Fernando Barbosa_Produção de Conteúdos Para Internet

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 1 PRODUÇÃO DE CONTEÚDOS PARA INTERNET (WEBSÉRIES) E TELEVISÃO: POTENCIAIS TRANSMIDIÁTICOS E NOVAS FORMAS DE CONSUMO BARBOSA, Fernando da Silva 1  RESUMO Desde a chegada da televisão no Brasil, a sociedade foi acostumada a acompanhar a programação de forma passiva e totalmente linear. A banda larga possibilitou a alteração deste panorama, com substancial aumento no consumo e produção audiovisual pelos chamados “prossumidores”. As produções colaborativas são muito importantes neste contexto e a websérie, formato narrativo que busca seu espaço neste novo cenário, tem aumentado sua participação no mercado, alcançando marcas expressivas e constituindo-se como referência quando trabalhamos com produtos seriados transmidiáticos. Com as webséries #E_VC? e  Armadilha, buscamos discutir a produção de conteúdos realizados por “prossumidores”, a migração de produtos entre a internet e TV analógica e digital, suas ferramentas, possibilidades de interatividade e formatos narrativos aplicados entre uma plataforma e outra. PALAVRAS-CHAVE: Webséries, Televisão, Vídeo, Narrativas, Transmídia. O modelo de produção – recepção “um para muitos” e perspectivas de mudança  Consumir produtos audiovisuais de forma passiva, através de uma grade de programação linear, com pouca ou nenhuma opção de interatividade sempre foi uma característica da televisão brasileira. Por exemplo, a Rede Globo de Televisão, a partir de sua inauguração em 1965, pautou-se na ampla divulgação dessa grade – afim de “educar audiovisualmente” o telespectador e mantê-lo sempre informado a respeito horários dos programas da emissora. Outra estratégia utilizada foi a criação do “Padrão Globo de Qualidade”, espécie de manual que dita as regras e premissas a serem respeitadas na confecção de qualquer produto da casa. Dessa forma, ela apresentava-se como uma televisão de “bom gosto e referência tecnológica e artística” perante sua audiência. 1  Mestrando do programa de TV Digital da UNESP – Campus Bauru, trabalha a questão da produção de conteúdos transmidiáticos e estruturas narrativas seriadas para internet (webséries). É professor e produtor audiovisual em São Paulo/SP – Brasil. Contato: [email protected].  

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    PRODUO DE CONTEDOS PARA INTERNET (WEBSRIES) E TELEVISO: POTENCIAIS TRANSMIDITICOS E NOVAS

    FORMAS DE CONSUMO

    BARBOSA, Fernando da Silva 1

    RESUMO Desde a chegada da televiso no Brasil, a sociedade foi acostumada a acompanhar a programao de forma passiva e totalmente linear. A banda larga possibilitou a alterao deste panorama, com substancial aumento no consumo e produo audiovisual pelos chamados prossumidores. As produes colaborativas so muito importantes neste contexto e a websrie, formato narrativo que busca seu espao neste novo cenrio, tem aumentado sua participao no mercado, alcanando marcas expressivas e constituindo-se como referncia quando trabalhamos com produtos seriados transmiditicos. Com as websries #E_VC? e Armadilha, buscamos discutir a produo de contedos realizados por prossumidores, a migrao de produtos entre a internet e TV analgica e digital, suas ferramentas, possibilidades de interatividade e formatos narrativos aplicados entre uma plataforma e outra.

    PALAVRAS-CHAVE: Websries, Televiso, Vdeo, Narrativas, Transmdia.

    O modelo de produo recepo um para muitos e perspectivas de mudana

    Consumir produtos audiovisuais de forma passiva, atravs de uma grade de programao linear, com pouca ou nenhuma opo de interatividade sempre foi uma caracterstica da televiso brasileira. Por exemplo, a Rede Globo de Televiso, a partir de sua inaugurao em 1965, pautou-se na ampla divulgao dessa grade afim de educar audiovisualmente o telespectador e mant-lo sempre informado a respeito horrios dos programas da emissora.

