Fernando Yonezawa Dissertação

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO cORPOreizar:  Acompanhar o problema do adoecimento das professoras a partir de uma intervenção ético-afectiva em grupos. FERNANDO HIROMI YONEZAWA Porto Alegre, amarelam e caem as folhas dos Plátanos, 2008.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE EDUCAÇÃOPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

cORPOreizar:

 Acompanhar o problema do adoecimento das professoras

a partir de uma intervenção ético-afectiva em grupos.

FERNANDO HIROMI YONEZAWA

Porto Alegre, amarelam e caem as folhas dos Plátanos, 2008.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

FERNANDO HIROMI YONEZAWA

cORPOreizar:1 

 Acompanhar o problema do adoecimento das professoras

a partir de uma intervenção ético-afectiva em grupos.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em ducação da !aculdade de ducação da "ni#ersidade

!ederal do $io %rande do &ul, como re'uisito ( o)tenção do t*tulo de +estre em ducação.

Orienta!ra" Pr!#a$ Dra$ N%ia Gei&a Si'(eira e S!)*a

Porto Alegre, amarelam e caem as folhas dos Plátanos, 2008.

 A figura de fundo da capa +an in a /ap, 13, pintura de !rancis 4acon. A figura menor da capa &eated !igure, 181, pintura de !rancis 4acon.

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Dados 5nternacionais da /atalogação na Pu)licação 6/5P7 

99

 

Yonezawa, Fernando Hiromi.  Corporeizar : acompanhar o problema do adoecimento

das professoras a partir de uma intervenção éticoafectiva

em !rupos " Fernando Hiromi Yonezawa. #$$%.

&'' f.

  (rientadora: )rofa. *ra. +dia -eisa ilveira de ouza

  *issertação /0estrado1 2niversidade Federal do 3io

-rande ul. )ro!rama de )4s-raduação em 5ducação, #$$%.

 . !ilosofia da 5man:ncia 2.ducação 3. Adoecimento do Professor

. !ilosofia do /orpo 9.5nter#enção em %rupos5. ;*tulo.

/atalogação ela)orada por <i=iane "ngaretti +inu==o, /$4 0>?3.

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Com carinho e afeto,

6o meu 6n7o 6mor, por amla e por darme 8toda a ri9ueza de uma vida

; 0iwa, minha irmã companheira, por estar sempre com a mão espalmada na minha

6o 6le, 6mi!o de !uerrilha, pela m<sica 89ue leva a minha m!oa, para lon!e do meu olhar

; Clau e = >arol, 6mi!as do in?cio ao fim de minhas forças

6os mestres, Ciça, 0ar?lia e Hélio, por esta arte de feitiçaria

8(@aatchan to (tootchan A#, pelo amor sem condição

)or tanto, por tudo,

)or 9ue estão todos no meio de meu mundo, na lBmina de meus olhos.

2 m @apon:s, a mamãe e papai.

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Agradecimentos

-ratidão não precisa ter a ver com d?vida. poss?vel liberar a !ratidão da d?vida. Dalvez, a

!ratidão se7a como 9uando nos deparamos com uma paisa!em impressionante da natureza E o vale

do )ar9ue da Ferradura: uma ale!ria pela oportunidade de poder se deparar e eGperimentar al!o tão

!rande, 9ue mal cabe nos olhos, no peito e no corpo. 5 da?, o 9ue resta é apenas uma !ratidão

honesta, de coração. +ão cabe mais a!radecer por boa educação.

6ssim, com este sentimento, a!radecemos as professoras com 9uem trabalhamos, em especial

a )rof 0rcia, !uerreira farroupilha, 9ue possibilitou o in?cio de nosso encontro com a escola.

Dambém a!radecemos = nossa orientadora, sempre preocupada, sempre disposta a escutar e

9uestionarse a si pr4pria. 6!radecemos por lutar tanto por uma orientação nãofascista, ainda 9ue

com tantos percalços em nossa tra7et4ria.Dambém foi important?ssima a presença luzente de nossos cole!as de trabalho. entimos 9ue

muitas idéias, anlises e conceitos for7ados neste trabalho não são pessoais, mas de todos eles, de

todos n4s 7untos.

5ste trabalho tem v?sceras e estes a 9uem a!radecemos são estas v?sceras.

0uito obri!adoI *e coração, muito obri!ado, por9ue foram parceiros de tornar este trabalho

 poss?vel, por9ue deram força para 9ue ele fosse le!?timo e necessrioI

3 Paisagem impressionante 'ue fa= parte da nature=a do $io %rande do &ul.

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SUMÁRIO

Resumo ............................................................................................................................................&#

Abstract ...........................................................................................................................................&J

Um pre-texto e a nossa vontade: o corpo como subjetivação .....................................................&K

 Perguntas e paixões de pesquisa e seus pretextos: Corpo di!ital da contemporaneidade

 E Lue materialidade nos compMe E Ninhas componentes da pes9uisa E 6l!o novo sobre

o adoecimento dos professores E er parceiro do corpo E Oontade, paiGão e escrita

sobre o corpo E Corpo no cruzamento de fluGos E Corpo e sub7etivação E ub7etivação

e potAncia E Corpo, poder e potAncia E Falar de corpo é falar de eGperimentação.

: o in!cio do pensamento .............................................................................................................#& Apresentação das linhas problemáticas da pesquisa: Pniciar o pensamento como flecha

 E 6l!o pensa E )ensar sem princ?pio E o /mal1 eGemplo de *escartes E *eleuze com

5spinosa e o corpo como in?cio ao pensamento E Corpo aliado do pensamento E Corpo

e encontro com o estranho E Pniciar pelo corpo é iniciar s4 do encontro E ( problema

dos pedidos de afastamento por doença E 6 eGperienciação com !rupos de professoras

 E Qreve relato da construção do pro7eto na escola E Pniciar pelo corpo é iniciar pelo

concreto E Concretas são as sensaçMes dos corpos E estirpes de fil4sofos E Pniciar pelocorpo é iniciar das misturas E Começar pelos afectos e pelas 9uestMes 9ue o corpo

impMe.

"ossa p#an!cie: p#ano de iman$ncia ..............................................................................................$

 Apresentação das linhas de composição que formam o plano em que se fez a pesquisa:

 pensamento como dermatolo!ia E a superf?cie como profundidade por9ue vasta E a

escola é uma superf?cie por9ue é m<ltipla E não 9uerer saber as causas de um problema

 E mapear a multiplicidade E a escola em 9ue trabalhamos e a proposta do re!ime deciclos E aprendiza!em como processo desenvolver habilidades E envolver a cultura e

a hist4ria do aluno Eum pouco da hist4ria da escola e da comunidade apresentação dos

!rupos com 9ue trabalhamos E as primeiras sensaçMes trazidas pelos !rupos E

sensaçMes como a violAncia 9ue inicia o pensamento E as biometrias como

sin!ularidades e multiplicidades as misturas dos corpos E as li!açMes entre os eventos

de adoecimento E as primeiras sensaçMes dif?ceis dos !rupos como linhas de fu!a.

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A medica#i%ação do corpo e as &biometrias'................................................................................J#

 Encontrar a história do poder mdico e seu desdobramento no problema atual das

biometrias como forma de arrancar o corpo do poder mdico:  o corpo e um corpo E a

serviço de 9ue est um corpoR E um corpo é relação de forças E vontade das forças e

sentido E sentido do corpo E biometrias são forças 9ue se apoderam dos corpos E o

 procedimento dos pedidos de licença E o 9ue são 8na verdade as biometrias E

8curiosidades sobre as biometrias E os sentidos dados =s sensaçMes dos corpos E o

corpo da biometria E o campo 9ue possibilita o corpo das biometrias E mais al!umas

8curiosidades sobre as biometrias E alertas = anal?tica das relaçMes de poder E

medicalização 9ue parte de baiGo como se biometrizam os corposR E como o poder

médico é poss?vel na 5ducação E hist4ria do poder médico E uma medicalização

microf?sica dos corpos e da população E o poder ultrapassa o saber E medicina

centralizadora das 9uestMes do corpo E despotencialização de outras prticas E a

medicina fecha o campo de poss?vel aos corpos E pensar o corpo fora das cate!orias

 biol4!icas E eGporse aos afectos dos corpos.

Um corpo: uma (tica) um #imite ...................................................................................................S$

 A conexão entre uma abordagem dos adoecimentos por uma tica dos afectos com a

questão do limite na relação educacional: a dor é um fluGo anterior =s cate!orias E as

dores no corpo das professoras as sensaçMes de nãovontade das professoras E como

os pedidos de licença médica se desdobram na escola E a condenação m<tua das

 professoras E soluçMes solitrias, sensaçMes coletivas E pensamento do corpo é ato puro

 E desmoralização do limite E o limite é um lu!ar éticoestéticopol?tico E limite como

decisão do corpo E os corpos da escola como uma materialidade poss?vel na escola E

corpo en9uanto via do acontecimento na escola E os poderes e moralidades nos fazem

duvidar das potAncias do corpo E vinhetas do cotidiano li!adas aos limites E os limites

são da relação E implicação como desculpabilização da relação educacional E a possibilidade das professoras compartilharem afectos e limites E uma decisão diferente

da professora diante de uma discussão das crianças E brincadeiras assustadoras das

crianças E liberdade m<tua E um outro poss?vel para a 9uestão da violAncia E priorizar

a relação com o aluno antes e não a moral E diferença ética entre ética e moral E risco

de empobrecer toda a possibilidade dos ensino ciclado E a morte de um aluno E

cercadinho para as aulas eGtraclasse E forçar o pensamento E decepção da professora

de francAs a crueza da realidade escolar.

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*orpo capita#i%ado .........................................................................................................................'$

!omo as questões "i"idas entre os corpos na escola produção dos modos de "ida

capturados pelo capitalismo: todos são capturados sem hierar9uia E o capitalismo se

apropriou da diferença E para cada corpo, uma captura especial E o 9ue é um aGiomano capitalismo E os alunos malditos de outras escola na escola em 9ue trabalhamos E a

crueldade democrtica do capitalismo E as metas e as turmas de pro!ressão E

 possibilidades de eGpressMes de afectos nas relaçMes entre professora e aluno.

A dobra do poder: ningu(m mais ( estrangeiro ..........................................................................'S

 #o disciplinamento $s sociedades de controle e a relação com a administração dos

corpos quanto aos pedidos de licença mdica: o corpo como artesanato do poder E o

 paradoGo do poder E as min<cias materialistas da disciplina E o pan4ptico como

 passa!em para uma formação abstrata de poder E a !erAncia sobre a população E o fora

é en!olido E o controle e o poder infinitamente abstrato E a vi!ia m<tua na escola E o

silAncio e os medos de 7ul!amento E a paran4ia e a priorização da administração dos

corpos E o controle se!ura a coletivização dos afectos na escola E o destino institucional

das sensaçMes das professoras E diferença entre poder e potAncia E as medidas da 05*

 para diminuir os afastamentos por doença E intensificação das individualizaçMes E a

informação é o capital do controle.

Sempre mais uma ve% a capita#i%ação dos corpos: o buraco no desejo ..................................&$K

 A produção do dese%o da falta como forma do capitalismo se apropriar dos corpos e a

 sua concretude na escola: as biometrias são fluGos sociais e não apariçMes

 psicossomticas E a mudança de re!ras 9uanto aos pedidos de licença e o sentimento

das professoras E o poder abstrato se faz sobre o corpo material E a moral, o dese7o e a

 produção de realidade social E o dese7o da falta colado sobre as professoras E o eGcesso

de demandas é também dese7o da falta E dese7o da falta como pol?tica de controle E

corpo cheio E os eGames do 0inistério da 5ducação na escola em 9ue trabalhamos E a

desterritorialização e a reterritorialização do capitalismo E o dese7o da falta é a

desterritorialização infinita de 9ue vive o capitalismo E o es!otamento das professoras E

a falta é a aGiomtica do capitalismo E um ensino pol?tico de !eo!rafia E a 9uestão da

inclusão escolar e a aflição das professoras E linha de fu!a ao eGcesso de

responsabilidades E o capitalismo vive da9uilo 9ue dele fo!e E as novas demandas

impostas = escola são desterritorializaçMes do capitalismo E o 5stado e o controle do

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capitalismo E a maisvalia de fluGo E o e9uivalente !eral E a violAncia da comunidade

 passa perto de n4s E a reprodução da violAncia por parte das professoras E as trAs

maldiçMes do dese7o E o corpo ideal de professora E os conselhos de classe E as

soluçMes descont?nuas das professoras E a sensibilidade na 5ducação.

A psi+uiatria in,anti#i%adora: a ,a#ta no desejo ( uma ve#a ist.ria .....................................&#'

 A infantilização do dese%o aparece na escola& mas a primeira forma de dese%o da

 falta concebida lentamente pela psiquiatria do sculo '(': a criação do confessionrio

 E o pecado da carne se li!a ao corpo E o dese7o é tornado interior ao corpo E o corpo

das convulsMes E a passa!em do poder para a medicina E a carne pecaminosa se torna

sistema nervoso E o dese7o da falta começa a ser for7ado na noção de doenças mentais

 E a infBncia passa ao primeiro plano da medicina e o dese7o é infantilizado E a

infantilização das crianças na hora do recreio da escola E evento de 8abuso seGual na

escola E a tarefa irrealizvel das professoras E a construção de autonomia é um

 processo 9ue inclui os acidentes E uma delicadeza mais refinada para os problemas

mais !raves do cotidiano.

*orporei%ar: a possibi#idade de um devir-corpo

passar pe#o corpo org/nico ..........................................................................................................&%

) corpo org*nico& sua história e relação com os poderes sobre o corpo confrontados

com a criação de corpos em de"ir dentro dos encontros na escola:  o corpo

supervalorizado e superestimulado da contemporaneidade E o corpo or!Bnico é o corpo

reterritorializado no capital E a dissecação de cadveres pela medicina faz sur!ir o

corpo or!Bnico E a medicina apropriarse dos mortos possibilita criar uma

representação ao corpo E trAs se!mentarizaçMes sobre o corpo E o or!anismo é apenas

um lu!ar E o poder é se!undo em relação ao dese7o E o poder mendi!a afectos E

9uanto mais devires, mais eGclusão E o problema de se 9uerer o poder E os devires

ultrapassam as relaçMes de poder E devires são sempre devirinsuspeito E devires sãotransversais E o poder s4 a!e sobre corpos livres E o real e as virtualidades E o corpo é

9ue torce o poder E corpo é um fluGo material aberto = eGperimentação E a

eGperimentação re9uer despo7arse do corpo or!Bnico e contactar um Fora E o trio

virtualdevirfora E o devircorpo açoita o corpo or!Bnico E o corte dis7untivo reabre o

corpo para as coneGMes E a ale!ria imanente ao dese7o 9ue devolve o corpo ao mundo

 E o movimento de corporeizar e o povoamento da realidade de devires 9ue passam

através do corpo E reconectar o corpo =s matérias imanentes 9ue o potencializam E umcorpo sem ima!em a ba!unça dos alunos E potencialização do corpo através de puros

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atos E ne!ociar com os alunos deiGa de ser ne!ativo E uma professora !anha asas E

corporeizar é criar uma nova materialidade E as dores dos devires no corpo e a

fra!ilização dos corpos pelo poder E a impotAncia de uma professora diante da

a!ressividade de um aluno E sair do dese7o correcional E o Corpo sem Tr!ãos dos

encontros micropol?ticos E a solução cruel da professora E as con9uistas coletivistas

dos !rupos de professoras E dar outro caminho aos afectos dos corpos 9ue não a

medicina E um Cs( comunitrio faz frente ao corpo culpabilizado do capitalismo E

alunos são pe!os com bebidas alco4licas E a possibilidade de surpreender o aluno E a

9ueiGa sobre o desinteresse dos alunos E construir 7unto com os alunos é um processo

 E uma professora sai das condutas determinadas e ensinar volta a ser uma potAncia E a

desvalorização das aulas de 5ducação F?sica E curando a 5ducação F?sica e a

5ducação 6rt?stica do ressentimento.

0orção: Um Materia#ismo Micropo#!tico ...................................................................................&K&

!onceituar o corpo como matria finita pode ser uma pot+ncia que se desdobra em

uma concreta potencialização dos corpos na escola ao se realizar uma micropol,tica

das matrias de expressão:  corpo matéria E uma luta entre a materialidade e a

dualidade E a dobra da matéria, a dobra da alma e uma entredobra E não eGiste

unidade entre alma e corpo, mas uma dobradiça E o destino das folhas de tarefa das

aulas E uma nova forma de consciAncia do corpo E ampliar a sensibilidade das

 professoras para as potAncias dos corpos E a frustração das professoras diante dos

 planos de conte<do de aula E percebendo de outro modo a aula E o 9ue diz um aluno

sobre escrever errado uma palavra E os alunos 9uerem notas e desconfiam dos elo!ios

 E o desvalor começa lo!o ao lado E as entredobras do corpo e da alma como

reencontro com a pr4pria potAncia E os acordos silenciosos da escola com a violAncia

da comunidade E um ponto de poss?vel construção de uma cultura não violenta E o

materialismo micropol?tico é uma forma de le!itimar as potAncias do corpo E o erro noconceito de matéria E onde o corpo termina é onde ele começa E um materialismo

sintonizado com as vibraçMes moleculares da matéria E um outro ri!or metodol4!ico

carto!rafia do 9ue acontece ao corpo E uma prtica da fluidez da matéria E

materialismo aliado dos devires da matéria.

1ara terminar sem ,ecar: invenção) (tica e possibi#idade ......................................................&%

 As considerações -pen./ltimas do trabalho:  elo!iosR E elo!io ao um devir da

5ducação E nunca prescriçMes E poss?veis con9uistados E ética e possibilidade E restoumuito a fazer E a continuidade do pro7eto E vontade de desviar dos a priori  E

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aborda!em afectiva E desmoralização da dor E não eGplicar os adoecimentos, implicar

as professoras E ainda conceber E defluir E despoluir E le!itimar E eGpandir E

multiplicar E sensibilizar E menos técnica, mais acolhimento é preciso cuidar do

educador E a terceira força, a invenção E eGperimentação E dia!nosticar poss?veis

insuspeitos E eGi!imos sentir no corpo as potAncias.

A iman$ncia do ar+ueiro en: nossa estrat(gia uti#i%ada ........................................................&%K

) 0mtodo1 escolhido para a pesquisa:  plano e nave!ação E carto!rafia como

estraté!ia de nado E paradoGo da !ua E as peles do cart4!rafo E carto!rafia e não

saber E honestidade para com o acontecimento E a carto!rafia é arte da imanAncia E

arte in<til e arte de combate carto!rafar é voar rasante E carto!rafar é a arte de

recomeçar E carto!rafar é começar somente do encontro.

Re,er$ncias 2ib#iogr3,icas ...........................................................................................................&'$

Anexos

- 0ermo de *onsentimento In,ormado

para 1articipação em 1es+uisa .........................................................................................&'J

- 1rojeto &4ducação em 0ransmutação'.............................................................................&'U

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Resumo

 +este trabalho, embasandonos na Filosofia da PmanAncia de *eleuze e -uattari, estivemos

 problematizando o corpo e seu posicionamento estraté!ico na produção de modos de vida E ética E

no campo da 5ducação.

)ara tanto, partimos de duas !randes linhas de composição: o problema do constante

adoecimento dos professores da rede municipal de ensino e a eGperiAncia 9ue tivemos de uma

intervenção prtica, realizada 7unto a trAs !rupos de professoras de uma escola municipal de )orto

6le!re. +esta eGperiAncia, tomamos contato com os problemas mais cotidianos e concretos vividos

 pelas professoras em seu trabalho como educadoras. Com o compromisso de, 7unto com as

 professoras dos !rupos, construirmos novas possibilidades para os impasses do cotidiano, buscamos

criar um territ4rio produtivo e de ação concreta para uma )sicolo!ia da PmanAncia na 5ducação. Foi

um trabalho realizado a partir de um pro7eto enviado = ecretaria 0unicipal de 5ducação,

reivindicado pelas pr4prias professoras.

6ssim, n4s nos propusemos a eGplorar o problema do corpo, conceituandoo como produção

intensa de éticas. 6nalisamos os modos se!undo os 9uais o capitalismo produz corpos e formas de

vida no espaço micropol?tico da escola, bem como 9uestionamos a aborda!em or!Bnica e médica do

 problema do adoecimento dos professores. Quscamos produzir, 7unto com as professoras, uma

micropol?tica dos encontros entre os corpos, tecemos uma superf?cie de sensibilidade e ação voltada

 para os devires e as possibilidades insuspeitas. 5ntramos constantemente em contato com 9uestMes

relacionadas = ba!unça dos alunos, =s dificuldades docentes de despertarem o interesse das crianças

 para as aulas, = pobreza da comunidade em 9ue est inserida a escola, = violAncia vivida

diariamente pelos alunos em contato com o comércio de dro!as, =s violAncias silenciosas sentidas

mesmo entre as professoras nas relaçMes institucionais, =s dificuldades de aprendiza!em e ao

eGcesso de demandas sociais 9ue recaem sobre a escola, especialmente sobre o trabalho do

 professor. 0as, como nossa 9uestão foi o corpo, o 9ue mais nos interessou nos encontros com os

!rupos foram os afectos, ou se7a, as formas de sentir, perceber, a!ir e se sensibilizar com ocotidiano vivido na escola. ( interesse pelos afectos foi, para n4s, o interesse pelos modos se!undo

os 9uais os corpos podem ser potentes ou impotentes, potentes ou poderosos. Luerer os afectos por

 perto foi 9uerer estar ao lado das professoras, acompanhandoas na9uilo 9ue se eGpressa em seus

corpos, se7am as dores dos adoecimentos, se7am as afliçMes com a violAncia, se7am ainda, os

abraços dos alunos.

*eparamonos com uma mir?ade de sensaçMes 9ue as professoras traziam de seu diaadia e

9ue, muitas vezes, não encontravam espaço de eGpressão e, principalmente, transformação. sobre

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a possibilidade concreta de transformação da realidade a partir da concomitante transformação dos

modos de sentir e perceber, 9ue falamos neste trabalho.

( corpo foi, por isso, nosso ponto de in?cio e de desdobramento, 7 9ue nossa intervenção

 7unto =s professoras e nossa anlise do adoecimento dos professores tiveram como substrato as

matérias de eGpressão, as éticas e as potAncias produzidas nos encontros entre os corpos.

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Abstract

Dhis dissertation, based on *eleuze e -uattariVs )hilosophW of Pmmanence, has approached

the issue of the bodW and its strate!ic position in the production of waWs of life E ethics E in the

5ducation arena.

Pn order to do so, we have considered two lar!e focus areas: the public school teachersV

recurrin! health problems and the eGperience we have had when we wor@ed with three !roups of

teachers in a public school in )orto 6le!re. Pn this eGperience, we have come across ordinarW and

concrete issues that these teachers usuallW face in their wor@ as educators. Xith the commitment to

create, with the teachers of the !roups, new possibilities of action to deal with dailW situations, we

have tried to find an area for concrete action in )sWcholo!W of Pmmanence in 5ducation. Dhis wor@

has been based on a )ro7ect sent to the CitW ecretarW of 5ducation, re9uested bW the teachers

themselves.

Xe have been able to eGplore matters concernin! the bodW, considerin! it as intense

 production of ethical practices. Xe have analWzed how capitalism has produced bodies and new

waWs of livin! in the micropolitical space of the school. Xe have also 9uestioned the or!anic and

the medical approaches of dealin! with teachersV health issues. DrWin! to produce, with the teachers,

micropolitics of encounters of bodies, we have created a surface of sensitivitW and action towards

becomings and uneGpected possibilities. Xe have dealt with 9uestions related to discipline, to the

difficulties teachers have had to promote academic interest in the classroom, related to communitW

economic needs, to the violence students have lived in when it is dru! related, related to the silent

violence teachers have felt even when theW are institution related, to learnin! needs, to the social

demands that the school sWstems, more speciallW the teachers, have had to cope with. However, as

our focus has been the bodW, the affects have interested us the most, or, in other words, the waWs

 people feel, perceive, act and are touched bW the dailW situations in schools. Dhe interest for affects

was, for us, the interest for the waWs the bodW maW become potent or impotent, potent or powerful.

howin! interest for affects was the same as showin! we wanted to be on the teachersV side,followin! them as theW felt, in their own bodies, the pains of their diseases, the concerns with the

violence around them, or even, the affection and the hu!s theW received from their students.

Xe have been involved with the compleG networ@ of sensations the teachers have in their

dailW wor@, sensations that do not usuallW find a waW or an opportunitW of bein! eGpressed and"or

chan!ed. Dhis eGperience is about a concrete possibilitW of chan!in! the realitW from a perspective

of transformation of both the waWs we feel and perceive thin!s.

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Dhe bodW has become the startin! point and the unfoldin! source for us, since our intervention

in the teachersV actions and the analWsis of their health problems have ta@en as substance the matters

of eGpression, ethics and the potencies produced in the encounters of the bodies.

9

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 A "ida pode ser sentida como uma náusea no est2mago& a exist+ncia da própria alma como um

inc2modo dos m/sculos3 A desolação do esp,rito& quando agudamente sentida& faz mars& de longe& no

corpo& e dói por delegação43

 5ernando Pessoa

 P&&BA, !. Livro do Desassossego, &ão Paulo /ompanhia das <etras, 111 C p.39.

?

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Um pre-texto e a nossa vontade: o corpo como subjetivação

 +esta escrita, na 9ual pretendemos 9ue possamos contaminar e contribuir ativamente com as

vivAncias do campo de atuação prtica, nos per!untamos a respeito dos a!enciamentos 9ue se tem

feito no corpo na contemporaneidade, no campo social. )er!untamonos a respeito da contribuição

9ue uma )sicolo!ia 5s9uizo possa trazer = 5ducação. *e outro modo, per!untamos sobre a maneira

 pela 9ual o campo educacional se afecta com a produção do corpo contemporBneo, este imerso na

replicação do capitalismo mundial inte!rado. +ão vivemos mais na era disciplinar, embora

componentes da disciplina continuem atuando, sendo reproduzidos e, muitas vezes, sendo

transformados e reapropriados pelas novas tecnolo!ias de !overnamento. 6 disciplina atuou muito

fortemente sobre o corpo f?sico, material e concreto, de forma a produzir efeitos sub7etivantes,

sentidos, comportamentos e valores. 5m nossa era de sociedades de controle, as tecnolo!ias de

!overno estiveram recaindo sobre a população. Pnventouse a noção de população como forma de se

compleGificar os controles sobre os corpos. +ão mais se investe individualmente, num

funcionamento anal4!ico. 6tualmente, o investimento é di!ital, multiplicativo e recai sobre todo o

coletivo, sobre uma população inteira, sem, por outro lado, eGcluir intervençMes individualizadas,

9ue !eralmente são a!enciadas sob a forma de eGclusividades 8para se sentir especial E escolha o

seu estilo, um carro feito para vocA, tenha o seu cartão de crédito, respeite a individualidade. (

corpo individual com seus contornos f?sicos bem delimitados parece se perder no meio da multidão

 populacional em 9ue se prioriza o !overno. +o entanto, sabemos 9ue s4 é poss?vel !overnar uma

coletividade na medida em 9ue as estraté!ias atuem microfisicamente, molecularmente, não

necessariamente individualmente, mas sempre minuciosamente, nos aspectos mais cotidianos e

aparentemente insi!nificantes, nos espaços mais ?nfimos, intersticiais, intercelulares, inter

neuronais, intercromossmicos. nisto 9ue a disciplina parece continuar viva e bastante atuante.

ainda o encontro entre matérias e corpos o campo de realização das relaçMes de poder e de saber. (

controle é uma dobra da disciplina, uma dobra 9ue vai no pe9uenininho, no invis?vel.

)or isso, dentro de nosso novo conteGto, nos per!untamos de 9ue maneira o corpo material ef?sico tem sido produzido e imerso dentro das estraté!ias moleculares e di!itais de nossa sociedade

de controle. +este trabalho, ao abordarmos, em paralelo, a 9uestão das biometrias nas escolas

municipais e as eGperimentaçMes e eGperienciaçMes de nosso trabalho desenvolvidas 7unto com

 professoras de uma escola municipal de )orto 6le!re, não pretendemos eGplicar, 7ustificar, ou tratar

no sentido de eliminar um sintoma, os problemas de biometria. )retendemos contar de uma

eGperienciação muito intensa 9ue tivemos 7unto com estes !rupos de professoras e, desta forma,

 promover coneGMes com a problemtica das eGpressividades corporais dentro do campoeducacional. Pntri!amonos com duas 9uestMes intimamente inter e intra relacionadas E os pedidos

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de licença por adoecimento nas escolas e a vivAncia com !rupos de professoras, 9ue ob7etiva dar

espaço de acolhimento, eGpressão, escuta, provocação e transmutação de éticas, estéticas e pol?ticas

nas prticas cotidianas das professoras, se7a com seus alunos, se7a consi!o mesmas.

)ortanto, nosso ob7etivo, com este trabalho de escrita é o de encontrarmos na eGperienciação

com os !rupos, part?culas 9ue nos levem a pensar al!o novo sobre os pedidos de afastamento por

doença E chamadas biometrias E e, concomitantemente, nos permita pensar sobre as prticas

cotidianas 9ue constituem os corpos de encontro e de sensaçMes deste !rupo de professoras. 6o fim,

nossa per!unta ainda é pelo corpo e suas potAncias, ou se7a, buscamos olhar para o 9ue é linha de

fu!a nas eGpressividades corporais, a!enciadas sob o nome de biometrias, a partir das

eGperienciaçMes nos !rupos com professorasZ assim como, buscamos também produzir, 7unto aos

!rupos, campos de poss?veis e de encontros novos aos corpos. +este trabalho de escrita, portanto, a

9uestão sobre as potAncias do corpo é 9ue estar costurando o ponto de tan!Ancia e dobra entre

estes dois planos, as biometrias e a eGperienciação do trabalho em !rupos com as professoras.

Dambém !ostar?amos de poder devolver esta produção para as professoras, colocando nossos

saberes em circulação, podendo dialo!ar com o p<blico a 9uem nos referimos o tempo todo,

9uestionando nossas pr4prias teorizaçMes. 5stas são mais do 9ue ob7etivos do trabalho, são nossa

vontade apaiGonada. *a? 9ue, muitos são os motivos para escrever sobre o corpo. 5screvemos sobre

o corpo por9ue !ostamos, por9ue 9ueremos, por9ue nos afecta sermos parceiros do corpo e de suas

surpresas. Dalvez, isso 7 devesse bastar. ( parceiro é um ami!o e ser ami!o de al!uém si!nifica

travar com este uma relação em 9ue um colo9ue o outro em devir U. e o corpo nos afecta, é por9ue

sentimos 7unto com ele, em nosso corpo mesmo, al!um devir, al!uma intensa importBncia, muitas

vezes, sem forma, sem rosto, mas real, concreta, como o pr4prio corpo.

( corpo se encontra no cruzamento de diversos fluGos de dese7o e o dese7o não é uma

instBncia natural, onto!enética, mas um rio for7ado na imanAncia dos encontros entre os corpos. ão

estes encontros entre os corpos 9ue, por sua vez, produzem o 9ue se chama sub7etivação, as formas

de vida, as maneiras de se produzir vida. ub7etivação si!nifica, num sentido espec?fico S, remetertoda produção social = forma su7eito, recolocar tudo sobre a individualidade. )orém, um outro

sentido 9ue eGiste para a sub7etivação é o de pol?tica de invenção e eGperimentação de outras e

novas éticas de vida. *esse modo, o corpo é o 9ue se encontra no cruzamento entre a vontade de

 potencialização E o dese7o E e a potencialização da vontade E a sub7etivação, ou os modos de vida.

 A sub%eti"ação um processo de composição de modos de "ida que se realiza no dom,nio do

9 /A$DB&B r., E. $. Pensar a Pedagogia com Deleu=e e %uattari. Ami=ade, /onfiança e Eá)ito numa Perspecti#a

Pragmatista Artigo não pu)licado C p.0 C E&+'are+e,!& )e a& +ita./e& ipsis litteris e&tar0! &e,1re e, it%'i+!$? D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 3 , $io de aneiro ditora 3, 11? Cp.22.

8

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encontro entre os corposK3 5m outros termos, podemos definir o corpo como sendo o lu!ar por

eGcelAncia de uma prtica eGperimental de sub7etivação e o dese7o como resultante desta prtica. (u

ainda, ali onde se eGperimenta pol?ticas diferenciais de apreensão do mundo E a sub7etivação E se

encontra o corpo en9uanto superf?cie de passa!em do dese7o.  A sub%eti"ação define6se pelos

encontros entre os corpos%3 

0as se o corpo é uma plan?cie de uma eGperimentação dos modos de vida, então ele se

apresenta no cruzamento de forças não apenas de potencialização da vida, como também de

apoderamento dela E poderes e saberes. 9ue o corpo, sendo passa!em do dese7o, também não é

instBncia natural e, portanto, habita um nicho 9ue lhe é conferido pela hist4ria, ou se7a, pelo 7o!o de

forças e possibilidades 9ue uma determinada sociedade, num certo tempo, inscreve. 6ssim, a

sub7etivação também se trança com os poderes e saberes e o corpo é lu!ar de parada destes poderes

e saberes. )orém, da mesma maneira 9ue o corpo é lu!ar de parada dos poderes e saberes, a parada

é lu!ar de in?cio do corpo en9uanto sub7etivação. 6s paradas são terminais para os poderes, mas

iniciais para a prtica da sub7etivação. Luando tudo pra é 9ue pode recomeçar. ( 9ue muito se

a!ita, fcil aparece, mas o corpo em eGperimentação, ou em processo de sub7etivação é im4vel em

sua fu!a, é vazio em sua plena multiplicidade. ( corpo pra, para poder mi!rar. endo ilustrativo,

as paradas dos processos de sub7etivação do corpo são como as freadas bruscas 9ue -arrincha dava

na lateral do campo torcendo a coluna dos za!ueiros, os soldados do controle.  #e um modo geral&

 pode se dizer que os processos de sub%eti"ação dependem& antes de mais nada& da maneira como a

linha de sub%eti"ação escapa $s relações de poder333' 

*esse modo, o corpo como sub7etivação se encontra numa problemtica eGtremamente

estraté!ica, pois envolve as relaçMes de poder e re!istros de saber e, ao mesmo tempo, as

resistAncias a esses poderes e linhas de fu!a do dese7o. Luanto aos poderes e saberes E em uma

 primeira eGperimentação E não h melhor lu!ar 9ue a escola, ou !rupos de atores escolares, as

 professoras E para 9ue se eGperimente as afecçMes das modulaçMes de força 9ue se referem =s

formas de captura do dese7o e do corpo. 5m uma se!unda eGperimentação, não h melhor 9ue aseGpressMes doloridas dos corpos destas professoras para se sentir as potAncias de criação do corpo.

)or fim, sentimos 9ue escrevemos sobre o corpo, para sentirmos também em n4s, os efeitos de

al!uma eGperimentação dos processos de sub7etivação. 5screver sobre o corpo de uma maneira

honesta, implica 9ue o colo9uemos em eGperimentação, no cruzamento das armadilhas dos poderes

 /A$DB&B r., E. $. !oucault e Deleu=e em /o-participação no Plano /onceitual 5n H5%A-I;B, A., B$<AID5, <.

4. <. G $A%B, +. Imagens de ou!ault e Deleuze – "esson#n!ias $ietzs!%eanas, $io de aneiro DPGA, 2002 C p.10.8 5d.C p.81.1 5d. C p.12.

1

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e das linhas de sub7etivação. Falar sobre o corpo sem coloclo a afectarse num campo de

eGperimentação concreta seria uma desonestidade com o pr4prio corpo.

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!ada órgão& cada articulação&

cada gomo do corpo

uma usina de "alores&$3

: o in!cio do pensamento

Como iniciar o pensamento é a 9uestão 9ue se nos abre como uma fétida flor. Pncmoda,

invasora. 0oscas nos sobrevoam esta flor sobre a testa e buscamos um lu!ar para começar. 6s

moscas fazem zzzz, cortam o ar fazendo zes. [ de zero, de FéliGz -uattari, vazio, caoz, cozmos,

*eleuze... 5zpinoza, Neibiniz. 6 9uestão é iniciar sem começo, ou iniciar sem ter um in?cio

esclarecido, mas relampe7ado. 2m in?cio 9ue nos assalte como um raio. Como disparar o

 pensamento como um tiro de flecha ou um raioR 2ma dor no ombro, como se 9ueiGou uma

 professora no trabalho em !rupo 9ue realizamos em uma escola municipal. *or veloz e intri!ante.

2ma rou9uidão repentina e inesperada como apontou outra. o pensamento acontecendo em um

lu!ar novo, de uma maneira estranha, inesperada. o pensamento 9ue nos assalta, nos toma de

s<bito. 6l!o pensa... por isso, não se trata mais do pensamento da mente, da consciAncia, ou da

razão. 9ue a#go  pensa... Luando um disc?pulo da arte da ar9uearia [en 9uestiona 7!omo o

disparo pode ocorrer se não for eu que o fizer acontecer89 3esponde seu mestre 7Algo dispara9 &&

)ara o pensamento da consciAncia e da razão é preciso 9ue ha7a uma substBncia primeira,nodal, a prior?stica, essencial, 9ue dA in?cio ao pensamento, uma imagem de pensamento -333. que se

 pressuponha a si própria&#. *eleuze traz o eGemplo de *escartes& 9ue, em seu publicitrio 8eu

 penso, lo!o sou, funda um tipo de pensamento 9ue pretende totalizar toda a dispersão

multiplicativa do pensar em uma !eneralidade monol?tica, central, tal 9ual um caroço de pAsse!o.

*iz *eleuze 9ue o ponto de onde parte a filosofia cartesiana faz em si mesmo um 7o!o de

 pressuposiçMes e c?rculos. (s elementos precisam afirmarse uns em relação aos outros de modo

9ue s4 assim possam ter força e a ponto de não haver possibilidade de nova per!unta. 85u penso,lo!o sou, como descreve *eleuze&J, seria composto de elementos E duvidar, pensar, ser E disso

se faz um 7o!o tirBnico 9ue começa com o eu E eu duvido então parte para penso e, em se!uida, se

 penso é por9ue duvido e se duvido é por9ue penso e, portanto, sou E sou eu 9ue penso: eu penso

0 BIFAJA, !. E. Corporeidade& 'iopoder e 'iopot(n!ia) estudo& em ou!ault& do !on!eito de !orpo !omo um lugarde investimento do sa'er*poder m+di!o e !one,-o !om o !on!eito de resist(n!ia !omo prti!a de si. $elatório dePes'uisa de 5niciação /ient*fica !AP&P, 200 C p. 9 E$$5%<, . / /rte Caval%eires!a do /rqueiro 0en, &ão Paulo ditora Pensamento, 19 Cp.?3

2D<"F, %. Diferen1a e "epeti1-o, <is)oa $elógio DKágua, 2000 C p. 203 5d. C p. 229 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 que + a ilosofia $io de aneiro ditora 3, 112 C p. 3

2

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que eu penso que eu penso333&U  6ssim, che!ase ao muro s4lido e circular no 9ual não se é poss?vel

duvidar 9ue se pensa 7 9ue pensar é duvidar e viceversa. er também passa ser dado indubitvel,

 posto 9ue, para ser, é preciso pensar. +este eGemplo 9ue, apesar de !rande eGemplo, é apenas um,

temos o pensamento partindo do &, do uno, do paralelep?pedo total 9ue se pretende, ao mesmo

tempo !eneralizante E pensamento de !eneral, alma de militar E e essencializante pensamento

divino, esp?rito santo. 5ste modo de constituição do pensamento possui premissas universais, ou

se7a, entende 9ue toda a gente sabe&S e, de tal modo, é imposs?vel de se ne!ar ou 9uestionar E

 pensamento do bom senso. em a eGistAncia de uma substBncia essencial primeira, sem a res

cogitans, não haveria pensamento. um pensamento 9ue pressupMe um eu 9ue pensa e um eu

comum a todos, !eneralizado, ele mesmo sem especificidade, sem contornos de conceito.

*eleuze acompanhado de 5spinosa nos propMe, por isso, 9ue tomemos não mais o eu, ou a

substBncia pensante como in?cio ao pensamento, mas o corpo, ou se7a, a9uilo de 9ue pouco ou nada

sabemos&K. *o corpo sabemos de tudo o 9ue se pretende fazer dele e de seus modelos, mas pouco

sabemos de suas possibilidades. ( 9ue nos interessa nesta pes9uisa são as potAncias do corpo, são

suas potAncias de afectação. 6 filosofia, para o *eleuze espinozano deveria iniciar de outra parte,

de outra re!ião. ( corpo é nosso ponto inicial, mas um ponto zero, vazio, ca4tico, errante. ( corpo

como modelo de errBncia, como linha pura do fluGo sem forma. ( corpo, em suas passa!ens,

sempre ir ultrapassar o conhecimento 9ue dele temos, assim como o pensamento ultrapassa a

consciAncia 9ue dele temos&%. Como nos esclarece *eleuze a respeito da proposição de 5spinosa

sobre o in?cio do pensamento, tratase de captar as pot+ncias do corpo para alm das condições

dadas do nosso conhecimento&'. +ão é 9uestão de sobrepor a matéria sobre o esp?rito, mas de se

colocar a consciAncia ou o saber sob as condiçMes de incerteza do pensamento, de oferecer canal ao

desconhecido do corpo assim como, paralelamente, se d campo ao desconhecido do pensamento.

 +ão 9ue ha7a re!iMes ainda não descobertas esperando serem decodificadas, mas 9ue h sim re!iMes

ainda não produzidas, nem ima!inadas, nem inventadas. 9ue eGiste um mecanismo do corpo

capaz de nos surpreender #$3 P!ualmente, não é uma 9uestão de se ne!ar toda a constituição hist4ricae atravessada pelas relaçMes de poder do corpo. 5ntretanto, é de se admitir 9ue ainda temos muito

 pouco contato com as potAncias do corpo, ou se7a, com sua capacidade inventiva. *este modo, falar

de corpo não é propriamente falar, mas permitirse descobrir o seu modo de ser máquina#&, isto é,

9 D<"F, %. Diferen1a e "epeti1-o, <is)oa $elógio DKágua, 2000 C p.2?3.? 5d.C p. 22?. D<"F, %. Espinosa – ilosofia Prti!a, &ão Paulo scuta, 2002 C p. 2.8 5dC p. .1 5d. C p. 2.

20 5d C p.3.2 B$<AID5, <.4.<. /orporeidades em +inidesfile 5n !BI&/A, ;.+.%. G I%<+AI,&. 6orgs.7 Corpo /rte e Cl4ni!aPorto Alegre ditora "!$%&, 200 C p.?1. +á'uina a'ui não tem sentido de mecLnico.

22

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seu modo de ser criativo, de ser usina inventiva. )er!untar pelo corpo é descobrir a9uilo 9ue ele

levanta en9uanto 9uestão, en9uanto ponta de estranhamento. ( corpo impMe 9uestMes ao

 pensamento, traz feiGes de inda!ação, de intri!a. Demos o corpo como a9uilo 9ue acolheria nossas

obscuridades, nossas zonas de in9uietude. para sabermos de certas obscuridades 9ue temos um

corpo ou, de outro modo, é por9ue h zonas obscuras 9ue se tem o corpo como espaço privile!iado

de eGpressão##. 

( corpo e o pensamento entram, deste modo, num contato de variação, como duas linhas

trançadas e insuspeitas uma para a outra, inconscientes, em 9ue o corpo se faz variação ao pensar e

este se faz variação ao corpo. 5ste seria um inconsciente do corpo, ou melhor, um inconsciente

corporalista. ( inconsciente não mais como uma caiGapreta, cheia de informaçMes prontas apenas

escondidas ou esperando ser decifradas, repetidas e pro7etadas como um filme, mas como al!o

eGistente consistentemente tal como o corpo e, ainda assim, como corpo, desconhecido,

imprevis?vel, talvez misterioso E mas não m?tico ou m?stico, se7a com o mito de dipo ou com os

misticismos ar9uet?picos E sempre ainda pass?vel de abrir poss?veis. ( corpo como ponto zero a

 partir de onde é poss?vel abrir estepes problemticas e sa?das artesanais, 9uer dizer, sa?das

criativas... Domamos, assim, o corpo como um aliado leal do pensamento.

( princ?pio do pensamento no corpo si!nifica eminentemente 9ue o pensamento v de

encontro a seu estranho ou, de outro modo, 9ue o corpo inclinese em direção a corpos outros, um

outremtropismo um caimento, uma 9ueda do corpo em direção = superf?cie menos conhecida.

3econhecendo, a partir disso, 9ue um outrem para o 9ual o corpo e o pensamento pendem é um

estranho não cate!orizvel 9ue ultrapassa a simples condição de um outro circunscrito na forma de

uma pessoa ou ob7eto, 9ue apareça como oposto e como contraponto, como nãoser a um ser.

 #este ponto de "ista& outrem não ningum 333 )utrem surge neste caso como a expressão de um

 poss,"el3 )utrem um mundo poss,"el&333# ( corpo inclinase, por assim dizer, não a pessoas, mas a

mundos a hist4rias inteiras, a fra!mentos de eGpressão, de cores, de timbres, de matérias. (utrem é

apenas um indefinido intensivo para o 9ual o corpo se atrai dentro de uma relação. ( in?cio pelocorpo é necessariamente iniciar pela relação, iniciar pelo encontro, pelo fortuito. 5ntão, nosso

encontro, nosso ponto zero, diz respeito de um processo de eGperimentação e eGperienciação.

Falamos#J a9ui, por um lado, das relaçMes 9ue passamos a construir com um !rupo de professoras

de uma escola municipal de )orto 6le!re, de uma pe9uena vida 9ue iniciamos a partir do mer!ulho

de nosso corpo com este !rupo de professoras e suas 9ueiGas, suas 9uestMes, dores, seu cotidiano,

sentimentos, vivAncias e per!untas. )or outro lado, nosso trabalho também tentar fazer costuras

22 D<"F, %. / Do'ra – Lei'niz e o 5arro!o, /ampinas Papirus, 11 C p.?.23 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 que + a ilosofia $io de aneiro ditora 3, 112 C p. 28 e 21.2 B moti#o de usarmos a primeira pessoa do plural na p.82 deste tra)alho.

23

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com os problemas das biometrias, afastamentos por doença e licença médica, tão preocupantemente

 presentes no setor médico da ecretaria 0unicipal de 5ducação. 6ssim, somente por9ue nosso

corpo esteve imerso e envolvido nesta pe9uena vida constru?da nesta escola é 9ue podemos cham

la de eGperimentação e eGperienciação. 5stas eGi!em 9ue os corpos se misturem, se7am afetados,

se7am modificados. *essa forma, este nosso trabalho começa primeiro pelo encontro dos corpos,

 pelo encontro com a prtica, sendo 9ue a9ui, chamamos de prtica o encontro com um mundo de

fora, com um mundo ou com corpos e eGperiAncias 9ue fazem com 9ue nosso campo 7 constitu?do

de saber se esbura9ue, se tencione. Criamse assim, per!untas, d<vidas, linhas de construção e

desfazimento, pontos nos 9uais o pensamento é impelido a pensar, açoitado a criar. Chamamos de

 prtica nosso ato de ir de encontro com um cotidiano desestabilizante e desterritorializante para

nosso corpo, para nossa suposta especialidade.

5m #$$U fomos chamados a trabalhar nesta escola, 9ue fica numa distante periferia da cidade

de )orto 6le!re. 2m !rande ami!o nos convidara a realizar um trabalho !rupal com seis

 professoras desta escola. 2ma professora da escola, interessada em sentir ser poss?vel um outro

olhar sobre o cotidiano de sala de aula, o chamara a trabalhar. 5le acabou nos convidando também

 por9ue, ao nos conhecermos, havia sentido !rande afinidade entre nossas prticas, conceitos e

referenciais te4ricos. Dratavase de um !rupo de professoras, 9ue começou a reunirse durante os

 per?odos nos 9uais não precisavam estar na sala de aula, para discutirem 7untas sobre o 9ue viviam

com os alunos. preciso ver nesta cora7osa iniciativa um ato de autonomia e trans!ressão, 7 9ue

era uma forma de começar a se tecer um espaço coletivo para tratar de problemas 9ue, embora

constru?dos também coletivamente, eram vividos como 9uestMes solitrias, individuais, naturais e

sem hist4ria. Como psic4lo!os, participar?amos de modo a tentar produzir outros olhares e

 possibilidades ao cotidiano das professoras. *urante trAs meses estivemos voluntariamente,

recebendo apenas vales transporte tirados dos bolsos das pr4prias professoras, trabalhando com o

compromisso de vislumbrarmos 7untos outros modos de olhar suas eGperiAncias de sala de aula.

Havia sempre 9ueiGas sobre situaçMes de nãoaprendiza!em, de desconcentração, de indisciplina ede desrespeito por parte dos alunos. 6o mesmo tempo, havia 9ueiGas sobre as frustraçMes,

sentimentos de tristeza e desBnimo, estresse e irritação 9ue estas situaçMes causavam nas

 professoras. *este modo, de nosso lu!ar de psic4lo!os, também nos sent?amos responsveis por

acolher e produzir diferenças e novidades =9ueles sentimentos. 5ram os trAs meses finais do

 primeiro semestre e, depois da interrupção do trabalho durante o mAs de 7ulho, passamos a discutir a

hip4tese de o !rupo ser ampliado e de haver al!uma forma de pa!amento, ainda 9ue pouco e

 provis4rio, 9ue sairia, num primeiro instante, do bolso das pr4prias professoras. +um impasseaparentemente sem sa?da, não conse!uimos nos mobilizar para darmos continuidade ao trabalho,

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 pois muito 7ustamente as professoras reclamavam de \terem de pa!ar para trabalharV#U, uma vez 9ue

os !rupos aconteciam no per?odo em 9ue estavam na escola. 6 n4s também se tornava um fardo

in7usto !astarmos para trabalhar. 6 isso se unia a dificuldade de acesso da escola. Fizemos uma

reunião maior com mais professoras, 9ue haviam ficado sabendo dos !rupos e se interessado.

*iscutimos a viabilidade da ampliação do trabalho. 5ntão, por causa desses problemas, não

conse!uimos a!ir muito mais durante o restante do ano de #$$U. )orém, 7 no in?cio de #$$S, as

 professoras voltariam a nos contatar para viabilizarmos a escrita de um pro7eto de trabalho 9ue

fosse enviado = ecretaria 0unicipal de 5ducação de )orto 6le!re /05*1, de modo a tornar

 poss?vel a retomada do !rupo, desta vez, devidamente financiado e com mais professoras

envolvidas.

*este modo, or!anizamos um pro7eto#S  9ue funcionaria como uma espécie de curso de

formação continuada, mas 9ue deveria estar muito mais disposto a lidar com 9uestMes 9ue

ultrapassassem a simples a9uisição de conhecimentos ou técnicas, como em !eral ob7etivam os

cursos. 6? estaria nossa decisão ética, a abertura para nos atentarmos =s problematizaçMes 9ue as

 professoras trouGessem sobre seu diaadia, sobre a condição da escola etc. 6 9uestão de como

iniciar o pensamento de um lu!ar de nãosaber, começar do lu!ar do corpo e do encontro era o 9ue

nos interessava. ] no in?cio do primeiro semestre da9uele ano t?nhamos o pro7eto pronto e enviado

= 05*. Foram as pr4prias professoras 9ue, ao formarem uma pe9uena comissão, levaram o

 pro7eto = 05* reivindicando uma verba para 9ue acontecesse. 2ma iniciativa de !rande mérito

 para as professoras e de importBncia ?mpar na hist4ria da educação, 7 9ue !eralmente as decisMes

de inclusMes de açMes no cotidiano escolar são verticalizadas, se7a via !overnos federais, ou

municipais, se7a via 05*. ( trabalho estava previsto para ser realizado ainda nos 9uatro meses

letivos da primeira metade do ano. )or lentidMes burocrticas por parte da 05*, o pro7eto s4

começaria em a!osto, ainda sem pa!amento E situação 9ue continuaria a mesma até o dezembro de

#$$S, desta vez por lentidão da ecretaria da Fazenda.

6ssim, iniciar o pensamento a partir do corpo, para n4s, é iniciar de lu!ares concretos, 9ueentretanto, são lu!ares ainda a serem constru?dos, alimentados, cultivados. 5 construir é uma

atividade concreta, 9ue passa necessariamente pelos problemas mais comezinhos, mais ordinrios,

mais enfadonhos da realidade, mais constran!edores, como 7ustamente a 9uestão de viabilizar um

 pro7eto de intervenção através de uma instBncia p<blica sem cair numa forma de trabalho escravo

disfarçado de assistencialismo, o problema de um oferecimento de um serviço 9ualificado para uma

29 As falas tra=idas dos grupos estarão so) aspas simples M N, en'uanto utili=aremos aspas duplas para as pala#ras

com sentido conotati#o. stas falas e #i#:ncias tra=idas pelas professoras iam sendo anotadas por nós durante asreuniOes com os grupos.2? Iosso pro@eto, 'ue foi en#iado ( &+D se encontra no fim deste tra)alho, nos Aneos.

29

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 população sem permitir a desemplicação do 5stado pelo uso nefando do voluntariado. 6creditamos

ser importante trazermos estes detalhes por9ue são eGatamente as concretudes com as 9uais nos

deparamos 9uando nos propomos a construir al!o no Bmbito social e pol?tico. 333 o mundo tal e qual&

todo nu& todo suado& todo fedido& todo cotidiano& para apresentá6lo $s liberdades 333#K 

5ste in?cio pelo concreto é, por isso, também o 9ue nos leva a colocar em movimento,

necessariamente um modo de pensamento 9ue toma por referAncia as sensaçMes#% e afecçMes 9ue

tocam nosso corpo no encontro com o !rupo de professoras. 5ste trabalho com o !rupo de

 professoras#', tem como ponto zero, então, a multiplicidade do superficial, a pele e o corpo como

modelosnãomodelizados, em 9ue tanto mais se é intenso e profundo, 9uanto mais se est em

contato com as sensaçMes da superf?cie, produzidas nos encontros. *eleuze diz 9ue h trAs ima!ens

de fil4sofos$, trAs estirpes de pensadores. 2m primeiro, de filiação platnica, est li!ado =s alturas,

aos céus luminosos. ( trabalho, para este fil4sofo seria o de elevarse, despre!arse do plano, do

corpo e da terra, buscar a luz em alémmundos fora da caverna. 2m se!undo tipo de fil4sofo, seria

o présocrtico 9ue, inversamente, não pretende sair da caverna. 5ste fil4sofo 9uer ir mais fundo,

 buscar os pBntanos lodosos da profundidade, encontrar respostas em inconscientes profundos, uma

 busca pelo !rande mistério. )recisamente, vemos 9ue se trata do mesmo tipo de pensamento, apenas

funcionando como avessos um do outro. 6mbos buscam eGtramundos, terras celestiais ou

subterrBneos lamacentos, vAse o mesmo movimento de pensamento, ne!ar a realidade mesma em

9ue 7 pisamos. ] o terceiro tipo de fil4sofo, nas palavras de *eleuze, é a9uele 9ue prefere habitar

as superf?cies, 9ue não busca vos altos, mas rasantes, ou 9ue não pretende enraizarse na caverna

escura, mas caval!ar sobre as estepes. 5ste fil4sofo vA na pele, no corpo e na superf?cie a pr4pria

constituição do pensamento, da realidade, do mundo. )ara o fil4sofo dos céus este estranho terceiro

tipo pertenceria =s nuvens 7 9ue voaZ para o pensador profundo, não, ele pertenceria =

 profundidade, 7 9ue mantém os pés no chão e, no entanto, ele não pertence a lu!ar al!um

determinvel. ( fil4sofo das superf?cies encontrase apenas com vos rasantes, 9ue constituem

linhas de vibração, tão afeitas ao solo 9uanto fu!idias a eleZ ao mesmo tempo em 9ue se adoça comcaval!adas por sobre lu!ares lisos, em 9ue traça linhas, num mesmo movimento, flutuantes e

a!arradas = !rama. )ara este fil4sofo da pele, o pensamento consiste em criar linhas, escapando,

 primeiramente de si mesmo, encontrando no corpo os relampe7os de novidades 9ue são, antes de

2 D<"F, %. / Il%a Deserta, &ão Paulo 5luminuras, 200? C p.08.28 &ensação não se refere rigorosamente ao conceito de sensação tra=ido por Deleu=e em 2 que + a ilosofia e emran!is 5a!on – L6gi!a da 7ensa1-o& pois só tardiamente, após o tQrmino deste tra)alho, entramos em contato com talconceito. "samos sensação no seu sentido usual de nossa l*ngua.21 "samos sempre professor a&, no feminino, pois são elas maioria em nossos grupos. &a)emos estar desrespeitando

uma regra gramatical, mas, notemos a estranhe=a a 'ue Q poss*#el estarmos sens*#eis 'uando se esta)elece umaregra em função de uma certa democracia da hegemonia C hegemonia do masculino.30 D<"F, %. L6gi!a do 7entido, &ão Paulo Perspecti#a, 1?1 C p.3.

2?

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tudo, desconhecimentos e es9uisitices produzidas na imanAncia do encontro.  Eu prefiro um galope

 soberano& a loucura do mundo me entregar &3 ( fil4sofo superficial prefere encontrar a solução de

um problema lo!o ao seu lado, no imediatamente conectvel#.

Fazer a flecha do pensamento partir do corpo é criar condiçMes poss?veis para 9ue o

 pensamento se inicie com um rasante, ou com um soluço, ou ainda, com uma cambalhota. )ortanto,

fazer do corpo um ponto zero, não 9uer dizer crer em uma suposta inocAncia fundante, nem num

nada primordial. )elo contrrio, iniciar do corpo é iniciar das misturas, das a!lomeraçMes e

interpenetraçMes das forças e dos corpos. ( corpo como matéria primeira para o pensamento é uma

9uestão ética, é fazer com 9ue o pensar parta da9uilo mesmo 9ue acontece, ou da9uilo 9ue 7 est

em vias de mudar. 6 lealdade do corpo em relação ao pensamento est no fato de 9ue o corpo em si

é um lu!ar de condensação imanente da multiplicidade de linhas de força 9ue compMem os

encontros com outros corpos, a realidade e os processos de produção de vida . ualquer outra

inst*ncia seria transcendente333J *esse modo é 9ue o corpo não é eGatamente um ponto zero, mas

uma linha zero, ou se7a, uma re!ião de onde se começa o pensamento e, ao mesmo tempo, o lu!ar

em 9ue 7 se tAm uma multiplicidade compleGa em embate, em 7o!o, em movimento de mutação

cont?nua. Pniciar o pensamento a partir do corpo é uma problemtica ética por9ue, de al!um modo,

 possibilita E embora não !aranta lealdade = imanAncia, ou se7a, faz da realidade a realidade

fabricada tão somente no encontro e não um 7o!o de representaçMes e pro7eçMes, não um 7o!o de

 pressuposiçMes e determinaçMes da ação e das vontades. )ossibilitase, através desta atração para o

 plano imanente, a emer!Ancia de uma multiplicidade mais ampla do campo de saber.

5m nosso trabalho com as professorasU, começamos, por isso, sempre pelas sensibilidades,

 pelas superf?cies de to9ue e perturbação tecidas tão somente durante os encontros de nosso corpo,

de nossa pele com o !rupo. Domamos, assim, a realidade E se7a escolar, se7a urbana, se7a buc4lica,

se7a familiar E não como forma, mas como encontros de dissonBncias E 333 e dos di"ergentes& a mais

bela harmoniaS  como emaranhamento bélico de linhas de força, o 9ue, necessariamente invoca ao

corpo como superf?cie de contato para estas forças. 6lém dos sentidos mais or!anizados, pelos9uais são responsveis os 4r!ãos dos sentidos, falamos do corpo 9ue é percorrido por ondas

vibracionais. ( in?cio do pensamento no corpo é o in?cio pela carne percorrida por ondas

3 Herso da mRsica /anção Agalopada de FQ $amalho.32 D<"F, %. L6gi!a do 7entido, &ão Paulo Perspecti#a, 1?1 C p. 33.33 /A$DB&B r., E. $. !oucault e Deleu=e em /o-participação no Plano /onceitual 5n H5%A-I;B, A., B$<AID5,<. 4. <. G $A%B, +. Imagens de ou!ault e Deleuze – "esson#n!ias $ietzs!%eanas, $io de aneiro DPGA, 2002 C p.10.3 5d. C p.81.

39 B termo de consentimento de participação nesta pes'uisa encontra-se nos Aneos, no fim deste tra)alho.3? /B&;A, A. 6tradução apresentação e comentários7 8er!lito – ragmentos Conte,tualizados, $io de aneiro Difel,2002 C p. 18.

2

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ner"osasK3  6ssim, pretendemos falar, nesta escrita, sobre os fios, teGturas e pel?culas de sensação

9ue foram sendo fabricadas 7unto com as professoras. 5ste teGto de mestrado parte per!untando

 pelo corpo por9ue, do mesmo modo como se iniciou o trabalho com as professoras, se inicia

 per!untando pelo 9ue se sente, pelo 9ue os corpos das professoras sentem, por 9ue tipo de

composição de forças são afetados. Psto é, partimos, talvez, da9uilo 9ue nos coloca em um lu!ar de

delicada especificidade en9uanto profissionais psic4lo!os. +osso interesse é pelos afectos%, pelos

modos de se tocar e se mobilizar 9ue habitam os corpos E no caso, das professoras E os 9uais,

se!undo o 9ue tomamos como referAncias conceituais, estão eminentemente li!ados = concretude

m<ltipla das produçMes sociais, econmicas, pol?ticas, miditicas, informacionais, acadAmicas,

escolares etc. *a? trazemos = superf?cie também uma das problemticas 9ue serviu de 7ustificativa a

nosso pro7eto enviado = 05*. +as escolas municipais h um ?ndice alto de pedidos de

afastamento por doença, por licença médica. 5Gistem eventos constantes em 9ue o obscuro das

forças 9ue compMem a escola se eGpressa nos 4r!ãos do corpo, nas articulaçMes, nas mucosas, nos

nervos e nas vlvulas do corpo. o corpo inserindo 9uestMes ao pensamento, abrindo re!iMes sem

resposta dada, apontando e denunciando um embate espec?fico de forças.

 +osso pensamento pretende começar, assim, das 9uestMes 9ue o corpo impMe, das açMes

decisivas 9ue a problemtica das doenças, ou simplesmente 9ue as dores no corpo lançam a respeito

do cotidiano microf?sico de uma escola, da instituição educacional, de uma relação com a

aprendiza!em, com o lu!ar de professor. desta maneira 9ue o corpo se constitui como um in?cio

não determinado do pensamento. 6s suas 9uestMes são, evidentemente, pass?veis de serem

respondidas en9uanto mecanismos individuais, fisiol4!icos, cientificamente reconhecidos E ri!idez

e!4ica', problemas de neurotransmissores, enfra9uecimento imunol4!ico E tanto 9ue estas 9uestMes

são eGpressas 7ustamente por estat?sticas e por a!enciamentos 9ue envolvem consultas com

médicos, pela si!nificação sob o nome de 8biometria. +o entanto, do ponto de vista das relaçMes

microf?sicas, cotidianas, comezinhas, afetivas, compleGas e moleculares não se é poss?vel antever

eGplicaçMes, descriçMes ou causaçMes sem 9ue os corpos entrem em contato, em embate, emrelaçMes de preensãoJ$ m<tua, ou se7a, sem 9ue se misturem e eGerçam forças uns sobre os outros.

 +ada podemos dizer se não estivermos, n4s mesmos, dispostos ao cont!io e ao contato com outros

corpos. Como se ouvia nas aulas e supervisMes de est!io em psicolo!ia cl?nica da )rofa. *ra.

0ar?lia 0uWlaert, preciso colocar o corpinho ali. isto 9ue si!nifica fazer do corpo o in?cio do

3 $B<I5S, &. N!ale com eleN ou como tratar o corpo #i)rátil em coma 5n !BI&/A, ;.+.%. G I%<+AI, &. 6Brgs.7Corpo /rte e Cl4ni!a, Porto Alegre ditora "!$%&, 200 C p.232.38 Afeto não Q o mesmo 'ue afecto. 5remos esclarecer esta diferença conceitual mais adiante.

31 ;ermo usado por algumas psicologias mais ortodoas para denominar a rigide= do pensamento, do modo de ser esentir.0 D<"F, %. / Do'ra – Lei'niz e o 5arro!o, /ampinas Papirus, 11 C p.39.

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 pensamento E partir das 9uestMes 9ue o corpo impMe é necessariamente partir das relaçMes e

misturas feitas entre os corpos, é necessariamente habitar e construir um espaço 7unto ao problema.

( corpo como in?cio ao pensamento pede 9ue os problemas se7am colocados em termos de

multiplicidade, de coletividade, de compleGidade e de relação. 5ste é o sentido de obscuro. (

obscuro não é o oculto, o velado, mas o compleGo, o disperso, o multiplicativo, 9ue se espalha tão

vastamente em pluralidade e amplidão 9ue se perde a causa primeira e o fim <ltimo de sua

eGistAncia. ( obscuro é al!um insuspeito, al!um desconhecido. *i!amos, al!uma coisa pouco vista,

 pouco descrita, ou pouco eGplorada, ou até eGplorada em demasia por saberes prontos. Dambém por

este carter plural é 9ue somente coletivamente, em !rupo, num campo de relaçMes multifacetado é

9ue concebemos conhecer as potAncias e afectos 9ue o corpo é capaz.

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"ossa p#an!cie: p#ano de iman$ncia

( mais profundo é a superf?cie. ( pensamento, então, como 333 dermatologia geral& ou arte

das superf,ciesJ&3 obre a superf?cie da plan?cie é 9ue nascem !ram?neas e mus!os. neste n?vel,

das plantas baiGas e dos mus!os 9ue a vida começa. obre esta plan?cie venta e chove. 5ste n?vel, o

da mistura dos corpos, esta linha de passa!em produzida entre as misturas f?sicas materiais e os

fluGos de transformação é absolutamente real, embora invis?vel e indetectvel muitas vezes. obre

as misturas dos corpos e seus efeitos de proliferação de vida é 9ue nos per!untamos numa plan?cie

especial. +ão sabemos de 9ue potAncias é capaz uma certa mistura de corpos, pois uma superf?cie é

 profunda por9ue é vastaJ#, eGtensa, abran!ente. ;endo grande& carece de contornos3 Porque carece

de contornos& grandeJ3 

2ma escola, portanto, é uma superf?cie profunda, 7ustamente por9ue vasta, ainda mais por9ue

m<ltipla. 6 profundidade não tem a ver com a procura, dentro de um lu!ar escuro, por uma

substBncia central e causa primeira de todas as coisas. 6 profundidade tem a ver com uma

amplidão, ou ainda, com uma vastidão em 9ue o nãosaber não é o encoberto, ou escondido num

escuro cada vez mais embaiGo, cada vez mais interior. ( nãosaber do superficial, a profundidade

da pele é a da multiplicidade 9ue habita um plano, das relaçMes eGtremamente m4veis, da variedade

dos seus componentes e de seus relevos. ( nãosaber pertence menos ao descobrimento e mais ao

desdobramento inesperado, ou = invenção talhada no tecido do acaso 9ue perpassa as relaçMes entre

os corpos em sua dinBmica louca. 2ma <nica superf?cie é, portanto, uma infinidade composta.

6ssim, não se est numa relação em 9ue se pretende fazer o descobrimento das causas de um

 problema. Com este trabalho em !rupo, não buscamos uma causa nodal 9ue nos leve a responder o

9ue provoca as biometrias, 7 9ue um ob7etivo desses sempre pretende também eliminar o problema,

eGtirpar uma via de eGpressão poss?vel. Psso seria atender a uma demanda mais movida pelo susto e

 pela aflição 9ue pela sensibilidade =s sensaçMes pe9ueninas e cotidianas 9ue constroem eventos

vis?veis maiores. Psso seria ceder a uma vontade de controle e a um medo do problemtico. Luerer

saber as causas é uma demanda do 5stado, da vontade de !overno sobre os corpos, iniciativa do poder. +osso trabalho intenta, por outro lado, fazer um mapeamento da multiplicidade 9ue compMe

o invis?vel molecular do plano compleGo 9ue é a escola e o lu!ar de professor, dentro do 9ual um

dos eventos vis?veis é a problemtica das biometrias. 0apeamento ao n?vel da produção das forças.

5m outras palavras, !ostar?amos de entender em 9ue conteGto microrelacional se insere as

 biometrias, ou se7a, por 9uais forças os corpos tAm sido afectados, de modo 9ue as biometrias se7am

apenas um sinal macrosc4pico deste conteGto e, ainda, macrosc4pico por9ue autorizado por umas

 D<"F, %. Conversa19es, $io de aneiro ditora 3, 112 C p.01.2 !$$AF, +./.!. $ove Varia19es so're :emas $ietzs!%ianos, $io de aneiro $elume Dumará, 2002 C p.2?.3 ;&T, <. :ao :e ;ing – 2 Livro do 7entido e da Vida , /uriti)a Eemus, 2000 - p. 93.

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ou outras superf?cies 9ue lhes conferem lu!ar de reconhecimento e saber, como a ciAncia médica ou

o status social de sofrimento. ;em d/"ida& um agenciamento %amais comporta uma infra6estrutura

causal3 Ele comporta& no entanto& e no mais alto ponto& uma linha abstrata de causalidade

espec,fica ou criadora& sua linha de fuga& de desterritorialização333JJ  5m outras palavras, as

 biometrias são um a!enciamento, são a articulação de uma multiplicidade 9ue s4 encontra sua causa

no eGato ponto em 9ue esta causa é perdida em uma compleGidade 9ue pMe em Ge9ue o estado de

coisas estabelecido em uma realidade.

Luando se olha para os problemas 9ue o corpo coloca, estamos numa relação em 9ue se

 pretende localizar os componentes de um problema e, principalmente, as relaçMes 9ue eGistem entre

estes componentes. 5stamos, assim, sempre sendo recolocados em um plano de imanAncia vivo, em

uma superf?cie plana e m4vel. Cabe, portanto, falarmos dos corpos e das linhas de composição 9ue

formam o !rupo e a escola de 9ue tratamos. ( !rupo de professoras pertence a uma escola

municipal, o 9ue, no caso de )orto 6le!re, implica em dizer 9ue a escola funciona se!undo um

re!ime de ensino ciclado, no 9ual não h repetAncia ou série escolar. 5sta ineGistAncia de

repetAncia, porém, não acontece por simples indul!Ancia, ou compaiGão aos alunos e sim por9ue

neste pro7eto peda!4!ico se desfaz a noção de pro!resso linear re!ido por uma meta suprema, a

9ual se alcança com a aprendiza!em. 6parentemente, a dicotomia moral de ter aprendido"não ter

aprendido, saber"nãosaber se transforma num falso problema ou num problema ineGistente. Com

isso, entendemos 9ue as 9uestMes, passam a ser, como se aprendeuRZ foi poss?vel a aprendiza!emRZ

de 9ueRZ o conte<do aprendido"ensinado serve = vida deste aluno, deste lu!ar, com esta hist4ria,

com esta vida 9ue lhe pertenceRZ com este conte<do, o 9ue se oferta = vida do aluno como um todo

e não apenas = sua co!nição ou inteli!AnciaR

5m outras palavras, a eGi!Ancia sobre o 9ue se aprende não é mais a do conhecimento 8bem

aprendido, mas a do saber 9ue se7a importante para o aluno, na medida em 9ue mova sua vida =

autonomia, = criatividade, = possibilidade de continuar aprendendo, de 9uerer aprender. Pmportante

en9uanto o aluno eGpressa a importBncia do conte<do aprendido para a sua vida, somente en9uantoo aluno mostra paiGMes pelo 9ue aprendeu. *este modo, os ciclos pretendem en!a7arse numa luta

de  superação da escola tradicional JU, de modo 9ue se7a poss?vel acompanhar, compreender e

respeitar 9ue a aprendiza!em acontece por processos desi!uais, difusos, pouco previs?veis. )or isso,

mais uma vez, o problema de se repetir ou não um ano escolar não se atrela ao problema da

avaliação: os ciclos liberam a avaliação da moral do bom e mau aluno e da meta !eral a todos para a

aprendiza!em. ( 9ue eGiste nos ciclos é, assim, um processo de avaliação, cont?nuo, 9uestionador,

 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. <, &ão Paulo ditora 3, 11 C p. 8.9 AFHDB, . /. /iclos de !ormação uma no#a escola Q necessária e poss*#el 5n &;5IHA&/E$, A. et al.Ci!los em "evista, $io de aneiro JaU ditora, 200 C p..

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in9uieto, sempre aberto a construir novas referAncias 9ue balizem a noção de aprendiza!em a cada

avaliação feita. 5ste processo avaliativo estaria constantemente atento =s dificuldades dos alunosJS,

o 9ue, a nosso ver, si!nifica entender 9ue uma dificuldade não chama a atenção por ser um desvio

indese7ado no processo, mas por9ue, no corpo da relação entre educadoreducando, aparece um

desconforto, uma an!<stia, uma in9uietação ou uma aflição, 9ue podem ter simplesmente a ver com

o dese7o de sobredeterminar e controlar a aprendiza!em de forma tradicional, mas também pode ter

a ver E e isso é o importante E com afetos compleGos, sensaçMes 9ue colocam reais problemas de

 potAncia ou impotAncia dos corpos, problemas de passa!em ou para!em, represamento ou liberação

de uma força.

0ais ainda, o ensino ciclado determina espaçamentos de tempo maiores para 9ue o aluno

 possa desenvo#ver  abi#idades  e se  apropriar de instrumentos, mais do 9ue se prender a

conte<dos técnicos espec?ficos, como aprender a f4rmula de Qs@ara, ou as classificaçMes de

advérbios. 6 escola ciclada, estaria com o compromisso de reestruturar a or!anização do ensino, de

forma 9ue se possa sair do modelo seriado, tão eGcludente e muito !al!ado na defasa!em idade

turmaJK, ou se7a, propMese sair de um modelo de tempo cronol4!ico, preocupado com as pré

determinaçMes,  para se passar a um modelo de tempo intensivo, sens?vel aos acontecimentos do

cotidiano. 0udarseia de uma estrutura tempoconte<do, para uma or!anização possibilidade

acontecimento ou até importBnciaacompanhamento, ou se7a, a atenção se volta para a9uilo 9ue se

sente como importante na relação de ensinoaprendiza!em dentro de espaços de tempo

determinados não apenas por planos de trabalho, mas também todo !ote7ado de acontecimentos

inesperados a esta relação, 9ue abririam novas possibilidades e oportunidades de aprendiza!em,

tornando de fato o ensino uma relação de duplamão e não apenas uma via profética E não mais o

 professor como a9uele 9ue profere. 5m tese, professor e aluno estariam su7eitos aos

acontecimentos, =s flutuaçMes e brisas produzidas espontaneamente na relação entre corpos.

e!undo o 9ue estudamos a respeito da idéia de um re!ime ciclado de ensino e a partir da vivAncia

9ue tivemos na escola, ciclar uma escola deveria ser, antes de mais nada, abrila ao acontecimento,tornar a educação e a relação de aprendiza!em, cada vez mais m<tua e cada vez mais sens?vel ao

acontecimento, isto é, fazer de 9ual9uer vicissitude cotidiana, uma oportunidade, uma chance do

acaso para ensinar e aprender E apreender. ( ensino ciclado parece poder ser E pois veremos 9ue

não é ainda E uma educação 9ue se abre, não para disciplinar as lacunas de saber, porém, para

liberar o saber como resultado da dinBmica da vida, como conse9^Ancia de um 7o!o de dados 9ue a

? 5d. C p.9. VAH5$, +. <. +. A scola /idadã struturada por /iclos de !ormação C refleOes so)re o pro@eto educacional do+unic*pio de Porto Alegre de 181 a 200 5n &;5IHA&/E$, A. et al. Ci!los em "evista, $io de aneiro JaUditora, 200 C p. 93.

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todo tempo oferece fios e 7anelas para a produção, para a apropriação do mundo. 6 educação

ciclada poderia se chamar uma educação dispon?vel, disposta. *iante disso, destacase uma

diferenciação entre a proposta de 8Ciclos de )ro!ressão Continuada e 8Ciclos de Formação: a

 primeira seria uma forma de reapropriação liberal a partir de um dese7o de incluir formalmente a

todos na escola, tornando a educação um processo meramente eficienteZ 7 a idéia de ciclos de

formação estaria embasada na vontade de superar a simples substituição de séries por ciclos, os

9uais seriam apenas séries 7ustapostasJ%, de maneira 9ue, indo além do pro7eto estatal de inclusão, se

 possibilite a incorporação de experi+ncias socialmente significati"as aos estudantes& "isando

 propiciar seu desen"ol"imento cr,tico e social J'3  )ortanto, não se trata de mera reor!anização

 burocrticoadministrativa da escolaU$, 9ue apenas ma9uia a idéia de uma verdadeira mudança no

sistema educacional sob a reconfi!uração empobrecida e limitada 9ue troca a denominação de

séries por ciclos, restrin!indo a revolução 9ualitativa da educação = ausAncia de repetAncia ou

divisão por planos determinados.

5m nosso trabalho com o !rupo de professoras, abran!emos diversos ciclosU&, 9ue variam

desde as professoras 9ue atendem as faiGas etrias baiGas S, K, % anos de idade E até os

adolescentes E &U, &S, &K anos. Com isso não pretendemos i!norar as diferenças entre os ciclos, mas

 propriamente misturlas, ou se7a, dar a elas um respeito, ao mesmo tempo, ?mpio e refinado.

