagem. Dois aspectos destacaram-se diante do próprio fim da educação escolar, ou seja, a formação humana. Refiro-me a impossibilidade de diálogo e a formação de educandos passivos, quer dizer, a educação escolar não apenas negou a possibilidade de extrapolar o senso comum, para a maior parte da população, mas, acima de tudo trabalhou para a formação de seres que não refletisse o próprio mundo em que o ser humano estava inserido. Nesta perspectiva a maior aliada, foi a religiosidade que teve seus interesses resguardados nos propósitos divinos. Tudo poderia ser feito, inclusive bater na criança – “é deus que quer”! O ensino da matemática notabilizou-se pela “ação coercitiva” onde somente os ‘bem dotados’ poderiam obter a ‘salvação’, quer dizer, não é uma área destinada às 1 Professor de Didática da Matemática, do Curso de Pedagogia – Universidade Regional do Cariri-URCA. Email: [email protected]

Transcript of FERNANDES - A Matemática No Curso de Pedagogia

Page 1: FERNANDES - A Matemática No Curso de Pedagogia

A MATEMÁTICA NO CURSO DE PEDAGOGIA: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES

George Pimentel Fernandes1

Introdução

Diversos aspectos poderiam ser destacados na historicização da educação escolar

brasileira, no século XX. Mas, considerando o simples fato de que o presente artigo

reflete o trabalho que desenvolvo diretamente na formação de professores,

especificamente, em disciplinas que refletem o ensino da matemática na educação

infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, pontuo apenas um aspecto que

servirá para iniciar o estudo da Matemática, no Curso de Pedagogia. Trata-se

fundamentalmente do “dragão colorido” que urge em se manter, o construtivismo.

Embora tenha recorrido a uma metáfora – dragão colorido – é oportuno que a

apropriada denominação atenda ao fim proposto, ou seja, refutar aquilo que é pernicioso

ao processo de formação humana. Um “dragão feroz” que é “engolidor de criancinhas”

certamente seria uma história que não deveria ser propagada através da educação

infantil. Similarmente, o construtivismo com todas as derivações precisa ser banido da

educação infantil e das séries iniciais do Ensino Fundamental. Neste sentido, o presente

artigo é uma primeira contribuição para a reflexão da inserção da matemática na

educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental (FERNANDES, 2011).

Deixando de lado a metáfora e adentrando no espaço material é oportuno lembrar

alguns aspectos que foram vivenciados por muitos através da educação escolar. Refiro

fundamentalmente as mazelas inseridas na mente humana, através de práticas que,

supostamente, visaram à aprendizagem. Dois aspectos destacaram-se diante do próprio

fim da educação escolar, ou seja, a formação humana. Refiro-me a impossibilidade de

diálogo e a formação de educandos passivos, quer dizer, a educação escolar não apenas

negou a possibilidade de extrapolar o senso comum, para a maior parte da população,

mas, acima de tudo trabalhou para a formação de seres que não refletisse o próprio

mundo em que o ser humano estava inserido. Nesta perspectiva a maior aliada, foi a

religiosidade que teve seus interesses resguardados nos propósitos divinos. Tudo

poderia ser feito, inclusive bater na criança – “é deus que quer”!

O ensino da matemática notabilizou-se pela “ação coercitiva” onde somente os

‘bem dotados’ poderiam obter a ‘salvação’, quer dizer, não é uma área destinada às 1Professor de Didática da Matemática, do Curso de Pedagogia – Universidade Regional do Cariri-URCA. Email: [email protected]

Page 2: FERNANDES - A Matemática No Curso de Pedagogia

pessoas de baixo padrão de desenvolvimento intelectual. É principalmente através da

aula de matemática que se tornou bastante conhecido o uso da famosa palmatória –

“instrumento pedagógico” utilizado para “auxiliar na aprendizagem” dos conceitos

aritméticos. Claro que, aqui, a terminologia utilizada congrega a justificativa de que

houve um tempo em que prevaleceu a crença de que a ação punitiva era essencial para a

aprendizagem da matemática.

