FERNANDO PESSOA -...
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FERNANDO PESSOA
1888-1935
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Autopsicografia
A LÍRICA (POESIA) MODERNA
Duas polaridades:
Uma lírica intelectualizada, de grande rigorformal, iniciada por Mallarmé e continuadapor Valéry, pela qual a poesia deve ser “umafesta do intelecto”;
uma lírica formalmente livre, alógica, iniciadapor Rimbaud e elevada às últimasconsequências pelo poeta surrealista AndréBreton, pela qual a poesia deve ser “aderrocada do intelecto”.
A LÍRICA MODERNA
É marcada por uma tensão entre as “forças cerebrais”,
de uma lírica intelectualizada, e o “impulso anárquico”,
de uma lírica livre e alógica.
Característica comum a todos os artistas da vanguarda
moderna: a ruptura com a tradição cultural e o desejo
de criar uma nova estética em face à crise da
humanidade provocada pelos horrores do entre-guerras.
A poesia vanguardista moderna é a poesia da sugestão,
ou seja, tende mais a sugerir do que a comunicar.
A poesia deve provocar no leitor apenas uma “sugestão
mágica”, sem nenhuma pretensão de ser
compreendida.
Em 1915, é publicada em Portugal a revista Orpheu. Organizada por
Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros, a revista
sacudiu o marasmo literário que caracterizava a arte lusitana do início do
século XX, dando especial atenção às novidades estéticas trazidas pelas
vanguardas europeias, principalmente pelo Futurismo.
• Em 1927, com a fundação da revista Presença, inicia-se o segundo
momento do Modernismo português. José Régio, João Gaspar Simões,
Branquinho da Fonseca, Adolfo Casais-Monteiro e Miguel Torga fazem
com que as inovações
modernistas sejam aprofundadas e mais amplamente divulgadas.
Seguindo algumas das propostas da Orpheu, buscam uma “literatura
viva”, que fosse a manifestação de uma arte autenticamente portuguesa.
• Em 1940, com a publicação de GaibŽus, de Alves Redol, começa a
terceira fase do Modernismo em Portugal, chamada de Neorrealismo,
que teve a participação de Ferreira de Castro e Virgílio Ferreira. Nesta
época, são lançados muitos romances sociais no país, alguns
infuenciados por Graciliano Ramos.
Fernando Antônio Nogueira Pessoa é o grande
nome da literatura portuguesa do século XX. Além de ter sido o principal
divulgador das ideias modernistas em Portugal, sua criação poética é
uma das mais engenhosas e originais da literatura universal, em todos
os tempos.
• Costuma-se dividir a obra de Pessoa em duas vertentes gerais: a
poesia ortonima, que engloba os textos que ele faz e assina com o
próprio nome, e a poesia heterônima, em que Pessoa assina como
diversas personalidades e que veremos na próxima aula.
• A poesia ortônima de Pessoa reúne, basicamente, os poemas
publicados no Cancioneiro e em Mensagem. O Cancioneiro é uma
reunião de poemas líricos, de musicalidade sutil, em que o eu lírico
prefere analisar os sentimentos de maneira racional, em vez de exprimi-
los diretamente.
Já Mensagem, publicado em 1934, traz 44 poemas de linguagem
elíptica e influência sebastianista (esperança de restauração da
glória e das conquistas portuguesas), poemas que, no conjunto,
compõem uma epopeia fragmentada, em que vários nomes da História
de Portugal falam em primeira pessoa.
Texto para as questões 1 e 2
Autopsicografa
O poeta é um fngidor.
Finge tão completamente
Que chega a fngir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
Fernando Pessoa
1. Nesse poema, Fernando Pessoa aborda
a representação
das emoções em poesia. Trata-se, por
isso, de um texto metalinguístico (em que
se usa a linguagem para refetir sobre a
própria linguagem). Segundo o texto,
pode-se considerar verdadeira a emoção
expressa em um poema? Justifque a sua
resposta.
2. De que maneira o poema pode ser
considerado
ilustrativo do processo de criação
heteronímica de Fernando Pessoa?
Texto para a questão 3
Mar Português
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães
choraram,
Quantos flhos em vão rezaram!
Quantas noivas fcaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador1
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa
1 Bojador: referência ao Cabo Bojador,
acidente geográfco
localizado no Saara Ocidental, na costa
atlântica da África, cuja transposição era
considerada um desafo para a navegação
medieval.
3. O poema de Fernando Pessoa
dialoga com o discurso épico, pois
refete sobre a conquista do mar
empreendida pelo povo português,
mas com apreciações ao mesmo
tempo de melancolia e de exaltação.
Identifque como estas duas posturas
se manifestam no poema.
A HETERONÍMIA DE PESSOA
Quando o autor faz uso de “heterônimos”, não
se esconde sob um nome falso. Ocorre bem o
contrário, “ele se coloca em posição de diálogo
com o sujeito lírico que ele mesmo criou, além
de assinar a sua própria obra.”
