Fernando Iazzetta. Jogo de Encontros: a experiência do Personne

35
ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015 IAZZETTA et al. | Personne Jogo de Encontros: a experiência do Personne Fernando Iazzetta Universidade de São Paulo - USP [email protected] Rodolfo Caesar Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ José Augusto Mannis Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP [email protected] Lílian Campesato Universidade de São Paulo - USP [email protected] Alexandre Fenerich Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF [email protected] 1. Começando Este texto traz uma reflexão acerca do Personne, uma reunião de artistas que mantêm um vínculo a partir das afinidades pessoais e musicais de seus integrantes. Os trabalhos realizados operam num terreno pouco sedimentado, envolvendo experiências com o repertório da música contemporânea e, especialmente, com a articulação dessa música com outras artes. Embora cada performance apresente uma nova configuração, elas evidenciam certos aspectos poéticos comuns, mesmo sem delimitar um território específico. Um traço de informalidade nas criações do grupo revela uma postura que é, ao mesmo tempo, despretensiosa e crítica. O Personne teve início com um projeto ambicioso de realizar uma versão instrumental da obra Symphonie pour un Homme Seul (1950) de Pierre Schaeffer e Pierre Henry. Paradigmática em sua concepção acusmática, a transcriação da Symphonie para um grupo de performance instrumental poderia suscitar - e, de fato, suscitou - uma série de questionamentos a respeito da natureza dessa versão. Entretanto, a realização da Symphonie serviu para expressar o desejo de realizar um projeto musical mirando sua musicalidade e sua potencialidade de

description

Este texto traz uma reflexão acerca do Personne, uma reunião de artistas que mantêm um vínculo a partir das afinidades pessoais e musicais de seus integrantes. Os trabalhos realizados operam num terreno pouco sedimentado, envolvendo experiências com o repertório da música contemporânea e, especialmente, com a articulação dessa música com outras artes.

Transcript of Fernando Iazzetta. Jogo de Encontros: a experiência do Personne

ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015 IAZZETTA et al. | Personne Jogo de Encontros: a experincia do Personne Fernando Iazzetta Universidade de So Paulo - USP [email protected] Rodolfo Caesar Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Jos Augusto Mannis Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP [email protected] Llian Campesato Universidade de So Paulo - USP [email protected] Alexandre Fenerich Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF [email protected] 1. Comeando EstetextotrazumareflexoacercadoPersonne,umareuniodeartistasque mantmumvnculoapartirdasafinidadespessoaisemusicaisdeseus integrantes.Ostrabalhosrealizadosoperamnumterrenopoucosedimentado, envolvendoexperinciascomorepertriodamsicacontemporneae, especialmente,comaarticulaodessamsicacomoutrasartes.Emboracada performance apresente uma nova configurao, elas evidenciam certos aspectos poticoscomuns,mesmosemdelimitarumterritrioespecfico.Umtraode informalidade nas criaes do grupo revela uma postura que , ao mesmo tempo, despretensiosa e crtica.OPersonneteveinciocomumprojetoambiciosoderealizarumaverso instrumental da obra Symphonie pour un Homme Seul (1950) de Pierre Schaeffer ePierreHenry.Paradigmticaemsuaconcepoacusmtica,atranscriaoda Symphonie para um grupo de performance instrumental poderia suscitar - e, de fato,suscitou-umasriedequestionamentosarespeitodanaturezadessa verso. Entretanto, a realizao da Symphonie serviu para expressar o desejo de realizarumprojetomusicalmirandosuamusicalidadeesuapotencialidadede 2ISSN: 2357-9978 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne atingiraspessoasqueiriamassisti-lo,deixandoassimparaumsegundoplano qualquerpreocupaocomoengajamentoquefrequentementeseobservana conformao da composio musical aos seus devidos espaos (a sala de concerto, a anlise musicolgica, a filiao a estilos e escolas, etc.). O projeto da verso instrumental Symphonie, apresentado ao pblico em 2010 no ParqueLagenoRiodeJaneiro,pareceterdeixadoumamarcaprofundaneste grupodemsicos,apontodegerarestmuloparaquenovostrabalhosfossem realizados. Essesnovostrabalhos sesucederam nos anos seguintesenvolvendo performancesquepoderiamserrotuladascomo"audiovisuais"emfunodos materiais que utilizaram, mas que de alguma forma dissolvem os contornos mais ou menos bem conhecidos e estabelecidos do que chamamos de msica, cinema e performance. Ostextosexpostosaseguirsofrutodastrocasintensasquecincoartistasdo Personne realizaram dentro e fora do palco. Neles no h pretenso musicolgica ou acadmica. Antes, buscam expor o que parece ser mais significativo na prtica musical do grupo, a sua potica, a partir das impresses individuais de alguns de seus participantes. A opo por uma abordagem ensastica e pelo tom pessoal dos textos no casual. Ao contrrio, essa opo refora uma postura tica e poltica, que claramente contamina a potica do grupo. A proposta do Personne fruto da descrena numa srie de valores que constituem uma base para a produo da chamadamsicacontemporneaeparaaconstruodosdiscursosquea legitimam. Este cenrio, muito consoante com o projeto modernista de criar uma tradio do novo e uma mania de teorizao da arte (Compagnon, 2010, p. 12), mostra um tal esgotamento que se torna necessria a busca por alternativas. Em primeirolugar,precisoencontrarrotasdefugaqueevitemasgrandesvias traadas pelo academicismo e pela institucionalizao da msica contempornea. DesdequeMiltonBabbittassumiupublicamentequeamsicadavanguarda estaria alm do homem comum e que a universidade teria a obrigao de abrigar essamsicafeitaporespecialistaseparaespecialistas(Babbitt,1958),parece haverumaacomodaocrescentedasproduesmusicaisnoportosegurodas instituies. No se trata aqui de fazer uma crtica rasa Instituio em geral, j que parecem evidentes os aspectos positivos da associao entre o fazer artstico e setores formais da sociedade como a universidade, os sistemas de fomento ou a industria criativa. A crtica refere-se ao desequilbrio que ocorre quando a arte 3 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne precisaatendercegamentesdemandasdessasinstituies,tornando-se,ela mesma,institucional.Parecequesrecentementeestecenriocomeaaser questionadoabertamentenombitoacadmico,comonaanliseseminalque GeorginaBornfazsobreainstitucionalizaodavanguardaapartirdeuma etnografia do IRCAM, instituio cuja tentativa de institucionalizar a criatividade representa ela mesma uma nova iniciativa na institucionalizao da msica (Born, 1995, p. 2). Mas, como deixar de ser institucional, mesmo fazendo parte da academia? Como lidar com a complexidade do pensamento e com a instabilidade da criao artstica, sem esquecer da conexo entre a arte e as pessoas? Como fazer msica sem a obrigao de cumprir os requisitos socioculturais e mercadolgicos que geralmente a legitimam? Como levar a srio o trabalho artstico e ao mesmo tempo divertir-se com ele?Como transitar com liberdade entre territrios de sons, imagens e gestos,cujosnomesqueconhecemosmsica,eletroacstica,cinema, improvisao j no conseguem dar conta?Enfim, como ignorar preceitos como autoria, virtuosismo e maestria, to caros produo da msica de concerto, e ainda assim acreditar na potncia potica e esttica do que fazemos? Os textos que se seguem no respondem a essas questes. Tampouco o trabalho doPersonnesecolocacomoqualquertipoderesposta.Aocontrrio,tantoos textos, em seu carter reflexivo e pessoal, quanto o prprio trabalho do grupo, propemumdeslocamentodosnossoshbitosemrelaoproduomusical. No se trata de desacreditar nos territrios em que estamos acostumados a nos expressar, como o concerto de msica no caso da produo artstica, ou o artigo acadmico, no caso da reflexo sobre essa produo. Os textos buscam mostrar que possvel fazer e pensar a msica sem o peso da teorias e sem o compromisso com formas que, talvez h muito tempo, j no nos digam mais respeito. 2.Quemsomos,deondeviemos,paraondevamos?