Na visão de quem freqüentou a escola ao longo do século XX, possivelmente,

uma característica comum, no ensino da matemática, foi o desenvolvimento de um

sentimento de fobia e uma ação social que coadunou com uma peculiaridade da

sociedade capitalista, a exclusão. Foi necessário barrar o avanço da escolaridade da

classe trabalhadora e, assim, nada melhor para respaldar a ‘necessidade de segregar’ que

o ‘conhecimento matemático’. Neste caso, é possível deduzir que a visão de matemática

convergiu para a representação de um ‘verdadeiro monstro’ que aterrorizou crianças,

jovens e adultos. Mas, ao passo que as imposições sociais inerente ao processo de

produção de mercadorias avançaram – contradição do próprio capitalismo – tornaram-se

visíveis as diferenças educacionais da população brasileira frente a tantas outras

sociedades. Dados alarmantes, como os elevados índices de reprovação passaram a

preocupar até mesmo os gestores que reconheciam a necessidade de otimizar os

recursos públicos, quer dizer, evitar a reprovação e modificar os dados que apontavam

para um baixo índice de escolaridade. Desta forma, a modificação nos índices

vinculados com a escolaridade passou a assumir o caráter qualificativo de

desenvolvimento.

No início da década de 1950, a perspectiva desenvolvimentista apontou para a

necessidade de “mudanças” no país. Compartilhando com a discussão internacional

sobre o ensino da matemática, aconteciam os primeiros Congressos Nacionais de

Ensino da Matemática.

A idéia de modernização como superação do ensino arcaico e associada à superação do ineficaz pelo eficaz encontrava um terreno fértil numa sociedade que via na industrialização e no crescimento econômico a via para conquista da independência e do bem-estar social. Em particular, a valorização da ciência como fator de desenvolvimento econômico, que vinha associada à idéia da modernização, enfatizada desde os anos 20 pelos escolanovistas, ganhara um novo sentido como a aceleração da inovação tecnológica a nível mundial no pós-guerra e com a institucionalização de uma política científica no país nos anos 50, expressa na criação do CNPq e da CAPES (BURIGO, 1989, p. 236).

Page 3: FERNANDES - A Matemática No Curso de Pedagogia

A perspectiva de modernização ‘ganhou força’ com o surgimento de diversas

Universidades (FERNANDES, 2004). Mas, sofre um grande atraso social com a

‘revolução militar’ ocorrida na década de 1960. No meio de perseguições, expulsões e

assassinatos, repercute no Brasil o movimento da Matemática.

As idéias do Movimento surtem efeito no ensino de Matemática ainda em nosso século. Podemos notar essa influência no atual currículo presente nas escolas, e ainda de uma matemática estruturalista; nas idéias de pré-requisito para a consolidação de saberes formais em Matemática, alimentadas pela imagem cartesiana do conhecimento que ainda predominam de forma considerável no pensamento pedagógico ocidental (BERMEJO, MORAES e GRAÇA, 2011)

Uma característica do final dos anos setentas foi a explosão dos movimentos

sociais. Na educação, Paulo Freire passa a ser o grande ícone que converge com a

democratização do país que foi coroada com a Carta Magna, em 1988. Mas, a

necessidade de outro referencial que atendesse as peculiaridades da criança e das

questões pertinentes ao processo de aprendizagem foi significativa no aporte do suíço

Jean Piaget. Neste caso ganhou respaldo a discussão que envolveu as disciplinas

escolares, particularmente da matemática. Tudo convergia para um redimensionamento

da educação escolar. De um lado uma base, em Paulo Freire, que fundamentava a

abertura democrática na escola, a pedagogia do diálogo que propagava árduas críticas

ao tradicionalismo – a educação bancária. Por outro lado, os educadores brasileiros são

seduzidos não apenas pelo rompimento com o tradicional – que estaria vinculado a

repressão – mas, acima de tudo com a possibilidade de proporcionar uma significativa

mudança no cenário educacional.