Cuidar da diferença, portanto, em nossa concepção, é permitir 9ue ela mesma difira de si pr4pria,

misturandose com outras. +ão 9ueremos tomar por diferenças, as diferenças molares estabilizadas,

não as diferenças ditadas por cate!orias institucionais, mas as microdiferenças, impercept?veis

9uando da ausAncia de uma disposição ao contato, ao cont!io. 6 mistura entre estas diferenças é

9ue d a cada uma delas ainda mais viço e brilho. Como a maioria das escolas municipais de )orto

6le!re, nossa escola possui 4tima infraestrutura f?sica, é muito bem cuidada e =s professoras são

 pa!os salrios 9ue elas mesmas consideram bom. )ossui !randes 9uadras esportivas e ptio

espaçoso em 9ue h pe9uenos 7ardins e hortas cultivadas pelos alunos. Como 7 devemos ter

deiGado mais ou menos claro, a escola atende desde aos n?veis de alfabetização até o n?vel deeducação de 7ovens e adultos /5]61, o 9ue faz com 9ue ela funcione desde cedo pela manhã, até

 perto das #h da noite.

8 id. C p.99 e 9?.1 id. C p. 9?.90 AFHDB, . /. /iclos de !ormação uma no#a escola Q necessária e poss*#el 5n &;5IHA&/E$, A. et al.Ci!los em "evista, $io de aneiro JaU ditora, 200 C p. 3.9 Bs ciclos são di#ididos em faias etárias )aseadas nas fases do desen#ol#imento cogniti#o criadas por autores comoPiaget e HWgotsUW. /ada ciclo comporta tr:s idades, dos ? aos anos. B primeiro ciclo 6/7, portanto, lida comcrianças de ? a 8 anos, o segundo ciclo 6/27 a)range alunos de 1 a anos e o terceiro ciclo 6/37, 2 a anos.

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6lém disso, é de se destacar 9ue esta escola este7a bastante afastada do centro, no eGtremo

norteleste da cidade, numa vilaU#  ferozmente pobre, em 9ue muitas das fam?lias vivem de bolsa

fam?lia e bolsaescola. 5sta re!ião, inclusive se!undo o 9ue disse uma professora de !eo!rafia, não

aparece em praticamente nenhum mapa da cidade e tem muitas das ruas sem nome, apenas

enumeradas ou marcadas com letras. (utro fato de desta9ue é 9ue a vila dentro da 9ual se encontra

a escola possui um nome 9ue nem al!uns dos pr4prios habitantes conhecem, por preferirem ser

reconhecidos como pertencentes ao bairro lo!o vizinho, 9ue é considerado por eles um bairro mais

rico, onde as pessoas vivem em con7untos habitacionais apossados. importante também falarmos

um pouco da hist4ria desta vila. (s moradores desta comunidade não são ori!inalmente deste local.

Pnicialmente, h &S anos, viviam nas mar!ens de uma !rande avenida da zona norte de )orto

6le!re. Constitu?ase, então, de uma vila de catadores de papelão. 0udaramse todos a esta atual

re!ião por iniciativa da !estão municipal de Darso -enro, o 9ue ocasionou o descontentamento de

al!uns e a satisfação de outros. (s 9ue não !ostaram da transferAncia foram 7ustamente os 9ue

tinham como trabalho o recolhimento de papéis e papelão nas ruas, pois onde vivam anteriormente,

na zona norte, ficavam bem pr4Gimos de outra avenida, centro comercial da re!ião, 9ue obviamente

oferecia !rande 9uantidade de caiGas de papelão desmontadas, importantes para a sobrevivAncia

destas pessoasZ ou se7a, ficaram impossibilitados de trabalhar. (s 9ue se a!radaram haviam ficado

contentes por poderem viver em casas populares constru?das pelo !overno, podendo deiGar de viver

somente em barracos. Dalvez, por estas razMes, desde o in?cio dizse 9ue os moradores desta atual

vila eram bastante interessados em participar das decisMes pol?ticas 9ue determinariam os rumos de

suas vidas.

6 escola de 9ue falamos teve sua criação, praticamente 7unto com a atual vila, como escola

ciclada, diferentemente de al!umas escolas da cidade, 9ue precisaram passar por todo um processo

de implantação da or!anização por ciclos. +o in?cio, começara adaptada em uma pe9uena creche

local e pouco tempo depois foi constru?do o prédio de 9ue se constitui atualmente. 6ssim como seus

moradores, nesta comunidade, os primeiros professores eram bastante en!a7ados politicamente emuito envolvidos com o compromisso de se envolver não apenas com uma tarefa peda!4!ica, mas

também com toda a comunidade e com os problemas 9ue a atravessavam. )or isso, diz a assessora

da 05* 9ue acompanhou todo este processo na época e de 9uem obtivemos estas informaçMes

hist4ricas, a impressão 9ue se tinha era a de se estar diante de uma escola rural, em 9ue al!uns dos

 professores viviam na comunidade, visitavam as fam?lias, procuravam os alunos 9ue faltavam para

saber se havia acontecido al!o de ruim, participavam de todos os problemas, não se limitando ao

espaço escolar.92 m Porto Alegre, costuma-se chamar de #ila ao 'ue comumente se dá o nome de fa#ela.

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 +ovamente, com relação = localização !eo!rfica, esta escola fica numa pe9uena baiGada,

entre duas outras vilas mais elevadas. Dodas as trAs vilas tAm um ?ndice elevado de violAncia E

mortes, tiroteios 9uase todas as noites E e o trfico de dro!as é muito forte como fonte de renda e

empre!o para seus moradores. (s !rupos de trfico das trAs vilas são rivais entre si, o 9ue arrai!a os

tiroteios e as violAncias cotidianas. e!undo al!umas professoras, esta vila = 9ual pertence a escola

é considerada, senão a mais, uma das mais violentas de )orto 6le!re. Dambém nas palavras das

 professoras, a vila possui um tipo de moeda corrente paralela, chamada 8rubi, criada pelos pr4prios

habitantes locais. 2m detalhe interessante é 9ue para se che!ar a esta vila, de nibus ou de carro,

eGiste somente uma estreita entrada asfaltada, de modo 9ue se torna poss?vel vi!iar os 9ue entram e

saem. 6s professoras disseram também 9ue os l?deres do trfico de dro!as ordenam 9ue al!um de

seus homens fi9ue sempre vi!iando esta entrada, escondidos em uma casa.

 +osso trabalho foi realizado com trAs !rupos de professoras, 9ue começaram com 9uinze

 pessoas cada um e terminaram com cerca de dez, pois al!umas professoras foram desistindo ao

lon!o do tempo. 6 e9uipe era composta por 9uatro psic4lo!os, de modo 9ue, duas duplas atuavam

simultaneamente 7unto a dois !rupos pela manhã e um trio reuniase com o terceiro !rupo pela

tarde. (s encontros aconteciam uma vez por semana, nas 9uartasfeiras, das &$h#$ ao meiodia,

 pela manhã, e das &Sh =s &KhJ$ pela tarde, ou se7a, cada encontro tendo cerca de uma hora e meia a

duas horas de duração. +osso primeiro encontro com o !rupo de professoras aconteceu no dia $# de

a!osto de #$$S, num dia muito frio. )or isso, as professoras su!eriram 9ue o encontro fosse

realizado no ptio da escola, sob o calor e luz do ol. Começamos per!untando sobre como sentiam

seus lu!ares de professora, seus lu!ares na realidade escolar, na realidade da9uela escola. \( 9ue a

!ente sente é 9ue é uma realidade 9ue a!ride a !enteV. Foi o 9ue disse uma das professoras. 5ntão

 per!untamos por 9ue essa realidade era a!ressiva, como é 9ue sentiam isso. *isseram sentir 9ue o

tempo todo havia situaçMes em 9ue não tinham o 9ue fazer, não sabiam o 9ue fazer, sempre

envoltos em problemas como a pobreza e a violAncia 9ue os alunos sofriam e reproduziam entre si,

com situaçMes em 9ue não se via os alunos aprendendo o 9ue tinham a ensinar, situaçMes nas 9uaisse sentiam incapazes de ensinar. Dambém disseram as professoras sobre a aflição 9ue sentiam de

ver 9ue passava o tempo e viam os alunos sem conse!uir desenvolver seus potenciais. Foi então 9ue

 per!untamos se o 9ue sentiam era 9ue a realidade os a!redia por sentirem o tempo todo 9ue havia

muitas impossibilidades.

*isseram 9ue sim, 9ue havia muita impossibilidade na realidade deles e 9ue isso os fazia

 baiGar muito a eGpectativa em relação aos alunos. *isseram 9ue 9uando começaram seus trabalhos

na9uela escola tinham a eGpectativa de poder ensinar tudo o 9ue sabiam sobre suas disciplinas Ein!lAs, matemtica E, mas 9ue passaram a sentir 9ue deveriam baiGar essa eGpectativa e esperar

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sempre cada vez menos potencial de aprendiza!em dos alunos, não como se a eGpectativa fosse

demasiada, mas como se a capacidade dos alunos se mostrasse pe9uena, inclusive por causa do

lu!ar social de muita pobreza e falta de recursos 9ue ocupavam. +este encontro, falaram de uma

vontade 9ue tinham de 9ue estes alunos fossem inclu?dos socialmente, arrumando bom empre!o,

estudando, indo fazer faculdade. 0as, disseram saber 9ue essa vontade também era frustrada, tanto

 por verem 9ue os alunos não che!ariam a estes lu!ares sociais, 9uanto por9ue sabiam 9ue, mesmo

che!ando, \nos dias de ho7e, isso não !arante nadaV. ] no se!undo encontro, outra sensação 9ue as

 professoras disseram ter e 9ue vai muito de encontro com as 9ue falamos no primeiro dia, era a de

terem muitas eGpectativas e !randes dificuldades em relação ao 9ue tAm de ensinar, em relação a

seus conte<dos. (utras professoras falaram da an!<stia não ser tanto com relação ao conte<do, mas

com a dificuldade !rande de trazer al!o novo, al!uma maneira nova de ensinar, uma forma de

 prender a atenção e a vontade dos alunos. obre isso, todas concordaram ao dizerem 9ue os

 problemas eram mesmo o de não se sentirem capazes de despertar o interesse e a curiosidade dos

alunos e o de não saber o 9ue deveriam ensinar e como ensinar, pois não pretendiam prenderse aos

conte<dos formais como !eo!rafia e matemtica, nem ne!li!enciar os problemas sociais vividos

 pelos alunos, como a pobreza e a fome e o frio 9ue passam no inverno.

6ssim, falamos de um plano em 9ue, lo!o de in?cio, a sensação 9ue se tem é de muita

impossibi#idade e  agressão. 5n9uanto as professoras falavam, o sentimento 9ue t?nhamos era

também o de um sufocamento, de uma impotAncia advinda do fato de o campo de poss?vel e de

a!encivel estar eGtremamente restrito e fechado. (s poss?veis pareciam estar min!uando. 2m

sufocamento como a de um ar sem circulação, abafado, denso e pesado. +ossa sensação, ressonante

e con!ruente com a das professoras, também é, por outro lado, dissonante e estranha = delas.

5n9uanto falavam das situaçMes, fomos n4s 9ue colocamos a palavra 8impossibilidade e, apesar de

ser um sentido diferente da \a!ressãoV 9ue sentiam a respeito de seu mundo, vimos 7untos 9ue havia

uma !rande ressonBncia. +estes dois primeiros encontros, che!vamos a sentir um tipo de aperto no

 peito, um peso sobre o topo da cabeça e sobre a nuca. 5stas sensaçMes, estas materialidadesnervosas é 9ue, para n4s, serve de ponto zero, serve de in?cio = anlise, ao pensamento, ao cuidado

 para com outrem e = provocação. 6o falarmos das impossibilidades, começamos a tentar tecer uma

linha de ressonBncia e similitude de vibração com as professoras, uma espessura para o encontro,

um afluente de percepção tanto para n4s 9uanto para elas. 6 similitude e a ressonBncia neste

sentido, dizem de sentimentos e sensaçMes concretas, possuidoras de uma f?sica movente. ensaçMes

 primas, pares e leais umas =s outras e, paralelamente, dissonantes e descasadas. Como na m<sica,

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em 9ue a harmonia s4 se faz por acordes nitidamente diferentes uns dos outros U, nossa ação

também tratava de colocar em circulação sensaçMes diferentes, porém, leais. 6 impossibilidade, 9ue

nos fazia sentir este tal peso sobre a cabeça e a sensação de a!ressão colocada pelas professoras nos

 permitiu E a n4s psic4lo!os e =s professoras E entrar num primeiro contato imanente com duas

linhas de sensaçMes 9ue compMem as relaçMes de força desta escola. ão destas sensaçMes 9ue

 partimos para mapearmos, se!undo uma relação de cont!io ?ntimo, a produção do emaranhamento

de linhas 9ue se produz na escola, nas relaçMes entre as professoras, destas com os alunos, destas

conosco, com as relaçMes de poder com a diretoria, com o papel social de professor, com as

 pol?ticas de inclusão social ou de or!anização curricular ciclada. 5stas sensaçMes produzidas no

encontro é 9ue se constituem como linhas de uma violAncia 9ue d in?cio ao nosso pensamento.

9ue, diz *eleuzeUJ, s4 h pensamento 9uando eGiste uma violAncia, um assalto. ( pensamento não é

senão um arrombamentoUU, al!o 9ue nos acontece não como substBncias pensantes, mas como

superf?cies nave!antes, uivos 9ue parecem vir de lon!e e nos invadem, como numa floresta escura

nos invadem ru?dos de rãs, pssaros e insetos de toda espécie.

6 partir disso, 9uando se coloca o problema das 8biometrias dos corpos das professoras nas

escolas municipais, se est falando destas sensaçMes de impossibilidade e de a!ressão, destes

 pe9uenos en9uistamentos de sensação, ou se7a, dos pe9uenos lu!ares em 9ue se tAm sinais vis?veis e

 percept?veis das relaçMes de força 9ue compMem e atravessam a escola e a vida das professoras.

Falamos, então, de uma sin!ularidade, 9uer dizer, tratase de uma ponta de diferença 9ue se torna

levemente mais saliente sobre um plano, uma ru!osidade, uma estria. *iversas são as formas de

eGpressão dos corpos nas escolas, diversas são as escolas, diversos são os corpos, diversas as

 professoras, diversos são os alunos, diversas as peda!o!ias. 4 9ue não são somente estas vrias

tipolo!ias molares e macrosc4picas 9ue dizem da variação. )elo contrrio, é o pr4prio movimento

de variação 9ue forma estas molaridades diversas. (s vrios corpos em suas min<sculas variaçMes

 produzem uma sin!ularidade, o 9ue 9uer dizer 9ue a sin!ularidade é sempre coletiva, de !rupo, de

matilha E são sempre sin!ularidades  E e não são unidas apenas pelo nome biolo!izado,medicalizado, chamado biometria. +ão é apenas o nome biometria 9ue amarra estas manifestaçMes

corporais como sendo similares umas =s outras em al!um aspecto, mas a diversidade de

manifestaçMes é 9ue ur!em a amarração sob um nome. 6 escolha do a!enciamento 9ue autoriza ou

nomeia estas sin!ularidades é problema li!ado =s relaçMes de poder e saber.

93  5magem eemplar muito usada por nosso companheiro de tra)alho Aleandre Snorre, para eplicar a noção de

ressonLncia, em detrimento da idQia de transfer:ncia e pro@eção.9 D<"F, %. Diferen1a e "epeti1-o, <is)oa $elógio DKágua, 2000 C p. 20.99 5d.

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Dambém ocorre, portanto, 9ue esta sin!ularidade não é uma multiplicação de manifestaçMes

i!uais, não é uma individualidade replicada em !rande n<mero. 5sta é a impressão 9ue se tem por

conta 7ustamente do nome molar 9ue se d para unir estas manifestaçMes sob uma s4 causação 9ue,

no caso, é entendida como biol4!ica. 5sta sin!ularidade 9ue desponta sobre os corpos das

 professoras nas escolas, portanto, não necessariamente é uma 9uestão apenas de sa<de e educação,

não é problema de uma especialidade de estudo, mesmo 9ue o se7a em al!um aspecto. +ão se trata

de uma problemtica homo!Anea, em monobloco, relacionada a uma mesma e <nica causa. 6s

eGpressividades corporais dentro da escola provavelmente efetivam coisas muito diversas das

9uestMes biol4!icas ou até psicossomticas. Pntri!amosnos a respeito destas eGpressividades

 7ustamente começando pelas sensaçMes vizinhas e irmãs destas corporalidades. -ostar?amos de

começar pensando 9ue, talvez, se7a poss?vel deslocar estes problemas, impostos pelos corpos, de

seus lu!ares naturalizados de reconhecimento e cuidado E medicina, psi9uiatria, psicolo!ia, doença

mental ou biol4!ica pois as eGpressividades corporais estão sempre efetivando multiplicidades de

linhas de força e sensaçMes. (s corpos efetivam inclusive coisas diversas de si mesmas, entre si

mesmas. ( biol4!ico e o psicossomtico são apenas lu!ares de passa!em destas eGpressividades

corporais, de um lado por9ue de fato acontecem sobre os 4r!ãos do corpo, de outro, por9ue

determinados pelos si!nificantes médicos dispon?veis = mão das professoras.

9ue a9uilo 9ue caracteriza uma sin!ularidade é sua multiplicidade, seu movimento de

matilha, de multidão. ( sin!ular s4 o é na medida em 9ue tem uma infinidade de corpos envolvidos

e em relação. o coletivo e o plural 9ue asse!ura o sin!ular ou, de outro modo, é a composição de

uma pluralidade de vrias linhas de força diferentes entre si 9ue forma um movimento ?mpar. (

mais puro, portanto, é o h?brido, o misturado. 6ssim, uma sin!ularidade é composta

necessariamente de corpos 9ue variam entre si, em função de suas misturas. )or outro lado,

 paradoGalmente, eGiste sim uma repetição nesta 9uestão das eGpressividades corporais. 3epetição

9ue, alertese, s4 repete em função da diversificação dos acontecimentos, tal 9ual a permanAncia da

!ua dos rios 9ue se repete a si mesma apenas na medida em 9ue nunca tem a mesma forma, amesma torrente. e h al!uma repetição no evento corporal dentro das escolas então são as

sin!ularidades 9ue se repetem em detrimento de 9ual9uer !eneralidade !rosseira. e é sempre no

corpo 9ue se repete a visibilidade, então a per!unta é pelo 9ue compMe essa repetição e pelo 9ue

varia na repetição. )er!untase por uma transversalidade, por uma corporeidade transversal.

6 mistura dos corpos produz efeitos 9ue são, paradoGalmente, incorporais, ou se7a, são fluGos

9ue correm entre os corpos, atravessam a eles sem a eles se prenderem. 4 9ue, na medida em 9ue

os corpos se eGercem entre si, forças, preensMes uns sobre os outros, passam a ser causas uns dosoutros para a9uele estado de coisas presente e passam a ser produtores de efeitos, cu7a natureza é

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completamente outra = dos corpos. <oda coisa preende seus antecedentes e seus concomitantes& e

de próximo em próximo preende o mundoUS3 5stes efeitos de suas misturas são, portanto, apenas

quase6causasUK  uma dupla causalidade E uns para os outros. *e um lado, os corpos são causas uns

dos outros 9uando de uma mistura, por outro lado, são causas dos efeitos incorporais, cu7a natureza

é diferente da dos corpos 9ue os produziram. ( efeitos incorporais são os acontecimentos, devires

9ue se desprendem dos corpos, acontecem a eles sem, no entanto, com eles se confundirem. 5stes

efeitos incorporais é 9ue são as sin!ularidades, as 9uais, embora se refiram aos corpos, não se

 prendem nelesU%, ou se7a, embora se efetivem em pe9uenas re!iMes do corpo, não se estancam nelas,

mas !arantem sua consistAncia se!undo continuem circulando por entre os corpos e através deles.

Consideramos 9ue as biometrias dos corpos das professoras se7am efeitos incorporais, se7am

sin!ularidades, as 9uais podem estar conectadas e trançadas não apenas por uma si!nificação

médica e cient?fica. ão efeitos relativos aos corpos das professoras, mas não a eles pertencentes. 6

amarração entre as sin!ularidades é de outra ordem, ainda 9ue passe, em al!um momento, pelo

 plano médico e biol4!ico. 5stas sin!ularidades estão entrelaçadas pelas suas diferenças e

desconeGMes, ou se7a, compilamse en9uanto um cont,nuo por "ariação=>, o 9ue as caracteriza como

transversalidade. ( 9ue as une, de al!uma maneira, é o fato de produzirem uma parada, um

estranhamento dentro da escola, se7a por parte do pr4prio professor, se7a por parte de outras pessoas

e forças institucionais 9ue compMem a escola. ( componente de entrelaçamento entre estas

sin!ularidades são 7ustamente as variaçMes diferenciais entre elas.  As singularidades& os pontos

 singulares& pertencem plenamente ao cont,nuo& embora não se%am cont,guasS$3 

5stas misturas de corpos, no caso de nosso trabalho, dizem respeito a todo este plano de

imanAncia sobre as 9uais passam linhas de sensaçMes, vibraçMes concretas e f?sicas. 6

impossibilidade e a a!ressão são palavras 9ue s4 !anham sentidos e força de sensação veross?mil no

 plano desta escola, com esta mistura espec?fica de corpos. )or isso, discutimos, a partir da fala das

 professoras, o fato de esta escola ser ciclada e, entretanto, as professoras não terem sido preparadas

a lidar com a fluidez e incerteza necessrias a este modo curricular. Colocamos em 9uestão, para as professoras, o fato de os ciclos escolares terem sido inclu?dos como componentes desta mistura,

colocandoas não sob uma liberdade de criação de suas educaçMes, mas sob a obri!ação de não se

 prenderem aos conte<dos e, em contrapartida, não terem nenhum instrumento 9ue aumentasse as

 possibilidades de transmissão de conhecimento. Falamos 9ue era como se as professoras a!ora

9? D<"F, %. / Do'ra – Lei'niz e o 5arro!o, /ampinas Papirus, 11 C p.29.9 D<"F, %. L6gi!a do 7entido, &ão Paulo Perspecti#a, 1?1 C p. 1.98 D<"F, %. G%"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia. Vol.= , $io de aneiro ditora 3, 119 C

p.2.91 D<"F, %. / Do'ra – Lei'niz e o 5arro!o, /ampinas Papirus, 11 C p. 38.?0 5d. C p.0.

31

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estivessem recolocadas num outro papel social ainda maior e mais pesado, 9ue não é mais o de

ensinar conte<dos marcados e certos, mas de dar conta de todas as problemticas 9ue advém de

forma incerta e ca4tica da realidade social dos alunos, da economia do pa?s, das pol?ticas de

inclusão, das situaçMes li!adas = violAncia e ao trfico de dro!as etc. Falamos de como era dado um

lu!ar demasiado pesado e in7usto a estas professoras ao sentiremse obri!adas, a!ora, a ensinar sem

 preparo al!um para um es9uema ciclado e, ainda, !raças a este es9uema, serem recolocados no

 papel de a!enciar uma enorme bola deformada de demandas, sob o preteGto de se ensinar a partir da

realidade do aluno. Lue fi9ue claro, não estamos fazendo uma cr?tica ao ensino ciclado, não

 pretendemos res!atar um conteudismo arcaico, nem nos colocar a favor ou contra a 9ual9uer

 pol?tica curricular. Dratamos a9ui, de recolher linhas diversas e plurais 9ue compMem as sensaçMes

de a!ressão e impossibilidade trazidas pelas professoras. ão as interpenetraçMes entre as linhas e

suas misturas com os corpos 9ue 9ueremos encontrar e eGpressar. 5stas linhas talvez se7am

componentes importantes de serem pinçados 9uando colocamos, paralelamente, a 9uestão das

 biometrias das professoras.

 +este sentido, brevemente comentamos com as professoras sobre a formação das sociedades

disciplinares, sobre o papel social imbu?do ao professor historicamente: apenas uma forma de

fornecer instrumentos de desnaturalização deste peso de responsabilidade 9ue é colocado =s

 professoras da contemporaneidade, polu?da de incertezas an!ustiantes, recheada de instabilidades

 perversas. *entro desta breve eGposição 9ue fizemos, procuramos falar do lu!ar de

responsabilidade totalitria em 9ue o professor sempre é colocado, diante do 9ual não eGiste

 possibilidade de não saber o 9ue fazer, de sentir desconforto, de sentirse incapaz de suportar

determinadas situaçMes, como as descritas por nossas professoras, em 9ue são obri!adas a manter o

controle da sala em momentos em 9ue a turma de alunos eGplode em caos e ru?do. Dentamos

colocar a necessidade 9ue os imposs?veis da realidade se7am problematizados sempre em relação

aos poss?veis desta realidade, 9ue são determinados tão somente pelas autorizaçMes impostas por

forças eGteriores E secretarias, ministérios, diretoria ou pelas pr4prias professoras, sobre simesmas. *esse modo, ao entrarmos em contato com esta escola e !rupo de professoras, estamos

falando de um plano cont?nuo, mas povoado de intensidades desconeGas.  A di"isão do cont,nuo

de"e ser considerada não como a areia em grãos& mas como a de uma folha de papel ou a de uma

t/nica em dobras&333?@ obrevoamos, portanto, um plano em 9ue uma compleGidade dissonante se

tece, em 9ue as 9uestMes curriculares, as violAncias da vila, o lu!ar atual de professor, a sensação de

impossibilidade e a!ressão, a reprodução das relaçMes m<tuas de 7ul!amento, são sempre, entre si,

elementos e linhas de força 9ue atuam concomitantemente como causas e efeitos uns dos outros,? 5d. C p.8.

0

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como 9uasecausas uns para os outros. Oamos definir estas duas linhas iniciais E a impossibilidade

e a a!ressividade da realidade E como as primeiras linhas, as linhas zero 9ue habitam nosso campo

de imanAncia, nossa plan?cie.

Pmpossibilidade e a!ressão serão as nossas primeiras linhas de fuga do "2o da bruxaS#, isto é,

sensaçMes produzidas nesta realidade 9ue inicialmente nos aparecem como um feitiço aprisionante,

mas 9ue 7ustamente nosso corpo e nosso pensar se!uirão para encontrarem nestas pr4prias

sensaçMes o ponto em 9ue se transformem numa linha de desfazimento e criação de possibilidades,

de construção de realidades dentro da realidade. 9ue um plano de imanAncia não é um lu!ar

indiferenciado primeiro ou natural, mas 7ustamente um traço 9ue se desenha em torno e por entre

uma diversidade de pontos. ) plano de iman+ncia como um corte no caos e age como um cri"o S,

ou se7a, este traço é um risco m4vel, 9ue define um campo sobre o 9ual os elementos vão correr e ir

ao limite e, também, um traço 9ue faz com 9ue cada elemento percorra todo o plano, cada linha de

sensação corra sobre todo o plano como uma formi!a embria!ada faz caminhos velozes e tortuosos,

sempre retornando sob formas novas, arrastando poeiras e pontos diferentes. 5ste plano sobre o 9ual

iniciamos um traçado é, como todo plano, <nico e, por isso mesmo, variação pura. e se!uimos =

a!ressão e a impossibilidade como linhas 9ue arrastam nosso pensamento, também, con7untamente,

levamos estas linhas a passarem, neste trabalho de escrita, pelo problema das biometrias, ou

eGpressividades corporais, de modo 9ue consi!amos li!ar pontos e criar intensidades novas. 5sta

 plan?cie, como vemos, sempre estar furtandose a si mesma, fazendose sempre novidade de si

mesma. )or isso mesmo, desenhar estas primeiras linhas se faz necessrio para 9ue disparemos este

movimento de dobramento.

?2 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 que + a ilosofia $io de aneiro ditora 3, 112 C p. 91.?3 5d.

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A medica#i%ação do corpo e as &biometrias'

Luando se per!unta 8o 9ue é o corpoR se clama por uma ciAncia, por um saber transcendente,

 por um especialista das maneiras de viver o corpo. ( corpo é isso, o corpo é a9uilo, ou então, o

corpo faz desta maneira, da9uela... 4 al!uém em posição eGtr?nseca =s relaçMes entre os corpos

estaria autorizado a definir o corpo, como se o corpo fosse um s4 para todos, definido e dado a

 partir de um saber ahist4rico e natural. Como se o corpo fosse uma entidade 9ue se pressupusesse a

si mesma en9uanto conceito na vida de todos. 0as é feliz o começo desse fim, pois mesmo o corpo,

é apenas um  corpo. 0esmo o corpo escapa de todos os lados. ( corpo 9ue destrinchou o *r.

0édico, o corpo 9ue eGercitou o *r. Fisioterapeuta, o corpo 9ue interpretou o *r. )sic4lo!o, o

corpo 9ue viciou o Plmo. r. )residente da 0aior 5mpresa de Ci!arros, o corpo 9ue ensinou o r.

)rofessor, o corpo sacrificado de Oossa 5minAncia o )apa... todos esses corpos se pretendem o

corpo, entretanto, são cada um, apenas um corpo, mais um corpo. 6inda assim, o 9ue 9uer cada um

destes corposR 6 serviço de 9ue estãoR

2m corpo é uma relação de forças, 9uer dizer, qualquer relação de forças constitui um

corpoSJ, de forma 9ue este corpo pode ser biol4!ico, 9u?mico, social, com tipos diversos de

compleGidade. e h pelo menos duas forças 9uais9uer 9ue este7am em relação, então h a? a

formação de um corpoSU. 6 partir disso, também dizemos 9ue um corpo produz um sentido. entido

este, 9ue é dado pela vontade desta força, ou se7a, pela sua maneira de apoderarse de outras forças.

2m corpo é uma força e uma <nica força é 7 sempre mais de uma, sempre 7 m<ltipla e, como tal,

 possui um valor, possui um sentido. A "ontade -"ontade de poder. o elemento diferencial de uma

 forçaSS, o 9ue 9uer dizer 9ue um corpo é definido pelos modos de apoderamento de 9ue este,

en9uanto força E m<ltiplas forças E tem vontade. 5sta vontade encontra seu sentido no campo de

outras forças 9ue, por outro lado, também dela 9uerem se apoderar. *a? 9ue uma força s4 pode ter

vontade sobre forçasSK e o sentido de uma força se encontra numa compleGidade de vontades de

apoderamento, de umas em relação =s outras. *este modo um saber 9ue dia!nostica ou eGamina um

corpo é também uma força i!ualmente compleGa, i!ualmente portadora de uma vontade, de umsentido sobre este corpo. ( sentido de um corpo 9ue é sabido por al!uma ciAncia ou especialidade é

dado pelas vontades destas forças 9ue dele se apoderam. ( saber e o conhecimento 9ue se tem de

um corpo é uma compleGidade com vontade de apropriaçãoS%. )ortanto, maneira pela 9ual um saber

se apropria de um corpo, diz do sentido deste saber, isto é, do sentido de sua vontade, assim como

? D<"F, %. $ietzs!%e e a ilosofia, Porto $Qs-ditora, 200 C p.?2.?9 5d. C p.?3.

?? 5d. C p.3.? 5d. C p.9.?8 !B"/A";, +. "esumo dos Cursos do Coll>ge de ran!e ?@AB*@A=, $io de aneiro orge Fahar, 11 C p..

2

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acaba por dizer o sentido deste corpo do 9ual ele trata de se apropriar. 5ntão, um corpo 7 diz, ele

mesmo, a serviço de 9ue est a partir das forças com as 9uais se conecta.

Luando se d o nome de 8biometria a al!uns eventos 9ue acontecem aos corpos, estamos =s

voltas com os saberes e poderes 9ue destes corpos se apoderam e sobre eles eGercem uma vontade.

e!undo o 9ue nos foi contado pelas professoras na escola em 9ue trabalhamos, 9uando de um

adoecimento E por hora tomemos como adoecimento de fato E o professor primeiramente vai a um

médico particular, para 9ue este lhe emita um atestado de licença médica. 5m se!uida, vaise =

direção da escola, 9ue emite um laudo assinado e, com o laudo e o atestado do médico particular em

mãos, vaise = per?cia médica da 05*, na 9ual o médico confere novo atestado para tornar vivel

a licença por doença. *evese salientar 9ue ao médico da 05* é proibido 9uestionar ao professor

o motivo e o tempo de licença, bem como não é permitido 9ue ele utilize o P*, o livro

internacional de referAncia para caracterização e nomeação das doenças. Fomos conhecer, dentro da

05*, o lu!ar em 9ue se conse!uem estes atestados e nos informar a respeito de al!uns dados

sobre as tais biometrias. ] de cara, o professor, ao se encaminhar = 05*, localizase através de

uma placa em 9ue est escrito 8etor 0édico. 5ste setor, entretanto, faz parte de um outro maior,

denominado 8-erAncia de a<de do ervidor 0unicipal, o 9ual na verdade est li!ado = ecretaria

0unicipal de a<de, mas fica dentro da ecretaria de 5ducação por ser esta a maior secretaria e,

talvez por9ue possua, ela mesma, uma !rande demanda de atendimento. *e todo modo,

funcionrios municipais de vrias outras secretarias se utilizam deste serviço dentro da pr4pria

05*, não são somente os trabalhadores da 5ducação. *entro da 05*, a placa 9ue indica este

setor médico traz escrito também 8Qiometrias, como forma de facilitar a localização das pessoas

9ue procuram este serviço 7 pelo nome pelo 9ual ficou conhecido. 5ntramos neste local e

encontramos l uma pe9uena sala, mobiliada de forma simples = maneira de um consult4rio médico,

com uma maca coberta com uma capa branca encostada em uma das paredes e uma mesa de

escrit4rio com uma cadeira de cada lado, uma para o médico e outra para o paciente. *o lado de

fora havia cerca de trAs cadeiras enfileiradas 9ue formavam um pe9ueno hall de espera para os pacientes.

6 partir disso, al!uns dados parecem interessantes de serem destacados. Pnicialmente, em

conversa com uma das servidoras da 05* da 859uipe de *esenvolvimento de )essoasS', ficamos

sabendo 9ue o nome 8biometria denomina o primeiro eGame médico realizado pelo funcionrio

municipal, 9uando é nomeado, para ser admitido e começar a trabalhar. 5ste eGame é uma espécie

de averi!uação !eral da sa<de do servidor municipal e é feito pelo mesmo médico 9ue emite os

?1 A 'uipe de Desen#ol#imento de Pessoas atua como uma espQcie de setor de recursos humanos, a 'ual nos foiindicada para o)termos informaçOes so)re as licenças de saRde.

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atestados para licença. Funciona mais ou menos como os eGamesmédicos feitos em clubes

esportivos e autoescolas e pelo fato de os atestados para os pedidos de licença serem conse!uidos

neste mesmo local é 9ue se instituiu chamar de biometrias o momento em 9ue o professor se

encontra afastado do trabalho por estar doente. 5ntretanto, o nome oficial destas licenças é 8Nicença

Dratamento de a<de ou ND. +a conversa soubemos 9ue eGistem trAs formas diferentes de

 pedidos de afastamento por parte dos professores, 9ue poderiam ser vistos como eGpressMes

distintas de um mesmo fenmeno: primeiro, as licenças curtas, de menos de 9uinze diasZ depois as

licenças prolon!adas, 9ue ultrapassam 9uinze dias de afastamentoZ e então as licenças curtas e

constantes, ou se7a, de tempo inferior a 9uinze dias, mas tiradas pela mesma pessoa e 9ue

acontecem com a fre9^Ancia de até trAs pedidos por mAs. 6s licenças superiores a 9uinze dias são

encaminhadas para outro local, o chamado 8)ostão do P6)P, um !rande posto de sa<de da cidade.

 +este posto são ar9uivados todos os documentos e pronturios relativos =s biometrias na chamada

8)er?cia 0édica, 9ue é parte da -erAncia de a<de do ervidor 0unicipal. 6 assessora da 05*

nos informou, também, 9ue as licenças prolon!adas e as curtasconstantes são as mais fre9^entes,

representando as 9ue assustam e preocupam tanto = 05* 9uanto =s escolas e =s suas diretorias,

 pelo volume de pedidos. Psso por9ue, 9uando acontecem estas licenças, as escolas ficam desfalcadas

de professores, dificultando !ravemente a or!anização, a redistribuição dos horrios de trabalho e o

cumprimento das aulas. )ara piorar a situação, a 05* s4 move um professor substituto 9uando a

licença ultrapassa trinta dias.

5stas informaçMes dizem respeito, então, ao modo como, no Bmbito institucional, se lida com

a9uilo 9ue se passa com os corpos das professoras e suas sensaçMes. 5stamos diante das destinaçMes

institucionais dadas =s sensaçMes dos corpos das professoras. ão modos de lidar e cuidar 9ue

necessariamente ditarão e produzirão uma ética, 9uer dizer, um modo de vida e um valor 9ue se

realizarão nos corpos, nas vidas cotidianas das professoras. *este modo, vemos a inclusão destas

sensaçMes num campo de saber 9ue se apodera e d sentido =s suas sensaçMes. ( sentido primeiro

dado a estas sensaçMes do corpo é imediatamente inclu?do no Bmbito das prticas médicas E mesmo9ue não se7a dado um dia!n4stico fechado de doença E, a sensação é primeiro pinçada sob este

modo de reconhecimento. *iante disso, vemos 9ue eGiste todo um preparado institucional promotor

de uma apropriação dos corpos por parte de um saber 9ue ir nomear seus movimentos e seus

afectos e dar si!nificados a partir de um saber 9ue se constitua sobre eles. Como destacava em aula

nossa orientadora neste trabalho de mestrado, a )rofa. *ra. +dia -eisa de ouza, os corpos vão

sendo posicionados pelos aparatos de poder tendo como instrumentos as formaçMes de saber 9ue

sobre eles investem. Oemos todo um direcionamento bem determinado para os corpos e para as suassensaçMes de dor e desconforto. )odemos dizer 9ue este direcionamento confere uma verdade aos

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corpos e, neste caso, esta verdade é médica, ou melhor, os corpos são posicionados dentro de uma

compleGidade 9ue os medicaliza, dia!nostica se!undo referAncias de um saber biol4!ico, or!Bnico.

Demse um lu!ar pronto, no a!uardo para 9ue os corpos nele caiam, mais ou menos como uma

arapuca para pssaros 9ue um menino travesso armou com um caiGote, um !raveto amarrado em

um barbante e um pouco de alpiste. como se 9uase não se fosse poss?vel escapar desta

compleGidade e de todo este aparato medicalizante, tornando 9ual9uer corpo sempre um corpo

 potencialmente inclu?vel dentro do universo de nomes, valores, instrumentos e estraté!ias 9ue o

transformam e o restrin!em a um corpo biol4!ico, or!Bnico e medicalizado. 5ntão, se olhamos para

este fenmeno das biometrias se!undo as noçMes de forças e de apoderamento de forças, lo!o

lembramos de um aspecto de importante desta9ue 9ue *eleuze traz de dentro do pensamento

nietzscheano: um fenmeno não é uma aparição ou uma aparAncia de um ente 9ue manifesta a

essAncia de um ser, mas um sintoma& que encontra o seu sentido numa força atual K$. 6ssim, a

 problemtica das biometrias pode ser vista se!undo dois pontos. )rimeiramente vemos 9ue ela é

uma relação em 9ue corpos se apoderam ou se relacionam entre si, de modo a resultar num sentido

 E no caso, o sentido 9ue faz dos corpos, corpos or!Bnicos e medicalizados E , sendo 9ue este sentido

é a natureza da vontade 9ue se sobressai de dentro desta relação entre corpos E ou entre forças.

*epois, em se!undo lu!ar, temos ainda 9ue a manifestação deste fenmeno é um sintoma, o 9ual

 7ustamente diz sobre a natureza ou sobre a 9ualidade da relação de forças estabelecidas nesta

realidade. ualquer força apropriação& dominação& exploração de uma quantidade de

realidadeK&3 

5m outras palavras, dir?amos 9ue este corpo das biometrias, eGistente dentro do fenmeno das

 biometrias, s4 o é a partir desta realidade de relaçMes 9ue se instituem como forças 9ue se apropriam

e eGercem este sentido espec?fico nos corpos. (s corpos, imersos em todo este aparato institucional

de !erAncias, setores, direcionamentos, encaminhamentos, laudos, atestados e pedidos são o pr4prio

sentido da relação de forças 9ue se estabelece, bem como são ainda o pr4prio sintoma da 9ualidade

das forças. )ortanto são corpos, concomitantemente, imersos numa relação de forças e emersoscomo sintoma desta relação, imer!idos en9uanto corpos medicalizveis e emer!idos en9uanto

corpos da biometria. Criase, assim, uma biunivocização, isto é, uma <nica moeda com suas duas

faces E o corpo medicalizvel e o corpo 7 feito biometria 9ue dão o valor dos corpos e os seus

sentidos, cada face pressupondo a outra e, disso, produzindo um efeito de naturalização para os

lu!ares 9ue os corpos ocupam, como se também este lu!ar fosse pressuposto, sem contar com

demais possibilidades de aborda!em da 9uestão. *a?, é preciso nos per!untar, com 9ue vontade ou

0 D<"F, %. $ietzs!%e e a ilosofia, Porto $Qs-ditora, 200 C p.8. 5d. C p.1.

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com 9ue outros corpos os corpos das professoras estão se relacionando 9uando se fala sobre as

 biometrias. Luais são, afinal, os corpos ou as forças 9ue estão a? em relaçãoR +ão são apenas o

setor médico, o documento 9ue atesta a licença, o médico, o consult4rio da 05*, a doença... e

falamos de relação de forças, falamos é de uma compleGidade 9ue é irredut?vel aos elementos

materiais 9ue desta relação fazem parte e também irredut?vel aos mecanismos de poder mais

evidentes. (s elementos materiais são apenas pontos de passa!em desta relação de forças, assim

como a medicina o é. 69uilo 9ue constitui de fato os corpos desta relação não é a simples

caracterização ou lista!em dos elementos 9ue dela fazem parte, senão as vontades eGpressas nos

movimentos 9ue os corpos realizam e são levados a realizar nesta realidade compleGa. (s corpos

são essa pr4pria vontade em estado vivo, são esta vontade em ação. )orém, é importante

sublinharmos 9ue o sentido de uma vontade é apenas o modo como essa vontade funciona 7unto

com as forças com as 9uais compMe, nada além disso, nada a decifrar, interpretar, descobrir... !omo

isso funciona: a /nica questãoK#3 5mbora as relaçMes não se restrin7am a seus componentes

materiais concretos, são eles em sua composição 9ue dizem das relaçMes e seu sentido. a anlise

materialista /nãodialética, mas 8poliética1 da superf?cie 9ue formam estas relaçMes 9ue dizem do

seu sentido, nada mais interior ou profundo...

Oe7amos, no 7o!o destas forças, 9ue eGiste então todo um corpo 9ue se faz possibilitador

 produtor de medicalização dos corpos E o consult4rio, o setor médico, os atestados, o médico, os

nomes cient?ficosbiol4!icos E 9ue não é passivo, ou se7a, mesmo em sua espera pela vinda do

 professor é também vontade em ação, ou ação de uma vontade, de uma força 9ue avança sobre os

corpos, pois constitui uma possibilidade dada e estabelecida de encaminhamento =s sensaçMes dos

corpos dos professores. 0as, notemos, por outro lado, 9ue a hist4ria também é iniciada de baiGo.

 primeiro o pr4prio professor 9ue se lança ao saber médico e pede um sentido pronto E vontade de

força sobre força, de ação sobre ação. 5videntemente, as professoras procuram estes médicos para

9ue possam cuidar destas sensaçMes 9ue são de fato desconfortveis e doloridas. 5ntretanto,

discutimos a9ui a colocação destas sensaçMes somente nos sentidos institu?dos e possibilitadossocialmente, sentidos tão naturalizados, feitos suposiçMes aos corpos. (s corpos são inclu?dos

eGclusivamente nestes sentidos e, o 9ue poderia ser apenas uma passa!em para auG?lio acaba se

tornando uma para!em, isto é, o setor médico, a licença, o atestado poderiam ser apenas lu!ares 9ue

o professor procura como pontos de passa!em das forças de seus corpos para compor com uma

força 9ue possa auGililos e produzir mais poss?veis e mais aberturas. )orém, o 9ue acontece, é o

contrrio: a problematização do desconforto e das sensaçMes do corpo param na medicina e em vez

de lu!ar de passa!em e cuidado, ela se torna lu!ar de para!em e escoramento, tanto 9ue lon!as2 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 /nti*Fdipo – Capitalismo e Esquizofrenia. $io de aneiro 5mago, 1? C p. 221.

?

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licenças, 9ue podem passar de al!uns anos, eGistem como casos eGtremos deste fenmeno, tanto

9uanto eGistem os muitos casos de licenças se!uidas no mAs. )or tal razão, também 9uestionamos

se estas sensaçMes não são apenas pe9uenas pontas de sin!ularidades 9ue despontam de dentro de

uma problemtica 9ue acontece dentro da 5ducação, mas 9ue também eGtrapola seus limites e, na

verdade, se encontra no cruzamento multifatorial e compleGo de in<meras 9uestMes sociais,

 pol?ticas, éticas e afetivas, as 9uais formam todo um universo, todo este nosso universo social.

9ue soubemos também 9ue a 05* ou 9ual9uer outra secretaria não dispMe de um serviço

ou pro7eto 9ue se proponha a cuidar K do educador a cuidar da9uele 9ue é também o cuidador de

uma forma mais rica, preventiva, humanizada e 9ue leve em consideração a compleGidade, a

historicidade, a especificidade e a !ravidade destes problemas de sa<de do professor. H ainda mais

al!uns fatos 9ue 7ustificam esta nossa colocação. 0uitos professores, os 9ue precisam se afastar por

al!uma doença mais renitente ou crnica, ficam esti!matizados, tal como ficam marcados os loucos

de um hospital psi9uitrico ou os velhos de um asilo. *entro destes casos, h a9ueles 9ue são

afastados da chamada re!Ancia de classe E a atuação em sala de aula pela recomendação do

médico e, como insistem em 9uerer trabalhar, são recolocados pela direção da escola em car!os

administrativos ou 9ue eGi7am menos 9ualificação, como forma de prAmio de consolo, de

silenciamento, ou como maneira de evitar 9ue este professor atrapalhe a boa eficiAncia e

or!anização da escola com sua persistAncia em se!uir trabalhando ainda 9ue limitado por

dificuldades. 6lém disso, soubemos 9ue eGiste al!o conhecido por 8licenças vin!ança, ou NO,

dentro das escolas, 9ue são a9uelas tiradas aparentemente sem razão evidente, mas 9ue são usadas

como formas de vin!ança a al!um conflito constitu?do 7unto com um !rupo de cole!as ou com a

direção da escola, para pre7u?zo da or!anização da escola, do andamento das atividades dentro dos

 planos traçados. Luanto a isso, a sensação 9ue nos fica é a de 9ue estas NO são apenas as

conse9^Ancias finais de não se disponibilizar um pro7eto de cuidado com a sa<de do professor, 9ue

não fi9ue restrito a uma consulta médica e a um pedido de licença. Como conse9^Ancia destas NO,

as professoras nos contaram de situaçMes constran!edoras 9ue uma delas havia presenciado: uma professora 9ue estava com o filho com problemas sérios de sa<de, \cheio de soros por todos os

ladosV, teve de lidar com muitos cole!as 9uestionando raivosamente o motivo de ter de passar tanto

tempo afastada.

H ainda os professores 9ue trabalham em mais de uma escola, sendo uma municipal e outra

 particular e, no entanto, s4 tiram licença na escola do munic?pio. Luanto aos motivos dos

afastamentos, também são muitos, não se limitando apenas a doenças: h professores 9ue saem por

3  /uidar a'ui não tem o sentido de #igiar, comumente atri)u*da ( pala#ra a'ui no $io %rande do &ul, mas sim de=elar, acolher para auiliar, acompanhar com delicade=a.

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estarem com filho ou al!um membro da fam?lia doente, h as professoras !rvidas 9ue saem para

!anhar o bebA, assim como, posto 9ue ao médico da 05* é proibido 9uestionar o motivo da

licença, h a9ueles professores 9ue se afastam sem terem de fato al!um familiar doente ou sem de

fato estarem eles mesmos enfermos. Dais fatos são sabidos por redes de comunicação informais 9ue

naturalmente sur!em entre os professores, as escolas e a 05*, bem como muitas vezes acontecem

den<ncias diretas = 05* por parte de cole!as e diretores, 9uando destes casos.

)or isso tudo, entendemos 9ue a colocação desta 9uestão na compleGidade do aparato médico

oferecido institucionalmente também não é somente um problema de produção de corpos

medicalizados. Oemos também uma produção de uma relação 9ue não se limita =s vontades das

forças médicas, mas 9ue encontra nestas, ao invés de um lu!ar de potAncia e continuidade de fluGo,

um lu!ar de fechamento e esta!nação das forças. *este modo, a doença or!Bnica e biol4!ica não

fica apenas como um entre outros pontos de avaliação 9ue contribuam para a problematização

compleGa do fenmeno das biometriasZ pelo contrrio, ela se torna um lu!ar de aporte para um 7o!o

de poder, um porto de !ua parada e navios enraizados. 6s doenças, ou os corpos feitos corpos

8biometrizados não se tornam um sintoma ou sinal 9ue a7ude a avaliar a 9ualidade das relaçMes

 produzidas na 5ducação, nesta escola, ou em nossa hist4riaZ ao invés disso, se produz um

fechamento e uma dependAncia, nas 9uais os corpos saltam de instituição em instituição, sem 9ue se

olhe para os tipos de valores e relaçMes 9ue tAm sido fabricados em seus encontros mais imediatos e

cotidianos. 6 presença de um setor médico e da simples criação das licenças não deveria substituir a

 possibilidade de mais açMes 9ue possam cuidar deste adoecimento constante dos professores. 6

eGistAncia dos esti!mas dos professores doentes, ou o uso aparentemente leviano das licenças, é

apenas efeito final de uma problemtica 9ue é tratada eGclusivamente como problema do corpo

or!Bnico. 6 presença de um poder tão inchado como o da medicina no 7 restrito le9ue de serviços

de atendimento ao professor faz cair num terr?vel fechamento, numa satisfação com a miséria, a

9ual resulta nesta relação poderosa de professores 9ue se ap4iam nas licenças prolon!adas, ou 9ue

se afastam do trabalho da escola municipal sem sair da escola particular. 6 presença poderosa damedicina impede 9ue outros serviços possam ser criados institucionalmente.

*estacamos, então, o fato de serem as pr4prias professoras 9ue procuram o médico da 05*,

ou se7a, são elas mesmas as primeiras a buscarem o lu!ar institucionalizado da medicina como

territ4rio de acolhimento para seus corpos. +ão se trata, com isso, de uma medicina 9ue vem de

cima, mas de um saber 9ue é tecido primeiramente a partir do cotidiano de uma escola, um sentido

9ue é produzido a partir dos pontos menos verticalizados e 7ur?dicos das relaçMes de poder,

ultrapassando os lu!ares mais vis?veis desta relação. entimonos a9ui, =s voltas com al!uns dos

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alertas 9ue Foucault faz sobre a maneira de se realizar uma anal?tica do poder KJ: não analisar as

relaçMes de poder como se fora um fenmeno maciço de dominação de uma classe ou !rupo social

sobre outro E afinal, não é s4 a medicina 9ue se impMe ou penetra a educação, mas também os

 professores 9ue retroalimentam este poder médicoZ não limitar o poder = aparelha!em 7ur?dica 9ue

cada poder possa instituir para si E dado 9ue todo o aparato institucional 9ue a 05* e a ecretaria

da a<de oferecem não dizem tudo nem de toda a força do poder médico e do poder da )eda!o!ia,

nem da relação espec?fica com os corpos dos professores com estes poderesZ não procurar o centro

do poder, ou a9uele 9ue o possui, pois este al!uém ou este centro ineGiste: devese considerar

também todas as infiltraçMes não cate!orizveis 9ue compMem as relaçMes entre os corpos. +o caso

de 9ue tratamos a9ui, h sempre poderes m<ltiplos, dentre os 9uais um si!nificativo é a medicina.

(utro alerta de Foucault sobre os poderes é o de sempre estudar o poder l onde ele se faça mais

cotidiano, capilarizado, menos institucionalizado, mais efetivamente prtico, plstico e

imediatamente conectado a seu alvo ou ao seu, assim entendido, ob7eto, 7 9ue nos vemos diante de

um processo muito mais dinBmico 9ue uma simples confi!uração de leis e re!ras de conduta

estabelecidas por al!uma entidade de comando: encontramos uma série de fatores microrelacionais

se multiplicando e complicando a anlise desta hist4ria.

5ntão, temos inicialmente 9ue a codificação destes eventos através dos nomes médicos

 provém de uma vontade primeira das pr4prias professoras, a 9ual, provavelmente, não é uma

vontade de medicalização, mas de territorialização aos afectos estranhos 9ue são sentidos em seus

corpos. )ois bem, se outrora dissemos 9ue os corpos, em suas misturas é 9ue produzem efeitos,

ve7amos como essa vontade 9ue parte de baiGo, do plano mais cotidiano, é produzida social e

historicamente, nas misturas sociais das forças 9ue compMem estes corpos, nas misturas 9ue vão

 para além da relação mais macrosc4pica do professor com a 05* e com o aparato institucional

médico espec?fico oferecido pela ecretaria da a<de na forma deste setor médico. )er!untamos

nos de 9ue modo, afinal, esta vontade pode ser de um lado, como vemos, poder de uma força E

sensação no corpo E 9ue se lança sobre outra força E saberpoder médico E e, de outro lado, étambém efeito de uma vontade ainda mais compleGa, a malha do saberpoder médico, sobre a

vontade cotidiana, individual, das sensaçMes do corpo e a reviravolta destas sensaçMes do corpo 9ue

fazem um uso do poder da medicina, pondo em movimento um funcionamento espec?fico. 2ma vez

9ue o corpo do professor clama por um lu!ar poss?vel =s suas sensaçMes, de 9ue modo a este corpo é

informada a possibilidade de dar sentido =s suas sensaçMes medicalizandoseR *e outra maneira,

 per!untamonos 9uais condiçMes de possibilidade tornam historicamente vivel 9ue em nosso

campo social a primeira via de territorialização destas eGpressMes do corpo se7a a medicina, ou este !B"/A"<;, +. Mi!rof4si!a do Poder , $io de aneiro %raal, 2000 C p.82 e 83.

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compleGo aparato 9ue limita o corpo e suas eGpressMes ao corpo or!Bnico, cient?fico, biofisiol4!ico

e oferece a ele também o poder de se utilizar de al!uma maneira desta relação, sustentandoa e

realimentandoa tão restritamente dentro deste sentido.

Luando dizemos 9ue h uma vontade das forças, distanciamonos de pensar 9ue h uma

intenção consciente do saber médico em investir os corpos das professoras ou viceversa. 6 relação

entre estas vontades é, ao mesmo tempo, mais sutil e mais compleGa, pois o investimento das forças

sobre os corpos se d de forma imediata, se!undo prticas efetivas e reais, mais do 9ue ideol4!icas

ou abstratas. 6ssim também, ao notarmos o tropismo dos corpos em direção ao saber médico não

 pretendemos culpabilizar as professoras, mas sensibilizarmonos com o fato de 9ue o investimento

deste saber médico se d em n?veis capilares, locais, comezinhos, muito mais do 9ue nos n4dulos de

 poder, de forma 9ue se trata de uma relação transversal de poder e não de uma coerção vertical.

6lém disso, parece ser a relação com o poder médico um <nico e restante territ4rio poss?vel do 9ual

se arranca ainda al!uma força para um problema 9ue é vivido na carne e no corpo de cada

 professora e 9ue, contudo, tem variveis e 9uestMes as 9uais ultrapassam de lon!e o nicho social

ocupado pela medicina /e pela peda!o!ia a? também envolvida1 e, por isso mesmo, deveriam ser

cuidados de outra maneira. 5ntão, o 9ue podemos dizer de in?cio é 9ue a colocação destas sensaçMes

no Bmbito da doença e da medicina é por si s4, individualizante, 7 9ue a problematização destes

eventos é feita solitariamente, individualmente, cada professor com sua sensação, seu desconforto e

seu médico E ou até seu psi9uiatra como se fosse um problema atmico e não molecular, como se

se tratasse da vida de cada um apenas e não das relaçMes entre as vidas, entre as formas de vida

 produzidas pela )eda!o!ia, por esta escola, pelo 5stado, por n4s todos en9uanto forças ativas do

campo social.

0esmo sabendo 9ue esta 9uestão da produção de corpos da biometria transborda o Bmbito do

 poder médico, ve7amos como este poder se faz poss?vel e se torna este lu!ar tão poderoso de

 passa!em para as relaçMes e forças dos corpos, a ponto de se tornar uma espécie de redemoinho em

9ue os pr4prios professores parecem se ancorar e do 9ual parecem também retirar al!um poder Evin!arse da escola, en!anar o aparato institucional, desor!anizar uma série de planos.

FoucaultKU, bem destaca 9ue a medicina é um investimento m<ltiplo e social, ou se7a, ela a!re!a

tra7etos e saberes de diversas outras ciAncias E publicidade, 9u?mica, 7ornalismo, biolo!ia E e insere

se diretamente na multiplicidade do campo social. 6 medicina é uma das estraté!ias de controle da

multiplicidade, isto é, de controle das misturas ca4ticas dos corpos no campo social.  A medicina

uma estratgia biopol,ticaKS3 Historicamente, a medicina teve trAs momentos 9ue tornaram poss?vel

95d. C p.80.? 5d.

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sua penetração capilar e difusa no campo social. Pnicialmente veremos 9ue a medicina realizou todo

um lento e constante processo de penetração no cotidiano da população. Foucault diz 9ue é

importante 9ue tenhamos a noção de 9ue a medicina moderna não é individualista, como se costuma

 pensar, apesar do fato de seus efeitos serem individualizantes. 5m realidade, a medicina moderna é

eGtremamente social, pois todo o investimento do poder /nos séculos _OPPP e _P_1 foi sobre o

corpo, sobre o somtico, sobre o biol4!ico. 6 sociedade capitalista investiu antes de tudo sobre o

corpo, fazendo deste corpo uma realidade biopol?tica. *a? 9ue a medicina, como saber 9ue tem o

corpo como ob7eto central de seu investimento, é também uma estraté!ia biopol?tica. +unca houve

 primeiro uma medicina privada, cl?nica e depois uma medicina estatizada, social, controlada por

forças pol?ticas. 6 medicina, desde seu in?cio, é social, pois foi necessrio 9ue a noção de 5stado se

formasse para 9ue sur!isse a preocupação com a administração sanitria da população.

e!undo Foucault, a medicina 7 nasce estatizada, 7 nasce pol?tica e social, pois é 7unto com

a noção de um administrador !eral um investidor na população en9uanto um corpo unificado 9ue

sur!e a vontade de um controle sobre a sa<de da população. )ara tanto, uma importante

normalização da prtica e do ensino médico começou a ser posta em ação. ) mdico foi o primeiro

indi",duo normalizado333KK 2ma or!anização administrativa para controlar a atividade dos médicos

foi constru?da, ou se7a, criase um tipo de ministério. Com a noção de 5stado, sur!e a primeira

 penetração mais capilarizada da medicina pelo tecido social, pois reforçar a medicina seria também

 poder reforçar este esp?rito de 5stado e a capacidade de intervenção no corpo da população como

um todo. 5sse 4r!ão também ficaria responsvel por emitir ordens em função dos dados

acumulados. ;ubordinação& portanto& da prática mdica a um poder administrati"o superior K%3

 +este sentido de normalização da classe médica, o 5stado passou a nomear médicos 9ue seriam

administradores sanitrios. Haveria, assim, desde médicos responsveis por um pe9ueno distrito de

seis ou dez mil habitantes, até os oficiais médicos, 9ue cuidariam de uma re!ião muito maior. Psso

tudo acontece primeiro na 6lemanha.

5m se!undo lu!ar, na França, afirma Foucault 9ue a medicina tomara o social através não da

estatização, mas de outro acontecimento marcante, a urbanização. Nançase mão do modelo de

9uarentena, no 9ual a cidade toda é posta em vi!ia, sendo dividida e percorrida por inspetores 9ue

entravam nas casas, eGilavam os doentes, mantinham as pessoas em suas residAncias para 9ue se

verificasse a eGistAncia de mais enfermos, desinfetavase os cmodos. ( crescimento das cidades

marca o aparecimento uma numerosa 9uantidade de pe9uenos pBnicos coletivos E pelo sur!imento

de fbricas, aumento de cemitérios, cadveres e tensMes pol?ticas li!adas ao aparecimento de uma

 5d. C p.83.8 5d. C p.8.

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 plebe transformada em proletariado. OAse, portanto, 9ue medicalizar a cidade consistia em

distribuir os indiv?duos, isollos, vi!ilos, constatar o estado de sa<de de cada um, recortando o

espaço urbano, es9uadrinhandoo e percorrendoo com olhar minucioso e controlador, 9ue a tudo

re!istrava um disciplinamento dos corpos atuando em meio aberto, um primeiro sinal da passa!em

de uma sociedade disciplinar para uma sociedade do controle a céu aberto. 6 9uestão era fazer

 penetrar o controle em todos os meandros sombreados da cidade, por em evidAncia, trazer aos olhos

do poder, do re!istro. ]ustamente o olhar 9ue, ao fabricar uma superf?cie de saber E tudo o 9ue era

visto era re!istrado para a prefeitura se torna capaz de eGercer poder. 2m modelo militar,

estraté!ico, 9ue ob7etivava localizar os pontos de amontoamento, ac<mulo e confusão, os 9uais

representavam peri!o de transmissão de doenças. *esse modo, aparece também um novo ob7etivo

da medicina das cidades: controlar as circulaçMes, os fluGos das coisas, essencialmente o ar e a

!ua. 5ra preciso 9ue se permitisse = !ua e ao ar circularem sem impedimentos, para 9ue não se

esta!nasse e se contaminasse com os es!otos. 5ntão, constroemse corredores de ar e !ua por toda

a cidade, muitas vezes desapropriando pessoas 9ue por ventura tivessem constru?do suas casas sobre

os rios.

 +este momento é 9ue sur!em os planos hidro!rficos das cidades e a 9uestão da propriedade

do subsolo, nas 9uais ficavam as caves das casas. ( subsolo passou a ter 9ue ser controlado pelas

autoridades pol?ticas, em nome de se promover melhores meios de direcionamento do es!oto. +este

sentido, Foucault diz 9ue a prtica médica, ao intervir no espaço urbano, pde a!re!ar ao seu saber

e = sua ação, o saber e a ação de diversas outras ciAncias, tais como a ar9uitetura e a 9u?micaZ e

também talvez a en!enharia, a !eo!rafia. 0ais adiante, !raças = 3evolução Francesa e =s a!itaçMes

sociais da Pn!laterra E onde a 3evolução Pndustrial fez crescer a plebe operria E, o pobre passou a

ser visto como capaz de revoltarse e participar de confusMes reivindicativas. 5m )aris, ainda houve

em &%# a c4lera, 9ue se concentrou sobre a população proletria, levando = decisão de se repartir o

espaço urbano entre pobres e ricos. 6ssim, num terceiro momento da capilarização da medicina

sobre o plano social, lançavase a ei dos pobres na Pn!laterra, 9ue ob7etivava dar assistAncia e

a7uda médica aos pobres, de forma a satisfazAlos em sua necessidade de sa<de. 3essalva, Foucault,

entretanto, 9ue se trata de uma medida amb?!ua, 9ue serve também para controlar os pobres e

!arantir 9ue as classes ricas ficassem prote!idas e separadas do proletariado. 2m cordão sanitrio

autoritrio é estendido por toda a cidade, dando assistAncia !ratuita ou pouco custosa aos pobres e

 possibilitando 9ue os ricos não fossem v?timas das epidemias vindas da classe baiGa. )or essa razão,

Foucault lembra 9ue não se trata de cuidados médicos, mas de um controle médico da população.

]unto dessa Nei dos pobres, eGistiu a health ser"ice, 9ue buscava localizar os poss?veis focos de

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contaminação e obri!ava todos a se vacinarem e a declararem 9uando tinham se conta!iado com

al!uma doença peri!osa.

*este modo, encontramos um poder e um saber espec?ficos penetrando ponto a ponto, canto a

canto o plano social, de modo 9ue, se torna 9uase indecid?vel estar ou não atravessado pelas forçasdeste poder: se torna habitual ter o corpo medicalizado. 2m saber médico 9ue, assim, é também

disciplinar, além de biopol?tico. empre se est sendo produzido en9uanto corpo do poder médico,

 por9ue este corpo medicalizado se tornou cotidiano, se transformou numa presença sempre sendo

 produzida, se7a em um enorme cartaz de campanha contra a den!ue, se7a em um pro!rama de

culinria 9ue atualmente aproveita para dar dicas sobre o ferro 9ue contém a farinha de tri!o do pão.

 +ão se é medicalizado somente no hospital ou na consulta individual do médico. 6 medicalização

acontece na escola, na relação com a mãe 9ue ordena comer le!umes, no prazer de um io!urte, na presença aparentemente insi!nificante do sabonete l?9uido no lavabo do restaurante. 0esmo 9uando

se est na presença de uma parede podese estar sendo medicalizado, caso, por eGemplo, se este7a

 pintando a parede de branco para se demonstrar hi!iene... 6ssim, podese dizer 9ue a todo tempo se

est sendo produzido en9uanto corpo da medicina, corpo or!Bnico, corpo controlado,

incessantemente ameaçado por doenças, insistentemente fra!ilizado pelo suposto peri!o de eGporse

ao mundo. *e outro modo, podese dizer 9ue se est ainda, eficazmente sendo desmontado,

desterritorializado por este poder de predizer a sa<de ou a doença, a vida e a morte. 6lém de uma

 produção de corpo, o poder médico é também uma desterritorialização, uma forma de desarran7o da

carne, um tipo de invasão desconstituidora da matéria.

6inda 9uanto = medicalização do campo social, destacamos 9ue os bens dos hospitais, os

9uais eramK'  das instituiçMes reli!iosas, foram apropriados pelo 5stadoZ decidiuse ainda

descentralizar os meios de assistAncia, de forma a tornar a administração da9ueles bens mais eficaz.

5ssa descentralização, então, abre espaço para uma medicalização dos serviços sanitrios p<blicos,

 7 9ue ser um médicoma!istrado o responsvel por cuidar da sa<de de re!iMes determinadas,

desautorizando, assim, os serviços caritativos dos lei!os. No!o, desapropriar as instituiçMes

reli!iosas era uma forma de fazer a medicina começar a centralizar os serviços sanitrios através do

5stado%$. (s médicos se tornariam a fi!ura principal dos hospitais e não mais as freiras. aberes

locais e medicinas emp?ricas realizadas por pessoas pr4Gimas =s comunidades são desautorizados.

6lém do papel de técnico da sa<de, o médico desempenhar também uma função de administrador

econmico na repartição dos auG?lios. 6ssim, se d também um papel moral, administrativo e 9uase

 7udicirio ao médico. )odese dizer, ao médico é dado o papel de conduzir e sobrecodificar para

1 +uitos hospitais, mesmo atualmente, ainda são propriedades da 5gre@a, especialmente os pri#ados.80 !B"/A"<;, +. 2 $as!imento da Cl4ni!a, $io de aneiro !orense "ni#ersitária, 18 C p. 3.

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além da abran!Ancia do seu campo de saber. neste sentido 9ue a relação de poder parece

ultrapassar o saber em termos de capacidade de intervenção. 69ui, vemos inverterse o par saber

 poder em um podersaber, ou se7a, num momento sutil, o poder 9ue se obtém a partir do saber sobre

o corpo e sobre os modos de curar tornase primeiro em relação a este saber, de modo 9ue sua força

de afetar se eGpande a ponto de eGercerse inclusive sobre problemas não médicos, ou não

eGclusivamente médicos: medicina 9ue invade a fam?lia, as escolas, os 4r!ãos do corpo. 9ue o

 poder, em relação ao saber, produz verdade, 7 9ue faz ver e faz falar %&. +o caso de nossas

 professoras, 9ue ora acusam uma dor s<bita e desconhecida no ombro, ora dizem de uma enGa9ueca

terr?vel presente somente nos dias de fol!a da escola, vemos o poder da medicina efetivarse no

sentido não apenas de transformar uma 9uestão m<ltipla e molecular em sintoma do corpo or!Bnico,

mas ainda de fornecer um campo de sentido e identidade para sensaçMes do corpo 9ue dizem de um

 processo de problematização, desterritorialização e 9uestionamento dos modos de ensinar, viver,

conduzir o institu?do, promover relaçMes e trabalhar no campo educacional. *a? 9ue entre poder e

saber h uma relação de pressuposição rec?proca e até de primado de um sobre o outro %#. ( poder é

da ordem das forças, das mobilidades infinitamente microf?sicas, moleculares, o 9ue lhe faz a!ir

sobre materialidades nãoformadas, ou pontos de infleGão de forças sobre forças. ( saber a!e, por

outro lado, sobre estratos, ou campos vis?veis e concretos de percepção, formando superf?cies de

re!istro, camadas documentrias e institucionais. ( saber é ação sobre as paradas das moléculas,

dentro de seus limites. ( poder é, no entanto, dia!ramtico, afeta linhas de força moventes, sendo

assim, capaz de ir com sua força para além dos limites dos estratos.

6s pol?ticas de sa<de, desde o século _OPPP, portanto, ofereceram = medicina um lu!ar

 privile!iado en9uanto tcnica geral de sa/de%. 2ma pol?cia médica se torna responsvel por esta

tarefa de controle nas a!lomeraçMes e amontoamentos das pessoas. ( iderio das Nuzes abominava

a escuridão, a sombra. 5ra preciso trazer tudo = luz, ao espaço vis?vel e aberto para 9ue se pudesse

conhecer. 6s trevas fechadas eram s?mbolos do despotismo. 5m tempos iluministas tudo deveria vir

= luz. ) despotismo tem necessidade de tre"as& mas a liberdade& toda radiante de glória& só pode

 subsistir quando cercada por todas as luzes que podem esclarecer os homensB43  *este modo, no

sistema urbano, vão se isolando locais espec?ficos de medicalização ur!ente, locais de eGerc?cio de

um poder médico intensificado. neste per?odo 9ue se realiza uma severa normalização também

dos 9ue praticavam medicina, estando entre estes, os médicos aldeMes, os charlatães, os médicos

sem formação oficial, mas 9ue faziam uma medicina aprendida em fam?lia, médicos feiticeiros etc.

8 D<"F, %. ou!ault , &ão Paulo 4rasiliense, 2009 C p.10.

82 5d. C p. 8.83 !B"/A"<;, +. Mi!rof4si!a do Poder , $io de aneiro %raal, 2000 C p. 202.8 !B"/A"<;, +. 2 $as!imento da Cl4ni!a, $io de aneiro !orense "ni#ersitária, 18 C p.2.

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5ntão, mais tarde se define 9ue 9ual9uer pessoa 9ue eGerça a medicina sem haver feito os eGames

das escolas ou ter passado perante 7<ris especiais, se7a condenada a uma multa e = prisão, em caso

de reincidAncia. *esse modo vai se pressupondo e delimitando a forma se!undo a 9ual se definiria o

trabalho de al!uém 9ue pretendesse cuidar de doenças ou promover sa<de. Oemos a?, desta vez, um

 podersaber mais 9ue um saberpoder da medicina estrate!izarse manipulando seus pr4prios

saberes e relaçMes, de forma a ser a <nica classe autorizada a inserir instrumentos nos corpos e a

emitir sentidos, to9ues, cortes, eGames, olhares e falas em nome do discurso sanitrio de proteção

ao corpo. Dodo o tipo de saberes e prticas locais ficam desautorizados ou são obri!ados a passarem

 pelos modos de saber 9ue a medicina impMe. (s médicos fortalecemse corporativamente e, ao

vi!iaremse entre si, dentro de seu pr4prio !rupo, !anham ainda mais força e independAncia, pois se

livram da necessidade de fiscalização por parte de um 5stado eGterior = sua classe. 6s visitas

domiciliares dos médicos vão sendo priorizadas em relação =s internaçMes hospitalares, as 9uais

 passariam a s4 poder acontecer sob ordem de um médico. Com este aumento das visitas nos lares,

aumentase também o poder de penetração da medicina no espaço social, nas relaçMes e nos lu!ares

cotidianos e ?ntimos.

)ortanto, vAse como o podersaber médico, entre outras formas de saber sobre o corpo, fi!ura

como estraté!ia privile!iada de eGerc?cio de poder sobre o corpo, 9ue atravessa todo o tecido

molecular do social, tendo na 9uestão da sa<de uma força pol?tica sutil e eficiente de controle

social. esta penetração minuciosa e realizada 7 h trAs séculos 9ue resulta na restrição do

 problema do adoecimento dos professores dentro do nome de biometrias. Luando nos estendemos

desta maneira sobre parte da hist4ria do podersaber da medicina, o fazemos para 9ue tenhamos

al!uma noção de como este poder se espalhou e invadiu nossas vidas formando uma força difusa,

eGtensa e abran!ente e, ao mesmo tempo, eGtremamente centralizadora E e não central E a 9ual a!e

como um redemoinho 9ue atrai tudo a9uilo 9ue diz do corpo. ( discurso da sa<de fi!ura, através da

consolidação e apoderamento da medicina, como estraté!ia de controle da população, contentora de

revoltas e desordens de todo o tipo, não apenas sanitrias, mas também administrativas,

econmicas.%U ( podersaber da medicina se torna força central de estrate!ização destas pol?ticas

sanitrias. 6 pol?tica de sa<de do século _OPPP, com a idéia de descentralização hospitalar, se

 baseava na presença eGtensiva dos médicos por todo o corpo social. *a? temos o podersaber

médico instalandose como presença perene em todos os pontos do tecido social, de forma 9ue é

imposs?vel escapar de seu modo de encarar as manifestaçMes corporais, é imposs?vel 9ue 9ual9uer

 per!unta sobre o corpo se7a feita sem 9ue se passe pelos valores do corpo produzido pelo poder

saber médico. Luando as professoras de uma escola medicalizam suas sensaçMes, o 9ue vemos é89 !B"/A"<;, +. Mi!rof4si!a do Poder , $io de aneiro %raal, 2000 C p.03.

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apenas a eficiAncia de uma relação de poder 9ue se cotidianizou, se tornou impercept?vel e invis?vel

 pela presença constante e ininterrupta E paradoGo da invisibilidade do poder. +ão cremos,

obviamente, 9ue estes problemas não devam ser tratados com o auG?lio da medicina. Luestionamos

a9ui a eGclusividade e centralidade de 9ue o podersaber da medicina se tornou capaz. 5mbora o

 poder não se7a centralizado, seu efeito é centralizador, monopolizador. ( poder a!e

se!mentarizando as linhas de força, de modo a serem compartimentadas em c,rculos%S 

homo!eneizantes 9ue atuam !eneralizando e i!ualando linhas completamente distintas umas das

outras. +ão são c?rculos concAntricos, mas seus centros ressoamse entre si, como uma diversidade

multiplicada de buracos ne!ros, produzindo um ponto m4vel de acumulação.

6 medicina é apenas um destes c?rculos 9ue ressoam como uma cabeça si!nificante 9ue se

desloca por todo o campo social e, no entanto, permanece invariante, sedentria, sobrecodificandotoda espécie de movimento sob um mesmo funcionamento. 6 medicina, como podersaber

especialista das dores e eGpressividades do corpo traz para dentro de seu c?rculo 9uestMes dos

corpos relacionadas a uma multiplicidade muito mais compleGa 9ue permite conceber seu saber, tais

como o modo de or!anização do trabalho na escola, a formação dos profissionais da peda!o!ia, o

modo de relação afetiva das professoras entre si e com seus alunos... )or eGemplo, um ponto 9ue

chama a atenção é o fato de professoras do ensino de 6rtes serem as mais afli!idas por doenças e

necessidades de afastamento prolon!ado e cont?nuo. oubemos ainda 9ue h muitos casos de

 professoras 9ue saem do ensino p<blico do estado e, ao começarem a trabalhar no munic?pio,

adoecem. 6ssim, também a diversidade de prticas 9ue poderiam contribuir para cuidar destas

sensaçMes nas professoras fica rene!ada a um lu!ar de saber mar!inal, secundrio, inferior. Danto os

outros saberes tidos como pertencentes da rea da sa<de como Fisioterapia ou )sicolo!ia, 9uanto os

saberes e prticas locais constitut?veis no interior do 7o!o de relaçMes locais E da escola, da

comunidade, do !rupo de professoras E são lançados para lon!e de suas potAncias. 6 compleGidade

 pol?tica, ética, valorativa e cultural do problema de professoras de 6rtes adoecerem mais fica

reduzida a uma ida ao médico, fica limitada a uma aborda!em biol4!ica.

6 medicina, como especialidade 9ue diz do corpo deveria é servir como abridora de poss?vel

 para as dores e eGpressividades dos corpos e não ao contrrio, como ocorre, dos corpos estarem

submetidos a seu podersaber e de estas problemticas serem simplesmente arrastadas para dentro

dos limites do ralo de seu modo de a!ir, produzir sentido e valorar os corpos e fazendoos

apoiaremse sobre este poder, tamanha a restrição colocada. 6ssim, criase no campo social, uma

série de en9uistamentos de fluGo, lu!ares nos 9uais as forças dos corpos são levadas a se acumular e

8? D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 3, $io de aneiro ditora 3, 11?  *p.8?.

9?