(Rodolfo Caesar) O convite para escrever algumas linhas sobre as atividades do grupo, de que tenho participado em diversas apresentaes mais ou menos recentes, algo que me faz manifestar profunda gratido - ao mesmo tempo que martela a expresso 'que tarefa ingrata!' O que tenho para dizer sobre aquilo que se pretendeu criar dentro 4ISSN: 2357-9978 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne da esfera de um indizvel? (No, no se trata desse emudecedor 'inefvel', que se quer atribuir msica para inibir qualquer discusso). O indizvel do nosso trabalho nodeliberado,vemporefeitocolateral,simplesmenteporquenofoi classificado de antemo: e acredito que nem nos empenhemos para que o seja. As atividades mais recentes do nosso grupo demonstram, na minha opinio, maior empenho no fazer do que em classificar ou preparar um discurso legitimador para o que se faz ou fez. Essa fluidez explica minha relutncia para falar. A comear por seu 'nome', que no est a para ser um nome de marca, sendo apenasumfacilitadorparaqueprodutores,organizadoresedivulgadoresde atividades que envolvam o grupo tenham algo a referir. Tudo nele pode mudar, assim como j variou seu efetivo, que da primeira vez seapresentou com oito, depoiscomseis,umavezcomtrs,eduascomquatromsicos.Aescolhado nome no definitiva e j traz o desconforto de no desfrutarmos do nosso idioma. Recaisobreoduplo-sentidodapalavraquesignificapessoa- comaorigemno latim persona - aquela mscara que, enquanto amplificava os sons dos atores nos palcosdeanfiteatros,retiravaostraosvisveisdesuaindividualidade.Em francs, de certa maneira, fica mais interessante porque o vazio perdura, personne ningum, a mscara porta-voz sem algum a port-la. (E c estou eu, diante daingratatarefadeportaravozdepersonne!)Entretanto,comonotemos expectativasquenosdeterminemaousodeumnomedemarcaparafixarmos nossolugarnamentedo'pblico',oudomercado,podemosmudartudoa qualquer minuto. Da que ns, mais do que um grupo de msica contempornea, somos um encontro.Nosso encontro, ento, de msicos que gostam de tocar juntos. Uma vez que nossos idiomas comuns mais aproximadosno so o samba-de-raiz, o choro, o jazz,ofunk,orock.Tocamoscoisasmaisalinhadassnossasexperincias instrumentaiseeletroacsticas,deformamais-ou-menosimprovisada.A despretensotofundamentalquenemservedefundamento,daquenem mesmo a improvisao pura possa ser a nossa meta. Podemos ensaiar tambm, at porque gostamos disso. A origem dessa dinmica aconteceu em 2010 quando o primeiro efetivo foi reunido - Alexandre Fenerich, Doriana Mendes, Fernando Iazzetta, Janete El Haouli, Jos Augusto Mannis, Lilian Campesato, Michelle Agnes e eu - para realizar um velho projeto: o de recriar, ao vivo, a 'Symphonie pour un homme seul', de Pierre Henry 5 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne e Pierre Schaeffer1. A esse grupo somou-se Caique Bellaver, que havia ajudado Mannis no praticamente insano trabalho de 'reduo' da Symphonie: trazer para a notaogrficaoquetinhasidofeitoeletroacusticamente,ouseja,uma transcrioteoricamentecontrriaaoacusmatismoqueessamsicaprops quando de sua estreia em 1950. Desde osanosnoventa sonhvamoscom essa oportunidade- a amiga Laura di Pietroeeu-chutandocascalhoemcaminhadasnasPaineiras,reclamandodo isolamentocondicionadopelacomposioepelarealizaoeletroacsticaem concerto. Acho, ento, que a noo mais adequada que veio se configurando desde o incio desse texto principalmente a seguinte: um encontro de afinidades, um desejo de compartilhamento. DepoisdoeventonoParqueLagenosreunimos,noanoseguinte,noEIMAS [Encontro Internacional de Msica e Arte Sonora] em Juiz de Fora, sem Caque e Doriana, para uma apresentao acompanhando a projeo de um trecho do filme Limite,deMrioPeixoto,emsessocompletadacomtrabalhosmais individualizadosdeduosque,comotais,elaboraramseparadamente.Paramim permaneceu a sensao de ter sido um belo encontro, embora dessa vez diante de uma plateia especular: acadmica e 'especialista'. A isso sucedeu um perodo de quase dois anos sem qualquer atividade. Em final de 2013, a convite da Escola de Artes Visuais do Parque Lage para realizar acuradoriadesuatradicionalsessodoCineLage,trsdeseussetemsicos iniciais tocaram juntos, sem sequer lembrarem - por absoluta falta de necessidade - que poderiam acionar a 'persona'. Compusemos, ao vivo - Alexandre Fenerich, Lilian Campesato e eu - uma nova trilha musical para Dreams that money can buy (1947), filme de Hans Richter. Em 2014 o encontro aconteceu mais uma vez: outra vez no Cine Lage do Parque Lage e, no dia seguinte, nos Encontros Carbnicos do Largo das Artes, no Rio de Janeiro. Ambos os eventos com os trs do efetivo do ano anterior, mais Fernando Iazzetta. Oprimeiroprogramafoiigualaodoanoanterior,oseguintesendomais diversificado: um curta de Hans Richter de 1926, um trecho de Twin Peaks (1991) de David Lynch e contribuies individuais de membros do grupo. 1 Um registro da transcriao Symphonie na apresentao realizada no Parque Lage, Rio de Janeiro, pode ser visto em: https://www.youtube.com/watch?v=OQOPHVTtio0 6ISSN: 2357-9978 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne Figura 01: Imagem do ensaio para a realizao da transcriao da Symphonie pour un homme seul no Parque Lage em 2010. Uma vez estando claro que, porque nossos encontros renem expectativas mais oumenosdiversas,otodoreflete,relativamenteao'estrelato',umaansiedade menor. Mesmo sendo assim preciso explicar as minhas motivaes pessoais, que 7 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne provavelmentenoreverberamasdecadaoutromembroparticipantedo encontro. Recentemente fui questionado sea realizao daSymphonie em 2010 ocultaria alguma agenda 'anti' qualquer coisa, se haveria ali uma proposta de crtica ou de superaoesttica.Respondiqueno,quetinhasidopelaalegriadefazerum trabalho coletivo, com pessoas queridas e sobretudo admiradas, para um pblico musicalmente inespecfico, porm artisticamente cultivado, o do Parque Lage. Mas para um expert no assunto a pergunta procede, porque o evento poderia conter uma inteno deliberada de mexer em vespeiro purista, pois, como j foi dito, des-acusmatizamos o cone acusmtico fundamental. De minha parte, no tive essa inteno 'reacionria'. Em primeiro lugar, porque prefiro - nada mais do que por inclinao pessoal - esse mododeescutarmsicanoescuro.Gostomenosdasmsicasmistas,queme despertam de espaos multidimensionais imaginrios para a tridimenso do palco, e retiram o mistrio das fontes invisveis de sons para a concreo do intrprete. 'Gosto mais' no significa 'professo a f em', porque, em matria de msica e artes em geral, h muito tempo no aparece causa alguma justificando que eu milite a favoroucontra.Eessapreferncianoimpedequeeumealegreporpoder participar desses encontros em que, quando a tela de projeo no se encarrega da visualidade, prepondera justamente o modo 'msica mista'. Em segundo lugar porque sabia que o pblico no Parque Lage, embora culto, no participa da discusso dos pequenos pormenores que incham nosso meio de auto-atribuda importncia. bem verdade que me encontro sem grande alento para sustentarinterlocuesdentrodoambientecomposicionaldamsica contempornea, o que atribuo ao que considero ser sua exausto por isolamento, porque se tornou uma coletividade de 'homens ss'. A re-montagem da Symphonie foi o contrrio do homme seul, s que sem qualquer ressentimento ou projeto para militncia. Assim como todo o evento 'Arte Sonora'2, de minha curadoria, que a enquadrou, a reviso da Symphonie no manifesta um olhar para o passado nem paraofuturo,esimparaopresente.Podemosfazeralgo,agora,sem necessariamente renegarmos o passado? Creio que sim, desde que Orfeu desista dereverEurdice.Perguntadodeoutromodo:possvelfazeralgumacoisaa 2 A apresentao da Symphonie ocorreu como parte do evento "Ciclo Arte Sonora no Parque Lage". 8ISSN: 2357-9978 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne partir do zero? Certamente que no existe zero, mas, se alguns ns forem bem desfeitos, por que no? O principal que evitamos, ali no Parque Lage em 2010, foi o n grdio do dilogo com a expertise do nosso meio. Tenho a impresso de ser sempre perseguido pelo mais vilo dos ns, o loop de naturezainstitucional.Incomoda-meaconscinciadequeaproteoque conseguimosconstruirnaacademia,paraamanutenodanossaatividade composicional,crescentementenosvedadedentroparafora.Criamosum mecanismoviciosoemqueumamesmainstituioproduz,executa,aplaude, analisa, historiciza, comemora aniversrios, escreve obiturios e enterra a mesma ao, obra ou autor. H casos em que - sem recurso s aes entre amigos, por falta deles - tudo isso, exceto o obiturio e o enterro, consegue ser promovido por umamesmapessoa.Meuproblemanotospelanaturezaeticamente duvidosa,maspelasdecorrnciascolateraisnoplanoscio-poltico, especificamente peloreforo manuteno de umstatus quo.Outroloop, bem azeitado 'em nosso meio', revela-se no ecletismo das efemrides celebratrias de sua produo. Somos todos diferentes, nesse meio de experts-compositores: cada qualcomsuadistintaaspiraosocialepoltica.Mas,porcontadorecursoao ecletismo-poralguns,comatraso,confundidocomps-modernidadeocorre quenosnivelamosemnossodesejodesobrevivncia.Permanece,assim,um incmodo dilogo com nosso semelhante compositor-expert. Isso talvez esclarea por que o encontro musical, eventual e mutante, do Personne celebre uma atitude menos acomodada, mais viosa e vigorosa, e consiga explicar o deleite de fazer parte dele. 3. Ouvindo como 'persoa' (Jose Augusto Mannis) Gostaria de propor que seacrescentasse um sentido ao termo que d nome ao grupo, o sentido de fazer soar - persoar - j que a origem do Personne se d na proposta de transformar sonoramente a Sinfonia para um homem s, composta porPierreSchaefferePierreHenry.Estreadaem1950,naFrana,aobrafoi originalmente concebida para gravao em disco tendo sido inteiramente realizada a partir da manipulao de sons gravados, reproduzidos e, mixados em disco. O usodogravadordefitamagntica,emcursodeinvenonaquelemesmo momento, foi operacionalizado logo em seguida, mas no antes desta composio. 