    Outra estratgia utilizada foi a criao do Padro Globo de Qualidade, espcie de manual que dita as regras e premissas a serem respeitadas na confeco de qualquer produto da casa. Dessa forma, ela apresentava-se como uma televiso de bom gosto e referncia tecnolgica e artstica perante sua audincia.

    1 Mestrando do programa de TV Digital da UNESP Campus Bauru, trabalha a questo da produo de

    contedos transmiditicos e estruturas narrativas seriadas para internet (websries). professor e produtor audiovisual em So Paulo/SP Brasil. Contato: [email protected].

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    O modelo de negcio da TV Globo, assim como o de seus concorrentes, foram pautados nessa grade linear, na medio da audincia e na conseqente segmentao da grade de programao para trazer consonncia entre o anunciante e seu pblico alvo.

    No incio da dcada de 1990, com a popularizao da internet, esse panorama sofre, gradualmente, mudanas significativas. No incio tnhamos como opo a internet discada, lenta e instvel e os servios oferecidos (portais de comunicao, troca e compartilhamento de documentos, etc.) eram baseadas em layouts grficos nada sofisticados e a produo e consumo audiovisuais eram inexpressivos.

    A banda larga possibilitou a modificao deste cenrio. E a partir da que as pessoas tem a possibilidade de experimentar novas formas de entretenimento, tendo outras opes com novos formatos, que se adquam aos novos perfis de recepo, e que se contrape ao antigo modelo proposto pelas mdias hegemnicas. O consumo de narrativas seriadas (ficcionais ou no) sempre fez parte da nossa experincia enquanto telespectadores. No caso da TV Globo, principalmente, a telenovela um dos produtos que mais traz receitas empresa.

    Como citado anteriormente, o acesso internet possibilitou a integralizao de informaes, bastidores, e-commerce (dos produtos utilizados nas telenovelas como roupas, jias e acessrios), jogos e compactos dos captulos exibidos alocados em um hot site do produto audiovisual, geralmente hospedado no portal da emissora, como o www.globo.com.

    Com a televiso digital esses e outros recursos ficaro disponveis aos telespectadores atravs do controle remoto, possibilitando a participao do pblico em diferentes nveis de interatividade.

    A grande dificuldade quando se fala em interatividade justamente como proceder para atrair um pblico cativo que realmente consuma essas novidades tecnolgicas. Para os mais jovens ou nativos tecnolgicos pode ser intuitivo relacionar-se com todas essas novidades, mas como ser essa relao com as geraes anteriores?

    Outro detalhe importante que a televiso tem um fluxo de informaes constante. Dependendo do modelo de interatividade, o telespectador pode sair da programao linear e em fluxo oferecida pela emissora. A partir disso, esse telespectador pode perder-se nas infinitas possibilidades oferecidas e no retornar grade de programao. Algo semelhante ao que ocorre hoje na internet.

    Por ora, o interesse do empresariado da mdia hegemnica est justamente em manter esse modelo atual, ou seja, um produz e muitos recepcionam o contedo. No

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    segmentar a audincia outro desafio cada vez mais difcil em tempos de convergncia das mdias e da interatividade, pois a verba publicitria tende a se descentralizar.

    Os planos e estratgias de marketing das empresas ficaro cada vez mais complexos pois os responsveis por estes setores esto reconhecendo que investir em diversos modelos publicitrios (seja na internet, TV a cabo, TV regional, games, instalaes ou flash mobs2) pode ser mais eficiente do que investir muito dinheiro em apenas um modelo publicitrio o intervalo comercial de determinado contedo audiovisual televisionado.

    O modelo proposto por Chris Anderson (2006), chamado de cauda longa parece fazer bastante sentido aqui. O mercado de nicho ganha importncia, levando-se em considerao os custos de produo, armazenamento, divulgao e tantos outros que podem ser minimizados se os esforos se concentrarem para atingir o seu pblico alvo.

    Em outras palavras, seja um produto audiovisual, mercadoria ou servio, a lgica do direcionamento e da estratgia varejista ganha fora e os grandes hits perdem espao neste contexto. Eles ainda existem e sempre vo existir, mas comea a ser mais seguro investir em determinados produtos com um pblico segmentado, menor (quantidade de indivduos) e ganhar na variedade.

