Ferrari F. - Como Estudar Nômades Com Um Pensamento Nômade. Um Campo Em Antropologia

21
Como estudar nômades com um pensamento nômade? Sugestões para definir um campo em antropologia Florencia Ferrari PPGAS - USP Diante de um formulário para pedido de bolsa, o que deve assinalar um antropólogo que se propõe estudar ciganos? Seria "etnologia", por estudar um "grupo étnico"? No Brasil, etnologia, só "indígena". Seria antropologia urbana, caso esses ciganos vivam na cidade; ou antropologia rural caso vivam no campo? Parece que essas separações não fazem sentido. Só sobrou então antropologia das populações afro-brasileiras... Tendo que assinalar o campo, fatalmente o infeliz e desnorteado pesquisador se verá obrigado a fazer um "x" em "outra área antropologia social". [1] Ora, esse embaraço aponta já para algumas questões de ordem teórica. Em primeiro lugar, chama a atenção para certa arbitrariedade na definição dos "campos" de pesquisa em antropologia. Os pressupostos que produzem o formulário e fazem o doutorando se questionar dessa maneira - e que no entanto fundamentam grande parte das pesquisas em andamento nas universidades, bem como os grupos de trabalho da ABA e da Anpocs - tomam como dados conceitos que vêm sendo alvo de crítica por uma linhagem de autores que fazem (direta ou indiretamente) de Gabriel Tarde seu precursor, e que ganha força em vozes contemporâneas. A noção de sociedade, sobre a qual se erigiram a sociologia e a antropologia ao longo do século xx, passa de consenso a pedra no sapato, e leva a uma discussão que põe em dúvida o próprio exercício antropológico. Minha intenção aqui é refletir sobre as respostas oferecidas por esses autores, entre eles Roy Wagner, Marilyn Strathern e Bruno Latour, e, num outro registro Gilles Deleuze e Félix Guattari, fazendo tanto quanto possível uma leitura interessada para a construção de um campo de pesquisa no qual tenha lugar o estudo sobre ciganos. O problema da noção de "grupo social" Relativamente poucos antropólogos dedicaram-se a conhecer "ciganos". Os mais sérios entre eles trataram de esquivar-se do nominativo "cigano", referindo-se ao grupo estudado como "Traveller-Gypsies da Inglaterra", "os Gypsies da Califórnia", ou "os Manush da França" (Okely, Sutherland, Williams), como que evitando generalizações. Há um mal-estar longamente

description

Ferrari F. - Como Estudar Nômades Com Um Pensamento Nômade. Um Campo Em Antropologia

Transcript of Ferrari F. - Como Estudar Nômades Com Um Pensamento Nômade. Um Campo Em Antropologia

Como estudar nmades com um pensamento nmade? Sugestes para definir um campo em antropologia

Florencia Ferrari

PPGAS - USP

Diante de um formulrio para pedido de bolsa, o que deve assinalar um antroplogo que se prope estudar ciganos? Seria "etnologia", por estudar um "grupo tnico"? No Brasil, etnologia, s "indgena". Seria antropologia urbana, caso esses ciganos vivam na cidade; ou antropologia rural caso vivam no campo? Parece que essas separaes no fazem sentido. S sobrou ento antropologia das populaes afro-brasileiras... Tendo que assinalar o campo, fatalmente o infeliz e desnorteado pesquisador se ver obrigado a fazer um "x" em "outra rea antropologia social". [1]

Ora, esse embarao aponta j para algumas questes de ordem terica. Em primeiro lugar, chama a ateno para certa arbitrariedade na definio dos "campos" de pesquisa em antropologia. Os pressupostos que produzem o formulrio e fazem o doutorando se questionar dessa maneira - e que no entanto fundamentam grande parte das pesquisas em andamento nas universidades, bem como os grupos de trabalho da ABA e da Anpocs - tomam como dados conceitos que vm sendo alvo de crtica por uma linhagem de autores que fazem (direta ou indiretamente) de Gabriel Tarde seu precursor, e que ganha fora em vozes contemporneas. A noo de sociedade, sobre a qual se erigiram a sociologia e a antropologia ao longo do sculo xx, passa de consenso a pedra no sapato, e leva a uma discusso que pe em dvida o prprio exerccio antropolgico. Minha inteno aqui refletir sobre as respostas oferecidas por esses autores, entre eles Roy Wagner, Marilyn Strathern e Bruno Latour, e, num outro registro Gilles Deleuze e Flix Guattari, fazendo tanto quanto possvel uma leitura interessada para a construo de um campo de pesquisa no qual tenha lugar o estudo sobre ciganos.