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se esta!nar: uma acumulação das possibilidades ao corpo sobre os lu!ares estabelecidos de

 passa!em pela medicina, pela si!nificação dentro do corpo or!Bnico. 6ssim, tanto a medicina cria

um corpo das biometrias, como também produz uma determinação hist4rica para o lu!ar das

doenças e uma sobredeterminação ética e pol?tica para os corpos, a 9ual é ainda, poder?amos dizer,

uma impossibilitação, 7 9ue faz encolher outras formas de ação, avaliação e 9uestionamento dos

 problemas li!ados =s sensaçMes do corpo: uma impossibilitação ética e pol?tica para os corpos. (

9ue 9uestionamos, portanto, é sobre a possibilidade da pr4pria escola, ou das pr4prias professoras

 produzirem superf?cies de cuidado e zelo por seus corpos, 9ue autorizem a si mesmos a per!untarse

sobre os valores, os sentidos, as éticas e os modos de relação 9ue seus corpos tAm produzido,

incluindose nisso, a possibilidade apoderarse do podersaber médico, desta vez, colocandoo a

serviço de suas 9uestMes.

)ropomos então, nos per!untarmos pelas biometrias, não a partir da referAncia sempre tão

 pressuposta E ou até entreposta, 7 9ue h uma forma de invasão do podersaber médico aos espaços

de eGpressão dos corpos de 9ue se7am problemas de um corpo individual e or!Bnico, mas de um

corpo coletivo e afectivo, um corpo feito feiGe m4vel de força 9ue prioriza as sensaçMes

en!endradas pelo encontro com outros corpos e com o mundo. Falamos do exerc,cio de pensar a

materialidade existente sem as categorias -333. fabricadas e institu,das nas práticas discursi"as da

biologia& da medicina& fam,lia& m,dia 333%K *e modo 9ue as eGpressividades do corpo reconhecidas

 por biometrias são signos%%, ou se7a, efeitos dos corpos afectados e afectantes, "est,gios de um corpo

 sobre outro%'. bom dizer, estes si!nos não eGpressam causas diretas, como dizer 9ue a depressão

ocorre por causa de falta de serotonina E resposta mecanicizante e medicalizante ou ainda, 9ue

uma dor de cabeça acontece !raças a uma ausAncia no eGerc?cio de refleGão E resposta sub7etivante

e psicolo!izante. 5stes si!nos, = maneira de um *eleuze nietzscheano, são sintomas'$, 9uer dizer,

tratase de forças eGpressas 9ue dizem de uma malha compleGa de forças e de uma ética, ou de

valores 9ue inau!uram estas forças e ao mesmo tempo se imprimem sobre elas, direcionandoas.

5stes sintomas nos levam não a respostas, mas a problemticas. ( sintoma não tem nada a ser

interpretado, ele não 9uer dizer nadaZ diversamente, ele imediatamente afirma al!o, afirma a

impressão de forças sobre forças, de corpos sobre as luzes de outros corpos, inventa realidades

aliadas a valores e sentidos. )or isso, é preciso compreender este sintoma ou si!no, não

causalmente, mas opticamente, isto é, acompanhar as linhas de forças assim como se acompanha

8 &B"FA, I.%.&. $epresentaçOes de corpo-identidade em histórias de #ida 5n Edu!a1-o e "ealidade V. =G n. = –Produ1-o do Corpo, Porto Alegre "!$%&-PP%du, ul>De= 2000 - p.11.

88 D<"F, %. Cr4ti!a e Cl4ni!a, &ão Paulo ditora 3, 11 C p.9?.81 5d.10 D<"F, %. $ietzs!%e e a ilosofia, Porto $Qs-ditora, 200 C p.8.

9

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um feiGe de luz 9ue, indo e vindo, rebatendo, curvando e ricocheteando, produz sobras e

clareamentos sobre os corpos e, então, afectos e perceptos sobre estes. !onhecemos um corpo pela

luz que fazem sobre nós>@, é pelo efeito do afecto de um corpo sobre outro 9ue se conhece a

natureza ou o valor deste corpo, a ética deste corpo. ( sentido de um corpo é dito pelo seu afecto,

 pela maneira como sombreia em outros corpos, aumentando ou diminuindo sua potAncia. 6ssim, é

necessrio preender as forças dos corpos, isto é, imprimir ainda outra força sobre estes para 9ue se7a

 poss?vel ser afectado por elas, conhecendose sua natureza, seu sentido ou seu valor, isto é, sua

ética, sua maneira de colorir outros corpos. 2m corpo e uma força são definidos pelos afectos de

que capaz>C. 5sclareçamos a9ui 9ue afectos E affectio  são os modos pelos 9uais um corpo toca e

se move em direção ao outro, en9uanto 9ue os afetos /sentimentos1 E affectus  são as transiçMes 9ue

ocorrem entre uma afectação e outra. )odese dizer 9ue os afetos se7am uma  forma de afecto,

entretanto, não mais especial 9ue outras' E tais como afecto de frio, de dor, de a!itação, de ale!ria,

de fome etc. (s afectos são sensaçMes de um corpo 9ue implicam necessariamente a presença do

corpo afectante e o aumento ou a diminuição de sua potAncia, ou se7a, de sua capacidade de a!ir.

 +este sentido, esta problemtica das biometrias deve ser colocada em termos de relação, de

corpos com corpos, de valores com valores. ( problema das sensaçMes passa a ser uma per!unta

ética, isto é, uma 9uestão de valores e sentidos das forças de produção de modos de vida. 6o invés

de nos per!untarmos sobre o 9ue si!nifica a doença do professor, talvez se deva procurar entender o

9ue é 9ue estas sensaçMes efetivam, o 9ue é 9ue !anha teGtura de real através dessas relaçMes, o 9ual

est li!ado aos valores e éticas dos modos de relação vividos entre as professoras e pelas

 professoras E per!unta 9ue somente as professoras podem fazer a si mesmas. +4s, do lu!ar de

 psic4lo!os, tantas vezes tidos como 8especialistas dos sentimentos e dos se!redos culpados, não

 pretendemos reproduzir o movimento c?clico de salto de uma especialidade de saber a outra E vai ao

médico, ao psic4lo!o, ao cromoterapeuta ... 5stas sensaçMes são 9uestMes decididas pelo corpo das

 professoras e, por tal razão, deve ser autorizada a ser cuidada por elas pr4prias. Como psic4lo!os,

estamos no lu!ar de parceiros desta tarefa e não de in9uisidoresZ somos acompanhantes de afectos esensaçMes e não prescritores. e toda relação de forças é uma relação de poder e se n4s, en9uanto

 possuidores de um lu!ar de saberpoder, nos colocamos e somos colocados por este !rupo neste

lu!ar, assim como ocorre ao poder médico, o 9ue nos cabe é ocupar este espaço de forma a

funcionarmos se!undo uma ética das relaçMes, dos contatos imanentes e das eGpansMes dos

 poss?veis. 5stamos diante de decisMes éticas 9ue os corpos tomam no 9uadro das relaçMes e de

valores 9ue são vividos. )or isso, a tarefa de avaliar estas relaçMes deve ser recolocada sob a sombra

1 D<"F, %. Cr4ti!a e Cl4ni!a, &ão Paulo ditora 3, 11 C p.91.12 D<"F, %. Espinosa – ilosofia Prti!a, &ão Paulo scuta, 2002 C p.21.13 5d. C p.9?.

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dos afectos destes mesmos corpos 9ue os produzem. implesmente ocupar um lu!ar de prescrição

de soluçMes ou sentidos seria novamente recolocar os problemas vividos por estas professoras na

relação com um saber 9ue se apodera destes corpos e os impossibilita de se per!untarem a si

mesmos E e criarem respostas E sobre suas vivAncias.

deste modo 9ue nossa tarefa no !rupo de professoras tem sido a de provoclas, invocando

estes valores 9ue produzem seus corpos, suas sensaçMes e materialidades. Pntentamos romper com

um ciclo 9ue si!nificaçMes aprior?sticas e !al!adas na relação com um saber anterior e desde sempre

tido como mais verdadeiro e autorizado a falar dos problemas, ainda 9ue não se7a um saber

necessariamente cient?fico. Como dissemos, o corpo medicalizado é apenas um corpo, mais um

corpo e não o corpo.

Um *orpo: uma (tica) um #imite

91

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(mbros, !ar!anta, cabeça ... (s rios do corpo são polu?dos, as fontes e as forças se es!otam, a

 pele tão atritada 7 não arde mais, o coração resseca como folha... todos sabem demais sobre o

corpo e, com isso, sabem nada, não sabem do 9ue um corpo 9ual9uer, num 7o!o de forças pode

 produzir. Dodo podersaber 9ue se tem sobre o corpo s4 faz poluir suas vias, seus canais de

coneGão, s4 faz cercar o poss?vel e o potente ao corpo, inundar de pressupostos e proscriçMes os

coraçMes. 0as, 9uem sente al!o do corpo sabe um insuspeito e é açoitado pela surpresaI 2m devir

corpo sempre fabricando, fabricando, fabricando cordas 9ue puGam para o solo, trazem de volta

 para o um plano imanente todo tipo de transcendAncia, todo tipo de ideal das alturas é recolocado

lado a lado sobre o plano, mesmo 9ue =s custas de dores e incomodaçMes cordas 9ue trazem de

volta = imanAncia. 5m nossos !rupos, as professoras vinham al!umas vezes afnicas, tamanha a

rou9uidão. 6l!umas vezes, diziam estar com uma dor de cabeça terr?vel, ou diziam sentir dores na

coluna e nos ombros. Crises de enGa9ueca também apareciam, assim como repentinas !ripes fortes.

6s professoras de nosso !rupo sentem o corpo, são açoitadas pelos seus devires, pelos seus

9uestionamentos. 5 não é s4 a dor... 6 dor é 9ue é feita de al!o do corpo. al!o anterior. (u

 posterior. 6l!o além, mais amplo, mais povoado. Forças vindas de todas as partes, 9ue compMe o

corpo. 6 dor é feita de al!o do corpo, mas é por9ue o corpo é sempre mais 9ue o corpo individuado

e atual, é uma compleGidade devindo o tempo todo. )or isso é 9ue essas dores das professoras são

corporais: o corpo é primeiro composição movediça de forças nãoindividuadas, cu7o ato imediato é

devir.

6 dor é uma intensidade, um fluGo, como pode ser um vento ou um mu!ido. 5 isso 9uer dizer

duas coisas pelo menos: uma 9ue, sendo fluGo, como um vento ou como fluGo de san!ue, é sempre

m<ltiplo, formado de uma mir?ade de pe9ueninos fluGos uns distintos dos outros, uma

multiplicidade composta, cheia de 8fluGozinhos diferenciais infinitamente pe9uenos E fluGo

molecular. Dal molecularidade do fluGo, portanto, não é mera a!lomeração de um mesmo tipo de

fluGo, 9ue se apresenta replicado. sim a!lomeração, porém de uma infinidade de tipos de fluGo

diferentes 9ue !anham um mesmo sentido devido ao dom?nio de al!umas das forças 9ue os

compMem e, por isso, o fazem uma continuidade. 6 outra coisa é 9ue, se dizemos ser a dor dos

corpos um fluGo como mu!ido ou um raio luminoso, colocamos estes fluGos num plano de

realidade anterior ainda =s cate!orizaçMes, =s nomeaçMes, =s identificaçMes, =s institucionalizaçMes E

institucionalização dentro das inscriçMes médias ou psicol4!icas, por eGemplo =s sub7etivaçMes,

humanizaçMes e individualizaçMes E formas de a!lutinar ou interpretar esses fluGos sob as formas

su7eito, humano ou indiv?duo. +ovamente, um fluGo molecular. 6ntes mesmo de ser uma dor

humana, uma dor de professor, uma dor institucional, uma dor da educação, é uma dor 9ual9uer,

?0

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 pertencente ao cosmos, ao campo social, eGatamente como vento e mu!ido, vindo de l onde não h

divisão entre força da natureza e força humana, força da culturacivilização e força animal, força

social e força individual. uma maneira de recolocar esta dor na9uele plano em 9ue é produzida

en9uanto um fluGo de um 7o!o de forças inumerveisZ e não desde sempre como fluGo de sensação

humana, humanizada. 5 estar antes das cate!orizaçMes é também 7 estar além delas, ultrapassando

as. *or 9ue é feita de al!o do corpo, mas 9ue não é o corpo e nem pertence a ele. 6ntes de ser dor é

fluGo puro produzido no cho9ue dos corpos e 9ue por estes corpos passa. )ortanto, a dor é sim al!o

do corpo, mas somente na medida em 9ue é um fluGo 9ue é produzido por ele e 9ue passa por ele.

5n9uanto passa é produzida, é produzida por9ue passa e se!ue em fluGo passando, passando.

)odemos dizer, de outra maneira, 9ue essa dorfluGo !anha no corpo uma materialidade ou faz do

corpo a materialidade 9ue melhor a eGpressa en9uanto força importante para o 7o!o do 9ual faz

 parte. 5m certa medida é o corpo 9ue oferece tecido de acolhimento para o fluGo dor, con9uanto, ao

mesmo tempo, o corpo é produzido en9uanto concretude desta dorfluGo. ao passar pelos corpos

9ue o fluGo se eGpressa, mas é em passando por eles 9ue ele se produz como dor. 5 então, como

 passa!em, o fluGo faz do corpo uma m9uina 9ue o corta E o 9ue define uma m9uina produtiva é

um sistema de cortes e fluGos'J  e a ele doa sentido, sentido 9ue é vontade, produção de uma

vontade das forças em 7o!o.

5m nossos !rupos, as professoras relatam muito uma sensação de não vontade... ausAncia de

vontade. *i!amos 9ue se7a uma espécie de avesso da mesma dor, mas ainda assim uma dor...

0uitas dizem irem se arrastando = escola. entem um enorme cansaço, uma ausAncia 9uase

completa de vontade de ir = escola. 2ma estafa, um cansaço, um !ripão, uma enGa9ueca. (mbros,

cabeça... 0as é uma vontadeI 2ma desvontade é uma vontade, é a afirmação de uma força e de um

sentido ?mpar e, como tal, m<ltiplo, acompanhado de incontveis. 2ma desvontade é uma vontade.

3esta saber 9ue vontade é esta. 5ntão, do corpo sempre e somente o ato puro, efetivação pura de

uma vontade, realização de um acontecimento, como a che!ada do outono, como um dedo er!uido

do imperador, efetuaçMes inteiras E a desvontade, o !ripão ou o enorme cansaço como efetivaçMes

imediatas dos fluGos 9ue passam pelo corpo e por ele se realizam. 6tos puros do corpo.

5m nossos encontros com os !rupos, 9uando falamos destas sensaçMes 9ue sempre são

rapidamente li!adas =s biometrias, imediatamente se começou a falar de #imites. +um dos

encontros, as professoras iam che!ando uma a uma e, num dado momento, nos per!untamos 9uem

faltava vir. 2ma das professoras citadas não viria, pois \estava em biometriaV. Contaramnos 9ue

acontecem casos de professoras 9ue passam 9uase o ano todo de licença e 9ue condenavam isso, 7

1 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 /nti*Fdipo – Capitalismo e Esquizofrenia. $io de aneiro 5mago, 1? C p. 9.

?

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9ue toda a escola fica pre7udicada. Falouse ainda 9ue as professoras com filhos pe9uenos pedem

muita licença. Com a ausAncia de uma professora, 9uem entra no lu!ar é uma outra professora, 9ue

durante o per?odo estaria na função de coordenador de turno. 5ntão, se!undo o 9ue disse a diretora'U 

neste dia, o problema est em se ficar sem coordenador de turno. ( 9ue mais chamou a atenção foi

9ue, ao falarmos sobre as licenças, imediatamente começaram a falar da desaprovação 9ue sentiam

 pelo fato de al!umas professoras estarem sempre tirando licença. Havia nestas falas de

desaprovação, um pouco de um tom de ironia, ao mesmo tempo em 9ue um forte tom de

condenação, 7ul!amento e irritação. Condenavam o fato de al!umas se afastarem sem razão forte.

6l!umas diziam 9ue não entendiam estas professoras, pois não teriam cora!em de fazer isso e

 pre7udicar a escola, ou os alunos. Dambém condenavam as professoras 9ue sempre reclamavam de

cansaço, ou 9ue ficavam paradas sem fazer nada na sala das professoras, ou ainda, 9ue faziam

conta!ens re!ressivas de 9uantos dias faltavam para os feriados, férias e fim do ano, ainda no

 primeiro semestre. *iziam achar absurdo este tipo de postura, pois entendiam como falta de

comprometimento, de responsabilidade, de paiGão para com o trabalho. (utro ar!umento era o de

9ue cada uma deveria deiGar os problemas pessoais em casa ou cuidar deles cada uma em suas

respectivas psicoterapias individuais, se era o caso de se ter mais ou menos disposição frente aos

 problemas do diaadia. \5u, por eGemplo, também tenho meus problemas pessoais, mas cuido deles

em minha anlise por9ue sei 9ue, mesmo 9uando sinto coisas a9ui, são 9uestMes pessoais minhasV E

foi uma fala bastante comum em nossos !rupos.

)or outro lado, al!umas professoras disseram ver 9ue talvez muitas delas tivessem vontade de

se afastar por mais tempo e 9ue era compreens?vel, 7 9ue tantas vezes também muitas se sentiam

tão estressadas, cansadas, com dores. +esse momento, n4s dissemos da nossa sensação de 9ue =s

 professoras muita coisa estava posta como proibida, ou impossibilitada, 7 9ue, dar espaço a um

cansaço, ou uma dor de cabeça era condenvel. )er!untamos se percebiam isso e 9uestionamos

sobre a possibilidade de respeitarem estas sensaçMes 9ue seus corpos reclamavam e se per!untarem

sobre como as encaravam, inclusive por9ue uma das falas presentes nos primeiros encontros, era

\esta escola não é para esse nosso p<blico, alis, ele não é para nin!uém, por9ue é muito cruelV.

Dentamos 9uestionar sobre estas referAncias de valor das boas e das ms condutas, 9ue produzem

seus corpos e modos de ser. Falamos da possibilidade de, antes de condenarem, ou 7ul!arem as

 posturas da9uelas professoras como problemas individuais, per!untaremse, através do contato com

as sensaçMes de si consi!o mesmas, o 9uanto havia al!o de comum em relação =s sensaçMes e19 &omos muito pri#ilegiados de termos a diretoria da escola participando ati#amente como parte do grupo, sem ocuparlugar algum de #igia ou controle so)re nosso tra)alho, ou so)re o comportamento dos professores. A própria diretora da

escola di= estar participando dos grupos por sentir-se muito mais professora, do 'ue diretora. &empre oferecemos (sescolas em 'ue tra)alhamos a possi)ilidade de a diretoria participar, mas, como sempre, os pe'uenos centros de poderse es'ui#am...

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motivaçMes 9ue levavam a9uelas professoras incriminadas a afastaremse. *issemos 9ue, se havia

tantos 9ue se afastavam e mais outros tantos 9ue se impediam de se afastar e iam trabalhar

arrastandose ou doentes, era por9ue o problema não deveria ser visto como 9uestão de maior ou

menor força individual, melhor ou pior compromisso com o trabalho, mais ou menos vontade de

cada um, !rande ou pe9uena paiGão pela profissão. 0uitas falavam inclusive de estraté!ias de 9ue

lançavam mão para dar conta do peso do trabalho na escola. 6l!uns se apoiando no discurso de

autoa7uda psicolo!izado E dizendo 9uerer saber \onde est o meu 8eu a9ui na escolaV E outros

dizendo 9ue precisam \tirar as forças l do dedão do péV para continuarem indo trabalhar, outros

ainda tomando remédios e mais al!uns dizendo de privile!iar o olhar para as poucas coisas 9ue

estão dando certo como forma de manter o m?nimo de sa<de no meio de tantos problemas. Luando

contavam destas estraté!ias de criação de uma suportabilidade na escola, chamamos a atenção para

o fato de serem maneiras solitrias e individuais de resolverem problemas coletivos.

)or isso falamos de estranharem um pouco tantos 7ul!amentos e microfascismos 9ue

sustentavam entre si. *issemos de um esforço in7usto para com elas mesmas, de ficarem fazendo,

como dissemos, 8cambalhotas e piruetas internas e individuais para cuidarem de problemas tão

coletivos, tão comuns a todos, produzidos coletivamente. +este momento, al!umas professoras

irritaramse e disseram continuariam insistindo em sua maneira de pensar. Luestionar uma maneira

tão bem institu?da e tornada hbito de lidar com o cotidiano era talvez tirarlhes a <nica e <ltima

forma até então produzida de sobreviver no cotidiano escolar. Chamamos a atenção também para o

fato de estarem cometendo entre si uma espécie de microviolAncia, ao priorizarem ou centraremse

estritamente sobre o cumprimento de re!ras de conduta e desconsiderarem 9ue eGistem muito mais

variveis e 9uestMes. Pnclusive, como se via claramente, 9uestMes corporais, afetivas,

or!anizacionais, paradi!mticas e ideol4!icas, as 9uais não podiam simplesmente ser i!noradas em

nome de uma lei 9ue se pretendia sobrepor a todas as sensaçMes percebidas no cotidiano. 5ntão,

 per!untamos a respeito da possibilidade 9ue eGiste para o professor de não saber como a!ir, como

 pensar, o 9ue fazer. Haveria possibilidade de sentir, de ser tomado pelo caos aterrorizante da

d<vida, pelo hiato vazio 9ue as 9uestMes do cotidiano traziamR 6pontamos para o fato de encararem

a possibilidade de fazer diferente da maneira 9ue sempre fizeram como sendo sinnimo de não

fazer absolutamente nada, de cair na permissividade, na perversão, na ne!li!Ancia.

9ue somos também se!mentarizados por oposiçMes binrias E um dos vértices do moralismo

, somos levados a estabelecermos com o mundo relações biun,"ocas'S, em 9ue se toma o nãoser, o

outro, todo diferente, o novo, os desconhecidos e estranhos como uma massa monstruosa bestial

1? D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol.3, $io de aneiro ditora 3, 11? Cp.8?.

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não merecedora de ser investida como potAncia poss?vel, indi!na de ser investida en9uanto

especificidade. 5ncarase a possibilidade de mudança como maldição e heresia. )roduzse, nesta

 binarização, uma espécie de medo de ani9uilamento, de pulverização, na 9ual mi!rar e mudar de

sentido si!nifica cair na morte, no nada, na falta e na ausAncia, mudar de sentido é falhar. 9ue a

oposição é um dos poluentes dos encontros, em 9ue se toma um outro 9ual9uer, como o outro do

uno, como o erro no caminho da verdade. 6 sensação de estranhamento, de nãosaber, acaba sendo

recolocada sob a forma da9uilo 9ue ne!a o mesmo, 9ue bombardeia o centro e ameaça a se!urança

da referAncia naturalizada. ( outro poss?vel passa a ser valorado somente se!undo uma referAncia

 primeira, central, una, não como multiplicidade substantiva. 2m nãoser 9ue poderia ser uma

simples diferença importante para os processos cotidianos é entendido como peri!o, como ata9ue de

uma força de destruição opositora. +estes momentos, al!umas professoras tomavam uma postura

9ue produzia em n4s sensaçMes de afrontamento, a!ressão, 7ul!amento, desprezo por nosso trabalho.

*iante disso, procurvamos esclarecer 9ue não se tratava novamente de culpabilizlas, ou de

recoloclas no lu!ar de falta, de falha E falha por9ue se 7ul!am, erro por9ue não se permitem sentir

 E tampouco de psicolo!izar suas sensaçMes fazendo anlises de sentimentos interiores, mentais,

emocionais, intraps?9uicos etc.

Luando falamos de medo a9ui, falamos de um movimento de !rupo, ou ainda de fluGos pré

individuais, impessoais, não pertencentes = interioridade escura do su7eito, ou = massa informe do

!rupo. 6 partir das sensaçMes 9ue tocavam a nosso corpo, das sombras 9ue se faziam sobre nossa

 pele, dissemos sobre o problema de estar colocado para o professor, um lu!ar absoluto, cheio,

or!anizado, em 9ue não se é poss?vel viver um estado de suspensão, de espera, espreita ou não

saber. Dambém um lu!ar de professor no 9ual se deve manter uma postura her4ica, suportando

dores e desvalorizaçMes a todo custo, transformando as hist4rias cotidianas em dramas e

ressentimento. Falamos com a as professoras de estarem, sem perceberem, atravessadas pela

naturalização de uma maneira de pensar, sentir e a!ir, 9ue havia sido inventada historicamenteZ o

9ue, portanto, davalhes o direito de suspeitar das obri!açMes de saber absoluto a 9ue se incumbiam.

 +este momento, al!umas diziam 9ue \podia ser até 9ue as coisas fossem historicamente

constru?das, mas eGistem limites 9ue valiam para todos, noçMes de certo e errado 9ue valeriam para

todosV. 9ue nãosaber implicaria talvez em mi!rar de relação de poder, estar numa relação nova

de poder e, se!undo um funcionamento dualista E moral E ao 9ual estamos su7eitados e dentro da

9ual somos produzidos en9uanto humanos, considerar diversas referAncias de valor, talvez pareça

 pura perversão. Draz?amos de volta, então, a fala sobre a sensação de impossibilidade e a!ressão

9ue as professoras diziam sentir em seu trabalho para dizerlhes 9ue esta impossibilidade se iniciava

?

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a partir do modo como elas pr4prias relacionavamse entre si, a sensação de violAncia começava a

ser produzida pelo pr4prio modo de relação das professoras entre si. 6 desvalorização começava

antes na ética 9ue elas pr4prias reproduziam dando sentidos morais aos modos como se relacionam

com o trabalho. ) indi",duo um efeito do poder e simultaneamente& ou pelo próprio fato de ser

um efeito& seu centro de transmissão'K3 e não consideramos mais o poder s4 em seu carter

repressivo e se os impedimentos são eles pr4prios positividades ativas de uma mesma ma9uinaria

 produtiva, então devese considerar de 9ue modo cada peça afirma esta mesma ma9uinaria.

09uinas a9ui entendidas como compleGidades m<ltiplas produtoras de realidade social, produtoras

de modos de relação e modos de viver. )or isso, ao 9uestionarmos nas professoras seu ape!o E

9uase apreço E pelas re!ras, 9uestionamos também a forma se!undo a 9ual elas mesmas se inclu?am

en9uanto reprodutoras e transmissoras de um poder de 9ue seus pr4prios corpos eram, por outro

lado, investidos.

 +4s, de nosso lado, procurvamos rever nossas maneiras de eGpressar as sensaçMes 9ue nos

tomavam, 9uestionvamos nossa implicação na relação com as professoras 9ue, de todo modo,

também se constitu?a como relação de poder. )er!untvamonos se estar?amos sendo proféticos ou

comparveis a sbios em nossa maneira de falar, ou se estvamos tomando o delicado cuidado de

considerarmos diversas linhas de composição para cada problema colocado, pois sab?amos, esta

abertura e atenção = compleGidade das forças é 9ue nos daria condiçMes para 9ue também nosso

corpo e nosso lu!ar de poder, então investido en9uanto psic4lo!os E lu!ar de suposto saber

 pudesse ocupar um espaço muito mais de potAncia 9ue de poder. 9ue a potAncia de acolhimento e

 produção de al!um sentido novo para as problemticas dependia da multiplicidade 9ue se fizesse

também em nossa maneira de eGpressar e sentir. )er!untvamosnos muitas vezes se não estar?amos

sendo in!Anuos, ou desconsiderando al!um aspecto presente na composição da9ueles problemas.

 +o caso, sabemos 9ue a delicadeza eGistiria na relação com as professoras na medida em 9ue

fssemos capazes também de ver 9ue um ape!o = re!ra, da maneira a!ressiva e impositiva 9ue era

eGpressa pelas professoras, era ainda uma maneira de lidar com toda a complicação e com todo o

caos 9ue sentiam em seu cotidiano de trabalho.

*isso 9ue o pensamento do corpo é ato puro E as dores, as estafas, são puros atos imediatos ,

 pois o corpo pensa como 9uando chove'%, 9uer dizer, não h se9uer um fio de cabelo entre o afecto

sentido e o ato realizado, entre a força de moralização e o adoecimento s<bito, entre o fascismo

microf?sico e a estafa sem fim. ( corpo pensa, portanto, por acontecimento, por sin!ularização e

não por individualização, ou humanização. 6s re!ras de conduta transcendentes são puGadas para a

1 !B"/A"<;, +. Mi!rof4si!a do Poder , $io de aneiro %raal, 11 - p. 8.18 E$$5%<, . / /rte Caval%eires!a do /rqueiro 0en, &ão Paulo ditora Pensamento, 19 C p. 2.

?9

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imanAncia dos encontros e dos efeitos dos encontros entre os corpos E cordas 9ue puGam tudo para

o solo, para o mesmo plano. 2m pensamento do corpo é um ato e, assim, nada mais é do 9ue uma

multiplicidade repleta em si, inteira E em 9ue nada falta , uma linha 9ue arrasta consi!o uma

multidão de part?culas, as 9uais transbordam os limites molares dos corpos, as denominaçMes de

classe, de profissão, de papel institucional, as fisiolo!ias or!Bnicas. 2m ato do corpo é um sentido

9ue s4 é um, em função da multiplicidade 9ue o move, tanto por9ue são muitas as partes 9ue o

compMem, 9uanto por9ue h uma infinidade de maneiras dobrlo. 2m corpo não necessita ser

completo, pois ele 7 é repleto. ão sempre fluGos m<ltiplos compondo os corpos, passando por eles

e produzindo efeitos imediatos /nãomediados1, abrindo realidades estranhas = pr4pria realidade. (s

corpos são superf?cies sempre 7 suficientemente povoadas, se7a de poderessaberes E como bem se

mostrou presente o podersaber biomédico E se7a de uma outra população de forças e afecçMes de

toda espécie. ão fluGos de sil?cio, de moral, de san!ue, de bile, de ind<stria, de m?dia, de carbono,

de valoresZ o leite do des7e7um, o suco !strico do estma!o, o mon4Gido de carbono dos carros

 7unto do ar 9ue se respira, as normas, os valores, os princ?pios, as fezes, as ondas de medo, a dor, o

ressentimento, os ru?dos de nibus e cães, os odores das vilas, os d?!itos da internet, fluGos de

 paisa!ens destru?das para periferia. )ortanto, são linhas tão ou mais nãohumanas 9ue humanas. (

corpo é constitu?do por muito mais do 9ue pela cultura. 6 cultura é uma das formas de

especialização destes fluGos préhumanos, inumanos E não desumanos, mas inumanos. ( corpo é

muito mais 9ue superf?cie de inscrição, ele é superf?cie de eGperimentação, composição e invenção.

6s estafas e dores dos corpos são eGatamente pe9uenas sin!ularidades 9ue aparecem como se

fossem pe9ueninos refrMes dos fluGos e linhas de força 9ue são produzidos na escola. )e9uenas

repetiçMes de um timbre, blo9uinhos de sin!ularidades. ão sensaçMes 9ue dizem muito mais de

coisas eGteriores aos su7eitos, anteriores a eles. *izem das forças de su7eição e não dos su7eitos,

dizem das forças de multiplicaçãocriação e não das unidades, pois os su7eitos são apenas terminais

vis?veis destas forças. 6s forças formam planos amplos, superf?cies semelhantes =s estepes e

 pampas !a<chos, as 9uais atravessam os corpos. ( corpo é um plano sobre o 9ual correm e fluemestas forças. )or isso, por outro lado, estas dores e sensaçMes fazem imediatamente a realidade das

forças ativas de liberdade, muito mais do 9ue das forças reativas de captura. 9ue talvez não ha7a

maior sinal de sa<de dentro do a9urio de moralidade da escola do 9ue uma enGa9ueca ou estafa.

ão as linhas de vida 9ue, de tamanha capacidade de eGpansão, encontram fissuras no real e

eGpressamse das maneiras 9ue lhes são poss?veis, como um fio de !ua encontra frestas e ranhuras

 pelas 9uais escorrer entre as pedras de um muro 9ue conduz o rio.

??

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6ssim, o #imite, tão invocado por valores moralistas, a ri!or, não é s4 este 9ue é colocado

 pelas professoras aos cole!as 9ue passam o ano em licença. +ão é este limite caridoso e neoliberal

9ue parece dizer 8sim, acho 9ue tAm direito de estarem cansadas, mas tudo tem um limite, como

tantas vezes ouvimos em nossos encontros. poss?vel desmoralizar o limite. ( limite, 9uando

falamos do n?vel micropol?tico em 9ue as relaçMes entre os corpos são fabricadas, não deve ser o do

retorno ao bem E o Qem acima de todos os homens, os cercados dos bens comercializveis pelo

capital , o do 9ue permite tré!uas somente até o ponto em 9ue a moral não se es!arce, ou não se

esfacele. ( limite, no n?vel molecular, é antes um lu!ar, ou um limiar m?nimo, e não uma

9uantidade, ou um eGtremo 9uantitativo. 9ue, no n?vel do vis?vel e nomevel tudo se passa de

acordo com re!ras e normas. )orém, sem restrin!ir a realidade a estas re!ras e normas, sem i!ualar

a realidade = or!anização, as forças das 9uais são compostos os corpos são invis?veis,

impercept?veis, não s4 por uma incapacidade de nossa consciAncia, mas também por9ue o mundo e

os encontros se fazem por estas forças 9ue são sempre infinitamente pe9uenas, ilocalizveis, 7 9ue

tão m4veis. )ois bem, neste n?vel o limite é mais uma zona de estranhamento do 9ue a eGtremidade

superior de uma 9uantidade acumulada de força, ou se7a, estes lu!aresfissura as dores, os

cansaços, as rou9uidMes por onde passam os fluGos de protesto e escape = ri!idez do cotidiano

escolar é 9ue consiste no limite. Psso, as dores, as sensaçMes do corpo são elas pr4prias os limites,

são os pontos em 9ue al!o tende a escapar, em 9ue al!o 7 escapou. Dratase de uma 9ualidade, ou

um sentido de força, não uma eGacerbação. 6 eGacerbação é coisa das relaçMes de poder, coerção e

moralização 9ue a? coabitam, pois os centros de poder se definem por aquilo que lhes escapa& pela

 sua impot+ncia33.''  ( limite, este lu!ar éticoestéticopol?tico, corre sobre os pontos nos 9uais os

modos estabelecidos e esta!nados de !erAncia da vida são postos em Ge9ue, den<ncia e abalo a!e

 por 9ualidade intensiva de força. 6s dores são tipos sin!ulares de força e não 9uantidades

acumuladas de força. um m?nimo Bn!ulo de tan!Ancia entre as forças de produção de vida e as de

!erAncia dela, 9ue constitui o limite dos corpos, um clinamen&$$. omente no limite do 9ue é

suportvel = vida na escola e do 9ue não é poss?vel se encontra o in?cio de al!o importante em 9uese pensar. ( limite en9uanto este m?nimo afectvel é o ponto a partir do 9ual o pensamento se

move. )onto este, 9ue é o cruzamento de in<meras forças, ponto corporal de diferenciação das

forças. ( limite, %á não designa aqui o que mantm a coisa sob uma lei& nem o que a termina ou a

 separa& mas& ao contrario& aquilo a partir do qual ela se desen"ol"e e desen"ol"e sua pot+ncia3@D@

11 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol.3, $io de aneiro ditora 3, 11? C

p.1?.00 D<"F, %. Diferen1a e "epeti1-o, <is)oa $elógio DKágua, 2000 C p. 30?.0 5d. - p. 19.

?

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 +o caso das nossas professoras é somente pelas pe9ueninas intolerBncias, pelas ?nfimas

condenaçMes, pe9uenos olhares de 7ul!amento, ironias sutis, 9ue se produzem violAncias de

situaçMes 9ue che!am aos eGtremos de adoecimento. ( fascismo funciona se!undo uma distribuição

esparsa e diferencial em diversos pontos de um tecido&$#. 0as também, pelo contrrio e, talvez

 primeiro, são sempre por pe9uenas dorzinhas, enfra9uecimento m?nimo da voz, enri7ecimento

?nfimo dos nervos, 9ue se constituem acontecimentos maiores 9ue alertam as superf?cies de poder e

culminam em condenaçMes, 7ul!amentos morais, obri!atoriedades le!islativas. 9ue o ponto mais

intenso da "ida aquele em que ela se choca com o poder &$. 6s dores e sensaçMes do corpo são

estas zonas de devir, ou de decisão, em 9ue é o pr4prio corpo 9ue faz acontecer al!o, ou ainda, é um

corpo 9ue acontece = moral, = escola, ao papel institu?do de professor. *esde então 9ue arriscamo

nos a dizer 9ue limite é uma 9uestão !eo!rfica, ou se7a, 9uando se est no limite, se est em um

limite, num ponto de cruzamento de passa!ens 9ue inflamam, embatem e produzem ru!osidades

salientes no real. ( limite é um lu!ar !eo!rafia das forças , lu!ar cr?tico, mas também ordinrio,

9ue acontece por9ue forças do cotidiano mais banal estão se movendo e se embatendo. ( limite

como um lu!ar no plano de imanAncia, um ponto vibrante sobre a superf?cie molecular em 9ue se

encontram as forças. ( limite é um lu!ar molecular. Habitar um limite não 9uer dizer estar dentro

ou fora, mas estar do lado interno do limite&$J  em um lu!ar espec?fico, novo, em 9ue a

especificidade é 7ustamente a sensação de nãosaber, de intri!a, de processo e passa!em. 2m tipo de

ran!ido e supera9uecimento de uma ma9uinaria. ( limite é o pen<ltimo &$U, o pen<ltimo movimento

antes de se passar para uma nova terra, para um novo lu!ar molecular, novo lu!ar pol?tico e ético.

)en<ltimo antes do movimento <ltimo, 9ue é a decisão. 5star no limite é estar em processo, em

 passa!em para uma nova terra, para uma ética e pol?tica desconhecidas, em vias de ainda serem

inventadas.

2m corpo decide, afirma uma decisão e um valor E 9uestiona outros E e abre vias de

 per!untas éticas nas relaçMes morais de poder. 6doecer é decisão do corpo, deste corpo inteiro feito

de fluGos impessoais, inteiro plano de passa!em de forças. *oer e cansar, são decisMes destas

forças, são acontecimentos 9ue se processam nesse n?vel dos fluGos invis?veis 9ue produzem a

realidade. 5 uma decisão vai mais além 9ue uma simples escolha, pois en9uanto a escolha re9uer

necessariamente 9ue as possibilidades 7 este7am postas, prontas a terem cada 9ual sua chance, a

decisão implica necessariamente 9ue a9uilo 9ue este7a em 7o!o se7a al!o da ordem do obscuro, do

desconhecido, do virtual, enfim, al!o 9ue peça ainda a invenção, a criação para dar territ4rio

02 5d. C p.12.

03 D<"F, %. ou!ault , &ão Paulo 4rasiliense, 2009 C p. 0.0 D<"F, %. L6gi!a do 7entido, &ão Paulo Perspecti#a, 1?1 C p.0.09 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. G , &ão Paulo ditora 3, 11 C p.30.

?8

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concreto ao 9ue pede passa!em = vida.  #ecidir não querer fazer o mo"imento& faz+6lo&$S3

*ecisão como movimento de uma liberdade molecular, minoritria. *ecisão como testemunha da

 presença de um limite. 6 decisão, portanto, também é um lu!ar 9ue habita o plano molecular, um

lu!ar lo!o ao lado do limite, o lu!ar a partir do 9ual 7 se est em nova terra. 5n9uanto a noção de

escolha se faz se!undo a a9uisição de um al!o eGterior, ou se7a, por relação de contrato ou compra

de um ob7eto eGterior, supostamente ausente ao corpo, a decisão se faz por ativação das forças

 presentes no interior de uma relação de si consi!o e de si com o mundo. 5scolher é ainda

escravidão, pois supMe 9ue se escolha uma entre as possibilidades 7 dadas, eGpostas numa

 prateleira de lo7a. 6 decisão, porém, é a ativação de uma sin!ularidade e, por isso, s4 pode

acontecer 7unto dos limites. 6 decisão é uma fissura 9ue o corpo faz na superf?cie do real. *ecisão

9ue nem sempre est sendo movida pela intencionalidade de uma consciAncia. , portanto, um

corpo, al!o do corpo, 9ue acontece = escola, =s professoras. ( limite de 9ue falamos, portanto, não é

o do eGa!ero citado pelas professoras, mas o lu!ar em 9ue se passa a sentir al!o de novo, al!o

incmodo e intri!ante, em 9ue o corpo produz inchaços, inflamaçMes, vermelhidMes, debilidades.

5star no limite é uma problemtica mais topol4!ica do 9ue 9uantitativa por9ue é somente ali onde

os movimentos dos corpos produzem efeitos sobre os pontos espec?ficos em 9ue as linhas de poder

limitam poss?veis e imposs?veis 9ue se sente a che!ada de uma tensão e se sente as ondas das

 potAncias revolucionrias do corpo.  E o engano mais geral do pensamento& -333.& tal"ez se%a

conceber tudo em termos de mais e de menos& e de "er apenas diferenças de grau ou diferenças de

intensidade ali onde& mais profundamente& há diferenças de natureza&$K3

6 partir disso, então, tornase poss?vel discutir a 9uestão dos limites na educação como uma

 problemtica ética e não mais moral. )or isso é 9ue o corpo é sempre um corpo, 9uer dizer, apenas

uma dentre tantas poss?veis materialidades. 2m corpo é uma pol?tica, coloca imediatamente em

movimento uma estética e, desse modo, o 9ue se coloca em 7o!o no e através do corpo é uma ética.

5smiuçando melhor isso, o corpo realiza uma pol?tica por mover redes de saber e estraté!ias de

apoderamento E se7a para o 5stado, se7a em nome de uma liberdade molecular. Concomitantemente,

h no corpo um componente estético, pois os modos dispon?veis de eGpressão e ação são também

 postos em 7o!o e circulação. 5nfim, o corpo meGe e se faz meGer por uma ética, por9ue implica a

transformação e produção de valores, modos de vida e seus respectivos 9uestionamentos. *a? 9ue as

 biometrias e os adoecimentos são, mais do 9ue problemas biol4!icos ou psicol4!icos, problemas

éticos, são decisMes éticas 9ue os corpos lançam, de modo 9ue para cada problema ético se produz

uma materialidade, um tendão, uma articulação, uma pele ou m<sculo. +este momento, então, esta

0? D<"F, %. P+ri!les e Verdi – / ilosofia de ran1ois C%#telet , $io de aneiro Pa=ulin, 111 C p. .0 D<"F, %. 5ergsonismo, &ão Paulo ditora 3, 111 - p.3.

?1

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movimentação ética se desdobra numa a!itação também estética, 7 9ue acontece uma apropriação,

 por parte dos corpos, das materialidades e das eGpressMes. +os casos das professoras de nossa

escola, sempre peles, tendMes e tecidos esticando, raspando, atritando e ran!endo.

6 realidade escolar, como plano vasto, produz diversas superf?cies, tipos de pele, tecidos,articulaçMes, cartila!ens, enervaçMes e tendMes, modos de dobramento e desdobramento da matéria.

(s corpos são estas vrias superf?cies, inumerveis produzidas en9uanto fluGos concretos e

materiais de éticas no espaço escolar. ( percebido pelos corpos é 9ue os produz ou, em outras

 palavras, a matéria é necessariamente produzida conforme as relaçMes 9ue estabelece e não o

contrrio, na 9ual a relação se faz conforme um modelo material&$%.  ( corpo do professor é,

 portanto, irredut?vel ao corpo poderoso disciplinador, pastor das almas, m9uina de re!istro e

controle. 0esmo o corpo do professor s4 se faz corpo na medida em 9ue h uma multiplicidademais delicada de materialidades E e assim, de valores e, então, de éticas E sendo produzidas e

transbordando por todos os lados, escorrendo, fu!indo, escapando, doendo. 9ue a vida sempre

acontece por eGcesso, por transbordamento, ela é irredut?vel =s formas de captura e coerção. (

corpo transborda os limites colocados por relaçMes de captura. 6s dores, as estafas, as enGa9uecas

são pol?ticas, são atos pol?ticos, eGpressMes éticas de problemticas 9ue pedem passa!em, ou

melhor, são elas mesmas passa!ens 9ue ocorrem ao corpo, fluGos 9ue o corpo corta, ora

conectando, ora cindindo. ão elas mesmas as 9uestMes colocadas em ato, pois nelas tem se um

mundo que não se expressa fora de seus expressantes&$'3 ( eGcesso do corpo é o transbordamento

dos limites inseridos pelas relaçMes de poder e este transbordamento não é tanto de 9uantidade, mas

de 9ualidade, de variedade. 6 variedade é 9ue transborda os limites das cate!orias, a amplitude é

9ue transborda as linhas de saber e de poder. Contudo, esta corporeidade dolorida é apenas uma

materialidade poss?vel de ser produzida na realidade escolar.

2m corpo aponta, assim, para a passa!em de um devir, de uma linha de escape. e é um corpo

9ue acontece aos terrenos consolidados da escola, também é por9ue h um devir acontecendo no

corpo. 5stes acontecimentos, então, embora passem pelo corpo, não se restrin!em a ele, não se

definem por ele. (corre 9ue, o corpo é produzido en9uanto via do acontecimento, é antes o

acontecimento 9ue define um corpo e não o corpo 9ue contém o acontecimento.  A realidade do

corpo a realização dos fen2menos no corpo&&$3  um corpo 9ue é fabricado en9uanto pele ou

superf?cie de um processo e não en9uanto recipiente dos processos. ( corpo é todo ele um tecido ou

muitos tecidos e não uma ti!ela E concepção 9ue o livra da idéia de psicossomtica ou de

08 D<"F, %. / Do'ra – Lei'niz e o 5arro!o, /ampinas Papirus, 11 - p. ?2.01 5d. C p. 18.0 5d. C p. 200.

0

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materialidade inv4lucro das forças. ão o corpo que realiza& mas algo no corpo que se realiza&

com o que o próprio corpo se torna real333&&& endo superf?cie, um corpo é necessariamente uma

coletividade. 5m outras palavras, são sempre materialidades de sensaçMes 9ue, num mesmo

movimento, eGpressam tanto a realidade local desta escola e deste !rupo de professoras, 9uanto

todas as forças 9ue compMem a realidade escolar da cidade, do pa?s, do mundo, pois as formaçMes

de poder e, nisso, as linhas de escape são transversalidades, não respeitam territorialidades

macropol?ticas E e nem por isso são universais. )or isso é 9ue também nos ape!amos tanto =

tentativa de, 7unto das professoras, tornar n?tido o fato de todas as sensaçMes serem pertencentes a

todos do !rupo sendo cada um apenas lu!ar de passa!em. ) indi",duo& nesse sentido& a

atualização de singularidades pr6indi"iduais@@C, assim como é também uma eGpressão composta de

maneira sin!ular por todas as forças da realidade E de um lado cada corpo de cada professor

eGpressa al!umas forças 9ue fazem parte do mundo e da realidade escolar, uma combinação

sin!ular destas forçasZ por outro lado, estas forças 9ue se produzem en9uanto um dos corpos

 poss?veis são também fluGos 9ue se prolon!am para todos os lados, para todas as partes do mundo e

ainda em direção =s forças componentes dos outros corpos && E cada corpo contm o mundo inteiro

-333. o mundo está dobrado em cada alma& mas diferentemente333&&J 

5sta concepção se nos aparece como uma arma de combate diante da culpabilização

individualizante 9ue se tece com violAncia no modo de ser professor. +ão estamos 9uerendo ne!ar a

força de sobrecodificação das formaçMes de poder, dos estratos de saber, das linhas morais, mas,

 pelo contrrio, o 9ue se sucede é 9ue são 7ustamente os poderes miserreis, os saberes paran4icos e

as moralidades biun?vocas 9ue nos fazem desacreditar nas potAncias de invenção e criação

micropol?ticas dos corpos, antes mesmo de se eGperimentar os encontros. )or isso nos importa mais

a prtica de fazer do corpo um tecido de eGperimentação e invenção do 9ue de vAlo restrito =s

inscriçMes 9ue a cultura lhe cola. neste sentido 9ue  as linhas de fuga que são primeiras&&U. *e

outro modo, é por9ue 7 h \primeiroV corporeidades malditas sendo ma9uinadas dentro das relaçMes

escolares, 9ue se lança mão de formas sutis de controle, de condenação e de moralização. 6o

9uestionarmos os valores se!undo os 9uais as professoras direcionam entre si, olhares e

 7ul!amentos, pretend?amos abrir espaços para o 9ue h de produtivo ou micropol?tico nas

materialidades eGpressas pelas fissuras das sensaçMes do corpo. *ores e fadi!as não são senão

 5d. C p.9.2 5d. C p.2.

3 5d. C p.0. D<"F, %. Conversa19es, $io de aneiro ditora 3, 112 C p.19.9 D<"F, %. Dese@o e Pra=er 5n Cadernos de 7u'Hetividades, &ão Paulo, n. especial P"/-&P, @un., 11? C p. 1.

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micropol?ticas, estraté!ias min<sculas de povoamento, ainda menores e escorre!adias 9ue a

capacidade microf?sica das relaçMes de poder.

6ssim, pensando o limite como um lu!ar, uma zona privile!iada de cruzamento e eGpressão

das forças processuais, lançase um novo vislumbre de poss?vel, de liberdade. ( 9ue o limite pedenão é nunca al!o 9ue conste nas determinaçMes do poss?vel, mas al!o 9ue venha como novidade

!rvida dos encontros entre os corpos. ( limite não impMe uma limitação e sim um limiar, um

 pedido de construção. 6 partir disso, começamos a falar para nossas professoras sobre uma outra

maneira de verem o limite. 6o se falar de limite se!undo um paradi!ma moralista, dicotmico e

mani9ue?sta, se fala, 9uase como conse9^Ancia, de uma insuportabilidade ou uma insustentabilidade

9ue se apresenta 7ustamente para o lado da moral e da9uilo 9ue forma o poss?vel prédeterminado,

 7 9ue o poss?vel é em muito circunscrito por formaçMes de poder e de saber, assentamentos deestratos e part?culas tornadas leis E muitas vezes o poss?vel é apenas o 9ue os poderes permitem ou

determinam. *issemos, dentro disso, 9ue se havia limite, então esse limite não deveria ser pensado

somente para a9uele professor 9ue sai de licença por meses, mas também para estes 9ue suportavam

viver sob a cust4dia das forças 9ue fabricam lu!ares transcendentes e normalizados ao professor.

Dentamos che!ar = noção de 9ue o limite, portanto, é al!o relacional, produzido nas relaçMes entre

os corpos e não nas formas transcendentes e naturalizadas de inscrição do poss?vel. Psso permite

imp#icar ativamente cada força, cada corpo, cada ato e cada pessoa no 7o!o de forças das relaçMes.

6o entendermos o limite como relacional e topol4!ico, colocamos os problemas em termos de

 produção e não de reação ou obediAncia. ( pensamento moral entende 9ue o limite se7a sempre al!o

trazido somente pelo outro, infli!ido apenas pelo outro, ou al!o 9ue é faltante eGclusivamente no

outro. *iscursos recorrentes do senso comum, do tipo 8esse menino não tem limite, essas

 professoras não sabem do limite. )orém, se conceituamos limite como sendo interior = relação,

fazemos com 9ue o limite se7a também da9uela parte 9ue acusa a sua presença, ou a sua suposta

ausAncia. o lado 9ue acusa 9ue sente o limite che!ar.

5m um dos nossos encontros com o !rupo, um professor contou de um momento muito banal

de seu cotidiano, no 9ual um aluno pe9ueno viera correndo a!itadamente pelo ptio e o puGara com

muita força pelo braço demonstrando uma vontade de levlo para mostrar al!o. 5ste professor

rea!iu dizendo 9ue o !aroto parasse com a9uilo por9ue ele não podia abordar um professor da9uela

maneira e 9ue, se 9uisesse al!o, deveria che!ar com calma e falar. )ara n4s, o professor disse 9ue

havia feito a9uilo por9ue sentira se espantado com a forma alvoroçada pela 9ual o aluno lhe

 procurara e por9ue sentira, a partir de seu lu!ar de educador, 9ue o menino precisava de limite e de

al!uém 9ue lhe mostrasse esse limite. \;s vezes os alunos simplesmente não sabem dos limites e

2

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n4s, como educadores, precisamos mostrar os limites para elesV, disse ainda o professor. 6 partir

desta cena tão simples e cotidiana, vemos novamente a 9uestão dos limites ser colocada na forma de

uma problemtica moral de cada indiv?duo. estranho perceber 9ue profissionais 9ue tenham se

 proposto a trabalhar com crianças sintamse tão acuados, assustados e desafiados com a a!itação,

com a ener!ia e com a espontaneidade das crianças. 5spontaneidade esta 9ue provavelmente

também fez parte de suas pr4prias infBncias e de sua pr4pria hist4ria 9uando pe9uenos. *a?, diante

de uma situação destas, seria muito poss?vel também individualizar o problema em direção ao

 professor e não somente na direção do aluno, com um pensar moral do bom senso do tipo 8esse

 professor teria de resolverse em sua psicoterapia individual para descobrir por 9ue se sente tão

invadido com a a!itação do aluno ou ainda 8os professores precisam se 9ualificar mais, precisam

de cursos de formação continuada. *e todo modo, novamente se estaria culpabilizando,

dicotomizando, ao invés de se implicar o professor E tanto 9uanto o aluno E na produção das forças,

se estaria simplesmente responsabilizandoo, se7a por sua assim entendida fra!ilidade individual,

se7a pela formação deficitria... 0ais uma vez, se estaria sobrecarre!ando e preenchendo o lu!ar do

 professor com demandas sufocantes, fazendo o 7o!o de forças compleGas se transformarem numa

apressada interpretação de causas e efeitos. 5mbora não tivéssemos podido comentar esta cena

durante os !rupos, é importante notarmos a9ui 9ue, a despeito de se colocar sempre o professor num

 7o!o insalubre de forças e na responsabilidade de cuidar de 9uase tudo o 9ue ocorre na escola, não

se nota mudança al!uma em sua postura, se7a no sentido de comprar a demanda de

responsabilização, se7a no de desincumbirse dela. 9ue, ao 9ue nos parece, estas cobranças

acontecem com tal força e com tal peso, 9ue se transforma simplesmente numa culpabilização, cu7a

conse9^Ancia mais direta é a paralisia, a impotAncia, a eGtrema diminuição da capacidade de a!ir,

de afetar e ser afetado, de ser sens?vel e sensibilizarse, se7a consi!o mesmo, se7a com o aluno e

com os cole!as de trabalho. Oimos 9ue, se o professor acusa a ausAncia de limite no aluno, ele

também não assume este limite como sendo seu, não importando se se trata de uma 9uestão pessoal

ou educacional. 6 problemtica é sempre relacional, s4 pode ser resolvida no encontro, no interiordas relaçMes.

4 9ue, a partir do instante em 9ue o professor olha para si mesmo de um lu!ar hierar9uizado,

 7 inteiro coberto de pressupostos, a partir do momento em 9ue o professor não se permite a si

mesmo eGpressar ao aluno o 9ue sente e pensa, sem tomlo como corpo a ser ensinado e

disciplinado, a partir dessa atitude é o pr4prio professor 9ue reproduz sobre si mesmo o poder 9ue o

coloca sempre sob 7ul!amento e condenação. a partir disso 9ue em n4s cresce a sensação de 9ue

os problemas da educação precisam deiGar de ser discutidos en9uanto simples 9uestMes técnicas,

3

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relativas a paradi!mas peda!4!icos e a cursos de formação E se7am prticos ou te4ricos E para

 passarem a ser discutidos na imanAncia, en9uanto problemas dos modos de se relacionar, de se

afectar e fazer circular os afectos. preciso 9ue se abra espaço de escuta, cuidado e acolhimento ao

 professor E e 9ue este espaço não se limite a uma iniciativa reducionista e perversa de instalar um

consult4rio médico fornecedor de licenças burocrticas. ( educador não precisa ser apenas

reeducado em sua formação, como também escutado. 5 mesmo 9ue se trate os problemas s4 como

uma 9uestão de reeducação do educador, é preciso saber 9ue seria uma construção de lon!o prazo,

 paulatina, 9ue não se operacionaliza em al!uns cursos e pro7etos como o nosso. preciso ainda

respeitar também o fato de 9ue se estaria meGendo E e muito E com concepçMes morais, hist4rias

 pessoais, sentimentos e valores ?ntimos dos professores.

6 acolhida e as discussMes precisam acontecer nas escolas, no cotidiano, incluindose não s4estraté!ias peda!4!icoterapAuticas como a 9ue pudemos realizar de al!uma forma, mas também

intervençMes variadas 9ue se7am zonas de respiro para o cotidiano de trabalho do professor: cinema,

arte, atividades corporais, terapAuticas... a educação como forma de produzir sa<de e a sa<de como

forma de fazer educação. Dalvez essa se7a uma entre outras sa?das poss?veis para 9ue o lu!ar de

 professor deiGe de ser simplesmente reprodutor do poder 9ue historicamente o constituiu, abrindo

lhe a possibilidade de implicarse nas relaçMes e em suas noçMes de limites, desta vez, esvaziado e

despolu?do da moral, da norma, da culpa e da hiperresponsabilização. *izemos isso não s4 por9ue

se trata de um problema de cuidado com a sa<de do professor E o 9ue facilmente viraria uma

demanda pelo saber biomédico ou psi9uitrico E mas também um problema compleGo 9ue envolve

a ética fundamental 9ue produz educação en9uanto lu!ar social de 7ul!amento, controle, docilização

e disciplinamento dos corpos E coisas 9ue recaem sobre os alunos e, como podemos ver, em

demasia e primeiramente sobre os professores. Dambém aos professores deve ser poss?vel se verem

a si pr4prios en9uanto pessoas apenas, antes de se verem somente incumbidos de uma tarefa

institucionalmente préfabricada. *a? uma relação de eGperimentação com o corpo, uma produção

da matéria en9uanto eGperimento das relaçMes.

*esse modo, pudemos discutir com nossas professoras sobre autorizaremse a assumir os

limites como sendo limites para si E eGperimentação de si como superf?cie de produção de potAncia

 E, limiteslu!ares de es!arçamento para as éticas 9ue elas mesmas sustentam, de maneira 9ue se

tornasse poss?vel, a partir de então, falar em nome pr4prio, afetar as forças 9ue as afetam, a!ir sobre

o 9ue sobre elas a!e, implicarse na9uilo 9ue as convoca. e al!umas produziam um suposto ponto

limite, al!umas outras é 9ue sentiam esse ponto como tal, pois é o poder 9ue enlou9uece com seu

iminente desfazimento. Pmplicarse re9uer, por um lado, desculpabilizar e desresponsabilizar o

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lu!ar 9ue se ocupa nas relaçMes, retirandose 9ual9uer meta, papel préestabelecido ou obri!ação

anterior e transcendente, 9ue este7am colocados como mediadores dos encontros. )or outro lado,

implicarse re9uer pensar sobre as formas se!undo as 9uais se tem um lu!ar de produtor ativo nas

microviolAncias 9ue se sofre, nas dores e rou9uidMes 9ue se sente e nas desvalorizaçMes 9ue se

vive. 9ue a dobra do si /si pr4prio1, é uma dobra de um fora, 9ue não é nem interior, nem eGterior,

mas transversal. 5sta dobra do si tem !rande importBncia na medida em 9ue é a curvatura 9ue uma

força faz sobre si pr4pria, a abertura 9ue se encontra para afectarse por si pr4pria&&S e encontrar em

si pr4prio a estranheza por a9uilo 9ue outrora se encontrava naturalizado e muitas vezes investido

na fi!ura do outro.

*esta maneira, implicarse é entrar numa espécie de espaço de oGi!enação das forças, ou

numa superf?cie da 9ual se é, en9uanto força em relação, aliada e não culpada ou responsabilizada.6 partir da sensação de limite, podese implicarse como força tão vulnervel aos acontecimentos

9uanto o outro, ou se7a, aliarse re9uer 9ue se este7a ao lado do outro E  A sal"ação -333. eles a

esperam lateralmente do acontecimento&&K E ocupando um lu!ar ao lado, na mesma linha, como

força cont?nua do outro, um cont?nuo de fato diferencial, mas no mesmo n?vel. Pmplicarse no limite

das forças é estar eGposto, vulnervel, dispon?vel aos imprevistos dos encontros nas relaçMes. 5ntão,

ser aliado re9uer 9ue se este7a sempre acompanhando os fluGos das relaçMes, estabelecendose

alianças de parcerias aos afectos primos entre si, sem 9ue ha7a, por isso, aneGação de uma forma de

achatamento das diver!Ancias E um desape!o diante dos lu!ares prontos e compromissos selados

 perante a silenciosa le!islação institucional. +ão se trata de i!ualarse ao outro, como se não

houvesse toda uma compleGidade relacionada =s relaçMes de poder, = idade, classe social etc., 9ue

coloca os corpos sempre numa relação desi!ual. )elo contrrio, implicarse na relação com o aluno

a partir de um lu!ar de aliado é tornar poss?vel duas potAncias: a potAncia de si pr4prio en9uanto

uma pessoa antes de ser lu!ar institucionalZ e a potAncia do outro en9uanto i!ual em capacidade de

compreensão, aprendizado, ensino. 6ssim, ser aliado é estar envolto, mas não en!lobado nem estar

en!olfado, como seria o sentirse responsvel. 6 responsabilidade re9uer a sustentação da

!ravidade, en9uanto a aliança e a implicação pedem 9ue o corpo aprenda a fazer de si pr4prio força

9ue faz diferir a !ravidade, faz de si alguma coisa como um peso 0fict,cio1  &&%. Oer!arse sobre si é

 passar por dentro da diferença de si consi!o e por fora da escravidão ditada por al!uma pol?tica do

eu. 333 a coisa difere& e difere primeiro de si mesma&&'3 2m fora interior = potAncia, um interior

eGterior ao peso monol?tico do poder. e a culpa faz pesar em !ravidade, imobilizando a capacidade

? D<"F, %. ou!ault , &ão Paulo 4rasiliense, 2009 C p. 08.

 D<"F, %. L6gi!a do 7entido, &ão Paulo Perspecti#a, 1?1 C p.33.8 %5<, . Movimento :otal – 2 Corpo e a Dan1a, &ão Paulo 5luminuras, 2009 C p.1.1 D<"F, %. Conversa19es, $io de aneiro ditora 3, 112 - p.1.

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de ação, a dobra do si faz do corpo um pro%til &#$ 9ue se7a 9ual9uer coisa escorre!adia em 9ue não

!ruda tanto a moral, mas bem corre e desliza sobre as possibilidades 9ue se abrem en9uanto

insuspeitas para as relaçMes E deslize sobre a surpresa, tendo o corpo como pro7étil afectivo, arma

de re"ide&#& ao poder 9ue sobre si mesmo recai.

Dentando distanciarmosnos ainda mais do peso 9ue tem para a vida a noção de

responsabilidade, podemos falar, ao invés de implicação, de uma aliança de duplos, uma

duplicação, em 9ue o outro da relação se torna um duplo diverso, um diver!ente em cumplicidade,

fazendo com 9ue, tanto um 9uanto outro se descolem, se desdobrem em outros de si mesmos, a

 ponto de formarem, não apenas um par de duplos um para o outro, mas também duplos cada 9ual de

si mesmos, duplos deslocados dos papéis e das posiçMes institu?das e institucionais 9ue carre!am

como ordem de uma lei sem face /posto 9ue o poder não est limitado a fi!ura al!uma1, comoformas de uma produção em massa. 2ma duplicação inumana, de puras forças préindividuais e, ao

mesmo tempo, uma forma de humanização do ambiente escolar, 7 9ue se permite ao professor

eGpressarse primeiro en9uanto 8su7eito e não o tempo todo somente a partir do seu papel

institucional, peda!4!ico, or!anizacional. *uplicação 9ue permite ao professor multiplicarse em

sentimentos e eGpressMes honestas, menos atravessadas eGclusivamente por suas obri!açMes. 6os

 professores também é necessria a presença da inocAncia, da possibilidade de passa!em dos seus

 pr4prios afectos, como se a pot+ncia e a cultura do afecto fossem o ob%eti"o333@CC  6s professoras

diziam muito, por eGemplo, das sensaçMes 9ue sentiam no corpo: \resolvo os problemas 9uando eles

aparecem, mas che!ando em casa passo o resto do dia es!otada, como se tivesse sido atropelada,

uma sensação f?sica mesmoV. (utras diziam \s4 durmo, durmo muito, 9uando che!o em casaV. (u

ainda \estou vindo arrastada, 9uando che!o a9ui na escola, meu coração palpita, passo malV.

*iante destas falas, nossa postura era a de, por um lado acolher, procurar encontrar um

refinado tipo de coneGão com a as sensaçMes descritas. ]untamente, tentvamos visitar as nossas

sensaçMes a partir da fala destas professoras e eGpresslas como forma de colocarse nesta relação

de duplicação, de aliança parceira dos afectos, dos modos pelos 9uais se afecta pela realidade da

escola. 5sta espécie de devolução diferencial dos afectos era uma maneira de compor com as

 professoras uma intimidade maior com as suas pr4prias sensaçMes, de modo a tentar conectlas

com os limites sentidos em seus corpos, com as tantas 9uestMes enfrentadas no cotidiano. Psso

 por9ue a impressão 9ue t?nhamos era a de 9ue as professoras pareciam em al!uns momentos não

relacionar tantos desconfortos corporais com a realidade vivida na escola, tamanha a cobrança 9ue

20 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. G , &ão Paulo ditora 3, 11 - p.1.2 5d.22 5d. - p.80.

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impunham sobre si mesmas no sentido de darem sempre conta de todas as confusMes entre alunos,

todas as violAncias vividas pelos pe9ueninos no cotidiano, todas as tantas tarefas imbu?das... 9ue

também havia ainda o fato de 9ue muitas dessas sensaçMes eram vividas em suas casas depois do

trabalho ou nos dias de fol!a, como no caso de uma professora 9ue contou ter ata9ues de enGa9ueca

sempre aos sbados, ou nos dias em 9ue não precisava ir trabalhar, 7ustamente 9uando poderia estar

lon!e da escola e perto da fam?lia. (ra, por 9ue é 9ue os alunos não poderiam também ser parceiros

e aliados destas sensaçMesR 2ma das professoras che!ou inclusive a dizer 9ue sente 9ue h mais

dificuldade dos professores lidarem com o 7eito dos alunos do 9ue destes lidarem com o 7eito dos

 professores. 6ssim, talvez devesse ser poss?vel também 9ue os alunos soubessem de tanto

desconforto vivido pelas professoras. 5las talvez pudessem também tomar os alunos como seus

 parceiros, como capazes de serem sens?veis ao 9ue se passa sem seus corpos, sem 9ue isso se7a

 7ul!ado como inconsistAncia do professor, ou como um 7eito de misturar sensaçMes pessoais com o

trabalho educativo. ( aluno poderia efetivamente ser como um duplo na relação educacional com o

 professorR Dalvez os alunos sintam a mesma sensação de a!ressão e impossibilidade 9ue as

 professoras disseram sentir em nosso primeiro encontro com o !rupo. 6ssim como as professoras

contaram muitas vezes passar mais da metade da aula ouvindo as hist4rias de violAncia 9ue os

alunos viviam fora da escola, talvez se7a poss?vel a este mesmo aluno sensibilizarse com o fato 9ue

esta realidade é bastante dif?cil de ser eGperenciada para as professoras. ( corpo das professoras 7

est o tempo todo eGpressando, denunciando esta realidade, mas não menos o faz o corpo dos

alunos, 7 9ue, como elas disseram, 9uando eles estão demasiadamente a!itados e a!ressivos, é

 por9ue est havendo uma disputa pelo poder do trfico de dro!as na comunidade. 6lém disso, os

tiroteios entre \!an!uesV de comunidades rivais acontece todas as noites. )ois bem, seria poss?vel

9ue nem os alunos vivessem isso tudo na solidão e nem os professores sentissem essa realidade

individualmente em suas carnesR e ambos, ainda 9ue não 9ueiram, 7 compartilham de uma mesma

realidade e de um mesmo espaço de eGpressão dessa realidade, talvez se7a poss?vel 9ue também aos

 professores caiba a inocAncia de partilhar com seus alunos estas dores vividas, devolvendo a elescomo é 9ue tudo o 9ue 7untos vivem se desdobra de maneira muito espec?fica em seus corpos de

educadoras.

 +ão se trata simplesmente de o espaço escolar se transformar num !i!antesco lu!ar

confessional, de lamentaçMes ?ntimas m<tuas, mas de poder falar dos limites 9ue cada um E

 professora e aluno E vivem em seus corpos, sem 9ue esse ato se7a tomado por menos

 profissionalismo e de forma 9ue caiba sempre a implicação de ambas as partes na resolução dos

 problemas vividos. Nimites 9ue não são o acabamento das relaçMes, mas eGatamente os pontos de

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transmutação poss?vel. 6 sensação 9ue temos é de 9ue isso s4 não pode acontecer pela reincidAncia

da moral na relação entre professor e aluno, pela priorização do lu!ar institucionalizado de

 professor, 9ue deveria, da altura de seu lu!ar de educador, ser capaz de ser superior = realidade

compartilhada com os alunos. *ivisão estan9ue dos papéis 9ue impede de fazer superar o formato

enri7ecido da relação educacional. e os professores reclamam da presença demasiada da violAncia

na cultura dos alunos, talvez uma solução poss?vel 9ue não se7a a de corri!ir, controlar e impor uma

cultura dominante, possa ser a de produzir uma superf?cie não hierar9uizada de troca de afectos, na

9ual se7a poss?vel para todas as partes eGpressarem como se afectam, sem 7u?zo de 9ual se7a o afecto

mais le!?timo. 2ma superf?cie muito menos hierar9uizada e, 9uem sabe, até mais educativa. 5

ainda, por9ue não baseada somente na hierar9uia, muito mais educativa, tomandose a educação

como o ensinar instrumentos e habilidades 9ue sirvam para a vida. er sens?vel ao corpo do outro

não seria uma dessas habilidades ao 9ual o ensino por ciclos de formação, na medida em 9ue

 pretende formar cidadãos, deveria estar aberto e disposto a trabalharR

*este modo, trazendo outra situação, uma das professoras descreveu uma cena em 9ue era

solicitada por dois alunos, durante um recreio, a intervir na discussão feita aos !ritos por estas

crianças, 9ue disputavam um pe9ueno banco. 6 professora imediatamente viuse numa das

situaçMes em 9ue tão velozmente 7ul!aria, a partir da moral, a atitude dos alunos como a!ressiva,

interromperia a bri!a com discursos de certo e de errado e sentirseia desvalorizada, novamente

estressandose com picuinhas cotidianas. +este momento, esta professora disse ter pensado nas

conversas dos !rupos conosco e decidido diferentemente da9uilo 9ue sempre fizera: interveio

avisando aos alunos 9ue estaria por perto, mas 9ue como duas crianças de oito anos, podiam ser

muito capazes de resolver elas mesmas a situação, sem depender de seu aval e de sua voz. +otemos

9ue a professora não adotou nenhuma postura de ne!li!Ancia, mas, se outrora se preocuparia com o

 7ul!amento dos cole!as sobre sua atitude, ou com a sua suposta responsabilidade en9uanto fi!ura de

educadora, a!ora passaria a respeitar primeiramente a sensação de es!otamento e eGi!Ancia

eGacerbada 9ue sentia em seu pr4prio corpo para, dessa forma, passar a olhar os alunos 0na altura

dos olhos1& como  iguais em pot+ncia&# e em capacidade de movimentação de forças para sa?rem

das bri!as. er i!ual em potAncia si!nifica continuar sendo diferente, portador de forças diferentes

com !raus variados de intensidade, com lu!ares de poder distintos, porém, com mesma capacidade

9ualitativa de produção de vida E lu!ares de fato desi!uais, mas 7ustamente por9ue desi!uais,

 potentes. )ara esta professora, não foi uma escolha dividir sua responsabilidade na relação com as

crianças, pois não era a 9uestão de escolher entre duas formas prontas de a!ir, entre al!umas

23 pressão muito usada por nossa super#isora em psicologia cl*nica, +ar*lia +uWlaert, em nossas sessOes desuper#isão durante a graduação em Psicologia.

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recomendaçMes aprior?sticas de intervir. 6 professora decidiu por se!uir um fluGo, ou por ser levado

 por ele E eGperimentação, devirvo rasante e, então, criar uma maneira de 9ue este fluGo pudesse

ter materialidade no mundo, em sua relação com os alunos. 2ma materialidade en9uanto

multiplicação de açMes relacionadas, açMes dispersivas, liberadoras, eGpansoras. Fica claro, com

isso, a diferença entre a liberdade ditada pela escolha de açMes préfabricadas e a liberdade

minoritria feita por decisão numa relação. Dornase evidente a diferença entre uma permissividade

e uma eGperimentação cuidadosa dos afectos tecidos nos encontros. +este momento, a decisão pode

ser de uma das partes da relação, mas, mesmo assim, é sempre de todas as partes envolvidas: uma

 produção de articulaçMes antes ineGistentes na relação, tendMes e fibras novas, 7 9ue tentar escapar

ao poder é uma problema articular &#J. +ão uma 9uestão de articular uma !rande massa numérica de

 pessoas ou componentes, mas principalmente da articulação dos corpos num espaço relacional, do

movimento 9ue se faz no 7o!o de uma compleGidade toda 9ue se eGpressa num pe9ueno evento

 banal do cotidiano.

importante destacarmos 9ue para al!umas professoras desta escola, as 9uestMes se

apresentavam muito mais como impasses, em 9ue, recair na solução moral era mais um ato

compuls4rio. ( 9ue sent?amos, muitas vezes, é 9ue estas professoras não possu?am instrumentos

conceituais, te4ricos e prticos para lidarem com as situaçMes cr?ticas do cotidiano, se7a pela

formação 9ue tiveram no tocante aos problemas vividos em escolas p<blicas e = hist4ria de nossa

 produção en9uanto su7eitos, se7a por não se sentirem, diante do modelo idealizado de professor 9ue

se reproduz, autorizadas a arriscarem estraté!ias criadas a partir das relaçMes 7 vividas entre elas e

os alunos e entre si mesmasZ se7a ainda por9ue o pensar e sentir a partir da transcendAncia colo9ue

se de tal maneira incrustada e naturalizada em nossa constituição en9uanto su7eitos, 9ue se torna

9uase indecid?vel estar ou não submetido = moral. ` por isso 9ue  A queixa tem grande import*ncia

não só potica& mas histórica e social& porque exprime um mo"imento de sub%eti"ação&#U, ou se7a,

um movimento de invenção de liberdades minoritrias, de eGperimentação de al!uma ética

desconhecida. 6s 9ueiGas, al!o tão apreciado por n4s psic4lo!os, deve ser vista não como lam<ria,

mas como a percepção de 9ue uma estranheza 9uer lu!ar e passa!em e, no entanto, est sendo

en9uadrada se!undo modelos atuais 9ue não lhe cabem. LueiGarse é sentir 9ue eGiste al!o

 passando pelo pr4prio corpo 9ue é !rande demais&#S, lon!?n9uo demais. 6 9ueiGa apenas noticia da

sensação de estupefação diante do mundo, ou diante de al!o pelo 9ual se é atravessado e 9ue se

torna insuportvel ou dolorido demais E o poder, a moral, ou mesmo a ale!ria, a força, a !ar!alhada,

2 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. G , &ão Paulo ditora 3, 11 C p.?.29 5d. C p.81.2? D<"F, %. /'e!edrio de illes Deleu=e, 11>119 C p. 9?.

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a embria!uez, a lucidez lacerante podem todas ser motivo de 9ueiGa, por9ue podem ser todas muito

maiores do 9ue um corpo individualizado, podem ser muito mais amplas e eGpansivas 9ue um

corpo possa dar conta sem 9ue primeiro tenha de se desmanchar e da? se fazer outro. ão tem nada

a "er com tristeza& a rei"indicação&#K3 

Luando, por eGemplo, em nossos !rupos se discutiu a 9uestão da violAncia durante as aulas e

dentro da comunidade, novamente pudemos caminhar nestas importantes linhas tensas 9ue dançam

entre a ética e a moral, entre a potAncia e o poder. 5stas "inhetas@CB  são formas espalhadas,

distribu?das desi!ualmente sobre uma superf?cie, são trazidas em tempos diferentes, em !rupos

diferentes, em dias diferentes, mas compMem uma linha, ou uma espécie de luz decomposta em

continuidades diferenciadas. ão linhas transversais, riscos feitos por uma flecha, sin!ularidades

transversais. Oinhetas 9ue formam um mesmo acontecimento, mas particulados em tempos eespaços diversos E formam uma mesma superf?cie, na medida em 9ue são blo9uinhos de diferenças.

5m uma dessas vinhetas, al!umas professoras tocaram no assunto da violAncia na comunidade, do

modo como os alunos se relacionam tão constantemente a!redindose !ritando. Falavam da aflição

9ue sentiam ao verem seus alunos maiores che!arem acabados na aula por terem passado a noite

inteira fazendo vi!?lia a serviço do trfico de dro!as, ou de verem os as crianças pe9uenas insones,

 por causa do medo 9ue sentiram ao ouvirem os tiroteios ocorridos durante a madru!ada. 6l!umas

crianças precisavam, inclusive, passar a noite em baiGo da cama para se prote!erem de balas

 perdidas. 6s professoras disseram, muito emocionadas, da tristeza de verem !arotos, alunos seus,

ainda adolescentes, sendo presos por terem assaltado um supermercado, ou sendo mortos pelos

 problemas !erados como o trfico de dro!as.