Os antecedentes históricos, particularmente aqueles que marcaram a crítica ao

tradicionalismo, ocorridos entre 1920-30, respingaram nas últimas décadas do século

passado. Neste caso, como a crítica ao tradicionalismo exigia uma resposta, o

construtivismo passou a ser amplamente adotado como o viés educacional da

modernidade que coadunou com a nova sociedade. E como consequência, foi

modificado a formação do professor, o trabalho docente e a própria finalidade da escola

que passou a incorporar uma série de atributos que obscureceram a socialização do

conhecimento historicamente produzido.

No caso do trabalho docente que proporcionou a apreensão da linguagem escrita –

atributo não-exclusivo do início do processo de escolarização – toda a tentativa de negar

Page 4: FERNANDES - A Matemática No Curso de Pedagogia

o tradicional resultou em ações fragmentadas que tangenciaram a essência da apreensão

do código escrito. Foram inclusas o colorido na sala de aula e no livro didático, a

redução do conteúdo escolar, a crença no lúdico e no uso de material concreto como

fonte absoluta da aprendizagem. Mas, é oportuno destacar uma conseqüência desta

teoria (GIANCATERINO, 2009, p. 36), a escolaridade sem o domínio da leitura e

escrita. Jovens concluem o Ensino Fundamental com grande dificuldade de ler e

escrever. O que fazer diante desta caótica situação?

1. A MATEMÁTICA COMO UM ELEMENTO BÁSICO DO CONTEÚDO DA

ATUAL EDUCAÇÃO ESCOLAR

A inserção do conhecimento matemático no currículo escolar condiz com a função

da escola de socializar o conhecimento historicamente produzido. Mas, é oportuno

destacar que qualquer estudo que retrate as mudanças no currículo da escola básica deve

contemplar as mudanças sociais. O que certamente inclui nesta perspectiva as mudanças

com a matemática escolar, inclusive com o surgimento da expressão ‘educação

matemática’ e o avanço das pesquisas, primordialmente, vinculadas aos programas de

Pós-Graduação.

Dentre as influências que atingiram o ensino da matemática destacamos a

propagada defesa da cotidianidade na abordagem metodológica da matemática. Os

argumentos em prol da defesa de um ensino da matemática com qualidade, onde as

crianças apreenderam os conceitos que fizeram sentido para elas, foram subsidiados por

uma suposta “revolução”. Resumidamente, trata-se da mudança no uso da linguagem,

no uso do livro didático e do material concreto, na inserção da leitura e escrita na aula

de matemática e na relação discente-docente. Tais argumentos fundamentam-se na

aproximação com a “realidade do aluno”, que repercute diretamente na linguagem dos

interlocutores, bem como, na redução da quantidade dos conceitos matemáticos

trabalhados em sala de aula.

A valorização do cotidiano ocorre concomitante com a secundarização do

chamado conhecimento clássico. Esta intrínseca relação emerge da ilusão de possibilitar

ações que efetivamente conduza a aprendizagem, quer dizer, modifica-se a função

social da escola por trabalhar aquilo que faz parte da “realidade do aluno”. Assim, a

definição do conteúdo das disciplinas sofre a influência do imediatismo, quer dizer, o

Page 5: FERNANDES - A Matemática No Curso de Pedagogia

conteúdo deve ser coerente com aquilo que a criança pode ver, tocar, cheirar, degustar e

ouvir.

Na perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica desenvolvi um estudo para “além

dos métodos”, na obra do ilustre professor Dermeval Saviani, a Escola e Democracia. O

trabalho que visa contribuir com a formação de leitor nas distintas disciplinas escolares

recebeu a denominação de PROTEXTUALIDADE, em 2003. Trata-se de um trabalho

educativo direcionado para a formação de leitor sem menosprezar os conceitos

científicos. Quer dizer, com a proposta denominada de protextualidade, enfatiza-se o

conhecimento historicamente produzido e concomitantemente ocorre o

desenvolvimento da prática de leitura e escrita, por exemplo, na aula de matemática.