O problema da noo de "grupo social"

Relativamente poucos antroplogos dedicaram-se a conhecer "ciganos". Os mais srios entre eles trataram de esquivar-se do nominativo "cigano", referindo-se ao grupo estudado como "Traveller-Gypsies da Inglaterra", "os Gypsies da Califrnia", ou "os Manush da Frana" (Okely, Sutherland, Williams), como que evitando generalizaes. H um mal-estar longamente discutido por pesquisadores de ciganos em usar o termo genrico e universalizar suas observaes como forma de no reificar esteretipos, obrigando-os a se reportar apenas a um "grupo" de indivduos. Mas, seria o caso de nos perguntar onde exatamente comea e termina esse grupo, e se mesmo de umgrupoque se trata. Cada etnografia faz um esforo em delimitar, definir um grupo, proliferando ressalvas para que o que dito ali no ultrapasse as fronteiras do recorte proposto. E no entanto, as etnografias se conectam por todos os lados. A "ciganidade" atravessa as formaes descritas pelos etngrafos. Minha sugesto que o incmodo que aflige esses antroplogos passa em grande parte pela concepo de grupo social vigente na antropologia, qual suas pesquisas esto sujeitas, e na dificuldade de reconhecer a possibilidade de deslocamento entre pontos de vista em disitintas escalas.

Um artigo no exatamente jovem, publicado em 1974, prope uma questo a toda uma rea etnogrfica: h (realmente) grupos sociais nas terras altas da Nova Guin? Roy Wagner, o indagador, faz na verdade uma provocao que, para bom entendedor, se estende a todo o campo antropolgico. Sua questo poderia ser lida de modo menos restritivo: h grupos sociais? Quer dizer, h grupo no sentido de uma "coisa" concreta, passvel de descrio, uma unidade separada do entorno? Ou a idia de grupo social um modo de pensar e recortar a realidade, filtrada por nossa cultura? A tacada vem como resposta primeiro ao transplante de noes desenvolvidas em um campo para outros lugares do mundo - como chamou a ateno Joanna Overing (1977) sobre a inapropriao do modelo dos sistemas de linhagens africanos para pensar a Amaznia -; mas ela acaba atacando sobretudo o uso despreocupado de concepes ocidentais para caracterizar povos, ou pensamentos, no-ocidentais.

Wagner faz uma revista do conceito de sociedade desde que Durkheim chamara a ateno para a importncia do "social", no final do sculo xix. A ladainha do "fato social como coisa", isto , como algo exterior, supra individual e suprabiolgico a ser estudado objetivamente, e a preocupao com a "integrao" social - no importa quo estranhas sejam as prticas sociais, o que importa que elasfuncionemno sentido de manter a sociedade coesa - foram possivelmente o maior legado deixado para as escolas antropolgicas que se seguiram. Os ingleses, com Radcliffe-Brown frente, desenvolveram o conceito-chave do funcionalismo focando-se na polaridade indivduo/sociedade. O estrutural-funcionalismo, como ficou denominado, admitia tanto a imagem de uma rede de relaes entre indivduos, como a de uma rede entre grupos. Mas, ao se apegar noo de estrutura como conjunto de normas que impem aos indivduos direitos e deveres (propriedade, herana, status) conforme sua pertena a uma coletividade, a chamada teoria da descendncia, e a antropologia social britnica qual ela deu forma, exportou ao estudo de povos tribais concepes ocidentais tais como "poltica", "lei", "direito", "propriedade", ali aplicados "como se" fossem prprios dos nativos, ou como se o sentido que elas tivessem para ns fosse o mesmo que para eles. A concepo de grupo gerada por essas teorias tornou-se hegemnica na antropologia. A antropologia social teria se tornado por um bom tempo "a cincia dos grupos de descendncia" (Wagner 1974: 97).

Essa imagem da sociedade como um universo fechado, no qual pode-se identificar um grupo tnico definido, vivendo sob costumes e instituies que configurariam uma cultura particular, sofreu ataques sucessivos, primeiramente vindos do outro lado da Mancha, com a abordagem estruturalista de Lvi-Strauss, cuja preocupao maior centrava-se nas contradies que operavam na produo das sociedades. Mais do que definir unidades, descrever "termos", trata-se de investir nasrelaes. NasEstruturas elementares do parentesco, "grupo social" ganha um aspecto radicalmente diferente, na medida em que descrito em termos conceituais e simblicos, e no em termos legais e materiais. No se trata mais do grupo A, de tais e tais caractersticas, e do grupo B, com tais e tais outras. A e B, so doadores ou tomadores de esposas (e outras coisas tambm), conforme a situao. So termos intercambiveis, numarelaoque dada anteriormente. [2]

Dessa escola lvi-straussiana, Leach aprendeu a lio que importaria do continente ilha: "Sociedade no uma coisa: uma maneira deordenarexperincia" (grifo meu). [3] Elo entre ingleses e franceses, o autor pode ser visto como detonador da crtica concepo britnica de grupo social a partir da noo de estrutura de Lvi-Strauss, como "relaes de relaes". Ao menos assim reconhecido por Marilyn Strathern, que lhe presta homenagem no debate organizado por Tim Ingold sobre a obsolescncia do conceito de sociedade (1989).