Dambém, uma professora disse estar eGtremamente incomodada e aflita com al!umas

 brincadeiras 9ue suas crianças, tão pe9uenas, faziam. 5m um dia chamado nesta escola de \dia

livreV, as crianças tAm autorização para fazerem o 9ue 9uiserem e brincar do 9ue 9uiserem. +um

destes dias, esta professora se assustou ao ver crianças pe9uenas brincando de assaltar bancos, atirar

uns nos outros, esconder as armas 9ue eram montadas com peças de brin9uedos oferecidos pela

escola. 5sta professora disse sentirse muito amarrada, por não saber como a!ir, 7 9ue a9uele era o

dia livre das crianças. eu incmodo aumentava mais ainda por9ue a brincadeira se repetia muito e

o fato do dia ser livre a impedia de intervir no sentido de dizer =s crianças 9ue mudassem de

 brincadeira. +estas situaçMes, ainda intuindo al!uma sensação sem forma, per!untamos para as

2 5d.28 ;ermo criado por nosso companheiro de tra)alho, Aleandre Snorre, durante nossas discussOes no espaço fora da

escola, para designar as cenas e situaçOes tra=idas pelos professores, as 'uais são acontecimentos do cotidiano maiscomum, ao mesmo tempo em 'ue são epressOes dos pro)lemas mais sQrios, mais antigos, mais irresolR#eis 'ueperpassam, não só esta escola, como tam)Qm todo o campo educacional.

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 professoras 9ual era a relação 9ue tinham com os alunos, como eram tratadas por eles e como os

tratavam, se7a num dia comum, se7a num momento destes em 9ue se viam, diante das situaçMes de

violAncia da comunidade. *isseramnos 9ue não conse!uiam acreditar muitas vezes 9ue a9ueles

rapazes carinhosos, afetuosos, tão respeitosos com elas eram as mesmas pessoas 9ue \l foraV /fora

da escola1 matavam outras ou roubavam. 2ma professora disse inclusive 9ue um aluno che!ara em

sua aula dizendo \toma profe, meu canivete, pode !uardar por9ue a9ui eu não preciso ficar com ele,

com a senhora eu não preciso deleV. )or esta mesma razão, os alunos aceitaram o combinado com as

 professoras de não entrarem armados E neste caso, com rev4lveres E na sala de aula. Dambém, por

outro lado, al!umas das professoras diziam, em situaçMes como a do roubo de um supermercado, no

9ual um aluno participara, \Pnfelizmente tenho de denunciar este alunoV.

)asseando por estes acontecimentos, estivemos falando para as professoras sobre estarem

sens?veis primeiramente =s relaçMes 9ue 7 tinham constru?do com seus alunos. )ara a professora

9ue se via no impasse de su!erir novas brincadeiras aos alunos ou calarse, per!untamos por 9ue

a9uele era o dia livre somente para os alunos, por 9ue não haveria de ser também para ela,

 professora. Luestionamos não o fato de a professora ter se horrorizado com a brincadeira, mas de se

ver limitada sob uma suposta obri!ação, desta vez, de não dizer nada, ao invés de poder dizer tudo

como sempre ou poder dizer, 7ustamente, de suas sensaçMes, de seus cho9ues, do susto, não a partir

do lu!ar de professora, 9ue deve sempre trazer como tarefa, formar cidadãos civilizados e não

violentos, mas do lu!ar de uma pessoa em relação com outras pe9ueninas pessoas, capazes de

compreenderem dilo!os de afetos, sensaçMes e trocas de perspectivas diferentes. ( problema ético

não é 9ue a professora não conheça a cultura e os valores destas crianças, nem 9ue ela se horrorize

com esta cultura, mas 9ue sobre ela sempre se rebata primeiro o lu!ar institucionalizado de adulto, a

função estabelecida = priori de educadora de bons moços, as se!mentarizaçMes da vida em setores

apartados E o profissional e o afectivo, as paiGMes e os princ?pios, o trabalho, a maternidade, a

formação etc. Che!a a ser in7usto ou até perverso dizermos, acreditando 9ue estamos sendo menos

in!Anuos, 9ue as professoras, vindas de uma cultura de classe média, não conhecem a realidadedestes alunos. Como dissemos =s nossas professoras, elas conhecem bem a realidade destas

crianças, ouvem os tiros, vAem os choros de medo dos pe9uenos, vAem os maiores baleados no

chão, sentem o fedor de uma cultura muito menos hi!ienista. 2m discurso 9ue parece tão

revolucionrio, neste caso, é bastante limitador e s4 faz reinstalar, no corpo das professoras, uma

falta, uma culpa, um buraco, cu7a função não é possibilitar mais e sim in9uirir, acusar uma

incompletude. 2ma das professoras disse inclusive: \+ão temos mais sa<de mental para ter ainda

mais contato com a realidade delesIV fato 9ue as culturas se desconhecem uma = outra em al!umn?vel, mas não é do lu!ar de ausAncia 9ue olhamos, mas do lu!ar de potAncia, ou se7a, da zona de

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encontro em 9ue o deserto se faz inteiramente 7 povoado de forças d?spares em relação. 6 ausAncia

não nos interessa aos olhos, mesmo 9ue ela eGista sempre. Pnteressamnos as presenças, a presença

das forças 9ue sempre 7 tornam os encontros repletos, m<ltiplos. 0uitas professoras 7 repetiam

roboticamente este chavão do \somos de outra cultura, não conhecemos os valores delesV, mas o

 problemtico est muito mais em não haver possibilidade de circulação dos modos de afecção

se!undo uma ética das relaçMes, em 9ue se priorizem as confianças cativas, as car?cias cotidianas

constru?das corpo a corpo, os desarmes deliberadamente decididos. 6 moral é rein7etada l onde não

é cab?vel 9ue a professora fale de suas sensaçMes, despida da moral 9ue a constitui, se7a en9uanto

educadora, se7a en9uanto su7eito, independentemente de sua função social institucionalizada. 6

moral eGiste 9uando, ao não se possibilitar isso ao professor, também não se possibilita ao aluno

al!um sentimento de alteridade, ou da percepção de 9ue seu modo de a!ir, pensar, sentir não

necessariamente é o <nico, pois o aluno tampouco conhece outra realidade, limitado 9ue est pela

 pobreza, pela não oportunidade de conhecer outros universos de valores e referAncias. 5nfim,

 produzse uma relação de cerceamento m<tuo das possibilidades de afecção e potAncia do corpo.

Com esta professora tocamos na opção de abrir liberdades também para si mesma, contando aos

alunos sobre suas impressMes, participando da brincadeira, desafiandose ela pr4pria, a participar do

 plano de roubo, eGperimentando pe!ar nas armas de brin9uedo e atirar, saindo das alturas de seu

lu!ar de professora e resistindo, entretanto, ao impulso correcional, 9ue antes sobredetermina a si

mesma e, então, aos alunos.

*esta mesma possibilidade falamos =s professoras 9ue disseram \estar obri!adas a denunciar

o aluno 9ue roubaV. +um encontro em 9ue discut?amos também a 9uestão da violAncia, al!umas

 professoras disseram 9ue, infelizmente, se vissem al!um aluno seu roubando fora da escola, teriam

de denunciar, mesmo 9ue !ostassem muito deste aluno. Contaram 9ue diziam isso =s claras a seus

alunos. e!undo estas professoras, os alunos, por outro lado, as ameaçavam E \é profe... foi vocA

9ue chamou a pol?ciaRI 6 !ente ainda vai ver isso depois, heinIV 9uando descobriam 9ue havia

sido a escola a chamar a !uarda policial, numa ocasião em 9ue havia acontecido um tiroteio.Pnterviemos dizendo 9ue é 9uando se fala em nome de uma lei do bom senso E de não matar, não

roubar ou não tirar o 9ue é do outro E, 9uando se a!e como funcionrio da vi!ia, se trai a relação

constru?da no cotidiano com os alunos, a 9ual, por sua vez, ultrapassa a relação também moral de

respeito por al!uém mais velho, ou de respeito ao professor e che!a a ser uma espécie de lealdade e

de aliança acolhedora. Danto 9ue as professoras contam de aulas em 9ue passam boa parte do tempo

ouvindo os alunos confessarem medos de serem mortos, ou de serem perse!uidos na vila. Falamos

 para as professoras de ser poss?vel preocuparemse menos em delatar, 7ul!ar, in9uirir, corri!ir, peda!o!izar ou civilizar os alunos e mais em escutar, acolher e ensinar um outro modo de relação

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 7ustamente privile!iando a relação 9ue 7 haviam constru?do com os alunos. +ão seria esta uma

forma de conivAncia, mas de cumplicidade menor, ou se7a, uma aliança mais consciente de todas as

complicaçMes envolvidas na 9uestão da violAncia e da punição. Dalvez uma aliança mais

 preocupada de fato com o aluno do 9ue com a lei, uma educação 9ue possibilita também ao

 professor educarse, desta vez, para ir numa direção diversa da moral e de encontro = necessidade

de potencializarse em si pr4prio a inventividade, a criação de modos de relação 7untamente com o

aluno.

)or isso dizemos da diferença da ética para a moral. +ão h efetivamente uma relação de

oposição entre estas duas formas de vida, mas de velocidade ou de densidade e, ainda de

envolvimento. 6mbas dizem de valores, de modo 9ue toda moral acaba sendo uma espécie muito

 particular de linha ética, 7 9ue possui corpos 9ue a sustentam e devires 9ue a açoitam por todos os

lados. 6 moral diz de valores e sentidos tanto 9uanto a ética, porém, a ética tem caracter?sticas

eGpansivas, moventes e uma dinBmica 9ue se aproGima da dos fluidos, a tal ponto 9ue toda moral

acaba sendo penetrada por uma ética ou, dizendo com mais precisão, por toda parte o 9ue eGistem

são variaçMes éticas e, a ri!or, sustentar uma moral é também uma ética. 9ue a moral, por sua vez,

tem natureza densa, s4lida, !ravitacional. 6 força da moral consiste em atrair para si tudo a9uilo

9ue a rodeia, como uma estrela em processo de morte &#'. Cheia de braços e olhos, a moral possui

uma !rande cabeça de valor, 9ue 7ul!a o mundo e a vida, se!undo um olhar sens?vel a tudo 9ue

difere de si mesma, vai capturando, cercando, en!olfando e entrepondose nos encontros entre os

corpos como referAncia primordial de valor. 5sta !rande cabeça da moral, por pesar e a tudo

envolver, se arrasta, mendi!a afectos e se 9uer mediadora de todos os processos, de todos os

encontros, de todas as relaçMes. Lual9uer coisa 9ue dela difira deve passar por seu crivo ou ser

en!olida por seus braços. 5mbora pareça monstruosa, é astuta e, por isso, possui 9uatro ra?zes

coloridas e brilhantes 9ue se ramificam de um centro e a fazem sedentria e fiGada, a quádrupla

raiz da mediação@FD. 5stas ra?zes podem se combinar ou aparecer de acordo com a necessidade de

sua vontade de apossamento da diferença. 2ma destas ra?zes cresce se!undo a l4!ica da identidade,ou se7a, emite fluGos a partir dos 9uais tudo a9uilo 9ue não se7a i!ual a si mesmo deve ser vi!iado

 por seus olhos e forçado a novamente tornarse idAntico. 2ma se!unda raiz moralizante é a9uela

9ue compara, ou se7a, possui o poder anal?tico de i!ualar corpos e sentidos distintos. 6través da

analo!ia, esta raiz torna toda dobra uma redobra e 7unto com a cabeça da semelhança, a!e

deformando corpos distintos e pro7etando sobre eles ima!ens da9uilo 9ue seriam se fossem

21 Algumas estrelas, ao esgotarem os com)ust*#eis 'ue usam para emitir lu=, começam um processo de implosão C

eplosão para dentro C 'ue fa= sua força de gra#idade aumentar #ertiginosamente e atrair tudo 'ue a há em #olta,inclusi#e os gases e lu=es de estrelas #i=inhas.30 D<"F, %. Diferen1a e "epeti1-o, <is)oa $elógio dKXgua, 2000 C p. 83.

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compostos somente por suas ditas similaridades. 6 moral se a!arra em uma outra raiz ainda 9ue,

usando da sensação de oposição, emite um fluGo de ressentimento bastante dolorido, para o 9ual,

tudo a9uilo 9ue difere se torna oposto e di!no de ser combatido, convertido ou destru?do.

Pdentidade, analo!ia, semelhança e oposição são as 9uatro !randes cabeças morais 9ue mediam as

relaçMes&&.

olitria, a moral mendi!a afectos do mundo e, incapaz de produzir surpresas = vida, afunda

se no ressentimento, na mem4ria e usa da or!anização para suportar viver no mundo. Dodo o mundo

deve ser or!anizado e recortado se!undo suas ra?zes. 6ssim, a moral tem vontade de verdades

 perenes e, sovina, ao invés de doar valor, arranca para si as forças do outro. 6 moral trata de 7ul!ar

a vida e produz uma tautologia da "ida e do de"ir . G uma forma pol,tica de prisão do acaso3 &# 6

!rande preocupação da moral é com valores de bem e mal, de certo e de errado, como no caso das professoras, 9ue abominam 9ual9uer conduta 9ue fu7a ao sistema de valores 9ue as constituem

en9uanto materialidade e corporeidade, denunciando na dor o es!arçamento desta pr4pria ética

moralista 9ue sustentam. )or outro lado, a ética é sempre uma ética, 9uer dizer, como para ela, não

eGiste de"er para com a ei ou o Hem& nem tampouco a um poder de segregar ou distinguir o puro

do impuro@FF, sua preocupação não é com o 7ul!amento ou com a 7ustiça e sim com o

acontecimento, com a potAncia de a!ir e de doar valor = vida. 6 ética não deiGa de ser um compleGo

de valores de referAncia, mas ao invés de in9uirir a vida, prefere ava#i3-#a se!undo seus efeitos e

desencadeamentos. 6 ética é aliada da disponibilidade experimental da matria@F4, ou se7a, curvase

conforme os fluGos nunca combatendoos, mas alimentandose deles e colocando os corpos a

implicaremse e afectaremse ativamente diante de tudo a9uilo 9ue lhes acontece. *este modo, não

eGiste postura não ética, ou antiética, o 9ue eGistem são diferenças éticas, 9ue são sustentadas e

 produzidas pelos corpos. ] para a moral eGiste vida imoral, errada, pass?vel de correção. 2ma ética,

 portanto, pode ser absolutamente imoral e, nem por isso, ser venenosa = vida. +este sentido, a ética

é sempre amoral, ou se7a, d com os ombros a valores enraizados no bem e mal e prefere avaliar a

vida se!undo as variaçMes de fluGos das relaçMes constru?das e dos encontros produzidos. *este

modo, é 9ue diz?amos =s professoras da importBncia de avaliarem as referAncias 9ue usavam para a

educação 9ue eGerciam, pois poderiam estar, como no caso da 8necessidade de denunciar o aluno,

 priorizando a sustentação de uma lei em detrimento da possibilidade de produzirem diferenças

marcantes nas vidas de destes alunos, 9ue na9uele momento tratavam de 7ul!ar, mas com os 9uais

3 5d.32 +"<A$;, +. A. Intermezzo) mesti1agem nos en!ontros !l4ni!os. Doutorado em Psicologia /l*nica, P"/-&P, &ãoPaulo, 2000 C p. 00.33 !"%AI;5, <. A. Ttica como Pot:ncia e +oral como &er#idão, artigo etra*do da internet, 200 - p. .3 +"<A$;, +. A. Intermezzo) mesti1agem nos en!ontros !l4ni!os. Doutorado em Psicologia /l*nica, P"/-&P, &ãoPaulo, 2000 C p. 0.

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haviam podido ter encontros potentes. *e al!um modo, eGperimentar outra forma de estar presente

na vida dos alunos é também ensinar, educar, possibilitar construçMes de modos de relação

desconhecidos.

desta maneira 9ue um corpo, uma materialidade, uma eGpressividade corporal sempreefetiva uma ética. e o corpo produz uma ética e a sustenta, ele então produz um universo, um tipo

de vida, 9ue aponta para a proGimidade ou não da sua potAncia. 6 intimidade com a potAncia de

efetivação da vida é 9ue diz da 9ualidade da vida e da ética 9ue um corpo produz. 2ma

materialidade é sempre uma ética e, como tal, é potAncia em relação, ou relação entre potAncias. e

anteriormente dissemos 9ue, embora conceitualmente o ensino por ciclos se mostre como uma

 proposta educacional dispon?vel =s sin!ularidades do cotidiano, e 9ue, contudo, ele de fato não

funciona com tal potAncia, é por9ue, como vimos, o atravessamento constante de uma 8éticamoralista, ou se7a, de uma ética !al!ada nos valores estan9ues de bem e de mal, de boa e m

conduta, de intervenção correta ou errada, ainda emperra todo o colorido de possibilidades 9ue a

abertura dos ciclos poderiam oferecer. 0esmo 9ue, de al!um modo, não se deva confundir os ciclos

efetivamente militantes de uma educação autnoma e cidadã com os ciclos burocratizados, nos

9uais simplesmente se troca a eGpressão 8série escolar por 8ciclos de formação e se reduz a

 proposta dos ciclos = simples cessão da repetAncia, notase 9ue mesmo dentro de uma escola com

hist4rico de lutas pol?ticas e sociais tão reconhecidamente forte e bravo, se encontra o tempo todo

uma terr?vel moralização das relaçMes e, conse9^entemente, um problemtico empobrecimento de

tudo o 9ue poderia ser educar através dos ciclos. +otamos 9ue, ao vivenciarmos com um olhar mais

delicado a construção cotidiana desta educação, encontramos corpos ainda sustentando éticas 9ue

fazem adoecelos, reproduzir a violAncia, restrin!ir os universos tanto de professores, 9uanto de

alunos, che!ando a se estabelecer relaçMes de verdadeira traição, como vimos, em al!uns momentos

mais dos professores em relação aos seus alunos. 6s professoras estão sempre =s voltas com

impasses éticos, mas é realmente assustador 9ue eGista nelas um movimento de sempre recair na

solução moral, cu7o desdobramento mais perverso é se ouvir dizer nos corredores da escola \melhor

9ue a9uele aluno tenha morrido, era bandido mesmo, é um a menosV.

 5n9uanto muitas professoras faziam o luto pela morte de um aluno de &U anos 9ue havia sido

assassinado devido a al!uma d?vida com o trfico de dro!as, al!umas outras simplesmente repetiam

o discurso da pena de morte, condenando os !uris 9ue haviam visto crescer na escola. 0atase o

menino duas vezes: uma vez pelo assassinato, a outra pela traição da relação constru?da com a

escola, com as professoras. (ra, o problema é ainda mais complicado 9uando, na verdade, a moral

9ue culmina na reprodução da pena de morte não é menos produzida por estas professoras 9ue se

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condoem com a perda do !aroto, do 9ue por a9uelas 9ue emitem as falas de satisfação pelo

ocorrido. 6 moral 9ue desemboca numa traição da relação constru?da com o aluno acontece

também em fatos menores, mais banais, mais ?nfimos. 5sta moral tem diversas eGpressMes poss?veis

e apenas uma delas é esta terr?vel de dese7ar o fim de um aluno.

)or eGemplo, como contaram as professoras, houve uma situação em 9ue se pensou entre elas

em \um cercadinho, ou em um chi9ueirinhoV para ser colocado na rua 9uando uma atividade fosse

feita fora da escola. ( tal cercadinho seria feito para impedir a dispersão dos alunos no espaço

aberto, para controlar a eGploração e a eGperimentação da rua, simplesmente se repetindo em uma

atividade fora dos modelos tradicionais, o 9ue 7 ocorre diariamente na sala de aula. Luanto a isso,

uma professora che!ou a se 9uestionar \+os cobramos 9ue todos os espaços precisam ser

controlados na escola. Demos medo do 9ue vai acontecerV 5m situaçMes cotidianas como estas, seacaba reproduzindo a mesma moral 9ue comemora a morte dos 8alunos bandidos. empre 9ue

houver a moral mediando as relaçMes, h também traição destas relaçMes em al!um n?vel: no caso

do chi9ueirinho, uma idéia tão assustadora 9uanto delirante, o problema do controle aparecia apenas

como uma eGpressão desta éticamoral 9ue tem vontade de impedir a eGpansão, 9ue sente como

ameaça = vida tudo o 9ue na realidade a alar!a. Como dissemos, é a moral 9ue, incapaz de doar

força, 9uer tomar para si a força de crescimento do outro. Domase o aluno como ser fr!il, incapaz

de também construir uma territorialidade interessante no espaço aberto. empre o peri!o do

acidente, o peri!o da fu!a, da a!ressão, como formas de diminuir o potencial do outro. em 9ue se

invista continuamente numa autonomia do aluno, a solução 9ue primeiro passa pelas professoras é o

clichA do controle, a ponto de se permitir sair do espaço formal da escola e imediatamente se pensar

em aplicar o modelo de sala de aula no ambiente aberto. )orém, 7ustamente por se estar no meio

aberto é 9ue se estaria disposto a ser tomado pelo inesperado, levar adiante o pro7eto dos ciclos de

formação. +ão seria esta uma chance de construção concreta de educação autnomaR 6 ocorrAncia

de problemas seria também parte do processo de construção de autonomia. 5star no fora da escola e

reproduzir o modelo de dentro é reprodução da moral e não produção de potAncia, a 9ual necessita

inclusive de al!uns eventos problemticos para se realizar. 6 potAncia de estar fora da sala

tradicional depende também um pouco de se permitir erros, acidentes, pe9uenas desventuras. enão

não se sai nunca de uma ima!em do!mtica do pensamento 9ue reduz os erros a um maldito

ne!ativo ao pensamento, desventuras mal 9uistas limitadas a serem 7ul!adas como forças

improdutivas para o pensamento&U. ( erro feito ima!em do improdutivo, do antiprodutivo...

Pnteriorizase, então, o fora, fazse de todo fora, de todo inesperado, um retorno ao dentro dentro

da moral, do controle, do 5stado. 6 9uestão é 9ue a moral confunde o inesperado com o39 D<"F, %. Diferen1a e "epeti1-o, <is)oa $elógio DKágua, 2000 C p.293.

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 problemtico, sobrepondo coisas distintas, restrin!indo o problemtico e o erro a um 7ul!amento

necessariamente ne!ativo e limitando o inesperado a uma simples oposição improdutiva em relação

= ordem e ao controle. 6 moral mediando as relaçMes tanto 9uanto 9uando se comemora a morte do

aluno. )odese dizer 9ue, em al!um aspecto, não h diferença de !rau de !ravidade entre as duas

situaçMes. )ara o desafio de construir uma educação autnoma e cidadã, as duas situaçMes são

 problemticas no mesmo !rau, na mesma intensidade. +o fim é uma s4 e mesma moral, a moral 9ue

condena = morte os alunos e a 9ue dese7a um cercamento da rua são uma s4 e mesma vontade de

sub7u!ar o outro e, ao mesmo tempo, tornarse a si mesmo pe9ueno, incapaz de es!arçar limites, de

construir novas corporeidades e éticas frente a situaçMes desconhecidas 9ue 7ustamente pedem

novas intervençMes, novos pensares.

Psso por9ue, 7ustamente, limites são locais sobre um tecido de forças e tecidos se es!arçam. +este sentido, os poss?veis acidentes do fora podem ser também pontos limite, lu!ares de impasses

éticos 9ue pedem soluçMes ainda a serem criadas. 6s cenas de violAncia, as situaçMes de perda de

controle, não são senão oportunidades de se passar de uma moral fechada para uma ética da

inventividade. ) problema não existe fora das suas soluções&S3 5 isso não 9uer dizer 9ue as

soluçMes 7 este7am colocadas nas per!untas feitas, como uma determinação invertida entre

 problema e solução, em 9ue a per!unta do problema é feita somente em função de uma resposta

 préconcebida e prédirecionada E pressuposição m<tua entre per!unta e solução. (ra, se o

 pensamento só pensa coagido e forçado& em presença daquilo que 0dá a pensar1& daquilo que se

há de pensar &K, momentos como estes, em 9ue a violAncia presente na comunidade invade a

estabilidade afectiva dos professores, ou em 9ue se sente ameaçado pela eGpansão das crianças em

meio aberto E o espalhamento da vida E são apenas forças 9ue açoitam o pensamento com a

necessidade de criar, produzir. Domar o desarran7o ou o ran!ido dos corpos como zonas lim?trofes

9ue impelem o pensamento a recomeçar, voltar a moverse. como se as dores no corpo, os

cansaços, as cenas de violAncia, o medo do descontrole fossem verdadeiras ilhas desertas@FB, lu!ares

de reativação das forças de criação da vida. 333tal a ilha deserta& pronta para recomeçar o

mundo&'3 6s ilhas de 9uestMes intensas sobre as 9uais pensar são as ilhas de recomeço da

 produtividade potente das relaçMes, recomeço inesperado do pensamento. 6s cenas de violAncia são

flechas, as 9uais fazem abrir um deserto, um zero no pensamento 9ue, ao serem polu?dos pelos

 7ul!amentos da moral, ficam impossibilitados de serem povoados por novidades éticas, por

materialidades e corporalidades novas. *a? 9ue estas ilhas de deserto, ou ilhas desertas são

3? 5d. C p.29.

3 5d. C p.2.38 D<"F, %. / Il%a Deserta, &ão Paulo 5luminuras, 200? C p.1.31  5d.

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 7ustamente oportunidades de desprendimento pelo pensamento e pela ação educacional dos !randes

continentes morais.

 +o in?cio dos !rupos, por eGemplo, uma professora contou do cho9ue 9ue teve 9uando che!ou

na escola, contratada como professora de francAs e se deparou com uma turma ainda analfabeta nal?n!ua materna. Dambém parece ter relação com estes impasses ao pensamento as 9ueiGas bastante

ressentidas e carre!adas de m!oa 9ue traziam as professoras de 6rtes: suas aulas não são, com se

sabe, consideradas disciplinas sérias, di!nas de dedicação e respeito pelos alunos. 2ma das

 professoras de 6rtes nos dizia do 9uanto se sentia frustrada de ter tido sua formação no eGterior, em

Psrael, e mesmo assim sentir 9ue sua aula era uma das 9ue mais os alunos provocava al!azarras. \5u

não estudei fora do pa?s para vim lidar com alunos como estesV E dizia a professora. )ois bem, a

al!azarra, a ba!unça, o caos dos alunos é a9uilo 9ue faz a eGperiAncia, a idade, a formaçãoacadAmica ou 9ual9uer saber consolidado não servir para 9uase nada e, por isso, poderia forçar o

 pensamento, levar o corpo a um novo limite de produtividade. ( 9ue pode uma professora 9ue

ape!ase mais a seu lu!ar de saber 9ue = potAncia de invenção 9ue seu pr4prio territ4rio profissional

eGi!eR 5stas situaçMes trazem uma eGi!Ancia de mudança, a 9ual não tem nada a ver com um

 pro!resso do saber das professoras, ou com um melhor preparo em sua formação. Dampouco o

 problema se restrin!e ao evidente preconceito da professora de 6rtes em relação aos alunos pobres

da escola. 6 9uestão est também em se disponibilizar a 8sofrer a violAncia 9ue a realidade impMe

e 9ue, por tal meio, nos força a irmos além das noçMes se!uras E mas in<teis da boa ou m

vivAncia, da eGperiAncia 7usta ou in7usta. ofrer a violAncia, é claro, s4 9uer dizer abrirse ao real

imediato tal como o é. +ão 9uer dizer de modo al!um a ausAncia de dores e dificuldades

!i!antescas. 6o contrrio, por isso mesmo, incluirse mais a possibilidade de dividir mais o vivido

entre alunos e professores, sensibilizarse diante do outro, dissolver e abrandar a eGcessiva cobrança

9ue se tem sobre si mesmo e sobre os cole!as de trabalho en9uanto educadora. 5nfim, tratase de

estar vulnervel = surpresa, mas ao mesmo tempo, disposto a não recolocla sob 7ul!amento e sim

sob a doçura da possibilidade de recomeço e de produção de parcerias inima!inadas E como a

aliança com os alunos. e a professora de francAs infelizmente tem de se deparar com a 9uase

completa inabilidade de sua turma em mane7ar a l?n!ua materna, encontrase a?, na realidade,

também uma possibilidade de rein?cio, de reabertura e movimentação do pensamento para a

 professora. 5sta é uma das falas 9ue sur!iram no primeiro encontro dos !rupos e 9ue se relacionava

com a9uilo 9ue as professoras disseram ser uma realidade 9ue as a!ride e coloca impossibilidades.

)orém, é preciso lembrar 9ue é 7ustamente diante do imposs?vel, da9uilo 9ue nos deiGa deslocados e

estupefatos 9ue se reencontra também um poss?vel a se inventar, se encontra a necessidade de se ir

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além. neste encontro com o inesperado 9ue se est diante da decisão de se!uir na imanAncia do

encontro entre os corpos ou fu!ir para uma transcendAncia ressentida e recolhida no ideal 9ue não

eGiste. )rofunda ousadia em viver o intra!vel, o des!ostoso: saber 9ue tudo o 9ue 7 se sabe não

leva =9uilo 9ue se precisa saber para fazer da crueldade da realidade um encontro com a leveza.

Fazerse desprenderse do sabido /todo o francAs, toda a arte1 para a!itar em si mesma a

 possibilidade de ensinar a9uilo 9ue, no ideal, 7 deveria estar pronto, s4 9ue não est. +ada mais do

9ue a imanAncia cruelmente colocada. +ão dizemos 9ue é a realidade, pois a realidade é mais do

9ue um 7o!uinho pobre entre poss?vel e imposs?vel. 6 realidade é o impensado tornandose

concreto. de fato um problema 9ue os alunos este7am ainda sem serem alfabetizados. 0as

 problema !rande também é continuar sentindose impotente en9uanto se pretende 9ue o trabalho

se7a condizente com al!uma formação anterior. Dalvez, se7a mais saudvel ver 9ue é o pr4prio

corpo 9ue est implicado num tal encontro com uma realidade pouco bem vinda e 9ue é s4 a partir

deste mesmo corpo 9ue se poder desfazerse de planos concebidos de antemão, para fazer da

realidade uma produção sempre inacabada, pass?vel de ser a!ida l onde é necessrio E no caso,

novamente tentar alfabetizar, novamente dar valor = arte. +ada mais 9ue a crueza da imanAncia.

*orpo capita#i%ado

 6l!o de not4rio na constituição da escola, é 9ue todos 9ue a compMem são normalizados, sem

hierar9uia: corpo do professor é tão atravessado por moralidades e normalizaçMes 9uanto ele énormalizador e moralizador do corpo dos alunos. 6ssim também, o 5stado é tão estatizado 9uanto

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faz funcionar a escola se!undo uma ma9uinaria !overnamental. +o capitalismo contemporBneo, ou

capitalismo mundial integrado&J$ não h mais nenhum !rupo ou fi!ura humana dominante 9ue não

se7a ela mesma a primeira a ser constitu?da por fluGos de captura, de modo 9ue o poder não se

concentra nunca sobre uma classe, uma pessoa, um lu!ar. 6 inteli!Ancia do capitalismo est em ter

se apoderado da diferença, ou se7a, no corpo do professor, a captura se dobra de uma maneira

espec?fica, en9uanto o modo como se dobra no corpo do aluno é outro, também especializado. )or

isso também sobre o dito bur!uAs recai, em termos de intensidade, uma norma tão r?!ida 9uanto

recai sobre o proletrio. e o bur!uAs domina é por9ue ele é o primeiro a ser transformado em er

do capital. 5le é o primeiro enredado, o primeiro a se entre!ar. 5 então, sendo o primeiro é também

o <ltimo, o mais, o totalizante. +o capitalismo, produzse para cada corpo um tipo diferente de

 plissa!em do poder, uma pol?tica diferente E especializada E de vampirização das forças. )erfeita

estraté!ia de universalização. ( capitalismo, a produção capitalista de modos de vida, não escolhe

classes, nem ordens, nem nada, ele é transversal E i!nora a relação hierr9uica 9ue ele mesmo

 produz, i!nora a horizontalidade 9ue aplaina as diferenças, também produzida por ele. 333 que& do

 ponto de "ista da axiomática capitalista& só há uma /nica classe& com "ocação uni"ersalista& a

burguesa&J&3 6 cada diferença, ou estranhamento sur!ido no campo social, o capitalismo se faz mais

lar!o, mais abran!ente e, para cada um, se torna capaz de inventar um aGioma.

)or aGioma, entendemos não uma re!ra, uma lei ou um c4di!o de conduta, mas um

funcionamento, um modo de produção 9ue s4 faz atrair para perto de si toda a diferença, de forma

9ue estas diferenças se transformem na9uilo 9ue o capitalismo precisa para eGtrair mais força.   @4C 

2m aGioma possui centro, mas este centro se desloca conforme a necessidade e se remodela

conforme a9uilo 9ue 9ueira incluir 333 reencontraremos "oc+ sempre nos limites alargados do

 sistema& mesmo se for preciso fazer um axioma apenas para "oc+&J3 (s corpos das professoras são

sempre atravessados por estas composiçMes m4veis de forças de captura, as 9uais são diferentes das

composiçMes 9ue elas eGercem sobre seus alunos, 9ue são ainda diferentes da9uelas 9ue elas sofrem

en9uanto esposas ou mulheres..., mas sempre, em cada lu!ar, em cada relação, a possibilidade e se

rein7etar o capitalismo. 6ssim, no modo de produção de vida capitalizada, não se tem mais uma

formação de poder transcendente, acima do campo social, como acontecia no despotismo. ( 9ue se

tem é um campo de imanAncia 9ue est o tempo todo sendo mobilizado, entre forças 9ue escapam a

ele, mas 9ue ele recupera&JJ, de maneira a sempre poder se recrudescer sutilmente, silenciosa e

0 %"A;;A$5, !. G $B<I5S, &. Mi!ropol4ti!a – Cartografias do DeseHo, Petrópolis Ho=es, 18? C p.1. D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 /nti*Fdipo – Capitalismo e Esquizofrenia. $io de aneiro 5mago, 1? C p.322.

2 5d. C p.3?.3 5d. C p.31. 5d. C p.333.

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sedutoramente. 9ue, no capitalismo nada se impMe, nin!uém é capturado por eGcesso de força,

todos são con9uistados, corte7ados, seduzidosZ nin!uém é empurrado, todos são conduzidos,

constru?dos célula por célula, !omo a !omo, delicadamente. 333não& ningum roubado&JU3 (

capitalismo não é autoritrio, ele é absolutamente democrtico, poder?amos dizer até comunista,

 pois ele contempla a todos sem discriminação. eu funcionamento é capaz de se eGpandir para

todos os lados, envolvendo a todos. ) que se chama& ao contrário& o poder de recuperação do

 sistema capitalista& que sua axiomática por natureza& não mais flex,"el& mas mais larga e mais

englobante&JS3 5m contrapartida, o mesmo capitalismo é também um especialista minucioso, 9ue

trata cada pessoa, cada corpo, cada raça, classe, personalidade ou emoção de forma diferente,

se!undo a necessidade de adaptla a seu uso.

6ssim, uma das professoras nos disse em um de nossos encontros, sobre como se sentia aolidar com o caos de uma turma de alunos formada por eGalunos de outras escolas, das 9uais haviam

sido eGpulsos por estarem com aprendiza!em defasada e ainda não serem alfabetizados: \tenho

vontade de chorar, é um bando de bichos se a!redindoV. 6 professora dizia isso com muita aflição,

levando a mão = cabeça e contraindo a testa e as sobrancelhas, transmitindo também um certo

horror 9ue sentia 9uando via os alunos se a!redindo. 0ais professoras disseram ter dificuldades

com essa turma e confirmaram a sensação de aflição 9ue tinham ao lidarem com os alunos.

e!undo elas, era uma turma muito dif?cil, por9ue eram todos muito a!ressivos. \0e sinto muito

impotenteV disse outra professora. e, de al!uma maneira, é evidente 9ue a sensação de horror

aumenta um pouco por causa da moral E se!undo a 9ual é inadmiss?vel 9ual9uer tipo de

a!ressividade dentro da sala de aula 9ue sempre esta viva na concepção das professoras, por outro

lado é imposs?vel deiGar de considerar 9ue, do lu!ar de educadoras, é realmente muito dif?cil lidar

com uma turma de alunos 9ue faz da a!ressão o principal recurso de enfrentamento dos conflitos.

 +o entanto, o 9ue salta aos olhos a9ui nesta situação não é nem a moral da professora, nem a

a!ressividade dos alunos, mas a eGistAncia de uma turma de 8eGpulsos, de 8defasados e

analfabetos. abemos 9ue, dentro do re!ime de pro!ressão continuada dos ciclos, eGistem turmas

especiais destinadas =9ueles educandos 9ue apresentem defasa!em idade"aprendiza!em&JK. abemos

também 9ue a proposta de formar estas turmas é a de 9ue estes alunos se7am respeitados em seu

desenvolvimento, em seu hist4rico de vida e em seu conteGto cultural, com o ob7etivo de serem

estimulados e desafiados a ampliarem suas aprendiza!ens&J%. Psso, se pensarmos dentro do conteGto

9 5d. C p.303.? 5d. C p.300.

 AFHDB, . /. /iclos de !ormação uma no#a escola Q necessária e poss*#el 5n &;5IHA&/E$, A. et al.Ci!los em "evista, $io de aneiro JaU ditora, 200 C p.20.8 5d.

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espec?fico da educação, parece bastante interessante. 6 formação desta turma por estes alunos

a!ressivos referidos pelas professoras talvez v de encontro com esta proposta das chamadas

8turmas de pro!ressão. +o iderio do es9uema ciclado de educação, tais turmas eGistiriam como

mais um instrumento para a construção de uma educação emancipat4ria&J'. Oemos a? uma

 possibilidade de se produzir uma educação voltada para a diferença, na medida em 9ue se parte da

noção de 9ue diferentes alunos, em diferentes conteGtos culturais, econmicos, ambientais,

 biol4!icos etc., teriam diferentes ritmos, habilidades, possibilidades de aprendiza!em, sem 9ue isso

recaia no 8aprender mais ou aprender menos e sim num aprender diferentes coisas em diferentes

temporalidades e por diferentes meios. 0as a9ui, se considerarmos o modo de funcionamento

capitalista do 9ual falamos acima, veremos novamente ser colocado em ação uma terr?vel

ma9uinaria de produção de eGclusão, ou ainda, de fabricação de uma inclusão concebida em cima

de metas préestabelecidas E incluir dentro de um aGioma.

6 proposta das turmas de pro!ressão talvez tenha pretendido avançar ou ultrapassar este

estado de coisas, na medida em 9ue diz considerar diversos elementos constituintes do processo de

aprendiza!em. 5ntretanto, vemos al!uns !raves problemas aparecerem a9ui, e a?, 7 não sabemos se

se trata de localizlos na idéia destas turmas su!eridas pelo re!ime de ciclos, ou na apropriação 9ue

foi feita desta especificamente por esta escolaZ ou ainda na apropriação tomada pelo capitalismo. (s

 problemas podem estar também um pouco em cada uma das faces. muito preocupante vermos

toda a ri9ueza poss?vel eGistente na possibilidade de auGiliar a aprendiza!em dos alunos através de

vrios recursos, ser transformada E para não dizer deformada E numa fbrica de cola!em de

esti!mas E alunos eGpulsos, alunos ainda analfabetos, alunos defasados, alunos a!ressivos. 5m

outros termos, a turma é formada a partir de uma violenta homo!eneização, na 9ual diferentes

alunos, de diferentes escolas, são i!ualados pela referAncia de suas deficiAncias. 6 turma s4 eGiste

em função dos critérios 9ue eGcluem os alunos, ou os vazem valer menos. *a?, 7 se começa mal.

5mbora se7a realmente necessrio localizar as dificuldades espec?ficas de cada aluno, e se7a

importante, por eGemplo, 9ue se7am alfabetizados, o 9ue vemos acontecer a9ui é uma captura da

diferença. Dudo parece estar comprometido desde o in?cio. 6 nosso ver, o 9ue acontece é 9ue, o

capitalismo recupera para si as diferenças, num processo de produção imanente, 9ue não deiGa

nunca de considerar as especificidades de cada situação, cada pessoa, cada acontecimento, cada

lu!ar. e é dif?cil para a professora e para os alunos estarem vivendo um pe9ueno inferno privado

de esti!mas e a!ressMes, pouco interessa. ( 9ue importa para o capitalismo é 9ue o aluno este7a

atrelado a al!um controle, a al!uma forma de identificação. +o capitalismo, nada pode escapar

demais, ou, se escapa, deve ficar isolado, vivendo apartado até 9ue se adé9^e e se transforme 8num1 5d.

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ne!ro de alma branca. e al!o escapa muito, deve se pensar numa solução espec?fica. 5 a? não

 parece importar também se as professoras sofrem com esta relação.

4 9ue, até a9ui falamos do aspecto ne!ativo do capitalismo, de sua crueldade mais evidente e

fcil, de sua eGclusão deliberada. ( 9ue mais nos intri!a é ver 9ue esta situação de uma sala de aulafeita s4 de alunos mal 9uistos e atrasados é 7ustamente a sutileza e a delicadeza com 9ue se

convence a todos a viver uma violAncia em nome do ideal de alfabetização, ou de aprendiza!em.

9ue, na verdade, não sabemos até 9ue ponto estes alunos podem mesmo ser analfabetos em sua

l?n!ua mãe, pois o 9ue poderia estar acontecendo é de estes alunos terem produzido sistemas

 pr4prios de lin!ua!em, de escrita ou codificação de sentido. +ão sabemos de nada, pois antes

mesmo 9ue possamos saber, o capitalismo sobrevém como poderoso ne!ociador, cu7a tarefa é a de

colocar tanto a professores 9uanto a alunos no mesmo lu!ar de impotAncia E a professora 9ue sentevontade de chorar, os alunos 9ue s4 se sentem capazes de resolver as vivAncias através da

a!ressão... todos i!ualmente tornados corpos 9ue desconhecem as pr4prias forças. 5 no fim, o

cinismo capitalista diria 8pois do 9ue reclamam, são todos i!uais perante a leiI )ara cada tipo de

aluno, uma sala especial. )ara cada diferença, um lu!ar especial 9ue a converter. ( capitalismo se

efetiva dizendo 8venha, !uri, a9ui sua cultura é boa, sua hist4ria nos importa, sua diferença vai nos

interessar. Dudo importa somente se é poss?vel se apropriar dos corpos, roubarlhes força e

 potAncia. +a outra ponta, se diz = professora, num corte7o perfumado, 8ve7a, se salvares estes

alunos, com tudo o 9ue sua 8professorice especial é capaz, então sers uma !rande mulher, uma

!rande professora. +ão se trata de desaprovar a idéia de turmas de auG?lio = aprendiza!em

concebida pelo ensino ciclado. 6 9uestão !rave presente a9ui é a colocação de toda diferença em

al!um lu!ar em 9ue se torne efetivamente produtiva para o capitalismo. Considerase a cultura, a

vida do aluno, a economia, mas sempre se volta a uma meta, a um ob7etivo final préestabelecido E

é o aGioma a!indo. 6os alunos e professores é oferecida a meta universal de alfabetizar e, en9uanto

se bri!a com alunos para 9ue se adaptem a esta meta, estes continuam s4 sabendo se valer da

a!ressão como forma de eGpressão. certo 9ue, como dissemos =s professoras, é preciso lembrar

9ue na comunidade onde vivem estas crianças, a violAncia é uma das estraté!ias vitais de

sobrevivAncia e con9uista de respeito. +o entanto, também é importante 9ue se lance mão de mais

de um s4 tipo de forma de ação sobre o mundo para 9ue a vida se7a poss?vel. *a?, en9uanto se

aGiomatiza alunos e professoras em mesma intensidade e !rau, sob o re!ime da prioridade da

alfabetização, vai se arrancando de ambos, ener!ia, sa<de e potAncia. Cada vez mais a professora se

frustra, cada vez menos os alunos aprendem a se relacionar de outros modos, cada vez mais a

 possibilidade de aprender a ler se distancia. 5ntão, vemos a9ui, não s4 o ne!ativo eGcludente do

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capitalismo, mas o seu dedo mais delicado, mais produtivo, mais inclusivo E produzir escravidão

voluntria e afectos despotencializadores, produzir uma democracia 9ue nivela pela impotAncia.

)ode ser eGtremo dizer 9ue a educação não precisa ser para todos e 9ue nem todos precisam

ser educados e alfabetizados... de fato é eGtremo, mas não ile!?timo. +ão deiGa de ser verdade 9ue aeducação não é nem um pouco a essencial salvadora da vida, pois o fato maior é 9ue a educação na

modernidade foi constru,da sob o signo da massificação&U$ e, deste modo, não passa de um !olpe

mundial de controle populacional. 6 educação ainda é pensada como uma utopia de ensinar tudo a

todos&U&3 )orém, se ficamos s4 num eGtremismo, o 9ue nos carre!a a uma ima!em ut4pica do real,

 peri!amos descolar em direção = transcendAncia. Como dissemos, neste mundo é importante sim

9ue os alunos se7am alfabetizados. 6ssim, sendo um pouco menos eGtremistas, mas i!ualmente

militantes, o 9ue parece ser importante é 9ue, uma vez 9ue se formou uma turma de eGclu?dos, se possa deslocar um pouco o olhar das metas previstas. Luer dizer, os planos da turma de pro!ressão

falham em sua proposta de abertura e emancipação da educação 9uando restrin!em os ob7etivos de

ensino destas turmas ainda a 9uestMes meramente peda!4!icas, ou se7a, falham 9uando sucumbem =

captura do capitalismo. 6 revolucionria vontade de uma educação cidadã acaba também sendo

 pe!a. Dalvez, tanto para a professora, 9uanto para os alunos, se7a mais produtivo e saudvel poder

lidar com os problemas 9ue 7 estão ali, presentes com toda sua força E a aflição 9ue a professora

sente sem deiGar 9ue isto se eGpresse E ou se eGpresse sob a forma de autoritarismos e

adoecimentos , a esta!nação da vida em cima de afectos violentos por parte dos alunos.

6lfabetizar, 9ue é a 9uestão espec?fica, seria s4 um dos ob7etivos do processo, isto é, o processo de

um ensino para a vida é irredut?vel = resolução somente dos problemas de ordem técnica

 peda!4!ica. Oital talvez se7a a professora aprender 9ue pode ser ouvida em sua sensação de choro e

os alunos poderem criar outros re!imes de sensibilidade. preciso estar atento =s aGiomatizaçMes

oferecidas pelo capital. empre 9ue al!uém se sente paralisado e desesperado, como aconteceu com

a professora, podemos dizer 9ue encontraremos o capitalismo aGiomatizando as relaçMes. Psso

 por9ue, no capitalismo, os aGiomas aparecem sempre 9ue eGiste uma desterritorialização

acontecendo: uma professora perdida, sentindose aflita, alunos sendo deslocados de escola em

escola. FluGo afectivo desterritorializado, afecto em estado de desmonta!em, 9ue habita a

encruzilhada entre a potAncia de criar novas formas de ação e a captura por mecanismos de

enri7ecimento. +esta encruzilhada intensa e an!ustiante é 9ue a!e o capitalismo, sempre

reterritorializando, trazendo de volta ao seu aGioma, oferecendo sentido pronto e préfabricado a

90 %A<<B. &. m torno de uma ducação Holtada para a &ingularidade entre Iiet=sche e Deleu=e 5n $ietzs!%eDeleuze – imagem literatura edu!a1-o, $io de aneiro !orense "ni#ersitária, 200 - p.281.9 5d. C p.21.

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9ual9uer acontecimento 9ue cause estranhamento aos corpos. ( obeso poder do capitalismo é,

então, poder de inserirse em 9ual9uer relação 9ue este7a em processo de mudança, ou este7a

 pedindo mudança. )oder miservel, mendicante, 9ue penetra onde 9uer 9ue ha7a !ente desesperada

 por solucionar problemas do cotidiano.

A dobra do poder: ningu(m mais ( estrangeiro

2m tal poder se cristaliza sobre a educação e, no entanto, atravessa todo o social e os corpos

na forma de uma m9uina de força centr?peta redobrada sob diferentes formas de acordo com asre!iMes, as !eo!rafias, as épocas, os povos e culturas, não se restrin!indo eGclusivamente =

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instituição educacional. 5ste poder recai, primeiramente corpo a corpo, no espaço microrrelacional,

 pois um corpo é uma forma artesanal, uma materialidade trabalhada astuta e minuciosamente, é uma

descoberta de um aparelho de !overno, de poder, 9uer dizer, a constituição de uma aGiomtica sobre

o corpo e de uma materialidade espec?fica est li!ada = formação de estraté!ias de !overno 9ue

recaem sobre ele. ( corpo é uma descoberta&U#, sobre ele se faz um artesanato do poder. 6

disciplina, de funcionamento anal4!ico e materialista, é uma das m9uinas &U de produção destas

formaçMes de poder. ( espaço é recortado, em formas fra!mentrias, individualizantes, se!undo um

sentido determinado eGtrarelacionalmente, a partir de relaçMes de poder, mas, ao mesmo tempo,

reproduzidas tão somente interiormente =s relaçMes entre os corpos. Psto si!nifica 9ue, a aGiomtica

9ue recai sobre os limites entre os corpos é determinada por uma moral, ou por uma transcendAncia

e, paradoGalmente, esta aGiomtica s4 pode ser eGercida dentro das relaçMes, na imanAncia. 9ue a

moral s4 sobrevive en9uanto media as relaçMes e en9uanto se apossa dos encontros.

)ara o espaço, usamse fileiras, celas, mesas, tablados, cercas e corredores 9ue, além de

apontarem para as hierar9uizaçMes das relaçMes, marcam as funçMes do espaço, as tarefas a serem

cumpridas, os lu!ares a serem ocupados ou desocupados, as atividades. 5Giste todo um

9uadriculamento do espaço, 9ue produz os limites entre os corpos, determina as eGpansMes

 poss?veis, desfaz as misturas, ou enGerta misturas muito espec?ficas, baseadas em relaçMes de poder

e !overno. 9ue, para o corpo, eGiste toda uma anatomia pol,tica& que tambm igualmente uma

mec*nica do poder &UJ, uma estraté!ia de produção de materialidades e valores. ( tempo também

entra nesta l4!ica, em 9ue é dividido minuciosamente, como se os intervalos entre as unidades de

tempo fossem recortveis ao infinito. 5ste tempo é or!anizado pro!ressivamente, lineamente,

orientandose a um ponto terminal e estvel. Cada parte do tempo também vai sendo preenchida por

uma tarefa espec?fica, por um modo espec?fico de ser ocupado. *esse mesmo modo, os movimentos

dos corpos são diferenciados, divididos em partes cada vez menores, or!anizados e postos sob um

olhar vi!ilante 9ue reforça a atomização individualizante do corpo e adestra estes seus movimentos.

(s !estos são decompostos e recompostos de acordo com uma norma 9ue se eGpressa nas posturas e

movimentos corporaisZ o modo de mane7o dos instrumentos E lpis, pincel, armas, ferramentas E

também são minuciosamente ordenados, divididos, aperfeiçoados e controlados. ( materialismo da

disciplina vem produzir, de forma eGtremamente eficiente, a noção de indiv?duo, o sentimento de

indiv?duo, o limite da pele como limite também para o esp?rito, a carne como limite espacial, o

 poss?vel como <nica produção da vontade. 6 solidão triste como sinal de inte!ridade.

92 !B"/A"<;, +. Vigiar e Punir , Petrópolis Ho=es, 2003 C p. .

93 +á'uinas no sentido de 'ue são usinas produti#as e não no sentido de mecLnico, comumente atri)u*da a estapala#ra.9 !B"/A"<;, +. Vigiar e Punir , Petrópolis Ho=es, 2003 C p.1.

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Psso aponta para o fato de 9ue as relaçMes de poder se constituem na medida em 9ue h

relaçMes de divisão coercitiva e arbitrria. 6 disciplina tem por função, tornar os corpos <teis e

aperfeiçoveis, ou se7a, deles eGtrai valor capitalizado, transformado ora em mercadoria concreta,

ora em valor abstrato infinitamente eGplorvelZ e deles se faz também fonte de saber, plano de

eGtração de informação. Cada articulação, m<sculo ou 4r!ão entra numa espécie de !eo!rafia de um

saber 9ue ser utilizado para o aumento do poder e da eficiAncia. ( corpo tornase também uma

fonte de ener!ia infinita. ão dois re!imes de intervenção do poder sobre os corpos, corpo /til&

corpo intelig,"el &UU. 6lém disso, a vi!ilBncia e o controle das atividades são estraté!ias

fundamentais da disciplina. ( começo materialista e concreto da disciplina culmina, de outro modo,

no controle abstrato dos corpos. 6s divisMes f?sicas, as hierar9uias marcadas por tablados e fileiras,

as puniçMes sobre o corpo, o controle sobre os movimentos e !estos, sobre as relaçMes dos corpos

com os instrumentos vai sendo substitu?da por um controle cada vez menos concreto e espacial, e

cada vez mais abstrato e temporal. ( controle sobre o tempo vai para além da sua divisão em partes,

mas é preenchido também por um controle 9ualitativo da eficiAncia, velocidade e produtividade da

atividade determinada. 6 duração, o presente e o futuro são controlados, de modo 9ue h a?, um

controle dos desenvolvimentos, desenrolares e processos de transformação do corpo. ( controle

sobre o tempo nada mais é do 9ue uma tentativa do poder de controlar os devires e as virtualidades.

2m controle sobre o acaso, sobre os desdobramentos insuspeitos da matéria, sobre a obscuridade da

contin!Ancia 9ue se faz no encontro entre os corpos. 6 vi!ilBncia, os eGames e provas vão !anhando

força en9uanto formas não f?sicas de poder e o controle do tempo se arrai!a. Cada forma de

disciplina E eGército, escola, convento, fbrica E possui sistemas pr4prios de re!ras, leis, crimes e

casti!os, os 9uais não são mais puniçMes diretas no corpo, mas pe9uenos casti!os veGaminosos,

 pre7u?zos nos !anhos, humilhaçMes verbais, eGposição coletiva, açoites para o esp?rito.

5ste processo de diferenciação do poder vai !anhando nova forma. 6lém das edificaçMes

como escolas e prisMes, vai se constituindo uma tecnolo!ia de vi!ia ainda mais eficiente e poderosa.

( pan4ptico, na forma de uma ar9uitetura circular, com uma torre ao centro, ser primeiramente

usada em prisMes, depois espalhada para toda construção disciplinar e, então, transformada em um

dispositivo 9ue não mais precisar de sua forma material e funcionar livremente como m9uina

abstrata, corpo invis?vel do poder. 5sta construção idealizada por Qentham é a fi!ura ar9uitetural de

uma nova composição 9ue o poder d ao seu modo de distribuição e funcionamento. +o centro,

uma torre, vazada por diversas pe9uenas 7anelas de salas escurasZ em volta um anel, uma construção

 periférica dividida em celas, cada uma com a profundidade de toda a espessura do edif?cio. Cada

cela tem duas 7anelas, uma voltada para o centro e outra, maior, para o lado de fora do anel, 9ue99 5d. C p.8.

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 permite 9ue a luz entre, atravesse toda a cela e mostre a silhueta do corpo aprisionado. )elo 7o!o de

luzes, é poss?vel 9ue cada cela se torne um pe9ueno teatro, em 9ue cada ator est sozinho e

constantemente sendo observado, pois em cada 7anelinha da torre central é colocado um vi!ia. +o

entanto, as 7anelas da torre central possuem persianas ou 7o!os de biombos 9ue, por efeitos de luz,

impedem 9ue se saiba 9uando al!uém est l. *essa forma, o pan4ptico permite reconhecer

imediatamente e ver sem parar: a visibilidade se torna uma armadilha. Cada corpo posto em sua

cela é visto constantemente, mas não vA 9uem o vi!ia.  G "isto& mas não "+I ob%eto de uma

informação& nunca su%eito de uma comunicação&US3 6 vi!ilBncia é sempre aGial, vinda de frente e

centralizada na torre, mas, no mesmo instante, é também uma vi!ilBncia lateral, eGpansiva, 7 9ue a

divisão solitria das celas impede 9ue levantes coletivos aconteçam, 9ue doenças se7am

transmitidas, violAncias m<tuas cometidas.

( efeito mais importante do pan4ptico é introduzir no corpo 9ue est na cela um estado

consciente e permanente de visibilidade 9ue asse!ura o funcionamento automtico do poder. (

vi!ia da cela, portanto, passa a ser dispensvel, uma vez 9ue nunca é visto. ( principal nisso tudo é

9ue o detento sintase vi!iado o tempo todo. ( ob7etivo do pan4ptico, no sentido de otimizar a

economia do poder, é introduzir e suscitar a paran4ia no corpo detento. )ortanto, o pan4ptico

 produz um efeito de vi!ilBncia e observação cont?nuas, mesmo a partir de sua ação repicada e

descont?nua. ( essencial é 9ue o preso se saiba vi!iado. ( poder é vis?vel, mas inverificvel, pois o

detento ter sempre = sua frente a ima!em da torre central e, ao mesmo tempo não deve saber

9uando est sendo vi!iado. )orém, deve sentir com certeza 9ue pode sAlo a 9ual9uer momento,

9uando menos espera. ) Panóptico uma máquina de dissociar o par "er6ser "isto: no anel

 perifrico& se totalmente "isto& sem nunca "erI na torre central& "+6se tudo& sem nunca ser "isto3

6lém disso, eGplorase o esp?rito bisbilhoteiro e curioso, de forma 9ue não é preciso 9ue o vi!ia

se7a um especialista. Lual9uer curioso pode ser utilizado como vi!ia e informante. 0uitas vezes,

inclusive, a sala de observação em 9ue fica a 7anela, pode estar vazia, sem 9ue os detentos saibam

disso. ( pan4ptico é uma nova usina de fabricação de uma nova corporeidade e de um novo

sentimento, pois a partir dos efeitos mais di"ersos& fabrica efeitos homog+neos de poder3 Jma

 su%eição real nasce de uma relação fict,cia&UK3 Luem est sob o olhar do pan4ptico, faz funcionar

sobre si mesmo o mecanismo do poder, desempenhando simultaneamente os papéis dos dois p4los

do poder, transformandose no princ?pio ativo de sua pr4pria su7eição . *isso, tornase imposs?vel a

aceitação de 9ual9uer eGplicação psicanal?tica e psi9uitrica de 9ue a paran4ia e o sentimento de

solidão se7am intraps?9uicos e naturais. ( pan4ptico é uma m9uina de produção espontBnea de

9? 5d. C p.??.9 5d.C p.?.

18

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 paran4ia e sentimento de culpa individual, solitria. 6 noção de indiv?duo, a consciAncia, a

 privatização dos afectos são invençMes, produçMes hist4ricas, for7adas no seio de um tipo de

formação social de poder. ( pan4ptico se encontra em uma passa!em de um tipo de sociedade para

outro, ele é 7ustamente a transmutação das relaçMes de poder um devir do poder e marca a

 passa!em para um poder cada vez menos interior e cada vez mais eGterior, ou ainda, cada vez

menos materialista e cada vez mais abstrato, movediço e l?9uido. ( corpo continua sendo o lugar

 por excel+ncia para dominação do poder &U%. 5ntretanto, nesta passa!em o poder começa a

fundamentarse num modelo 4ptico. *esta vez é o olhar a superf?cie de percepção do poder. e

antes ele eGercia controle sobre os corpos através de intervençMes concretamente postas e capazes

de, até então, produzir corpos, a!ora, com o aprimoramento das vi!ias, dos olhares e da paran4ia,

ele passa a ser capaz de pro7etar no futuro esta produção de corpos. *e al!uma forma, através do

olhar, o poder amplifica a possibilidade de saber de antemão, tenta adiantarse aos devires, ou

ainda, previnese de forma mais eficiente. (s re!imes de luz e sombra é 9ue se tornam

fundamentais ao poder e, deste modo, é o saber 9ue !anha ainda mais força como a se!unda pinça

do poder.

]unto destas formas de poder sobre o corpo, também aparecem outras pol?ticas de controle

sobre os meios abertos. 6 ar9uitetura e a !eo!rafia !anham força como saberes aliados do poder, 7

9ue se trata de disciplinar, recortar, 9uadricular também os fluGos 9ue circulam nos campos, nas

cidades, nas praças, nas ruas etc. (s fluGos de !ua, de ar, de calor, de mercadorias, de alimentos,

de doenças, vão sendo todos controlados por normas, leis, vi!ilBncias. 09uinas de dese7o de

controle, m9uinas dese7antes, sistemas de cortes e fluGos, coneGMes e dis7unçMes. (s espaços de

circulação e de parada dos corpos são determinados. ( meio aberto vai se fazendo investido pela

disciplina e pelo olhar. *iversas instBncias de poder passam a circular pela cidade, de modo a vi!iar

a população, principalmente em nome da sa<de. 5stes acontecimentos, 9ue datam do século _OPPP,

foram uma mistura de acaso, ast<cia e necessidade. Havia uma ur!Ancia por al!uma medida 9ue

melhorasse a sa<de da população na 5uropa e, diante disto, o 5stado intervém astutamente de forma

a tirar proveito de uma situação em 9ue facilmente poderia eGercer controle sobre os corpos em

nome de um discurso aparentemente bem intencionado. Como 7 descrevemos anteriormente neste

trabalho, o discurso da sa<de foi eGtremamente importante na formação da bio6pol,tica da

 população&U', ou se7a, um controle poderoso sobre os corpos investidos en9uanto espécie. ( recorte

e determinação dos espaços e temporalidades dos meios abertos E eGteriores =s instituiçMes como

escolas e fbricas E consistiam em pol?ticas de poder 9ue pretendiam a!ir sobre os indicadores da

98 45$+AI, . Entre Cuidado e 7a'er de 7i , $io de aneiro $elume-Dumará, 2000 C p. ?3.91 !B"/A"<;, +. 8ist6ria da 7e,ualidade I – / Vontade de 7a'er , $io de aneiro %raal, 189 C p.3.

11

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9ualidade da vida e da sa<de: natalidade, mortalidade, doença, crescimento, reprodução, raças,

mi!raçMes... a medicina se consolida en9uanto ciAncia e diversos saberes são postos em

funcionamento para 9ue todas as pol?ticas de controle da população se tornem eficientes. *iversos

saberes !anham p4dio cient?fico e, então, aumentase sua força de produção de verdades e de

colocação destas numa posição hierr9uica superior = das verdades produzidas pelas microrelaçMes

entre os corpos. 6s ciAncias formam um reservat4rio de saber, 9ue hierar9uiza as verdades,

 7ul!andoas. 69uilo 9ue a ciAncia diz, tem mais valor de verdade e mais força de predição de tudo o

9ue acontece aos corpos e =s relaçMes.

5sta combinação de disciplina e controle dos corpos en9uanto espécie é chamada biopoder &S$,

ou se7a, literalmente, um poder sobre a vida, um poder 9ue pretende totalizar a sua abran!Ancia e

seus braços sobre tudo a9uilo 9ue possa fazer parte da vida. +ão é = toa 9ue se usa como termo 9uedesi!na os ?ndices de pedidos de licença medica das escolas a biometria, 9ue si!nificaria,

literalmente, 8medir a vida, 9uantificla, re!istrar suas dimensMes, seus tamanhos, inscrever a

matemtica sobre suas forças. 6 anatomia pol?tica da disciplina se alia = biopol?tica da espécie.

5mbora se di!a 9ue é um controle sobre a população, é not4rio 9ue se continua sendo um controle

sobre os corpos, sobre as materialidades, porém, cada vez menos vis?vel, cada vez mais

naturalizado, mais molecularZ tanto mais naturalizado, 9uanto mais é presente e totalizante. 6

invisibilidade do poder se faz pelo fechamento de 9ual9uer universo de poss?vel estritamente sobre

a forma de realidade constitu?da por este poder. )odese dizer 9ue são os devires, as virtualidades,

as possibilidades outras = vida, = realidade e =s relaçMes, 9ue se tornam invis?veis, 9uase inviveis.

( poder recolhe estes poss?veis e os traz sob o seu re!ime de luz e olhar, deles arrancando forças e

ener!ia. Kerir a população  não queria dizer gerir a massa coleti"a dos fen2menos -333. Kerir a

 população significa geri6la em profundidade& minuciosamente& no detalhe&S&3 ( poder sobre os

meios abertos se faziam através de pol?ticas 9ue atuavam molecularmente, sobre cada corpo, dentro

de cada fam?lia, penetrando nos hbitos destas, nas culturas locais, nos saberes populares, nas casas,

nos !estos mais cotidianos dos corpos, na seGualidade, na alimentação. 6s estraté!ias entravam

sorrateiramente em cada interioridade 9ue fosse preciso para manter ordem e controle: como e o

9ue comer, como caminhar, onde caminhar, como vi!iar a seGualidade das crianças, 9ue remédios

 permitir, 9ue saberes deiGar circular, 9ue falas e eGpressMes usar, 9uais !estos selecionar a cada

situação etc. ( poder passa a a!ir engolindo o 0fora1&S#, ou se7a, o mundo passa a não ter 9ual9uer

campo aberto 9ue não se7a um interior virado do avesso pelo poder. ( poder dobra o espaço, dobra

?0 5d. C p. 32.

? !B"/A"<;, +. Mi!rof4si!a do Poder , $io de aneiro %raal, 2000 C p. 21.?2 &545<5A, P. 2 8omem P6s*2rg#ni!o – Corpo& su'Hetividade e te!nologias digitais, $io de aneiro $elume-Dumará,2002 C p. 21.

00

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a eGterioridade e a transforma, desta vez, num interior abstrato com efeitos e açMes concretas.

6ssim, este poder investindo as zonas de circulação e o interior das casas, vai cada vez menos se

restrin!indo dentro das instituiçMes disciplinares concretas e cada vez mais se fazendo através de

medidas 9ue parecem não ter face mandante, nem nome. ão vozes e prticas sem rosto, vindas de

todas as partes. (s saberes cient?ficos entram o tempo todo como funcionrios desta tarefa de

 penetrar todos os interiores e transformlos em superf?cies eGpostas = luz dos olhos do poder. 6

utilidade do olhar, da vi!ia e do re!istro da9uilo 9ue é vi!iado vai aumentando, de modo 9ue a

sociedade disciplinar e de !overno vai se transformando em uma sociedade de controle&S.

*a? a importBncia do desenvolvimento do pan4ptico a 9ue nos referimos acima para a

 passa!em a uma nova formação de poder. através do pan4ptico, 9ue o dispositivo do olhar

onipresente mais se desenvolve. 6s ciAncias, o 5stado, as pol?ticas minuciosas de sa<de, asobredeterminação do tempo vão se tornando cada vez mais os incorporadores deste olhar 9ue vA a

tudo sem ser visto e a tudo re!istra es9uivandose de ser localizado. ( dispositivo do pan4ptico

 parece ter sido eGtremamente importante para o desenvolvimento das pol?ticas de controle da

 população, pois foi uma das condiçMes de possibilidade para 9ue o poder fosse esmaecendo sua face

e seu nome E desde o poder do déspota, passando pela disciplina até che!ar a uma forma

infinitamente abstrata, autoprodutiva, invis?vel, informacional e sub7etiva de nossas sociedades de

controle contemporBneas. ( pan4ptico reforça infinitamente a produção de corpos 9ue se !overnam

a si mesmos, 9ue se estatizam a si mesmos. 5m nossa contemporaneidade, é a informação, ou se7a,

o saber 9ue mais se consolida en9uanto capital de circulação de poder e o pan4ptico também

recrudesceu esta força de eGtração de saber sobre os corpos. Doda a eGtensão de territ4rio é tornada

dentro do poder e toda realidade totalizada pelos funcionamentos poderosos 9ue, paradoGalmente,

apesar de a!irem a céu aberto, produzem efeito de interioridade, de interiorização, 9uer dizer,

fabricam corpos embotados, dobrados para o lado de dentro, individualizados, individualistas E para

não 7ul!ar e!o?stas E culpados e solitrios E afinal, a culpa é uma dobra para dentro de tudo a9uilo

9ue, na realidade, é produzido em relação com o mundo, uma espécie de privatização capital dos

afectos. 333 tudo o que "i"o& dobro para o centro& sou eu comprando o que de fora e pondo

dentro&SJ3 5mbora o poder não se7a centralizado, sua força é centr?peta e sua ação é cada vez mais

centralizante, embora ele não se7a homo!Aneo e se7a cada vez mais especializado para cada relação

entre corpos, ele se torna cada vez mais homo!eneizante. em restrin!irse ao estado E o 5stado é

apenas uma das estraté!ias e lu!ares de passa!em do poder ele cada vez mais estatiza as relaçMes,

?3 D<"F, %. Conversa19es, $io de aneiro ditora 3, 112 - p. 220.? ;recho da mRsica +undo $eto composta por nosso amigo e companheiro de tra)alho Aleandre Snorre, na 'ual sefala com poesia e precisão conceitual do conceito de do)ra.

0

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ou se7a, transforma toda 9uestão das relaçMes em problemas de controle e eGerc?cio de ordenamento.

5statizar as relaçMes é coa!ilas a funcionar se!undo uma ética do controle E inclusão do 5stado nas

relaçMes entre os corpos , obri!andoas a permanecer enri7ecidas, dentro da l4!ica de modelos pré

fabricados.

2ma relação é estatizada 9uando o ob7etivo de sua eGistAncia é controlar os fluGos, recortlos

e ordenlos, de forma 9ue, ao fim, administrar para funcionalizar se7a o sentido <ltimo e primeiro

da relação. 5ntão, em nossos !rupos, as professoras diziam do 9uanto não !ostavam das reuniMes

 peda!4!icas e preferiam muitas vezes 9ue realmente fossem substitu?das pelos encontros conosco.

( motivo disso não é s4 a potAncia 9ue os !rupos produziam. 6s professoras 9ueiGavamse das

reuniMes peda!4!icas por sentirem 9ue são bastante improdutivas e des!astantes. \+unca d certo

reunião peda!4!ica, parece Hig Hrother , tu te sente vi!iada o tempo todoV disse uma professora.

(utra professora completou dizendo \Dem muita barreira entre as pessoas. 6s pessoas parecem não

conse!uir se ouvir sem rancor.V 0uitas, embora dissessem 9ue viam al!uma importBncia nas

reuniMes peda!4!icas, diziam não !ostar de participar. Psso, por sentirem também 9ue as discussMes

estendiamse demais e por9ue se sentiam obri!adas a calar para não se eGporem, 7 9ue o tempo

todo pareciam estar sendo 7ul!adas pelos cole!as ou tendo 9ue 7ustificar suas opiniMes a eles,

sempre se defendendo, sentindo 9ue a fala do outro durante a reunião era um apontamento de erros

e falhas. o pan4ptico, sua m9uina paran4ica funcionando a todo vapor. ( pan4ptico é a criação

de um tipo de dentro interioridade para o corpo e sua ma9uinaria é o fundamento de uma

sociedade apoderada pelo fluGo incessante de saber, de informação, de um olhar 9ue a tudo vA e

comunica E fluGo incessante também de paran4ia. 5sta, por sua vez, s4 eGiste por9ue o re!istro, o

fluGo de informação é usado como material de 7u?zo, 7ul!amento das condutas e açMes. +a l4!ica do

controle, ver é saber e, assim, ser visto é darse a saber E sentirse visto é darse a falar, a 7ustificar,

a anteciparse ao 7ul!amento. *a?, 9uanto mais se sente vi!iado, mais se sente a necessidade de

defenderse, de informar, falar para evitar a culpabilização e, no entanto, acabar emaranhandose

mais ainda nela.5ste controle e re!istro 9ue a todos os espaços ocupa e 9ue produz um tipo de corpo é 9ue são

condiçMes para 9ue se produzam também as biometrias das professoras. Luando as ouvimos

reclamarem das reuniMes peda!4!icas, vimos dois conceitos acontecendo in vivo: o sentimento de

 paran4ia, resultado final e meta primeira da produção pan4pticaZ a priorização da or!anização

administrativa da escola em detrimento da produção de instrumentos ou vivAncias 9ue pudessem

tornar mais saudvel e potente o trabalho de plane7amento peda!4!icoZ isto é, o controle e a

manutenção r?!ida do cotidiano, cu7o ob7etivo primeiro é tolher a força de transformação de 9ue amaioria dos professores poderia lançar mão para definitivamente criar outros meios de

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 plane7amento das atividades escolares. ( controle como forma de se!urar a coletivização ou a

eGpressão direta dos afectos compartilhados das professoras e a paran4ia como forma de asse!urar

9ue o embate de diferenças nas discussMes se7a tomado como !uerra de e!os privativos. 6 diretora

da escola se mostrava bastante incomodada e muito aflita 9uando se falava numa possibilidade de

abolição das reuniMes peda!4!icas para a produção de outros meios de plane7amento e encontro.

empre 9ue se tocava nesse assunto ela imediatamente intervinha de forma a recolocar as reuniMes

 peda!4!icas como <nico modelo poss?vel desse tipo de atividade. )arecia haver até desespero em

sua maneira de salvar as reuniMes. o poder enlou9uecendo com a possibilidade de mudança. 5

lembremos, não é o poder na fi!ura da direção E embora isso eGista de al!um modo E mas o poder

9ue ora passa e é eGpresso pela direção, ora passa por outros corpos e se efetiva de outras maneiras.

Demos a? o controle se afobando em correr atrs do 9ue est em vias de escapar, de mudar. 6

 7ustificativa dada para tal vontade de mesmice era sempre a de pre7udicar a or!anização da escola.

6ssim, vemos i!noraremse os afectos e darse maior importBncia = manutenção do estado de coisas

 7 cristalizado. 6inda 9ue não funcionem para a 9ualidade de vida dentro da escola e para o pr4prio

ob7etivo a 9ual se propMem, as reuniMes deviam ser mantidas E estatização dos encontros e das

relaçMes na escola. Pmpério dos planos préconcebidos sobre os afectos sur!idos no processo.

5 então, os corpos das professoras, sufocados de um sentimento de vi!ilBncia, acabam

ver!ando toda vivAncia coletiva para dentro, em direção a uma interiorização E ou privatização E

das sensaçMes. *a? 9ue, o resultado final disso tudo parece ser o crescimento das biometrias. Corpos

implodindo, corpos caindo, sucumbindo. 5ntão, as sensaçMes sur!idas entre as professoras são

 preenchidas pelos direcionamentos do poder e transformadas em fluGos de informaçMes, inscriçMes

nos re!istros de afastamento por doença. Dodo o desconforto institucional sendo limitado a uma

corrente de informação 9ue ser usada contra as professoras. Doda a compleGidade dos problemas

institucionais transformados numa not?cia miditica de 9ue as professoras não a!^entam mais e

estão 8burnin! out&SU E 9ueimando, estourando seus corpos E para a 9ual a solução 9ue se d é

apenas administrativa E controlar os pedidos de licença E ou médica, isto é, encaminhar in7eçMes,anal!ésicos, ansiol?ticos, antiinflamat4rios, psi9uiatras... oluçMes 9ue deliberadamente substituem

a possibilidade de uma problematização compleGa e compromissada das 9uestMes educacionais. +o

fim, apenas o controle funcionando muito bem através dos fluGos de informação e da eGploração do

sentimento de 7ul!amento e vi!ia, interiorizados nos corpos das professoras.

6ssim, eGiste, 7unto do re!istro estat?stico das biometrias, toda uma rede conectada, 9ue não

se limita ao campo médico. ( re!istro da medicina e as estat?sticas são apenas um dos terminais

?9 $efer:ncia ( chamada &*ndrome de 4urn-out, 'ue nomeia o pro)lema da fal:ncia da saRde mental e f*sica dosprofessores em decorr:ncia das condiçOes insalu)res de seu tra)alho. 5sto Q a tam)Qm chamada &*ndrome dosgotamento Profissional.

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desta rede, apenas um dos pontos em 9ue a rede se torna mais vis?vel, 7 9ue precisam estar

acess?veis =s pessoas. 5ntretanto, como vimos, eGiste uma compleGidade de linhas pol?ticas e éticas

9ue se conectam a este terminal e 9ue produzem efeitos reais através de decisMes autoritrias,

arbitrrias e 8eleitoreiras. 2ma das professoras nos contou 9ue uma das !estMes da ecretaria da

5ducação, ao saber dos n?veis elevados de pedido de licença médica, delimitou o n<mero poss?vel

de pedidos de licença por mAs nas escolas. )odese dizer 9ue escola se controla a si mesma, através

do sentimento de vi!ia de cada professora e do controle da direção sobre os afectos partilhados e,

a9uilo 9ue ainda escapa a isso tudo, ou se7a, os adoecimentos, os outros poderes E ecretaria da

5ducação e poder médico E se encarre!am de administrar com frieza e perversidade.

6s relaçMes de poder re9uerem 9ue ha7a sempre superf?cies de re!istros ou de saber, como os

re!istros dos adoecimentos. )orém, são as coneGMes impostas ou estrate!izadas sobre estes re!istros

9ue determinam se a relação 9ue se estabelece entre os corpos é de poder ou de potAncia. 5 é bom

dizermos 9ue, por relação de poder, entendemos a dinBmica relacional entre os corpos 9ue faz com

9ue al!umas forças este7am em posição de sub7ul!ar, controlar ou coa!ir al!umas outras, de

maneira 9ue todos os componentes da relação, sem eGceção, este7am potencialmente paralisados,

limitados por este estado de coisas. ] por potAncia entendemos a possibilidade sub7ul!ar a força de

sub7u!ação. Dornase mais incerta a relação entre os corpos e, ainda, h a possibilidade de

aumentar, em cada um dos corpos em relação, a capacidade de ação e criação de novas coneGMes.

)oder é movimento de coação 9ue resulta em esta!nação e, a ri!or, em enfra9uecimento dos corpos.