Assim, no presente artigo argumentamos favoravelmente na defesa de uma prática na

disciplina de matemática de tal forma que o professor poderá recorrer a leitura e a

escrita mantendo a prioridade no trato com os conceitos matemáticos.

A continuidade de um estudo deve-se a perpetuação da influência do cotidiano,

nas atividades escolares. Tal definição limita o conhecimento ao cotidiano, como a

preparação do alimento, a compra/venda de produtos diversos e a contagem do tempo

(hora, dias, etc.). Assim, nesta perspectiva, o trabalho educativo que exige a matemática

proporciona uma melhor ‘adaptação’ do ser humano no mundo que ele vive. Neste

sentido, afirma Maria Celeste Koch quando vincula a própria gênese da matemática ao

atendimento das necessidades imediatas:

No seu cotidiano, dentro e fora da sala de aula, vive situações em que a matemática está presente. Aliás, esta matemática que hoje “conhecemos” surgiu e foi construída a partir de problemas do cotidiano e continua sendo reconstruída continuamente através de novas descobertas e soluções necessárias à vida do homem [...] E a criança tem acesso a efeitos e/ou problemas destas matemática no seu cotidiano (KOCH, 1993, p. 73)

Há uma nítida confusão que muitos insistem em perpetuar. Refiro ao atendimento

da necessidade humana, considerando apenas o imediatismo. A história da humanidade

tem mostrado que o atendimento da necessidade imediata NÃO CONSTITUI O FIM

DAS INVESTIDAS HUMANAS. Uma necessidade pode gerar uma resposta, porém,

não põe fim ao surgimento de outra necessidade. Com isso argumentamos que não é tão

simples atender uma necessidade ‘dita cotidiana’, quando o limite é o conhecimento

cotidiano. O equipamento que uso neste exato momento em que digito o presente texto,

só tornou possível graça ao simples fato de que o ser humano extrapolou a

Page 6: FERNANDES - A Matemática No Curso de Pedagogia

cotidianidade. Do contrário, talvez tivesse que fazer alguns desenhos em uma montanha

de pedra para registrar o pensamento humano.

O conhecimento matemático que a criança tem acesso é extremamente antigo. Sua

produção ocorreu muito antes de Cristo, na babilônia, na mesopotâmia, no Egito antigo,

etc. Este tipo de conhecimento atendeu aquelas sociedades e hodiernamente somos

beneficiados com aquele tipo de conhecimento matemático. Mas, considerando tantas

outras necessidades dos seres humanos, aquele conhecimento já não satisfaz as

necessidades que exigem um nível de abstração que àquela matemática não possibilita.

Assim, é oportuno separar que a atual produção matemática – conhecimento que a

criança e a respectiva professora não precisa ter contato – distancia do cotidiano. Porém,

não deixa de atender a uma necessidade. O que certamente pode não significar uma

necessidade cotidiana.

A mera visão de que a criança vive um mundo em que a matemática está presente

pode perpassar uma compreensão estreita de que este conhecimento existe apenas para o

atendimento das necessidades imediatas. Esta é uma visão que condiz com as

propagadas propagandas ideológicas que atinge uma classe social, notadamente, a

escola da classe trabalhadora que tem sido imposta a “simplificação e redução dos

conteúdos” (MIRANDA, 2005, p. 37). Também, condiz com a crença: “[...] é preciso

acreditar que a mudança é a única forma de saber concretamente quais as

potencialidades de cada educando, conduzindo-o à qualidade educativa, ao “aprender a

aprender” e à conquista de sua autonomia” (GIANCATERINO, 2009, p. 30).