Strathern defende a moo de que o conceito de sociedade obsoleto. Sua argio centra-se na crtica noo de sociedade como "coisa", como entidade discreta, que cria a imagem de um mundo dividido em unidades. Leach j havia mostrado, usando com certa ironia o trabalho de Goody como exemplo, aonde se pode chegar com esse pressuposto: se a inteno classificar para comparar tipos de sociedades, cada discrepncia nos dados de campo entre duas comunidades vizinhas permite subdividi-las em novas sociedades, este procedimento podendo ser levado ao extremo de "demonstrar que cada aldeia no mundo todo constitui uma sociedade distinta que pode ser diferenciada como um tipo, de qualquer outra" ( [1959]2001: 16-17). Na esteira desse raciocnio, e seguindo Gabriel Tarde, diremos que possvel encontrar sociedade em toda parte: cada indivduo, cada clula, cada tomo, "toda coisa uma sociedade, [...] todo fenmeno um fato social" (Tarde 1893, iv, grifos do autor). Se o problema do observador for definir "a ltima unidade", seu trabalho incuo, ou infinito, pois sempre resta algo a ser diferenciado. Como diz Strathern, a diferenciao "corre solta". O que permanece constante nessas diferentes escalas justamente a capacidade de diferenciar. A descrio que se vale da noo de grupo como uma unidade definitiva permanece cega a todo o resto: a todas as outras escalas e pontos de vista que permitiriam ver em campo, muito mais do que um grupo.

Quer dizer, o problema no , com Goody, chegar concluso que os ciganos Calon de Santa F do Sul so um grupo distinto dos ciganos Calon de Birigui, ambas no Estado de So Paulo. [4] Restringir o escopo a um "grupo" delimitado, por mais tranqilizante que seja seu efeito sobre o pesquisador, no resolve a questo, pois naformulaodesta que reside o problema: no h produo de conhecimento nesse tipo de abordagem. Qualquer que seja a concluso, ela dir mais respeito ao que o observador pensa do que ao que pensam e fazem os sujeitos observados. Em outras palavras, segundo esses autores, a preocupao com o fato de haver ou no grupo nossa, no deles; motivo pelo qual temos que nos livrar dela para compreender e dizer algo novo, que faa sentido paraeles.

Resta saber o que seria ento o foco de ateno dessa "escola". Se no h a "sociedade" como algo passvel de ser observado como "coisa", se o termo no deve ser utilizado por nos fazer pensar as populaes como unidades, e os indivduos como partes do todo exterior a eles, um conceito de outra natureza deve substitu-lo: ele deve ser de natureza relacional, e no entitria. Essa substituio deve-se concorrncia de duas fontes distintas. Uma delas, j avanada aqui, vem de Lvi-Strauss, cujo conceito de estrutura privilegia a relao em detrimento dos termos. A outra provm das etnografias melansias, mais particularmente, do "sistema M", como Alfred Gell (1999) denomina o resultado da interao entre a teoria e a etnografia feita por Marilyn Strathern.

A etnografia de Strathern,The Gender of the Giftteria adotado um ponto de vista idealista, isto , ela descreve um mundo em que o real uma idia, ou um sistema de idias mais do que uma coleo de objetos sobre os quais ns ou os outros tm idias. Essa abordagem se ope a um ponto de vista realista, segundo o qual o mundo consistiria numa coleo de coisas que existem independentemente umas das outras e que entram em relaes causais externas. No sistema "M" (fuso de "Melansia" e "Marilyn"), ao contrrio, as relaes so sempreinternas, elas so a base do sistema, e no seu efeito. As relaes no so entre entidades visveis, os termos so entidades ideais, no aparncias perceptveis de objetos no mundo fsico. a relao entre me e filho, ou a que est implcita na afirmao que "4 menor que 5", que interessa autora. "Me" e "filho" no so termos que existem independentes e se associam numa relao posterior. a relao que define os termos. Estes ltimos so idias decorrentes da relao entre eles, dada anteriormente. Ocorre que na Melansia de Marilyn as relaes assim definidas so todas relaes de troca e, alm disso, genderizadas, isto , expressas sob a esttica do gnero. E o que vemos como "coisa", no seno aaparnciade relaes eclipsadas. O porco trocado entre homens no jamaisapenasum porco, no uma "coisa" passvel de ser descrita por sua aparncia, ele , ao contrrio, a objetificao de relaes genderizadas (same sex,cross sex). Um porco contm eclipsadas as relaes entre a porca e o porco que o produziram, mas tambm a capacidade produtiva da mulher que os alimentou, que por sua vez objetifica uma srie de outras relaes tambm eclipsadas. De modo que em cada "coisa" se esconde um mundo de relaes, cuja forma pode ser expressa pela imagem do fractal - objeto de extenso infinita que reproduz em cada escala a forma da escala anterior, mantendo a complexidade e a relao entre seus elementos -, conceito que ser desenvolvido pela autora mais tarde emPartial connexions(2005).Na verdade, "se esconde" parans, que costumamos olhar essas coisas como "coisas", mas entre os melansios de Strathern no h "coisas", tudo apreendido de modo relacional.