)otAncia é movimento de reinserção de movimento, 9ue pode resultar em fortalecimento de todas as

 partes 9ue compMem uma relação&SS. 5mbora ha7a relativa oposição entre poder e potAncia, o 9ue

eGiste de fato é uma diferença de re!ime e diferença de efeitos finais. 2ma relação dolorosa o

entristecedora pode muito bem trazer potAncia, dependendo de como se desdobram e se investem os

afectos. P!ualmente, a presença da ale!ria numa relação não aponta diretamente para sua potAncia.

6 diferença fundamental é 9ue, en9uanto o poder separa os corpos da9uilo 9ue podem, a potAncia

leva os corpos ao seu !rau mGimo de efetuação das forças 9ue possui &SK. ) poder sempre umobstáculo diante da efetuação das pot+ncias3 Eu diria que todo poder triste&S%3 )ortanto, mesmo o

fluGo cont?nuo de informaçMes sobre os corpos das professoras poderia ser estrate!izado de maneira

a produzir real potAncia no cotidiano escolar.

 +este dia em 9ue soubemos desta redução do n<mero permitido de licenças, 7 estvamos no

fim de novembro do ano de #$$S e todas as professoras pareciam muito cansadas, com olhos

?? IoçOes com as 'uais tomamos contato em nossas aulas com a Profa. Dra. +ar*lia +uWlaert, durante a graduação

em Psicologia.? D<"F, %. /'e!edrio de illes Deleu=e, 11>119 C p. 9?.?8 5d. C p.9.

0

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ca?dos, com olheiras, 9ueiGandose de dores de cabeça, sentandose como se tivessem dobrado de

 peso. LueiGaramse, então, de todo o caminho burocrtico eGi!ido para se pedir licença médica

 parecer ser dificultoso propositalmente. \5ntão, não se pro?bem as licenças, mas dificultase para

9ue as consi!amosV E concluiu uma das professoras. \)arece 9ue a <nica valoração 9ue h /para

n4s1 é estarmos presentes na aulaV E disse uma das professoras. )ara n4s e para as professoras,

 parecia muito claro 9ue se tratava de uma estraté!ia de redução estat?stica 9ue provavelmente mais

tarde seria usada como dado de campanha eleitoral. +ão é preciso ser muito malicioso ou astuto

 para se notar tal intenção. ( uso destes dados poderia se dizer, acaba sendo ideol4!ico, 7 9ue os

n<meros, caso de fato se reduzissem, seriam usados para produzir uma espécie de mentira 9ue, além

disso, encobriria uma série de problemas e fatos da realidade escolar. +o entanto, devemos ver 9ue

o caso é muito mais do 9ue uma simples ideolo!ia 9ue acoberta a realidade, pois eGiste a? uma

verdadeira produção de verdade, uma produção de realidade concreta através de circulação de

forças abstratas. )ode acontecer de a redução na 9uantidade de licenças médicas !anhar tal efeito de

verdade, 9ue se torne capaz de representar toda a compleGidade da realidade escolar E um <nico

dado, usado estrate!icamente, tornandose a verdade sobre o estado de sa<de das professoras da

rede municipal de ensino. por isso 9ue, uma sociedade 9uase não se contradiz, o 9ue acontece é

9ue ela se estrate!iza&S'. 6 ideolo!ia eGiste, mas somente en9uanto uma das estraté!ias deste poder.

( problema é muito mais de ordem prtica e ética 9ue ideol4!ica. H a? toda uma prtica, todo um

modo de se fazer, uma !overnamentalidade compleGa se movendo, não apenas no sentido de

disfarçar problemas, mas de se incluir uma pol?tica partidria, um modo de forçar os corpos a se

transformarem em função das novas estat?sticas, uma pol?tica de desvalor a uma profissão, ou se7a,

uma ética em 9ue se eGtor9ue ener!ia dos corpos E maisvalia E de forma a produzir efeitos de

enfra9uecimento e desprezo E desvalia. ( poder é este 9ue aumenta al!umas forças <teis dos

corpos, reduzindolhes a força de luta pol?tica&K$.

)roduzse, com isso, uma intensificação das individualizaçMes dos problemas e soluçMes. e

não eGiste mais o recorte espacial f?sico e concreto da disciplina, as pol?ticas eGpansivas etransversais 9ue sobredeterminam todos os meios independentemente de serem meios fechados ou

abertos E cuidam de produzir recortes abstratos, sub7etivos, 8espirituais de maneira muito eficiente

e produtora de verdades, de realidades concretas e de corporeidades reais. 6 culpabilização

individualizada cada vez mais intensa torna, também, os limites entre os corpos cada vez mais

marcados. e na disciplina a individualização re9ueria o recorte concreto dos espaços f?sicos, na

 pol?tica de controle derivada do pan4ptico, a paran4ia e o sentimento de culpa, funcionam como os

?1 D<"F, %. Dese@o e Pra=er 5n Cadernos de 7u'Hetividades, &ão Paulo, n. especial P"/-&P, @un., 11? C p.1.0 !B"/A"<;, +. Vigiar e Punir , Petrópolis Ho=es, 2003 C p. 1.

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recortes reais 9ue es9uadrinham os limites individualizantes entre os corpos. FluGos, embora

invis?veis, muito reais, muito concretos, produtores de um embotamento concreto para os corpos. (

medo da vi!ia e do 7ul!amento substitui muito eficientemente as fileiras e celas da disciplina. a

 pele en9uanto limite posto pela pol?tica da individualidade. +esta contemporaneidade de nossas

sociedades de controle, a informação é de eGtremo valor para as relaçMes de poder, é uma espécie de

capital de apoderamento, uma vez 9ue fornecem elementos 9ue funcionam como pontos conectores

nas redes de eGerc?cio de força !overnamental sobre os corpos. Dodo o sentimento de vi!ia e auto

!overno 9ue inicialmente se produziu com o pan4ptico continua sempre presente e uma estraté!ia

como esta de uso dos dados para controle da vida das professoras é claramente uma forma de

 biopol?tica. 3ecortar e informar é controlar. 6ssim, 9uanto mais se informa, mais se pode sobre os

corpos, mas menos estes podem sobre si mesmos. +as sociedades de controle, ao contrrio do 9ue

se possa pensar, não eGiste mais espaço aberto, tudo é privado, tudo é transformado interioridade a

um funcionamento controlador. ( poder se eGerce em meio aberto, ele se dobra para o fora, mas seu

efeito <ltimo é de transformar tudo em interioridade, tudo em espaço privado, cercado E por

eGemplo, os impostos 9ue pa!amos pelo uso das ruas, praças e estradas.

Sempre mais uma ve% a capita#i%ação dos corpos: o buraco no desejo

)or isso insistimos em afirmar 9ue sentimentos de culpa, de baiGa autoestima, de paran4ia, de

solidão são sempre produçMes sociais, relacionais e coletivas, eGteriores a uma interioridade mental, ps?9uica, ou !enética. *o mesmo modo, as biometrias, as sensaçMes corporais incmodas das

 professoras não são nunca apariçMes psicossomticas, mas fluGos sociais, hist4ricos, mundiais,

afectivos 9ue somente se eGpressam nos corpos, sem a eles pertencerem na forma de essAncias

manifestadas. *izemos isso, não apenas como forma de nos diferenciarmos das  psicologias

 profundas&K&, as 9uais se utilizam de princ?pios naturalizantes para, se!undo um método

interpretativo, si!nificarem as cenas, sonhos e fenmenos sub7etivos e, do alto de um lu!ar de

 poder, afirmarem sempre haver al!o por trs ou mais profundo vindo de um lu!ar remoto do

 4B&&, +. $a $oite Passada Eu 7on%ei , &ão Paulo &ummus, 11 C p.?.

0?

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interior do su7eito, 9ue eGplicaria os problemas vividos. 5stas psicolo!ias, trabalhadoras de uma

moral poderosa, preocupamse muito mais em afirmar e reafirmar suas formaçMes te4ricas e seus

lu!ares de poder 9ue em colocarse = disposição de seu p<blico. Fazemos 9uestão de levantar este

alerta também por9ue é preciso olhar com certa desconfiança para um movimento contemporBneo

de produção de eGplicaçMes interiorizantes e psicolo!izantes, 9ue acontecem em muitos saberes.

0uitos são os médicos, apresentadores de DO, psi9uiatras, m?sticos, !eneticistas, professores e

diretores de escolas, seG4lo!os, 9ue levantam teses mar9ueteiras e publicitrias sobre como é

 poss?vel eGplicar através da !enética, da idéia de estrutura ou essAncia, da moral, toda sorte de

 problemas sanitrios e interpessoais.

 +o mesmo dia em 9ue falaram do controle dos pedidos de licença por parte da 05*, as

 professoras 9ueiGaramse, ainda, 9ue sentiam como se houvesse uma idéia de 9ue fossem todas

ociosas. \)arece até 9ue não fazemos nadaV. *iziam isso por9ue, na ocasião, percebendo 9ue

estavam estafadas, per!untamos como estavam se sentindo, como estava o fim do ano e as

 perspectivas para o ano se!uinte. Contaram 9ue, a partir do ano se!uinte E #$$K E, não poderiam

mais fazer per?odos reduzidos de aulas nos dias em 9ue aconteciam conselhos de classe. ( tempo de

horas usado para as discussMes dos conselhos de classe deveria ser reposto sem 9ue isso possa

acontecer aos sbados. *esta forma, mais uma vez, se coloca o corpo sob um re!ime de força 9ue

os es!ota, tirandolhes a potAncia de luta pol?tica, afastando suas pr4prias potAncias da9uilo 9ue são

capazes de produzir. 5ste modo poderoso de se produzir corporeidades, afetos, modos de

 percepção, sensação e ação é 9ue constitui a moral. 6 hist4ria da produção dos corpos

disciplinados, passando pelo pan4ptico e pelas biopol?ticas é a hist4ria da fabricação da moral,

corpo a corpo, ponto a ponto. 6s noçMes biun?vocas de bem e mal, de verdadeiro e falso, de melhor

e pior não são constitu?das espiritualmente, mas materialisticamente. (s poderes sobre os corpos se

tornam cada vez mais 8espirituais, sub7etivos e abstratos, mas seu modo de atuação continua sendo

sobre os corpos, sobre a materialidade da pele, do cérebro, dos m<sculos. somente através da

carne 9ue o poder se torna capaz de mediar as relaçMes e produzir ideais. 6 9uestão dos modos dea!ir, moverse, sentir e pensar não é problema do er, mas do corpo investido por um dese7o de

 poder, por uma vontade de produção e uso das suas forças. 5sta moral, ao produzir aos corpos,

 produz uma ética e, por isso, um modo de dese7o ou vontade. )or dese7o a9ui nos referimos não a

um 9uerer 9ue visa um ob7eto supostamente eGterior E um 9uerer narc?sico, humano, mental E, mas

a tudo a9uilo 9ue é produzido na relação entre os corpos en9uanto força 9ue en!endra, d sentido e

materialidade = realidade. 6 produção de dese7o não é senão a produção de realidade social e

coletiva, estando envolvido, neste coletivo, toda a multiplicidade do mundo E animal, mineral,industrial, econmica, humana, cultural, ve!etal etc. 6 moral, ou a ética moralista das relaçMes de

0

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 poder no capitalismo produzem um tipo de dese7o muito espec?fico, muito caracter?stico destas

sociedades 9ue ho7e se embasam no controle abstrato e sub7etivo sobre a materialidade dos corpos.

Luando as professoras dizem sentir como se houvesse !rande desvalor em relação a seus

trabalhos e 9uando sentem como se as considerassem !randes ociosas, o 9ue encontramos a? é uma

ética do dese7o da falta. ( dese7o da falta é o 9ue o capitalismo tomou como principal forma de

coerção, produzida nas vontades dos corpos. +ão falamos a9ui de dese7ar a falta, mas de fazer

 presente a falta em todo o dese7o, ou ainda, de tornar presente, em tudo o 9ue se produza, uma

espécie de ausAncia. 5sta pol?tica do dese7o tem como idéia bsica a noção de 9ue dese7amos al!o

 por9ue esse al!o 9ue dese7amos nos foi tirado E em al!um passado , ou por9ue nunca poderemos

realizar este dese7o. 5sta ausAncia, embora se7a uma falta, é produtiva, é ativa na fabricação de

corpos ressentidos e culpados E ressentidos por terem sido desapropriados, culpados por sentirem

9ue tAm culpa de terem perdido. 0uito mais 9ue uma elucubração te4rica ori!inada de dentro da

 psicanlise, o dese7o da falta é um modo de produção social de éticas e corpos. H dese7o da falta

em todo momento em 9ue se entende 9ue a realidade se7a constitu?da somente pelo poss?vel, o 9ual

é claramente determinado pelas relaçMes de poder.

5mbora o conceito de dese7o da falta tenha sur!ido a partir da psicanlise, devemos ver 9ue

não é somente no triBn!ulo familiar E pai, mãe e filho E 9ue se reproduz o buraco faltoso ao dese7o.

*entro desta teoria, toda criança, em determinada idade, dese7aria seGualmente a fi!ura materna E

ob7eto de dese7o E e, ao ser interditada pela fi!ura paterna, representante da lei cultural proibidora

do incesto, descobre não poder realizar tudo o 9ue dese7a, descobre ser incapaz e incapacitada pelo

mundo, de fazer do pr4prio dese7o, um dese7o de mundos. 6 psicanlise s4 corroborou com uma

 produção social 9ue faz com 9ue o poss?vel ao dese7o se confunda com o poss?vel imposto pelas

relaçMes de !overno e poder. 5sta interdição ao dese7o 9ue, na teoria psicanal?tica, seria feita pelo

 pai é chamada de castração, a 9ual é a !rande m9uina de homo!eneização dos corpos&K#, pois

meninos e meninas passam pelo mesmo processo de conformação, se!undo a 9ual, a entrada na

cultura depende da presentificação da ausAncia de potAncia em todo o dese7o. 0eninos, ao sereminterditados em seu dese7o, estariam sempre ameaçados de serem castrados E perder o poder

representado pela perda do falo E ao mesmo tempo em 9ue, a partir disso, passariam sempre a

aspirar ao lu!ar de poder 9ue o pai representa sendo dono do falo. 6s meninas 7 seriam castradas,

 pois não possuem falo al!um e, então, desde sempre aspirariam este falo e ocupariam um lu!ar de

faltosas. eria isto o 7o!o de dipo 9ue nos fundaria su7eitos culpados por termos, um dia, dese7ado

um imposs?vel, culpados pela perda deste al!o, por9ue o dese7amos. )rimeiro, vemos uma

 binarização limitadora da multiplicidade da seGualidade em dois !randes p4los !enéricosZ depois2 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 /nti*Fdipo – Capitalismo e Esquizofrenia. $io de aneiro 5mago, 1? C p. 388.

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um desdobramento em um dese7o 9ue constitui aos corpos como corpos incompletos, nunca capazes

de coisa al!uma, sempre destitu?dos de sua potAncia de produzir realidades, de investir o mundo

como mil mundos conectveis. 6 castração vivida na cultura através de dipo é uma resi!nação

coa!ida ao dese7o&K, uma resi!nação tornada natureza de todo o homem. 2ma !eneralização com

dois p4los diferenciais, duas faces não6simtricas&KJ &  uma para os meninos, outra para as meninas.

 +o fim, s4 se tem ao falo como referente central, comum a meninos e meninas. 3eferAncia comum

9ue resulta na ausAncia para ambos. ( roubo de uma potAncia 9ue, se!undo a teoria, nunca se teve e

nunca se ter. ;s meninas e meninos a mesma inoculação de impotAncia, mas, para cada 9ual uma

forma especializada e diferenciada de produção desta inoculação.&KU +um momento, se est na

ameaça de perder, noutro, 7 se perdeu e, num tempo intermedirio, se est perdendo eternamente

 para o poder da lei. 2m tempo sem eGistAncia real, supostamente inconsciente E intraps?9uico E mas

sempre presente e atuante, concreto em seus efeitos.

6 despeito de todo o credo psicanal?tico envolvido na eGplicação familialista do dese7o da

falta, o 9ue !ostar?amos de destacar é 9ue este conformismo pessimista e produtor de impotAncia

aos corpos é produzido em 9uase todas as relaçMes sociais, não sendo eGclusividade da fam?lia a

responsabilidade pela reprodução deste modo de dese7ar. 6 interdição 9ue inicialmente estaria na

fi!ura pessoalizada do pai é, na verdade, a interdição ao dese7o 9ue toda forma de relação de poder

in7eta. 6ssim como o pan4ptico é uma m9uina abstrata de produção de um olhar 9ue nunca é visto,

aplicvel em 9ual9uer relação, o dese7o da falta é uma m9uina abstrata 9ue invade as relaçMes

entre os corpos e os faz sentir como 9ue eternos devedores, ou faltantes, um tempo 9ue nunca

eGiste, mas sempre eGerce força sobre os corpos. 5 é necessrio esclarecer, não se trata de mera

repressão. 6 interdição é uma operação ativa 9ue cria toda uma realidade, um dese7o, uma ética, um

corpo, uma vontade. )roduzse uma pol?tica de dese7o, uma forma de o corpo investir o mundo.

6l!umas professoras, por eGemplo, ao lon!o dos encontros !rupais, passaram a ver como absurdas

as in<meras demandas 9ue atualmente recaem sobre seu trabalho E dar conta do aluno a!ressivo, do

aluno com dificuldade de aprendiza!em, dar conta de incluir o deficiente mental, de cumprir o plane7amento de aulas, de participar de cursos de formação continuada, de ser coerente nas falas, de

não contaminar com pessoalidades o trabalho em sala de aula, de resistir ao calor, ao cansaço, de

ne!li!enciar o medo dos tiroteios. ão demandas vindas de todas as partes, 9ue colocam as

 professoras num lu!ar centralizado E lu!ar 9ue elas muitas vezes tratam de ocupar, posto 9ue é um

lu!ar de relação de poder E e rein7etam em seus corpos um funcionamento 9ue naturaliza a culpa,

3 5d. C p.8. 5d. C p.81.9 5d. C p.8.

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destacando em seu trabalho, tão somente a9uilo 9ue as torna incompletas, insuficientes, faltosas,

falhas.

6lém disso, a colocação de empecilhos aos pedidos de licença são 7ustamente estraté!ias de

controle e de recolocação dos corpos no lu!ar de d?vida com um dever de serem corpos cheios,

absolutos em seu saber e em seu a!ir. Psto se torna claro na pr4pria 9ueiGa das professoras em 9ue

sentemse tratadas como ociosas. ( dese7o da falta é uma pol?tica das sociedades de controle. (

corpo cheio, ou o corpo total, completo, 9ue é decalcado sobre o corpo das professoras é um tipo de

corpo ideal, celestial, 9ue não eGiste em lu!ar al!um e, ao mesmo tempo, eGiste en9uanto mediador

e atravessador de todas as relaçMes entre os corpos. +in!uém é corpo cheio. 5ste é um lu!ar vazio,

sempre desocupado e, ao mesmo tempo, real. 5ste corpo cheio não se limita a ser um ideal de corpo

 E embora o se7a em al!um n?vel E pois ele não tem forma espec?fica, não tem aparAncia material,

 possui uma mobilidade e uma transparAncia t?pica das relaçMes de poder, ou se7a, ele atua en9uanto

m9uina produtiva de dese7o e de corpo, ele possui um funcionamento e não uma forma, é um tipo

de relação de forças e não uma estrutura. uma espécie de si!nificador flutuante, ou se7a, sem

forma fiGa, é capaz de infiltrarse em 9ual9uer relação, como uma espécie de esp?rito perdido, 9ue

não aceitou sua morte e passa a interferir ne!ativamente no cotidiano de uma pessoa&KS. 5ste tipo de

corpo se move em função das forças e matérias 9ue encontra, isto é, ele invade os encontros entre os

corpos e, a partir das condiçMes eGistentes, força estes encontros para um dentro do poder, um

dentro de um modo de sensação, percepção e ação. 2m corpo cheio é o corpo sempre

reterritorializado sobre a falta, sobre a sensação e o movimento de endividamento. um tipo de

corpo 9ue se pretende sempre completo, sem espaço vazio, sem nada a construir, sem abertura para

novidade al!uma. ( corpo é referido a uma totalidade que só pode aparecer como aquilo que falta

a eles&KK3

5m nossos !rupos, em um dos encontros, as professoras trouGeram o tema das avaliaçMes 9ue

o 0inistério da 5ducação aplicou sobre os alunos das escolas de todo o Qrasil. e!undo elas, os

alunos fizeram as provas e não foram bem. 6s professoras disseram 9ue, ao saberem do resultado,ficaram bastante tristes e decepcionadas. +as palavras delas, havia uma vontade de 9ue, mesmo

sabendo 9ue não priorizavam conte<dos curriculares em suas aulas, os alunos fossem capazes de

dar conta da prova somente com as habilidades de pensamento e refleGão 9ue o ensino desta escola

 procurava proporcionar. 5m contrapartida, al!umas professoras do !rupo alertaram para o fato de

os eGames terem sido realizados em condiçMes muito adversas, pelas 9uais seus alunos não

? Ia crença da religião sp*rita, 'uando pessoas morrem e não sa)em, ou não aceitam isso, seu esp*rito passa a

#agar perdido pelo mundo, in#adindo a #ida de outras pessoas. Apenas uma comparação ilustrati#a e eplicati#a paraesta noção de significador flutuante. D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 /nti*Fdipo – Capitalismo e Esquizofrenia, $io de aneiro 5mago, 1? - p. 388.

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 passavam e com as 9uais não estavam acostumados E primeiro, muito calor, depois, a proibição de

se ir ao banheiro sem pedido e autorização e, ainda, o fato de cada aluno ter de fazer a prova

sozinho, a duração das provas, 9ue era bastante lon!a, e o preenchimento das !rades de respostas.

5ram todas condiçMes e re!ras do eGame 9ue os alunos desta escola não haviam aprendido por9ue

em seu diaadia foram criadas formas de todos poderem, por eGemplo, irem ao banheiro sem pedir

autorização, ficando a chave do banheiro pendurada na parede da sala de aula, = disposição de

todos. +esta escola, muitas professoras, 7unto com seus alunos, conse!uiram produzir pe9uenas

autonomias cotidianas, 9ue não cabiam mais dentro das re!ras de realização de uma avaliação !eral

feita por um ministério federal. Como o trabalho em dupla é bastante usado nesta escola, os alunos

estranharam bastante a solidão em 9ue foram obri!ados a fazer a prova. Com isto, os professores

sentiram 9ue seu trabalho era também posto em che9ue. )orém, de nossa parte, procuramos chamar

mais a atenção = relevBncia destes fatos 9ue pre7udicaram a escola e s4 fizeram diminuir ainda mais

o valor do ensino e da ética produzida por estas professoras, 9ue fo!em em muito dos valores e

formas tradicionais de educação. *issemos do 9uanto precisavam atentarse para o fato de a

avaliação do 05C não contemplar a maneira de ensinar desta escola. 6lém disso, falamos muito no

sentido de valorizarem as con9uistas de seus modos de atuar, 9ue proporcionava, entre outras

coisas, a coletivização das vivAncias, uma noção de alteridade e um m?nimo de autonomia nos

alunos, al!o 9ue não se vA em 9uase nenhuma escola. 6s professoras disseram 9ue os alunos

sentiamse muito valorizados nesta escola, mas 9ue a avaliação do 05C havia sido muito ruim para

eles e para si mesmas, pois, com o dese7o de também testarem seu modo de ensino e de, além disso,

9uerer contemplar com ele todos os conte<dos curriculares formais, acabaram não conse!uindo

desfazer, 7unto com os alunos, a sensação de fracasso e desvalor 9ue todos sentiram. \N no fundo a

!ente sentia vontade 9ue eles fossem capazes de ir bem s4 com os princ?pios de racioc?nio e as

habilidades 9ue a !ente ensina. 6 !ente 9ueria 9ue eles dessem conta dos conte<dos. Luer?amos

também saber se nosso ensino funciona, mas com isso, ficamos frustradas com os resultados e

também não conse!uimos fazer os alunos não se sentirem malV Com as professoras, chamamos aatenção para o fato de estarem 9uerendo testar seu trabalho, primeiramente, sem verem, nas

 pr4prias relaçMes vividas com seus alunos, os bons resultados. 0ais 9ue isso, apontamos para o fato

de dese7arem elas mesmas uma avaliação !al!ada em princ?pios completamente discrepantes com a

ética educacional e relacional 9ue haviam produzido com os alunos, buscando resultados em

referAncias eGternas =s constru?das na relação com seus alunos.

ão forças de produção da falta, as 9uais produzem nos alunos, nas professoras e em toda a

escola a sensação de estarem sendo incompletas, de estarem em d?vida com o absoluto, falhas com atotalidade. 6ssim, desprezase a multiplicidade repleta E e não completa E 9ue a forma de ensino

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destas professoras 7 é. 6 falta é uma operação prtica sobre o dese7o e sobre os corpos, 9ue rebate

os mil fluGos e cortes produtivos destes corpos sobre o lu!ar m?tico de dipo&K%, 9ue é o lu!ar da

impossibilidade de potAncia. #esde que se reintroduz a falta no dese%o& esmaga6se toda a produção

dese%ante333&K' 6 falta no dese7o é um holo!rama 9ue cola sobre todo o encontro entre corpos e,

como o pan4ptico, produz efeitos f?sicos concretos a partir de uma força invis?vel e abstrata,

 7ul!ando e reduzindo a potAncia criativa dos corpos a sonhos suspirantes. ( dese7o é reduzido a um

alme7ar. dipo e a falta ao dese7o são idéias tornadas matérias, ou ainda, ao contrrio,

materialidades relacionais estran!uladas no !ar!alo do ideal transcendente de uma meta 9ue se

colo9ue ao dese7o. empre 9ue ao dese7o se impMe uma meta, h traição da imanAncia, ou se7a, h

traição da relação produtiva 9ue se cria entre os corpos. 6 meta aos encontros é a captura das

relaçMes de potAncia pelas relaçMes de poder. 5n9uanto a potAncia consiste em aumentar a

capacidade de ação e criação dos corpos, o poder trata de cafetinar &%$ estas relaçMes em proveito de

um !anho de valor eGterno universalizante E capital E e em função de uma meta.

6ssim, nesta concepção, o dese7o s4 eGistiria por9ue é privado de sua potAncia e submetido

 pela dualidade poss?velimposs?vel, em 9ue o imposs?vel tornase re!ra a todo dese7o. 6parece um

aGioma de 9ue não eGiste dese7o sem lei&%&. 6 falta ao dese7o ou a coação produzida pela

interferAncia do corpo cheio ao corpo dese7ante são mitos tornados essAncias e ficçMes tornados

fatos = priori. +ão é 9ue ha7a absoluta irracionalidade nesta crença na força da falta ao dese7o, pois

elas são demasiado razoá"eis e conformes $ ordem estabelecida@BC3 Cada vez 9ue as professoras se

vAem seduzidas a reocupar um lu!ar de poder e de corpo cheio, se vAm também submetidas, por

suas pr4prias açMes, a terem seu valor 7ul!ado em função das ausAncias em suas produçMes e não

mais pela ori!inalidade delas. empre 9ue uma produção se vA rebatida sobre uma meta, ela passa a

valer somente a partir de sua ausAncia, ela passa a valer como falta dentro do espaço do cheio

absoluto&%. 6ssim, não falamos de ne!li!enciar atenção ao 9ue foi deficiente nos resultados, mas de

compreender o modo de educação destas professoras como parcialidades repletas, elas mesmas 7

 preenchidas por potencialidades e diferenças suficientemente capazes de produzir realidadesinteiras. 4 a partir do instante 9ue se toma estas diferenças con9uistadas no modo de ensino destas

 professoras como multiplicidades substantivas é 9ue se é poss?vel reinserir nelas a capacidade de

transformação e mutação 9ue lhes é necessria para darem conta dos problemas 9ue apareceram nas

avaliaçMes do 05C.8 5d. C p. 83.1 5d. C p.9.80 $B<I5S, &. B ocaso da #*tima para alQm da cafetinagem da criação e de sua separação da resist:ncia 5n <5I&, DG P<4A$;, P.P. 6orgs.7 $ietzs!%e e Deleuze – 5r'aros Civilizados, &ão Paulo Anna)lume, 200 - p.221.

8 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 /nti*Fdipo – Capitalismo e Esquizofrenia, $io de aneiro 5mago, 1? C p.9.82 5d. C p. 8.83 5d. C p.388.

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5ste funcionamento 9ue produz falta em toda produção de dese7o e encontros entre os corpos

é uma tecnolo!ia de poder muito t?pica do capitalismo. 6 destituição de uma terra em nome da

 privatização desta mesma terra, ou da destituição das potAncias do corpo são eGatamente

tecnolo!ias de desterritorialização do corpo. ão tecnolo!ias 9ue apartam corpo, dese7o e

 pensamento, ou o dese7o e sua potAncia de produzir um corpo, uma realidade. ( controle a céu

aberto das sociedades de controle são propriamente forças do capitalismo, 9ue trata de, se!undo um

 paradoGo poderoso, fra!mentar toda territorialidade produzida e rebatAlas sobre as ru?nas de

valores, princ?pios, estruturas des!astadas. ( capitalismo não pra de se reconstruir a partir de um

fluGo desterritorializado. 5le vive da desterritorialização e de uma feroz e rpida

reterritorizalização. +ão se oferece um fora para o corpo no capitalismo,  somos todos pequenas

col2nias&%J e é a falta ao dese7o 9ue nos coloniza e nos traz um limite eGterior =s relaçMes para nossa

 potAncia e, ao mesmo tempo, um limite cada vez mais interiorizado, transformado sempre mais e

mais o interior dos corpos, dos su7eitos. (s corpos são submetidos, no capitalismo, a um intenso

desfazimento de tudo 9ue é produzido e a uma imediata reestruturação sobre anti!uidades

sub7etivas. 9ue o capitalismo descobre o capital como valor abstrato flutuante, destitu?do de sua

moeda concreta e, também assim ele procede com a ener!ia de trabalho e com a força dese7ante.

Dudo no capitalismo tende a se tornar sub7etivo e abstrato e, deste modo, também o dese7o se torna:

o dese%o sub%eti"o abstrato insepará"el de um mo"imento de desterritorialização &%U. ( problema é

9ue esta desterritorialização produzida pelo capitalismo se intensifica de forma verti!inosa, sem 9ue

ha7a tempo para a construção de territ4rios sin!ulares. 6 captura dos corpos pelo capitalismo é tanto

mais desterritorializante 9uanto mais é feita a partir de reterritorializaçMes.

6través da recolocação das vidas dentro das territorialidades transcendentes produzidas pelos

saberes poderosos E psicolo!ia, medicina, psi9uiatria, peda!o!ia E e do envenenamento pelo dese7o

da falta é 9ue o capitalismo desterritorializa todas as ori!inalidades constru?das na relação entre os

corpos. 6 pr4pria colocação, portanto, de superf?cies de re!istro e controle são elas mesmas forças

de desterritorialização. 6 intensa mediação das potAncias de produção dos corpos pelas ciAncias, pelos saberes, pelas relaçMes de poder são formas de produção de uma espécie de es9uizofrenização

das forças. Fra!mentar, destituir, desterritorializar, embaralhar arbitrariamente reor!anizar se!undo

uma moral são as aGiomticas do capitalismo. ( capitalismo,  produz uma formidá"el carga

esquizofr+nica -333. mas que não cessa de repetir6se como limite do processo&%S3 6 falta é estraté!ia

de destituição e de reterritorialização e, este processo, ao invés de cobrir todo o campo social como

um todo, vai criando homo!eneizaçMes diferenciais, ou se7a, para cada territorialidade, para cada

8 5d. - p. 33.89 5d. C p.380.8? 5d. C p.92.

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sin!ularidade, o capitalismo trata de se fleGibilizar criando uma moral espec?fica, a 9ual, por sua

vez, não deiGa nunca de estar, paradoGalmente, incluindo a todos na interioridade de um mesmo e

<nico sistema de valores, 9ue é o capital en9uanto terra abstrata a partir da 9ual tudo e todos são

valorados. A decodificação dos fluxos e a desterritorialização do socius formam assim a tend+ncia

mais essencial do capitalismo&%K3  Luanto maior é a desterritorialização, maior é também a

velocidade de recolocação de terras rotas como a fam?lia, a idéia de sa<de perfeita, a noção de bem

e mal, de civilizado e nãocivilizado etc.

6ssim, os fluGos de dese7o vão sendo codificados somente a partir de sua decodificação e

estes c4di!os são 7ustamente as pr4prias decodificaçMes E os recortes anatmicos da disciplina

impostos aos corpos, os 9uadriculamentos do espaço, as pol?ticas sanitrias e médicas da

 biopol?tica, são todas formas de fra!mentação e reor!anização condicionada dos fluGos 9ue

compMem os corpos. *entro deste processo é 9ue toda corporeidade é capitalizada, ou se7a, é

inclu?da nos modos de funcionamento do capitalismo. (s corpos passam a funcionar desta maneira

também. 6s aulas das professoras desta escola, 9ue eram mais conectadas =s possibilidades 9ue iam

se descobrindo 7unto com os alunos, vão sendo desarticuladas pelas formaçMes de poder pelos

eGames federais E e vão sendo 7ul!adas pelos valores e morais apontadas pelas formaçMes de

saberes = priori E a medicina 9ue as 7ul!a doentes, a peda!o!ia 9ue as 7ul!a insuficientes E ambas as

forças não s4 provenientes dos aparelhos estatais, mas também constituintes dos corpos das

 professoras. 5ste é processo se!undo o 9ual os corpos são capitalizados E passando por todas as

min<cias ainda presentes da disciplina, pelas eGpansMes da biopol?tica e pelo controle abstratificado

ao infinito das sociedades de controle, os corpos são sempre novamente trazidos de volta =s

referAncias de valor inculcadas pelo capitalismo. 5ntão, conforme se capitaliza os corpos, mais resta

 para cada um somente campos de poss?vel habitados pobremente pelas an!<stias e ima!ens

absolutas e ensimesmadas 9ue se tem de si mesmo. Luer dizer 9ue, na produção de desvalia e de

eGtração de maisvalia E desterritorialização e reterritorialização E 9ue o capitalismo impMe aos

corpos, a <nica territorialidade restante para se refu!iar parece ser a identidade, ou a solidãoculpada, a ima!em de si mesmo perdido na repetição de si mesmo en9uanto reprodutor aflito desta

desvalia.

*este modo, em nosso !rupo, 7 por volta de outubro, as professoras disseram do 9uanto se

sentiam cansadas nessa época. 2ma das professoras falou inclusive de ter percebido 9ue passou a

sentir esse es!otamento eGtremo apenas depois de ter ido trabalhar em escolas. 6ntes, 9uando

trabalhava em empresas, disse 9ue não sentia o fim do ano pesar da mesma maneira. 6s professoras

disseram também 9ue é um per?odo do ano em 9ue começam a se dar conta do 9ue foi feito durante8 5d. C p.92.

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os meses anteriores, comparandose com o 9ue !ostariam de ter feito. 0uitas professoras disseram

sentiremse frustradas por verem 9ue conse!uiram cumprir pouco de tudo o 9ue haviam plane7ado

 para o ano. )or isso dizemos 9ue a falta ao dese7o é um tipo de corpo, é uma moral 9ue polui toda

ética e todo encontro entre corpos. +ossas sociedades de controle fazem corpos serem produtivos

somente na medida em 9ue fazem funcionar se!undo o dese7o da falta, 9uer dizer, a produção é

tornada meta e esta se torna, ao mesmo tempo, o lu!ar a partir do +ua# o desejo deve se mover e o

fim de todo o dese7o, para onde e#e deve ir, de modo 9ue sempre se crie um vazio a ser preenchido

infinitamente. 6 meta é o vetor de controle da contemporaneidade. Luanto mais metas se produz

 para o ano, mais parecer 9ue se cumpriu pouco delas. 9ue, por um lado, não se estar vendo tudo

o 9ue se pode produzir para além do 9ue ditavam os plane7amentos. )or outro lado, a pro7eção de

uma meta para todo o ano, feita anteriormente aos encontros dirios com os alunos s4 faz piorar a

sensação de 9ue tudo o 9ue fu7a dela se7a menos importante, se7a descartvel, improdutivo, in<til.

Luanto mais metas h, maior parece ser a confusão do cotidiano, pior parece ser suportar a

contin!Ancia a 9ue est submetido o processo da vida no diaadia. )aralelamente, dizem as

 professoras, 9ue vAem em seus alunos um !rande medo do fracasso, um !rande medo de errar nas

tarefas a serem feitas durante as aulas. 4 9ue, o interessante é 9ue, neste mesmo dia em 9ue isso foi

dito, as professoras diziam das eGpectativas 9ue tinham de ver seus alunos crescerem na vida,

arrumarem um empre!o, terem dinheiro. 6inda mais uma vez: sempre 9ue o dese7o é remetido a

uma finalidade, então é seu in?cio 9ue 7 est comprometido.

( mais intri!ante, entretanto, é vermos professoras e alunos estarem sob a mesma aGiomtica,

sob o mesmo re!ime dese7ante, sendo submetidos = mesma dor e reproduzindo uns sobre os outros

a9uilo 9ue 7ustamente d4i em cada um. )or isso é 9ue se diz 9ue no capitalismo atual não h

classes, nem poderes superiores, estão todos vivendo sob a mesma aGiomtica, 9ue é a da falta. H

nessa aGiomtica um !rande paradoGo: o capitalismo vive de incluir metas 9ue levariam o dese7o a

 produzir, a ir alémZ porém, ao mesmo tempo o capitalismo trata de fazer da meta a pr4pria condição

 para 9ue todo dese7o falhe. )rimeiro a meta = produção do dese7o nas relaçMes e, ainda assim, antesdisso, a falha, a 9uebra da produção como raiz de onde nasce a impotAncia dos corpos. +o

capitalismo as falhas são or!anizadas como sendo sua pr4pria condição de funcionamento.&%% 

)orém, 9ue fi9ue claro: não fazemos uma apolo!ia do espontane?smo, do não plane7amento das

aulas. 6penas dizemos da possibilidade de eGperimentação, de sa?da dos impasses não através de

um apoio nos planos prétraçados, mas a partir dos poss?veis 9ue as pr4prias relaçMes 7 produzem

em seus encontros. Falamos a9ui é do problema das metas estarem muitas vezes nublando as

 possibilidades de construção 9ue aparecem, sobrepondose = potAncia dos eventos fortuitos. )or88 5d. C p.32.

9

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eGemplo, as professoras se 9ueiGavam de 9ue os alunos não tAm clareza do 9ue aprendem. Contou

uma das professoras 9ue ouviu dos alunos: \com os ciclos a !ente não repete de ano, não d em

nada, a !ente não precisa aprenderV. 4 9ue, por outro lado, 9uando a professora de !eo!rafia de

nosso !rupo se propMe a levar um mapa da re!ião em 9ue est a escola para seus alunos verem e

estes reclamam por perceberem 9ue suas subre!iMes não estão representadas, h então muito sendo

ensinado, muito a poder ser ensinado E a luta pol?tica, a noção de espacialidade, a indi!nação, a

noção de escala etc. o repleto 7 presente na multiplicidade 9ue se cria a partir dos encontros

como possibilidade primeira de intervenção educacional. e se toma o plano prévio como

referAncia, de fato não h nada acontecendo. 0as, se tanto as professoras 9uanto os alunos puderem

 perceber a produtividade 9ue eGiste 7 na contin!Ancia do cotidiano, 7 estarão, de forma sens?vel,

rompendo com esta l4!ica terr?vel e sufocante do capitalismo.

] relacionada = desterritorialização, 9ue é, ao mesmo tempo, princ?pio e limite <ltimo do

capitalismo, podemos destacar a 9uestão da inclusão escolar. 6s professoras nos contaram da

dificuldade 9ue tAm com a diversidade de problemas 9ue encontram nos alunos. \Dem aluno 9ue a

!ente acha 9ue tem al!uma coisaV /al!um dist<rbio mental, ou problema neurol4!ico1. 2ma outra

 professora, por sua vez, nos disse 9ue estava fazendo um curso sobre as vrias formas de

deficiAncias 9ue deveriam ser inclu?das na escola. Falaram as professoras das in<meras demandas

9ue fazem parte de uma pol?tica de inclusão, diante da 9ual se sentem muito confusas. Danto 9ue

um professor disse se per!untar: \6 escola tem limitesRV )or isso as professoras comentaram da

necessidade 9ue sentiam de poderem encaminhar al!uns alunos para profissionais especializados,

como fonoaudi4lo!os e psic4lo!os. \6s mantenedoras&%'  da 05* não oferecem assessoria

nenhuma, s4 cobram relat4riosV. E reclamavam as professoras. Psso tudo com relação = percepção de

9ue al!uns alunos poderiam apresentar al!um problema espec?fico 9ue estivesse causando

dificuldades de aprendiza!em. Dambém todas as demandas sociais 9ue entram na escola, como a

 pobreza e a violAncia entram nesta !ama de problemas de ordens diversas com as 9uais as

 professoras sentem muita dificuldade. Foi dito, por eGemplo, do fato de os l?deres locais do trficode dro!as estarem aproveitando para puGarem os alunos adolescentes, menores, para serem seus

funcionrios e poderem trabalhar sem o risco de serem presos. \2sam o fato dos !uris serem

menores e estudantes como libiV E disse uma das professoras. 0uitos eGalunos estariam sendo

 puGados para trabalhar 7unto ao trfico de dro!as, 7 9ue não teriam outras perspectivas de fonte de

renda. *a?, se entra num territ4rio 9ue, por mais 9ue não 9ueiramos pré7ul!ar embasados na moral,

é evidentemente bastante arriscado, delicado e acompanhado de violAncia. )or eGemplo, como

81 As mantenedoras são funcionárias da &+D 'ue tra)alhariam um pouco como ou#idoras da escola e um poucocomo agentes 'ue recolheriam informaçOes a respeito do andamento do ensino em cada escola.

?

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contou uma das professoras, aconteceu de um dos alunos estar muito a!itado num dia por9ue lhe

fora dito 9ue seria morto na semana se!uinte, pois o pai de outro menino prometera a morte de mais

seis !uris como vin!ança = morte de seu filho de &U anos de idade&'$. 5ntão, o 9ue vai se dizer da

 ba!unça dos alunos de escola p<blicaR Lue são incivilizados, desordeiros brbaros, 9ue a 7uventude

atual perdeu o senso de respeito pelo professor, ou o senso moralR

*iante dessas situaçMes, falamos com as professoras de 9uestionarem também consi!o

mesmas, sobre o papel social 9ue se incumbem, sobre toda a responsabilidade 9ue pretendem ter.

*issemos de nossa sensação de 9ue parecia ser demasiadamente ri!oroso e sobrecarre!ado o lu!ar

de educador. +ovamente, não falamos isso no sentido de as tornarem descompromissadas. 6

9uestão era a de podermos ser, na9uele momento, um contraponto afectivo, cu7a tarefa era a de

trazer uma outra sensação poss?vel diante de toda a 7 naturalizada e arrai!ada sensação de

responsabilidade por toda sorte de problemas sociais e também biol4!icos, neurol4!icos, !enéticos

 E no caso da inclusão das deficiAncias. Falamos da possibilidade de não comprarem de imediato

tantas demandas e, assim, poderem investir de outra forma no trabalho de educadora. Psso por9ue,

da maneira 9ue 7 estavam confi!uradas as coisas, estava evidente o 9uanto a potAncia de ação 7 se

apresentava restrita. (ra, isso por9ue o 9ue vemos é a escola funcionar como !rande depositrio de

tudo o 9ue produz uma absurda sensação de desterritorialização. Doda a desterritorialização do

campo social parece se voltar para a educação, tomandose esta como lu!ar de recuperação do

controle. )ortanto, talvez, havendo uma espécie de ne!ação ou nãoaceitação deste lu!ar por parte

das professoras, pudesse também eGistir, pelo menos, uma abertura para se pensar açMes menos

determinadas. +e!ação do lu!ar como resistAncia, possibilidade de tecer outras açMes como linha de

fu!a, linha de criação 9ue passe por entre a violAncia e a eGi!Ancia das demandas.

 +o caso, o 9ue chamamos de linha de fu!a é a possibilidade das professoras visitarem as

sensaçMes 9ue passam por seus corpos, desta vez, com outra sensibilidade, outra percepção: a

 percepção dobrada para fora da naturalização das demandas, a sensibilidade 9ue le!itima o cansaço

e a sensação de eGcesso de eGi!Ancia, de desterritorialização. Falamos não de uma permissividade, pois a 9uestão não é de permitir ou não permitir, autorizar ou não autorizar. ( problema é sim o de

le!itimar, dar força, acolhimento e cuidado =s sensaçMes, ao ponto em 9ue elas possam ser

 produtivas, criativas. +ão pensamos em uma solução salvadora dos alunos, mas em uma linha de

 possibilidade, ou potAncia, 9ue dA força =s professoras para conse!uirem dar conta de seu trabalho

sem o sentirem somente como tarefas sempre incompletas, sempre faltosas. 6 violAncia entra na

escola, mas sua solução não pode ser aceita pertencente = escola. )or isso, falamos com as

10  ste menino de 9 anos foi a'uele a 'ue nos referimos como #*tima tam)Qm da comemoração de algunsprofessores pela morte de um )andido.

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 professoras de 8botarem a boca no mundo, ou se7a, de não aceitarem tais demandas, de poderem

lutar fora da escola para 9ue estes problemas se7am movidos utilizandose de outras instBncias

 pol?ticas, por eGemplo. )ortanto, não falamos de se desincumbir do problema, mas de levlo para

fora, para o mundo, conectandoo com mais linhas de intervenção. )or outro lado, é preciso

contrapor 9ue, outras linhas de intervenção não se limitam simplesmente = busca de intervenção de

outras disciplinas, como a +eurolo!ia, a )si9uiatria, a 6ssistAncia ocial, a Fisioterapia, ou até as

 psicolo!ias profundas, como disseram as professoras. 5stes podem ser poss?veis parceiros,

certamente, mas é provvel 9ue sair dos impasses não se trate somente de recorrer a eles. 6 certeza

é apenas de 9ue as professoras e a escola não precisam e nem são obri!adas a dar conta sozinhas

destas situaçMes terr?veis. 6 9uestão é 9ue os afectos precisam ser politizados, levados para fora das

individualidades e lançados no campo social.

( fato é 9ue, dentro do modo de produção de sub7etividade capitalista, ou capital?stica,

inundar as escolas de demandas e problemas são em parte estraté!ias de desterritorialização e,

concomitantemente, estraté!ias de reterritorialização. 9ue o capitalismo s4 se torna cada vez mais

 poss?vel, ali onde ele é desmobilizado e"ou sofre ameaça de se desfazer. ( capitalismo vive de

relaçMes e modos de vida eGteriores a ele. Oidas précapitalistas, ou transcapitalistas como

 provavelmente são as produzidas nas comunidades em 9ue ficam as escolas, são 7ustamente lu!ares

 borde7antes, nos 9uais se produz eGterioridades inesperadas ao capitalismo. 5m outros termos,

 7ustamente por serem produto final de um sistema de eGclusão social, produzse ali, uma real

eGterioridade a este sistema, cu7o problema talvez se7a a de ser, por outro lado, uma eGterioridade

9ue beira a perversidade, por muitas vezes se sustentar somente sobre afectos de violAncia. 6lis, se

não fosse produção de eGclusão social talvez não fosse tão violenta esta eGterioridade, ou ainda,

talvez nem fosse uma eGterioridade. 9ue, de al!um modo, tornar a vida poss?vel na situação de

 pobreza e limitação 9ue eGiste nestas comunidades depende muito de se recorrer a meios não pré

confi!urados no sistema, de se poder inventar 7eitos impensados e a?, facilmente correse o risco de

se cair em soluçMes problemticas, como a violAncia 9ue de fato acontece. Como diz?amos, é destaeGterioridade produzida num lu!ar como estas comunidades 9ue depende o capitalismo, pois os

modos de vida produzidos por estas pessoas, por serem muitas vezes invençMes nascidas da eGtrema

necessidade e privação, acabam sendo a pr4pria desterritorialização dos fluGos. ( capitalismo,

historicamente, nasce da decodificação E desmonta!em, embaralhamento E dos c4di!os

anteriormente eGistentes no 5stado desp4tico&'&. Psso si!nifica 9ue o capitalismo vive tanto de

fluGos sociais 9ue o desterritorializam E como as vidas produzidas nas comunidades E 9uanto de seu

 pr4prio fluGo desterritorializante, como a produção de comunidades paupérrimas, resultado de1 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 /nti*Fdipo – Capitalismo e Esquizofrenia, $io de aneiro 5mago, 1? C p.28.

8

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desapropriaçMes seculares, ou mesmo a produção de in<meras demandas na vida profissional das

 professoras E inclusão social, violAncia, alunos deficientes E cu7o resultado final é uma sensação de

caos, fra!mentação, desapropriação, desmonta!em, a!itação, an!<stia, ou até incompetAncia,

insustentabilidade das relaçMes, falha. 6ssim, este capitalismo s4 faz produzir desterritorialização

através da inclusão da falta nas vidas, ou melhor, a sub7etividade capitalista produz o tempo todo

uma desmonta!em afectiva, territorial, relacional, técnica, como formas de !arantir uma

reterritorialização através de reinclusão da pr4pria lei da falta ao dese7o e de c4di!os de conduta

r?!idos, eGi!Ancias e responsabilizaçMes. Dodo este movimento acaba criando uma materialidade,

uma corporeidade, um tipo de modo de relacionamento entre os corpos.

Criase um corpo de professor muito espec?fico, ora insens?vel, ora obri!ado a sensibilizarse

 pelas sensaçMes eGtremas e pelo adoecimento. Com uma mão, o capitalismo desterritorializa, com

outra, reterritorializa antes 9ue se7a poss?vel criar modos de vida ale!res e potentes. 5 esta

desterritorialização é precisa, cir<r!ica: para o territ4rio escolar, inclui novas demandas, novos

 problemas e responsabilidades, para os moradores da comunidade, promove eGclusão social. *a?, a

reterritorialização é tanto mais intensa, 9uanto mais sensação de an!ustia, desorientação e

atordoamento produz. 6lis, a an!<stia é s4 sintoma final de todo o atordoamento 9ue a

desterritorialização dos fluGos produz. )ois 9ue, no capitalismo, intensificase cada vez mais a

desmonta!em das relaçMes e das vidas sem 9ue, entretanto, ha7a tempo e possibilidade em pé de

i!ualdade, de produçMes de sin!ularidades e modos novos de viver &'#. *este modo, a pr4pria

inclusão de novos c4di!os para a escola E reterritorializaçMes E são elas mesmas

desterritorializaçMes, posto 9ue desmobilizam e fra!mentam as forças 7 em construção para

instaurar nelas novas ausAncias, novas faltas. ( caos da desterritorialização como or!anismo de

 poder do capitalismo. 6 ri!idez da reterritorialização, por sua vez, como braço do controle herdado

do 5stado desp4tico. por isso 9ue o capitalismo não se despo7a do 5stado, mas o desterritorializa

e o reterritorializa em tempo de ser <til, como controlador 9ue impede os fluGos de fu!irem em

demasia&'. (s fluGos s4 devem escapar dentro do limite de sua valAncia para o capital. ) Estadocapitalista o regulador dos fluxos decodificados com tais& enquanto presos na axiomática do

capital &'J3 (u se7a, o papel do 5stado, ou a estatização das relaçMes é não permitir 9ue se produzam

corpos demasiadamente eGteriores ao capital, ou melhor, é fazer com 9ue todos os corpos este7am

aferroados = aGiomtica capitalista. No!o, estatizar as relaçMes entre os corpos é reinser?los na

aGiomtica capitalista, de modo 9ue o 5stado, antes transcendente, passa a ser imanente ao tecido

12 <BP&, P./. Pragmti!a do DeseHo – /pro,ima19es a uma teoria da !l4ni!a em +li, uattari e illes Deleuze ,

Dissertação de +estrado, &ão Paulo P"/-&P, 11? C p.8.13 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 /nti*Fdipo – Capitalismo e Esquizofrenia, $io de aneiro 5mago, 1? C p.320.1 5d.

1

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social. ( 5stado seria uma enorme m9uina de antiprodução E 7 9ue impede a liberação de fluGos

de sin!ularidade e potAncia E mas inserida no pr4prio interior da produção capitalista&'U. )or isso,

reafirmamos, o 5stado é um modo de relação entre os corpos e não uma instBncia social.

6 esta constante desterritorialização dos fluGos, se d o nome de mais6"alia de fluxo&'S3 ) que

ele /o capitalismo1 decodifica com uma das mãos& axiomatiza com outra&'K3 empre colocar um

novo aGioma a um sistema antes saturado&'%, tal é a pol?tica de produção de falta a todo dese7o, a

todo encontro entre corpos. 0ais uma vez afirmamos, dese7o não se refere a nenhuma instBncia

intraps?9uica, pertencente ao su7eito, = interioridade da mente de um indiv?duo. *ese7o se9uer é

coisa da mente, embora passe por ela em al!uns momentos. *ese7o s4 eGiste en9uanto força social e

coletiva, produzida na imanAncia do encontro entre os corpos, produzida sempre como diferente de

si mesmo. 6ssim, 9uando dizemos de uma aGiomatização do dese7o, dizemos da aGiomatização das

forças 9ue são produzidas nos encontros entre corpos, do controle destas forças para 9ue se7am

i!uais a si mesmas, identitrias invasão do capitalismo =s forças de afirmação da vida. 6 mais

valia de fluGo s4 eGiste, portanto, en9uanto modo de eGtração de força dos corpos, mas esta

eGtração, ao invés de ser definida somente como eGploração, como nas teorias marGistas, é definida

de duas maneiras mais. )rimeiramente, a eGtorsão de força não é s4 eGtorsão de força de trabalho,

senão de 9ual9uer tipo de força 9ue produza potAncia. Psso 9uer dizer 9ue se opera uma

con%unção&'', ou integração do dese%o#$$, ou se7a, toda multiplicidade e sin!ularidade de forças

eGistente nos variados encontros entre os corpos é remetida a um <nico E uno E re!ime dese7ante, o

re!ime da falta. Dodos os fluGos sociais, dese7antes, corporais e de encontro são li!ados ao capital e

o efeito dessa con7unção é o controle cada vez mais profundo da produtividade do dese7o pelo

capital.#$&  5m se!undo lu!ar, a maisvalia de fluGo se define também pela inclusão de um

equi"alente geral #$#, de valor abstrato não 9uantificvel, nem defin?vel, como a9uilo 9ue valora e d

sentido a toda produção dese7ante dispersa no encontro dos corpos. Falando de outra maneira, o

capitalismo se define pela inscrição de um "alor particular qualquer #$ em 9ual9uer produção de

força. 5ste e9uivalente !eral se chama Capital, na forma de um valor abstrato, referAnciadesmontvel, 9ue assume a forma de 9ual9uer particularidade, ou se faz valer por 9ual9uer

diferença, operando, então, desta vez, além da con7unção, uma dis7unção = produção dese7ante.

19 5d. C p.211.1? 5d. C p.30.1 5d. C p.32.18 5d. C p.303.11 5d. C p.28.200 5d. C p.30.

20 5d. C p.28?.202 5d. C p.28.203 5d.

20

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)retendese 9ue, com o e9uivalente !eralCapital se7a poss?vel substituir ou es!otar a multiplicidade

e a compleGidade das relaçMes dese7antes dentro de um valor !eral. )or isso, em nossas sociedades

de controle capitalistas, o aspecto 9ue drena a potAncia dese7ante dos corpos é a maisvalia. 5sta, de

outro modo, poderia muito bem ser chamada também menosvalia, ou ainda unovalia... posto 9ue,

de um ponto, faz homo!enizar e unificar toda diferença dese7ante através de uma con7unção dos

fluGos dispersos no campo social e, de outro ponto, faz desa!re!ar mais ainda estes fluGos 7

desa!re!ados, de modo a dis7untlos, re!istrandoos e controlandoos sob o si!no do Capital.

)aradoGalmente, porém, notamos 9ue, na dis7unção ou desterritorialização dos fluGos do campo

social, operase ainda mais intensa e sutil unificação. 6 capitalização das relaçMes e dos corpos é a

coneGão com o dinheiro como força 9ue pode valer por toda sin!ularidade. )ortanto, ao mesmo

tempo em 9ue se realiza uma desvalorização do dese7o /menosvalia1, também se faz uma

unificação !eneralizada /unovalia1. 5 9uando se diz maisvalia de fluGo, por fim, se fala de um

eGcedente de fluGos desterritorializantes 9ue estariam colocando toda relação entre corpos num

movimento frenético de desmonta!em e desarticulação. e no despotismo o autoritarismo forçava a

 paralisação das forças, disparando todo um dese7o coletivo de recolocação em movimento, no

capitalismo, o cinismo faz o reclame por um movimento de ir além, ir ao eGtremo, ir em demasia.

como se se dissesse: 89uerem movimento, então movamse e nunca mais parem, percamse no

movimento infinito, frenético, = velocidade sempre mGimaII *a?, o 9ue fica mesmo é 9ue o

capitalismo funciona levando a produção de dese7o como meta primeira e <ltima, a produção da

 produção da produção da produção da produção... como resultado de lançar fluGos em eGcesso e em

demasia sobre os corpos no campo social. 8Luerem dese7ar, 9ue dese7em sempre e infinitamente,

desenfreadamenteII 6ssim, resumindo, temos = falta como operação de inclusão da maisvalia de

fluGo /eGcedente de fluGo1, ou como pol?tica de desterritorializaçãoZ e o capitaldinheiro como

dis7unção reterritorializante.

5 isto tudo aparece em nossos !rupos de uma maneira muito complicada. 5m um de nossos

encontros !rupais, por volta das onze e meia da manhã, 9uando discut?amos a possibilidade de pensar a violAncia da comunidade sob outro olhar 9ue não o da moral, ouvimos, repentinamente,

dois estampidos muito altos e assustadores. 2m dos professores avisou: \(lha l, são tirosIV +ão

ouve alvoroço, mas ficaram todos de olhos arre!alados, olhandose uns para os outros. 6l!umas

 professoras começaram a chorar. 6l!uns minutos depois, um professor bate na porta da sala e avisa

9ue um carro E )alio de cor cinza, estacionado na frente da escola, havia sido atin!ido pelas balas,

os vidros tinham estourado. ( professor per!untou de 9uem era o carro e imediatamente sa?mos da

sala de aula, pois era o nosso carro. Ficamos muito assustados, amedrontados, pensando 9ue a bala poderia ter se perdido para outros lados, para al!uém na escola, para um de n4s psic4lo!os, para

2

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uma das crianças ou uma das professoras. 6 bala arrebentou o prabrisa traseiro, ricocheteou na

tampa do portamalas e ficou alo7ada na coluna da 7anela do passa!eiro de trs. 5ntristecemosnos

muito e também uma vontade de chorar nos veio, 7unto com uma absoluta sensação de confusão e

impasse. ]ustamente no dia em 9ue tentvamos tecer com as professoras a possibilidade de não

recorrer a endurecimentos morais 9uanto = violAncia dos alunos, encontrvamosnos com uma

contin!Ancia da9uelasI Dra!édia no seu sentido mais nietzscheano... Divemos de passar boa parte da

tarde na re!ião da escola, para fazermos boletim de ocorrAncia e esperarmos os policiais. *epois

ficamos sabendo 9ue o tiroteio aconteceu por causa da tal vin!ança 9ue o pai de um aluno havia

 prometido. 5ste pai, armado, estava perse!uindo um menino pela rua e atirou para tentar matlo.

 +osso carro estava, por azar, no caminho da bala. Ficamos sabendo 9ue o menino foi mesmo morto

e teve seu corpo eGposto na rua, pendurado, numa rua um pouco acima da escola, para 9ue todos da

comunidade vissem. (ra, antes não era o 5stado 9ue procedia eGecuçMes e eGposiçMes dos

cadveres dos condenados em praça p<blicaR 5ntão, ao entrarmos de volta na escola, na sala dos

 professores, muitos che!aram nos dizendo: \ bom 9ue isso tenha acontecido, por9ue a!ora vocAs

vAem onde trabalhamosV. 5sta fala nos partiu o peito. entimos muita raiva e vontade de chorar.

Ficamos bastante atordoados. )arecia não bastar o susto, nem o fato de haver testemunhado a

violAncia presente na comunidade. 5ra preciso, ainda, sermos testados pelos professores, sermos

submetidos a um cinismo ressentido e ao mesmo tempo violento 9uase parecia haver sorrisos em

seus rostos.

5videntemente 9ue, no encontro se!uinte, discutimos muito o ocorrido, principalmente no 9ue

tocava = violAncia silenciosa e perversa de 9ue os professores lançaram mão como forma de nos

colocar num lu!ar de desvalor, como forma de desle!itimarem nossas colocaçMes e

9uestionamentos no !rupo. ( 9ue nos chateava profundamente era o fato de sempre termos sido

 bastante cuidadosos e delicados em nossas colocaçMes. 9ue, todo o desvalor, ou a maisvalia de

fluGo a 9ue são submetidos os professores resulta, no fim, em um intenso ressentimento e lu!ar de

 poder 9ue se coloca na posição de a!uardar pacientemente sua vin!ança. 0aisvalia de fluGo 9ue,como vimos, aparece na forma de um eGcedente de demandas sociais, afectivas, pol?ticas,

administrativas, cu7o resultado final, no corpo das professoras, é uma constante sensação de

incompetAncia, insustentabilidade e impotAncia, ou se7a, a falta no dese7o. +este dia, muitas

 professoras diziam \6hI 5u não tenho medoIV, de peito estufado e com um ar de imponAncia.

(utras, por outro lado, diziam se sentir desprote!idas, mas pareciam sentirse também inferiores

frente =9uelas 9ue se diziam cora7osas. 2ma das professoras disse 9ue uma das formas de poderem

se prote!er era tentarem se manter informadas com os alunos sobre o 9ue se passava nacomunidade. ] outra professora dizia se sentir num impasse, pois pensava 9ue não deveria saber de

22

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antemão 9uem dos !uris estava envolvido com o trfico de dro!as para não rotular o aluno, mas

9ue, por outro lado, precisava saber destas coisas para poder se prote!er, ou até mesmo considerar

como mais um problema e tentar uma aproGimação com o aluno. +4s, entretanto, tentamos discutir

com as professoras sobre a sensação de violAncia 9ue sentimos vinda da parte delas, ao dizerem do

9uanto o incidente dos tiros havia sido importante para 9ue n4s v?ssemos onde estavam trabalhando.

Falamos de uma violAncia 9ue elas mesmas reproduziam sobre n4s e sobre as cole!as, 7 9ue

encaravam 9ue dever?amos suportar a9uilo tudo, calados e inc4lumes. *issemos de uma

insensibilidade 9ue sent?amos da parte delas, inclusive com as cole!as 9ue choraram e se sentiram

fr!eis diante do ocorrido. Falamos da insensibilidade conosco, 9ue procurvamos ser parceiros de

suas sensaçMes e falamos de um terr?vel lu!ar de professor mrtir, her4i 9ue pretendiam sustentar a

todo custo, por mais insalubre 9ue fosse a situação de trabalho 9ue viviam. 5stvamos n4s sendo

colocados no lu!ar de maisvalia, ou se7a, de falta, de desvalor e de eGcedente de fluGo a partir de

um evento desterritorializante. e, neste trabalho, desde o começo enfrentamos uma incmoda

desconfiança por parte das professoras por sermos 7ovens, na9uele momento esta desconfiança

 parecia ter encontrado o evento certo, a coincidAncia perfeita, para nos desvalorar e desautorizar a

 palavra. ent?amos, na9ueles momentos, em nosso pr4prio corpo, todo o desvalor 9ue

 provavelmente as professoras sentiam nos seus, mas também toda a reprodução deste desvalor por

 parte delas mesmas. Comentamos 9ue, fazerse de forte e inabalvel diante da9ueles

acontecimentos era também um !rande problema, pois impedia o 9uestionamento e transformação

da realidade 9ue viviam. uportar a9uilo tudo era apenas uma solução conformada e submissa ao

estado de coisas institu?do e cristalizado. Falamos 9ue, talvez, tal insensibilidade e reprodução da

 pr4pria violAncia 9ue sofriam fossem também outras formas de adoecimento de seus corpos.

(ra, no dese7o, são in7etados trAs !randes venenos E além do dese7o da falta na forma da

inclusão da incompletude de todo a!enciamento, temse ainda o ideal feito impossibilidade e o

 prazer como meta ao dese7o#$J.  ( prazer é uma armadilha ao dese7o e ao corpo #$U por9ue, é o

 primeiro a ser capturado pelos poderes de padre e por9ue não se pode dizer 9ue o fim de todaconeGão 9ue o corpo produza com o mundo se7a o prazer. ( dese7o s4 tem é vontade de mundos, de

forças 9ue se espalham e se eGpandem para todos os lados, de modo 9ue não se pode restrin!ir a

força do dese7o = con9uista do prazer. ( dese7o tem vontade é de potAncia e potAncia não se define

nem se limita ao prazer E h potAncia na dor, na tristeza, no incmodo, na doença. 5 também h

impotAncia na ale!ria, no !ozo, na festa, no riso. 6s coneGMes 9ue o corpo faz transpassado pelo

20 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 3, $io de aneiro ditora 3, 11? -

p.9.209 m)ora sai)amos 'ue !oucault d: uma outra função potente ao pra=er, na parte de sua o)ra 'ue trata da Eistória da&eualidade.

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dese7o não tAm como fim o prazer, mas a passa!em, a trama de superf?cies. +ão importa se d4i, ou

se h sofrimento, não se tem nada a ver com uma tal de pulsão de morte ou vontade de auto

 punição. ( prazer como meta ao dese7o torna o dese7o uma simples vontade de fim, de descar!a,

catarse e não vontade como linha processual m<ltipla, construção imanente dos encontros. ( dese7o

mirado no prazer se torna alme7ar e não a!enciar, restando somente vontade de posse sobre um

ob7eto, poder de en!olfamento, não de apropriação ou alimentação. ( dese7o não tem vontade de

fim, mas de coneGão, de acoplamento, pois dese%ar da ordem do querer& não do alme%ar #$S3  6

colocação do prazer como meta ao dese7o o transforma em al?viocatarse, al!o 9ue não passa de

uma forma de fazer calar e silenciar o dese7o, tornandoo submisso. ( corpo é levado pela potAncia

e s4 h potAncia 9uando se encontra passa!em para a um fluGo do dese7o. ( prazer é s4 um outro

 poss?vel lu!ar de passa!em entre outros. 5stes trAs venenos do dese7o são, um s4, a

transcend+ncia#$K, ou o idealismo#$%. +a fi!ura de um suposto especialista da sub7etividade, o

 psic4lo!o de psicolo!ias profundas, estes venenos encontrariam eco em princ?pios como morte e

realidade, além do 7 esclarecido prazer. 5ste princ?pio de morte seria este 9ue 7ul!a todo encontro

9ue passe por intensidades de dor como vontade de morte, vontade de punição ou de mutilação. ] o

 princ?pio de realidade é o 9ue funda o dese7o da falta, dizendo 9ue estar conectado = realidade

implica na aceitação do imposs?vel ao dese7o. H nisso uma noção de realidade bastante composta

 pela lei, pelo poder, pela naturalização do poder. ( dese7o real seria o dese7o 9ue aceitou a realidade

como lei. 6 lei seria capaz de limitar a potAncia de eGpansão do dese7o, submetendoo. 5m outros

termos, o princ?pio de realidade seria tão somente a colocação do ideal no dese7o, sendo este ideal a

impossibilidade do dese7o tornada verdade e concretude. 5stas trAs maldiçMes são chamadas

também tr+s erros sobre o dese%o#$', dos 9uais um deles, nomeado de outra forma, é o si!nificante,

9ue pode ser também conceituado como princ?pio de interpretação de todo dese7o. ( si!nificante é

uma substBncia 9ue se d ao dese7o, ou se7a, uma part?cula de redução do dese7o ou de definição

 prévia do sentido deste. ( si!nificante é o sentido pronto, préfabricado, utilizado pelos poderes

saberes de diversas espécies, como forma de sobrepor uma verdade = prior?stica a toda amultiplicidade dos encontros, chapando os encontros em um si!nificado limitante, empobrecedor.

Drazemos estes conceitos para falarmos da si!nificação 9ue se estabelece ao lu!ar de

 professor como este professor her4i, mrtir dramtico. Dratase do dese7o rebatido sobre um ideal

9ue o si!nifica e o valora. )roduzse, com isso, o papel de professoras obri!atoriamente inabalveis,

robustas, sem medo, sem fra9ueza. 69uela 9ue não produza um corpo destes não tem valor, não é

20? <5I&, D. /ntonin /rtaud – 2 /rtes-o do Corpo sem Jrg-os, $io de aneiro $elume-Dumará, 111 - p.8.20 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 3, $io de aneiro ditora 3, 11? C p.

9 C ?.208 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 /nti*Fdipo – Capitalismo e Esquizofrenia. $io de aneiro 5mago, 1? C p.9.201 5d.

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di!no de ser ouvido ou respeitado na escola. esta transcendAncia 9ue foi colocada sobre n4s

também, mas 9ue é, o tempo todo, recolocada sobre os afectos e corpos das professoras, através

delas mesmas muitas vezes. Dratase de um si!nificante 9ue unifica a multiplicidade do dese7o num

ideal, impossibilitando mais a!enciamentos 9ue fu7am deste ideal E princ?pio de realidade e

idealismo funcionando 7untos. *a?, o 9ue vemos, apesar de se pensar 9ue as professoras não são

unidas, é sim uma profunda e problemtica união entre elas, todas sob o e9uivalente !eral, o

si!nificante do ideal de professor mrtir. )orém, como bem se percebe, tratase de um ideal

unificador 9ue isola cada corpo em seu pr4prio inv4lucro. Cada professora se afectando sozinha e se

responsabilizando individualmente pela violAncia 9ue todas vivem. 2nificação paradoGal 9ue

desterritorializa, valora, si!nifica os encontros entre os corpos e os mobiliza em direção =

reterritorialização sobre uma pol?tica individualista, violenta e insens?vel.

(s diversos problemas 9ue as professoras dizem ter com respeito aos conselhos de classe, por

eGemplo, são outra conse9^Ancia desta unificação dos corpos pela força de insensibilização e

individualização. 6s professoras nos contaram do 9uanto muitas vezes não !ostam da prtica do

conselho de classe como forma de discutir os problemas de aprendiza!em dos alunos. \*etesto

conselho de classeV E dizia uma professora. (utra professora 9ueiGouse E \6s pessoas sempre tAm

 posturas muito radicais no conselho de classeV. )or esta razão, as professoras diziam sentir 9ue o

conselho de classe se tornava muito improdutivo e desconfortvel. \ muito burocrtico,

improdutivoV. \5ntrase muito em embate, cada um com sua opiniãoV. )or conta disso, outras

 professoras disseram ter decidido calarse durante as reuniMes de conselho de classe. +as palavras

destas professoras, o conselho de classe \parece um teatrinhoV, na 9ual as pessoas se preocupam

mais em afirmar opiniMes individuais do 9ue em poder discutir e trocar saberes. (ra, por um lado, é

absolutamente normal e aceitvel 9ue 9ual9uer reunião com um !rupo tão hetero!Aneo de

 profissionais !ere muita intri!a, discussão e desentendimentos E não h produtividade sem um

m?nimo de embate. )orém, também é problemtico 9uando se nota 9ue a fra!mentação 9ue ocorre

nestas reuniMes não é a da multiplicidade, mas a das individualidades embotadas, fr!eis em suasterritorialidades desmoronadas, !ritando 85uI 5uI 5uI, como <ltima voz de um <ltimo !rito 9ue

 pede por valor e potAncia. *a?, o 9ue se tem é uma reunião unificada pela democracia dos aGiomas

capitalistas, cu7a produção é de con7unçMes sob o si!no da falta e dis7unçMes pela inclusão de

si!nificantes !erais. ( problema é se pretender 9ue estas discussMes se7am feitas sempre em !rande

!rupo, numa suposta democracia, a 9ual não passa de uma pol?tica de !eneralização e aplainamento

das diferenças. Dodos unidos, porém unidos pela individualização, pela miséria afectiva. *e fato,

nada mais improdutivo, nada mais insuportvel. )or tal motivo é 9ue as professoras chamavam oconselho de classe de teatrinho. entiam 9ue a preocupação maior era a de encarnar um papel de

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educadoras competentes, compromissadas em pensar a melhoria do ensino, cumprindo o calendrio

administrativo e peda!4!ico. 0as, como disseram as professoras, o tempo todo se vA as professoras

se defendendo ou se escondendo. *efendemse por sentirem 9ue as cole!as colocam umas =s outras

num lu!ar de incompetAncia, escondemse como forma de escapar =s cr?ticas a!ressivas. 6s

 professoras diziam sentir sempre estarem se 7ustificando umas =s outras durante os conselhos de

classe. \69ui, n4s professores, diante da primeira coisa 9ue se diz, nem se ouve, se pMe a 7ustificar,

se pMe a eGplicarV. *a?, 9uando 9uestionado com a diretoria da necessidade de se manter este

modelo de discussão, se apela para a tal necessidade de democratizar, de compartilhar, ou pior, se

diz 9ue é preciso cumprir os planos a!endados para o ano, os planos 7 institu?dos = priori. +o fim,

isso tudo não passa realmente de democracia, cu7a força é de horizontalizar os corpos, nivellos

 por baiGo, pela impotAncia, pelo sentimento de insuficiAncia e fra!ilidade. 5sta forma de

democracia s4 eGiste en9uanto imposição de uma !eneralidade insens?vel =s diferenças, despotismo

de uma i!ualdade impostora, fraudulenta, verdadeira em seus efeitos homo!enizantes, mas desleal

em sua força de despotencialização dos corpos.

5ntão, 9uando se pensou numa outra solução, se pensou no formato de um conselho de classe

 participativo, na 9ual se contava com a presença dos alunos em 9uestão. Contudo, como contou

uma das professoras, nestes conselhos participativos, os alunos não conse!uiam falar, por9ue os

 professores ocupavam todo o espaço, sem parar de discutir e, 9uando se tentava incluir a voz do

aluno, estes s4 faziam responder a9uilo 9ue as professoras 9ueriam ouvir. )or isso também a

denominação de \teatrinhoV para o conselho de classe. 6penas uma aparente consideração pela voz

do aluno, limitada = sua presença f?sica ou = sua fala sobredeterminada. *iante disso tudo, a solução

9ue al!umas professoras encontraram foi a de se diri!ir mais diretamente a um aluno espec?fico, ou

de conversarem com a turma na sala de aula, al!o 9ue pareceu funcionar melhor para o

compromisso educacional do conselho de classe e para o enri9uecimento da sensibilidade na

relação entre educadoras e alunos. 9ue, como disseram as professoras 9ue recorreram a esta

estraté!ia, \na sala de aula, como o professor é s4 um, os alunos se sentem mais = vontade para falare são mais sincerosV 5stas soluçMes foram pensadas 7ustamente por a9uelas professoras 9ue haviam

decidido se calar durante as !randes reuniMes de conselho de classe.

)or isso é 9ue falamos de 9ue não eGiste o tal !rande peri!o de descomprometimento das

 professoras. Claro 9ue devem eGistir mesmo pessoas descompromissadas com o trabalho, mas o 9ue

é problemtico é se 7ul!ar 9ue o silAncio de al!umas reflita diretamente uma suposta displicAncia

com a educação e 9ue, de outra maneira, o falat4rio desenfreado de outras si!nifi9ue um

envolvimento com o espaço de discussão. (u, ainda pior, é apenas 7ul!ar moralmente, através doolhar do senso comum, o não envolvimento com o trabalho de al!uns profissionais, sem se pensar

2?

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9ue esta suposta não vontade de se implicar tem diversas razMes, sociais, infraestruturais,

 biol4!icas, sem se considerar 9ue somente no campo dos modos espec?ficos de relaçMes produzidas

na educação e nesta escola é 9ue se che!a a sentir uma tal desimplicação. 5m contrapartida, as

sa?das criadas pelas professoras, se pensarmos num ideal de educação cidadã, parece ser

infinitamente mais produtiva e sensibilizadora, tanto para os alunos 9uanto para as pr4prias

 professoras, se comparada = mera eGi!Ancia do cumprimento prépro!ramado dos conselhos de

classe. ão soluçMes baseadas na eGperimentação, na possibilidade real de criação de novos

encontros, novas formas de relação, cu7o ponto de partida não deiGa de ser a pr4pria relação 7

eGistente com os alunos. PmanAncia poss?vel ao dese7o produzido na escola, confiança na relação 7

 produzida com os alunos. (ra, tratase de sa?das não mais baseadas no cumprimento enfadonho e

fin!ido dos planos educacionais e, talvez 7ustamente por isso, até mais produtivas e realmente

educativas. ão sa?das desinstitucionalizadas, criadas na imanAncia, sobre afectos de potAncia e

invenção, 9ue se desviam da burocratização do ensino. )ortanto, não é a simples implantação de um

ensino ciclado ou de um conselho de classe participativo 9ue promove uma verdadeira mudança na

educação, mas antes possibilidade de eGperimentação imanente, tecida no cotidiano mais

micropol?tico das relaçMes entre os corpos. Com estas iniciativas, o 9ue vemos se produzir é uma

 prtica educativa 9ue se desvia sensivelmente da reprodução do dese7o da falta nos corpos, das

repetiçMes viciadas dos pressupostos morais e endurecidos. 5nfim, 9uando se est imerso nos

 problemas cotidianos relacionados ao trabalho de educadora, resol"er /estes problemas1  sempre

dar origem $s descontinuidades sobre fundo de uma continuidade funcionando como (dia#&$3 Luer

dizer, solucionar os problemas 9ue tomam os corpos e o cotidiano das relaçMes educacionais

implica necessariamente em sair dos planos ideais, sair das préfabricaçMes e permitir a impiedosa

contin!Ancia 9ue se produz no encontro dos corpos. *a? 9ue, a 9uestão para a educação passa a ser

da sensibilidade, mais do 9ue o da técnica, da teoria peda!4!ica e da estruturação curricular. Psto

 por9ue somente através da abertura e a!uçamento da sensibilidade é 9ue se pode pensar #&&, ou se7a,

 produzir diferenças intensas ao pensamento E não mais circularidades fechadas.