9 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne Portanto, a Sinfonia para um homem s, a SPUHS como a denominamos, at 2010, s havia sido sonificada por toca-discos, toca-fitas, CD players e outros recursos de reproduo. O grupo Personne foi o primeiro a lev-la aos ouvidos fazendo soar instrumentos, vozes e demais corpos sonoros ao vivo durante a performance. Por isso, sugiro essa acepo do ttulo: a de um grupo que faz as coisas soarem. A ideia inslita deste trabalho provm do artista-sonoro Rodolfo Caesar, algum quecapazdeencontrarbrechasprofundasemlugarescomuns,olhandopor aqueles ngulos que ningum costumeiramente olha e que, portanto, acaba vendo tudo com olhar de criana: tudo o que surge ao olhar pode ser ser (re)descoberto. Evidentemente isso desloca as coisas em relao ao status quo. E ainda mais neste caso especifico, quando tiramos algo do lugar de onde estava h mais de 60 anos! Umamsicaquefoicriadaapartirdeumprocessoplsticodeaglomerao sucessiva de sons, como uma escultura sonora, na qual os elementos estiveram gravados em sulcos de discos ou em pedaos de fita emendados e sobrepostos, seriacaracterizadasomentepeloseuprocessodefatura,totalreveliadeseu contedo potico? A inveno da msica concreta, j em si rebelde e inovadora, transgredindopadresanteriormenteestabelecidos,teriaagora,depoisde concebida e estabilizada natradio musical, de algumaforma sesacralizado a pontodenuncamaispodersertransgredida,semqueseacuseesseatode profanao? O proprio GRM - Groupe de Recherches Musicales, ainda na liderana de Franois Bayle, investiu recursos e pessoas para a concepo e realizao do Acousmographe,umdispositivodesenvolvidoparaauxiliararealizaoanlises espectrais,sobreasquaispossvelaplicarelementosgrficosoriginaisque representam materiais sonoros, processos, situaes e movimentos. Isso leva a uma representao abstrata dessa msica registrada em mdia eletrnica, a qual seconstriapartirdeumaoutrarepresentao,objetivaeneutra,obtidapela anlise frequencial numrica. Segundo Franois Bayle em depoimento pessoal a esteautornadcadade1990,ofuturodamsicaeletroacsticaestaria condicionadopossibilidadedepoderobservarocontedodestasmsicasem tempo diferido e de maneira descontinua em relao a seu tempo de reproduo. Atento,asmsicaeletroacsticaseramanalisadasdememriaauditiva. Compositoreschegaramaelaborarpartiturasdeescutaeestassemostraram comoummeiodepoderpercorreressasmsicas,comparandoeconfrontando momentos distintos, independentemente do tempo de sua reproduo. Por meio 10ISSN: 2357-9978 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne do Acousmographe buscou-se aperfeioar os recursos de representao aplicados smsicaseletroacsticasincorporandoaoprocessoferramentasauxiliaresde anlise do som e de colagem de elementos grficos. Essas partituras, apesar de trazerem uma diversidade de solues grficas criativas e originais, mantm sua estrutura bsica geral prxima das partituras tradicionais da msica instrumental e vocal, ao menos no que diz respeito representao do tempo no eixo horizontal edasalturasnoeixovertical.Dessamaneira,asnovassoluesgrficas apresentadas so de certa forma compatveis com a notao tradicional, podendo coabitar uma com a outra. AtranscriodaSinfoniaparaaperformanceaovivorealizadapeloPersonne tomou o rumo da representao musical tradicional, uma vez que sua execuo deveria se dar com muita preciso nos mbitos da altura, durao, andamento e nos momentos de sincronizao entre os msicos.A transcrio ficou a cargo deste autor, tendo como colaboradores Carlos Henrique Bellaver(Londrina,PR)eGuilhermeLunhani(Campinas,SP)elogoacabou tomando o carter de uma anlise, pois as nfases e destaques devidos direo da ateno da escuta revelam apenas uma das interpretaes possveis da obra original (ver Fig. 02). Uma das primeiras constataes durante a transcrio dizia respeitoconduotemporaldosobjetossonoros.Handamentosclarosque saltamaosouvidosquandofixamosalgunsobjetossonorosdereferncia.A coerncialgicaevidenciadanaevoluodaescrituradeixacrerqueamode Pierre Henry, recm sado da classe de Messiaen, estaria empregando processos criativos adquiridos e desenvolvidos durante seus estudos, mas aqui aplicados aos processosdemanipulaosonoraemestdio,notadamentesoperaescom toca-discos. A organizao dos objetos sonoros transcritos revela traos de uma possvelescrituramusicaltradicionalsubjacentesmanipulaessonoras. Contudo, no se pode esperar que a transcrio tenha a pretenso de representar o que se passou pela cabea de Henry, pois ela nada mais do que o retrato do que os ouvidos dos transcritores interpretaram a partir da escuta da obra naqueles dias de 2010. 11 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne Figura 02: Transcriao instrumental do incio do primeiro movimento da Symphonie, Prosopoee. Se refeita agora, essa transcrio certamente mudaria, outros acontecimentosse aglutinariam no foco de ateno da escuta. A SPUHS poderia, sim, ser revisitada eretranscritaoutrasvezes,erenascidadevriasmaneiras.Issodecorreda concepodetranscrio,nocomoumgestopretendidocomequivalnciae precisoabsolutasderepresentao,mascomoumainterpretaodooriginal, paraaqualasideias,osinsightseosproblemasencontradossempreforam solucionados com inveno e deciso num determinado momento. medida em que a transcrio avanava, se aprofundava e se expandia, mais o processo tendia a uma transcriao, como quer Haroldo de Campos. E, finalmente, esta se efetivou de forma definitiva na montagem da performance da SPUHS, ocorrida em 2010, naqualcadaparticipantecompssuaprprialinhadeperformancepessoal, selecionando os elementos a serem tocados, cantados, ditos a partir da partitura transcrita.Ouseja,cadaintegrantedogrupodeperformancedeterminousua prpriapartemusicalcombinandoelementosdaspartestranscritas,porvezes oriundos de mais de uma das partes musicais da transcrio (ver Fig. 03). Dessa maneira,aperformancerealizadanasexta-feira,15deoutubrode2010,no 12ISSN: 2357-9978 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne Parque Lage, no caracterizou uma simples ressntese direta do original, mas foi uma transcriao da SPUHS realizada a 18 mos. Figura 03: Ensaios de trabalho para elaborao da transcriao da Symphonie(LAMI - USP, 2010). 4. Encontro: trocas e restos (Llian Campesato) Introduo Maisdifcildoquereuniremumartigoalgumasreflexessobreasdiferentes atuaes do Personne, ser conseguir construir uma base que d conta de situar oleitornesseterrenomovedio.Auniodemodosdepensar edeescreverse apresenta aqui neste texto como uma possibilidade de compartilhar as energias que pem em movimento as ideias, sons e prticas presentes nos encontros do Personne.claroqueumtextomuitodiferentedeumencontro,oudeuma performance, mas talvez este conjunto de depoimentos possa ajudar a exteriorizar aspreocupaes,vontadeseideiasdecadaumdens.Nohapenasa diversidadedaspropostas,humadiversidadedeatuaes.Asgeraese trajetrias individuais secruzam e a maneira como serelacionam o que d o carterparticulardestegrupo.Essesencontrosentrepersonasguiamodesejo compartilhadodefazeretrocar.Senossastrajetriassodistintas,nossas afinidadesso o quemantm a nossa coeso. Dealguma maneira eu credito 13 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne perplexidade com a experincia da realizao acstica da Sinfonia para um homem s, a vontade do Personne de continuar criando novos trabalhos. O que aconteceu naquela noite de 2010 instaurou um desejo permanente de construir um caminho que nos levasse manuteno de alguns ideais: troca, vivncia, encontro. sobre essas ideias que pretendo falar aqui. Experimentao: vivncia Se existe algo em comum nos trabalhos do Personne - da realizao da SPUHS s performances mais recentes - a experimentao. Experimentar sempre foi uma espciedemeiopeloqualsedesenvolveramnossasatuaes.Experimentar significa testar pela ao aquilo que est ao nosso alcance. Ao meu ver, a maneira