O contato com essa viso melansia do que so as relaes sociais permitiu a Strathern estabelecer "conexes parciais" com a teoria antropolgica e com etnografias "at home" e fazer uma crtica ao conceito de sociedade como base da antropologia. Ao defender a moo de que o conceito de sociedade teoricamente obsoleto, Strathern tem o exemplo melansio de relao como paradigma. A partir do contraste entre a nossa noo de indivduo (ou depersonhood) e a noo melansia pode-se aceder ao contraste entre nossa noo de sociedade e o que Marilyn chama de "socialidade melansia". Se, opondo-se a nossa idia de que o indivduo uma entidade discreta, os melansios afirmam que um indivduo no nuncaum, mas a expresso das mltiplas relaes que o constituem, [5] a noo de sociedade como a soma de indivduos independentes forosamente se altera. Assim, o conceito de socialidade, como "matriz relacional que constitui a vida das pessoas" (in Ingold 1996:64) intrnseco definio depersonhoodmelansia, e no extrnseco como o conceito de sociedade em relao ao indivduo - chegando mesmo a opor-se a ele. A noo de "socialidade" portanto uma alternativa no apenas para o uso do conceito de sociedade, mas principalmente um dispositivo terico que permite ver o curso da vida das pessoas junto s quais se vive de outra maneira. Ser preciso ento levar a cabo um relacionismo radical, em que tudo - e este tudo inclui humanos e no-humanos - posto em relao. Nesse sentido, a leitura "da vida como ela " sob a abordagem da imagem do grupo social, privilegia a extrao de uma unidade discreta de um fundo contnuo ou um plasma de relaes e que passa a existir como autnoma por meio da prpria descrio (ou inveno).

Tambm contra essa concepo de grupo, Bruno Latour prope pensar alternativamente aformaode grupo. Embora os tericos sociais, diz ele, se esforcem para definir agrupamentos sociais, "a experincia no mundo social a de estar simultaneamente moldado por diversos chamados possveis e contraditrios de reagrupamento" (2005:28). Sua concepo tardeana do social [6] como umconector- e no como um domnio alternativo e complementar economia, psicologia, lingstica - permite compreender a referncia a um ou outro grupo como "um processo em andamento feito de laos incertos, frgeis, controversos e em constante mutao" (id.). Sua "sociologia das associaes" tem portanto como prerrogativa seguir os caminhos dos atores, seguir os traos deixados por sua atividade de formar e desmantelar grupos, seguir as conexes.

O que Strathern (e Latour, e, veremos, Deleuze) prope justamente o oposto da noo clssica de grupo social. Se a deixarmos de lado, sobra tudo. Passaremos a nos movimentar no outro plano, o do contnuo, em que no se encontram unidades discretas, em que tudo esta conectado, ou pelo menos tudo conectvel. J no se v o social separado em planos organizacional, representacional e relacional. Na abordagem stratherniana, o plano relacional engloba os demais, tornando-os indistintos. O foco vira-se portanto para os modos de ao, as socialidades. Estas ltimas no devem ser confundidas com a sociabilidade, qual muitas vezes associada. A socialidade no carrega nenhuma conotao de reciprocidade como altrusmo e de relao como solidariedade ou de aes econmicas como motivaes econmicas. A socialidade no se restringe s pessoas, ao contrrio, ela a conexo entre homens, mulheres, porcos, canoas, alimentos etc.

Mas esse termo "socialidade" desenvolvido por Strathern j aparecia no artigo citado de Wagner sobre grupos sociais. Wagner apresenta ali uma descrio original de como opera a noo de sociedade na antropologia: "Quando um antroplogo reduz as vidas e imaginaes de seus objetos (sujeitos) em um "sistema" determinista de sua inveno, prendendo em armadilhas suas fantasias e inclinaes com as necessidade de suas prprias economias, ecologias, e lgicas, ele d prioridade ao seu modo de criatividade por cima do deles" (1974:103). Ele j prepara nesse artigo o vocabulrio que desenvolveria mais tarde emA inveno da cultura. "Inveno", "criatividade", "imaginao" so para ele os mecanismos que antroplogos e nativos se valem para produzir "cultura" (ver abaixo). Em 1974, portanto, ele j definia "sociedade" como a inveno de um sistema por parte do antroplogo, levado por suas fantasias e lgicas prprias. Nessa inveno do outro como "sociedade", omodo do nativo fazer suas coletividades se reduz ao nosso modo de produzir grupos. O problema reside ento na formulao de critrios adequados para compreender a "socialidade", definida ali como "a maneira pela qual as pessoas [das Terras Altas] se criam a si mesmas socialmente".