    Um exemplo interessante a Rede Mundial de Comunicaes, grupo de mdia que possui diversas rdios em So Paulo e aposta na segmentao de sua audincia. No seu catlogo esto, por exemplo, a tradicional Rdio Kiss FM, especializada em rock e as Rdios Tupi FM/AM, especializadas em msicas sertaneja e caipira, entre outras que seguem o mesmo padro.

    Youtube Uma plataforma poderosa de distribuio

    O YouTube um site mundial de hospedagem de vdeos que so disponibilizados via streaming. Qualquer pessoa pode criar um perfil de usurio e compartilhar vdeos ou interagir com o contedo disponvel. No site do prprio YouTube3, encontramos as seguintes informaes com relao s estatsticas de trfego: Mais de 13 milhes de horas de vdeo foram enviadas em 2010. (...) Mais de trs bilhes de vdeos so vistos por dia. (...) Mais vdeos foram enviados para o YouTube em um ms do que a quantidade de vdeos

    2 Flash Mobs so aglomeraes instantneas de pessoas em um local pblico para realizar determinada ao

    inusitada previamente combinada, estas se dispersando to rapidamente quanto se reuniram. A expresso geralmente se aplica a reunies organizadas atravs de e-mails ou meios de comunicao social. Fonte: http://migre.me/5VvfM. Exemplo de flash mob realizado no Aeroporto de Lisboa, patrocinado pela companhia area TAP: http://migre.me/5Vv5Q

    3 Disponvel em http://www.youtube.com/t/press_statistics. Acesso em 28/10/2011.

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    produzidos pelas trs principais emissoras dos EUA em 60 anos. (...) O YouTube alcanou mais de 700 bilhes de reprodues em 2010.

    Segundo dados do instituto IBOPE publicados na Revista Proxxima do ms de abril de 2011 e tambm em seu prprio site4, 29,8 milhes de usurios nicos navegaram em sites de vdeos na internet brasileira durante o ms de janeiro de 2011. De acordo com dados da ComScore, publicados no site da IAB Brasil5, em dezembro de 2010 o site de vdeos YouTube teve 24,223 milhes de usurios nicos. Entende-se por usurios nicos ou tambm chamados de visitantes nicos, o nmero de visitantes no duplicados (contados somente uma vez) no seu site durante um perodo especfico.6. Pode-se, portanto, concluir que uma fatia considervel da audincia de vdeos brasileiros na internet consome vdeos hospedados no Youtube.

    Os nmeros so impressionantes, se assemelhando ou at mesmo sendo maior, audincia obtida por mdias de massa. No entanto, mais do que apenas consumir o aparente infindvel nmero de vdeos oferecidos pelo site desde registros do primeiro cinema aos ltimos captulos da novela - o espectador agora interator7 (MACHADO, 2007), pois se relaciona com o contedo atravs de ferramentas de interatividade oferecidas pelo sistema, e tambm capaz de se tornar produtor cultural remetendo seus prprios vdeos, dividindo suas experincias e aumentando o volume de informaes disponveis na rede.

    O Youtube propiciou uma democratizao na distribuio de contedos e tornou-se uma plataforma referncia na postagens de vdeos amadores e/ou profissionais. Com isso, o Google (Grupo proprietrio do Youtube) possibilitou uma alterao no cenrio mercadolgico e no poderio da mdia hegemnica, lidando com a convergncia e a cultura participativa (JENKINS, 1999).

    Desde a dcada de 1970/80 os videomakers criaram o hbito da produo audiovisual caseira, mas foi a partir da popularizao de sites como o Youtube que estes vdeos vieram tona. Com o barateamento das cmeras, computadores e softwares de edio as produes de baixo oramento tornaram-se comuns e, muitas vezes, o custo inversamente proporcional ao numero de visualizaes.

    4 Disponvel em http://migre.me/62RxF. Acesso em 27/10/2011.

    5 Disponvel em http://migre.me/62RzS. Acesso em 27/10/2011.

    6 Definio dada pelo Google, grupo mantenedor do YouTube em http://migre.me/62RDL. Acesso em

    28/10/2011. 7 Arlindo Machado em O Sujeito na Tela define interator como aquele que usurio, espectador e receptor.