Ao ser seduzida a professora que ensina matemática desenvolve a crença de que

está contribuindo para a autonomia pedagógica. “Ou seja, a presença da sedução na

difusão e na incorporação do ideário construtivista contradiz o objetivo central por ele

proclamado: a busca da autonomia intelectual e moral dos sujeitos” (ROSSLER, 2005,

p. 18). Tal constatação deve-se primordialmente ao fato de que a escola deve

proporcionar o não-cotidiano, apesar das inúmeras publicações e ‘formadores de

professores’ propagarem exatamente o contrário. Mas, “O fundamental na

aprendizagem é justamente o fato de que a criança aprende o novo” (VIGOTSKI, 2001,

p. 331), quer dizer, algo que pode extrapolar o cotidiano da criança. “Só então ela

conseguirá desencadear no curso da aprendizagem aqueles processos de

desenvolvimento que atualmente se encontram na zona de desenvolvimento imediato”

(VIGOTSKI, 2001, p. 333).

Page 7: FERNANDES - A Matemática No Curso de Pedagogia

Na concretização do acesso ao conhecimento matemático, o propagado

construtivismo argumenta favoravelmente na defesa das competências e habilidades da

criança. “As crianças devem aprender a fazer e descobrir coisas muito antes que a

professora lhes diga algo sobre elas” (SAIZ, 1993, p. 92). Quer dizer, este tipo de

argumento que valoriza o chamado “conhecimento prévio” da criança respalda o

trabalho do profissional da educação na cotidianidade. Consequentemente, “O aluno é

motivado a desenvolver suas próprias ações, ou seja, agir ante as novas circunstâncias, o

que representa um estado de autocontrole e aprendizagem [...]” (GIANCATERINO,

2009, p. 172). Desta forma, a motivação que gera o autocontrole e a aprendizagem

conduz a uma valorização da “[...] “pesquisa” como estratégia de aprendizagem”

(MIRANDA, 2005, p. 37), que certamente condiz com a confusão gerada por muitos

professores que esquecem a propaga argumentação do professor Dermeval Saviani:

ensino não é pesquisa.

2. CONSIDERAÇÕES QUE APONTAM PARA UMA CONTINUIDADE

A educação matemática para criança, enquanto projeto de pesquisa, objetiva o

desenvolvimento de um estudo que inclui o trabalho docente em sala de aula, a

produção do material didático, a avaliação da aprendizagem e a formação do professor.

Trata-se, portanto, de uma investigação de emerge do trabalho desenvolvido, tanto da

professora que trabalha diretamente com a matemática em uma sala com crianças,

como, também, do trabalho que desenvolvo no processo de formação docente. E numa

perspectiva dialética objetivamos não distanciar da origem motivadora da pesquisa, a

prática docente. Acima de tudo, é oportuno retornar a esta prática com o produto da

investigação com a finalidade de oferecer um instrumento que possa subsidiar a práxis.

Ao mesmo tempo, considerando que este movimento se insere numa visão de totalidade

e que o objeto investigado constitui uma particularidade, é oportuno o reconhecimento

das limitações deste tipo de investigação, embora exista uma nítida intenção em

contribuir com a efetiva mudança no processo de formação humana. E na perspectiva

teórico-metodológica, a manutenção do eixo norteador fundamentado nos diversos

trabalhos do professor Dermeval Saviani e o professor Newton Duarte, confirma o que

antecipadamente já fazemos que é trabalhar com o referencial marxista. Tal opção

emerge da contradição, porém, é o único referencial que dar conta das diversas

Page 8: FERNANDES - A Matemática No Curso de Pedagogia

concepções que incidem diretamente na educação escolar. Refiro, essencialmente, as

conhecidas denominações: neoliberalismo, pós-modernismo e globalização que de uma

forma, ou de outra, insistem em fundamentar a resistência ao fim desta sociedade

alienante.