pelaqualnosrelacionamoscomamsica,suaproduoereproduo, claramenteafetadaporumadinmicacentradanaexperimentao.Oadjetivo experimental pode ser ingrato, pois carrega diversas atribuies, significados e at ideologias, especialmente como qualificador do termo msica. No momento de requerer alcunhas para definir o trabalho do Personne como pertencente a esta ou aquelaprtica.Masointeressenessaconexovemdaquiloqueaproximaa experimentao da experincia, da vivncia. E essa vivncia se d coletivamente, numacoexistnciaemquesepodeexperimentarcomooutro,compartilhar. Portanto,nossamsicasednaconvivnciaenonaeficincia.Issopropicia abertura para as trocas entre gestos, sonoridades, atuaes, porque os corpos no sorgidos,somaleveisainterlocues.Noh,aparentemente,uma expectativa de resoluo, de atingir uma ideia ou ideal previamente almejado, mas uma vontade de trocar e, assim, deixar-se afetar pelo outro. Encontros Quando algum chega frente ao outro, no importa se eles se movem em vrios sentidos ou se dirigem ao mesmo ponto. O que importa a existncia do encontro e o encontro no necessariamente uma convergncia. No haver necessidade de convergncia , ao meu ver, um dos aspectos mais interessantes de um encontro. estar aberto ao afeto. Afetar e ser afetado, moldar e ser moldado. O resultado incerto;nosabemos.Assumiresseriscoestarabertoainterfernciaseao reconhecimento de ambiguidades essenciais. OsencontrosdoPersonnesederamdevriasformas:conversas,ensaios, performances.O desafio inicial gerado pela realizao da SPUHS foi colocado em 14ISSN: 2357-9978 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne vriosnveis.Emprimeirolugar,aquestoticadeseconverterumaobra acusmtica em seu oposto, numa verso instrumental e performtica. Em segundo lugar, a questo potica, pois os domnios instrumental e eletroacstico, embora secruzemcomfrequncia,mantmsuaspeculiaridadesbemdemarcadas.E, finalmente,umaquestomusical,poisentreoprojetoenquantoideiaesua concretizao no palco houve um longo e trabalhoso percurso. Oprimeiroensaio,quechamamosdeensaioterico(verFigs.03e04),em outubro de 2010, este voltado para a apresentao da transcrio realizada por Mannis de alguns movimentos da Symphonie, e a primeira tentativa de toc-la. Nopossoesquecerdaperplexidadegeralquenosrondavaaoencararadificuldade da empreitada. A partir desse encontro, todos ali souberam que a tarefa noseriainterpretarcomprecisoaquelatranscrio,mascriarapartirdela. Afinal, era a nica coisa que poderamos fazer. Essetrabalhoexigiumuitomaisquecriarumaatualizaoacsticadaobra referencialdamusiqueconcrte.Osmtodoseferramentasprecisaramser inventados e testados todo o tempo, j que as dificuldades apareciam conforme cada nova mmese da obra original era realizada ou quando surgiam tenses entre as idiossincrasias da notao e a sua performance. Se a resultante desse processo se aproxima mais de uma pardia acerca da obra original ou no, assunto para outrotexto.Oqueimportaaquiamaneiracomofomosafetadosporesse processo. Estimulados por esse encontro inicial em torno do projeto da Symphonie, outros trabalhos foram sendo gerados em diversas formaes menores. O grupo voltou a se reunir com alguma regularidade nos anos seguintes, em formaes diferentes. Nessesoutros projetos, o Personne desenvolveu um dilogo com outras formas artsticas, especialmente com o cinema experimental, ora produzindo intervenes emfilmes,criandoumatrilhaaovivo,oraproduzindopeasoriginaisque extrapolamocontextomusicaleincorporamoutraslinguagens.Algumaspeas trazem tona as tenses do cotidiano que revisitado, s vezes com ironia, ou ento de maneira crtica. 15 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne Figura 04: Partitura da performance da Symphonie. Prtica Amaioriadasapresentaessopautadaspelairreverncia.Elasformamuma espciedeexteriorizaodosencontros,davontadedepartilharcomoutras pessoas os afetos que compartilhamos dentro do prprio grupo. Ao mesmo tempo em que h um interesse na comunicao com o pblico, h uma ao deliberada no sentido de se evitar que os trabalhos adquiram um carter hermtico ou que retenham traos acentuados de um academicismo. Ao contrrio, buscamos uma proximidadecomopblicoquefacilitadapelasnarrativaserefernciasque fazem parte dos materiais que utilizamos. 16ISSN: 2357-9978 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne Figura 05: Apresentao da performance baseada no filmeDreams That Money Can Buy (1947), de Hans Richter, no Parque Lage, Rio de Janeiro. Os trabalhosrealizadosdepois da experinciainicial com aSymphonie criaram umaforterelaocommateriaisimagticos,principalmentevindosdocinema. Neste sentido, a msica passou a dividir seu territrio com a imagem e os sons passaram a ser afetados por elas. De alguma maneira, os filmes se transformaram em mote para a construo das performances, e o processo de tomar as imagens como elemento de partida pode ser visto como uma espcie de mtodo adotado pelo Personne desde ento. Gradualmente nos tornamos msicos de cinema, como nos primrdios do cinema mudo, tentando transformar em som o que assistamos na tela. Em filmes como Dreams That Money Can Buy (1947) ou Ghosts Before Breakfeast (1928), ambos de Hans Richter (ver Fig. 05), os estados de esprito, o clima ou o pathos das cenas foramtraduzidoslivrementeporgestosmusicais.Livrementetemumsentido 17 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne particular aqui: no se segue uma cartilha sonora pertencente a este ou aquele estilo-nemmesmoaoqueserefereaomodeloimprovisaolivretpicode certasprticascontemporneas.Cadamembrodogrupotrazseuaportemuito pessoal a algo que poderamos denominar uma improvisao guiada pelos afetos emanados dos filmes, os quais atingem cada msico diferentemente. Os materiais sonoros podem ser os mais diversos. s vezes so resultados por um objetocurioso(umapeadedecorao,umaparelhoquebrado,umpedaode sucata) trazido por um dos msicos, objet trouv cuidadosamente transformado eminstrumento.Outrasvezespodemsermesmopeasmusicaispreviamente compostas por um membro do grupo, que as oferece para que os outros toquem "sobre" elas, formulando um ciclo em que obras se transformam novamente em material sonoro para gerar uma nova msica. Esses materiais pr-compostos no funcionam como um convite interao, mas sim esculhambao (esculhambar + ao). SambadofazpartedeumadasquatroPeaspara'lounge'(2005)deRodolfo Caesar que usamoscomo fundo e mote para a esculhambao. Lembro que foi sugestodoprprioRodolfousarmosumadessaspeascompostasemoutros contextos. O que fizemos foi farrear com a pea, tocando sem uma preocupao implcitaemrespeitaradinmicaformalouatextura,mascomocuidadode atentarmos tenso com que a nossa atuao se apresentava. Porm,seomtododescompromissado,otrabalhono.Oqueguiaas performancessoaatenoeaescutacoletiva.Oaparentedescontrolena verdade guiado por uma tenso constante, um esforo para manter a abertura de possibilidades: o controle para que se d espao ao descontrole. O tempo todo, a performancesecolocacomoumaprovocao.svezesaparecem, imprevisivelmente, alguns daqueles sons malditos, indesejveis, estranhos. Mais uma vez, eles adicionam tenso prtica. Reclamam uma articulao ou mesmo um desvio. Aproduodessessonstambmnoobedeceumalgicadeperformance instrumental.Alamoscategoriadeinstrumentotudoaquiloquepodemos mobilizarparaproduzirsons.Assim,os"instrumentos"sodiferentesemsua naturezaenosecomplementamemnenhumsentidomusicaltradicional.Por exemplo:nohuminstrumentogravecomplementandooutroagudo,ouum meldicocomplementandooutrortmicoouharmnico.Cadaumdos 18ISSN: 2357-9978 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne membrosdogrupopossuiumset-updiferenteeheterogneo.Porexemplo, Rodolfo Caesar trabalha com um sampler acionado por pads de bateria eletrnica, noqualtemarmazenadosonspr-gravadospostosemloop.Ocontroleda velocidade de cada sample usado por Caesar impe um ritmo prprio. Transborda o simples dilogo entre os participantes, j que os samples disparados conduzem a uma interao num ritmo particular. J a microfonao da minha voz o que tomo como fonte principal de atuao. O usodedispositivoseletrnicos,comoringmodulator,granuladores,flangersou delays, altera a relao entre voz direta e voz processada. Ao mesmo tempo, quase como extenso das pregas vocais, so acionados diversos instrumentos metlicos depercusso.Deformasemelhante,AlexandreFenerichtocaumasriede pequenos objetos, muitos adquiridosemuma feira de antiguidades: apitos, um clice de metal usado como sino, um p de boneca de loua, caixinhas de msica, flautasdebrinquedo.Seussonstambmsoprocessados,colocadosemloop, granulados. Em uma das performances, Fenerich toca um afox quase no mesmo andamentodeinstrumentopercussivoqueaparecenumatrilhapr-gravada. "Quase" significa