A HETERONÍMIA DE PESSOA
O heterônimo é um personagem criado pelo poeta,
que escreve a sua própria obra. Tem nome, obra,
biografia e, sobretudo, um estilo próprios. O autor, o
criador do heterônimo, passa a ser chamado de
“ortônimo” e a sua criação passa a ser chamada de
“heterônimo”, não havendo possibilidade de
existência de um sem o outro. Fernando Pessoa foi
quem criou essa designação e é o único caso de
heteronímia na literatura universal.
Fernando Pessoa e os heterônimos
No dia 8 de março de 1914, Fernando Pessoa explodiu em
três diferentes poetas: um mestre bucólico (Alberto Caeiro),
um neoclássico (Ricardo Reis), e um poeta futurista (Álvaro
de Campos). E foi de onde se pode afirmar: “E tudo me
parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve”.
Talvez criados apenas como estratégia de marketing do
poeta (no que poucos conseguem acreditar), o objetivo com
os heterônimos era formar em si uma unidade:
Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo
tempo,
Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.
Conforme, ainda, palavras de Álvaro de Campos:
Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo.
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
despi-me, entreguei-me,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.
O fato é que sua poesia, seus sentimentos, suas ideias e suas
vontades de ser – e, consequentemente, de viver – angustiavam-
no e dessa angústia, então, “nasceram” três personalidades
completas, distintas e semelhantes em alguns aspectos, que, se
não conseguiram dar ao poeta a unidade buscada, muito próximo
disso chegaram.
ÁLVARO DE CAMPOS: O HETERÔNIMO DA
LÍRICA MODERNA
Álvaro de Campos é o mais fecundo e versátilheterônimo de Fernando Pessoa, e também omais nervoso e emotivo, por vezes atéhistérico. Com algumas composições iniciais,que devem algo ao Decadentismo ("Opiário"),Álvaro de Campos é, sobretudo, o futurista daexaltação da energia até ao paroxismo (aoauge), da velocidade e da força da civilizaçãomecânica do futuro, patentes na "Ode Triunfal".
OPIÁRIO FOI OFERECIDO A MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO E ESCRITO
ENQUANTO NAVEGAVA PELO CANAL DO SUEZ, EM MARÇO DE 1914.
Esta vida de bordo há-de matar-me.
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
já não encontro a mola pra adaptar-me.
Em paradoxo e incompetência astral
Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
Onda onde o pundonor é uma descida
E os próprios gozos gânglios do meu mal.
É por um mecanismo de desastres,
Uma engrenagem com volantes falsos,
Que passo entre visões de cadafalsos
Num jardim onde há flores no ar, sem
hastes.
Vou cambaleando através do lavor
Duma vida-interior de renda e laca.
Tenho a impressão de ter em casa a faca
Com que foi degolado o Precursor.
Ando expiando um crime numa mala,
Que um avô meu cometeu por requinte.
Tenho os nervos na forca, vinte a vinte,
E caí no ópio como numa vala. [...]
ÁLVARO DE CAMPOS: O HETERÔNIMO DA
LÍRICA MODERNA
É o único heterônimo que conhece uma evolução
("Fui em tempos poeta decadente; hoje creio que
estou decadente, e já não o sou"). Passa por três
fases: a decadentista, a futurista e sensacionista
e, por fim, a intimista-melancólica.
AS FASES DA POESIA DE CAMPOS
1ª - A FASE DECADENTISTA
Traduz-se por sentimentos de tédio, enfado,
náusea, cansaço, abatimento e necessidade de
novas sensações.
Falta de sentido para a vida e necessidade de
fuga à monotonia.
Esta fuga era feita habitualmente à base de
entorpecentes, como era o caso do ópio.
ASPECTOS FORMAIS
Estrofes e versos longos;
verso livre;
estilo torrencial, repetitivo e excessivo;
linguagem marcada por um tom excessivo e intenso:
exclamações, apóstrofes, enumerações, adjetivação
abundante e expressiva, anáforas, onomatopeias,
metáforas ousadas, aliterações...;
construções gerundivas.
CARACTERÍSTICAS ESTILÍSTICAS
empréstimos, neologismos;
adjetivação expressiva;
metáforas;
hipérboles;
anáforas;
onomatopeias;
aliterações;
predomínio de formas verbais no presente do indicativo.
TODAS AS CARTAS SÃO
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não
fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas
de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca
escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que
escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos
esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
TABACARIA
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Heterónimos de Fernando Pessoa: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
Desenhos de José de Almada Negreiros. Pormenor da fachada gravada da Faculdade
de Letras da U.C.L., 1957-61. França, J. Augusto (1974)
2ª - A FASE FUTURISTA E SENSACIONISTA
Após a descoberta do Futurismo (de Marinetti), dacriação do Sensacionismo, e da influência que recebe doescritor norte-americano Walt Whitman, Campos adotou,para além do verso livre, um estilo torrencial, espraiadoem longos versos de duas ou três linhas, anafórico(repetitivo), exclamativo, interjetivo, monótono pelasimplicidade dos processos, pela reiteração deapóstrofes (interrupções) e enumerações, mas vivificadopela fantasia verbal duradoura e inesgotável,desprezando a rima e a métrica regular. Assim, ele buscaa liberdade, a irreverência e a prosificação da poesia.