Wagner constri sua argumentao introduzindo nova batelada de questes: Como os povos das terras altas da Nova Guin criam socialidade? O que so os "fatos", conforme os nativos os fazem? Eles tm mesmo um "problema de sociedade" e uma soluo sistmica, ou seus problemas so concebidos de uma maneira totalmente diferente, que apenas indiretamente se relaciona aos agrupamentos sociais? A esses questionamentos Wagner responde com seu campo, sugerindo abord-lo "dos mais variados pontos de vista possveis".

Essa "tcnica" de levantar questes bastante didtica e permite com facilidade transp-la para outros campos. Negaes do modo corrente de indagar o campo - que logo se apressaria a dar o "grupo" como dado, passando ento a descrev-lo, sem se preocupar se a noo vlida para aqueles a quem se est descrevendo -, elas podem servir como ponto de partida para deslocar a viso habitual que se tem dos ciganos. Pode-se extrair como que princpios bsicos para essa nova forma de ir a campo: preciso livrar-se de nossas pressuposies, no reproduzir nossos modelos, tratar de no ver no campo analogias de nossas formas de organizao. Wagner d o exemplo da reorganizao levada a cabo pela administrao colonial, assentando os Daribi em aldeias, isto , grupos tais como ns os entendemos. O fato dessa organizao tornar grupos visveis para o ocidente no suficiente para afirmar que h realmente grupos ali (assim como o fato de eles usarem roupas ocidentais no os torna ocidentais).

Parece-me que a questo de Wagner pertinente para pensar os ciganos. Retrospectivamente eu poderia me perguntar se, quando fui a Santa F do Sul para uma festa de casamento, havia ali umgrupode ciganos. Quais as relaes entre essas pessoas? Ser mesmo que elas se fechariam num sistema, localizvel geograficamente, ou desenhando uma genealogia? No, certamente no. De sada, a festa reuniu pessoas de diversas provenincias: a me do noivo, que vinha a ser irm da av da noiva, e o noivo moravam em outra cidade, perto dali; nos limites da cidade acamparam parentes vindos de Minas Gerais; por outro lado, parentes prximos dos quais se falava constantemente estavam fora, viajando. Talvez, durante os trs dias de festa, pudssemos dizer que o casamento formou um grupo, aquele das pessoas que ali estavam. E a que serviria essa constatao? Apenas para preencher a necessidade do antroplogo de circunscrever seu objeto de pesquisa. Mas justamente disso tudo que queremos escapar. No se trata de circunscrever, e sim de ser levado, no pelos objetos, mas pelossujeitoscom os quais decidimos entrar em relao.

No caso dos ciganos de Santa F eu teria grande dificuldade de descrever um grupo. Embora curto, o campo permitiu perceber que a rede de relaes entre ciganos ultrapassa os limites da localidade em que esto assentados h quarenta anos. Se deixarmos de usar o "filtro" do grupo, e seguirmos a socialidade, ou as relaes que fazem a vida das pessoas, veremos que no h limites para a descrio. Se o recorte for o parentesco, seremos levados a seguir rotas que cobrem todo o Brasil. Se, por outro lado, quisermos delimitar os ciganos por territrios, seremos surpreendidos por sua efemeridade: o seu nomadismo nos prega peas constantemente. No faria sentido escrever um texto sob o ttulo "os ciganos calon de Santa F do Sul". A festa de casamento cria uma estabilizao de um grupo circunstancial que talvez possa ser traado pelas relaes decorrentes da unio de duas pessoas. Mas logo que a festa termina, a vida das pessoas continua, e d lugar a outras formaes. A viagem que est sendo preparada para a semana seguinte j aponta para isso: alguns membros de algumas famlias vo se encontrar com calon de outras cidades, aparentados ou no, e empreendero uma "viagem" para o sul do pas, onde visitaro fazendas para vender acolchoados e cobertores. Somenteseguindo-os seria possvel descrevercomo os ciganos criam socialidade, para, com Latour, acompanhar a pista de Wagner. Segundo me contaram, vo primeiro regio de Americana (SP) para comprar a mercadoria, partindo para outros estados para vend-la. Nessa viagem h provavelmente de tudo: relaes comerciais com gadjes conhecidos, gadjes desconhecidos, encontros com calon parentes, com calon amigos, com calon inimigos, festejos, batizados e sabe-se l mais o qu. Procurar compreender como se do essas relaes, que posies ocupam esses diferentes atores nas relaes, como elas se reproduzem ao longo dos anos, como entram as mercadorias, o transporte, os acampamentos, os lugares nessa rede... esse o trabalho do antroplogo, que dever dizer, por meio dos dados etnogrficos, o que relevante para eles.