    Ele agencia o contedo tendo poder de escolha sobre a ao significante. V e visto, podendo alternar entre narrativas ou partes de narrativas abrindo novas janelas, simplesmente pulando de contedo atravs de links ou sugerindo novas perspectivas atravs de comentrios.

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    Outro fenmeno interessante so as fanfictions. Fs de determinados contedos audiovisuais reescrevem e produzem a continuidade ou a remixagem de determinados contedos feitos pela mdia hegemnica. Esse trabalho geralmente colaborativo e aborda a questo dos mercados de nicho. Exemplos como a srie de televiso Lost e filmes como Harry Potter e Guerra nas Estrelas tem suas verses alternativas ou a continuidade das histrias produzidas pelos fans.

    Os produtores ligados a grandes conglomerados de mdia j entenderam que a criao de universos possibilita a continuao da trama ad infinitum. Mesmo que determinado produto audiovisual termine ou seja cancelado por questes de viabilidade, o universo daquele produto pode ser um cenrio propcio para a continuao atravs das fanfictions.

    A possibilidade de qualquer pessoa ter um canal personalizvel na plataforma de vdeos imediatamente leva quela questo da quebra da hegemonia das mdias tradicionais. Alm disso, o Youtube traz algumas ferramentas interessantes que ajudam a traar o perfil do pblico que consome dos vdeos de cada canal.

    Do ponto de vista mercadolgico, a mais interessante chama-se Insight. Com essa ferramenta, temos acesso aos nmeros de exibies, faixa etria, sexo, localizao, como as pessoas chegaram no canal ou vdeo (player incorporado, links, pesquisa pelo Youtube ou Google, site externo) e nvel de ateno das pessoas que assistiram os vdeos. A relao de inscritos no canal tambm muito importante para fidelizao e aproximao com a audincia que consome os produtos audiovisuais.

    Para a extrao e interpretao dos dados atravs ferramenta Insight, assim como consolidar e fidelizar o pblico em qualquer canal do Youtube, a freqncia de postagem dos vdeos deve ser colocada como prioridade. Qualquer veculo de comunicao que no atualiza seus dados perde audincia facilmente, por isso um planejamento estratgico faz-se necessrio para alcanar bons ndices de audincia e visibilidade na plataforma.

    As Olvias no teatro, na internet (websries) e na televiso

    As Olvias nasceram com o espetculo As Olvias Palitam, em 2005, sob direo de Vitor Bittow. O grupo, formado pelas atrizes Cristiane Wersom, Marianna Armellini, Renata Augusto e Sheila Friedhofer, alm da roteirista Andra Martins, estreou em 2009 a websrie As Olvias Queimam o filme no Youtube. Atualmente esto no ar com programa Olvias na TV no canal Multishow/Globosat.

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    As esquetes so pautadas pela viso feminina do grupo sobre situaes cotidianas e corriqueiras sempre pelo vis do humor. Analisaremos aqui o produto audiovisual e seus potenciais transmiditicos, bem como a migrao entre plataformas de difuso de contedo teatro, internet e televiso.

    Como dissemos anteriormente, o teatro foi a primeira experincia de trabalho do grupo. A estrutura do espetculo j era dividida em esquetes e isso foi levado para os episdios da websrie. Esses episdios, com durao mdia entre trs ou quatro minutos tem variados temas.

    Quando esse contedo foi para a TV, manteve-se o mesmo tempo das esquetes, sendo que duas ou trs so veiculadas no mesmo bloco, ou seja, o programa tem 30 minutos de durao, sendo 24 minutos de arte, com trs blocos de oito minutos e dois intervalos comerciais de trs minutos cada.

    Alm da adaptao dos quadros (na questo do tempo), queremos apontar que a estrutura narrativa, montagem e produo em geral da websrie assemelha-se da TV. O produto audiovisual feito inicialmente para internet j foi preparado com uma linguagem televisiva.

    Observa-se isso pelos planos de filmagem e estruturas narrativas extremamente televisivos e pela falta de interaes, hiperlinks ou recursos que a internet dispe para interligar os episdios ou remeter o web-espectador a outros contedos ou experincias relacionadas ao contedo inicial.