Neste primeiro ensaio manifesto um aspecto da minha prática abstraída do

trabalho docente, desenvolvido no Curso de Pedagogia da Universidade Regional do

Cariri-URCA. Este curso, considerando o Projeto Político Pedagógico de 2007,

apresenta duas disciplinas de Didática da Matemática. Inegavelmente, apesar dos

inúmeros atropelos, constitui um avanço frente as preocupações diretamente

relacionadas com a formação da professora que trabalhará na Educação Infantil e/ou

séries iniciais do Ensino Fundamental. Primeiro pelo efetivo reconhecimento da

existência e, consequentemente, das especificidades da EDUCAÇÃO INFANTIL;

Segundo, que é conseqüência deste primeiro avanço, permite o trabalho específico com

o conhecimento matemático para a educação infantil e para as séries iniciais do Ensino

Fundamental. Este tipo de organização reflete, em parte, uma preocupação com

docência que se materializa em dois momentos: um primeiro no sexto semestre que trata

da matemática na educação infantil. Uma oportunidade de refletir a proposta do MEC,

do Estado e do Município para a educação infantil, no tocante a inserção da criança ao

“mundo da matemática”. Também, é o momento de estabelecer analogias entre as

práticas desenvolvidas nas escolas/creches do cariri e o que dizem os teóricos. No

segundo momento, no sétimo semestre, trata da matemática nas séries iniciais do Ensino

Fundamental. Aqui, possivelmente é bem conhecido o conteúdo que é trabalhado: as

quatro operações aritméticas, incluindo o estudo das frações e da porcentagem. Inclui

também, as noções de álgebra e geometria. Toda a perspectiva é evitar que uma

disciplina de um curso universitário se torne uma mera “oficina” de jogos ou de

recorte/colagem de papel. Acima de tudo, a finalidade é oferecer o subsídio teórico que

é pertinente ao papel social da universidade e que o profissional em formação poderá ter

dificuldade de vivenciar esta oportunidade fora da universidade.

A reflexão da Matemática no Curso de Pedagogia exige a historicização deste tipo

de curso. Não constitui uma tarefa simples, visto que, está permeada de interesses e não

raro, quando envolve a própria instituição reflete o nepotismo. É muito difícil projetar

um curso sem refletir os interesses particulares. Interesses que se justificam no

“embasamento científico”, onde a própria ciência é utilizada para respaldar a defesa de

um segmento teórico ou mesmo de grupos religiosos/partidários.

Page 9: FERNANDES - A Matemática No Curso de Pedagogia

A matemática é reconhecida como um importante conhecimento que precisa

integrar o currículo dos professores que trabalham ou trabalharão com as crianças. Esta

argumentação pode ser enunciada por “gregos e troianos”. A questão que extrapola a

superficialidade é a reflexão desta matemática: que “conhecimento matemático” deve

integrar a formação do pedagogo? Talvez, o trabalhador que não teve acesso a

universidade possa responder este tipo de questionamento, por exemplo, mencionando

as quatro operações. Mas, e na academia? O que diferencia a perspectiva empírica, no

trato com o conhecimento matemático, e a abordagem científica? Afinal, muitos

defendem que a Pedagogia é uma Ciência ou pelo menos é um Curso Superior. Assim, o

caminho que ‘trilharei’, sob a influência do referencial citado acima, vislumbra a

perspectiva de extrapolar o imediatismo e proporcionar uma reflexão ‘pontual’, por

tratar do ensino da matemática para criança e ao mesmo tempo contempla a totalidade

no sentido de agregar a historicização daquilo que é pertinente a análise deste

conhecimento.

Para algumas graduandas do Curso de Pedagogia, a referência a Matemática

proporciona uma desagradável lembrança de um tempo em não elas entendiam o

assunto ministrado. No depoimento das alunas do 6º. semestre de Pedagogia (2010.2),

foi possível perceber que o momento do relato ainda resguardou lembranças de um

professor soberbo que se empenhou em demonstrar a sua posição de superioridade.