20 D<"F, %. Diferen1a e "epeti1-o, <is)oa $elógio DKágua, 2000 C p.2.2 5d. C p.28.

2

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A psi+uiatria in,anti#i%adora: a ,a#ta no desejo ( uma ve#a ist.ria

0as h ainda al!o de muito interessante a se destacar 9uanto = concepção de dese7o da falta,

da 9ual ora tentamos nos diferenciar: antes mesmo de a psicanlise do século _P_ e __ for7ar o

conceito de dese7o da falta, a psi9uiatria 7 o inventara de al!um modo. *esde o século _OPP, num

 processo lento e cheio de descontinuidades, a psi9uiatria vem constituindo o dese7o en9uanto dese7o

falho. 5mbora o capitalismo tenha se apropriado de forma bastante eficiente da economia edipiana,

é poss?vel afirmar 9ue esta formação de dese7o começou a ser instaurada 7untamente com o

capitalismo. 9ue, a partir do século _OPP E nascimento das sociedades capitalistas, a 9uestão da

seGualidade passou a ser um problema a ser controlado#&#. 6o falarmos do controle da seGualidade

a9ui, estamos falando sobretudo do controle sobre o corpo e sobre o dese7o. 5ste controle sobre a

seGualidade é convertido num controle direto sobre o corpo, sobre seus !estos e sua materialidade

22 !B"/A"<;, +. 2s /normais, &ão Paulo +artins !ontes, 200 C p.2.

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 precisamente entre os séculos _OP e _OPP. Psso por9ue, foi no século _OP 9ue se criou o

confessionrio com instrumento da P!re7a#&. 6 prtica da confissão, como se sabe, servia para a

manutenção da pureza de esp?rito, tomandose como referAncia os sete pecados capitais. +este

 per?odo, assistese uma intensa produtividade e transformação no modo como se realizava o

eGerc?cio da confissão, para o 9ual a P!re7a elaborou técnicas muito sofisticadas. Havendo especial

controle sobre o pecado da luG<ria, inicialmente se colocava sob o 7ul!o do cléri!o confessor o

modo de relação pecaminoso 9ue houvesse sido cometido. ( penitente deveria dizer se havia

cometido adultério, se havia atacado uma vir!em com seu consentimento, se conhecido um parente

consan!^?neo intimamente etc. ( olhar do poder controlador reca?a basicamente para o tipo de

relação seGualizada feita pelo penitente. 0ais, adiante, porém, acontece uma sens?vel transformação

nesta técnica: a confissão, 9ue antes se concentrava sobre a relação tida com outrem, a!ora se volta

com absoluta min<cia sobre o pr4prio corpo do penitente. 6 partir da?, o penitente deveria eGpor

não apenas se cometeu sodomia, adultério ou fornicação, mas o 9ue havia pensado, sentido, falado

ao parceiro/a1 seGual, 9ue sensaçMes e vontades havia tido#&J. +ão é mais a relação, mas o pr4prio

corpo do penitente 9ue entra em foco. ) antigo exame era& no fundo& o in"entário das relações

 proibidas e permitidas3 ) no"o exame "ai ser um percurso meticuloso do corpo& uma espcie de

anatomia da "ol/pia#&U3 ( pecado da carne ser então efetivamente li!ado ao corpo, = sua

materialidade. e antes a carne era uma 9uestão de controle do esp?rito #&S, a!ora a carne se instala

sobre os movimentos, sensaçMes e prazeres do corpo. G o corpo e seus prazeres que se torna& de

certo modo& o código do carnal333#&K 6ssim, passa a se considerar 9ue é a partir de certa emoção do

corpo 9ue acontece o pecado da luG<ria. )arece haver, então, uma inversão: o pecado da carne, 9ue

começava na alma, a!ora parte do corpo, da matéria en9uanto um misto de vontades ce!as #&%. 5sta

inversão, tem em sua base a noção de 9ue as sensaçMes do corpo são a ori!em dos pecados e de 9ue

é a partir das sensaçMes 9ue o pecado se desenvolve e corre o risco de ser realizado de fato.

*a?, a 9uestão 9ue sur!e não é mais a da lei 9ue se cumpre ou se deiGa de cumprir. ( controle

do poder se torna muito menos dicotmico e se transforma numa tecnolo!ia eGtremamente hbil ecompleGa. ( problema passa a não estar mais, como acontecia antes, em iniciar o pecado no

 pensamento. 6 partir dessa inversão, a 9uestão passa a ser do dese7o e do prazer, da vontade e da

sensação 9ue ela 9uer obter #&'.  6 vontade ou o dese7o passa a estar colocado no corpo, no seu

23 5d. C p. 221.2 5d. C p. 23?.29 5d.2? 5d. C p.22.

2 5d. C p.23?.28 5d. C p.20.21 5d. C p.2.

21

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interior. Criase uma interiorização do dese7o.  Agora o pecado da carne mora no interior do

corpo##$3 Doda uma fisiologia moral da carne##& é inventada como tecnolo!ia do controle do dese7o

e do prazer. 6contece, então, uma primeira captura do dese7o, uma primeira forma de controle e

sobredeterminação dele e isto tudo s4 acontece na medida em 9ue se for7a um dese7o interiorizado

ao corpo. +ão mais um dese7o 9ue acontece na relação E pecaminosa E e sim um dese7o tornado

movimento interior do corpo. 0atériacorpo tornada dentro ao dese7o. ... uma encarnação do

corpo e uma incorporação da carne### 6contece 9ue, a ri!or, esta manobra 9ue transporta o dese7o

 para o corpo é também uma primeira individualização do dese7o, cu7a conse9^Ancia é ainda o

fechamento do dese7o no indiv?duo. ( corpo conectvel da relação se torna um corpo isolado,

voltado para a vi!ia de seu dese7o interior sempre, deste o começo, pecaminoso.

0ais adiante, este controle sobre o corpo 9ue passa a encarnar o pecado seGual e o dese7o, vai

ainda se concentrar sobre outro aspecto, a convulsão. 5ste é um momento importante da hist4ria do

corpo e de sua li!ação com o dese7o. +o século _OPPP, o problema dos ata9ues convulsivos era

completamente li!ado =s possessMes demon?acas. Frisamos, não estamos eGplorando estas

 passa!ens !eneal4!icas para abordar a 9uestão da seGualidade, mas a do dese7o e do corpo. )ois

 bem, as convulsMes serão eGpressMes f?sicas e vis?veis do corpo de uma mulher possu?da pelo

demnio E sempre eram as mulheres a terem seu corpo controlado pela P!re7a. (s tremores, a

ri!idez dos membros, os !ritos e palavras obscenas eram a estética de um corpo de mulher em plena

luta com o demnio 9ue se apossava de seu corpo, sua vontade. ... a carne que a prática espiritual

do sculo 'L(6'L(( faz surgir& essa carne& le"ada at certo ponto& se torna carne con"ulsi"a##3 (

 pecado da carne, transformado dese7o do corpo se transforma mais uma vez. *esta vez, no século

_OPPP, o corpo tomado dos movimentos do dese7o 9ue poderiam se efetivar em atos pecaminosos,

se transformar num corpo tomado pelo pr4prio demnio, pelo mal em sua absoluta entidade.

6ssim, esta possessão acontecer sempre num campo de batalha entre o demnio e o corpo em

ferrenha luta com este para 9ue não se7a de fato possu?do. *e todo modo, ainda se trata do problema

do corpo e da carne en9uanto dese7o pecaminoso materializado. Em suma& o dist/rbio carnal ##J3 6importBncia desse acontecimento da hist4ria é passa!em do controle sobre o corpo e o dese7o do

campo de poder da reli!ião para o da medicina, mais especificamente, da psi9uiatria. 0as, veremos

9ue, ao invés de se tratar da perda do controle sobre o corpo por parte de um poder /P!re7a1 e

respectiva passa!em deste controle para outro poder, o 9ue vai acontecer é uma real coneGão ou

ampliação deste funcionamento poderoso 9ue pretende controlar corpos. 6inda 9ue ha7a relativo ou220 5d. C p.238.22 5d. C p.231.

222 5d. C p.23.223 5d. C p.20.22 5d. C p.22.

30

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 bastante atrito e disputa entre estas duas ma9uinarias poderosas, ao fim, ainda se estar diante de

uma espécie de formação de cartel de controle sobre o corpo.

Psso por9ue, a 9uestão da possessão, para a P!re7a, passou a ser um problema. 9ue, da

maneira como era constitu?da en9uanto lu!ar de investimento do poder da P!re7a sobre os corpos, a

convulsão representava um contrasenso e uma terr?vel ameaça a esse mesmo poder: se o

confessionrio era a arma suprema de fortificação da consciAncia contra a carne materializada no

corpo, como era poss?vel 9ue eGistisse tal intensa luta entre o corpo e a consciAncia em 9ue esta

<ltima se mostrava tão fra!ilmente pass?vel de sucumbir, ser derrotada e tomadaR *iante disso não

haveria no pr4prio mecanismo de poder da P!re7a, força capaz de dominar plenamente o mal... (

corpo em convulsão, portanto, era tanto eGpressão de um corpo necessitado de intervenção divina

reli!iosa, 9uanto evidAncia de um corpo 9ue era absolutamente capaz de resistir com i!ual força a

essa intervenção e controle. 6 possessão era o ponto em 9ue a P!re7a encontrava, ao mesmo tempo,

seu in?cio, seu limite e sua poss?vel inversão, ou falAncia##U. ( problema era poder possuir a direção

do corpo sem 9ue este mostrasse tal força de resistAncia e levante a este poder ##S. *este modo é 9ue,

 para sair do impasse, uma das soluçMes da P!re7a foi trazer para 7unto de si a medicina psi9uitrica.

 G preciso fazer o con"ulsi"o -333. passar para um no"o registro de discurso -333. para outro

mecanismo de controle##K3 *iante da necessidade da P!re7a eGpulsar de seu territ4rio o ameaçador

fenmeno da convulsão e da resistAncia do corpo ao controle divino, no século _OPPP, a9uele corpo

constitu?do reli!iosamente como carne, ou dese7o, passar a ser ob7eto médico, ser inscrito na

medicina. 0esmo com certo temor de perda de dom?nio, a P!re7a demandar esta passa!em, como

forma de preservarse.

5sta passa!em voluntria das convulsMes, do campo eclesistico para o terreno médico ser

definitiva para 9ue este <ltimo possa tomar o controle final sobre o dese7o e o corpo. ( problema

das convulsMes sai do campo reli!ioso para habitar também os convulsionrios. 9ue antes, as

convulsMes eram 9uestMes tratadas apenas dentro dos conventos e monastérios... ( 9ue começou a

se chamar, no século _OPPP, de 8sistema nervoso, para desi!nar os movimentos, variaçMes etrepidaçMes do corpo e do dese7o, é simplesmente a carne pecaminosa ora investida pela medicina e

a!ora recortada por linhas biofisiol4!icas e cient?ficas. ) sistema ner"oso& a análise do sistema

ner"oso& -333. uma maneira de codificar em termos mdicos esse dom,nio de ob%etos que a prática

da penit+ncia& desde o sculo 'L(& ha"ia isolado e constitu,do##%3 *este modo é 9ue, passando o

controle do dese7o e do corpo para as mãos da medicina, se passa evidentemente também o controle

229 5d. C p.23.

22? 5d. C p.29.22 5d. C p.21-280.228 5d. C p.282.

3

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da seGualidade, e viceversa, passandose a seGualidade da P!re7a para a medicina, se passa também

o dom?nio sobre o corpo e sobre o dese7o.

)ois bem, deste corpo constitu?do carne herdado da P!re7a, a medicina vai se apropriar através

da noção de doenças mentais. ( problema do dese7o e da seGualidade, ou se7a, do corpo, ser

abordado a partir de casos, a!ora, não de dentro das instituiçMes eclesisticas, mas das vilas, das

aldeias e cidades. Cidadãos comuns serão alvos deste poder sobre o corpo. ( 9ue veremos ser uma

medicina 9ue, como demonstramos anteriormente, forma toda uma rede microf?sica de controle dos

corpos penetrando no cotidiano da população, cu7a se9^ela <ltima ser a biometrização dos corpos

das professoras. 0as, além disso, veremos também uma medicina 9ue instaura uma pol?tica de

dese7o, constitui um funcionamento dese7ante. 5 a9ui, finalmente, veremos como, historicamente,

se for7ou dentro da psi9uiatria médica o conceito de dese7o da falta, tão caro = psicanlise. Dalvez,

não eGatamente o mesmo conceito, mas certamente 7 um precursor do conceito de dese7o da falta.

 +o século _P_, a partir de casos sur!idos na população comum, a medicina se apropriar das

9uestMes relativas = seGualidade, dando a ela a idéia de 9ue se7am problemas relativos ao dese7o de

cada indiv?duo. 6té a9ui, aparentemente, nenhuma novidade em relação = carne vinda da P!re7a.

 +um momento inicial, a medicina psi9uitrica toma atos como assassinatos, estupros ou abusos

seGuais de adolescentes e crianças como acontecimentos de carter repentino, descont?nuo, estranho

ao con7unto da personalidade da pessoa 9ue os cometeu. (s atos, tidos como crimes, são tomados

como sintomas de uma espécie de dist<rbio 9ue invadira de s<bito a personalidade da pessoa.

)orém, a partir de certo momento, a psi9uiatria passa a tentar encontrar nos criminosos destes atos

uma certa constBncia ou eternidade do estado alterado na pessoa. 5n9uanto antes se considerava um

evento como decorrente de um processo patol4!ico localizado, a!ora se passar a tentar encontrar

em toda a vida da pessoa, traços e marcas 9ue indi9uem a préeGistAncia do estado 9ue levou a

 pessoa a cometer o ato condenvel. 6ssim, se entender 9ue o 9ue leva uma pessoa a cometer um

ato como um estupro ou assassinato é a eGistAncia de uma insuficiAncia, uma falta, uma ausAncia de

desenvolvimento de al!uma instBncia do instinto##'. Oai se entender 9ue o princ?pio do ato não é umeGa!ero, um eGcesso do instinto, mas uma ausAncia ou inibição neste instinto. 6ntes, a psi9uiatria

tomava a hist4ria de vida de um criminoso e a sua infBncia como forma de demonstrar o carter

doentio do ato contrastandoo com a ineGistAncia anterior de al!um problema. Comprovavase 9ue

havia uma doença 9ue havia se instalado no meio do processo através da comparação com a

infBncia. 6!ora, entretanto, se tomar a infBncia como forma de evidenciar a presença precoce do

 problema. 6lém disso, o refinamento desta modelização ser a de tornar o pr4prio instinto um

instinto infantilizado, parado no seu desenvolvimento, embotado pela ausAncia de desenvolvimento.221 5d. C p.38.

32

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*a? 9ue, a partir da?, a infBncia passa a ser central na ma9uinaria médica, pois todos os problemas

serão vistos em função dela. 5ssa forma de imobilização da "ida em torno da inf*nciaCFD ser uma

 primeira forma de inserir o dese7o dentro de um re!ime da falta. 5ncontrase, assim, uma maneira

de se desresponsabilizar o criminoso, para coloclo, por outro lado, sob o controle de uma

medicina psi9uitrica, 9ue o infantiliza, o incute falta e ausAncia, ou se7a, o faz necessitado de

tutela. 6 infBncia passa a ser instrumento da psi9uiatria e ainda forma eficaz de apropriação do

adulto#&. Com essa nova tecnolo!ia, a psi9uiatrização se torna permanente, 9uer dizer, captura o

adulto de a!ora 9uando o infantiliza e enreda o futuro adulto, 9uando se ocupa da criança e toma a

infBncia como centro de seu olhar e intervenção. )ortanto, de al!um modo, podemos dizer 9ue se

 passou a considerar 9ue a presença de al!um vest?!io de infantilidade seria sinnimo de problema

 psi9uitrico. 5, ao mesmo tempo, infantilizar o instinto seria eminentemente fazAlo incompleto,

faltoso.

(ra, todo este detalhamento hist4rico um pouco cansativo 9ue traçamos até a9ui foi para

mostrarmos como antes mesmo de a psicanlise inventar o mistiticismo do dese7o castrado e

faltoso, 7 na primeira metade do século _P_, aparecia a noção de instinto incompleto, infantilizado,

como herdeira ou dobra!em diferencial da pol?tica de controle dos corpos e do dese7o realizada pela

P!re7a com o conceito de carne. Oimos, portanto, os dom?nios do corpo e do dese7o passarem das

mãos de cléri!os para as dos médicos psi9uiatras e, a partir destes, !anhar seus primeiros contornos

de dese7o da falta, caracter?sticos de nossas sociedades capitalistas de controle. (s movimentos do

corpo são transformados dese7o da carne e este, por sua vez, vira dese7o incompleto e infantil

9uando entra na tecnolo!ia médica. )ois bem, em nossas vivAncias com os !rupos de professoras,

foi levantada com certa renitAncia a 9uestão de se colocar sempre al!uém tomando conta dos alunos

durante os horrios de intervalo. *iziase muito da necessidade de al!um professor estar sempre

acompanhando = sua turma durante o per?odo de recreio. Dambém se dizia do absurdo 9ue era

9uando al!uma professora deiGava de acompanhar seus alunos neste per?odo. Oemos, então, a partir

da noção de dese7o da falta e de infantilização deste dese7o, aparecer em ato, em nossa realidadecontemporBnea, uma noção de crianças infantilizadas. Luer dizer, fazse das crianças seres = priori

ameaçadores, ameaçados entre si, 7 9ue não desenvolvidos, 7 9ue infantis. 6s crianças são

infantilizadas, as crianças sofrem uma infantilização que não delas##, ou se7a, se as toma como

ausentes de certas potAncias e capacidades de autocuidado, autoentendimento, ou como portadoras

de uma força de a!ressão m<tua iminente, 9ue decorreria também de uma ausAncia de certas

230 5d. C p.38.

23 5d. C p.38?.232 D<"F, %. G !B"/A"<;, +. Bs 5ntelectuais e o Poder 5n !B"/A"<;, +. Mi!rof4si!a do Poder , $io de aneiro%raal, 2000 C p.3.

33

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habilidades de contenção de seus instintos. *ese7o da falta e infantilização do dese7o como faces de

um mesmo monumento. Lue não se confunda o 9ue estamos dizendo com uma educação

 permissiva, pois não se trata de permitir ou não permitir e sim de ser poss?vel, ou se ter sempre um

 poss?vel a mais. Falamos com as professoras, dessa forma, de poderem tomar estes princ?pios como

não naturais. *issemos do 9uanto tomavam tal re!ra de vi!iar as crianças como fatalidade 9ue,

inclusive nas palavras das professoras, era tarefa dif?cil, 7 9ue re9ueria 9ue se controlasse o tempo

inteiro a correria dos alunos, a sua dispersão, a sua a!itação. +ão falamos de não haver a presença

de al!uns professores na hora do intervalo, mas de 7ustamente esta presença ser uma companhia e

não uma vi!ilBncia. 5star perto, dispon?vel, é muito diferente de estar vi!iando, como dissemos =s

 professoras, ocupando este lu!ar de olho, 9ue a tudo pretende ver e controlar E corpo feito um <nico

4r!ão de observação e controle.

5ntão, em um dos dias em 9ue se discutia sobre esta 9uestão da vi!ilBncia no intervalo, nos

deparamos com um !rande impasse. 2ma das professoras, inte!rante da e9uipe diretiva da escola,

 passou um de nossos encontros 9uase o tempo todo calada e introspectiva. 5stranhamos um pouco

vAla da9uela maneira, pois sempre tinha uma participação muito ativa. 5ntão, um pouco

subitamente, no fim do encontro, 9uando estavam 9uase todos se despedindo, esta professora

começou a falar misturando choro e aflição. Contou 9ue havia acontecido um caso de abuso seGual

entre os alunos. 2m menino pe9ueno havia sido abusado por al!uns cole!as um pouco mais velhos

no banheiro da escola. 6l!umas outras professoras se aproGimaram para consolla e também n4s

nos pusemos pr4Gimos. 6 professora se dizia bastante confusa, pois sentia 9ue deveria ter havido

atenção maior com os alunos, 9ue esse tipo de acontecimento era resultado desta permissividade e

displicAncia presente na postura das professoras durante a hora do intervalo. 6 professora dizia se

sentir responsvel pelo 9ue tinha acontecido. 5ntão, no meio de tantos sentimentos intensos, dizia

estar confusa por9ue também militava por uma educação menos controladora e autoritria, mas,

nestes momentos tinha a sensação de 9ue aparecia seu lado mais tradicionalista, o 9ual dese7ava o

recrudescimento e a reinstalação das re!ras r?!idas de controle. entimos 9ue, de nosso lu!ar deacompanhantes e parceiros diferenciais do !rupo, nossa tarefa era a de tanto oferecer acolhimento

=9uele choro, 9uanto o de acompanhar uma poss?vel linha de transformação 9ue se apresentava para

os es9uemas de valores, conduta, ética e afectos de 9ue a9uela professora lançava mão em seu

cotidiano. )ara n4s o choro era absolutamente sincero, acompanhado de uma tristeza real pelo

ocorrido com o aluno. 0esmo assim, também acreditamos 9ue fosse um choro aflito, de uma

sensação de estar perdida sobre um fio de navalha, num impasse éticopol?tico, o 9ual colocava o

corpo desta professora num lu!ar cheio de fluGos e passa!ens em pleno fervor. *izemos isso a partir desta colocação da professora a seu pr4prio respeito: sentirse oscilando entre recrudescer a

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moral e liberarse do controle. )or isso, dissemos = professora do 9uanto era importante 9ue ela se

sensibilizasse sim com o menino e do 9uanto não havia responsabilidade sua al!uma no acontecido,

 7 9ue, ao acompanharmos seu trabalho e seu en!a7amento através dos encontros no !rupo,

sab?amos e estava claro todo o compromisso 9ue tinha com o trabalho. )orém, dissemos também da

importBncia maior, para ela en9uanto professora, de estar se 9uestionando a respeito de como

olhava para o 9ue sentia na9uele momento, de como pensava as soluçMes para acontecimentos como

a9uele, de como se percebia a si mesma tentando sair de um impasse fundamental para o trabalho

na educação. )rocuramos falar com a professora da impossibilidade de se controlar tudo e de, diante

disso, não se entender diretamente 9ue a solução fosse sobrecarre!ar ainda mais as professoras e a

si mesma de responsabilidades.

5m momentos como esse, 9uando uma professora parece eGpressar toda a sensação de caos

 provocada pela necessidade de pensar numa sa?da para um impasse ético, é 9ue nos encontramos

com os desdobramentos deste re!ime dese7ante da falta e da infantilização do dese7o. (ra, a ri!or,

dese7o faltoso, ou dese7o castrado 9uer dizer dese7o privado de sua potAncia. )recisamente, não é o

falo 9ue se arranca dos corpos, mas a sua potAncia é 9ue é roubada, confundida com o falo, restrita =

noção de falo. Dornar as crianças castradas, incutirlhes a falta ao dese7o é tomlas impotentes de

antemão. 6o mesmo tempo, fazAlas dese7o destitu?do de sua potAncia é infantilizlas transform

las seres dependentes, tutelveis. 6lém disso, ainda, infantilizar a criança é também tornar

impotente o adulto, tanto a9uele 9ue esta criança ser, 9uanto a9uele 9ue, no lu!ar de educador, ser

responsvel por tutella. Psso por9ue fica o adulto restrito a uma tarefa irrealizvel, 9ual se7a, a de

controlar os mil fluGos 9ue povoam os encontros entre as crianças. 6s professoras, estando

incumbidas de uma tarefa irrealizvel, acabam ficando também en!olfadas por uma sensação de

impotAncia e culpa. Frente a isso, s4 o 9ue parece restar é o choro aflito, a impotAncia de se ver

demasiadamente envenenada pela falta, pela infantilização de si mesma e do outro en9uanto

corpo desprovido da sua potAncia. 2m choro paralisado, 9ue 9uase não resiste = força 9ue dese7a

recair na solução moral. 0as são estes os momentos 9ue se apresentam também como !randes possibilidades de tencionar o pensamento, tencionar a moral e o controle. 6 impotAncia s4 é parte

de todo o caldo de forças e fluGos pululantes 9ue passa pela professora e eGpressa este momento em

9ue ela se vA cara a cara com a necessidade de desviarse, passar por entre a volta da velha resposta

e a ida a uma solução ainda mais perversa, 9ue seria a pura permissividade. Foi 7ustamente sobre

isso 9ue falamos com esta professora, pois v?amos ali, na9uele momento, com ela, também a

 potAncia de estar se 9uestionando a si mesma e de estar se esboçando a sa?da de uma dicotomia.

 +ão mais somente a impotAncia, não somente o choro de paralisia e superresponsabilização, mastambém o choro de se ver dentro da necessria confusão 9ue antecede a produção de uma linha de

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fu!a, a 9ual poderia ser, por eGemplo, a de se construir uma educação menos tutelar, mais

 processual. Luer dizer, talvez se7a necessrio 9ue se produzam, 7unto com os alunos, numa relação

de parceria e processualidade, condiçMes para a autonomia. Dalvez se7a preciso 9ue se deiGem

al!uns pe9uenos acidentes acontecerem, discernindo-os de eventos mais graves, para 9ue se

 permita aos alunos eGperimentar, eGperenciar os desdobramentos das forças e das relaçMes 9ue eles

mesmos produzem entre si. 6final, a ri!or, não é nem um pouco fatal nem traumatizante 9uando

crianças se mordem, ou caem e se machucam, ou 9uando erram a força com 9ue 7o!am a bola em

cima do outro, causando um acidente. )ossibilidades de eGperimentar e descobrir o tamanho, a

 potAncia, os !raus das pr4prias forças. Psso, inclusive por9ue, mesmo sob o mais restritivo controle,

acidentes e situaçMes inesperadas um pouco mais sérias sempre acontecerão. 5ra sobre isso 9ue

falvamos =s professoras durante o encontro do !rupo. Falvamos 9ue, 9uanto mais se procurava

simplesmente vi!iar e controlar, menos se ensinava de fato al!o importante aos alunos, 9ue é

 poderem se cuidar, se !erirem a si mesmos. 5 foi por isso 9ue a professora dizia sentir tão confusa,

na linha de impasse sur!ida entre o ato de controlar mais, como sempre se fez na educação, ou de

 buscar o autocuidado e autonomia na microrelação com os alunos.

6lém disso, eventos como este espec?fico do abuso seGual podem ter coneGão direta com a

cultura local da comunidade, com a relação 9ue estas crianças estabeleceram com a seGualidade e

com o corpo. *a?, a 9uestão não é apenas dizermos do maior ou menor n?vel de !ravidade do

acontecido. )ode ser 9ue isso tenha pouca importBncia. ( problema pode ser mais m<ltiplo. 6

a!ilidade da moral 9ue nos constitui é tamanha 9ue de imediato nos arrepiamos com o acontecido,

sem pensarmos em como isso se relaciona com os modos de produção do corpo e do dese7o nos

9uais estas crianças foram sub7etivadas. 6lém disso, e talvez pior, se7a o fato de rapidamente se cair

na resolução mais fcil e limitadora das relaçMes: vi!iar mais, controlar mais. a nossa força de

 psi9uiatrização e medicalização da infBncia 9ue nos lança a fazer isso. 6l!o 9ue não resolve nada,

 pois o problema para a psi9uiatria é menos o de evitar incidentes como este e mais de ter controle e

 poder sobre os corpos. 6 9uestão mais importante talvez se7a pudermos saber como as crianças seafectaram com o ocorrido. 9ue a coisa se compleGificou 9uando soubemos 9ue o menininho não

havia sido forçado a nada pelas outras crianças... )ara n4s, o !rande problema é o de vermos o caso

ser abordado a partir do alarme 9ue se acende em nossa constituição cultural, sem 9ue se tenha a

 preocupação de se saber como estão as crianças. +ão parece nunca haver a preocupação de saber

como as crianças viveram a situação. 6 solução parece funcionar simplesmente em função de

reinstituir o controle ou de se recolocar o valor dominante em relação = seGualidade. +ão ne!amos

em absoluto a delicadeza e a importBncia do acontecido. 6penas dizemos 9ue não se pode usarincidentes assim como 7ustificativa para limitar e sufocar a relação dos alunos entre si e das

3?

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 professoras com eles, principalmente 9uando se fala do horrio de intervalo, sempre tão esperado

 pelas crianças para poderem brincar e se sentirem minimamente livres dentro da escola. )ara n4s, se

trata apenas de se construir outra postura e conduta diante desta delicadeza. +a verdade, se trata de

construir, em relação a problemas como este, uma delicadeza e doçura ainda maiores. necessrio

9ue, em situaçMes assim, as crianças se7am ouvidas, os professores se7am ouvidos, se saiba como

aconteceu tudo, se saiba de pelo menos parte da multiplicidade de forças 9ue comps o evento. 5m

outras palavras, é necessrio 9ue as pessoas se7am priorizadas em detrimento das instituiçMes morais

e 9ue se7a poss?vel a delicadeza de um olhar imanente e sens?vel = compleGidade espec?fica de cada

caso.

*orporei%ar: a possibi#idade de um devir-corpo passar pe#o corpo org/nico

( poder ho7e atua por um hiperest?mulo, um est?mulo da ordem nano, do infinitamente

micro, um poder de causar a "ida#. ( !rande paradoGo tem sido este, o de corpo impelido por um

 poder cada vez mais frenético e estimulante e, então, estranhamente menos repressivo ou

 prescritivo. 6tualmente, não se constran!e mais o corpo pecaminoso para se salvar a alma, mas sefaz dele uma  mercadoria de rápida liquidez#J  9ue, por isso mesmo, é supervalorizada,

superestimulada. 6Gioma capitalista da maisvalia de fluGo ou da desterritorialização infinita. 6l!o

9ue se confunde com uma vida ativa, como se a 9uantidade de movimento apontasse para al!uma

forma de vida saudvel. 6 eGi!Ancia do poder sobre o corpo é, a!ora, a de um corpo sempre

 pass?vel de novas atualizaçMes, sempre = espera de um novo modo mais moderno, saudvel e

 brilhante de viver. Danto mais potente seria 9uanto mais musculoso, alisado, transformado carne

233 !B"/A"<;, +. 8ist6ria da 7e,ualidade I – / Vontade de 7a'er , $io de aneiro %raal, 189 C p.30.23 &AI;KAIIA, D. 4. ;ransformaçOes do /orpo 5n H5%A-I;B, A., B$<AID5, <. 4. <. G $A%B, +. Imagens deou!ault e Deleuze – "esson#n!ias $ietzs!%eanas, $io de aneiro DPGA, 2002 C p.02.

3

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sem imperfeiçMes e sem vazios. Luanto mais cheio melhor, 9uanto mais parafernlias eGistenciais,

mais atualizado. ( 9ue eGiste, portanto, é uma incitação para tornar o corpo um lugar radiosoCF=,

uma forma de controle6estimulaçãoCF? . )oder frenético dos bodW sWstems de academias, do 8se7a um

!rande l?der e do 8super mulher, 9ue é mãe, atleta, empresria, ma!rapeituda, or!smica,

 praticante de Wo!a, se alimenta de le!umes e fran!o !relhado, usa acess4rios cultchi9ue, investe na

 bolsa, leitora de bons livros e apreciadora de boa m<sica, 4tima esposa, capaz de bordar e fazer

mesinhas de mosaico para a decoração da casa, alto astralsorridente e futura velhinha pra

9uedista. 5ste controle pela estimulação constante é uma forma de transformação do corpo num

campo de performance#K, 9ue produz uma nova ima!em poderosa de aGiomatização dos corpos,

a!ora, !al!ada nas vontades de sa<de perfeita, completude e felicidade total. Corpos acelerados,

 polivalentes e turbinados#%  sempre impelido a ter, não s4 prazer, mas diversos prazeres de

diferentes tipos#'. Corpo conectado tanto = aceleração tecnol4!ica e industrial, 9uanto ao discurso

incessante da sa<de, diante dos 9uais, correse o constante risco de se tornar um corpo obsoleto #J$.

Derr?vel aceleração, sofisticação contemporBnea do dese7o da falta, pois correr o risco de tornarse

obsoleto é 7 sAlo desde sempre, num n?vel abstrato, sutil e, mesmo assim, real. er potencialmente

faltoso é ser realmente faltante, s4 9ue neste n?vel 9ue dissemos ser infinitamente micro, no n?vel do

afecto. ( corpo é produzido en9uanto materialidade remetida a um abstrato real, si!nificante vivo

9ue controla através de um imperativo concreto de superprodução, sa<de e velocidade. ;er "eloz e

 saudá"el era aqui con%ugado com a necessidade de ser produti"o& descontra,do e sexualmente

 feliz#J&3 6final, "i"emos num mundo de banda larga#J#3 +ão temos mais, sobre n4s, um poder 9ue

nos tolhe, mas 9ue nos libera o tempo todo, faz da liberação uma forma de controle. 6 coação a!ora

é para 9ue se libere cada vez mais ener!ia, pois 9uanto mais se libera, mais é poss?vel eGtor9uir.

*izemos, deste modo, 9ue as relaçMes de poder produzem um, ou al!uns tipos de corpo: o

corpo cheio, ou o corpo do dese7o da falta e o corpo or!Bnico, ou o corpo es9uadrinhado pelo poder.

( corpo or!Bnico é este em 9ue os 4r!ãos recebem as funçMes dadas pelo podersaber médico, é

também o corpo todo recortado e lapidado pela disciplina, o corpo sobreinvestido e cercado pela biopol?tica e o corpo controlado sub7etivamente pelo capital. *entro do corpo or!Bnico, não cabem

239 5d.23? 5d. C p.11.23 &AI;KAIIA, D. 4. Desco)rir o /orpo uma história sem fim 5n Edu!a1-o e "ealidade V. =G n. = – Produ1-o doCorpo, Porto Alegre "!$%&-PP%du, ul>De= 2000 - p.99.238 5d.231 5d. C p.9.20 5d. C p.93.2 5d. C p. 99.22 /omo )em definiu +iele, um grande +estre de EapUido 6arte marcial de origem nipo-coreana7, em uma aula em 'uefala#a da dificuldade de ensinar tQcnicas )ásicas para pessoas 'ue atualmente estão acostumadas a aprender tudo (#elocidade de um impulso elQtrico.

38

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disfunçMes, os 4r!ãos são silenciados e tornados interioridades. ( corpo or!Bnico é o ideal de

or!anização, ou melhor, é a or!anização sobrepondo a contin!Ancia dos corpos. )odese dizer,

ainda, 9ue o corpo or!Bnico se7a a reterritorialização 9ue recai sobre os corpos diante da frenética

maisvalia desterritorializante 9ue os turbina. 6 desterritorialização do controleest?mulo, pela 9ual

o capitalismo contemporaneamente investe os corpos, é !arantida, en9uanto sofisticação de um

 poder, somente na medida em 9ue esta produção infinita de novas vidas se7a reterritorializada por

uma força i!ualmente robusta de or!anização e homo!enização. ( corpo or!Bnico é a

reterritorialização 9ue acontece concomitantemente = desterritorialização aGiomtica pelo corpo da

 performance. uanto mais a máquina capitalista desterritorializa& decodificando e axiomatizando

os fluxos para extrair mais6"alia& mais seus aparelhos anexos& burocráticos e policiais& re6

territorializam com toda força333C4F )ara a ética do corpo or!Bnico, a sa<de estaria no silAncio dos

4r!ãos e este silenciamento dos 4r!ãos é uma produção de dentro do capitalismo, no 9ual h uma

 pri"atização dos órgãos#JJ, uma forma de colocação do corpo lon!e das coneGMes imanentes com os

fluGos do campo social. ( corpo acaba desprovido do mundo. 6ssim, a interioridade produzida no

corpo é uma invenção hist4rica, li!ada =s relaçMes de poder. ) interior somente um exterior

 selecionado& 333#JU  * para dizer 9ue o corpo or!Bnico é somente o interior de um avesso:

acoplamento de uma desterritorialização infinita pela produção de corpos supersaudveis e

tecnolo!izados E força vinda de um fora E com uma reterritorialização da or!anização do corpo,

inscrevendoo numa fisiolo!ia r?!ida e homo!enizada E força de interiorização. +este conteGto de

forças, a medicina e seu discurso sanitrio cada vez mais en!lobante são o elo 9ue permite conectar

o desfazimento dos corpos com o recolhimento em cima de territorialidades 7 !astas.

Foi durante os séculos _PO e _O 9ue se começa a constituir a anatomia cient?fica do corpo

humano#JS. +esse per?odo, as prticas médicas estavam fortemente contaminadas por crenças e,

 principalmente, por ordens de carter reli!ioso e m?stico. 0uitos princ?pios eram imposiçMes da

i!re7a e penetravam na medicina. 6s aulas de anatomia eram realizadas através da leitura de teGtos

acompanhadas pelas demonstraçMes de um auGiliar, 9ue ia mostrando os 4r!ãos aos estudantes.*issecar cadveres sem razMes médicole!ais era proibido, pois se compreendia 9ue os mortos

ainda !uardavam vida E os mortos eram enterrados com seus pertences, seus utens?lios, seus

ornamentos. Lual9uer busca eGperimental da anatomia era impedida. )orém, nesse per?odo a

medicina pde aproveitarse de dois outros saberes 9ue se constitu?ram na mesma época: a invenção

da imprensa e a técnica da perspectiva no desenho dentro da arte. #JK Com a perspectiva, a natureza23 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 /nti*Fdipo – Capitalismo e Esquizofrenia. $io de aneiro 5mago, 1? C p.93.2 5d. C p.8.

29 D<"F, %. Espinosa – ilosofia Prti!a, &ão Paulo scuta, 2002 C p.30.2? %5<, . Metamorfoses do Corpo, <is)oa $elógio DKágua, 11 C p.3?.2 5d. - p.3.

31

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 podia ser dessacralizada, 7 9ue o desenho pde passar a ilustrar vrios planos, permitindo analisar

se o espaço, separando os corpos. Com a adoção pela medicina da perspectiva nos desenhos de

corpos dissecados houve uma nova con9uista de territ4rio. (s desenhos de 4r!ãos passariam a ser

mais do 9ue aneGos de um teGto e auGiliares de um saber forçado a embasarse 9uase 9ue somente

na mem4ria 9ue se tinha dos 4r!ãos mostrados em aula. 6 partir da perspectiva, os desenhos

 passam a fornecer uma visão insubstitu?vel e eGata do trabalho anatmico. 6 criação da imprensa

teve, então, função fundamental na multiplicação dos desenhos do corpo humano as fi!uras

 poderiam ser impressas e reproduzidas 9uantas vezes necessrio. *esta maneira, os desenhos

solucionam um !rande problema presente na ciAncia anatmica de então E a 9uestão reli!iosa de se

ter o cadver com um ser ainda vivo. ( desenho abre campo para a representação e, assim, desli!a

se os 4r!ãos e m<sculos do cadver real. e o cadver, envolto em tradiçMes m!icoreli!iosas, era

sacralizado, com a possibilidade de representação através de um desenho cheio de teGtura,

 profundidade e eGatidão, podiase desli!ar o corpo morto da vida 9ue ainda continha. 6 vida passa

 para o papel e o corpo morto tornase um cadver de fato. 5mbora se dissesse 9ue os desenhos

fossem prazerosos de serem olhados pelos alunos, a real importBncia deles estava na cisão 9ue se

 permitia fazer entre o corpo e a suposta vida ainda presente no cadver. (corria, então, a

transferAncia dessa vida para a ilustração, para a ima!em da vida#J%. 6 ciAncia cria a representação

de um cadá"er neutro#J', sem relação al!uma com as ener!ias intocveis da morte. 9ue um

detalhe importante nos desenhos era a vida 9ue eles pareciam apresentar E corpos sem pele em

 posturas vi!orosas dotadas de movimento, es9ueletos fazendo !estos de choro. (s desenhos

intermediavam a polAmica prtica de dissecação e os teGtos te4ricos.

5ntão, a medicina não habitaria mais o campo sa!rado da morte feita viva pela m?stica cristã

e estaria livre para eGplorar as entranhas do corpo sem temer cometer heresias e sacrilé!ios #U$. (s

cadveres é 9ue a!ora estavam destitu?dos de vida, a morte não era mais parte da vida. (s desenhos

anatmicos criam uma representação da vida 9ue se pensava haver nos cadveres. Com os

desenhos, os cadveres poderiam continuar sendo vivos, porém, vivos no papel. 6o mesmo tempo,constru?ase outra relação com os corpos vivos de fato E conforme a anatomia e os estudos dos

4r!ãos se desenvolviam, os corpos vivos reais iam também !radativamente sendo desconectados da

natureza e ad9uirindo rostos f?sico9u?micos. ( corpo, a partir do desenho, da imprensa e da

anatomia, !anha vida or!Bnica, uma vida representada na descrição dos processos biol4!icos e

fisiol4!icos. (s 4r!ãos, suas funçMes, suas localizaçMes e suas divisMes são inventados e criados

como um plano independente E o or!Bnico 9ue funciona como ima!em substitutae9uivalente do

28 5d. C p..21 5d. C p.0.290 5d. C p.31.

0

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corpo. 3epresentação abstrata do corpo. 6 mesma representação 9ue tirava a vida dos cadveres, ou

melhor, a mesma representação 9ue transformava a vida dos cadveres numa ima!em. )or isso, é

falso dizer 9ue o ob7eto da medicina é o cadver, pois, ao invés disso, a9uilo sobre o 9ual o olhar e

o poder da medicina recaem é uma representação do corpo humano,  9ue se elabora pela separação

da morte e do corpo 9ue, ele sim, se animar de uma vida independente E a vida or!Bnica, o

or!anismo. ( saber anatmico se instaura pela transfer+ncia das forças do corpo real para o

0corpo1 da ci+ncia3C=@ 6s forças vivas da morte estavam, então, sob o dom?nio de um outro plano, o

do saber cient?fico e o cadver poderia, assim, ser tocado, a sua vida estaria 7 salva na

representação dos desenhos de es9ueletos a7oelhados chorando. 6s dissecaçMes poderão ser

finalmente feitas, pois os corpos são 7 inertes, não h neles mais ener!ia vital al!uma. 

Dodavia, foi somente no fim do século _OPPP, 9ue a medicina determinou para si sua data de

nascimento.#U#  6 medicina fiGa este per?odo como época de seu nascimento por9ue é neste

momento 9ue ela é tomada pela vontade de ser cient?fica e ser cient?fico si!nificava voltarse

eGclusivamente o olhar para o vis?vel, para o concreto identificvel#U. 6ssim, 9uando iniciou sua

cientificização, a medicina 7 havia se apropriado dos cadveres havia muito tempo.

Clandestinamente, 7 se fazia muitas escavaçMes nos corpos, mesmo antes desta liberação

oficializada pela constituição de uma representação do corpo e da vida#UJ.  ( per?odo em 9ue a

anatomia começa a se constituir é muito anterior ao do in?cio de cientificização da medicina. 9ue,

na verdade, foi 7ustamente para 9ue fosse poss?vel constituir uma representação final da vida 9ue a

medicina criou para si a hist4ria de 9ue tinha ficado muito tempo sem acessar cadveres. 6 vontade

de um poder, 7ustificado por uma cientificidade é 9ue fez com 9ue a medicina for7asse para si

mesma uma hist4ria modificada, se!undo a 9ual, a necessidade de abrir os corpos e es9uadrinhlos

 precederia a possibilidade de entender cientificamente as 9ualidades das doenças, da vida e da

morte.#UU Como forma de realizar sua vontade de cientificização, a medicina precisou voltarse aos

cadveres, aproGimandose da morte, 7 9ue a vida era por demais instvel para se conse!uir

determinar o carter de cada doença e a sua relação com as partes do corpo.(u se7a, o equil,brio da experi+ncia dese%a"a que o olhar colocado sobre o indi",duo e a

linguagem da descrição repousassem no fundo está"el& "is,"el e leg,"el da morteC=? 3 6ssim, é a

 partir do conhecimento da branca "isibilidade dos mortosC=M  9ue a medicina conse!uiu dominar a

29 5d. C p..292 !B"/A"<;, +. 2 $as!imento da Cl4ni!a, $io de aneiro !orense "ni#ersitária, 18 C p.H555.293 5d.29 5d. C p.38.

299 5d. C p.38.29? 5d. C p.2?.29 5d. C p.31.

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instabilidade da vida manifesta na doença, de forma a constituir, a partir disso, um saber 9ue lhe

 possibilitava, ao mesmo tempo, satisfazer sua vontade de poder sobre os corpos e 7ustificar este

 poder sobre uma nascente cientificidade. Luando a medicina se volta para os mortos e para a

eGperiAncia de abertura dos cadveres, iniciase a? toda a possibilidade de representar a vida do

corpo em uma fisiolo!ia determinada, em uma or!anicidade bem definida e previs?vel: dominar a

doença re9ueria conhecer o funcionamento das partes 9ue a doença acometia. Conforme se montava

um mapa das partes do corpo atacadas pela doença, se montava também um saberpoder

consolidado na determinação do or!anismo en9uanto ima!em do corpo vivo. Luanto mais se

aproGimava a dinBmica corporal da eGperiAncia da morte mais se fazia do corpo um or!anismo bem

9uadriculado, bem previs?vel em sua fisiolo!ia. +a medida em 9ue se trazia para a superf?cie do

 palpvel e do vis?vel a profundidade obscura e a!itada dos corpos, se produzia também uma dupla

 7ustaposição: a doença passa a estar 7ustaposta a partes determinadas do corpo e, então, o corpo, a

 partir deste olhar 9uadriculante, vai sendo 7ustaposto ou definido tão somente por sua or!anicidade.

333 o sólido& o obscuro& a densidade das coisas encerradas em si próprio t+m poderes que não

 pro"m da luz& mas da lentidão do olhar que as percorre& contorna e& pouco a pouco& os

 penetra33C=B3 +asce, com isso, o or!anismo, o corpo or!Bnico. +asce um or!anismo, para o corpo, a

 partir da abertura de corpos mortos e da 7ustaposição concreta e vis?vel, 9ue então se conse!ue, da

doença com as partes do corpo. 6 medicina parte dos afectos de morte para afectar a vida dos

corpos com estes afectos, estveis, determinados. ( fato da morte torna os corpos um fato

or!anizado, um fatoor!anismo. A "ida& a doença e a morte constituem agora uma trindade tcnica

e conceitual3-333. G do alto da morte que se podem "er e analisar as depend+ncias org*nicas333C=> 

)ara a medicina, é a morte 9ue permite falar dos movimentos incertos da vida, é a doença 9ue

 permite imobilizar as partes m4veis do corpo e funcionalizar as funçMes difusas dos 4r!ãos. ( corpo

or!Bnico se torna uma fatalidade 9ue se !eneraliza sobre todos os corpos, tendo como princ?pio a

representação 9ue se cria do corpo, a ima!em si!nificante 9ue se eGtrai da abertura das entranhas

dos corpos. Pndividualizase o corpo, or!anizase a doença e a fisiolo!ia, apoderase da potAncia doscorpos, medicalizase sua vida, capturamse seus fluGos, seus l?9uidos e tecidos. da morte 9ue o

 poder médico se apodera primeiro para 9ue lhe se7a poss?vel se constituir como ciAncia do

indiv?duo#S$.

)ortanto, vemos a passa!em de uma medicina m?stica, completamente invadida pela i!re7a e

 por forças invis?veis da natureza, por humores e demnios, para uma medicina com vontade de

 poder e de força cient?fica, cu7o trunfo final é ter estabelecido, como seu ob7eto, um corpo

298 5d. C p.V.291 5d. C p.91.2?0 5d. C p.2.

2

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representado, uma ima!em eGtra?da da eGploração da profundidade dos corpos mortos e

 possibilitada pelo desenvolvimento das técnicas art?sticas de desenho e pintura. 6 perspectiva se

conecta a um olhar 9ue faz do corpo um or!anismo !eneralizvel, levase a ima!em = profundidade

dos corpos, assim como se traz a profundidade dos corpos a uma superf?cie ima!ética

representativa. ConeGão fortuita de saberes e eGpansão voluntria de um poder E médico E pelas

superf?cies do corpo. +ascimento do corpo or!Bnico en9uanto si!nificante do corpo. a

representação capturando as potAncias corporais. (r!anismo e si!nificBncia como nomes do 9ue

limitam a vida difusa do corpo a um ob7eto do poder médico, do fluGo de maisvalia embasado no

imperativo da sa<de perfeita e do corpo polivalente. 6 medicina, por isso, como pol?cia dos corpos,

a 9ual !arante, pela representação de um corpo or!anizado, o controle e a aGiomatização

desterritorializante do capital. 5m outras palavras, a medicina é o 5stado para o corpo, assim como

a desterritorialização através do dese7o da falta é o aGioma de liberação de maisvalia.

( corpo or!Bnico é o corpo capturado pelo poder, 9ue o si!nifica en9uanto um a!re!ado de

4r!ãos <teis pertencentes a um su7eito ou indiv?duo. *este modo, o corpo or!Bnico seria um tipo de

corpo, um corpoima!em, 9ue confere trAs !randes cortes ou se!mentarizaçMes simultBneas =s

forças do corpo E o organismo& o significante e a sub%eti"açãoC?@  E um corte produzindo 4r!ãos bem

recortados e or!anizados, outro corte doando sentido de utilidade a estes 4r!ãos e =s forças 9ue os

compMem E sentido consonante com os poderes disciplinares E, 9ue é o mesmo 9ue pro7etar uma

meta aos 4r!ãosZ um terceiro corte limitando as forças do corpo en9uanto propriedade de um ser ou

su7eito.#S# Corpo feito pertença ou propriedade cercada de um su7eito. ( corpo or!Bnico, portanto, é

uma espécie de ima!em 9ue pretende representar em si todas as potAncias eGpansivas do corpo. 5ste

trio or!anismosi!nificantesub7etivação 9ue captura os corpos é e9uivalente conceitual do trio

faltaidealprazer, 9ue captura o dese7o. 5, na verdade, se trata da mesma coisa, a captura das

 potAncias dese7antes dos corpos. (s afectos do corpo transformados em fatos do or!anismo. +o

entanto, é preciso lembrar, o corpo é fluGo e, como tal, apenas passa pelo or!anismo, assim como

 passa pelo social e pela cultura. bom esclarecer, não é precisamente contra o or!Bnico 9ue o corpodevém, mas contra o or!anismo, ou ainda, contra um or!anicismo 9ue nos constitui en9uanto

su7eitos imersos em relaçMes de poder e 9ue a todo instante entrevem como um 7uiz celestial dos

encontros. ( or!anismo é apenas um  lu!ar de passa!em do corpo. 6 verdadeira potAncia do

or!Bnico est, na verdade, em ser capaz de produzir em si mesmo dobras infinitas, para dentro ou

2? D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 3 , $io de aneiro ditora 3, 11? Cp.22.2?2 5d.

3

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 para fora, espontaneamente#S. ( or!Bnico é o 9ue tem capacidade intr?nseca de multiplicação.

No!o, o corpo or!Bnico se constitui no limite da captura das forças de produção do corpo.

*esta forma, nem sempre um corpo produtivo é o corpo constitu?do pelo poder, or!anizado,

turbinado, representado. +em sempre... e 7 é bastante ser nem sempre. ) poder uma afecção do

dese%oC?43 Psto é, o poder é apenas um dos modos do dese7o se efetivar. ( poder é apenas parte do

dese7o, parte do corpo em coneGão com o mundo. ( corpo é todo dese7o, mas s4 parte dele é poder.

6 produção não é necessariamente induzida pelo poder ou constitu?da por ele, pois se o dese7o não é

uma instBncia natural, o poder tampouco o é. ( poder não ser natural indica 9ue ele se7a sempre

8posterior ao dese7o. 5Giste uma espécie de primazia do dese%o sobre o poder C?=, ou se7a, o dese7o

 produz, cria mundos e conecta mundos os mais diversos. 5stas criaçMes tAm ori!em somente no

interior da9uilo 9ue é insuspeito no encontro entre os corpos. (s encontros estão sempre =s voltas

com as relaçMes de poder, mas estas <ltimas não dizem do 9ue se7a toda a multiplicidade do dese7o

 produzido nos encontros entre os corpos. 5m outros termos, a produção de dese7o é inocente e sua

constituição poderosa s4 acontece na medida em 9ue, a partir de al!um momento, as forças

comecem a entrar num dese9uil?brio hierr9uico e não num dese9uil?brio de potencial afectivo. 6

capacidade de afectar e ser afectado se distribui desi!ualmente em termos de intensidade de força,

 porém, esta capacidade também se distribui i!ualmente entre os corpos em termos de potencialidade

de força. )or um lado, eGiste um dese9uil?brio 9ue faz com 9ue al!uns corpos dominem, por outro

lado, todos os corpos compMem em i!ual importBncia a produção da relação, se7a pela ausAncia ou

 pela presença de força, de forma 9ue potencialmente todos possuem a mesma força. Cada corpo

com uma força diferente, porém com mesma potAncia, mesma importBncia, ainda 9ue a importBncia

se restrin7a a permanecer abaiGo, num estado relativo de dominação. esta diferença de potenciais

9ue chamamos transversalidade, como forma de ultrapassar a dicotomia horizontalidade G

verticalidade.

 6ssim, o dese7o é a força imanente de produção de real e uma força s4 !anha contornos de

real, por9ue estabelece com o mundo uma relação de potAncia. ( dese7o é somente produção denovo e de novidades combinat4rias, de potAncias sendo descobertas. Luase nunca um novo

absoluto, mas um bricolage N somos todos bricoleursC??  6 9uer dizer, somos todos produtores de um

heteróclito limitadoC?M , mas m<ltiplo, h?brido e aberto, formado de elementos de ori!ens d?spares e

com coneGMes amarradas o suficiente para 9ue produzam sentido. 2ma bricola!e é sempre uma

2?3 D<"F, %. / Do'ra – Lei'iniz e o 5arro!o, /ampinas Papirus, 11 C p. 2.2?  D<"F, %. Dese@o e Pra=er 5n Cadernos de 7u'Hetividades, &ão Paulo, n. especial P"/-&P, @un., 11? C p.

1.

2?9 5d. - p. 20.2?? D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 /nti*Fdipo – Capitalismo e Esquizofrenia. $io de aneiro 5mago, 1? C p. 22.2? 5d.

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composição ou uma recombinação e, como tal, é também sempre uma invenção. 3ecombinar é

inventar. *entro disso, o poder é sempre uma se!unda força, uma força de se!unda mão, pois ele

a!e como um molusco, ou um verme E o poder é uma criatura mais irritvel 9ue afectvel, ou se7a,

se debate e se contrai s4 na medida em 9ue é tocado. omente 9uando é cutucado o poder se move.

5le em si não tem capacidade de afectar espontaneamente, a não ser 9ue se7a tirado de seu lu!ar.

ua superf?cie de percepção é lenta e bastante !rosseira. 5mbora ele se aproprie de toda a diferença,

ele faz da diferença um todo impr4prio, ele s4 é capaz de re!istrar em função das identidades, das

i!ualdades fabricadas em séries: ou al!o se i!uala a ele ou, se difere, é uma diferença em vias de ser

aplainada. H a9ui uma !rande 9uestão por9ue, se por um lado, tudo é trazido para dentro do poder

e tudo é capitalizado, por outro, o poder s4 é capaz de fabricar !randes !eneralidades, c?rculos,

oposiçMes e retas lineares 9ue s4 funcionam por !eneralizaçMes !rosseiras das diferenças mais sutis.

5 esta a? a !rande imprecisão do poder, seu !rande limite.

0esmo sendo capaz de invadir a maior parte das relaçMes entre os corpos, o poder no

capitalismo não se derrama uniformemente sobre o campo social#S% por9ue é disso 9ue ele depende

 para viver. 6 !rande vida miservel do poder est nisso, ele depende da diferença, depende 9ue

 primeiro ha7a um fora sobre o 9ual possa a!ir E o fora das instituiçMes escolares e penais sobre o

9ual vai se derramar, o fora do 5stado por onde vai estatizar as relaçMes, o fora da lei da sanidade

9ue vai criminalizar ou medicalizar, o fora da fam?lia, o fora do corpo. *este modo, o poder atua

mendi!ando afectos, apoderandose da potAncia de um outro 9ue ele interpretou como !rande outro

!enérico, 9ue pode ser 9ual9uer coisa viva 9ue não se assemelhe a ele mesmo. +ão é = toa 9ue

a9ueles de 9uem o poder trata de roubar a potAncia são os 9ue mais acabam, no fim, se

assemelhando a ele. 5m nossa sociedade, não é pobreza 9ue causa a mar!inalidade. )elo contrrio,

é a mar!inalidade 9ue resulta em pobreza, pois o poder estende suas cabeças para ali onde os

devires acontecem, nas bordas. pelas mar!ens 9ue as diferenças crescem e dali afectam tanto o

centro 9uanto as bordas de suas pr4prias bordas#S'.

6contece 9ue, 9uando o poder se d conta disso, ele faz com 9ue estes devires continuem cadavez mais mar!inalizados, afastandoos cada vez mais de suas territorialidades pr4prias, levando ao

 pé da letra o artif?cio, como se dissesse 8e as diferenças 9uerem mar!ear, então 9ue se tornem cada

vez mais mar!inais. e me parecem distantes de meu modo de ser, então os farei cada vez mais

distantes, darei o 9ue 9uerem, terras afastadas, isoladas e solitrias. )aradoGalmente, 9uanto mais o

 poder insere a tudo em seu funcionamento, mais ele afasta as diferenças de suas terras 8ori!inais,

sin!ulares, mais ele destitui os devires de suas potAncias. *entro do capitalismo, o movimento de

2?8 5d. C p.9.2?1 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. <, &ão Paulo ditora 3, 11 - p. 2.

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aGiomatização das diferenças faz com 9ue elas se7am reduzidas a uma c4pia mal acabada#K$,

substitu?das por um e9uivalente !eral varivel. Psto é, o capital en9uanto e9uivalente !eral é um

si!nificante sem forma definida, perfeitamente malevel, 9ue se modifica a si mesmo conforme as

necessidades. 6 diferença é apropriada pelo capitalismo e transformada numa deformidade 9ue

!uarda al!o da potAncia ori!inal, mas, desta vez, aparece completamente formada para a

 possibilidade de eGtração de maisvalia e capital. Danto mais mar!inal, 9uanto mais interior ao

 poder. *a? a produção de miséria e pobreza. )or outro lado ainda, 9uanto mais eGterior ao poder,

tanto mais pass?vel de liberdade, ou se7a, este mesmo paradoGo é a pr4pria contraefetivação do

 poder, pois 9uanto mais ele afasta os devires, mais livres estes podem se ver de 9ual9uer

sobredeterminação.

( problema, portanto, não é 9ue o poder este7a em toda relação. +ão, o problema é de outra

ordemZ é da ordem do dese7o no corpo. 6 9uestão est em não se ver capaz de viver sem o poder,

este é um problema. ( problema do corpo 9ue se 9uer corpo de poder. )or isso não se fala do

 poder, mas de re#aç5es de poder E o poder tem mais risco de perder o controle do 9ue a9uele de

9uem ele se apodera tem vontade de verse livre do dese7o de controlar. 0ais precisamente, é do

 poderoso em n4s 9ue precisamos cuidar, pois o poder não é o outro, mas um outro em n4s E e

dir?amos, apenas um outro em n4s E para o 9ual precisamos nos atentar. e, de uma parte, o poder

é 9ue faz de n4s todos um !rande outro !eneralizado pass?vel de ser moralizado e inclu?do numa

mesma ma9uinaria, de nossa parte temos de ser n4s mesmos um outro para o poder, temos n4s

mesmos de eGercer tensMes diferenciais ao poder em n4s. *ese7ar poder é também dese7o, mas

dese7o é mais do 9ue dese7ar poder, é dese7ar potAncia. o poder 9ue depende das diferenças e não

estas 9ue dependem dele. 6 diferença de 9ue falamos a9ui não é diferença para a norma, mas uma

diferença para si mesma. +ão falamos dos diferentes de 9ue falam os !randes teGtos sobre inclusão

social E deficiente mental, deficiente f?sico, ne!ro, pobre, louco, velho, !aW, travesti E mas das

diferenças ainda muito menos macrosc4picas, muito mais delicadas, mais velozes e transparentes.

9ue os devires 9ue nos transpassam não se limitam aos atravessamentos do poder e a potAncia do corpo est em 7ustamente ser ativo transmissor destes devires. (s devires não são vira

ser E mesmo 9ue o se7am em al!um momento E não são pro7etos futuros, não estão li!ados ao ser.

(s devires não pertencem a nin!uém, não habitam desde sempre corpo al!um, não tAm relação de

 posse E do tipo, tenho um devirne!ro, ou um devirmulher em mim E por9ue s4 eGiste devir na

medida em 9ue os corpos relacionamse na imanAncia dos encontros, isto é, os devires são

 produçMes imediadas, !eridas tão somente a partir de um encontro. )ortanto, todo devir é primeiro,

20 %"A;;A$5, !. 2 In!ons!iente Maqu4ni!o – Ensaios de Esquizo*anlise, /ampinas Papirus, 188 - p. 8.

?

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devirinsuspeito ou devirinvis?vel, devirserendiptW#K&. *evires não são vieses 7 habitantes de um

ser, do tipo 8meu deviranimal meu lado macaco, ou meu lado cachorroZ ou 8meu devirmineral

meu lado cristal, meu lado !ua. +ada disso. (s devires não são uma relação de correspondAncia,

semelhança, identificação ou imitação#K# E não se aproGima de um devirmineral apenas ficando

im4vel como uma pedra, nem se tem um devirmulher afeminando os !estos e a voz. *evires

também não são individuaçMes num certo sentido em 9ue se é mais ori!inal 9uanto mais se

aproGimasse de uma suposta essAncia. 6 ori!inalidade ou sin!ularidade de um devir est 7ustamente

em seu carter impessoal, informal E tanto no sentido de 9ue não é preso =s formas, 9uanto de 9ue

não est dentro das formalidades de uma lei, de um ritual institucional, ou de uma cate!oria social

!aW, deficiente, louco. *evires são, assim, necessariamente transversais, transpassam e transbordam

tanto os limites dos corpos e das formas E estado, territ4rio, instituiçMes E 9uanto os limites do

 poder E os estados de saber, os campos de poss?vel, as coerçMes e prediçMes. 5sta é a condição para

9ue se possa driblar o poder, interrompAlo, da mesma maneira 9ue se causa um curto circuito em

toda uma rede elétrica através da intervenção dispersa em apenas al!uns pontos. ( importante é 9ue

se produzam pe9uenos interruptores no poder, assim como são os interruptores de lBmpadas

elétricas. *este modo, não é 9ue ha7a eGterioridade absoluta ao poder, nem 9ue o poder se7a eGterno

=s relaçMes entre os corpos. *e fato, o poder é imanente aos corpos por9ue são sempre relaçMes de

 poder. 0as também é importante salientar 9ue a mobilidade de 9ue são capazes as relaçMes de

 poder são ainda lentas em relação =9uelas operadas pelas relaçMes de potAncia, de devir. 9ue,

mesmo não sendo eGterior =s relaçMes e mesmo sendo absolutamente m4vel, o poder é, de al!um

modo, sempre eGterior aos encontros, pois ele pretende sempre dobrar o lado de fora para o seu

dentro espec?fico. Como o poder eGerce sempre força de controle, sua ação tem certo carter

 preditivo, ou se7a, ele sempre busca anular os efeitos dos devires e do acaso, de modo 9ue a relação

de eGterioridade ou anterioridade aos encontros imanentes dos corpos fica clara. 5m outras

 palavras, é a imanAncia 9ue en!ole os poderes. 6 imanAncia ainda é relativamente primeira em

relação ao poder. na imanAncia 9ue os poderes se fazem, mas os poderes s4 fazem instalartranscendAncias nesta imanAncia. )ortanto, a realidade ser constitu?da pelas relaçMes de poder não

si!nifica 9ue o se7a somente pelo poder.

*o mesmo modo, se os corpos são constitu?dos na cultura, não 9uer dizer 9ue se7a s4 a cultura

a compor os corpos e, muito menos ainda, 9ue a cultura necessariamente se restrin7a =s relaçMes de

 podersaber. 6 cultura s4 eGiste en9uanto microcultura, ela é produzida de forma comezinha, no

interior das relaçMes moleculares entre os corpos. +ão eGiste cultura, mas apenas culturas

2 &erendiptW Q a pala#ra usada por alguns po#os antigos, 'ue denomina a arte de se fa=er desco)ertas fortuitas, oude ser surpreendido pelos acontecimentos.22 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. <, &ão Paulo ditora 3, 11 C p.8.

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minoritrias, estas sempre apropriaçMes de forças 9ue fluem por entre  e atrav(s  das culturas

molares. 5ntão, não eGiste devirprofessor, devirhomem, devirnorte americano, por9ue os devires

são sempre part?culas minoritrias, aculturais, incorporais, transinstitucionais. +enhum devir o é se

 7 for he!emnico como o masculino, o professor, o norteamericano#KZ e ao mesmo tempo,

nin!uém é este he!emnico, nem 9ue se7a por causa de uma pinta estranha sobre a pele, nem 9ue

se7a por9ue tosse diferente... o lu!ar de corpo cheio é um lu!ar vazio. )or isso, o poder s4 pode a!ir

sobre corpos livres#KJ, 9uer dizer, até historicamente não faz sentido falar em relaçMes de poder 9ue

se realize sobre corpos 7 escravizados ou aprisionados. 6 liberdade dos corpos é condição para 9ue

as pinças do poder se movam, a 8eGterioridade dos corpos ao poder é a condição para 9ue o poder

os alcance.

9ue a realidade é efetivada por atualizaçMes. ( real é um cruzamento muito peculiar entre o

 poss?vel, o imposs?vel e o virtual. 5n9uanto o poss?vel e o imposs?vel tAm sua efetivação

determinada, em !rande parte, pelas relaçMes de poder, ou pelos estratos de saber, o virtual E 9ue

constituiria uma realteridade#KU, um outro imanente do real E tem sua atualização dependente das

dobras 9ue os devires fazem. ( virtual seria um insuspeito absoluto do real. )oss?vel e imposs?vel

são apenas virtualidades 9ue os devires tencionaram sobre as relaçMes de poder e 9ue, por isso,

 puderam ser atualizadas. ] as virtualidades, 9ue compMem 7ustamente uma espécie de dobra de um

foraimanente da realidade, são forças vivas sem forma al!uma, sem rosto e sem nome, são

completos desconhecimentos do real e, nem por isso, menos reais. 6s virtualidades são os pr4prios

devires e s4 podemos conhecAlas por seus efeitos, ou pela pressão 9ue sua força faz sobre a

superf?cie do real, pelos movimentos 9ue causam no real e nas relaçMes de poder. (s sinais de 9ue

h devires borbulhando são as movimentaçMes desesperadas das relaçMes de poder. (s devires

tencionam e friccionam as relaçMes de poder 9ue, por sua vez, enlou9uecidas tratam de remeGerse

 para alcançarem os devires e retomarem o controle. 6ssim, devires são forças de

desterritorialização do poder, das formas.#KS  5 é preciso lembrar, são forças impessoais, pré

sub7etivas, 9uer dizer, não se passam na psi9ue ou na interioridade corp4rea de um indiv?duo ousu7eito. *evires simplesmente passam, formando uma malha sem forma defin?vel de sin!ularidades,

ou diferenças radicais.

e o corpo h muito est penetrado pelo poder, muito antes foi o corpo 9ue esteve torcendo

este poder, fazendoo moverse. Pnclusive por9ue a noção de corpo s4 aparece com o poder, isto é, é

somente o poder 9ue faz aparecer uma noção repartida, definida e bem recortada chamada 8corpo.

23 5d. C p.81.2 !B"/A"<;, +. Ditos e Es!ritos V – Fti!a& 7e,ualidade& Pol4ti!a, $io de aneiro !orense "ni#ersitária, 200 - p.

2?. 29 /onceitos de #irtual e real aprendidos principalmente em aulas ministradas pelo Prof. Dr. %regório 4arem)litt.2? D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. <, &ão Paulo ditora 3, 11 C p.?0.

8

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( corpo s4 vive ainda por9ue se move, mas ao mesmo tempo não cansa de parar, de es9uivar pela

ast<cia, de esvaziarse e con!elarse. ( corpo investido pelo poder, ao mesmo tempo em 9ue é

movido por ele, faz com 9ue ele se mova. 2ma rede poderosa, não impede 9ue se criem

interruptores, botMezinhos de corte dis7untivo. )aradoGo do lutador 9ue, parado, se move rpido

demais. 2m paradoGo não solucionvel, 9ue encontra sua potAncia eGatamente em seu carter de

aparentemente absurdo. Luanto mais se enri7ecem e se apertam as forças de controle e poder, mais

se evidenciam as linhas de escape ou, inversamente, 9uanto mais se escapa, mais se mostra falha a

invisibilidade e discrição do poder. 5ntão, o corpo é 7ustamente este operador do real. o corpo 9ue

realiza, por eGemplo, o homem feudal e as novas relaçMes com a terra e com os animais, ou o

a!enciamento social da estepe, 9ue produzem homemcavaloarco e, também, a ma9uinação da

ind<stria capitalista, movendo homens e m9uinas técnicas#KK.  Esse corpo tanto biológico quanto

coleti"o e pol,ticoI sobre ele que os agenciamentos se fazem e se desfazem #K%3 ) corpo agencia o

dese%o atra"s de seus órgãos& mas estes podem resultar de uma conexão dos órgãos corporais com

outros elementos333CM>

( corpo e seus 4r!ãos são, portanto, um fluGo material, 9ue passa por diversos universos, ao

mesmo tempo em 9ue é transpassado por eles. 5stes fluGos de 9ue é feito o corpo são também

lu!ares de coneGão, são aberturas a eGperimentaçMes. ) corpo tão somente um con%unto de

"ál"ulas& represas& comportas& taças ou "asos comunicantes333CBD  6 eGperimentação implica uma

espécie de esvaziamento do corpo e o investimento num tipo de força 9ue lance o corpo para os

acontecimentos, de modo 9ue se torne capaz de transpassar as imposiçMes postas pelos poderes. 6

eGperimentação é um eGerc?cio ativo 9ue re9uer 9ue se esvaziem os 4r!ãos de suas inscriçMes

culturais, poderosas, cient?ficas, encontrando no corpo uma linha de fora, uma linha virtual. 9ue,

como dissemos no in?cio deste trabalho, s4 h pensamento 9uando h o corpo pensando em ato, ou

se7a, 9uando o corpo possibilita a atualização dos virtuais produzidos na imanAncia dos encontros.

6ssim, s4 h corpo 9uando h imanAncia, ou melhor, sempre 9ue h imanAncia, é por9ue eGiste a?

um corpo sendo fabricado. 5 temos, então, o corpo como um  5ora para o 9ual o pensamento seestende, em direção = 9ual o pensamento se desdobra e, ao mesmo tempo, de onde o pensamento

 parte. +ão um fora como uma eGterioridade relativa a uma interioridade, mas um fora de 9ual9uer

 biunivocização. ( corpo seria um fora ao pensamento muito mais long,nquo que qualquer exterior

e muito mais profundo que qualquer interioridade#%&. 9ue a condição para 9ue o pensamento

2 D<"F, %. Dese@o e Pra=er 5n Cadernos de 7u'Hetividades, &ão Paulo, n. especial P"/-&P, @un., 11? C p.22.28 5d.21 %5<, . Metamorfoses do Corpo, <is)oa $elógio DKágua, 11 C p.8.

280 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 3 , $io de aneiro ditora 3, 11? Cp.3.28 D<"F, %. ou!ault , &ão Paulo 4rasiliense, 2009 C p.0.

1

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aconteça é 9ue ele este7a em coneGão, ou se7a, em contato com a diferença, com um estranho para si

mesmo. 5azer do pensamento e da arte uma experi+ncia do 5ora& pressupõe o contato com uma

"iol+ncia que nos tira do campo da recognição e nos lança diante do acaso& onde nada

 pre"is,"el CBC3 2ma linha de eGperimentação para o corpo é uma linha de eGposição a este fora, a esta

zona de in"oluçãoCBF, onde as formas, os limites, os recortes molares de poder não param de ser

dissolvidos e devolvidos a um plano de liberação de velocidades, lentidMes e repousos diferenciais e

variveis. er um fora ao pensamento não 9uer dizer estar fora do pensamento, e sim dentro das

condiçMes 9ue permitem 9ue o pensamento aconteça, isto é, em contato com a diferença ou com a

eGterioridade a uma transcendAncia, a um ideal, a uma identidade sobre a 9ual se cola como

referAncia de analo!ia e comparação. 5ste espaço do fora, se constitui como uma superf?cie lisa,

sem formas recortadas, povoada somente de intensidades, velocidades e fluGos diferenciais.

6os olhos or!anizados do poder, o fora se assemelha a uma besta, ou a um caos aterrorizante.

9ue o fora é uma espécie de vaziocheio, em 9ue se sente repleto de devires, mas ausente de

destinos e si!nificantes = priori. +este espaço, tudo é recomeço, por9ue nada é circunscrito pelo 9ue

se toma como poss?vel. ( fora é um tipo de superf?cie desértica o som de uma palma de uma mão

 só& a face que temos antes mesmo de nossos ancestrais terem nascidoCB4, na 9ual s4 eGiste a

imanAncia e as coneGMes potenciais. 5ste fora, nos coloca no"amente diante do mundo e não em

outro mundo#%U3 )ortanto, esta superf?cie do fora não é um outro plano, eGterno ao mundo, mas um

 plano outro, eGterno ao esperado e ao formal. +ele, tudo é somente alteridade, não h um outro

como oposto a um eu, mas somente outrem#%S, como todo um mundo ainda em vias de ser investido

e inventado. 5m lu!ar do trio dese7o da faltaidealpoder, mi!ramos para virtualdevirfora. e o

 primeiro forma o corpo da transcendAncia, o se!undo forma os mil corpos inventivos da imanAncia

dese7ante. somente a partir desse espaço do fora 9ue o pensamento en9uanto a9uilo 9ue é

forçado a se mover para construir territ4rios 9ue permitem passa!em aos devires tem como

 produzir. ( corpo é, assim, o principal parceiro do pensamento e, ser um fora ao pensamento

si!nifica 9ue o corpo é um devir ao pensamento, um outrem ao pensamento sendo este outrem aexpressão de um mundo poss,"el num campo percept,"el CBM . 5ste devircorpo, 9ue conecta o real

enclausurado entre o poss?vel e o imposs?vel com os virtuais provindos do fora, nada mais é do 9ue

uma força de paralisação e con!elamento temporrio da or!anização do real. 2m devircorpo é este

9ue açoita o funcionamento ordenado do or!anismo e do corpo or!anizado. Luando o corpo d282 <H, ;. &. a E,peri(n!ia do ora – 5lan!%ot& ou!ault e Deleuze, $io de aneiro $elume-Dumará, 2003 - p.12.283 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. <, &ão Paulo ditora 3, 11 C p.9?.28 pressOes paradoais do Fen, muito usadas pelos mestres para produ=ir a interrupção do pensamento lógico-anal*tico de seus disc*pulos e o despertar do pensamento conecti#o-intuiti#o.

289 <H, ;. &. a E,peri(n!ia do ora – 5lan!%ot& ou!ault e Deleuze, $io de aneiro $elume-Dumará, 2003 C p.1?.28? D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 que + a ilosofia $io de aneiro ditora 3, 112 C p.30.28 5d.

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 passa!em =s intensidades do fora, formamse nele pe9uenas ilhotas de caos no cosmos or!anizado,

o 9ue se chama caosmos#%%. 6 partir destas pe9uenas ilhotas de caos, de vazio, de desor!anização, o

corpo começa a tecer um outro corpo, desta vez, escorre!adio ao or!anismo, um corpo 9ue não é

inor!Bnico, nem or!Bnico, mas transor!Bnico, ou anor!Bnico. 5ste corpo é uma materialidade

 paradoGal, ou se7a, produzindo na realidade pe9uenas interrupçMes = or!anização eGercida pelo

controle e pelo poder, ele recoloca o corpo em coneGão imanente com o mundo. paradoGal por9ue

não deiGa de ser um corte no dese7o, s4 9ue não um corte de sobredeterminação e sim um corte de

desarticulação criativa. 5ste corte é chamado corte dis%unti"o, ou s,ntese dis%unti"a de registroCB>,

cu7a tarefa é de promover reaberturas nos corpos a partir da desterritorialização das coneGMes 7

eGistentes, 7 firmadas. ( corte dis7untivo produz uma pausa incompreens,"el C>D nas coneGMes entre

os 4r!ãos e entre os corpos. 6s coneGMes de dese7o produzidas pelo corpo são novamente abertas

através do corte dis7untivo, o 9ual distribui pontos de 9uebra#'&, de desarran7o dos corpos, a partir

dos 9uais se efetivarão novas possibilidades de coneGão. 5ste corte se processa no pr4prio interior

dos encontros entre os corpos. +ão eGiste nenhuma entidade 9ue o realize, é apenas um movimento

9ue acontece nas coneGMes dese7antes dos corpos en9uanto produtores de potAncia e dese7o.