    Outro ponto importante a utilizao das mdias sociais no contexto do produto audiovisual em questo. O Facebook, Twitter e mesmo o Youtube so utilizados simplesmente para divulgao dos episdios prprios ou de outros produtos audiovisuais de parceiros.

    Nos episdios de As Olvias percebe-se que a equipe tem uma rede de relacionamento atuante com diversos profissionais do stand up comedy, atores, apresentadores de TV e os contedos produzidos por esses parceiros tambm so divulgados e indicados. Nota-se nessas parcerias uma forma de atuar no mercado audiovisual de forma colaborativa e com vistas a reduzir o custo de produo e aumentar a divulgao e comum verificar a participao destes profissionais nas produes uns dos outros.

    Outra importante considerao a respeito das produes que migram da internet para a televiso justamente que a plataforma que impulsionou o produto fica esquecida quando a produo estria na TV. A maioria dos produtores no abandonam, obviamente, a

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    divulgao dos videos na internet, redes sociais e afins, no entanto, nota-se considervel diminuio de ateno nestas plataformas e um aumento nos cuidados da produo televisiva. Para ilustrar essa colocao, na pgina inicial do site de As Olvias contm o seguinte comentrio: Caprichamos tanto na TV que esquecemos do nosso novo site!.

    As redes sociais auxiliam na divulgao dos produtos, mas, nesse caso, no estabelecem outras formas de relacionamento como promoes, contedos extras ou experincias interativas com o usurio, ficando a televiso como plataforma mais importante de veiculao.

    Fig. 1 Caprichamos tanto na TV que esquecemos do nosso novo site! diz a pgina de As Olvias. O canal do Youtube tambm foi esquecido.

    Essa postura de alguns produtores totalmente compreensvel pois ainda no existe um modelo de negcio que possibilite concorrer diretamente com a televiso. Essa estrutura tende a modificar-se, mas atualmente, a maior parte dos recursos financeiros (via publicidade) tramita na televiso.

    Recentemente um estudo divulgado pelo Instituto IBOPE Nielsen Online aponta que no Brasil, 43% dos internautas assistem TV enquanto navegam na internet8. O mesmo estudo aponta ainda que 29% dos consumidores simultneos de TV e internet tambm fazem comentrios online sobre programas, sobretudo em redes sociais.

    Dados como estes indicam que o consumo audiovisual est mudando e que os

    8 Estudo divulgado pelo IBOPE Nielsen Online disponvel em:

    http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=6&proj=PortalIBOPE&pub=T&nome=home_materia&db=caldb&docid=66A43BC611E674AB83257A2800683047. Acesso em 26/06/2012.

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    modelos de negcios tambm tendem a modificar-se para atender s expectativas/necessidades dos usurios.

    Com a televiso digital os recursos de hipermdia, links e interatividade podem modificar a experincia de consumir a programao televisiva, inclusive levando a modelos de negcios que ainda no conhecemos. Por enquanto, vislumbram-se experincias sociais e a publicidade cada vez mais direcionada, interligando mecanismos que busquem informaes dos usurios e, assim, atend-los de forma personalizada.

    Com a juno de diversos dispositivos e plataformas de comunicao, a televiso pode perder sua hegemonia e, consequentemente, suas fontes de receita. Como dissemos anteriormente, pode ser mais interessante pulverizar as aes publicitrias de determinado produto ou servio do que deixar o anncio unicamente em uma plataforma.

    Como exemplo dessa fora e do potencial das redes sociais, observamos recentemente as polmicas protagonizadas pelo humorista Rafinha Bastos. Ele detentor de um perfil no Twitter que possui mais de 4.640.000 seguidores, alm de ter sido considerado o usurio mais influente do Twitter no mundo9, conforme pesquisa do New York Times.

    Rafinha Bastos, alm de ex-apresentador do CQC e A Liga, dois programas veiculados pela TV Bandeirantes, ator e iniciou sua carreira veiculando vdeos no Youtube. Atualmente possui um programa na RedeTV! chamado Saturday Night Live10 e protagoniza a srie A vida de Rafinha Bastos11, no canal a cabo FX. Alcanou visibilidade nas redes sociais e foi contratado pela televiso. No entanto, o comportamento e a forma de atuao de Rafinha Bastos nessas redes demonstra que ele no est muito preocupado com os seus contratos na TV. Atravs das redes sociais ele protagoniza comerciais e veicula contedo pago por diversos anunciantes, monetizando seus canais e traando um novo modelo de negcio baseado na sua visibilidade.