aqui o embate entre o erro e o despropsito. O afox tocado "ao vivo" a representao mal constituda da percusso gravada. um contraponto, no um acompanhamento: a representao da memria do gesto da percusso gravada. O que ele faz ao vivo se transforma, neste caso, em representao do gravado. Resto, troca e escambo Em algumas prticas musicais do Personne, permutamos entre ns os materiais criados por cada um, desconsiderando qualquer valor musical intrnseco e abrindo mo da autoria individual de cada material criado. A obra - se que h alguma - nascedesseencontroentreosmsicosedoseutrabalhocomosmateriais partilhados. As afinidades pessoais certamente acrescentam muitos outros elementos que so trocados, para alm dos materiais sonoros. Por exemplo, durante uma das cenas daperformancebaseadanofilmeDreamsthatmoneycanbuy,osmsicos imitavam a ao dos atores que levavam a mo defronte da testa e indicavam, com a inclinao do corpo, que observavam algo numa direo especfica (ver Fig. 06). Ao "reproduzir" a cena do filme - subir na cadeira tal como os atores -, imitar 19 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne seus gestos e se afastar por um momento da criao sonora, faz-se uma conexo de outra ordem entre os atuantes, o filme e o pblico. Figura 06: Cena da performance Dreams that money can buy em que os msicos imitam em cena os gestos dos atores do filme. Essastrocas,noapenasmateriais,adicionamcamadasdeinteraoepodem deixarvestgios,especialmentedaquiloquesobraemqualquertroca.So remanescentes dos encontros, produto das trocas, essas diferenas que aparecem sempre.Noencontroentreumgestoouumaproposiosonoracriadaporum msico e trabalhada por outro, surge um resultante, que tem em si a memria dos dois. A diferena desse novo material em relao aos originais seria o resto? Parece que sim. Em toda troca h um resto decorrente da diferena entre seus valores de troca. Noqueadiferenasejaoreforodevalores,poisnomeparecequenos importemos com isso, mas ela o mote que utilizado por ns como um desafio potico.Talvezsejajustamenteaexistnciadesseresto,essadiferena,o dispositivofundamentaldeproduodemudanaearticulaoentreas proposies individuais, os materiais flmicos ou a interao de um com o outro. Maisumavezreforoquenohnecessidadedeumaconvergncia,poisso justamente as diferenas que tornam o encontro to interessante. 20ISSN: 2357-9978 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne 5.CelebraoeJogo:performancemusicalenquantotrocade imagens sonoras (Alexandre Fenerich) Falsa musicologia Escreversobreoprpriotrabalhocriativo,namaiorpartedoscasos,uma atividadeingrataoudesonesta.Incorreemdistoresinevitveisdeumavoz narrativa neutra, a qual esconde, pelo artifcio da objetividade, posies parciais que tendem ao elogio de si mesma - voz em terceira pessoa que descreve e analisa um objeto cuja iseno jamais encontrar.Apesar disso, como que sobre o fio de uma navalha, este texto pretende discutir posiesticaseestticasdogrupoPersonnenocontextoemquesuas performancesmaisrecentesseinserem.Buscopens-lasenquantodispositivo musical ao sintetizar alguns dos procedimentos recorrentes em sua dinmica de criao. Emborahajaoutrasformaesdogrupoeoutrasabordagensmusicais,aqui gostariadediscutirostrabalhoscujaconstantefoiacriaoapartirdeecom imagens flmicas atuando sobre trechos de filmes e recriando-os pela interveno cnica e sonora. Pois muito do que o Personne tem feito no estritamente msica domodocomoestecamposeidentifica,massonoplastiaaovivo.Issono nenhum demrito: a reao aos impulsos, imagens e ambientes sugeridos pelos filmescom osquais trabalhamos um gesto de criao sonora tanto para ns, intrpretes/compositores - para quem o ato de recriao em resposta s imagens visuais um jogo prazeroso - quanto para quem nos assiste, que se deleita com a nossa (in)habilidade de representao e de pronta resposta. RecorromuitoaJacquesTatiparafazer,pensaremedivertircommsicae cinema. Seus filmesso criaes musicais precisas, leves, cheias de matizes. O trabalhodefoleyemPlaytime(1967),porexemplo,trazalgodeintangvelna contraposio entre a fotografia opaca e os sons clarssimos - ou algo de cmico e onriconacaracterizaosonoraertmicadealgunspersonagens.Apreciso milimtrica da colagem temporal dos sons nas imagens, por um lado e, por outro, odescompassoentreasdimensesdosobjetosvistosnatelacomseu correspondentevisto-escutadopelogestosonoroaovivo,sotalvezaspectos tcnicos da recriao flmica do grupo, com influncias de Tati. 21 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne Noentanto,nosoesteselementosquegostariademarcaraqui.Prefiro,ao invs,pontuarasposturasestticaseticasdoPersonnenestasprticasde recriao flmica que me parecem significativas. A motivao criativa do grupo peculiarnocontextomusicalatual,emerecediscusso.Comeo,pois,otexto comentandooprincipalmotordesuainiciativa-umencontroentreamigos discutindo as implicaes que esta tem para o prprio trabalho e em sua insero nos circuitos musicais brasileiros de classe mdia como entendo ser os ligados msicadeconcertos,aosquais,pelaformaoeinserodeseusmembros,o Personne se incluiria. Celebrao, jogo OelementomaisfortedostrabalhosmaisrecentesdogrupoPersonnenose relaciona a um carter de obra de arte autnoma, que basta a si mesma enquanto objeto a ser apreendido. No na escuta isolada das performances que se retm seucarteraomesmotemporigorosoeflutuantee,sobretudoparaos espectadoresemsicos,leve.Umaescutasuperficialdesuasapresentaes poderia indicar que os msicos no possuem compromisso algum com o material musical, que no so srios, que uma certa confuso sonora resultado de sua inabilidade.Aomesmotempo,quenotrazematensoquecaracterizauma performance musicaltradicional,ligada aum respeito tradio ou a um autor que a aproxima de um culto religioso. Com valores ligados espontaneidade, as performances so, sobretudo, a afirmao de uma tica, ligando-se a um sentido decelebraodoencontroentreamigos.Poisogrupocompostoporpessoas cujovnculodeamizadeprevalecesobreosdemaisequeresidememlugares distantesentresi,sendoapreparaodecadaespetculopretextoparasua reunio. Elas possuem, assim, no prazer do encontro, sua mais forte motivao, e oespetculoquesemostraaconsumaodesteritual:aconstruodeum dilogo ao redor de um eixo comum - um filme e sua narrativa. Celebraesqueso,porm,deoutraordemcomrelaosreunies convencionais entre amigos: so regidas pelo som e, portanto, no estritamente verbais - ou seja, no regulamentadas unicamente pela linguagem verbal. Eu diria quenasperformancesoperam-seinterpretaesdecadamsicodasimagens flmicas, traduzidas em imagens sonoras, as quais so postas na mesa em dilogo noverbal,permitindotrocasdeimagenssonoras.Ecomobjetoscommaior aberturasemntica,estastrocasseefetuamemoutronvelecomplexidade: 22ISSN: 2357-9978 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne podem ocorrer na simultaneidade, e no apenas cronologicamente. E esto para aqum (ou alm) do conceito, constituindo imagens semanticamente densas, ou seja, em que mnimas nuanas so significantes. Operam portanto num registro maissutilemenosprecisoqueemdilogosestritamenteverbais,sendomais volteisepropensasmaiordensidadedeeventos,porsesobreporemese retroalimentarem umas s outras em nuanas mnimas. Na permuta desses objetos desviados das imagens flmicas tem-se um jogo em que sedecantam duas camadas: uma a construo das trocas entre imagens sonoras; a outra a imerso do grupo na escuta deste dilogo, na tentativa de moldarasonoridadegeralapartirdeumgestosonoroindividual,oqualser escutadoeassimiladopelosdemais.Processoemredemoinhopelaintensidade temporal,emque,nocasodasrecriaesflmicas,aomesmotemposeolha-escuta o filme original, se atua, e se escuta os demais, a fim de moldar o resultado. Atividade de extrema concentrao mas, ao mesmo tempo, de liberdade, pois no h resultado fixo a ser alcanado. Eis o jogo: qual o melhor instrumento para sonorizar certa cena, e deste, qual dos seus sons a ilustra? Qual gesto? Escolho-os, mas meus companheiros selecionam outrosinstrumentoseoutrossons.Colocamo-nosemescuta,dosamosnossos gestos, silenciamos ou tocamos. Jogo de encaixe, por exemplo, entre um som de umacaixinhademsicaeaimagemdeumbandidogal:junoentreestas imagensqueformam,pelacoliso,umaterceira.Masaamlgamaquebrada instantaneamente por uma outra soluo, dada ao mesmo tempo por um segundo integrante do grupo, que acopla outro som com aquela imagem visual. Digamos que ele toque sobre a caixinha de msica um acordeom, e um quarto sentido se forma. E assim sucessivamente: jogo aberto, isto , que modifica suas prprias regras em todo lance (Flusser, 2008, p. 129). Mas jogo descompromissado com resultados fixos ou ideais, que se d na construo incessante de sentidos - por vezes no limite da entropia - atravs de um dilogo entre imagens de sons. Estas, por sua vez, so significadas e significam incessantemente os contextos flmicos explicitadosnatela.Movimentoenquantomovimento,quequerdizerum fenmeno de redundncia, de auto-representao do estar vivo (Gadamer, 1985, p.38)-masmovimentosregradospeloscontextosaosquaisosdilogosse sobrepem. 