Etnografia, ltimo bastio

Antes de partir para a Amaznia onde ficaria entre os Achuar por trs anos, Philippe Descola, foi visitar Claude Lvi-Strauss,

Depois de eu o ter bombardeado com detalhes das tcnicas de pesquisa que eu contava empregar e com os problemas sutis que elas me possibilitariam resolver, ele conclura nosso encontro com essas simples palavras: "Deixe-se levar pelo campo".

Caberia perguntar se alguma vez no foi assim. Quer dizer, se h alguma outra maneira de fazer campo que no seja deixando-se levar por ele. Ou ainda, se o etngrafo capaz de interromper o fluxo do dia-a-dia compartilhado com outros com preocupaes tericas que compartimentem a experincia em cercados de significao. Parece-me pouco provvel. Alis, esse deve ser o motivo pelo qual a etnografia "sobreviveu" demolio conceitual que os autores contemporneos vm fazendo da antropologia clssica. Mesmo entre os ps-modernos - cuja proposta igualmente demolidora, mas narcisista, pouco nos interessa -, a etnografia segue sendo o centro, mesmo que para negar a possibilidade de produo de conhecimento positivo sobre o que quer que seja.

Se o trabalho de campo ainda a grande cartada da antropologia, a etnografia passa a ter um foco especial. Sim, pois nagrafiados dados de campo que reside o ponto de virada para os autores de que tratamos. A questo no seguir o "nativo"em campo- muitos fizeram isto desde Malinowski -, mas sim segui-lona escrita, isto , fazer com que a escrita d conta do modo como se vive em campo; precisofalarcomo nativo. As implicaes dessa proposio no so, no entanto, automticas. As dificuldades aparecem quando se toma conscincia que as descries que ns produzimos dos outros contm, ou melhor, so elas prpriasnossasformas de descrever. Em entrevista a Eduardo Viveiros de Castro e Carlos Fausto, Strathern desfia a importncia da descrio em sua teorizao sobre a Melansia, ao sugerir que mais do que nos modos de pensar, a diferena [entre os Melansios e ns, p.ex.] est nos modos dedescrever:

ns produzimosdescries de ns mesmos que so diferentes daquelas que os melansios produzem de si mesmos. [...] O que estou dizendo que a diferena que existe est no fato de que os modos pelos quais os melansios descrevem, do conta da natureza humana, so radicalmente diferentes dos nossos. (1999: 172)

Strathern projeta a idia de cosmologia - o modo como uma "cultura" pensa - para o seio da discusso proposta por Wagner sobre a noo deinveno da cultura. Dizer que os Melansios pensam diferente de ns no suficiente (alis em certo sentido, sequer possvel dizer isso), pois o problema est justamente emcomo descrever, por meio de nossa cultura, outra cultura, cujaformade descrio diferente. "O estudo da cultura cultura", diz Wagner, "o estudo da cultura na verdadenossacultura"( [1981]2007:??). Ao fazermos antropologia operamos com nossas formas, criamos em nossos termos, usando nossas palavras e conceitos para falar dos significados de outros.

Wagner escreveavant la lettre- publica a primeira edio deA inveno da culturaem 1975 - uma teoria bombstica sobre a idia de "cultura", e seus desdobramentos (mudana e continuidade cultural, a relao entre pesquisador e pesquisado, a prpria noo de antropologia), cuja reverberao pode ser sentida nos autores aqui mencionados, que na ltima dcada avanaram trabalhos na mesma direo. De maneira algo grosseira, o que ele diz que aquilo que ns tomamos como dado, e portanto sequer nos perguntamos a respeito (p. ex. a nossa concepo de natureza), tambm construdo por ns, conseqentemente no deve ser tomado como dado quando se vai estudar outros povos. Aquilo que chamamos e acreditamos ser a "realidade", na verdade inventada por ns, logo, no a mesma realidade que outros povos inventam para si mesmos. Nesta formulao esto implcitas duas novidades: a primeira que no a "maneira de ver" o mundo o que muda quando se passa de uma sociedade a outra, o que muda o mundo mesmo, a realidade. No h, nessa abordagem, um mundo e vrias perspectivas sobre ele; um real e vrias representaes "culturais" (sendo que a nossa a mais verdadeira pois quem define o que esse mundo somos ns com a Cincia). [7] Para Wagner h vrios mundos. Com isto, possvel escapar proposio algo hipcrita do antroplogo ocidental que considera complacentemente o outro com suas "crenas" diferentes, quando na intimidade se sente aliviado por "saber" que as coisas so como a Cincia (o universal) diz que so. " improvvel que encontremos", diz Wagner, "um antroplogo ecolgico to ingnuo a ponto de negar que membros de diferentes culturas reconheam e vivam em diferentes realidades 'subjetivas'; o ponto crucial, todavia, envolve a avaliao da realidade objetiva" (id., cap. 6). Wagner desafia a atuao intuitiva do antroplogo (que leva para campo sua concepo de natureza - do que dado, isto , o seu contexto convencional), propondo que se estabelea umarelaoque inclua as duas compreenses de realidade, a do antroplogo e a de quem ele estuda. [8]