    Pode ser que ele tenha perdido alguns contratos ou alguns anunciantes queiram ficar longe de determinadas polmicas que o ator envolve-se, mas verifica-se que a fora da televiso ou a manuteno do contrato do artista no mais crucial para domar o comportamento do mesmo. Rafinha Bastos bastante influente na internet e, em tempos de convergncia das mdias, redes sociais e das plataformas de divulgao de videos como o Youtube, a caracterstica de difuso de contedo e da visibilidade que a televiso proporciona perde fora neste contexto.

    9 Perfil de Rafinha Bastos no Twitter mostra que ele possui mais de 4.640.000 seguidores:

    http://twitter.com/#!/rafinhabastos. Segundo pesquisa do jornal New York Times ele o usurio do Twitter mais influente do mundo: http://migre.me/62NBj. Acesso em 26/06/2012. 10

    Mais informaes em http://www.redetv.com.br/saturdaynightlive/. Acesso em 26/06/2012. 11

    Mais informaes em http://www.fxbrasil.com.br/br/series/rafinha-bastos/. Acesso em 26/06/2012.

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    A produo das websries E_VC? e Armadilha

    Antes de falarmos de websrie, resgataremos o conceito de srie abordada por Umberto Eco, importante para repensar e/ou reformular a estrutura de uma narrativa seriada aplicada aos moldes convergentes da mdia e s intervenes de um pblico colaborativo:

    (...) a srie, eu diria, diz respeito, ntima e exclusivamente, estrutura narrativa. Temos uma situao fixa e um certo nmero de personagens principais da mesma forma fixos, em torno dos quais giram personagens secundrios que mudam, exatamente para dar a impresso de que a histria seguinte diferente da histria anterior. (...) Na srie, o leitor acredita que desfruta da novidade da histria enquanto, de fato, distrai-se seguindo um esquema narrativo constante e fica satisfeito ao encontrar um personagem conhecido, com seus tiques, suas frases feitas, suas tcnicas para solucionar problemas. A srie neste sentido responde necessidade infantil, mas nem por isso doentia, de ouvir sempre a mesma histria, de consolar-se com o retorno do idntico, superficialmente mascarado (ECO, 1989).

    Pessoalmente, a produo de contedos audiovisuais, mais especificamente websries, comeou pela necessidade de se testar novas linguagens, narrativas e interaes com a audincia, justamente por entender que a produo de contedo seriado para internet ainda no tem uma linguagem padro e diversos formatos aparecem diariamente nas plataformas de compartilhamento de vdeos. Trazer discusso e apresentar alguns resultados e experincias prticas tem o intuito de compartilhar esses dados enquanto produtor audiovisual em uma anlise acadmica.

    A partir das formas de recepo, podemos traar diversas caractersticas que diferem dos formatos apresentados pela televiso analgica. Primeiro que, como na televiso, e diferente do cinema, o espectador no est em uma sala escura, ponto fundamental do estabelecimento da transparncia, da ao ilusria que o cinema exerce nos espectadores. Ele est em qualquer ambiente, muitas vezes iluminados e com o concurso de outras informaes e atrativos que o ambiente caseiro proporciona (MACHADO, 2007).

    Na internet, esse concurso tambm est dentro da tela, ao lado da informao principal. A tela do produto audiovisual, opaca, um recorte de uma parte da tela do computador, no apresentada em tela cheia como primeira opo. Portanto, agora temos dois pontos que podem redirecionar a ateno do espectador, dentro e fora da tela. Ademais, na televiso o espectador est de passagem e portanto a programao circular e reiterativa. Na internet, com as possibilidades de pausar, ir para frente e para trs ou at mesmo abrir

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    novas janelas de pesquisa para compreender melhor o contedo principal o interator tem a possibilidade de editar, de navegar no que est visualizando - a forma circular e reiterativa apresentada na televiso parece ser desnecessria, alm de que agora necessrio escolher o que se quer assistir e ento clicar o play. O contedo no mais despejado efemeramente em um fluxo contnuo de imagens (MARTIN BARBERO E REY, 1999), as informaes permanecem na rede e necessrio que se escolha o que se quer consumir.