2ª - A FASE FUTURISTA E SENSACIONISTA
Álvaro de Campos, além de celebrar o triunfo da
máquina, da energia mecânica e da civilização
moderna, canta também os escândalos e corrupções
da contemporaneidade, em sintonia com o futurismo.
2ª - A FASE FUTURISTA E SENSACIONISTA
Esta fase também é marcada pela intelectualizaçãodas sensações ou pela sua desordem. Comoverdadeiro sensacionista, procura o excessoviolento de sensações à maneira de Walt Whitman.O seu sensacionismo, contudo, distingue-se do seumestre Alberto Caeiro, na medida em que esteconsidera a sensação captada pelos sentidos comoa única realidade, mas rejeita o pensamento.
2ª - A FASE FUTURISTA E SENSACIONISTA
O mestre, com a sua simplicidade e serenidade, viatudo nítido e recusava o pensamento parafundamentar a sua felicidade, por estar de acordocom a Natureza; já Campos, sentindo acomplexidade e a dinâmica da vida moderna,procura sentir a violência e a força de todas assensações ("sentir tudo de todas as maneiras").
ODE TRIUNFAL (1914)
À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.Ó
rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!
[...]
3ª - A FASE INTIMISTA-MELANCÓLICA
Esta fase caracteriza-se por uma incapacidade
de realização, trazendo de volta o abatimento.
O poeta vive rodeado pelo sono e pelo
cansaço, revelando desilusão, revolta,
inadaptação, devido à incapacidade das
realizações.
3ª - A FASE INTIMISTA-MELANCÓLICA
Após um período áureo de exaltação heróica da
máquina, Álvaro de Campos é possuído pelo
desânimo e pela frustração melancólica. Parece
apresentar pontos comuns com a 1ª fase – a
decadentista - , contudo há que sublinhar que a
intimista traduz a reflexão interior e angustiada
de quem apenas sente o vazio depois da
caminhada heróica.
3ª - A FASE INTIMISTA-MELANCÓLICA
Este Campos decaído, cosmopolita,
melancólico, devaneador, irmão do Pessoa
ortônimo, no ceticismo, na dor de pensar e nas
saudades da infância, ou de qualquer coisa
irreal, é o único heterônimo que compartilha da
vida extraliterária de Fernando Pessoa.
("Não me venham com conclusões! / A única conclusão é
morrer.")
("O que há em mim é sobretudo cansaço –"; "Três tipos de
idealistas, e eu nenhum deles: / porque amo infinitamente o finito,
/ Porque eu desejo impossivelmente o possível")
Alberto Caeiro
O Pai dos heterônimos, o “mestre”. Aquele cuja poesia mais se
aproximou da do próprio Fernando Pessoa, por encontrar no
sentir a base mais sólida de se viver. Para o mestre, o que
importava era viver o mundo, era nele estar presente, sem
querer saber o porquê de estar-se ali naquele momento, sem
interrogar-se do que se vive. Para Caeiro, o objetivo era
aprender a desaprender, aprender a não pensar, a silenciar a
mente, a somente viver o contato direto com a realidade que
se tinha à frente, palpável. A vida para ele era o puro sentir.
O que valia para Caeiro era o hoje, era o presente, era o
agora. Era solitário e neutro. Contrário ao misticismo.
Camponês, de linguagem simples e paradoxal.
Ricardo Reis
A veia clássica dos heterônimos de Fernando Pessoa.
Monarquista, educado em colégio de jesuístas, amante das
culturas grega e latina. Buscou sempre o mais alto, o
impossível em sua poesia, esta refinada, concisa, com
linguagem bem trabalhada e vocabulário rebuscado. Participou
bastante da revista Presença, da denominada 2ª fase do
modernismo português.
Seus poemas eram odes, poemas líricos, com métrica,
estrofes regulares e variáveis. Suas odes voltavam-se aos
deuses da mitologia grega. Ao contrário de seu mestre, Reis
pensava bastante nos deuses, esses que, para ele,
controlavam o destino dos homens e estavam acima de tudo.
Ricardo Reis Álvaro de Campos Alberto Caeiro
Médico Engenheiro Naval Camponês
Poeta culto e calmo Rebelde- tudo questiona Pouca escolaridade- poesia
voltada para natureza
Filosofia de Epicuro irônico Simplicidade da vida
Contentar-se com o que se
tem
razão Sentir- coração
HETERÔNIMOS