A segunda novidade implcita na sugesto de Wagner que, no encontro com um outro, no caso o antroplogo, os povos que estudamos tambm inventam "cultura". Isto porque, "se nossa cultura criativa, ento as 'culturas' que estudamos, como outros exemplos do mesmo fenmeno, tambm tm de s-lo" (id.), e negar-lhes essa criatividade seria tornar as pessoas e seus modos de vida subservientes a ns, algo, que, todos concordamos, no seria uma atitude digna de antroplogo... Aqui Wagner estica a corda, sugerindo que, nesse sentido, os nativos socomoantroplogos, pois inventam a cultura do antroplogo para eles em seus prprios termos - afirmao que quando lida fora do contexto deixa estarrecida a audincia acadmica. Pois claro que Wagner no pretende que sejamos todos antroplogos do mesmo modo, at porque ser antroplogo no mundo Daribi deve ser to diferente do que ser antroplogo aqui, quanto os conceitos de riqueza, de tempo, ou decargoo so para ns. Strathern (1987) categrica nesse aspecto: imaginar que a antropologia seja a mesma em qualquer parte supor que as sociedades so homlogas em suas tcnicas de teorizao, em suas formas de conhecimento, o que disparatado defender. Mas a idia de que possvel tratar os procedimentos de conhecimento, as prticas nativas em continuidade epistmica s prticas antropolgicas de conhecer (Viveiros de Castro 2002) que permite a Wagner reconceitualizar a prpria antropologia. Se no formos capazes de aplicar essa relatividade objetivamente, a criatividade das culturas que estudamos ser sempre derivada de nossa prpria criao da realidade; e nossas descries permanecero enrijecidas por nossos termos, por nossa maneira de ver e inventar nosso mundo. Mais uma vez, isso no quer dizer que o antroplogo deva "acreditar" nas realidades dos povos estudados, ou que ele deva "tornar-se nativo", mas, antes, Wagner entende que um indivduo que seja capaz de compreender o funcionamento da inveno e da "crena", poder com mais facilidade lidar com significados sem ser "usado" por eles. "Ele ser um antroplogo melhor, um cidado melhor".

A equivalncia entre as criatividades do antroplogo e do "nativo" leva o autor a concluir que "h estilos de criatividade, no tipos de sociedade", o que nos recoloca o problema da descrio. No se trata mais de encaixar os dados de campo em modelos e conceitos pr-concebidos. preciso ir a campo suficientemente aberto para ser afetado pela criatividade do outro, permitindo que nosso mundo se expanda, por meio da descrio, com os conceitos novos que nos so apresentados. Por extenso da concepo wagneriana de cultura como uma dialtica (sem sntese) entre a inveno e a contra-inveno, entre o modo convencional e o modo diferenciante, possvel compreender sua imagem de antropologia. Se a cultura muda [9] a si mesma por meio desse processo em que uma ao diferenciante cria ao mesmo tempo uma contra-ao convencionalizada - assim que funciona a propaganda, vendendo o "novo" - e vice-versa, pode-se entender a antropologia funcionando com a mesma engrenagem: o contato com "outros mundos" alimentando o "nosso mundo" de modos diferenciantes, os quais temos que nomear com novos conceitos, para que mais tarde nosso mundo se amplie e mude, contendo essas novas formas de criar realidade, ou o conflito que elas provocaram. Marilyn Strathern d exemplo desse procedimento ao extrair da etnografia melansia o conceito de socialidade, e conect-lo teoria antropolgica, desempenhando o papel de crtica noo entitria de sociedade. Sem a tenso gerada pela etnografia, talvez o conceito convencional de sociedade no fosse questionado. portanto nessa dialtica que o pensamento se altera.