23 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne Senasperformancesprevalececomoforamotrizumadinmicanolimitedo entrpico,noseperde,todavia,aliberdadeindividualnuncacerceadapor qualquer membro do grupo, na escolha das sonoridades e dos objetos, alm do modo de os tocar. As palavras de Flusser sobre o jogo e seu ato parecem adequar-seperfeitamenteprticadogrupo:osmsicosseperdemunsnosoutros, sendosimultaneamenteemissoresereceptores,individualecoletivamente,da mensagem que elaboram (Flusser, 2008, p. 195). Temos, portanto, a afirmao de uma prtica no inserida em um pragmatismo qualquer - de um fim para alm do simples prazer de jogar. Afirmao de um jogo que um dilogo sonoro em que os participantes partilham entre si e com os ouvintes certa lgica a relao com um filme sem, contudo, construrem nada de necessariamente fixo com o que perderiam a natureza fluida do dilogo, que caracteriza a sua atividade. Mesmo os seus ensaios ilustram o carter informal prprio de um grupo de amigos mas, ao mesmo tempo, ritual de sua prtica musical dialgica. Neles pouco h de convencional ou pragmtico, no sentido da preparao para uma realizao bem sucedida da performance a ser realizada. H, evidentemente, a configurao de umainfraestruturaapartirdaqualiremosatuar:aseleodosfilmeseseus trechos, alm da preparao das matrizes a serem tocadas. A preparao dos sets3 individuais, sempre montados para uma pea especfica; finalmente, a escolha de gestose sonoridadesque podem ficar entre as performances, consensualmente encontrados pelos insights coletivos ou individuais. Mas mesmo a elaborao do set um evento regrado pelo prazer do encontro, a partir, por exemplo, de trocas de objetos materiais ou imateriais (instrumentos, sons ou patchs4) ou de rituais de busca. Lembro-me que durante a preparao deumdosconcertoseu,LilizaMendeseLilianCampesatofomoscaade cacarecos sonoros no mercado de pulgas da Praa XV, no Rio de Janeiro. A busca foi feita aps termos assistido a Dreams that Money Can Buy - filme sobre o qual trabalharamos e estvamos imbudos do seu tom surrealista. Alguns dos objetos queencontramosfizerampartedasperformances,eporissotiveramumfim pragmtico. 3 Isto , do conjunto de instrumentos materiais ou imateriais com os quais cada pessoa ir trabalhar. 4 Por sons quero dizer arquivos de som. Patchs so como so chamados arquivos de texto que armazenam estruturas de programao de softwares voltados para a criao musical, como o Max/MSP, Pure Data ou Open Music. 24ISSN: 2357-9978 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne Figura 07: Apresentao do Personne em abril de 2014, durante o eventoEncontros Carbnicos no Largo das Artes, Rio de Janeiro. Mas suas escolhas, pelo absurdo que portavam enquanto instrumentos musicais, foram deleite coletivo no sentido de criar possveis usos. Foram eles uma velha maracacubana,umclicedemissaquebradoqueserviuenquantosino, instrumentos de dentista usados como baquetas irritantes, um p de boneca de porcelana - igualmente baqueta cretina - sinetas de telefones antigos, latas velhas echarmosasdebiscoitosouchsusadasenquantoinstrumentodepercusso, dentreoutros.Estesobjetoscompunham,aomesmotempo,instrumentos musicais ou de sonoplastia e elementos de cena, em contraponto com as imagens vistas/escutadasnatela.Suaprocurano mercadodepulgasforamarcadapelo olhar ao acaso entre as inmeras peas que exibia - um passeio como que a uma exposio,feitopelotrio,queosselecionounamedidaemqueofereciam ressonncia visual ou sonora com o que desejvamos. Profissionalismo Outro aspecto correlato aos discutidos anteriormente o da natureza do trabalho dogrupocomrelaoaoseustatusdeobramusicaledeatividademusical 25 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne profissional.Suasapresentaesmaisrecentesnoforamprofissionaisporno teremsidoremuneradascomoseriamnomercadomusical.Foramobviamente remuneradas,masavaloresaqumdomercado.Comisso,fala-semuitoda sociedade na qual nos inserimos j que o grupo tocou em eventos promovidos por escolas de arte, ou organizados por coletivos de arte e em universidades - ou seja, por instituies que, em tese, deveriam remunerar propriamente os artistas que nelas atuam. Mas ao aceitar estas condies de performance, o grupo afirmou umcertosacrifcioemfavordamanutenodoritualdeencontrodeuma vontade de realizao cuja expectativa muito mais pelo prazer de mant-lo que pela retribuio por um trabalho realizado. Este texto, alis, vem a enfatizar este carter,emboraeutemaquepossasetornarobjetodeaferioacadmica,e, portanto, em contradio com o esprito do encontro.E,noentanto,creioquenofoiporacasoqueasapresentaessederamem espaos institucionais ligados s artes visuais e ao cinema: parece-me que nesses ambientesacomunidademaisreceptivaaprticasdeperformanceno normatizadas enquanto musicais - pouco aceitas nos espaos ligados msica de concerto ou mesmo aoslugaresinstitucionalizadosda msica popular. Estas so opinies colhidas de minha experincia ao atuar em ambas as reas, ocupando os espaos da msica institucionalizada e aqueles destinados s artes visuais ou ao cinema, mas que foram receptivos em relao a propostas como as deste grupo. Aprendi da que nas instituies musicais, uma proposta como a do Personneteria pouca ressonncia. Seu carter aberto, distante do conceito de obra no sentido ocidental, no se adequa totlamente ao que se espera tradicionalmente de uma performance musical. Mas desconfio que o seu aspecto irreverente decorrente de uma despretenso facerealizaodeumaobramusical,almdenopretendersevinculara correntes da msica de concerto ou popular - aquilo que menos se enquadra nos meiosmusicaisdestinadosourealizadospelaclassemdiabrasileira(queso, afinal,opblicoeosrealizadoresdePersonne).Umaclassesocialque tradicionalmente se liga a valores como a vinculao estilstica e histrica, o rigor tcnico, a aparncia de dedicao e trabalho, o especialismo e/ou eruditismo, a autoriaeoacabamentoformal-osquais,tomadosemsimesmos,nose articulam com um contexto mais amplo da sociedade brasileira (Flusser, 1998, p. 53, 79; Cocco, 2014, p. 114). So valores que esta classe construiu para si a fim 26ISSN: 2357-9978 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne deseparar-setantodasclassesbaixas,pelaexaltaodaerudioedo especialismoconquistadopeladedicaotemporal,quantodasaltas,pela valorizao do trabalho enquanto esforo individual. Noquenopartilhe,mesmoinadvertidamente,algumdessesvalores.Maso gruponosecomprometecomeles.Issoserefleteemperformances descontroladas do ponto de vista tcnico, irrepetveis, cmicas, no vinculadas a estilos musicais especficos, e no autorais no sentido de no serem reguladas por uma hierarquia do tipo compositor/intrpretes, ao no contarem com uma direo ou regncia. Dispositivo Musical Neste texto tive a inteno de discutir como nas ltimas performances do grupo Personne privilegiou-se a troca de sonoridades produzidas ou achadas em torno de um tema flmico, ao invs de um certo resultado sonoro fixo. Com isso o que enfatizado na atividade do grupo a natureza da atividade, e no uma obra ou objeto a se fixar pela memria. O que fica para seus membros e o pblico um jogovertiginosodeimagenssonorasrelacionadasaobjetosextrnsecosaos criados ali (os filmes). Suas performances so um fazer que privilegia o imaterial sobre o material, sendo mais um dispositivo de criao que um objeto: no so obras,vistoquenopossvelapreend-lasestaticamente.Odispositivo pretexto para o encontro e consiste na troca entre imagens sonoras inspiradas por imagens visuais, narrativas, contextuais ou gestuais. E todo o ritual de preparao das performances um fato esttico, por trazer elementos a esse encontro entre amigos que no estariam presentes em uma reunio normal: a moeda de troca a partirdosomedasimagensflmicas,almdojogodeescolhadoselementos postosna mesa. Por fim, o fatode no sesituar no espaodo profissionalismo musical faz com que as apresentaes do grupo e sua preparao contenham o carter de ritual de celebrao da amizade pela msica. Enquanto pretexto para o encontro, a atividade musical que da decorre ganha um outro contorno, marcado pela tica da amizade, na qual a liberdade - e no a repetio, a correo ou a busca por um ideal, enquanto beleza extrnseca ao prprio ato - o maior valor. O prprio carter no virtuosstico dos msicos reafirma a ideia de que os ouvintes tambm poderiam fazer o que eles realizam em cena, atenuando sua separao intrnseca. 