Também, ocorreram manifestações sobre a dificuldade em utilizar o livro didático (teve

depoimento que demonstrou a inexistência do livro) e, principalmente, na identificação

da finalidade dos conteúdos trabalhados na aula de matemática. Ocorreram

manifestações que refletiram, apesar do tempo, o desconhecimento sobre o trato de

determinados assuntos, visto que não tiveram qualquer aplicação em suas vidas

Ao mesmo tempo em que percebo a insistente permanência do tradicionalismo,

também, é perceptível o envolvimento de centenas de profissionais dedicados na busca

de soluções para o problema da dificuldade em aprender matemática. Uma tendência

que avança no rol das pesquisas em Educação Matemática refere-se ao trabalho com

textos durante a aula de matemática. Este tipo de investida coaduna com a árdua luta

que as professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental enfrentam. Refiro ao

insistente trabalho que proporciona a formação do leitor e escritor. Inegavelmente,

milhares de professoras estão envolvidas na forte determinação de favorecer a

apreensão do código escrito. E não raro têm recorrido a piagetiana Emília Ferreiro com

a finalidade de vivenciar os “passos” que nascem do desenho e das garatujas e chega a

Page 10: FERNANDES - A Matemática No Curso de Pedagogia

escrita de frases propriamente ditas. Por outro lado, é possível identificar ações que

apontam para um trabalho envolvendo a textualidade nas disciplinas escolares, além da

disciplina de Língua Portuguesa.

A Pedagogia do Texto, na perspectiva de A. A. Faundez fundamenta-se n seguinte

premissa:

[...] a aprendizagem e o ensino teórico e prático de disciplinas de base (língua, matemática, ciências sociais e ciências naturais) deveriam constituir-se numa iniciação aos diferentes gêneros textuais privilegiados por estas disciplinas. A sua condução deveria comportar duas linhas diretrizes simultâneas, baseando-se, de um lado, nos conteúdos das disciplinas, de outro lado, nas formas lingüísticas que tornam possível sua verdadeira apropriação (FAUNDEZ Apud SILVA, LOURENÇO e CÔGO, 2004, p. 17).

A pedagogia do texto é uma proposta metodológica que insere a produção de

texto pelo aluno. Da premissa acima, é possível identificar a necessária mudança de

atitude do professor de matemática:

O professor, em qualquer situação de ensino da Matemática, deve lembrar que a língua materna funciona como um degrau natural na aprendizagem escrita. Assim, ele deve estimular o aluno a criar seus próprios textos matemáticos a fim de facilitar o processo de significação dos objetos matemáticos. A busca pela compreensão das palavras novas introduzidas nos textos precisa ser um dos objetivos do professor. É preciso cuidado para que os textos matemáticos já prontos, apresentados aos alunos, sejam trabalhados no sentido de explicitar os novos termos matemáticos nele contidos (SILVA, LOURENÇO e CÔGO, 2004, p. 21)

No processo de formação da professora que ensina matemática para criança,

coerentemente com o exposto é indispensável o domínio das técnicas que proporcione a

estimulação comportamental da criança, o que certamente condiz com a inserção do

“psicologismo” no Curso de Pedagogia que conduza a compreensão da formação

humana aistórica. Depois, outro aspecto que precisa ser investigado (FERNANDES,

2011), é a própria definição da função da professora que ensina matemática, na

educação infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental: realmente esta professora

precisa ter o domínio do conhecimento matemático historicamente produzido? E quem

será o professor formador? O professor que fez licenciatura em matemática? Aqui, o

mais importante é a justificativa que gerará uma contribuição para a discussão dos

novos projetos de cursos.

Page 11: FERNANDES - A Matemática No Curso de Pedagogia

Ainda a respeito da textualidade, inferimos que esta poderá ser uma diretriz da

formação docente. Incluirei a produção textual dos alunos como uma tendência que se

encontra permeada das melhores intenções de favorecer o contato da criança com a

linguagem escrita, conforme se encontra registrado na obra que trata da pedagogia do

texto:

Relatar por escrito o que se aprendeu numa aula de Matemática pode ajudar a desenvolver a habilidade da escrita. É interessante, por exemplo, o incentivo à manutenção de um diário em que, a cada aula de Matemática, o aluno vá registrando o que aprendeu, fazendo pequenas consultas bibliográficas, em dicionários, sobre os termos novos que o professor usou ou, ainda, registrando a descrição das estratégias utilizadas na resolução de problemas proposto (SILVA, LOURENÇO e CÔGO, 2004, p. 22).