    Qual ser o mais vivel economicamente, qual conseguir a maior interao com a audincia e qual se estabelecer nessas plataformas (seja internet ou TV digital) ainda no sabemos. Mas fantstica a possibilidade de produzir e testar diversos formatos narrativos e ter a liberdade ou a flexibilidade de errar, privilgio que as mdias tradicionais no oferecem por uma questo mercadolgica e de tempo.

    Abaixo descrevemos dois trabalhos realizados pela produtora 8KA Produes Audiovisuais12, que seguem alguns parmetros discutidos por Eco e reformula outros, como a curta durao (pequenos drops, propcios para consumo rpido, seja no computador ou plataforma mvel, como tablet ou celular, respeitando portanto, a forma de produzir, com enquadramentos mais fechados, por exemplo).

    O primeiro, a websrie E_VC?13 tem como tema central os conflitos adolescentes e prope a participao da audincia atravs das redes sociais (Twitter, Facebook, Blog e pelo prprio Youtube, com comentrios). Como linguagem, os vdeos comeam com os personagens principais (Nina e Vinicius) ligando uma espcie de webcam, iniciando um discurso confessional (espcie de Vlog14) e propondo uma interao com a audincia, sempre terminando o episdio com a pergunta E voc?.

    A partir das reflexes propostas, uma srie de imagens no lineares ilustram esses pensamentos remetendo a uma linguagem dos videoclipes, at desembocar em determinada situao que os atores interagem entre si. A primeira temporada da websrie teve seis episdios foi veiculada no Youtube entre os dias 13/06/2011 e 19/07/2011. A segunda temporada teve trs episdios e foi veiculada entre os dias 01/12/2011 e 28/12/2011 e, no total, alcanaram a mdia de 98.258 visualizaes.

    12 A 8KA Produes Audiovisuais composta por Fernanda Manzo Ceretta, Fernando da Silva Barbosa e

    Robson Kumode (formados em Comunicao Social Rdio e TV) e Camila Castellani (formanda em Artes Cnicas). responsvel pela roteirizao, produo, gravao, edio e veiculao no Youtube das websries E_VC? e Armadilha. Os profissionais juntaram-se com o intuito de testar formatos narrativos, linguagens e modelos de negcios viveis nesse mercado de convergncia miditica e da cultura da participao. Website: www.8ka.com.br 13

    Primeiro episdio da websrie E_vc? disponvel em http://migre.me/5VC8E. 14

    Videolog - espcie de blog, s que feito em vdeo. O interlocutor dirigi-se cmera, falando diretamente com a audincia.

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    Pelo que acompanhamos no Insight, a receptividade, o nvel de ateno, o engajamento e a participao (seja por vdeo resposta ou comentrios) foram excelentes, no entanto, o compartilhamento deixou a desejar.

    Observamos que esse tipo de contedo, mais srio e que prope reflexes pode ser muito interessante e traz identificao com o pblico alvo do nosso canal, mas as pessoas no repassam os vdeos. Elas esto mais dispostas a repassar contedos engraados, ligados de alguma forma ao humor. Atravs das redes sociais ou mesmo nossos e-mails pessoais, verificamos que o compartilhamento desses contedos tornam-se virais mais facilmente.

    Por esse motivo, decidimos testar uma frmula ligada ao humor, uma websrie chamada Armadilha15. O eixo central da histria gira em torno do personagem Marcelinho, que enfrenta as mais diversas situaes que acabam se tornando armadilhas na vida dele.

    Com o intuito de aproximar o espectador, a websrie utiliza a linguagem de quebrar a narrativa, ou seja, o personagem desenvolve a cena e a interrompe para comentar a situao, olhando diretamente com a cmera e dialogando com a audincia, o que remete novamente como em E_VC? webcam e ao falso documentrio. A relao espao-temporal tambm quebrada quando o personagem lembra ou imagina situaes fora da linearidade do acontecimento principal, remetendo navegao na internet por hiperlinks abrindo novas janelas, indo para frente e para trs.