27 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne Gostariadeenfatizar,assim,oaspectodedispositivomusicalquetrazconsigo umaticaeumprocedimento,osquaisdiferemdasprticasmusicaisusuaise trazem os valores e as caractersticas que marcamos aqui. Dispositivo no sentido que coloca Benjamin em O autor como produtor - ou seja, de procedimento de criao de novos procedimentos de criao, ao invs de produtos. No dispositivo dePersonnevaloriza-seumjogoquereformulasuasregrasnoprprioatode jogar,emergindodaescutasegestosdeimagensflmicasemdilogo,cujo resultado tende a ser voltil e inapreensvel. E se h alguma mensagem que resta desse fazer, a significao do prprio jogo a de um dilogo sonoro em espiral, cuja imagem da liberdade entre seus jogadores e da alegria do encontro a mais forte celebrao da amizade dentre os vrios aspectos do dispositivo proposto. 6. Tocar sem compromisso (Fernando Iazzetta) Certavez,umcolegacompositordissequeafunodaarteeraproporboas perguntas. Como todo aforismo, a colocao pode revelar verdades profundas ou banalidades superficiais: tudo depende do como usamos a frase. Se (felizmente) nopossveltomaroaforismocomoregra,tenhoquereconhecerqueele reveladordeumacertaatitudeemrelaocriaomusicalquemeparece interessante.Vejamos:fazermsicapressupeumasriedecontextose condies que, se no definem a msica, estabelecem seus contornos, ainda que de maneira difusa. Sala de concerto, palco/plateia, partitura, quarteto de cordas, vanguarda,serialismonosoapenasexpressesquerementemaquestes musicais,massotambmconstruessimblicas,sociaiseculturaisque compem esse cenrio. Se no possvel pensar a msica totalmente fora desse tipo de questo, qualquer conjunto de termos como esses ser sempre insuficiente para demarcar o que a msica. Tomo por exemplo o termo msica contempornea, que se presta a designar um tanto de coisas criadas em nome da msica nos ltimos 100 anos. O termo revela nomnimoaatitudepreguiosadequempreferenoconfrontartantasvises diferentesparaondeconvergemasmsicasdoperodo.Essasmsicas contemporneasdependemdeumsentidodecomunidadeparaexistir,ecada comunidade serialistas, roqueiros, acusmticos, neo-romnticos se esfora por constituirumespaotoparticular,quantodelimitadoparacriaredifundirsua 28ISSN: 2357-9978 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne arte. Mas genrico e generalista, o termo msica contempornea se aproveita do fato de dizer pouco para servir de emblema usado por todo mundo que aspira dizer algumacoisacommsica.Seaindahalgoparaseextrairdaideiademsica contempornea,talvezsejaacompreensodecomoessascomunidadesse articulam, competem, espelham-se e distinguem-se. Quando escolas, estilos e tcnicas esto mais ou menos bem colocados, o trabalho da composio fazer-se reconhecer dentro deste repertrio. Compor passa a ser umabuscadedilogocomalgoquejseencontradesenhado(serialismo, espectralismo,novacomplexidade,minimalismo).Se,porumlado,temosum terrenofrtilparaacriaoartstica,poroutro,surgeumcurto-circuito,quase autofgico,daquelesque fazem msica alimentando-seda busca pelas prprias soluesmusicais.Quandonosepodesairdessecrculo,emquesebuscam novas respostas para as mesmas perguntas, corremos o risco de acreditar demais nas solues que encontramos e pensar menos em por qu fazemos msica, ou por qu algum estaria interessado na nossa msica.No fcil, e para muitos, nem necessrio, livrar-se disso. Mas h outras sadas para as inquietaes que movem aquilo que chamamos de msica. Voltando ao aforismo inicial, podemos, por exemplo, inventar novas perguntas ao invs de nos sentirmos responsveis por encontrar boas respostas. Uma boa pergunta antes de tudo uma oportunidade de compartilhar algo uma boa resposta talvez seja apenas um momento de encerrar uma discusso , de estar no apenas aberto quiloqueaindanoestconsolidado,mastambmvulnerabilidadee instabilidade de no se saber onde as coisas vo dar. O que se chama experimentalismo em arte traz um pouco desse esprito. Ainda queotermosejatoimprecisoquantodifuso,eleestgeralmenteassociadoa umaatitudederupturaemrelaoaocrculodasquestesjcolocadas.O experimentalismo seria uma espcie de aventura num terreno que ainda no est formado. No h nada de devaneio nisso, apenas a possibilidade de um passeio por onde ainda no se v com clareza um caminho. Consideroque,emalgumamedida,umgrupocomooPersonneproponhaalgo assim.Anoresponsabilidadeporapresentarasrespostascertaseum 'despertencimento' a qualquer comunidade j consolidada abre espao para que se(re)apresentemcoisasquehmuitoforamseparadasdamsica contemporneasria.Umadessascoisasjustamenteadiverso.No 29 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne exatamente a falta de seriedade, mas o descompromisso de atender s normas e aos bons costumes. claro que eles existem, e esto possivelmente impregnados na formao de cada um dos msicos do grupo. No toa que em diferentes lnguas o termo msica aparece conectado a adjetivos como "erudita", "savant" ou"serious"paraindicarumaprticacircunspectaecontida.possvelser divertido sem perder a seriedade, j que existe uma tica que est por baixo dos trabalhos do Personne. Essa tica guia a esttica, que, por sua vez, dominada por uma postura que privilegia os desejos e as intuies e no a lei e a ordem da msica. Antes de tudo, os processos so movidos pelo que coletivo, ainda que as aes e decises no sejam consensuais. Chamo isso de generosidade. A generosidade abre caminho para esse aspecto que domina o trabalho do grupo: a criao coletiva. No se trata simplesmente de romper com a condio de criador ecriatura,compositoreobra,masespecialmentedegerarestratgiasde entendimento mtuo.Atuar coletivamente no significa apenas dividir tarefas de composio,masantessercmplicedaquiloquefeitopelooutro.Torna-se necessriaumarelaodeconfianaentreosmembros,permitindoquese assumamriscos,osquaissocompartilhadosportodos.Porisso,nas performancesnoherro.Existeapenasumatensosaudveltrazidapelo processo de transformar o inesperado em msica. Essa uma distino em relao s prticas musicais baseadas na escrita e num pensamento individual que se do num tempo estendido e diferente daquele da performance. A escrita assegura a existncia de um processo de composio regulado, assegura a permanncia das ideias e assegura, antes de tudo, a instaurao de um pensamento estrutural e estruturalizante da msica. Ao se abdicar do processo de composio, surge um outro tipo de problema: como dar corpo a algo que, aparentemente, no parte de uma forma preconcebida? O primeirodesejorecorrerideiadeimprovisao,espciedetermo-guarda-chuva, em que o tempo de compor est colado ao tempo de tocar. Mas a palavra improvisao, sozinha, diz pouco sobre as mltiplas possibilidades de expresso musicalqueseinstauramforadombitodacomposio.Emmuitoscasos,a improvisaosesustentapelaprospecodoseventossonorosquevoser gerados nos prximos instantes em sua relao com um passado muito prximo. Assim,aperformanceimprovisadapodeconstruir-senumaespciedejanela temporal, muito estreita e deslizante, na qual os msicos buscam criar relaes 30ISSN: 2357-9978 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne entre aquilo que acabou de ser tocado e aquilo que ser imediatamente produzido emtermosdesom.Esseespritoaltamentefocadonopresenteeoaspecto interativo de ao e reao imediata entre os msicos o que guia, por exemplo, boa parte do que chamamos de improvisao livre. Mas no Personne, essa relao , muitas vezes, posta de lado. O que est sendo produzido por um msico no precisa estar relacionado dessa maneira pontual e necessria com o que os outros msicosestotocando.Aoinvsdoaspectodedualidadequesustentamuitas vezesasprticasimprovisativasperguntaeresposta,aescontrastantes, relaesentrecortesecontinuidades,provocamosumainstabilidadepela superposio de elementos musicais que podem ser bastante desconexos. Se no h necessariamente uma situao de pergunta e resposta, surge possibilidade para a incorporao daquilo que meramente acidental. claro que h um jogo entre o controle e o descontrole, mas forar a possibilidade de criar algo musicalmente interessante a partir do choque no intencional de figuras sonoras diferentes cria uma tenso saudvel entre os msicos, um estado de ateno permanente, j que a qualquer momento pode-se abrir uma brecha nos sons, em que algum pode intervir durante a performance. Figura 08: Apresentao do Personne em abril de 2014 durante o eventoEncontros Carbnicos no Largo das Artes, Rio de Janeiro. 