( devircorpo é o corte de ;hi"a, deus indiano da destruição necessria a toda transformação.

Luando tudo pra é 9ue pode começar a moverse. ( mundo, desta vez, é devolvido = sua

coletividade e multiplicidade, por9ue, concomitantemente, devolvese o corpo ao mundo, ou o

mundo ao corpo. Contrariamente aos cortes de poder, 9ue criam para desarticular, os imperativos de

um devircorpo desarticulam para criar. )or isso, não se trata de imperativos poderosos, mandados

 por uma re!ra eGtr?nseca. ão imperativos internos = compleGidade dos encontros entre os corpos,

eGi!Ancias impelidas tão somente pelo dese7o e pela vontade de potAncia. Acontece que existe uma

alegria imanente ao dese%o& como se ele se preenchesse de si mesmo e de suas contemplações333C>C 

e o poder muda para voltar ao mesmo lu!ar, os devirescorpo voltam sempre ao fora, para mi!rar.

6ssim, isso 9ue definimos como devircorpo é todo o tipo de fluGo 9ue força o pensamento em

direção ao fora, levandoo a nomadizar, produzindo curtocircuitos, arrastandoo em direção aoacaso, in7etando em todo corpoforma, um corpofluGo. Por isso& o nomadismo e a relação com o

exterior não são exclusi"as do esquizo& mas caracter,sticas do próprio pensamento#'3 ( devir

corpo é este 9ue produz linhas no corpo concebido como materialidadefluGo e desfaz um mundo

288 /onceitos tam)Qm lem)rados das anotaçOes das aulas do Prof. Dr. %regório 4arem)litt.281 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 /nti*Fdipo – Capitalismo e Esquizofrenia. $io de aneiro 5mago, 1? C p.28.210 5d. C p.22.21 5d. C p.2.212 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 3, $io de aneiro ditora 3, 11? C

p.?.213  P<4A$;, P. P. <iteratura e <oucura 5n H5%A-I;B, A., B$<AID5, <. 4. <. G $A%B, +. Imagens de ou!ault eDeleuze – "esson#n!ias $ietzs!%ianas, $io de aneiro DPGA, 2002 C p.21.

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em 9ue o corpo é tomado como idéia capitalizvel. ( corpo se torna um devir a todo pensar

idealizado, refleGivo, representativo, comparativo, !al!ado no uno, na abstração infinita, na

mediação, na medicalização e no or!anismo. *evircorpo para toda mentalidade platnico

cartesiana com vontade reco!nitiva. 9ue toda materialidade 9ue entra em coneGão com o corpo,

no capitalismo, parece ser levada a transformarse em idéia abstrata de onde se retira infinitamente

valor de capital. *iante disso o devircorpo é uma via de desterritorialização deste investimento no

corpo en9uanto matéria pass?vel de ser eGplorada como fonte ines!otvel de ener!ia e de valor

abstrato rebatido sobre o si!nificante homo!eneizante do capital. ( devircorpo traz a materialidade

como intensidade fluida 9ue desterritorializa todo o racionalismo mentalista e o idealismo refleGivo,

modos do pensamento <teis ao capitalismo. 6ssim, este devircorpo, possui todas as propriedades

da matéria en9uanto tal, possui todas as propriedades do corpo material E concretude, consistAncia,

espessura, realidade E sem, contudo, ser de fato concreto, eGtensivo. Falando em termos 4pticos, o

devircorpo é, tanto 9uanto 9ual9uer matéria, tanto 9uanto o pr4prio corpo, pass?vel de ser afectado

 pela luz, porém pela transparAncia, 9uer dizer, ele faz da luz, não sua fonte de visibilidade, mas de

sua transversalidade. Luanto mais deiGa 9ue a luz flua como fluGo, sem refletila, tanto mais

transparente é e, portanto, tanto mais bem definido em sua claridade, mais l<cido. 5 esta

transparAncia do devircorpo compMe com sua massa e espessura, uma nitidez paradoGal, ou se7a,

transparente 9uer dizer também, franco, eGpl?cito, a9uilo 9ue se faz presente por força pr4pria e não

se deiGa representar, não permite terceirizar sua força. )ortanto, paradoGalmente, o devircorpo tem

 peso e materialidade, mas é invis?vel pelo fato de ser uma pura ou infinita translucidez, infinita

transparAncia. um canto de mulher 9ue não se escuta, mas se pode apalparZ uma cor de um

desenho de criança 9ue s4 se percebe ouvindo ou sentindo vibrar na pele.

 +este sentido, o devircorpo, aproGimase do mushinC>4, a nãomente, ou o vaziocheio, na

9ual a <nica ausAncia é a da mediação e da transcendAncia. Corpo ausente, mas ausente da

transcendAncia, do ideal. Luando ao corpo acontece um devircorpo é por9ue ele foi esvaziado de

9ual9uer mediação aos encontros e, então, mesmo a relação com um instrumento é imediada, nãohavendo nenhuma forma de entreposição entre o dese7o, o corpo e o ato, ou entre mundo e corpo.

*esta forma, os devirescorpo são os 9ue possibilitam 9ue = realidade caibam novos a!enciamentos,

novas movimentaçMes, é este o devir 9ue possibilita a atualização de virtualidades. )or isso,

denominamos corporei%ar o movimento se!undo a 9ual os devirescorpo vão fazendo com 9ue os

virtuais habitantes do tecido do fora !anhem territ4rio de passa!em concreta na realidade

atualizada. Corporeizar é povoar o real de sin!ularidades muito pontuais, possibilitadas através de

acontecimentos operados no e através do corpo, como acontece com as dores, sensaçMes de cansaço,21 /onceito Fen, 'ue se aproima de iman:ncia.

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rou9uidMes 9ue as professoras da escola onde trabalhamos relatam. 5stas corporeizaçMes são um

outrem 9ue acontece = escola, = instituição educacional, através do corpo. Corporeização é a ação

do corpo sobre a realidade, a passa!em das virtualidades para a materialidade. 3einclusão das

intensidades nas estruturas duras, do processo nas metas acabadas. e h al!o do corpo 9ue

acontece =s professoras, então, é um outro corpo 9ue açoita os corpos das professoras. 5 é por9ue

h al!o passando pelo corpo 9ue é poss?vel haver al!o passando na realidade da escola. Corporeizar

é, assim, percorrer um mapa, não o mapa de um outro mundo& mas a cartografia do outro de um

mundoC>=, a partir do 9ual se eGperimenta vi!ores novos, forças desconhecidas e fluGos 9ue fazem

dos 4r!ãos usinas de produção de coneGMes inusitadas. )ercorremse não os t<neis de poder, mas as

 pe9uenas matérias imanentes 9ue conectam o dese7o = sua potAncia de ação, ou o corpo de sua

 potAncia de produção. Luando se corpore?za o real, se conecta um fluGo de virtual a um campo de

 poss?vel, ou ainda, uma força a uma materialidade concreta no mundo. )roduzse um corpo real,

concreto E em oposição = abstração capitalista E mas um corpo sem imagemC>? , sem forma absoluta.

2m corpo 9ue não cabe em uma representação. Corporeizar é conectar o dese7o = sua potAncia

concreta de produção de realidade social.

*este modo, em um dos encontros de nossos !rupos com as professoras, como em muitos, se

falava da dificuldade de se lidar com a a!itação dos alunos, com a ba!unça, com o estresse de se

 pretender controllos. 2ma delas nos contou: \+ão a!^ento trAs per?odos com os alunos, é meu

limite. 5ntão, deiGo 9ue ha7a 7o!os em uma parte da aulaV. 5sta professora dizia do 9uanto sentiase

cansada com o fato de ter 9ue conse!uir dar aulas se encontrando tanto com a a!itação das crianças.

)or isso, disse 9ue tinha resolvido dar atenção =9uilo 9ue sentia e por isso havia decidido incluir

 7o!os. (ra, para n4s, o 9ue fica claro a9ui é 9ue nenhum corpo bem disciplinado ou disciplinador

como é o corpo de educador E des?!nioproduto do poder E é de fato inteiriço, maciço, totalizante.

H sempre sensaçMes capazes de colocar em Ge9ue um corpo de professora or!anizado pelos

tempos de aula prédeterminados. e no plane7amento disciplinar da escola toda professora teria de

ser capaz de estar toda a manhã ou toda a tarde em plena atividade com os alunos ou com 9ual9uercoisa relativa ao trabalho, em contrapartida, na imanAncia dos encontros de sala de aula, as forças

9ue permeiam os corpos de alunos e professora são outras, são muitas mais. ( ideal é apenas uma

força. a força do poder e, como tal, certamente muito densa, mas não a <nica e, tampouco, a mais

 potente e importante. 6o invés de, por simples impulso moral, 7ul!armos como tempo de aula

 7o!ado fora esta pe9uena solução da professora para lidar com seu estresse durante o trabalho,

 podemos ver a9ui uma potente micropol?tica do corpo. ão as sensaçMes de 9ue não se a!^enta mais

219 P<4A$;, P. P. <iteratura e <oucura 5n H5%A-I;B, A., B$<AID5, <. 4. <. G $A%B, +. 6Brgs.7 Imagens deou!ault e Deleuze – "esson#n!ias $ietzs!%ianas, $io de aneiro DPGA, 2002 C p.218.21? D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 /nti*Fdipo – Capitalismo e Esquizofrenia. $io de aneiro 5mago, 1? C p.23.

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!anhando mais terreno do 9ue as ordenaçMes or!Bnicas do corpo disciplinador e disciplinarizado de

 professora. )uro ato do corpo, sensação do corpo tornada eGpressão através não s4 de lin!ua!em,

mas de a!enciamento concreto, colocação em movimento de possibilidades inesperadas, habitantes

outrora do terreno do imposs?vel = aula. Corporeização das sensaçMes 9ue invadem e sa9ueiam o

corpo or!Bnico de professora, devircorpo 9ue acontece ao corpo, acontece = escola, ao espaço de

aula, ao corpo biometrizvel, ao encontro com os alunos. 6 decisão de permitir a passa!em e

le!itimação das sensaçMes de tensão são momentos pol?ticos e éticos em 9ue se produz

corporeização, pois acontece de uma multiplicidade de forças e ondas passarem pelo corpo e,

através deste, providenciar uma nova articulação do vivido no campo social, afectivo, ético,

relacional. ( 9ue vemos é a possibilitação de al!umas potAncias na forma de puro ato, o 9ual não é

movimento individual, pois o 9ue parece acontecer é muito mais a liberação da passa!em de

in<meras sensaçMes incmodas 9ue tomam o corpo da professora e a concomitante movimentação

de valores, princ?pios, pensamentos, teorias, técnicas, lin!ua!ens e !estos para 9ue esta liberação

!anhe a realidade, !anhe consistAncia, materialidade e concretude. 9ue não parece ter sido

 poss?vel uma decisão como esta da professora de oferecer 7o!os sem 9ue ela mesma tenha se havido

com o 9ue concebe para si pr4pria como bom ato educacional, bom princ?pio peda!4!ico, assim

como com os valores, pensamentos, !estos e eGpressMes 9ue lhe compMem en9uanto corpo de

educadora. Dambém, não se tem como atualizar a passa!em das sensaçMes do corpo em devir sem

9ue tenha havido, em ato concreto, uma ne!ociação com os alunos, a construção de um v?nculo de

confiança e sensibilização, uma movimentação de 9uereres m<tuos, ou se7a, toda uma a!itação

coletiva, uma circulação impessoal, nãoindividual, nãoor!Bnica dos afectos 9ue compMem os

corpos ali, na sala de aula. Doda uma socialização e politização dos afectos da professora.

Danto 9ue, 9uando falvamos disso tudo, sempre 9uestionvamos =s professoras 9uando é 9ue

uma aula não tinha sido ba!unçada. Dencionvamos seus limites éticos no sentido de se

aperceberem da !rande força 9ue despendiam ao tentarem fazer do tempo de aula, um tempo

homo!Aneo, estan9ue, aplainado. 5 as professoras, neste dia, che!aram a concluir \)arece 9ue9ueremos uniformizar os alunos, muitas vezes 9ueremos 9ue eles tenham a mesma reação 9ue n4s

temosV. )or isso, as professoras contaram 9ue antes do nosso trabalho 7unto com elas, entendiam

9ue ne!ociar com os alunos era uma forma de eGtorsão. \+e!ociar era ne!ativo, com se fosse

comprar e venderV. *isseram 9ue, a partir das conversas no !rupo, passaram a compreender a

importBncia de se poder ne!ociar. 6ssim, este corporeizar o real, ou se7a, estas colocaçMes de

novidades insuspeitadas dentro da superf?cie 9ue constitui a escola, a partir de açMes concretas

articuladas no e através do corpo, não podem ser vistos como movimento de uma psi9ue, do interiorda mente de uma professora, de um su7eito. 6o contrrio, o 9ue ocorre é toda uma a!itação coletiva,

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de uma multiplicidade de coisas: alunos, professores, suas células, seus valores, seus 9uereres, seus

saberes. Corporeizar, portanto, é movimentar éticas, fazendoas diferenciar a partir tão somente dos

encontros entre os corpos, da coletivização. +ada de individualidade. +unca, nada a ver com

 psicossomtica, nem com representação, mas com compartilhamento, potencialização, liberação.

Corporeizar, como 9uando a professora resolve incluir 7o!os em suas aulas para possibilitar 9ue os

afectos de seu corpo caibam sem 7ul!amento, não deiGa de ser uma potente intervenção sobre o

campo social E intervenção micropol?tica E a partir das sensaçMes 9ue passam pelo corpo e suas

respectivas efetivação e transformação. 6to 9ue vale primeiro para a professora. )orém, vale

também para os alunos, vale para a educação e para a escola. Doda uma f?sica dos devires dos

corpos.

Dratase, então, de uma f?sica da fluidez dos corpos. 6lém disso, s4 se corpore?za o real

9uando se abrem fissuras de linhas de fu!a, escapes temporrios ao poder. Luando se conecta uma

indeterminação original  E em 9ue as coisas e os seres não são ainda#'K E  com o espaço eGtenso,

concreto, se est corporeizando, pois o corpo é este operador do real, produtor de mundos poss?veis.

6ssim, não se trata de um movimento do interior dos corpos, relativos a uma psi9ue enclausurada

no su7eito. 6o contrrio, corporeizar é uma linha relativa ao corpo e, ainda assim, não referente a

ele, não limitada a ele, pois s4 acontece en9uanto eGterioridade a 9ual9uer forma, ou instituição, ou

cate!oria. Corporeizar s4 acontece no espaço interformas, na superf?cie tecida nos encontros entre

os corpos, no social. 4 eGiste movimento de corporeização no campo social, tomandose, a9ui, o

social não como massa homo!Anea de su7eitos e pessoas e sim como coletividade diferencial de

intensidades, linhas de força e produção. 5ntão, a partir deste corporeizar o real, o espaço de dentro

do poder vai sendo primeiramente con!elado, interrompido, paralisado, para ser em se!uida

 povoado de dobras, nas 9uais o corpo se faz via de passa!em de virtualidades, de linhas de fu!a.

 ão o corpo que realiza& mas no corpo que algo se realiza& com o que o próprio corpo se torna

real333C>B  +o movimento de corporeização, o pr4prio corpo se torna outra realidade, outra

materialidade, altermaterialidade.6o lon!o dos encontros de nossos !rupos de professoras, al!umas falas foram noticiando

transformaçMes importantes no modo como os corpos das professoras sentiam seu trabalho.

Consideramos 9ue se7am con9uistas nossas en9uanto profissionais, mas também con9uistas de todo

o !rupo de professoras, con9uistas de um encontro potente. 2ma das professoras disse, num dia em

9ue nos propusemos a avaliar o andamento e o desenvolvimento dos encontros, 9ue não se sentia

mais uma pecadora. Contou 9ue comentou com uma cole!a 9ue se sentia leve como se possu?sse

21 <H, ;. &. a E,peri(n!ia do ora – 5lan!%ot& ou!ault e Deleuze, $io de aneiro $elume-Dumará, 2003 C p.33.218 D<"F, %. / Do'ra – Lei'niz e o 5arro!o, /ampinas Papirus, 11 C p.9.

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asas, tal 9ual um an7o. *izia \não sou mais uma pecadora, a!ora sou um an7oV, en9uanto abria os

 braços. 5mbora pareça al!o bastante romBntico de se dizer, o 9ue nos salta aos olhos e ouvidos é a

 presença da palavra \pecadoraV. Che!amos a nos assustar um pouco com esta palavra, 9ue nos

 pareceu muito pesada, muito criminalizante. +os demos conta de 9uão culpadas, responsveis e

 pesadas as professoras se sentiam na maior parte do tempo. H nesta descrição de sensaçMes 9ue

tomavam o corpo da professora, ao mesmo tempo, a den<ncia de tudo 9ue viviam e sentiam no

cotidiano da escola e a transformação desta sensação em al!o novo. +ovo por9ue, no começo dos

encontros, todas estas sensaçMes de responsabilidade eGistiam en9uanto naturalidades, como se

fossem as <nicas formas poss?veis de se compor a realidade. 5 esta mudança pode ser chamada uma

transformação incorpóreaC>>, uma vez 9ue não se trata de uma mudança no corpo de fato, mas uma

mudança 9ue implica o corpo, passa por ele, sem 9ue necessariamente ha7a reconfi!uração f?sica. (

corpo muda, mas não se muda de corpo.

6lém disso, a transformação é incorp4rea por9ue se, por um lado, 8escolhe ao corpo desta

 professora para eGpressarse, por outro, não passa de um movimento 9ue se espalha para uma

coletividade, não deiGando de ser ressonante nos corpos também de outras professoras. Dalvez até,

esta coletivização do afecto de desculpabilização estivesse se produzindo também a partir da

eGpressão da fala da9uela professora, o 9ue seria a proliferação destas transformaçMes incorp4reas.

a palavra tornada fbrica, lançada ao Bmbito da produção, pois a  pala"ra torna6se poss,"el

quando os sons conseguem se libertar dos corpos& quando deixam de se confundir FDD e !anham o

mundo como habitat aonde vai se proliferar. 9ue, se não h devirprofessor, como este 9ue faz

coalizão numa relação de poder com um aluno peda!o!izado, então, talvez ha7a um devirmestre

9ue faz aliança de parceria com um deviraprendiz. *isporse a 9uestionarse sobre o lu!ar ocupado

en9uanto professora, revisitar com olhos de estran!eira as sensaçMes 9ue tomam o pr4prio corpo no

diaadia da escola /com tempo sempre tão estran!ulado1 é uma forma de maestria, pois é uma

forma de involução, de desprendimento e esvaziamento do corpo dos pontos fiGados no lu!ar

institucional, tão investidos de poder. o esvaziamento do or!Bnico escolar. *esfazse dos 4r!ãosinstitucionalizados de professora, para fazerse corpo em devir. 6lém disso, este movimento de

abertura ao 9uestionamento é a condição para 9ue ha7a uma parceria entre mestre e aprendiz. 0as

a9ui, nos referimos muito menos = fala do 9ue ao eGpresso por ela. +ada a ver com si!nificante e

si!nificado, conte<do e continente de eGpressão... nada a ver com uma lin!ua!em do corpo 9ue 9uer

dizer al!uma coisa oculta.

211 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. = , $io de aneiro ditora 3, 119 C p.20.300 <5I&, D. /ntonin /rtaud – 2 /rtes-o do Corpo sem Jrg-os, $io de aneiro $elume-Dumará, 111 C p.?0.

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0ais do 9ue uma anal?tica lin!^?stica, nos parece importante destacar 9ue a eGpressão de uma

fala como essa é apenas o movimento terminal de uma rede de transformaçMes provavelmente 7

ocorridas sobre toda uma multiplicidade de planos, os 9uais talvez nem tenhamos idéia de 9uais

se7am. poss?vel 9ue planos mais pessoais, relativos = fam?lia, = seGualidade, aos sensos de estética

tenham também sido afectados e minimamente transformados no corpo desta professora. (s corpos

se tornam planos nmades de corporeização da realidade, das éticas, dos valores. ( corpo sofre uma

corporeização, pois devires de toda espécie puderam encontrar nele espaço de passa!em, territ4rio

de acolhimento = diferença E não a diferença do outro, mas de um outro de si pr4prio. Aquilo em

que algum se transforma& muda tanto quanto este que se transformou$&3  ( movimento de

corporeização recoloca o corpo correndo sobre um fluGo cont?nuo de hetero!eneidades, um

cont?nuo de dobras, em 9ue as dobras se eGplicam, ou se7a, dobram sempre em direção ao seu

fora ... toda dobra "em de uma dobra& plica ex plica$#3 Corporeizar é o movimento de criação de

uma materialidade, de um outro corpo para as sin!ularidades inesperadas 9ue percorrem o corpo.

Fica mais claro por 9ue dissemos, no in?cio deste trabalho, 9ue temos um corpo por termos uma

zona privile!iada de eGpressão. ) que expresso claramente o que sucede ao meu corpo3FDF 

5n9uanto os devirescorpo são forças de desterritorialização da realidade material estabelecida, o

corporeizar é o ato vivo destas forças. e a professora che!a a sentirse leve e com asas e, além

disso, livre de culpa, é por9ue houve a? um m?nimo de mudanças, tanto na forma como esta

 professora sente o mundo, 9uanto no mundo 9ue seu corpo se torna capaz de produzir. e

corporeizar si!nifica deiGar passar fluGos e ser afectado por eles, então, também 9uer dizer liberar

fluGos, alimentando mais ainda a capacidade de afectação do corpo. Niberação de fluGos

incorporais, mas afectação sobre os corpos. 5sta professora foi capaz de permitir 9ue seu corpo se

abrisse de modo a possibilitar a coneGão direta com uma multiplicidade invis?vel de valores até

então inconceb?veis para sua realidade. toda uma coneGão entre campos virtuais e campos atuais

9ue se opera, sendo o corpo um dos !randes possibilitadores desta coneGão e um dos lu!ares através

do 9ual se pode ter not?cias vivas deste processo de transformação E as sensaçMes de leveza einocAncia são estas ondas de novos afectos 9ue compMem estes corpos. *e fato, talvez se7a

imposs?vel citarmos cada coisa 9ue provavelmente mudou para esta professora, mas a pr4pria

radicalidade presente na passa!em de um corpo culpado para um corpo, desta vez, are7ado, nos

aponta para a multiplicidade 9ue precisou ser mobilizada. im, é preciso diferenciar o radical do

tirano, é preciso desobstruir a radicalidade 9ue cada diferença porta en9uanto diferença. 6 tirania

30 D<"F, %. - frase 'ue lem)ramos ter lido em alguma o)ra do autor, mas não conseguimos encontrar em 'ue li#ro

foi. ;al#e= tenha sido em Dilogos.302 D<"F, %. / Do'ra – Lei'niz e o 5arro!o, /ampinas Papirus, 11 C p.2?.303 5d. C p.??.

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nada tem a ver com a radicalidade, esta <ltima é na verdade somente a pura intensidade de uma

diferença levada ao seu limite, en9uanto a9uela outra, a tirania, não passa de vontade de fazer do

outro um se!uidor, um i!ualvel. Luando uma professora diz ter asas h nisso uma intensa

radicalidade, sem 9ue ha7a tirania al!uma. ( radical é a sensação da diferença en9uanto dona de seu

 pr4prio calor.

6ssim o corpo é uma superf?cie 9ue tem como seu lu!ar primeiro, o fora, ou o espaço de

eGposição aos açoites dos devires. 5Giste uma espécie de dor ou de sofrimento a 9ue o corpo est

sempre eGposto. 6 dor destes açoites pontuais dos devires, as cha!as de se estar voltado ao espaço

de transvaloração e de sa?da do or!anismo. 2m sofrimento 9ue não se confunde com as cha!as de

um Cristo 9ue suporta seu fardo, e sim um sofrimento por ser lançado sempre de volta = dissonBncia

m4vel de 9ue é feita a imanAncia dos encontros entre os corpos. 5ste sofrimento do corpo é, na

realidade, a sua condição primeira. Jm corpo sofre de sua exposição $ no"idade do fora& ou se%a&

ele sofre de ser afetado$J3 *iante desta eGposição é 9ue cabe a força de decisão ou a resi!nação da

escolha. e, por um lado, podese decidir por implicarse nas relaçMes, colocando o corpo a

eGperimentar as matériasfluGo dos encontros e desafiandoo a inventar soluçMes aos problemas

 postos na imanAncia, por outro, podese refu!iarse nas escolhas de técnicas ou princ?pios de

conduta institucionalizados. Psso por9ue, um dos efeitos mais sutis, silenciosos e eficientes das

relaçMes !al!adas em poder é a inclusão da certeza da insuportabilidade diante das ondas 9ue os

encontros podem trazer ao corpo. como se houvesse, sempre, de antemão, uma impossibilidade

 posta de 9ue se é incapaz de alimentarse dos fluGos produzidos nos encontros. ( poder faz os

corpos crerem numa fra!ilidade 9ue não lhes pertence, os faz sentirem como se não fossem capazes

de suportar nada. *a? fazse do corpo uma matéria 9uebradiça, amedrontada e assustada, desprovida

da confiança de encontrar sa?das aos impasses a partir das forças presentes no pr4prio encontro.

Com isso anestesiase este sofrimento do corpo eGposto ao fora e, um a um, os v?nculos entre os

devires e a realidade vão sendo tapados, aplainados. ( corpo silencia, ou iludese silenciar.

5m um dos encontros, uma professora contou uma situação em 9ue se sentia eGtremamenteconfusa e impotente, sem capacidade de a!ir. 2m de seus alunos era demasiadamente a!ressivo, de

uma maneira 9ue desafiava mesmo a ordem de veto = a!ressão 9ue a professora sempre colocava. 6

 professora dizia 9ue tentava impedir o menino de a!redir os cole!as e de a!redirse a si mesmo E

al!umas vezes batendo com a pr4pria cabeça na !rade da 7anela. Havia vezes em 9ue simplesmente

dizer 9ue o menino não deveria ser violento não bastava e era preciso contAlo fisicamente. 6

 professora assustavase muito com o comportamento do menino e dizia sentirse muito presa

30 <APB"AD, D. B corpo 'ue não agYenta mais 5n <5I&, D. G %AD<EA, &. 6Brgs.7 $ietzs!%e e Deleuze – 2 que pode o corpo, $io de aneiro $elume-Dumará, 2002 - p.8?.

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 por9ue mesmo o veto mais claro 9ue fosse colocado = a!ressão não bastava. *iante disso, nosso

trabalho foi o de, aos poucos, pensarmos 7untos o 9ue era o movimento 9ue de fato che!ava na

violAncia e o 9ue ainda era a!ressividade. )rocuramos, também, falar com as professoras do 9uanto,

como elas mesmas 7 haviam sentido, a a!ressividade é uma das formas 9ue permitem a

sobrevivAncia dessas crianças numa comunidade atravessada muito fortemente pela disputa de

 poder no trfico de dro!as. Começamos a incluir estas linhas de afectação com a intenção de

desmoralizar a a!ressividade e distin!uila da violAncia. 5Giste em nossa constituição a presença de

uma força civilizat4ria 9ue, entre outras coisas, 7ul!a possuidores de maior !rau de civilização os

corpos 9ue passam pela mortificação da a!ressividade, pela anestesia dos sofrimentos do corpo

eGposto ao mundo e pelo rebaiGamento do sentimento de indi!nação. 3ebater a civilidade sobre os

corpos é o mesmo 9ue produzir um or!anismo nele. 6 interpretação de 9ual9uer a!ressividade

como violAncia é o uso da pol?tica de produção de falta nos corpos, pois se diz tudo o 9ue al!uém

não é tendo a civilidade como referAncia de boa vontade, de dese7o di!no de lu!ar no mundo. +osso

9uestionamento com a professora ia no sentido de despoluir do dese7o correcional E inclusive o

dese7o de corri!ir a si mesma E, para 9ue pudesse haver, na relação com este aluno, também lu!ar

 para as sensaçMes E as sensaçMes da pr4pria professora e também as do aluno. Dentativa de esmiuçar

a poderosa reprodução m<tua de corpos d4ceis E m<tua por9ue é força docilização da professora

tanto 9uanto do aluno E, procura por localizar onde havia o direito de uma poss?vel a!ressividade do

menino e onde esta a!ressividade era capturada por uma norma civilizat4ria 9ue a fazia recrudescer

e se tornar violAncia... *izendo isso para a professora, tentvamos mapear onde em seu corpo e no

corpo do menino eram feitos corpos or!Bnicos, sobre 9uais tecidos reca?am os recortes disciplinares

e biopol?ticos.

Falamos com a professora, não de i!norar a violAncia eGistente no comportamento do aluno,

mas de esmiuçar o olhar sobre este comportamento, de maneira 9ue se pudesse desmoralizlo e,

assim, trazer as per!untas de volta = relação, = imanAncia, fazendo as poss?veis soluçMes serem

emitidas do corpo de encontro 9ue ali se fabricasse. )or isso, mesmo 9uando as professoras dizem9ue sua tarefa educacional é ensinar, além de matemtica e hist4ria, valores para a construção de

alunos cidadãos, h um !rande peri!o de se recair, na verdade, na força de ortopedização das almas.

5sta educação de valores não pode ser uma reca?da em princ?pios morais do sensocomum.

*esmoralizar o encontro educacional é possibilitar 9ue se faça um corpo na imanAncia dos

encontros e, a partir deste corpo, se permitir afectar e ser afectado, liberar poss?veis e construir

limites. Pmplicarse na relação para 9ue os limites se7am imanentes. 9ue, 9uando se retira o dese7o

correcional e a vontade de controlar as condutas, também se produz um refinamento dasensibilidade e do olhar, o 9ual permite a!ir na relação tão somente a partir do encontro. ( 9ue

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tentvamos produzir com a professora era a possibilidade de se diferenciar sua sensação de

incmodo de um dese7o de corri!ir. 9ue, por mais 9ue a sensação de incmodo diante da

a!ressividade do menino tenha também ori!em num esp?rito moral, o 9ue importa é 9ue esta

sensação entre num 7o!o bélico, se7a su!ada para a imanAncia, por onde ela caiba na relação com o

aluno a partir de uma deshierar9uização. como se colocssemos as sensaçMes de aluno e

 professora num mesmo patamar de valor, num mesmo n?vel, pois o dese7o de corri!ir desautoriza

também a sensação da professora. 5m outros termos, tirar a vontade de consertar a conduta do aluno

é uma forma de 8retardar E involuir a relação educacional, trazendoa ali para o n?vel do encontro

entre os corpos, para um tempo anterior ao do 7ul!amento, mas atual em relação a tudo 9ue portam

e produzem a partir deste encontro. Danto as sensaçMes do aluno tAm 9ue poder eGistir desinvestidos

do 7ul!amento, 9uanto a sensação da professora tAm 9ue poder passar desinvestida do dever de

corri!ir. Psso por9ue as sensaçMes de professora e aluno, ambas, em i!ual !rau, aparecem investidas

 pela moral. )ermitir 9ue a professora colo9ue, na relação com o aluno, também suas sensaçMes de

incmodo, é permitir também 9ue se7a colocado em Ge9ue também a ori!em moral deste incmodo.

Fazse, com isso, um corpo imanente de encontro, um corpo de sensaçMes e afectos.

6 este corpo de encontro, esvaziado dos = priori, da moral e do funcionamento estatal dos

4r!ãos é 9ue se denomina corpo sem órgãosFD=  ( corpo sem 4r!ãos /Cs(1 é um corpo

micropol?tico, 9ue trata de criar tecido e matériafluGo de eGpressão =s per!untas fabricadas nos

encontros entre os corpos. )ortanto, o corpo sem 4r!ãos não é nem eu nem outro, mas um outro

transicional tanto para um 9uanto para o outro corpo envolvido no encontro. Decer um corpo sem

4r!ãos é tecer uma multiplicidade aliada de todas as partes 9ue compMem a relação e é também a

implicação destas partes na relação, de uma maneira, então, inescapvel, da 9ual s4 se é poss?vel

sair aberto para a afectação, movendose para a invenção. 333 o corpo "ontade em ação3  )s

mo"imentos do corpo são a encarnação da "ontade contra a tirania e o despotismo arraigado no

organismo&333FD?  Dratavase de arriscar uma micropol?tica do dese7o, das formas de sentir, na 9ual

importassem muito mais a mutação da relação, do 9ue a sua correção, mais os afectos do 9ue osfatos. G preciso falar de afectos e não de fatos$K3 6 nossa 9uestão não era a de dar espaço somente

=s diferenças molares, vis?veis, como a deste aluno, 9ue facilmente seria diferido da norma como

um futuro criminoso, ou com portador de dist<rbios psi9uitricos. 2ma micropol?tica dos afectos

implica muito mais na sensibilidade com diferenças ainda menores, mais sutis, menos formadas e

or!anizadas, ainda não recortadas or!anicamente, diferenças comezinhas E as pe9uenas sensaçMes

309 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 3, $io de aneiro ditora 3, 11? Ctoda a primeira parte.30? <5I&, D. /ntonin /rtaud – 2 /rtes-o do Corpo sem Jrg-os, $io de aneiro $elume-Dumará, 111 C p.1.30  pressão muito tra=ida pela ProfZ Dra. +ar*lia +uWlaert, 'ue di= do tra)alho de psicólogo, de importar-se com amaneira pela 'ual as pessoas afectam e são afectadas nos encontros 'ue fa=em.

?0

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sem lu!ar da professora, as pe9uenas sensaçMes sem lu!ar do aluno, as pe9uenas d<vidas da

 professora, as dobras especializadas 9ue o poder faz nos corpos, as nossas pr4prias sensaçMes

en9uanto pessoas e não apenas como psic4lo!os...

6 partir disso, al!um tempo depois, esta professora nos contou 9ue havia conse!uido, ao

menos dar outro rumo a esta hist4ria com o menino. 2m dia, havia che!ado para ele e lhe

9uestionado com seriedade por 9ue motivo a!redia tantos aos cole!as e a si mesmo, por 9ue fazia

a9uilo, pois ela mesma se sentia também a!redida, confusa, sem saber o 9ue fazer. Contou 9ue o

aluno respondeu 9ue fazia a9uilo por9ue lhe provocavamZ ao 9ue a professora novamente

9uestionou ao aluno se ele percebia se havia al!um motivo para lhe provocarem. +ão nos

 preocupamos, a9ui, neste momento, com o fim da hist4ria, mas com o fato da professora ter podido

colocar em circulação os seus afectos, dobrandose, então, para o encontro e não para um princ?pio,

 produzindo um corpo de pura alteridade tanto para o aluno, 9uanto para si mesma. )dese trazer o

aluno de volta a um lu!ar muito sofisticado de potAncia, em 9ue 9uestionlo E mais 9ue repreendA

lo e 7ul!lo E era um eGerc?cio de um  sistema da crueldadeFDB contra a inércia de um modo de

relação 7 cristalizado, baseado, talvez, na crença silenciosa e escorre!adia de 9ue o aluno fosse

incapaz de afectarse a si mesmo, 9uestionandose, intri!andose consi!o mesmo. 5sta mesma

crença talvez habitasse o corpo da professora como um esp?rito ladrão de força, 9ue a fazia sentir

incapaz de a!ir sobre a9uilo 9ue em cima de seu corpo reca?a E a violAncia do aluno, o

comportamento esperado de uma professora, a norma civilizat4ria 9ue recaia sobre ambos. 6ssim,

 produzse não uma 7ustiça da moral 9ue 7ul!a a vida, mas a de uma crueldade 9ue desafia os corpos

a implicaremse na relação e voltarem a habitar este espaço da pura alteridade, do fora. 6 doutrina

do 7u?zo é livresca impede 9ual9uer processo de abertura a mais liberdades, pois sua preocupação

não é com os homens, mas com os princ?pios 9ue representariam uma suposta boa vontade destes

homens. 6 7ustiça moral s4 é 7usta para esta entidade ineGistente 9ue é o homem de bem, mas

absurdamente tirBnica com os corpos em relação. )s elementos de uma doutrina do %u,zo supõem

que os deuses concedam lotes aos homens& e que os homens& segundo seus lotes& se%am apropriados para tal ou qual forma& para tal ou qual fim org*nico$'3 )or sua vez, a 7ustiça da crueldade reinsere

os sistemas dos afectos, ou se7a, a mobilidade mutante e molecular das forças 9ue os corpos

eGercem entre si. 5ntão, corporeizar estes afectos, é darlhes corpo, ato e consistAncia para

defla!rarem novos tecidos no mundo. Corporeizar é vincular dese7o, matéria e ação num mesmo

rio, na imanAncia de um mesmo plano de preensão do mundo.

308 D<"F, %. Cr4ti!a e Cl4ni!a, &ão Paulo ditora 3, 11 C p.9.301 5d. C p.?.

?

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 +este sentido, al!umas professoras foram nos dizendo de como os encontros dos !rupos

estavam mudando seus re!imes perceptivos e afectivos. ] nos primeiros encontros uma professora

nos disse: \( espaço /do !rupo1 tem me servido para sentir 9ue não estou sozinha em al!uns

sentimentosV. 5 mais adiante, por volta do 9uinto encontro, as professoras começaram a dizer \69ui

a !ente tem conse!uido se enGer!ar, olhar para o outro, tendo 9ue ouvir o outro e, de al!um 7eito,

compreender o outroV. 0esmo em outros encontros, as professoras diziam: \Começamos a nos

enGer!ar maisV ou, \6s pessoas estão menos a!ressivas entre siV ou ainda, \6ntes, na sala dos

 professores, a !ente sentia o clima muito tensoV. \6cabamos /a9ui no !rupo1 tendo al!o em comum

 para discutir, o 9ue a7uda a criar um v?nculo diferente entre n4sV. (ra, vemos a9ui a criação de um

novo corpo de afecçMes em cada professora e nos !rupos. a produção de um Cs( inédito, ou até,

sem espaço de eGpressão. Dalvez, se7a mais isso. 6 partir da construção de um espaço !rupal, de

encontros e trocas, tanto se produziu um novo corpo, 9uanto se deu canal de eGpressão para uma

corporeidade 9ue 7 pedia, num campo virtual e afectivo, uma via de passa!em, um canal de

concretização. imultaneamente, produção de um corpo coletivo, 9ue vai além do corpo or!Bnico

até então institu?do na escolaZ e acontecimento de uma corporeização, 7 9ue se trata também da

 passa!em de devires e virtualidades para o campo concreto através de a!enciamentos articulados

através do corpo. 9ue en9uanto s4 se ouvia os devires sentidos nos corpos através de suas

eGpressMes or!Bnicas, atravessadas pela noção médica de corpo e pelo si!nificante abstrato do corpo

or!Bnico, s4 se podia ter sensaçMes doloridas e afectos paran4icos, a!ressivos, de 7ul!amento

silencioso m<tuo, de rus!as. 5n9uanto os afectos sentidos eram transformados interioridades de

corpos or!Bnicos E or!anismo de professora peda!o!izada e moralizada, or!anismo feito ob7eto

 psi9uitrico, or!anismo biolo!izado E a potAncia deste or!Bnico de se desdobrar para fora

continuava capturada e restrita a transformarse de acordo com o a!enciamento médico

institucional. +a medida em 9ue o caminho final dos afectos era se transformarem em rebatimentos

sobre os or!anismos individuais de cada professora e sobre a culpabilização individual de cada

uma, não se sa?a da produção de dese7o capitalista. 6s afecçMes eram capturadas e deformadas,capitalizadas a ponto de virarem simples sentimentos hostis 9ue se alimentava pelo outro.

0as, a partir do instante em 9ue se proporciona um espaço comum E comunitrio de

transporte e circulação para os afectos, passa a ser poss?vel produzir um outro tipo de corporeidade,

desta vez, povoada tanto dos sentimentos a!ressivos, 9uanto dos de compartilhamento e encontro.

Corpo em 9ue o campo de poss?vel se eGpande, 9ue sai do corpo individual e se trama numa

materialidade coletiva, tanto no sentido de 9ue é do !rupo, 9uanto de 9ue é m<ltiplo. e antes se

tinha um Cs( constitu?do como corpo coletivo de produção de solidMes, culpas e a!ressMes, a!orase tem um Cs( composto de uma outra variedade de afectos. Corpo 9ue, entretanto, não eGclui os

?2

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afectos de a!ressão, culpa e solidão. 6o contrrio, en9uanto Cs(, é um corpo em 9ue desconectam

se os re!istros dos anti!os afectos para conectlos com muitas outras sensaçMes poss?veis. uma

mir?ade de devires !anhando passa!em através da construção de um espaço de eGpressão aos

corpos. 2m Cs( comunitrio em detrimento de um Cs( individualizado, privatizado, feito

or!anismo da escola, or!anismo do capitalismo. 6o invés de se fazer do corpo uma materialidade

 privatizada E 4r!ãos cercados e cerceados de sua força conectiva E, a partir dos encontros !rupais,

se faz dos corpos um heter4clito aberto, capazes de traçar novas composiçMes, 7 9ue se coletiviza

os afectos, multiplicase as percepçMes. 6o mesmo tempo se cria um afecto comum, um sentimento

transversal 9ue vai trançando em amarrando todos os corpos sobre uma superf?cie. ( Cs( criado

vai re!istrando os afectos partilhados e, assim, vai compondo uma superf?cie 9ue nada mais é 9ue

um cont?nuo de sin!ularidades. 5sta multiplicação de percepçMes é 7ustamente o corte dis7untivo

9ue con!ela os movimentos culpabilizantes até então dominantes e possibilita a liberação de

in<meros devirescorpo e a construção de um Cs(. 5stes devires, ou os cortes dis7untivos, são

 potAncias de desterritorialização das formas de relação sufocadas e pesadas 9ue haviam sido

consolidadas nesta escola.

)or isso, para cada Cs( fabricado, devemos per!untar de 9ue tipo é e o 9ue ele tem a fazer

 passar, o 9ue tem a trazer de surpresas para a realidade, 9uais dis7unçMes e 9uebras promove nos

tra7etos esperados&$. *este modo, h na construção de um Cs( uma problemtica ética. 2m Cs(

9ue se produz aponta para todo um modo de vida 9ue se dese7a ter em um dado encontro entre

corpos. Demse uma série de valores, vontades e sentidos sendo articulados a cada Cs(. +ão se

 pode dese7ar sem 9ue se fabri9ue um Cs(&&. )odese fabricar um Cs( poderoso, com vontade de

dominação sobre outros corpos, assim como se pode produzir um Cs( de potAncia, como o 9ue

 parece ter se efetivado no decorrer dos encontros !rupais. Corpos superf?cie de controle e coerção.

( or!anismo não deiGa de ser um Cs(, mas 9ue s4 deiGa passar instituiçMes, poderes e saberes

naturalizados. 5inalmente& o grande li"ro sobre o !s) não seria a Gtica8F@C (ra, transformar os

corpos das professoras em or!anismo é remetAlas = abstração capitalista, cu7o funcionamento é ode representar e substituir 9ual9uer bloco de sin!ularidades por um referente !eral, !eneralizante.

 +o caso das professoras, a 9ueiGa era sempre a de se sentirem 7ul!adas e constran!idas pelos

 pr4prios cole!as durante as reuniMes em !rupo, em virtude de uma ima!em de bom profissional

educador a 9ue o tempo todo se é rebatido na escola. Danto 9ue disseram 9ue nos encontros conosco

\Começamos pisando em ovos, 9uerendo mostrar 9ue somos bons professoresV. *iziase também

30 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 3, $io de aneiro ditora 3, 11? C

p.2.3 5d. C p.1.32 5d. C p..

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\Dinha muito medo de eGposiçãoV. Como eGplanamos, a abstração capitalista faz do capital um

e9uivalente !eral 9ue, estranhamente, tanto melhor funciona, 9uanto mais varivel, 9uanto mais

fleG?vel e desprovido de forma. *a?, toda relação intensiva real é feita abstração idealizada, ou

metaf?sica&. +o caso da escola, este e9uivalente !eral varivel aparece especificado nos contornos

dos ideais de competAncia. 0ovimento 9ue tem como resultado final, a desterritorialização das

matérias sin!ulares produzidas nos encontros entre os corpos.

5sta abstração capitalista é apenas parte do movimento. ( !rupo de professoras é o devir

corpo para o corpo abstratificado do capital 9ue se faz presente na escola através da culpabilização e

da idealização do lu!ar de educadora. 2m Cs( funciona sempre como um limite &J para as formas,

 para o or!anismo, para as funçMes institucionalizadas e cristalizadas da educação e da escola. endo

um limite, um Cs( é também sempre um recomeço, um ponto zero, o zero ao pensamento, ao

corpo. Cada Cs( tem um !rau zero como princ?pio de produção&U e 7ustamente por9ue o Cs( é o

 pr4prio movimento da s?ntese dis7untiva 9ue reabre o corpo para o insuspeito do devir. ( !rau zero

do Cs( é, portanto, um princ?pio de antiprodução&S,  pois faz tudo parar, interrompendo uma

tendAncia produtiva, con!elando as peças de um sistema, para 7o!las de volta = incerteza e =

diferença. 5le é o 9ue resta 9uando todas as formas, funçMes fiGas, or!anizaçMes e si!nificantes

foram retirados&K  mushin es9uizo. 5m outras palavras, o Cs( é o devir 9ue vai desbastando as

corporeidades mais enraizadas e estabelecidas. ( Cs( é uma lima 9ue vai !astando as formas para

o ponto onde encontram o limite de sua potAncia e, a partir da?, desdobram esta potAncia em uma

outra multiplicidade. *a?, o 9ue passa a acontecer é o pr4prio encontro entre os corpos, desta vez,

livre da eGi!Ancia eGterna das formas ideais. 2m Cs( é fabricado sempre 9ue todas as forças 9ue

compMem a relação, inclusive a moral, as ordens, os 7ul!amentos, podem ser su!ados de volta =

imanAncia, como puras intensidades não hierar9uizadas. Oemos, portanto, as professoras

 produzirem uma corporeidade inédita a partir dos afectos vivenciados nos encontros dos !rupos,

não por9ue nosso trabalho era o de incluir novas técnicas, teorias, saberes e formas de intervenção

na aula e na classe. )elo contrrio, nosso trabalho era o de despoluir os corpos e os encontros dasformas préfiGadas. Niberação dos encontros de suas metas, are7amento dos espaços para a

 passa!em dos afectos compartilhados no cotidiano escolar. +ada a acrescentar, mas muito a retirar.

)or isso dizemos 9ue o Cs( é o corpo dos encontros entre os corpos e, deste modo, é um corpo

sempre coletivo e m<ltiplo E o Cs( não é de nin!uém, não se refere ao corpo delimitado de33 %"A;;A$5, !. 2 In!ons!iente Maqu4ni!o – Ensaios de Esquizo*anlise, /ampinas Papirus, 188 C p.1.3 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 3, $io de aneiro ditora 3, 11? Cp.2.39 5d. C p.1.

3? D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 /nti*Fdipo – Capitalismo e Esquizofrenia. $io de aneiro 5mago, 1? - p. 23.3 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 3, $io de aneiro ditora 3, 11? Cp.2.

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nin!uém e, 7ustamente por isso, é de todos. <odo mundo nesta praça tem muita "ontade& um

turbilhão de diferença e muita inquietude3 Oas ningum diz o que pensa ou faz o que dese%a com

receio de que o outro "e%a e lhe acuse3 -333. <odo mundo aqui se olha& todo mundo aqui se rende&

todo mundo assim se cora e ningum diz como se sente3 -333. <udo aqui de todos& nada de

algum& quem esquece que %unto& compra porque não tem3 -333. ;e esquece que no corpo a

mesma "ergonha e se esquece que no corpo a mesma alegria& se esquece que no corpo tudo a

mesma dor e se esquece que se "i"e a mesma melodia &%3

6ssim, podemos dizer 9ue muitos problemas escolares são mais do 9ue 9uestMes peda!4!icas,

mas impasses éticos relacionados = produção de vida capitalista e sua poss?vel desconstrução. +ão é

somente 9uestão técnica, solucionvel através de cursos de capacitação para professores.

 principalmente problema ético e afectivo, problema de um corpo a corpo afectivo, ausente na

maneira atual de se pensar a educação. 2m combate vivo entre os or!anismos e os Cs( 9ue se

 produzem nos encontros intensivos entre os corpos. *a? 9ue o Cs( não é s4 um conceito, mas antes

uma prática& um con%unto de práticas3&' 5m um dos encontros, uma professora comentou uma

situação de sala de aula bastante controversa. 6l!uns alunos haviam sido pe!os tomando bebidas

alco4licas durante a aula. *iante disso, a professora nos contou 9ue disse ao aluno \Como sua

 professora, sou obri!ada a contar sobre isto = diretoraV. 5m momentos como estes é 9ue nos

deparvamos com a necessidade de praticar a produção de novos corpos afectivos, novos Cs(. (

relato da professora havia nos feito franzir a testa e sentir certo des!osto por sua postura. ( 9ue

fizemos, foi 9uestionar com ela a necessidade de se referir o acontecido a uma instBncia considerada

superior, usandose a lei moral como 7ustificativa para isso. +ovamente, se confunde educar para a

cidadania com a correção moral, com ensinar o certo e o errado. 5ntendese 9ue ensinar mais do

9ue matérias técnicas se7a 7ul!ar e ortopedizar os alunos. )or isso, falamos com a professora de

confiar um pouco mais na relação 9ue possu?a com o aluno. 6o invés de se apelar para a den<ncia,

apontando o acontecido apenas como crime cometido pelo aluno, comentamos com a professora se

não era esta uma !rande oportunidade de fazer da educação al!o mais do 9ue ensino de matérias.Luestionamos se, mais do 9ue denunciar = diretoria, não seria mais importante poder discutir com

os alunos sobre os v?nculos de confiança 9ue se podia ter en9uanto educador e educando, de modo

9ue se pudesse construir uma nova combinação, concernente, desta vez, não =s re!ras !erais 9ue

 pairam sobre a cabeça de todos, mas aos poss?veis da relação 9ue se tinha entre a9ueles alunos e a

 professora. eria oportunidade, por eGemplo, de se discutir sobre o lu!ar do lcool em nossa

38 ;recho da mRsica Xgora, de nosso parceiro de tra)alho Aleandre Snorre, em 'ue se pro)lemati=a a possi)ilidade

de rea#i#ar o espaço pR)lico na contemporaneidade.31 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 3, $io de aneiro ditora 3, 11? Cp.1.

?9

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cultura, sobre seus usos saudveis e arriscados. Dratase de fazer dos impasses éticos, os pr4prios

limites =s formas bem conhecidas de conduta a 9ue se recorre na escola. ão em momentos assim

9ue cabe surpreender também o aluno com uma postura inesperada e, certamente, mais potente e

ale!re no 9ue toca = construção de relaçMes mais afectivas e educativas dentro da escola.

6ssim, a prtica de uma ética da imanAncia para os encontros, re9uer 9ue se colo9ue o corpo

num 7o!o bastante incerto de encruzilhadas e 9uestionamentos. 2ma professora destacou, em um

dos encontros, 9ue não sabia como sair do problema no 9ual os alunos s4 eram capazes de se

envolver com al!uma atividade na medida em 9ue eram obri!ados, tiranizados, ou na medida em

9ue condiçMes de punição eram dadas. +este mesmo dia, as professoras comentaram 9ue 9uando

iam discutir com seus alunos a respeito de cidadania se surpreendiam com o fato das crianças e

adolescentes 7 possu?rem completamente decorados os discursos veiculados pela m?dia, mesmo

sem saberem o 9ue si!nificavam ou como praticlos. (ra, por esta razão é 9ue dizemos 9ue a

construção de uma educação aberta = diferença não passa simplesmente por mudar técnicas, slo!ans

de referAncia e conceitos peda!4!icos. ( problema parece ser mais o de esvaziar um pouco os

encontros entre alunos e professoras dos discursos prontos, das temticas consideradas boas de se

ensinar, das metas de aprendiza!em. 6ssim, falamos para as professoras do 9uanto não havia

necessidade de decidirem sozinhas, de antemão, a9uilo 9ue deveriam ensinar em sala de aula. Luer

dizer, trouGemos a possibilidade de também saberem dos alunos 9uais os seus temas de interesse

 para, a partir da?, se traçar um plano. )or outro lado, sabemos também 9ue essa mudança de atitude

não surtiria efeito imediato, 7 9ue não estamos falando nem de um espontane?smo dos alunos, nem

das professoras. preciso 9ue ha7a um tempo de espera E a espera pelo acontecimento, pela

transformação para 9ue os alunos possam construir também um corpo ativo na aula, capaz de

encontrarse com intimidade com os pr4prios interesses, pois estão todos 7 muito bem constitu?dos

como corpos ob7etos de uma pol?tica de docilização e silenciamento. 2ma mudança de postura não

deiGaria de ser absolutamente desterritorializante para os alunos e seria necessrio 9ue se criasse

 paulatinamente uma cultura de fabricação de corpos participativos, conectados =s suas potAncias.)orém mais do 9ue isso ainda, talvez importe mais para as relaçMes entre educador e educando

9ue as professoras se sintam capazes de lidar com a dispersão e com a ba!unça dos alunos a partir

de outro lu!ar, de outra percepção e modo de ação. Como forma de tornarmos mais palpvel isso

9ue dizemos, trazemos um comentrio de uma das professoras 9ue esteve participando dos nossos

encontros !rupais desde sua fase eGperimental, 9uando ainda trabalhvamos 9uase 9ue

voluntariamente. 5sta professora nos disse 9ue os !rupos a7udaramna a compreender 9ue não se

 podia 9uerer 9ue \os alunos ficassem uns an7inhosV. e!undo ela, os !rupos tinhamna a7udado, nãoa resolver de uma vez por todas os problemas com alunos chamados indisciplinados, mas a criar

??

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condiçMes de lidar com os alunos 9ue incomodavam. 6 professora contou \)ude che!ar a dizer para

um aluno o 9uanto ele me tirava do sério e ho7e ele é um ami!oV. (ra, o 9ue vemos a9ui é

 7ustamente um movimento de sa?da dos impasses através da sa?da das instituiçMes e palavras de

ordem 9ue poluem a relação educacional. Foi preciso primeiro 9ue certos pudores e lu!ares pré

determinados para a professora fossem retirados da relação. 6lis, o 9ue aconteceu foi a liberação

das sensaçMes da professora. Niberação por9ue, de al!um modo, elas se encontravam sem

 possibilidade de eGpressão, si!nificadas 9ue estavam sobre o dever de ortopedizar a conduta dos

alunos. Luer dizer, o problema todo parece ser o de 9ue muitos sentimentos das professoras são

eGpressos através de uma frma, ou um atravessador, cu7o rosto é o de um pastor 9ue deve

coordenar seu rebanho. +o momento em 9ue este dever pressuposto de professora media as relaçMes

com os alunos é 9ue deformamse os afectos desta relação E capitalização dos corpos pela abstração

, pois até em primeiro lu!ar são os afectos das professoras 9ue ficam de!rin!olados, pintados com

um rosto moral, 9uando na verdade se trata de sensaçMes e afectos muito intensos, s4 vivenciveis

com potAncia se estiverem em circulação e em relação. (bviamente, não estamos falando de uma

completa ausAncia de compromisso com o foco das aulas e com os temas propostos. +a realidade

falamos de levar a cabo o discurso da descentralização da aula da fi!ura do professor. (ra, se

também for permitido ao professor falar do 9ue sente 7unto com o aluno, se tirar também a

centralidade do ob7etivo das aulas da fi!ura do aluno tomado como corpo a ser ensinado. 5m outras

 palavras, isso seria i!ualmente uma maneira de centrar a aula na fi!ura de um aluno, a!ora,

insubmisso, ativo, implicado e participante vivo das relaçMes 9ue se produz em sala de aula.

5m termos de conceito, podemos dizer 9ue se opera, entre professoras e alunos, uma pe9uena

usina de Cs(, uma vez 9ue se possibilita sair dos afectos privados e dicotomizados para se passar a

construir uma zona intensiva 9ue ultrapassa a or!anização prevista para as aulas e para o corpo de

cada um. 6contece também uma corporeização, afectos pertencentes ao plano das relaçMes ca4ticas

entre os corpos são tornados concretos e v?vidos através do corpo da professora, cu7a decisão de

aceitar os devires lhe abre para a possibilidade de conectarse ao aluno de outra forma, a 9ual incluiser, de al!uma forma, ami!o. 6 participação desta professora nos !rupos parece ter sido muito

intensa para ela, pois nos primeiros encontros se dizia completamente desanimada e desiludida com

o trabalho de educadora. 5sta professora dizia não ver a hora de se aposentar, pois 7 estava

desistindo de trabalhar como educadora. Contou 9ue che!ava a desestimular a pr4pria filha, 9ue

9ueria estudar para ser professora também. )articipava dos !rupos sempre tristonha, debruçada

sobre os braços cruzados em cima da mesa. Com o tempo, esta professora veio nos dizer 9ue os

!rupos a tinham feito recobrar as forças e a ale!ria de estar em sala de aula. )assou a vir ma9uiada ede cabelo pintado com uma cor nova. ua feição mudara radicalmente.

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6ssim, diante destes acontecimentos intensos, 9ue se e9uiparam = che!ada do outono ou da

 primavera E hecceidades E dizemos 9ue corporeizar é colocar a potAncia material do corpo a serviço

dos devires. Luer dizer, corporeizar é fazer do corpo um poro de passa!em para os devires 9ue o

assaltam. +ão um inv4lucro de afectos, mas um liberador de novos poss?veis. 5m outras palavras, o

corpo desta professora nada mais fez do 9ue continuar se afectando com os encontros produzidos

dentro da escola, nos !rupos. ua tristeza e vontade de desistAncia não deiGava de ser uma maneira

de afectarse com as sensaçMes efetivamente desoladoras da escola. 0as, 7ustamente por haver em

seu corpo esta abertura =s sensaçMes, ou se7a, eGatamente por9ue havia ainda muita potAncia, é 9ue

se pde construir outra materialidade para seu modo de estar na escola e trabalhar.

*este modo, enfim, no capitalismo, a supervalorização atual das potAncias do corpo são

também a eGtrema desvalorização deste, 7 9ue se incute sempre a sa<de perfeita, a mGima

eficiAncia e produtividade como metas a estas potAncias, limitando o corpo a um or!anismo

desprovido de ale!ria, 9ue s4 faz, 9uando pode al!uma coisa, eGpressar doenças e 9ueiGas. 3eavivar

as potAncias do corpo é, diante disto, uma luta pol?tica contra a tirania dos or!anismos, se7am eles

médicos ou disciplinares E e no fundo são todos o mesmo Cs( do capitalismo. 2ma militBncia

 pelos devires 9ue o corpo é capaz de deiGar passar. ( conceito de Cs( aponta, portanto, para a

necessidade de construir uma somatologia& uma ci+ncia não do corpo org*nico -333.& mas das

inscrições inconscientes que abriga& dos mapas que elas formam no corpo real& dos circuito de

 forças e energias -ou fisiologia. que recebem333 Jma ci+ncia do corpo "i"o e habitado3FCD Luando

uma professora se faz sens?vel aos encontros é esta militBncia dos corpos de potAncia 9ue ela coloca

em ação e em prtica. 6o se eGpor na relação com o aluno, é a possibilidade de nova coneGão 9ue

ela abre, não apenas para sua relação espec?fica com o menino, mas para toda a prtica educacional.

 G imposs,"el arrancar uma flor do chão sem que se toque nas estrelasFC@, ou se7a, é improvvel 9ue

o funcionamento da escola continue sendo de mesma natureza, uma vez alterado o modo de

funcionamento de um encontro dentro da compleGidade de forças da escola. 6 escola, na medida

em 9ue é uma compleGidade intensiva, é um rizoma, no 9ual tudo pode ser tocado a partir de9ual9uer ponto.## er um rizoma 9uer dizer ser uma rede compleGa de forças hetero!Aneas, sem

começo, sem fim e sem eiGo !erativo ou unificador. Divemos, inclusive, al!umas not?cias desta

 propa!ação conta!iosa, pois al!umas professoras nos contaram 9ue outras cole!as não participantes

dos !rupos estavam notando diferenças nos estados de humor e disposição na9uelas 9ue se reuniam

conosco semanalmente.

320 %5<, . Metamorfoses do Corpo, <is)oa $elógio DKágua, 11 C p.8?.

32 !rase 'ue ou#imos em uma palestra de Psicologia ;ranspessoal.322 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. @, $io de aneiro ditora 3, 119 Cp.9.

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5sta amb?!ua valoraçãodesvalorizante da produção de corpos or!Bnicos se eGpressa

concretamente, por eGemplo, nas aulas de educação f?sica. 6s professoras de 5ducação F?sica, 7unto

com as de 5ducação 6rt?stica, são as 9ue mais reclamam da falta de valorização de suas aulas por

 parte dos alunos. ão as aulas em 9ue os alunos mais ba!unçam e não ouvem as professoras. 2ma

 professora de 5ducação F?sica nos contou 9ue os alunos costumam dizer em sua aula \+ão estou na

aula, estou na educação f?sicaV. )or um lado, é realmente bastante entristecedor ouvir isso. Contudo,

este lu!ar de desvalorização pode ser também 4timo lu!ar de torção das pol?ticas corporais 9ue

constituem a escola. (ra, não seria um elo!io 9ue o espaço de vivAncias corporais, como a

5ducação F?sica não fosse uma aula de fatoR 9ue, talvez fosse melhor mesmo escapar de vez ao

formato disciplinar de uma aula. *esarran7ar a constituição hist4rica da aula, en9uanto terreno de

coerção, docilização e produção de culpa sobre os corpos. 6 pr4pria transformação das prticas

corporais em esporte ou em espaço competitivo é 7ustamente o 9ue desvaloriza toda a potAncia

intensiva do corpo. 5sta deformação das artes corporais é eGatamente a capitalização ou a

or!anicização das potAncias do corpo. Danto a 5ducação F?sica como a 6rte são possibilidades de

encontrar o pensamento ali onde ele é um ponto zero, um ponto de recomeço: o corpo, a criação de

um corpo. 0as, o problema é 9ue estas prticas corporais foram todas transformadas peda!o!ias,

formas de controle sobre os corpos e não de potencialização destes. Formas de controle sobre o

dese7o, sobre a potAncia. *este modo, talvez se7a realmente mais produtivo dar novo sentido aos

esportes e =s prticas corporais, talvez se7a um elo!io ver 9ue os alunos sentem o espaço de se

encontrar com o corpo como um lu!ar no 9ual é poss?vel al!uma liberação e sa?da das re!ras e

 paredes fiGas.

 +ão 9uer dizer 9ue os alunos se7am inocentes... nada dissoI Falamos é de torcer esta postura

dos alunos, 9uer dizer, se a aula de 5ducação F?sica é considerada por eles mesmos como uma aula

em 9ue se pode mais, então 9ue de fato possam. Lue possam eGperimentar e 9ue a ba!unça se7a

entrada para 9ue aprendam a criar, pois também sabemos 9ue muitas ba!unças são eGtremamente

improdutivas, 7 9ue são fre9^entemente meras reaçMes ou resultados de um ressentimento diantedas coerçMes e relaçMes de docilização. 4 9ue nos referimos a9ui = possibilidade, ao invés de se

tolher ou corri!ir a ba!unça, se poder 7ustamente aproveitar esta ba!unça no sentido de se

 potencializar as forças criativas, eGperimentativas dos alunos. Como disse um professor: \( espaço

 barulhento é diferente do espaço ba!unçado, é preciso diferenciar estas duas coisasV. (u se7a, a

vontade de controle 9ue muitas vezes atravessa o corpo das professoras as faz !eneralizar 9ual9uer

movimento ca4tico como movimento impr4prio, improdutivo, errado. 5ntão, a partir dessa

8confusão ou indiferenciação produzido pela moral, acabase perdendo a oportunidade deaproveitar a potencialidade criativa do caos: tanto o corpo"pensamento dos professores, 9uanto o

?1

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dos alunos fica limitado e empobrecido E todo barulho é interpretado ou 7ul!ado ba!unça criminosa,

improdutiva. 5sta nova percepção sobre o lu!ar de valor e desvalor pode ser important?ssima, na

medida em 9ue permite torcer as forças de captura colocadas sobre a escola. omente a partir desta

transformação nos modos de afecção é 9ue se torna poss?vel produzir novos corpos escolares E de

 professoras e alunos. 6lis, 9ual9uer mudança no campo perceptivo é 7 sinal de mudança nos

modos de produção de materialidades corporais, como ficou bem claro no caso da9uela professora

9ue 9uase desistiu de lecionar. Dalvez, esta mesma transformação se7a capaz também de contaminar

as professoras de 5ducação F?sica e 5ducação 6rt?stica, de modo a 8curlas do ressentimento de

não serem consideradas disciplinas de respeito. poss?vel tirar este veneno dos seus corpos.

 preciso 9ue elas mesmas se despo7em da vontade de ocupar o lu!ar de valor 9ue o capital oferece

como referAncia. ( valor e a potAncia podem ser encontrados na pr4pria relação ca4tica e

 ba!unceira com os alunos. )oderiase, por isso, liberar a 5ducação 6rt?stica da disciplina, levandoa

novamente = sua tarefa primeira, a criação. A /ltima inst*ncia a criação& a arte: ou antes& a arte

representa a aus+ncia e a impossibilidade de uma /ltima inst*ncia#3

 0orção: Um Materia#ismo Micropo#!tico

5Gistindo em n4s isso 9ue se chama corpo, ou matéria, de 9ue forma podemos tomlo sem

9ue se7a como referente = almaR )oderia se tratar o corpo como multiplicidade substantiva, ou se7a,

sem entendAlo primeiro como nãoalmaR eria poss?vel falar do corpo destacandoo como

multiplicidade e não como oposiçãoR eria poss?vel, ainda, não referir o corpo a 9ual9uer

substancia 9ue o essencializasse, funcionalizasse ou estruturalizasse, como o or!anismoR +ossa

vontade é 9ue o corpo possa ser n6@#J, ou se7a, efetivamente tratado como multiplicidade

substantiva, da 9ual se eGtrai & apenas como um ponto de sin!ularidade, mantendose, contudo, n

sendo n mesmo, por ser uma multiplicidade inteira e repleta. n & n, sendo n uma multiplicidade

9ual9uer 9ue não mantém nenhuma relação de falta ou oposição em relação a uma unidade.

 +ão temos a intenção, desse modo, de 9ue o corpo, como matéria, se sobreponha a uma

suposta alma abstrata. e!undo uma concepção platnica bastante conhecida, haveria uma divisão

323 D<"F, %. / Il%a Deserta, &ão Paulo 5luminuras, 200? C p.?8.32 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. @, $io de aneiro ditora 3, 119 Cp.?.

0

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muito clara entre mundo das idéias e mundo das matérias, entre mente e corpo, ou alma e corpo.

 +ão temos vontade de vencer este dualismo dizendo simplesmente 9ue o corpo se confunde com a

alma e est unido a ela. Corpo e alma são conceitos reais, 7 concretos em nossa constituição. +4s

nos constitu?mos nesta dualidade, não temos mais como escapar disso. 5Gistem sim corpo e alma

separados. ] somos assim, divididos. )orém, h a? uma torção poss?vel, uma luta a ser travada,

uma linha 9ue passe entre a unidade e a dualidade, entre a homo!eneização de todo corpo e alma, e

a dicotomização destes dois elementos. 9ue 9uando se corpore?za a realidade, se est produzindo

 pontos de sin!ularidades, os 9uais são 7ustamente dobras 9ue ver!am ou enru!am o espaço

 produzindo costuras entre o n?vel da alma e do corpo E as almas e corpos. 6 matéria é uma dobra, a

alma é outra, mas a dobra da corporeização 9ue os devirescorpo tratam de impelir sobre o real são

ainda outras dobras a estas dobras, são um entre estas duas dobras. )ortanto, alma e corpo não são

separados se!undo uma mesma referAncia E o corpo como !eneralidade homo!Anea material e a

alma como outra !rande !eneralidade homo!Anea ideal, sendo os dois e9uiparados pela oposição a

9ual, na verdade os i!ualaria fazendoos dois lados apenas opostos de uma mesma moeda.  A

matria marmoreada e a alma marmoreada& mas de duas maneiras diferentes#U3 5m cada 9ual

uma população infindvel de part?culas e fluGos diferenciais. +ão duas !eneralidades sem

especificidade al!uma, mas duas matilhas, duas multiplicidades inteiras em si mesmas 9ue, em

al!uns momentos, produzem ru!osidades entre si e encontram vizinhanças e zonas de

indiscernibilidade E zonas de devir, lu!ares de uma terceira diferenciação. Psso por9ue o mecanismo

da matria a molaFC? , ou se7a, a matéria E o corpo E eGerce forças elsticas sobre as superf?cies

com as 9uais tem contato e, assim, produz enver!amentos, vilosidades pe9ueninas 9ue despontam

no real como novidades. )or outro lado, a alma se pro7eta sobre o corpo produzindo sombras ou

 brilhos. *esse modo, entre alma e corpo eGiste uma dupla pertença in"ersaFCM , um v?nculo m4vel,

em vai e vem, no 9ual uma alma possui um corpo e um corpo se vincula =s almas 9ue ele possui. (

corpo pertence sempre a uma alma, 9ue tem carter privado e, de outra maneira, uma multidão de

almas pertence a um corpo, 9ue é de natureza coletiva. +otemos, então, 9ue as almas são tambémm<ltiplas, in<meras. 6s almas tAm um corpo, 9ue 7 é coletivo e este, por sua vez, tem vrias almas.

6s almas e os corpos são pass?veis de serem divididas infinitamente em part?culas diferentes e cada

vez menores, pois são formados por essas part?culas. 6o fim, nesta inversão de pertencimento, ou

neste v?nculo elstico, o corpo se torna ob7eto de posse privada e as almas se tornam p<blicas, posto

9ue são tomadas em multidão. )ortanto, de al!uma maneira, h uma primazia do coletivo sobre o

individual e a dobra 9ue se produz entre corpo e alma s4 ocorre em função da dupla pertença 9ue

329 D<"F, %. / Do'ra – Lei'niz e o 5arro!o, /ampinas Papirus, 11 C p.9.32? 5d. C p.1.32 5d. C p.11.

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torna todo o privado um p<blico e todo o individual, um coletivo. 5ntão, não h unidade entre corpo

e alma, mas dobradiça ou costuraFCB E linhas 9ue conectam al!uns pontos e nas 9uais as pr4prias

desconeGMes e pontos vazios são partes ativas e necessrias da costura, partes sem a 9ual a

dobradiça ou a costura não funcionariam. *isso 9ue a alma e o corpo, cada 9ual = sua maneira, cada

um se!undo suas pr4prias leis, eGpressam um s4 e mesmo mundo #', um mesmo plano, formando

uma imanAncia. 5n9uanto a alma atualiza o mundo, o corpo é 9ue o realiza $, isto é, en9uanto na

alma se percebe as novas possibilidades, é no corpo 9ue estas possibilidades se realizam. )or fim, é

 preciso destacar ainda, 9ue as almas são sempre almas penadas, ambulantes, não são interioridades

de uma formasu7eito, de um indiv?duo. 6s almas são forças circulantes, linhas de composição.

P!ualmente, os corpos não são a parte concreta da formasu7eito, o corpo não delimita fisicamente a

forma su7eito: os corpos são o encontro das forças circulantes, são con!lomeraçMes m4veis das

linhas de composição, a!lomeraçMes nunca definidas por uma forma unificadora. Corpos m4veis e

almas circulantes, nunca formas e nunca su7eitos E nunca ob7etivveis e nunca sub7etivveis.

5sta nova proposição dos pontos de costura sin!ulares entre almas e corpos é muito

importante, na medida em 9ue fornece uma concepção de eGpressão dos corpos completamente

desvinculada da idéia moral de psicossomtica, na 9ual se teria um corpo = espera das coisas vindas

da alma numa relação causal, ou se!undo a 9ual se entende 9ue somente os afectos não

transformados em lin!ua!em verbal se tornam manifestaçMes f?sicas. *escolase, portanto, de uma

concepção 9ue refere o corpo a uma alma supostamente oposta, liberando o corpo como

multiplicidade pura e diferença le!?tima.

2ma professora de nosso !rupo nos contou, 9uando falvamos a respeito do valor E ou

desvalor E 9ue sentiam em seu trabalho, 9ue se per!untava bastante até 9ue ponto as aulas eram

 para os alunos ou para si pr4pria, pois via muitas vezes as crianças deiGarem lar!adas as folhas de

 papel com os eGerc?cios de sala de aula. 6 professora dizia ficar triste por9ue sentia como se os

alunos não li!assem nem um pouco para o trabalho 9ue ela havia tido, de preparar as folhas e as

aulas. (utras professoras completaram dizendo 9ue esperavam 9ue os alunos !uardassemor!anizadamente as liçMes aprendidas. )orém, neste instante, outra professora interrompeu, dizendo

9ue não sabia se fazia sentido para estas crianças, desta comunidade, !uardarem estes papéis, pois

era provvel 9ue mal houvesse !avetas e armrios como se ima!ina num 9uarto de uma criança não

 pobre. 5ntão, se!uindo no assunto, outra professora ainda chamou a atenção para al!o de 9ue ela

soubera: al!uns alunos levavam as folhas para casa, principalmente no inverno, para fazerem

fo!ueiras e poderem se a9uecer, ou também para acenderem a lenha do fo!ão improvisado 9ue

328 5d. C p.200.321 5d. C p.1.330 5d.

2

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tinham, ou ainda para usarem como papel hi!iAnico. Contaram inclusive 9ue um dos alunos era

chamado de ]airzinho *efumadinho, por9ue sempre vinha su7o de fuli!em por ter passado a noite

ao lado da fumaça do fo!o para se prote!er do frio no inverno. Foi a partir da? 9ue pudemos

intervir, tentando desviar a atenção para outras referAncias 9ue poderiam dizer do valor do trabalho

da9uelas professoras. realmente triste pensarmos no frio 9ue estas crianças passam no inverno

sulino e 9ue a solução 9ue encontram se7a um tanto resultante de uma situação de pobreza e

 precariedade. 0esmo assim, não se pode ne!ar 9ue ha7a nisso uma linha de fu!a, uma potAncia de

recombinação dos elementos da realidade e invenção do poss?vel para a vida. )udemos falar para as

 professoras de poderem ver 9ue os papéis 9ue forneciam primeiramente para a realização de

eGerc?cios também tinham outros acoplamentos poss?veis na vida destas crianças, tão importantes

 para a sua sobrevivAncia 9uanto as liçMes aprendidas na escola. +ão 9uer dizer 9ue este7amos

i!norando o problema social presente no uso das folhas de papel como fo!ueira para a9uecerse,

mas o 9ue não i!noramos é a potAncia do corpo de a!enciar e operar combinaçMes inesperadas,

 produtivas, criativas.

6 esta capacidade do corpo de manobrar o real de acordo com as necessidades de nutrição da

vida é 9ue chamamos de corporeizar, al!o 9ue tem um devircorpo como disparador imanente

atuando na realidade e permitindo ultrapassar as condiçMes ridas impostas pelas relaçMes de poder.

5ste tipo de a!enciamento do real é realizado pela parceria imanente entre corpo e pensamento. ão

as dobradiças, os pontos de coneGão multiplicativa 9ue o corpo faz com as almas perceptivas do

mundo. 6ssim, não é 9ue corpo e alma formem um uno ou uma <nica essAncia a ponto de

anularemse, mas, de forma diversa, fazem entre si coneGMesacontecimentos, ou se7a, corpos e

almas misturamse e confundemse apenas em al!umas ilhas esparsas e precisas, as 9uais são

necessrias ao a!enciamento social a 9ue pertencem, por9ue nestes lu!ares eGiste um

tencionamento dos devires e se produz uma via de passa!em ao dese7o e = potAncia de vida. +o

mais, as almas e os corpos podem estar tão afastados a ponto de parecerem rompidos. 5ste

movimento de corporeização E costuras sin!ulares das in<meras almas circulantes com os corposm4veis poderia também ser relacionado com uma nova forma de consci+ncia do corpoFF@, na 9ual

não é a consciAncia 9ue intencionalmente che!a até uma parte do corpo E um m<sculo, ou um 4r!ão

 E mas, ao contrrio, 9uando a consciAncia é interrompida de s<bito por uma coneGão 9ue o corpo

realiza. ( corpo é 9ue invade a consciAncia e acontece a ela como se um raio lhe partisse e fizesse

mi!rar ou bifurcar. 6 consciAncia do corpo é um pensamento em ato puro, uma flecha riscando uma

sin!ularidade ao ras!ar a atmosfera da consciAncia. 6ssim, temse um movimento profundo vindo

33  %5<, . A)rir /orpo 5n !BI&/A, ;. +. %. G I%<+AI, &. 6orgs7 Corpo /rte e Cl4ni!a, Porto Alegre ditora"!$%&, 200 - p..