    Diversas situaes engraadas so colocadas durante o desenvolvimento da trama, que no tem nenhum compromisso com a verossimilhana, beirando quase ao absurdo em algumas cenas. Tambm foram testadas ferramentas disponibilizadas pelo YouTube que utilizam o vdeo como uma espcie de superfcie para a insero de dados textuais que dialogam diretamente com o espectador, comentando o prprio vdeo.

    A primeira temporada da referida websrie tem seis episdios e foi exibida entre os dias 09/08/2011 e 18/10/2011. Em 07/06/2012 retornamos com o formato, com uma segunda temporada. O produto contabiliza aproximadamente 493.000 visualizaes. Obedecendo s mesmas estratgias de divulgao (redes sociais e blogs), percebemos que a quantidade de visualizaes de Armadilha e a taxa de compartilhamento foi bastante superior ao de E_VC?.

    15 Primeiro episdio da websrie Armadilha disponvel em http://migre.me/5VCce.

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    Diversos veculos de comunicao16 tem destacado os trabalhos citados, apontando os mesmos como uma nova tendncia na forma de produzir contedos seriados. A MTV Brasil, inclusive, apontou a websrie #E_VC? como uma das cinco melhores websries de 201117.

    Os referidos trabalhos tambm podem ser veiculados na TV Digital, explorando os seus potenciais transmiditicos. A criao do universo narrativo das websries possibilita inclusive a criao de bonecos, material escolar, roupas e diversos outros produtos.

    No meio audiovisual, para um modelo de negcio tornar-se vivel, precisa contemplar o pblico consumidor e o mercado, um no sobrevive sem o outro. Desta forma, procuramos trabalhar nas websries algumas estratgias que possibilitassem o engajamento e identificao do nosso pblico alvo e tambm atender aos interesses mercadolgicos. Para isso, os conceitos de transmedia storytelling (que promove a identificao e engajamento do consumidor com a marca e/ou produto, contando-lhe uma histria envolvente) e advertainment (que busca agregar a marca/produto a ser divulgado narrativa, de modo que eles faam parte do contexto e sejam peas fundamentais no desenvolvimento da estria) foram agregados s estrias. O episdio dois da websrie Armadilha, por exemplo, trabalha o advertainment quando agrega ao roteiro a temtica da camiseta18. O figurino utilizado no episdio foi fornecido atravs da parceria que realizamos com o Colera Coletivo Radicado em Arte19, que mantm diversas equipes (msicos, artistas plsticos, publicitrios) todas trabalhando em um regime colaborativo de produo e divulgao de suas marcas em So Paulo/SP e comercializa camisetas produzidas por eles.

    Atravs desta breve reflexo sobre o atual momento que vivenciamos, procuramos estabelecer algumas relaes e formatos possveis para a realizao de produtos narrativos seriados, atravs da anlise de algumas websries e seus potenciais comunicativos em diversas plataformas. Cabe ressaltar que a dinmica da internet, da TV analgica e/ou digital, das tecnologias e de mercado propiciam novos formatos diariamente, ficando somente aqueles que realmente se adaptam volatilidade deste mercado em constante movimento.

    O potencial do prossumidor (produtor e consumidor de produtos audiovisuais) que

    16 Revista poca Online: http://epocasaopaulo.globo.com/cultura/do-drama-a-ficcao-cientifica-oito-webseries-

    para-ver-no-computador/. E portal Globo.com TechTudo: http://www.techtudo.com.br/artigos/noticia/2012/06/webseries-brasileiras-fazem-sucesso-no-youtube.html. Acesso em 26/06/2012. 17

    Informao disponvel em http://mtv.uol.com.br/ultimas/confira-as-5-melhores-webseries-nacionais-de-2011. Acesso em 26/06/2012. 18

    Episdio pode ser conferido em http://migre.me/5VDoJ. 19

    Website: www.tenhacolera.com

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    interage com todas elas no pode ser desconsiderado na atualidade. As diversas possibilidades que existem e que surgiro so responsveis por um escopo de experincias multimiditicas somente visto nestes dias de convergncia tecnolgica e inteligncia colaborativa.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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