31 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne O andamento de um jogo como esse acaba sempre dependendo de duas intenes j mencionadas que precisam ser compartilhadas entre os msicos:generosidade econfiana.Porumlado,cadamsicosabequeseuparceiropode,aqualquer momento,proporalgoinesperadoetodosdevemabrirespaoparaqueisso acontea.Poroutro,essaaberturasefundanaconfianadequecadamembro saber, a seu modo, lidar com o inesperado. Muitas vezes, a contribuio de cada msico oferecer uma provocao que possa estimular osoutrosmsicos a se reprogramarem.Oquefornececoernciaperformanceaescuta,jqueas aes -ou poderamos chamar de gestos - podem ser bastante diversas. Um loop maqunicopodeseconfrontarcomocomportamentoerrticodeobjetos amplificadosqueproduzemsonsincontrolveis.Ouumaconstruovocal acompanhadaderudoscorporaispodefornecerumcontrapontoamateriais sonoros pr-gravados e invariveis. Se num conjunto instrumental tradicional h certa sintonia entre os tipos de articulao, sonoridade e modo de operao dos instrumentosenvolvidos,noPersonneissocompletamentedescartado.Cada msico constri sua ideia de instrumento e, com isso, instaura seu vocabulrio de gestossonorospossveis.Nadaquesoeincompatvel,mascadaumtemque aprender a se reconfigurar todo o tempo para que a performance no estacione. Embora o som esteja no cerne do trabalho do grupo, a projeo cnica tambm fundamental. Da a importncia dos gestos. No se trata aqui de uma teatralidade explcita,querdizer,deternosgestoseaesumaintencionalidadenarrativa. Isso diz respeito apenas conscincia da presena no palco e ao fato de que cada gesto secompe com cada som que dele deriva. Refiro-me a uma dramaturgia queseconstituipelaperformance,pelapresenaepelaaodecadaumdos msicos. No caso da recriao da Symphonie pour un homme seul, por exemplo, nemsempreoquecontavaeraamimesesonora,nosentidoacstico,daobra originaldeSchaeffereHenry.Geralmente,asrecriaesdecadaumdos movimentos da obra se apoiava muito mais nos gestos que provocavam os sons, na sua intensidade, na sua densidade, na sua distribuio no tempo. Numa performance mais recente, realizada no Largo das Artes no Rio de Janeiro5 (ver Fig. 08), quatro msicos, ao mesmo tempo em que atuavam em sintonia com 5 Performance realizada em 26 de abril de 2014 pelo Personne no Largo das Artes, Rio de Janeiro, como parte do evento Encontros Carbnicos. Atuaram nesta apresentao Alexandre Fenerich, Fernando Iazzetta, Llian Campesato e Rodolfo Caesar. Um registro da performance pode ser visto em: https://www.youtube.com/watch?v=KUveD-vKnO4 32ISSN: 2357-9978 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne a trama sonora geral do espetculo, mantinham tambm uma clara independncia em relao aos seus modos particulares de atuao. Quer dizer, cada um trazia uma gestualidade prpria e individual. Alguns tocavam pequenos objetos, como que criando umcatlogo de possibilidadespara sonificar aquilo que geralmente permanece em silncio: latas, brinquedos, utenslios. Esses objetos, tal qual uma pequena banda musical, impem, pela sua fisicalidade, aquilo que possvel tocar. Cadaumdelesdemandaumgesto,umaenergiaespecfica,umesforoeuma tcnicademanipulaoprprios.Aomesmotempo,eramusadossonspr-gravados que podiam ser disparados por alguma interface eletrnica. Estando pr-gravados,essessonsestoirremediavelmentesubmetidosssuasestruturas inerentes, s suas morfologias acsticas. O aparelho eletrnico normaliza, achata os modos de produo sonora, j que um mesmo gesto pode desencadear os mais diferentestiposdesom.Aomesmotempo,issotrazagilidade,diversidadee regularidade que, dificilmente, podem ser alcanadas com os sons produzidos com instrumentosmecnicos,pelavozoupelosobjetosqueeramacionadospor percusso ou frico. Por essa razo, a percepo dos sons reprogramada a cada vez que eles so inseridos na polifonia criada pelo grupo. Os gestos diferentes de cada um dos msicos complementam-se e chocam-se ao mesmo tempo. As diferenas marcantes nos modos de articulao dossons produzidosso um elemento essencial para garantir a individualidade da performance de cada msico, mas tambm funcionam como elemento de tenso fundamental para que se crie o jogo de encadeamento sonoro durante as performances. Hemnossasperformancesumprocessoquediferedeoutrasprticas semelhantes,comoaimprovisaolivre,quandoelaboradasporgruposde instrumentos tradicionais em que o controle se d no nvel da nota, que dizer, dos sonsarticuladosindividualmenteesequencialmentepelomsicoemseu instrumento.NoPersonneoprocessodeconstruoestmaisapoiadona produo de sons, imagens e gestos de caractersticas muito diferentes. 7. Fechando o texto Se h alguma inteno nos textos apresentados aqui, esta inteno a do dilogo, do compartilhamento da experincia criativa do grupo. Ao contrrio do que muitas vezesseencontraemtextosescritosporartistasquecomentamsuasprprias 33 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne obras, no h pretenso de demonstrar que a criao artstica do grupo decorre de um plano formal inicial, de um mtodo pr-estabelecido ou de uma estratgia qualquerdefiliaooucontraposioaestaouquelacorrente.Antes,estes textos descrevem como uma rica teia de significados pode ser tecida a partir do encontro de artistas dispostos a compartilhar suas experincias musicais. Ou seja, aproduodoPersonnecoincidecomoqueosprpriosmsicospodemtrocar entresi.Masrefletetambmumdesejodesedescolardosambientesmais fechadosecristalizadosemqueamsicadeconcertosefixou-assalasde concerto, os festivais de msica, os eventos promovidos pela (e para a) academia.Osdesdobramentosdeumtrabalhotoestimulantecomooprojetode transcriao da Symphonie no se referem a um resultado que se queria alcanar deantemo,mastosomenteaoimpulsopeladescoberta,curiosidadeeao comprometimentodosmsicos.TranscreverossonsdaSymphonieno simplesmente uma tarefe musical, um trabalho de inveno, que se inicia pela compreensodaobradeSchaeffereHenryepassaobrigatoriamentepela exposio dessa obra ao entendimento que cada um dos participantes do Personne temacercadamsicademodogeral.importanteressaltaraforadesse processo, pois foi a partir dele que o trabalho realizado por colegas tornou-se um trabalho em grupo. Os projetos que sucederam ao da Symphonie podem parecer um pouco mais vagos em sua proposta, mas mantiveram o mesmo espirito de experimentao a partir das contribuies individuais dos participantes. Os trabalhos, fortemente ligados comaimagem,claramenterefletemodesejodetransporasmuretasque, comportadamente, representam o que (ou o que geralmente se entende como) msica e de ampliar as possibilidades de usos de materiais e estmulos sonoros dentro de um ambiente de performance. No se trata, portanto, de colar msica imagem, mas de trabalhar sonoramente com as referncias que temos acerca da arte de modo geral. Se isso resulta s vezes em algum trao de precariedade formaloudeinabilidadeperformtica,porque,jhalgumtempo, descreditamosque o rigor tcnicoe a crena na formalizao realmente sirvam comoparmetrosdevaloraoaplicvelatodaequalquerproduoartstica. Esses traos, somados efemeridade dos trabalhos, nos confere uma leveza que h muito abandonou outros nichos da msica (especialmente a de concerto) e nos permite levar a srio tudo o que o que estamos descobrindo. 34ISSN: 2357-9978 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne 8. Referncias Bibliogrficas BABBITT, Milton. "Who cares if you listen", High Fidelity, VIII/2, February, 1958, 38-40, 126-127. BENJAMIN, Walter. O Autor como Produtor In: Magia e Tcnica, Arte e Poltica Ensaios sobre literatura e histria da cultura. So Paulo: Editora Brasiliense, 2012 (8. edio). COCCO, Giuseppe. KorpoBraz: por uma poltica dos corpos. Rio de Janeiro: Mauad X, 2014. BORN, Georgina. Rationalizing Culture: IRCAM, Boulez and the Institutionalization of the musical avant-garde. Berkeley: University of California Press, 1995. COMPAGNON, Antoine. Os cinco paradoxos da modernidade. Editora UFMG, 2.a Ed., 2010 (Ed. original: ditions du Seuil, 1990). FLUSSER, Vilm. Fenomenologia do Brasileiro: em busca de um novo homem. Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 1998. FLUSSER, Vilm. O Universo das Imagens Tcnicas: o elogio da superficialidade. So Paulo: Anna Blume, 2008. GADAMER, Hans-Georg. A Atualidade do Belo: a arte como jogo, smbolo e festa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985. 35 ARJ | Brasil | V. 2, n. 1 | p. 1-35 | jan. / jun. 2015IAZZETTA et al. | Personne 9. Links Apresentao da Symphonie pour un homme seul de Pierre Schaeffer & Pierre Henry, Parque Lage, Rio de Janiero, em 16 de outubro de 2015: - performance: https://www.youtube.com/watch?v=OQOPHVTtio0 - ensaio: https://www.youtube.com/watch?v=Omv4_oeG1IY https://www.youtube.com/watch?v=5D7_tQ42M8s Apresentao do Personne no evento Encontros Carbnicos no Largo das Artes, Rio de Janeiro, 26 de abril de 2014 https://www.youtube.com/watch?v=KUveD-vKnO4