3

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de um inconsciente E o inconsciente inventivo do corpo , mas 9ue não vem do fundo, de dentro, do

escuro, ou de baiGo. 6o contrrio, é uma flecha 9ue estava = espreita, no a!uardo da linha de fu!a,

 para vir do fora, de lon!e, da dia!onal traçada na superf?cie, na forma de uma velocidade luminosa

 por através das formas.  ão há consci+ncia sem que os mo"imentos corporais inter"enham nos

mo"imentos da consci+ncia#3 )ortanto, a consciAncia s4 eGiste na medida em 9ue é toda

esburacada por furos 9ue as flechas descont?nuas do pensamentocorpo fazem e 9ue ela, a

consciAncia, é incapaz de reconhecer imediatamente. Pmediata é a ação do corpo sobre a consciAncia

e sobre a realidade. 6 consciAncia fi!ura, então, apenas como resultante diferencial da ação do

corpo, apenas como um tecido descont?nuo e povoado de sin!ularidades. 6lém disso, é como se

eGistisse também uma outra consciAncia, ou uma superf?cie de percepção e afectação, uma

consciAncia pr4pria do corpo, resultante das transformaçMes acontecidas ao corpo por sua eGposição

ao mundo. +ão 9ue eGista o corpo com consciAncia pr4pria = maneira de uma entidade, mas é 9ue o

mundo fabrica no corpo uma superf?cie vibrtil e sens?vel, relativamente independente da

consciAncia. *a? 9ue não s4 a consciAncia se torna corpo de consciAncia E na 9ual os movimentos

da consciAncia sabem de seu espaço tão imediatamente como o corpo sabe dos seus !estos E mas

também o corpo mesmo se torna consciAncia, capaz de captar todos os mais sutis, velozes, ?nfimos e

invis?veis movimentos de outros corpos. ( corpo é esse avesso obscuro do pensamento, mas ele é

também seu principal aliado, sua clareira mais n?tida. ( corpo é o 9ue permite ao pensamento

funcionar de sua maneira mais ori!inal E nomadizando, mutando. 6 consciAncia do corpo não é a

consciAncia de al!um ob7eto, mas uma inst*ncia de recepção do mundo graças ao corpoI e& assim&

uma inst*ncia de de"ir as formas& as intensidades e o sentido do mundoJ3 

*izemos isso tudo para trazer a possibilidade de, para as professoras da escola, poder também

se ver potAncia ali onde s4 se vA a falta dos alunos, o seu descaso, o seu desinteresse. eria poss?vel

=s professoras 9ue seu campo de percepção se abrisse para esta potAncia de efetuação de forças de

9ue os corpos dos alunos pobres desta comunidade são capazesR +ão seria a partir da le!itimação

desta potAncia 9ue se tornaria poss?vel mudar sensivelmente a pr4pria situação de pobrezaR Furar aconsciAncia das professoras, tão bem preenchida por valores de referAncia, seria esta uma

corporeização, seria esta uma maneira de trazer as potAncias corporais de atração para a imanAncia.

Cordas do corpo 9ue reabilitam a imanAncia, fazendo descer das alturas os valores prontos de

referAncia 9ue levam as professoras a adoecerem em seu cotidiano, ou por 7ul!arem falhos os seus

alunos, ou por verem as suas pr4prias açMes como ineficientes /incompetentes1, ou ainda por darem

a realidade por fechada sobre uma infeliz e irrevers?vel pobreza e violAncia. 5staria se le!itimando

332 5d. C p..333 5d. C p.?.33 5d. C p.9.

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as adaptaçMes ao frio do inverno 9ue os corpos dos alunos articulam não apenas como desesperados

9uebra!alhos, mas como reais invençMes, potAncias concretas. *a? sur!iria também a possibilidade

de le!itimar o trabalho das professoras de fornecer folhas de tarefa não s4 como intervençMes

educativas, mas ainda como articulaçMes pol?ticosociais. Luer dizer, se =s professoras couber

também valorar de outra forma o destino 9ue os alunos dão =s folhas de tarefa de aula 9ue elas

fornecem, i!ualmente ser poss?vel 9ue valorem sob outro afecto seus pr4prios trabalhos de

 produção de folhas de eGerc?cios. aber 9ue estas mesmas folhas entram em um a!enciamento

social é também dar outra percepção e valor ao pr4prio trabalho, é abrir a este trabalho a

 possibilidade de pensar em muito mais coneGMes poss?veis, cu7os limites de certo ultrapassariam os

dos eGerc?cios de !eometria e !ramtica. Falando de outro modo, corpore?zase o campo de afecção

das professoras, para 9ue também seus corpos encontrem para si seus devirescorpo, suas potAncias

de desbaste e arraste das formas bem circunscritas do trabalho peda!4!ico. Corporeizar é trazer

mais corpo =s idealizaçMes e produzir, através dessa nova afecção, possibilidades de eGpandir as

intervençMes limitadas de sala de aula para um campo comprometido com a problemtica social e

econmica das crianças da comunidade. *essa maneira, diante desta cena 9ue se colocava nos

!rupos, falamos com as professoras de perceberem do 9uanto seus trabalhos ocupavam um lu!ar

 privile!iado e estraté!ico de a!enciamento coletivo e pol?tico. Chamamos a atenção para a

importBncia 9ue possu?am seus trabalhos com os alunos. Psto é, pedimos 9ue se atentassem não para

a 9uestão dos eGerc?cios de aula, mas para o valor 9ue seus trabalhos en9uanto educadoras

 poderiam !anhar 9uando articulados com a perspectiva pol?ticaéticasocial envolvida. 6companhar

com outro olhar o fluGo das folhas de papel seria uma maneira nova de compreender o lu!ar

 pol?tico 9ue se ocupa en9uanto professora e, da?, o valor 9ue se tem como habitante ativo deste

lu!ar também passa a ser outro, passa a ser mais potencializvel. 6 partir disso, o problema deiGa

de ser a tarefa da aula e passa a ser o reconhecimento de um lu!ar pol?ticosocial 9ue se ocupa e a

forma de uso deste lu!ar. Colocar a sensibilidade do corpo a se!uir o fluGo de papel como forma de

furar a consciAncia com a 8surpresa de encontrarse com a paupérrima realidade vivida pelo alunoe, então, fazer do trabalho de educadora um lu!ar potencialmente interventor nesta realidade. 0udar

a percepção é 7 ter mudado o afecto, é 7 ter dado corpo a al!uns devires, é corporeizar o real.

0udar a percepção para mudar o foco de ação: poder afectarse com a realidade do aluno e, 7unto

dele/s1, mobilizar recursos para transformar minimamente esta realidade. 6 folha de papel como

coneGão ao corpo e dispositivo primeiro de um mundo poss?vel. 5vidente 9ue, não falamos de a

9uestão da pobreza ser vista resolvida com o fornecimento de folhas de papel, claro 9ue não é deste

 pensamento profundamente reacionrio 9ue falamos. Falamos 9ue as folhas, neste conteGtomicropol?tico, funcionam como primeira coneGão, como primeira via de politização do trabalho

9

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educacional, a partir da mudança de afecto e ampliação da percepção.

5m outra situação no !rupo, 9uando se discutia a terr?vel sensação das professoras de não

conse!uirem cumprir com os planos de conte<do de aulas traçados no in?cio do ano letivo, uma das

 professoras nos contou de uma mudança sua na maneira de percepcionar este problema. 5la dizia

um pouco dos resultados do trabalho 9ue realizvamos todos 7untos nestas reuniMes !rupais. \;s

vezes me frustro por9ue não estou ensinando divisão. 0as a? ve7o 9ue a9uilo é uma aula, por9ue

na9uele tempo eu ensinei um milhão de coisas sobre o lpis, sobre a borrachaV. (ra, esta potente

dobra perceptiva aponta não apenas para um novo sentido a partir do 9ual a professora é afectada e

afecta, mas também para uma antes ineGistente abertura = mir?ade de virtualidades, ainda sem face e

sem forma, 9ue percorrem o cotidiano escolar. uma multiplicidade insuspeita, pass?vel de ser

corporeizada a 9ual9uer momento, na medida em 9ue o corpo desta professora se mostra canal de

 passa!em para devires e via de concretização destes. 5sta transformação afectiva acontece ao corpo

da professora, embora nem por isso se refira a ele E transformação incorporal E 9uer dizer, o corpo

da professora, 9ue outrora poderia a!enciar dores, sensaçMes de fracasso, de a!ressão, a!ora pode

ser lu!ar de passa!em e eGpressão para uma mutação no campo coletivo de forças 9ue produz as

relaçMes cotidianas na escola. este tipo de acontecimento 9ue pode ser chamado costura ou

 plissa!em entre alma e corpo, sobre os 9uais nos refer?amos acima. 2ma dobra 9ue acontece entre

corpos e almas, entre virtualidades circulantes e materialidades con!lomeradas E encontro fortuito

entre as contin!Ancias abstratas das virtualidades e as necessidades dese7antes dos corpos em

encontro. Corporeizar, portanto, é uma dobra!em 9ue envolve o corpo, fazendo dele, não um

or!anismo, mas pro7étil dos devires, sem 9ue, com isso, a potAncia da dobra!em fi9ue limitada ao

corpo atual 9ue envolvem. Corporeizar é s4 o momentomovimento de passa!em dos devires para a

realidade atualizada 9ue acontece fazendose do corpo o tendão articulador do inesperado. ( corpo

da professora seria, assim, este le9ue todo dobrado, pelo 9ual passa uma nova potAncia de afectar e

ser afectado, potAncia de perceber força educacional no m?nimo !esto, na lição mais ?nfima. )or tal

razão, al!umas professoras, com o passar dos encontros dos !rupos, começaram a dizer: \Ho7e, nasala de aula, consi!o respirar mais, me ve7o mais tran9^ila, consi!o lembrar 9ue nem tudo precisa

 passar por mimV. Luer dizer, a pr4pria 9ualidade da matéria de 9ue são formados os corpos das

 professoras vai mudando, pois seus modos de afectação mudam. )or elas, o 9ue passa não é mais

somente a vontade ou o ordenamento de centralização e controle... muito mais forças começam a

 passar, uma multiplicidade pode ser liberada através da transformação no corpo, no afecto.

Dransformação 9ue é, a um s4 !olpe, pessoal, afectiva, social, pol?tica, institucional.

5m outra situação muito interessante 9ue aconteceu durante os !rupos, uma professorareclamava de sentirse aflita por ver 9ue era comum 9ue tivesse de ensinar muitas vezes coisas

?

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 bastante simples para os alunos e estes, por sua vez, ainda assim parecerem não aprender. 5sta

 professora deu o eGemplo de um menino 9ue, ao elaborar as redaçMes pedidas em aula, sempre

escrevia a palavra 8todos com 8D, mai<sculo. 6 professora disse ter ficado indi!nada com tal erro

de !rafia e, por isso, contou ter chamado o aluno para conversar no final da atividade. )er!untou ao

menino por 9ue insistia em cometer tal erro uma vez 9ue ela, a professora, 7 havia eGplicado

al!umas vezes 9ue letra mai<scula s4 se usa em in?cio de frase ou em nomes pr4prios. Contounos a

 professora 9ue, diante disso, o menino respondeu: \ 9ue todos é um monte de !ente, profeV. Foi a?

9ue pudemos intervir, saltando como um !ato d um bote numa ave em vo baiGo, interceptando a

velocidade dos devires: dissemos para a professora do 9uanto ela deveria ter ensinado tão bem,

tantas coisas além das re!rinhas !ramaticais, 9ue esse menino havia sido capaz até de inventar um

conceito pr4prio para a l?n!ua, um 8Dodos com letra mai<scula, por9ue 8Dodos é muita !ente.

*issemos para a professora da possibilidade de, por eGemplo, se falar com os alunos, a partir dessa

apropriação lin!^?stica deste !aroto, dos usos poéticos das palavras em nossa l?n!ua. 6 professora,

9ue contava tudo fazendo !randes movimentos com as mãos, com as veias do pescoço saltando,

eGpressando bastante indi!nação e an!<stia, sorriu, pareceu relaGar os ombros, fez sinal de sim com

a cabeça e encostouse na cadeira, como 9uem de repente suspirava e sentia poder relaGar. (s

ombros caiam aliviados e a boca sorria surpresa, assaltada de um inesperado. 2m inesperado

simples, mas intenso.

)ois bem, é a partir destas poss?veis transformaçMes 9ue se poderia, então, multiplicar uma

série de eGerc?cios de criatividade literria e lin!^?stica, por eGemplo. Doda uma outra educação,

uma educação dos acontecimentos e das surpresas, e não uma educação da reco!nição. Claro 9ue,

cultivar esta educação ainda não livraria a escola de muitos problemas. 0as, pelo menos, se estaria

inserindo novas, mais ale!res e mais criativas territorialidades. Criatividade, por sinal,

important?ssima 9uando se trata de produzir autonomia e cidadania numa população tão necessitada

de recursos. )or isso é 9ue intri!a muito saber, como comentou uma professora, 9ue os alunos

che!am a dizer no fim da aula: \)rofe, tu d uma nota para n4s no fim da aulaRV bastantein9uietante ver 9ue, depois de um trabalho em !rupo, 9ue envolvia toda a turma da sala de aula E

como havia sido neste caso E, os alunos, assim como os professores, também se apresentam

completamente anestesiados para as sin!ularidades 9ue os seus modos outros de educação podem

trazer. e a9uela professora não percebia a potAncia do pr4prio trabalho no suposto erro de !rafia do

aluno, os alunos também não são capazes de reconhecer em si pr4prios o valor das diferenças 9ue

 portam. \(s alunos se assustam 9uando os chamamos para elo!iar. 5les ficam desconfiados do

elo!io, sem confiar 9ue possam ter feito al!o bem feitoV. E foi o 9ue nos contou uma professora.Oimos nisso uma 8baiGa autoestima muito entristecedora. Claro 9ue, não falamos a9ui de

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 problemas individuais, de alunos com 9uestMes ps?9uicas e co!nitivas 9ue culminam em auto

estima baiGa, até por9ue é uma sensação 9ue habita também o campo afectivo das professoras,

como bem podemos ver. Dratase, portanto, de baiGa autoestima, ou desconfiança na pr4pria força,

9ue eGtrapola o Bmbito individual, eGtrapola os corpos em 9ue se eGpressam. ão sensaçMes de

desvalor 9ue o tempo todo estão sendo produzidas en9uanto modo de vida do capitalismo, da escola

en9uanto e9uipamento de coerção, da educação como m9uina estatizada de diminuição das

 potAncias dos corpos. uma sensação de menosvalia socialmente produzida, politicamente

inculcada, transformada em realidade corporal para estes alunos.

*iante disto, nosso trabalho, en9uanto parceiros de a,ectos, era o de dobra!em das

sensaçMes, 7 9ue o tempo todo procurvamos destacar os movimentos das professoras 9ue

 7ustamente desvalorizavam ou diminu?am a le!itimidade do tipo de trabalho 9ue elas mesmas

 produziam reprodução da força de maisvalia desvalorizante 9ue atravessa as relaçMes em todo o

campo social. ( fato dos alunos trazerem esta vontade de serem valorados por uma nota, ou de

serem referidos aos valores mais usuais e comuns é apenas si!nosintoma de 9ue o modo de afecção

das relaçMes nesta escola, mesmo funcionando num es9uema de ciclos, ainda se encontra insens?vel

e anestesiado = diferença 9ualitativa de valores e maneiras de le!itimação 9ue deve possuir. (

desvalor começa lo!o ao lado, lo!o ali onde as professoras realizam dobra!ens na educação

tradicional e, no entanto, não se afectam com os desdobramentos valorosos disso. Oemos 9ue o

campo perceptivo e o campo de açMes cotidianas 9uase nunca estão encontrados, formando uma

con!ruAncia perfeita. 0as isso é absolutamente normal e aceitvel. ( problema 9ue apontamos não

é este, não é o da desconeGão da percepção com a ação. ( problema 9ue nos salta aos olhos é o da

ética: afinal, como é poss?vel 9ue os corpos este7am de tal maneira atravessados de moral e

distanciados do 9ue podem, 9ue mal se afectam com a9ueles momentos em 9ue produzem potAncia

em si pr4priosR

(ra, por isso h uma importBncia éticapol?ticaafectiva em se passar a entender o corpo

en9uanto povoado de dobra!ens esparsas, nas 9uais se conectam as potAncias das almas virtuais.5stas dobrascostura, pontos de coneGão espec?fica entre corpos e almas, seriam 7ustamente lu!ares

de encontro com a9uilo 9ue se pode, com a9uilo 9ue 7 se produz de valoroso, mas de valoroso para

si pr4prio e não para os parBmetros eGternos. (ra, fazer um ponto de dobra como este no corpo

 poderia muito bem implicar em fazer pontos de dobra!em i!uais também nos alunos: condição

important?ssima 9uando se trata de militar por uma transformação na educação, não s4 no aspecto

 peda!4!icotécnico, mas também afectivo. Fazer do corpo uma dobra 9ue se conecta com as

 pr4prias potAncias é produzir substrato para se possibilitar muito de novo no cotidiano educacional.6ssim, não é diferente 9uando se toca na 9uestão da violAncia da comunidade da 9ual os alunos

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desta escola fazem parte: do mesmo modo 9ue a impotAncia se produz lo!o ao lado, é lo!o ao lado

9ue se produz a via de potAncia. oubemos 9ue eGiste um acordo silencioso, de 8cumplicidade

entre as pessoas 9ue !erem as atividades criminosas na comunidade e a escola. e!undo nos contou

a diretora da escola, numa das reuniMes do !rupo, tal acordo se baseia no se!uinte: nin!uém da

escola denuncia o 9ue acontece na comunidade = pol?cia e nin!uém na comunidade rouba nada da

escola, assalta professoras ou arrisca a vida das pessoas com tiroteios. (s tiroteios s4 devem

acontecer pela noite também por9ue é 9uando a escola 7 est vazia. )ois bem, o 9ue vemos de

 potAncia a9ui é no fato de a escola, de al!um modo, poder encontrarse num lu!ar de poder diante

da violAncia. 2m lu!ar de poder 9ue pode ser usado para produzir potAncia, isto é, a escola não est

tão desprovida de recursos 9uanto se ima!ina. Fazer valer este acordo silencioso, ou eGplicitlo de

vez pode muito bem ser uma forma de a!ir sobre a violAncia 9ue entra invariavelmente na escola.

Luando se falou da violAncia, nossa intervenção foi a de, primeiramente, intuirmos 9ue deveria

haver al!um limite poss?vel para ela e de então falarmos com as professoras desta idéia de levar a

cabo ou assumir este acordo secreto como potAncia 9ue se apresentava para ser investida. +ão é 9ue

se deva continuar mantendo o estado de coisas como est. )elo contrrio, dar força a este acordo

amb?!uo pode 7ustamente ser o ponto em 9ue a escola se prote7a para se!uir seu trabalho de

 produção de uma microcultura não violenta 7unto dos alunos. Danto 9ue, 9uando de um evento em

9ue um dos homens da comunidade entrou armado na escola, a diretora interveio chamando atenção

 para este limite 9ue eGiste, no 9ual a escola deve estar abri!ada da violAncia. 9ue, talvez, a

9uestão não se7a a de resolver o problema da comunidade com uma macropol?tica de correção da

violAncia E o 9ue seria uma solução do 5stado, ou de uma reprodução da estatização por parte da

escola. )ode ser 9ue se7a mais produtivo aproveitar os pe9uenos e esparsos espaços de respiro 9ue a

escola encontra em meio = violAncia da comunidade para se criar uma superf?cie de devir.

uperf?cie cu7a natureza se7a a de produzir corporeidades borde7antes nos alunos em relação =

centralidade da violAncia e isso, não no sentido de docilizar a a!ressividade dos alunos e sim de

construir mais e outros modos poss?veis de relação E uma multiplicação e um enri9uecimento poss?vel dos modos de encontro. Drazer a potAncia nmade do corpo para o bloco de afectos

esta!nados baseados em violAncia. Contudo, é importante fazer isso sem 9ue se recaia em nova

cristalização E aplainar a a!ressividade nas crianças, silencilas, imobilizlas. Dal procura por

sa?das concretas poss?veis aos terr?veis impasses 9ue a todo tempo a escola encontra, mapeandoos

no seio das pr4prias relaçMes 7 eGistentes, a isso é 9ue chamamos materia#ismo micropo#!tico E

localização dos fluGos transmutacionais na imanAncia das pr4prias materialidades eGistentes.

)or isso, o 9ue chamamos de materialismo micropol?tico é nosso trabalho, ou melhor, otrabalho 9ue opera em n4s e entre nosso corpo e os corpos das professoras nos !rupos. Drabalho de

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sermos sens?veis =s matérias de eGpressão 9ue compMem e se transversalizam nos corpos em seu

n?vel molecular, intensivo, invis?vel, mas real, concreto. )ois um corpo se define pelas

materialidades de 9ue se apropria e pelas potAncias de eGpansão e afectação destas

materialidades.U  )or materialismo micropol?tico entendemos a produção de uma superf?cie

sens?vel em relação aos movimentos de produçMes das das corporeizaçMes, dos devirescorpo. 2ma

 pele sens?vel =s transformaçMes potenciais da realidade e dos afectos, 9ue são materiais concretos de

eGpressão. entimos 9ue nosso trabalho se7a o de possibilitarmos trazer para o campo vis?vel e

autorizado as linhas de escape 9ue o corpo trata de operar na realidade através de acontecimentos

sin!ularizantes, problematizantes. Ne!itimação das sin!ularidades, dos modos de vida. ( corpo é

matéria, mas o erro conceitual não est em definilo como matéria. ( problema est sim na

conceituação de matéria, a 9ual !eralmente é entendida en9uanto carne limitada, no espaço, por

seus contornos e, no tempo, por sua suposta mortalidade ou efemeridade. 5ntretanto, são

eGatamente estes limites do corpo os pontos de ac<mulo de suas potAncias, 7 9ue são nas

eGtremidades terminais 9ue acontecem as coneGMes entre os corpos e é somente através do

acabamento no tempo 9ue é poss?vel se ter o corpo en9uanto processualidade sempre em

movimento de produção. 6 finitude da matéria é eGatamente sua maior potAncia, seu !rau ou

coeficiente de mutação. ( fim de uma matéria é também seu !rau de potAncia.  A matria o lado

 pelo qual as coisas tendem a apresentar entre si e a nós mesmos tão6somente diferenças de grauS3

5 as diferenças de !rau sempre são, na verdade, diferenças de natureza, de 9ualidade. 2m material é

um con7unto de elementos, ou se7a, é uma multiplicidade, 9ue varia de acordo com as coneGMes 9ue

faz, com os diversos a!enciamentos em 9ue se insereK. N onde se marcou o fim do corpo, se

empobreceu o olhar sobre ele, pois na verdade são precisamente nestes mesmos lu!ares 9ue tudo

começa no corpo. Dudo pra e começa. Dudo começa como criação, o corpo começa como criação,

resultado de uma eGperimentação. a pr4pria provisoriedade da matéria 9ue lhe confere potAncia

de afectação, potAncia de invenção. As criações são como linhas abstratas mutantes que se li"ram

da incumb+ncia de representar um mundo& precisamente porque elas agenciam um no"o tipo derealidade333FFB 3ealidade 9ue não se encontrar nos campos reconhec?veis pela hist4ria, ou pela

razão. 3ealidades h?bridas da vontade em movimento. )or isso, estar sintonizado e buscar uma

forma de intimidade com as vibraçMes moleculares da matéria é o 9ue chamamos de materialismo.

0as, como para n4s não interessam as identidades, as diferenças definidas como molaridades

identitrias eGclu?das e nem os contornos macrosc4picos E de 5stado, de !erAncia institucional, de

339 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. <, &ão Paulo ditora 3, 11 C p..

33? D<"F, %. 5ergsonismo, &ão Paulo ditora 3, 111 C p.2.33 5d. C p..338 5d. C p.19.

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formas etc. , mas as ?nfimas variaçMes moleculares, 9ue acontecem na relação mais comezinha e

cotidiana dos corpos, achamos por bem, caracterizar esta forma de materialismo como

micropol?tico. 6 importBncia de se acompanhar e mapear as materialidades de uma superf?cie est

em 9ue as matrias de expressão entram em relações mó"eis umas com as outras& as quais "ão

0exprimir1 a relação do território que elas traçam com o meio interior dos impulsos e com o meio

exterior das circunst*ncias'3

)or esta razão é 9ue não fizemos 9uestão de descrever com ri!or, em 9ual dos trAs !rupos com

9ue trabalhvamos aconteciam as cenas E vinhetas , ou em 9uais sur!iam as surpreendentes

mudanças de olhar e valor das professoras. 5stas espécies de contornosreferAncia evidentemente

devem fazer al!uma diferença, mas as diferenças não fazem 9uestão al!uma de respeitarem os

limites entre os !rupos, entre as peles, entre os corpos, entre as funçMes institucionais E de diretor,

 psic4lo!o, professor de 0atemtica ou 5ducação F?sica, de crianças ou adolescentes. +ão ne!amos

9ue se7am detalhes com al!uma importBncia, mas as matériasfluGos com 9ue nos relacionamos,

dão de ombros para tais especificidades eGtensivas. +ão um erro de método, mas uma precisão com

outras necessidades. 9ue, na medida em 9ue trabalhamos com !rupos mistos, compostos de

homens e mulheres, com a presença da diretoria e das professoras, estas, vindas de vrios ciclos e

atendendo cada 9ual uma faiGa etria diferente, nosso compromisso era o de trabalhar com

transversalidades, ou se7a, com os fluGos 9ue, de al!uma forma atravessam a todos os corpos

 presentes, afetandoos de maneira sempre diversa, mas unindoos num mesmo plano de imanAncia.

por esta razão 9ue nossa discussão tanto tem se pautado em afectar as éticas, ou se7a, os valores e

sentidos 9ue são produzidos e sustentados pelos corpos das professoras. 6s éticas são sempre

movimentos coletivos, !rupais. 5ntendemos, assim, 9ue não trabalhamos precisamente com pessoas

em seu sentido atmico /tomo a9uilo 9ue não se divide1, mas com passa!ens, parcialidades ou

 provisoriedades intensivas abertas 9ue, nem por isso, devam ser tomadas inconsistentes ou irreais.

6s professoras não são indiv?duos, su7eitos, personalidades. 5stas são denominaçMes de 5stado, ou

de poder. e vemos as professoras como parcialidades inteiras ou se7a, repletas em suamultiplicidade, na 9ual nada falta E, então, necessariamente nos atentamos para as suas

sin!ularidades e partimos de um lu!ar de relação 9ue as olhe 8na altura dos olhos, 9uer dizer,

nunca de cima para baiGo, do alto de um lu!ar de poder bruscamente dese9uilibrado, e sim de um

lu!ar de dissonantes aliados, ou diferentes em composição, ao mesmo tempo em 9ue i!uais em

 potAncia, i!uais em capacidade de afectarse e serem afectadas, de transformar e transmutaremse.

2m materialismo micropol?tico se preocupa, portanto, com a produção de 9ue as materialidades do

corpo são capazes e isso, no n?vel microrelacional, micropol?tico. 5le é uma carto!rafia dos331 5d. C p.2.

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acontecimentos 9ue se operam preferencialmente sobre os tecidos do corpo, sendo o corpo

entendido por materialidade finita, mas ilimitadamente plstica e fluida. 0atéria 9ue não é forma,

consistAncia abstrata 9ue não é metaf?sica, concretude intensiva 9ue não é idealizada. ão se define

um corpo -ou uma alma. por sua forma& nem por seus órgãos ou funções -333. nós os definiremos

 pelos afectos de que capazF4D e um materialismo micropol?tico se interessa pelos afetos de 9ue são

capazes as matériasfluGo emitidas na superf?cie do corpo.

6ssim, esta forma de micropol?tica das materialidades não é nenhuma atividade ret4rica, mas

uma prática das relaçõesF4@, uma maneira de produção de saber em favor das relaçMes de potAncia

dos corpos e das vidas. abemos 9ue ter um corpo é uma eGi!Ancia J#, é uma eGi!Ancia do obscuro

em n4s, 9uer dizer é uma eGi!Ancia dos devires 9ue nos açoitam E eGi!Ancia interna =s relaçMes e

não eGterna, como são as ordens de um tirano. (s devires a!em sobre n4s um imperativo ético

transmutacional e, por isso, tratamos de providenciar para n4s um corpo de devires e matérias

fluidas: uma forma de praticar a fluidez da matéria. poss?vel dizer 9ue os nossos primeiros devires

se eGpressam na forma de uma criança 9ue brinca nas células de nossa pele, nas fibras de nossa

carne E devircriança ami!uinha ima!inria do devircorpo mais material. ( materialismo

micropol?tico pretende ser aliado sens?vel e delicado dos devires das materialidades.

1ara terminar sem ,ecar: invenção) (tica e possibi#idade

Com este trabalho, esperamos ter feito um elo!io ao corpo, = sua potAncia, = sua ale!ria

criativa. 5speramos ter também feito um elo!io =s professoras com 9uem trabalhamos. 2m elo!io a

uma )sicolo!ia intensiva, afectiva, éticapol?tica e, por fim, um elo!io a uma 5ducação imposs?vel,

um elo!io para um devir da 5ducação. )arece haver tanto a concluir, tanto a apontar, indicar... 4

9ue a? sentimos haver o risco de prescrição... +ão !ostar?amos disso. +ão !ostar?amos 9ue nossas

conclusMes ou idéias se7am tomadas como prescrição. Cada bloco de teGtos conse!uiu apontar

al!umas coisas, cada vinheta trazida pode ter levado a al!uns poss?veis. 0as não são nunca receitas,

apenas possibilidades, inversMes das razMes, reversMes das linearidades, sorrisos poss?veis aoscorpos... +ão são conclusMes, mas surpresas dos afectos vividos com os !rupos, com as professoras,

com nossos parceiros de trabalho. 5 9uantos éramosI )or isso o 8n4s. ramos os vrios de n4s, os

vrios psic4lo!os parceiros, as tantas professoras, as tantas sensaçMes, afecçMes, éramos os impasses

e os poss?veis inventados, todos estes nos passavam pelo corpo, todos estes nos tornamosI

30 D<"F, %. Espinosa – ilosofia Prti!a, &ão Paulo scuta, 2002 C p.21.

3 /A$DB&B r., E. $. Pensar a Pedagogia com Deleu=e e %uattari. Ami=ade, /onfiança e Eá)ito numa Perspecti#aPragmatista Artigo não pu)licado C p..32 D<"F, %. / Do'ra – Lei'niz e o 5arro!o, /ampinas Papirus, 11 C p.9.

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6s coisas 9ue constru?mos, 9ue propusemos, são propostas for7adas, mentiras poss?veis,

invençMes, coisas de criança, de !ente 7ovem e ineGperiente, de 8mole9ues recémformados 9ue

acham 9ue tudo pode. +a escola 9ue encontramos através das professoras, tantos imposs?veis nos

 ba9uearam, tanta impotAncia nos tocou... 0as, também, 9uantas vezes pudemos afirmar, no fim, os

 poss?veis até então caçoados, desvalorizados, malvistos. Luantas coisas se tornaram valores,

9uantas vezes fomos capazes de le!itimar o 9ue até então estava fora de co!itação. )oss?veis 9ue

foram se tornando o presente das professoras, presenças em seus corpos es!arçados, cansados,

 7ul!ados, adoecidos. Fomos constantemente forçados a pensar, na medida em 9ue o material de

começo para as nossas intervençMes eram apenas as sensaçMes 9ue t?nhamos ao lado das professoras

e a vontade deliberada de praticar um pensamento éticomicropol?tico E e não moralcapitalizante.

 +este fim, poder?amos falar de muito, mas sentimos 9ue duas palavras definiriam bem todo o

trabalho e a intervenção 9ue realizamos na escola: ética e possibilidade. )ercebemos 9ue são as

duas forças 9ue nave!aram por todo o trabalho, desde a primeira p!ina até a9ui, desde o primeiro

encontro com as professoras até a9ui.

Luer dizer, na medida em 9ue, por um lado, nos propusemos a produzir al!uma diferença nas

relaçMes da escola e, por outro, 9uisemos abordar o problema do adoecimento dos corpos, foi

 preciso fazer de nosso pr4prio corpo e vontade um campo de eGperimentação, de invenção e de

tentativas, de riscos. 5 esta disposição implica necessariamente em se construir possibilidades

através de um decurso ético. abemos 9ue ficou muito a fazer, pois não pudemos dar continuidade

imediata ao trabalho depois do fim do ano letivo, 7 9ue mais uma vez nos deparamos com a

indisposição das instituiçMes maiores. 5ntretanto, depois de al!uma luta, de muitas avaliaçMes do

 pro7eto, de nova escrita deste com a inclusão das impressMes das professoras sobre os encontros e

de passar pelos entraves burocrticos institucionais incluindose nisso as forças reacionrias

também da escola , conse!uimos a renovação do pro7eto. 6pesar de, a!ora, não podermos mais

 participar ativamente da continuidade do pro7eto, nosso parceiro 6leGandre >norre se!ue tocandoo

em frente. 5 o 9ue mais nos ale!ra, enfim, é saber 9ue as professoras dese7aram a continuidade do pro7eto. +ão o acharam 8interessante, 8importante, mas o +uiseramI *ese7oI )referimos 9ue

9ueiram com olhos vermelhos e veias do pescoço saltadas, do 9ue di!am, com olhar sério e pernas

cruzadas, 89ue interessante este trabalho. im, muitas professoras 9uiseram assim a continuidade

dos !rupos, muitas bri!aram desta maneira com a morosidade burocrtica da 05*.

abemos também 9ue o 9ue se con9uistou, cada novo poss?vel constru?do, foi !raças =

disposição de colocarmos em uso um pouco de sensibilidade, delicadeza, força de !uerra e vontade

de desviar de noçMes préconcebidas. 5sta vontade de escapar é o 9ue caracteriza o pensamentoético. 6ssim, sentimos 9ue pudemos oferecer uma outra aborda!em ao problema dos corpos

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adoecidos das professoras. +ão uma aborda!em psicolo!izante, mas, afectiva. *iante da

compleGidade 9ue é a produção de corpos, afectos, valores e sentidos da escola, parece 9ue somente

é poss?vel construir al!uma coisa 9uando se eGercita o desvio do paradi!ma or!an?smico de corpo e

do paradi!ma moral de relação educacional. *isso resultou, como primeira e talvez mais ale!re

con9uista dos encontros !rupais, uma desmoralização da dor, uma desculpabilização das dores,

estafas e vontades de desistAncia. e al!o se produziu de importante para as professoras, foi isto.

)roblematizamos toda a constituição médica dos corpos e a aborda!em biocient?fica do

adoecimento para falarmos da necessidade de se dar lu!ar a muito mais forças componentes dos

corpos e das vidas produzidas na escola. )roblematizamos as relaçMes educacionais moralistas e

capitalizadas para dar al!um espaço de liberação para as potAncias insuspeitas dos encontros das

 professoras com seu trabalho, com os alunos, consi!o pr4prias, com as cole!as, com o pr4prio

corpo. 5stivemos, portanto, o tempo todo =s voltas com sufocamentos, desvalorizaçMes, limitaçMes e

afliçMes produzidas na escola.

 +ão podemos somente dizer 9ue são somente estes sufocamentos 9ue culminam do

adoecimento das professoras, pois é sempre arriscado apontar causas. +ão podemos eGplicar os

adoecimentos... 5star?amos fornecendo material para um futuro controle dos corpos pelas relaçMes

de poder. Contudo, podemos, sim, dizer 9ue as professoras estão doentes por forças produzidas nas

relaçMes em 9ue elas pr4prias são prota!onistas. +ada a eGplicar, mas todos a implicar. +os !rupos

de professoras, se estivemos encontrando o poss?vel insuspeito aos problemas somente ali onde

esvazivamos a pretensão de dar soluçMes, foi !raças = potAncia 9ue sentimos 7 eGistir circulando

na forma de afectos doloridos. *or como potAncia de riso, cambalhota das entranhas. +ada a

 prescrever, tudo ainda a conceber. )or isso, d ainda para dizermos 9ue, no campo da 5ducação, o

9ue an!ustia terrivelmente é o embotamento das capacidades de criação, conse9^entes de uma

intensa pol?tica de desautorização de tudo e de todos. +ão é 9ue nada se7a permitido, mas 9ue tudo

é, ou colocado sob re!ras e ordens, ou levado a perder valor por uma eGacerbação dos valores

morais, por um eGcedente de ob7etivos prontos. 0uita coisa não vale, muita !ente não vale, muitacoisa é devida, muita coisa é meta, muita d?vida e culpa. +ada a desreprimir, mas muito a defluir.

Oemos ser ur!ente produzir formas de potencializar a criatividade de professoras e alunos e, talvez,

isso se con9uiste com um trabalho delicado e constante de raspa!em da superf?cie escolar.

3aspa!em das !randes metas, para o reavivamento da inventividade. 3aspa!em da moral, para a

 passa!em da ale!ria de criar. +ada mais a incluir, muito a despoluir. entimos também ser

importante 9ue as relaçMes se7am a9uilo 9ue podem ser, diver!entes, contradit4rias, cheias de

9ueiGas, dificuldades, tropeços, 9uebras, percalços. +ada a idealizar, mas tudo a le!itimar. 5ntão,apesar de parecer ser mais <til, na 5ducação, retirar coisas do 9ue acrescentar, entendemos 9ue se7a

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 bom compleGificar os modos de aborda!em dos problemas vividos, dos afectos sentidos.

CompleGificar é, por isso, fazer crescer, multiplicar. +ada a definir, muito a eGpandir. *a?, esta

compleGificação não passa, portanto, por encher ainda mais a 5ducação de demandas, mas talvez de

 preenchAla de vivAncias variadas, encontradas no Bmbito das pr4prias relaçMes 7 eGistentes. +ada a

acrescentar, mas muito a multiplicar. Dudo isso, entretanto, s4 se torna realidade concreta, 9uando

vivido no corpo, 9uando trazido para o encontro mais imediato, para a imanAncia, para a sensação

 produzida 7unto da carne, na relação. +ada a abstrair, todos a sensibilizar. Luer dizer, os problemas

educacionais, como dissemos al!umas vezes, não parecem mais estar relacionados somente a

9uestMes técnicas, peda!4!icas, co!nitivas, psicol4!icas, mas sim afectivas: uma reconstrução na

formação do profissional educador talvez deva passar muito mais por uma paulatina e sens?vel

 produção de uma nova sensibilidade. 6l!o 9ue, obviamente, não se con9uista com al!uns cursos de

formação, ou com al!umas oficinas e pro7etos de curto prazo, como foi o nosso. preciso cultivar,

cuidar continuamente. +ão se precisa de mais técnica, mas de acolhimento, cuidado. entimos 9ue

cuidar do educador é ur!enteI

5 se d para a!re!ar al!o mais ao par, éticapossibilidade, esse al!o seria a força de invenção.

 +otemos 9ue foi recorrente, neste trabalho, falarmos de inventividade 7untamente com a 9uestão da

ética e da possibilidade. 5nfim, nada a corri!ir, tudo a eGperimentar. Dalvez, a eGperimentação se7a

a potAncia poss?vel aos corpos, 9uando se trata do 9uerer. *a? 9ue, o 9ue chamamos o tempo todo

de possibilidades, na verdade, é o insuspeito inventado no encontro de nosso corpo com os corpos

das professoras. ( poss?vel não é o determinado, mas o inventado, a potAncia criada no encontro.

 +a 5ducação, então, onde o 9uerer das relaçMes e encontros parece estar tão sem via de

deslizamento, uma ética da eGperimentação para os corpos talvez possa ser uma prticapol?tica da

liberação de potAncias E uma forma de escapar do adoecimento dos corpos, um 7eito de fazer da dor

uma via ale!re e não um acabamento determinado. e h sa?da para 5ducação, esta precisa ser

inventada pela eGperimentação. +ada disso são recomendaçMes, mas intuiçMes, sensaçMes 9ue

tivemos e =s 9uais che!amos durante o trabalho. +ão 9ueremos 9ue nos si!am, mas 9ue nos sintamI)or isso, a eGperimentação como técnica de abrir um sens?vel do corpo. #iagnosticar os de"ires&

em cada presente que passa&333F4F eis em 9ue consiste a tarefa de inventar acompanhado da prtica

da eGperimentação. 5sse dia!n4stico de devires é, por isso, poder encontrar no presente a9uela parte

9ue 7 não é mais a mesma, 9ue 7 est infinitamente tornandose al!o de novo, al!o de inesperado.

5sparramamento das possibilidades, como 9uando as crianças espalham seus brin9uedos no chão.

ão coisas 9ue s4 se faz através dos corpos, das sensaçMes 9ue os percorrem en9uanto potAncias.

e h ainda al!uma potAncia na 5ducação, eGi!imos sentila em nosso corpo... 5 inventlaI33 D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 que + a ilosofia $io de aneiro ditora 3, 112 C p.9.

89

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) corpo poder de transformação e de"ir 333 F44

A iman$ncia do ar+ueiro en: nossa estrat(gia

Começase com um fim e então 7 se começa bem mal... tri mal. 6mir >lin@, ao dar a volta ao

mundo, num barco a vela, sozinho, circundando a calota antrtica dizia 9ue, para uma via!em como

a dele, era necessrio um preparo e plane7amento eGtremamente ri!orosos, mas o ape!o a esses

 planos durante a via!em seria fatal, catastr4fico. entimos 9ue as via!ens de 6mir >lin@ se7am 8de

verdade, isto é, h nelas uma delicada e intensa força de autenticidade, ?mpeto de afirmação deuma sin!ularidade, afirmação de uma vida. *e verdade 9uer dizer sincero, leal aos a!enciamentos

do dese7o. 6mir >lin@ não traiu a imanAncia s4 por9ue plane7ou e, por outro lado, plane7ou bem

 para 9ue não fosse fis!ado dolorosamente pela transcendAncia, pela idealização. +este caminho

nave!ado por 6mir >lin@, o plano, a idealização e a teoria foram transpassados pelo nave!ar. (

 plano primeiro não foi primeiro em relação ao processo, mas foi amarrado ao pr4prio processo. (

esp?rito nave!ante flutuante e fluido transpassou os planos e os tirou da ponta inicial do processo,

 7o!andoo no pr4prio entremeio mareado 9ue caracteriza o processo. ( processo rizomeia e se

3 %5<, . Metamorfoses do Corpo, <is)oa $elógio DKágua, 11 C p.89.

8?

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embaça o lu!ar 9ue se achava ser o in?cio. 6mir >lin@ é cart4!rafo, não pela necessidade, pelo fato

de estar no mar. )elo contrrio, habita o mar por9ue se afeta pela fluidez da atividade carto!rfica, a

9ual não se efetua de outra forma senão no pr4prio movimento incerto da !ua. ;e os estratos são

da terra3 A estratgia area ou oce*nicaJU3

6 carto!rafia não como método, mas como estraté!ia de nado, de nave!ação. 6 !ua não é

mais por aonde se vai, ela é a9uilo em 9ue se transforma o tempo todo. 6 !ua é um paradoGo: o

tempo todo muda de forma, de estado, sem, entretanto, deiGar de ser !ua. e tem uma pedra =

frente, deiGa de ser o 9ue é e se torna pura curva ou redemoinho, se torna potencialmente pedraZ se

cai numa !arrafa, se transveste nelaZ se por acaso se a!ita demasiado com o calor, transformase em

outro fluido. Psso não releva uma estrutura ou uma essAncia. H nisso mais uma sin!ularidade

resistente pela mutabilidade, uma impenetrabilidade paradoGal. 6 !ua é o devirtravestiI 9uase

sempre imposs?vel penetrar = !ua, pois ela se afeta com tudo, cede a tudo na medida em 9ue

sempre est a!indo sobre o 9ue lhe toca. 5ntão, a carto!rafia como arte a9utica, como arte de

nadar, a arte de aliarse = !uaZ e nave!ar, a arte de acompanhar a !ua, ser !ua em potencial E

carto!rafia é a arte uJS.

6 carto!rafia é a9utica. )or isso, nosso método foi a estraté!iasemestraté!ia, ou o caminho

semcaminho. +osso plano dever ser encontrado no meio do caminho. Psso não aponta, porém,

 para uma displicAncia, ou uma permissividade. 6 carto!rafia como estraté!ia é a arte de li9uefazer e

fluidificar a sensibilidade, o olhar e a ação, num processo triplo de invenção imanente. ( a9utico é

sens?vel =s ondulaçMes do pr4prio meio l?9uido, ou se7a, é capaz de estranhar mesmo as variaçMes

do dentro, afetandose como se fora, estran!eiro. ( a9utico estranha a si mesmo. +este dentro, é

sens?vel não apenas =s variaçMes do si, como ainda de toda a multiplicidade 9ue compMe esse

dentro, se7am pedras, part?culas, fendas, morros, ramificaçMes ve!etaçMes, enraizamentos,

animalidades. +um primeiro movimento, fazse uma superf?cie, uma pele possuidora de uma tensão

superficial a!uçada, 9ue se afeta, se deiGa tocar pelos raios de força 9ue constituem o lu!ar, um

corpo sens?vel aos devires dos encontros. *e uma maneira simples, poderia se dizer 9ue a!e comoesc*ner  de sin!ularidades. 6o mesmo tempo, num se!undo movimento, o cart4!rafo tece uma

se!unda malha de pele sens?vel, não inferior nem superior = pele anterior, mas entrelaçada a esta,

formando um plano liso como num tabuleiro de Gadrez. 5ssa se!unda malha é sens?vel, desta vez,

ao fora, = dobra, ao processo de sin!ularização ou transformação em outrem, ao are7amento 9ue não

é eGterior, mas produzido na variação cont?nua mesma do dentro. 5sta carto!rafia é, assim, a

 produção de um corpo, de uma sensibilidade.

39 D<"F, %. ou!ault , &ão Paulo 4rasiliense, 2009 C p.21.3? /onforme o conceito filosófico de u, presente no EapUido, arte marcial nipo-coreana especiali=ada em torçOesarticulares, as 'uais não re'uerem uso de força.

8

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6 carto!rafia é uma ética, é uma estética e uma pol?tica. 4 9ue a carto!rafia não fala da

 pol?tica, da ética, ou da estética. 9ue ela se interessa pelos encontros, pelo nãosaber. *i!amos

9ue eGista na carto!rafia uma decisão de desprendimento, na 9ual o te4rico, os conceitos e al!um

 princ?pio de valor 9ue eGista são tomados em sua impermanAncia, em seu carter de funcionamento

movediço, na 9ual s4 servem como instrumentos utilizveis em determinado conteGto, de acordo

com necessidades espec?ficas. ( cart4!rafo não tem apenas um instrumento privile!iado ou, se o

tem, sabe 9ue é, primeiramente, para a criação E invenção , e ainda, sabe 9ue tal instrumento

funciona de certa forma dentro de uma sin!ularidade de forças. 5nfim, é o instrumento 9ue deve

servilo e não o contrrio. Carto!rafar é, ao mesmo tempo, um modo de combate e uma ação in<til.

Pn<til como uma arte, sem sentido como a flecha do >Wudo arte cavalheiresca do ar9ueiro [en ,

9uer dizer, não pretende 9ue, de antemão, sirva para determinada função imediatamente

capitalizvel e remetida a um sistema de valoração eGterno, estatal, laboral. +ão se pretende, com o

trabalho de carto!rafia, 9ue se entre num sistema de reconhecimento, 7 9ue o reconhecimento das

utilidades s4 vem dos saberes e poderes consolidados e estatizados. 6 arte carto!rfica, assim como

o ar9ueiro [en não tem a presunção de impor, sobre todos os 7o!os de força, o mesmo tiro, pois o

melhor tiro é a9uele surpreende o pr4prio ar9ueiroJK, a9uele 9ue traz o corpo e o conceito ao plano

mesmo do campo de forças, na 9ual se est caminhando ou apontando a flecha. ( elemento art?stico

da carto!rafia est em sua lealdade com a imanAncia, ou se7a, na habilidade de produzir um efeito

!enu?no e honesto somente para com o acontecimento, para com a novidade e para com o 7o!o de

forças 9ue se produz e se habita no encontro. 6 carto!rafia é uma pol?tica da imanAncia uma

 pol?tica dos movimentos minoritrios de diferenciação uma estética do presente em mutação e

uma ética da liberdade criativa. Carto!rafar é fazer da imanAncia uma arte. ( cart4!rafo não mira a

flecha ao alto, como se as problemticas ou poss?veis aberturas viessem de um ideal celestial

superior, bem como não enterra a cabeça no lodo escuro, como se os sentidos brotassem de al!um

alçapão abissal e escondido do real. 6 estraté!ia da arte carto!rfica é o poss?vel e o devir do

 poss?vel, isto é, a9uilo 9ue torna o as forças poss?veis pass?veis de serem realizadas e, assim, postasnovamente em processo de diferenciação. ( devir do poss?vel é o poss?vel insuspeito em vias de ser

criado. 4 h o pensar, na medida em 9ue se conecta com os elementos atuantes na superf?cie

eGperimentvel do solo. 4 h o a!ir, no momento em 9ue se entra em contato ou se estira o arco

dos poss?veis imprevistos.

 +este ponto é 9ue entra em ação um elemento aéreo, alado, flu?do ao mGimo, em 9ue a

realização de um passo no solo se deiGa transpassar pela recolocação imediata no processo de

transformação e criação. *essa forma, não mais o vo alto, nem a corrida enterrada, mas o rasante,3 E$$5%<, . / /rte Caval%eires!a do /rqueiro 0en, &ão Paulo ditora Pensamento, 19 C p. 0.

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en9uanto linha tensa de costura entre o solo e o aéreo, o estratificado e o criativo, o territ4rio e o

desterritorializante. s4 9uando o estiramento do arco encontra a linha do rasante é 9ue o

cart4!rafo ar9ueiro encontra seu alvo, o 9ual é, num mesmo tiro, o pr4prio ar9ueiro e o c?rculo

central do alvo. ( cart4!rafo ar9ueiro tem como arte o recomeço, ou o encontro como <nico

começo honesto para o trabalho. Carto!rafar é começar tão somente do encontro, da multiplicidade

do encontro, sem meta primeira al!uma, sem método formal inicial. ) que carece de forma penetra

o impenetrá"el J%3

Re,er$ncias 2ib#iogr3,icas

 AFHDB, . /. /iclos de !ormação uma no#a escola Q necessária e poss*#el 5n

&;5IHA&/E$, A. et al. Ci!los em "evista, $io de aneiro JaU ditora, 200.

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"esson#n!ias $ietzs!%eanas, $io de aneiro DPGA, 2002.

/A$DB&B r., E. $. Pensar a Pedagogia com Deleu=e e %uattari. Ami=ade, /onfiança e

Eá)ito numa Perspecti#a Pragmatista Artigo não pu)licado.

/B&;A, A. 6tradução apresentação e comentários7 8er!lito – ragmentos

Conte,tualizados, $io de aneiro Difel, 2002.

D<"F, %. G !B"/A"<;, +. Bs 5ntelectuais e o Poder 5n !B"/A"<;, +. Mi!rof4si!a

do Poder , $io de aneiro %raal, 2000.38 ;&T, <. :ao :e ;ing – 2 Livro do 7entido e da Vida , /uriti)a Eemus, 2000 - p.09.

81

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D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. @, $io de

aneiro ditora 3, 119.

D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. = , $io de

aneiro ditora 3, 119.

D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 3, $io de

aneiro ditora 3, 11?.

D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. <, &ão Paulo

ditora 3, 11.

D<"F, %. G %"A;;A$5, !. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. G , &ão Paulo

ditora 3, 11.

D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 /nti*Fdipo – Capitalismo e Esquizofrenia, $io de aneiro

5mago, 1?.

D<"F, %. G %"A;;A$5, !. 2 que + a ilosofia $io de aneiro ditora 3, 112.

D<"F, %. Dese@o e Pra=er 5n Cadernos de 7u'Hetividades, &ão Paulo, n. especial

P"/-&P, @un., 11?.

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D<"F, %. / Il%a Deserta, &ão Paulo 5luminuras, 200?.

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%"A;;A$5, !. 2 In!ons!iente Maqu4ni!o – Ensaios de Esquizo*anlise, /ampinas Papirus,

188.

%"A;;A$5. !. "evolu1-o Mole!ular – Pulsa19es Pol4ti!as do DeseHo, $io de aneiro

4rasiliense, 18.

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<H, ;. &. a E,peri(n!ia do ora – 5lan!%ot& ou!ault e Deleuze, $io de aneiro $elume-

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<5I&, D.  /ntonin /rtaud – 2 /rtes-o do Corpo sem Jrg-os, $io de aneiro $elume-

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<BP&, P./. Pragmti!a do DeseHo – /pro,ima19es a uma teoria da !l4ni!a em +li,

uattari e illes Deleuze, Dissertação de +estrado, &ão Paulo P"/-&P, 11?.

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B$<AID5, <.4.<. /orporeidades em +inidesfile 5n !BI&/A, ;.+.%. G I%<+AI,&.

6orgs.7 Corpo /rte e Cl4ni!a Porto Alegre ditora "!$%&, 200.

P<4A$;, P. P. <iteratura e <oucura 5n H5%A-I;B, A., B$<AID5, <. 4. <. G $A%B, +.

Imagens de ou!ault e Deleuze – "esson#n!ias $ietzs!%ianas , $io de aneiro DPGA,

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$B<I5S, &. N!ale com eleN ou como tratar o corpo #i)rátil em coma 5n !BI&/A, ;.+.%. G

I%<+AI, &. 6Brgs.7 Corpo /rte e Cl4ni!a, Porto Alegre ditora "!$%&, 200.

1

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resist:ncia 5n <5I&, D G P<4A$;, P.P. 6orgs.7 $ietzs!%e e Deleuze – 5r'aros

Civilizados, &ão Paulo Anna)lume, 200.

&AI;KAIIA, D. 4. Desco)rir o /orpo uma história sem fim 5n Edu!a1-o e "ealidade V.

=G n. = – Produ1-o do Corpo, Porto Alegre "!$%&-PP%du, ul>De= 2000.

&AI;KAIIA, D. 4. ;ransformaçOes do /orpo 5n Imagens de ou!ault e Deleuze –

"esson#n!ias $ietzs!%eanas, $io de aneiro DPGA, 2002.

&545<5A, P. 2 8omem P6s*2rg#ni!o – Corpo& su'Hetividade e te!nologias digitais, $io de

aneiro $elume-Dumará, 2002.

&B"FA, I.%.&. $epresentaçOes de corpo-identidade em histórias de #ida 5n Edu!a1-o e

"ealidade V. =G n. = – Produ1-o do Corpo, Porto Alegre "!$%&-PP%du, ul>De=

2000.

;&T, <. :ao :e ;ing – 2 Livro do 7entido e da Vida, /uriti)a Eemus, 2000.

;"/E$+AI, 5. 5reve 8ist6ria do Corpo e 7eus Monstros, <is)oa Passagens, 111.

VAH5$, +. <. +. A scola /idadã struturada por /iclos de !ormação C refleOes so)re o

pro@eto educacional do +unic*pio de Porto Alegre de 181 a 200 5n &;5IHA&/E$,

 A. et al. Ci!los em "evista, $io de aneiro JaU ditora, 200.

BIFAJA, !. E. Corporeidade& 'iopoder e 'iopot(n!ia) estudo& em ou!ault& do !on!eito

de !orpo !omo um lugar de investimento do sa'er*poder m+di!o e !one,-o !om o

!on!eito de resist(n!ia !omo prti!a de si. $elatório de Pes'uisa de 5niciação /ient*fica

!AP&P, 200.

A"46OS

12

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

2er,! e C!n&enti,ent! In#!r,a! 1ara Parti+i1a.0! e, Pe&)i&a

stou desen#ol#endo uma pes'uisa de mestrado #inculada ao Programa de Pós-%raduação em ducação

da "ni#ersidade !ederal do $io %rande do &ul. /om esta pes'uisa #iso tra=er elementos 'ue contri)uam com o agir e

pensar so)re a in#enção da corporeidade no Lm)ito da educação e no plano escolar. "tili=ando-me do pensamento de

autores como Iiet=sche, &pino=a, Deleu=e, %uattari e !oucault, pretendo a)ordar o pro)lema dos pedidos de licenças

mQdica, chamadas )iometrias, relacionando-o com a produção de su)@eti#idade no campo educacional.

13

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Para reali=ação do estudo pretendo utili=ar falas, cenas, idQias, mo#imentos e acontecimentos 'ue sur@am e

se@am epressos durante os encontros destes grupos, 'ue reali=amos semanalmente todas as 'uartas-feiras, dentro do

Pro@eto ducação em ;ransmutação. Por isso, con#ido com muito entusiasmo o>a senhor>a a participar deste tra)alho

de pes'uisa, so)re o 'ual poderá fa=er 'ual'uer pergunta. T de #osso direito retirar-se da pes'uisa 'uando 'ueira, sem

'ue isto impli'ue em 'ual'uer pre@u*=o ( #ossa pessoa.

 Assumo o compromisso de manter sigilo de #ossos dados pessoais. Io caso de me utili=ar de algum nome,

criarei algum nome fict*cio, 'ue poderá ser inclusi#e de sua escolha. Bs dados estarão ( #ossa disposição, assim como

o teto resultante deste tra)alho, caso ha@a interesse. ;am)Qm me coloco ( disposição para 'ual'uer esclarecimento.

De minha parte, inclu*-lo neste tra)alho será moti#o de alegria e honra, )em como de compromisso Qtico no

'ue tange ( contri)uição prática de uma pes'uisa para o cotidiano 'ue fa= parte de #ossa #ida, assim como para os

campos da Psicologia, da ducação e de minha linha teórica, a !ilosofia da 5man:ncia de !Qli %uattari e %illes

Deleu=e.

+uito B)rigado[

 \\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ \\\\\\\\\\\\\\\\\\ \\\\>\\\\>\\\\\ 

 Assinatura do participante Iome data

 \\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ \\\\\\\\\\\\\\\\\ \\\\>\\\\>\\\\\ 

 Assinatura do pes'uisador Iome data

d  EVIR 3 Inter(en.0! Pe&)i&a e E41eri,enta.0! In(enti(a e, ),a

P&i+!'!5ia In&tit)+i!na'i&ta a 6'7ni+a A,1'iaa

1

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7/26/2019 Fernando Yonezawa Dissertação

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EDUCAÇÃO  EM TRANSMUTAÇÃO  C2L2C/$D2 EM M2VIME$:2& /EC:27& 8I7:J"I/& 7/5E"E7& P2DE"E7 E F:IC/7 /:"/VF7 D/

P277I5ILI:/K2 DE "P27 2PE"/:IV27& 2ICI$/7 P"N:IC/7 VIVE$CI/I7 E E$C2$:"27 DE

 /P"IM2"/ME$:2 :FC$IC2& :EJ"IC2 E C2$CEI:/L.

Proposta de 5nter#enção @unto a alunos, professores e funcionários das escolas.

Psicólogos>Atores 5nstitucionalistas

- Aleandre +issel Snorre- !ernando Eiromi one=a]a- oana Eenneman- SlaWne <eite de A)reu- $enata Pimenta Domingues

Porto Alegre, março de 200?.89 Re&),!

/ontemporaneamente, a ducação tem passado por momentos de intensa transformação e 'uestionamento.&a)emos 'ue, dentro deste conteto, um grande *ndice de adoecimento f*sico e emocional tem afectado∗ os di#ersosatores institucionais escolares^ fato apontado pelos ele#ados registros de )iometria entre professores e pelos casosdiagnosticados como hiperati#idade e dQficit de atenção entre alunos.

Pensadores contemporLneos como Deleu=e, !oucault, +orin, %uattari e /erteau 'uestionam com propriedade,em termos Qticos, filosóficos, históricos e pol*ticos a constituição do su@eito escolar e a construção das instituiçOeseducacionais. ;ais 'uestionamentos t:m muito a contri)uir criati#a e construti#amente no 'ue toca ao cuidado para comesta pro)lemática presente na educação atual.

 Assim, este pro@eto o)@eti#a aproimar o professor de no#os sa)eres, cr*ticas e produçOes reali=adas dentro docampo educacional, instrumentali=ando-os em termos Qticos, tQcnicos e afecti#os, )em como pretende acolher etransformar as 'uestOes ligadas ( produção de mo#imentos coleti#os de desgaste e cristali=ação das relaçOeseducacionais dentro das escolas por parte dos atores institucionais, em 'ue se incluem alunos e funcionários.

staremos oferecendo oficinas grupais de aprimoramento tQcnico, teórico, Qtico e pol*tico, nos 'uais estaremosa)ordando as produçOes mais recentes e ino#adoras da educação. Bfereceremos tam)Qm oficinas grupais de cuidadodas pro)lemáticas relacionais despontadas nas relaçOes educacionais entre alunos e demais estratos institucionais.stas oficinas serão reali=adas com professores interessados, )em como com alunos e com os demais atoresinstitucionais 'ue dese@em participar, incluindo a direção. Acreditamos 'ue açOes aparentemente pe'uenas podemprodu=ir efeitos important*ssimos na realidade, assim como constata a f*sica 'uLntica, 'ue inspira nosso nome e formade atuação.

P esclarecimentos so)re este termo>conceito no ultimo item deste pro@eto.

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:9 ;)&ti#i+ati(a 3 1r!<'e,%ti+a& a#e+ti(a&= reai&= >i&t?ri+a&= @ti+a&$

B papel ocupado socialmente pelo professor o coloca num lugar de grande necessidade de 'uestionamento deseu modo de agir, pensar e produ=ir educação e su)@eti#idade.

 Atualmente, o professor ocupa um lugar sem lugar, um lugar culpado, sempre cheio de falta, em 'ue pesamso)re ele todas as responsa)ilidades da #ida de uma criança ou adolescente. $ecaem so)re ele todos os de#eres 'ue

tocam a educação, ao mesmo tempo em 'ue ele próprio, sem se dar conta, reprodu= este modelo homogenei=ante epesado. B professor tem tido muito pouco espaço de fala, epressão e 'uestionamento, ficando preso na encru=ilhadade di#ersas forças de produção de impot:ncia, por eemplo, as decisOes #erticais por parte das secretarias eministQrios da educação, a centrali=ação do poder dentro da instituição, a no#a infLncia tirana de nosso tempo, suaauto-eig:ncia e dese@o de um dom*nio so)re os alunos, as 'uestOes econ_micas intensas tra=idas pelos alunos, osufocamento do tempo para a reali=ação do tra)alho, o estrangulamento da criati#idade, graças a pedagogiasendurecidas etc. Ieste sentido, se torna importante a)rir um espaço de escuta, fala, acolhimento, 'uestionamento,troca, transformação, criação e potenciali=ação para os professores. B altos *ndices de )iometria, de doenças ligadas aestresse f*sico e emocional, de pedidos de licença e de afastamento são apenas sintomas destes processos, 'ueprecisam urgentemente ser pro)lemati=ados, acolhidos e transformados.

9 O<Beti(!& 3 ),a tran&,)ta.0! 1!ten+ia'i*a!ra

Desta forma propomos a a)ertura de um espaço de discussão, aprendi=ado e construção dentro da escola 'uepossi)ilite a ampliação da realidade e a epressão de 'uestOes ao professor. speramos poder oferecer umaimportante 'uantidade de no#os sa)eres, conceitos, tQcnicas e perguntas, assim como fornecer um lugar de epressãodas pro)lemáticas #i#idas pelos professores, 'ue comumente são eperenciadas como indi#iduais e solitárias, mas 'ue,na realidade, são coleti#as e sociais, da ordem da produção social. B)@eti#amos produ=ir diferenças reais no cotidianodo professor, não atra#Qs de uma anal*tica indi#idualista, puramente tQcnica ou su)@eti#a, mas de um olhar 'ue elogia ocoleti#o, a implicação social, a produção grupal e a capacidade de criação do professor.

 Assim, gostar*amos de produ=ir um outro olhar so)re os pro)lemas tra=idos pelos professores a respeito doscomportamentos dos alunos pro)lemati=ando não ou o professor ou o aluno, mas a re'a.0!  educacional e a suaconstituição histórica. 5sto por'ue sa)emos, 'ue a dificuldade do professor com a doc:ncia Q a mesma 'ue estesrelatam dos alunos com a aprendi=agem, uma #e= 'ue, são resultados da mesma forma de constituição de poder,su)@eti#idade e relação pedagógica. 

9 E,<a&a,ent! 1r%ti+! 3 An%'i&e In&tit)+i!na'

 A Análise 5nstitucional Q uma prática segundo a 'ual se pretende pro)lemati=ar as forças cristali=adas ereferendadas dentro de uma instituição, )em como criar e encontrar os lugares em 'ue a #ida e a diferença podem eestão surgindo. Ia análise institucional não parte de um lugar de sa)er a)soluto, mas de um lugar de 'uestionamento ede a)ertura de possi)ilidade. Assim, neste tipo de inter#enção o psicólogo institucionalista não pretende analisarindi#idualmente casos isolados, ou emoçOes sintomáticas, como seria a prática tradicional da psicologia escolar. Para opsicólogo analista institucional o 'ue importa Q 'ue estes sintomas se@am cuidados sim, mas con@untamente com o'uestionamento da maneira pela 'ual a instituição age ou deia de agir para 'ue apareçam tais pro)lemas, incluindofatores f*sicos, administrati#os, relacionais, pessoais e Qticos. Proporcionar espaços de circulação dos poderes, dasinformaçOes e sa)eres, dos afectos, dos #alores, das perguntas e das #o=es falantes Q um dos o)@eti#os da análiseinstitucional. Ieste sentido, o mo#imento instituinte, ou se@a, a ação de criar no#as formas de relação de forças dentroda instituição Q a pretensão do analista institucional, 'ue pode fa=er isso atra#Qs de um tra)alho grupal 'ue en#ol#a osatores da instituição, podendo ser alunos, funcionários, ou professores, 'ue Q o nosso caso. Ieste tipo de ação, se fala

de uma utopia-ati#a, 'ue seria um certo mo#imento de )usca por transformaçOes e a)erturas de no#as possi)ilidadesantes ineistentes e impensadas no modo de tra)alho dos atores. stas transformaçOes são )uscadas como poss*#eisa serem constru*dos no presente, no real efeti#o. Assim, a autonomia e a produção ati#a do conhecimento, do agir e dopensar Q 'ue são o fim Rltimo do analista institucional, 'ue se #: apenas como agenciador de no#idades e não comoresponsá#el Rnico e onipotente pelos acontecimentos transformadores.

9 Met!!'!5iaE&trat@5ia 3 O#i+ina& Gr)1ai&= A&&e,<'@ia&= En+!ntr!& !1erati(!&$

a7 Bfereceremos oficinas grupais, di#ididas em tr:s frentes principais de inter#enção, a sa)er- posição de conceitos, no#os sa)eres, estudos de teorias e discursos- Hi#:ncias práticas eperimentais, atra#Qs de tQcnicas art*sticas, dramáticas e dispositi#os corporais.

- Discussão, acolhimento, pro)lemati=ação, troca de eperi:ncias, sensaçOes, refleOes e histórias. staterceira #ertente, ou se@a, o espaço a)erto de discussão e(er% &er ! 1rin+i1a' ,!,ent! e n!&&!&en+!ntr!&, de#endo acontecer em todos os encontros.

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)7 Bs grupos de#erão ser de no m*nimo 9 6cinco7 e no máimo 2 6pessoas7.c7 Bs encontros terão a duração de 30h a 2h 6uma hora e meia a duas horas7, uma #e= por semana 6no m*nimo7.d7 !aremos um primeiro encontro, 'ue nos ser#irá para a apresentação deste pro@eto para os professores. Depois

disso, a)riremos inscriçOes aos intere&&a!&, )e in+')i a ire.0!.e7 Propomos 'ue ha@a um per*odo eperimental de 2 6dois meses7, depois da 'ual será feita uma a#aliação @unto

aos grupos de professores em 'ue será decidido se continuaremos, ou não, o tra)alho por mais 2 6dois7 meses,

totali=ando os 6'uatro7 meses leti#os do primeiro semestre. Depois disso, se a#aliará a possi)ilidade de continuidadedo tra)alho, ou não, no restante do ano leti#o.

9 Cr!n!5ra,a e rea'i*a.0! 3 ! te,1! ! 1!&&7(e' +riati(!

<em)ramos 'ue nosso o)@eti#o não Q apenas o conteRdo, mas a a)ertura de discussOes e trocas de sensaçOes eeperi:ncias em todos os encontros. A'ui apresentamos apenas um plano mutá#el de temas e conhecimentos a serema)ordados durante nossos encontros.

Primeiro +ódulo C 5ntrodutório` +:s de ;ra)alho

7 Primeiro ncontro- Apresentação dos participantes e dos psicólogos.- ;ema o processo de disciplinamento dos corpos, o nascimento do su@eito escolar e o lugar do professor

dentro das sociedades disciplinares e da educação.- /om)inação de horários, datas, honorários e contratação.

27 &egundo ncontro o modelo panóptico e a nossa sociedade de su@eitos auto-go#ernados.37 ;erceiro ncontro B nascimento da noção de stado, do go#erno dos corpos e sua relação com o papel socialda escola.7 uarto ncontro B nascimento da 4iopol*tica, as pol*ticas de controle a)erto e as so)reposição das &ociedadesde /ontrole so)re as &ociedades Disciplinares

2` +:s de ;ra)alho

97 uinto ncontro a produção de #erdade, da norma, de su@eito. As relaçOes de poder-sa)er.?7 &eto ncontro a doença da ra=ão e o pensamento compleo segundo dgar +orin.7 &Qtimo ncontro o lugar do discurso e das práticas discursi#as87 Bita#o ncontro a crise como condição da realidade em Figmund 4auman

- A#aliação do tra)alho e reno#ação do contrato.

&egundo +ódulo - Aprofundamento3` +:s de ;ra)alho

17 Iono ncontro a função da filosofia para a #ida e para o papel institucional07 DQcimo ncontro $i=oma, um conceito da multiplicidade7 DQcimo Primeiro ncontro o nascimento da fam*lia e 6des7edipiani=ação27 DQcimo &egundo ncontro cr*tica ao dese@o da falta e da culpa

` +:s de ;ra)alho37 DQcimo ;erceiro ncontro su)@eti#idade capital*stica C um fluo desterritoriali=ado7 DQcimo uarto ncontro singularidade V indi#idualidade97 DQcimo uinto ncontro diferença diferenciante C uma no#a noção de inclusão social da diferença.?7 DQcimo &eto ncontro 5lWa Prigogine e a noção de dese'uil*)rio, o conceito de de#ir e de metaestá#el.

- A#aliação final do tra)alho e possi)ilidade de recontratação para ao segundo semestre deste ano leti#o.

9 A1re&enta.0! ti+a= C!n+eit)a' e Pr%ti+a 3 Fi'!&!#ia& Pr%ti+a& a Di#eren.a$

a9 N!&&! Gr)1! 3 a 1!tn+ia )Jnti+a

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 Autores da f*sica 'uLntica desco)riram 'ue um farfalhar de asas de uma )or)oleta no Bceano Pac*fico poderia,não se sa)e )em como, causar um furacão no AtlLntico, ou se@a, 'ue um m*nimo mo#imento de forças Q capa= de'ualitati#amente produ=ir efeitos de transformação e criação etremamente potentes para a #ida. ste fen_meno Qchamado de efeito 'or'oleta. T com )ase nisso 'ue nomeamos 6Efeito-Papillon7 nosso grupo de inter#enção e pes'uisaem Psicologia scolar e respaldados por esta conceituação teórico-prática Q 'ue pretendemos agir. !oi em homenagemaos grandes pensadores franceses 'ue em)asam conceitualmente nossa ação 'ue escolhemos a pala#ra francesapara )or)oleta, a 'ual tam)Qm Q s*m)olo de transformação constante e intensa na #ida.

<9 E,<a&a,ent! +!n+eit)a' - Parai5,a ti+!-E&t@ti+!-P!'7ti+!= Genea'!5ia$

/omumente fala-se da importLncia crucial 'ue de#a ter a educação na #ida, ou fala-se da educação como sendoa sal#adora da nação. Io entanto, pouco se 'uestionam os meios e as formas segundo as 'uais se educa, ou mesmoas )ases de pensamento e Qticas 'ue sustentam as pedagogias. "m mero incremento financeiro ou f*sico ao setoreducacional tem muito pouco a contri)uir no sentido de uma pro)lemati=ação produtora de diferença dentro daeducação. uando falamos de um 'uestionamento, estamos falando de um olhar cr*tico, ou se@a, um olhar 'ue produ=adiferença auto-#alorante, não cristali=ada e li#re de @ulgamento moral.

!oucault mostra como nascem as instituiçOes de disciplinamento, das 'uais fa=em parte escola, eQrcito,monastQrios. B autor e#idencia com minRcia e delicade=a como se constituiu um su@eito disciplinar e uma sociedadeinteira funcionando segundo o modelo da disciplina. #idenciam-se as forças micro-relacionais 'ue se constituem paraa formação de um su@eito pedagogi=á#el e de uma escola normali=adora, produtora de cortes e recortes cogniti#os esu)@eti#os muito espec*ficos, os 'uais fundam relaçOes de sa)er-poder, de go#erno da população.

Deleu=e e %uattari, por sua #e=, pro)lemati=am a produção de uma certa modulação de dese@o eistente nasociedade capitalista, em 'ue se naturali=a e se referenda a culpa, a moral e a falta, ou se@a, um dese@o sempre #a=iode pot:ncia. A produção social da su)@eti#idade, nestes termos, fica engolfada dentro de um modelo dicot_mico de #ida,galgado no certo e no errado, no )em e no mal, no )em aprendido e mal aprendido etc. &egundo %uattari e Deleu=e, Qpreciso li)erar a #ida no seu ponto mais intenso, a'uele em 'ue ela se choca com o poder, com as relaçOesestati=adas, )urocrati=adas, endurecidas so)re #alores culpa)ili=antes e reprodutores de eclusão da diferença. Porisso, Deleu=e e %uattari propOem uma raspagem do pensamento, na 'ual se estirpe formas como ideal, @ulgamentomoral, culpa, ressentimento, endurecimento afecti#o. Para %uattari e Deleu=e, a pot:ncia da #ida está na possi)ilidadede afetar e ser afetado, ou se@a, de tocar e ser tocado pela multiplicidade 'ue produ= e Q produ=ida pela #ida. A análiseQtica-filosófica de Deleu=e e %uattari fa= perguntar de 'ue forma se acolhe e se potenciali=a a multiplicidade e em 'uemomentos se a re)ate so)re modos @á congelados de ensinar, #i#er, pensar e agir.

;anto Deleu=e e %uattari 'uanto !oucault pro)lemati=am o tratamento dado ( diferença, ( li)erdade de criação,(s relaçOes de dominação, (s relaçOes micro-fascistas, ( pot:ncia de transformação e ( multiplicidade. Para am)os osautores, a su)@eti#idade Q uma compleidade, ou se@a, Q a #ida real, concreta e cotidiana, 'ue constitui um grande @ogode forças composto por fatores #indos de todas as partes C elementos Qtnicos, componentes pol*ticos, 'uestOes deg:nero, fatores )iológicos, 'u*micos, culturais, Qticos, tecnológicos, cogniti#os, familiares etc. Dessa forma, asu)@eti#idade e o dese@o são produ=idos coleti#a e socialmente, nas micro-relaçOes entre pessoas, nas instituiçOes @ur*dicas, na m*dia, nos la)oratórios etc. 5sso fa= da escola, um importante componente de produção de #ida e desu)@eti#idade e o professor um grande ator institucional, 'ue ocupa uma posição pri#ilegiada e estratQgica neste @ogo deforças e isso, não de forma negati#a, mas principalmente de forma implicati#a. Ião se entende, portanto, ossentimentos e sensaçOes segundo um modelo romanti=ado, ideali=ado e m*stico. bA su)@eti#idade Q uma compleidadede afectos, os 'uais não são a mesma coisa 'ue afetos, ou sentimentos, mas @ustamente tudo a'uilo 'ue toca a #ida,para alQm da'uilo 'ue @á conce)emos, @á #imos ou @á nomeamos. A su)@eti#idade, #ista so) o ponto de #ista dosafectos, pergunta so)re a capacidade dos corpos de serem tocados pela #ida de formas no#as, inQditas, lançando aspro)lemáticas para a relação e não mais para os sentimentos indi#iduais, supostamente produ=idos dentro de umamente, ou de um inconsciente mágico e profundo. B afeto C sentimentos 'ue nomeamos e conhecemos C Q apri#ati=ação do afecto relacional. T a posse 'ue semioti=a gramaticalmente o mo#imento afecti#o, 'ue nomeia esseafecto. A relação afecti#a Q uma onda lançada 'ue alcança outro corpo, esse por sua #e=, 'uando afectado, @á emiteoutra onda, criando, concomitantemente uma rede complea de afectaçOes, as 'uais etrapolam a concepção

indi#idualista e pri#ati=ante de afeto>sentimento. &ão intensidades 'ue se mo#em independentemente da nossadecodificação consciente.

K9 In(e&ti,ent! 1ara ! 1r!Bet!

;ra)alhamos sempre em duplas, para 'ue ha@a sempre a possi)ilidade de circulação das #o=es e,principalmente, das perspecti#as, dos pontos de #ista e das análises. &eremos 3 6tr:s7 profissionais 'ue se re#e=arãoem duplas, a cada grupo.

 Assim, os #alores a serem in#estidos serão os seguintes- por encontro, sendo por profissional psicólogo.

/omo ha#erá 3 grupos diferentes, sendo tra)alhados uma #e= por semana cada um, o in#estimento total mensalserá de

 

 A)ril63 encontros7 +aio69 encontros7 unho6 econtros7 ulho62 encontros7  Agosto62 encontros7

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%rupo A%rupo 4%rupo /;otalmensal

Iestes #alores estão inclu*dos o deslocamento dos profissionais e os horários de estudo, super#isão, discussão

e preparo dos encontros.ste #alor nós apontamos para o primeiro semestre do ano leti#o./aso ha@a a necessidade de tra)alho com mais grupos ou mesmo a a)ertura de um tra)alho com outros atores

institucionais, como alunos, ser#entes, será necessário 'ue discutamos o plane@amento de outro pro@eto, a partir deoutros in#estimentos.

O/quilo em que algu+m se transforma& muda tanto quanto aquele que se transformou.  illes Deleuze