O que certamente motiva a pedagogia do texto é, inegavelmente, o

‘desenvolvimento da habilidade da escrita’. No desenvolvimento da investigação será

oportuno pontuar coerentemente os parâmetros que subsidiarão a análise que será

desenvolvida. Neste sentido, recorro aos princípios e características das pedagogias

psicológicas, como uma moderna tendência da educação brasileira. Abaixo, cito apenas

dois itens que certamente respaldará uma melhor análise desta perspectiva:

- grande ênfase na produção de textos por parte dos alunos, com conseqüente diminuição da presença do livro-texto; - grande ênfase no desenvolvimento da leitura e da escrita, com evidente perda de espaço para o ensino das demais disciplinas (MIRANDA, 2005, p. 37).

O interesse em analisar a textualidade no ensino de matemática deve-se ao

simples fato que o domínio da linguagem escrita exige ações direcionadas em todas as

disciplinas escolares. Mas, é oportuno que qualquer tendência se esquive de uma visão

fragmentada ou simplesmente respalda na cotidianidade. Neste caso, a expectativa com

a investigação da matemática no Curso de Pedagogia é concluir com uma contribuição

que valorize a educação escolar no processo de formação humana. O que implica em

uma materialização a partir de diretrizes que nortearão uma proposta que leve em conta

a formação da professora, as condições de trabalho e, as intrínsecas categorias inerentes

a educação matemática para crianças.

3. REFERÊNCIAS

Page 12: FERNANDES - A Matemática No Curso de Pedagogia

BURIGO, E. Z. Movimento da matemática moderna no Brasil: estudo da ação e do pensamento de educadores matemáticos nos anos 80. Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1989. FACCI, M. G. D. Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor? Um estudo crítico-comparativo da teoria do professor reflexivo, construtivista e da Psicologia Vigotskiana. Campinas, SP: Autores Associados, 2004. FERNANDES. G. P. A relação entre o desenvolvimento da matemática e a ideologia positivista de Augusto Comte, no Estado do Ceará, no período de 1872-1906. Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Tese de Doutorado), 2004. FERNANDES. G. P. A educação matemática para criança (Projeto de Pesquisa). Crato : 2011. GIANCATERINO, R. Matemática sem rituais. Rio de Janeiro: Wak Ed., 2009. KOCH, M. C. O contrato didático numa proposta pós-piagetiana. In: GROSSI, E. P. e BORDIN, J. Construtivismo pós-piagetiano: um novo paradigma sobre aprendizagem. Rio de Janeiro : Vozes, 1993. pp. 65-81. MIRANDA, M. G. Pedagogias psicológicas e reforma educacional. In: DUARTE, N. (Org.). Sobre o construtivismo: contribuições a uma análise crítica. Campinas, SP : Autores Associados, 2005. p. 23-40. ROSSLER, J. H. Construtivismo e Alienação: as origens do poder de atração do ideário construtivista. In: DUARTE, N. (Org.). Sobre o construtivismo: contribuições a uma análise crítica. Campinas, SP : Autores Associados, 2005.p. 3-22. SAIZ, I. Análise de situações didáticas em geometria para alunos entre 4 e 7 anos. In: GROSSI, E. P. e BORDIN, J. Construtivismo pós-piagetiano: um novo paradigma sobre aprendizagem. Rio de Janeiro : Vozes, 1993. pp. 82-93. SILVA, C. M. S. da, LOURENÇO, S. T. e CÔGO, A. M. O ensino-aprendizagem da matemática e a pedagogia do texto. Brasília : Plano Editora, 2004.