A antropologia deveria, nesse sentido, se espelhar mais no trabalho de campo que lhe serve de matria, e buscar abolir a distncia entre teoria e prtica: ao invs de tratar de formatar algo nos moldes de nossa cultura (o texto acadmico com categorias pr-estabelecidas pela disciplina), ela deveria explorar todas as conseqncias possveis dessa prtica dialgica, mantendo-se consciente da diferena e da contradio:

As contradies inerentes s vrias abordagens tericas devem ser explicitadas e usadas para elicitar uma comunidade profissional implcita. A tica e as metodologias do trabalho de campo deveriam tornar-se 'transparentes' para a criatividade sob estudo. Deveramos subordinar suas pressuposies e preconcepes inventividade dos 'povos estudados'de modo a no esvaziar previamente sua criatividade no interior de nossa prpria inveno. (Wagner cap. 6)

O mundo convencional ao qual nos apegamos e damos o nome de "cultura", ou "sociedade", apenas a parte "estabilizada" (Latour), do turbilho de aes contraditrias que fazem "a vida". Wagner fala davertigemda chegada a campo. Pois exatamente nesse registro que querem se movimentar os autores de que viemos tratando. Strathern reivindica a necessidade de indissociar teoria e prtica, isto , transpor na escrita a densidade, as contradies e o relacionismo vividos em campo. Bruno Latour prope abandonar a sociologia do social - dedicada ao estudo "do que j foi associado", estabilizado, enfim, a sociologia durkheimiana clssica que estuda "grupos sociais" - e dar lugar "sociologia das associaes". Invocando Gabriel Tarde, o social deixa de ser tomado como um domnio particular da realidade, e passa a ser tratado como um "princpio de conexo", que no distingue o social humano de outras associaes. Tambm inspirados por Tarde, Deleuze e Guattari descrevem sistemas a-centrados, rizomticos, nos quais "a comunicao se faz de um vizinho a um vizinho qualquer" (:27), e "qualquer" significa que a conexo pode e deve ser feita entreheterogneos,enquanto tais. H portanto a possibilidade de ver o mundo (ou os mundos) de outra perspectiva, atentando para o aspecto molecular das conexes, em que o foco est antes narelaodo que no que relacionado. Para Strathern e Wagner esse o mundo vivido, cuja experincia mltipla seccionada pela etnografia clssica em unidades de significao (parentesco, vida domstica, atividades femininas, atividades masculinas, sistemas classificatrios, religio etc.). Faz-se, assim, necessrio escrever conectando tudo, fazendo as conexes existentes visveis, ou, com Latour, traveis.

ComReassembling the social, Latour oferece uma espcie de guia para "seguir as associaes" na escrita. Filsofo de formao e socilogo da cincia de "repartio", Latour escolhe a antropologia como modelo de descrio do mundo; seu objetivo retomar o empirismo e a etnografia que vem a reboque. A tarefa pois traar associaes, seguir os atores, lentamente (slowsociology), e conectar indiscriminadamente seres humanos, animais, coisas, tomos, todos considerados igualmente actantes e participantes desses "coletivos". A ANT (teoria do ator-rede) mais um mtodo do que um objeto. precisotratar as coisascomo redes.Uma boa descrio, nesse sentido, aquela capaz de deixar que os conceitos nativos sejam mais fortes que os do analista, e que guiem o traado. Em lugar de se defender (de si mesmo) com noes como a de "representao", sempre que o antroplogo se vir diante de umaesquisiticenativa, ele deve parar para pensar e tentar conectar: aquela esquisitice pode ser a porta para um outro mundo.

Todos esses autores, cada um sua maneira e em relao a um campo particular, convergem na crtica ao modelo "moderno" (Latour), ou "euro-americano"(Strathern), ou "americano de classe mdia"(Wagner), ou perspectiva do "Estado"(Deleuze & Guattari), tratando de se posicionar em outro plano. A idia de "plat" - no por acaso retirada da etnografia balinesa de Bateson (prova do argumento de Wagner, em que o contato com um contexto diferenciante, os balineses, nos prov de novos conceitos que nos permite expandir e mudar nossa concepo de mundo, e por extenso mudar nosso mundo) - como uma regio contnua de intensidades, em oposio a pontos concentrados e isolados, como multiplicidades conectveis de modo a formar e estender rizomas, pode ser tomada como imagem de apoio para os trabalhos desenvolvidos por cada um dos autores. Os plats reuniriam numa s imagem as noes de relao, conexo, heterogeneidade, perspectiva.

Se assim, como voltar para nossos prprios problemas e pensar os ciganos nesses termos? J sabemos o queno fazer. Ao chegar em campo,notentar formatar grupos,nointerromper uma conexo com idias preconcebidas,noseparar pessoas de coisas. Partido abstratoa priori, mas cujas conseqncias determinam o caminho da pesquisa. o caso ento de imaginar o que seria "seguir as associaes", guiados pelos ciganos. A rede que devemos seguir no uma rede social (apenas entre pessoas), mas as redes de Latour (associaes), Deleuze (rizoma) e Strathern (socialidade), em que no h separao entre humanos e no-humanos. Trata-se de lidar com uma imagem relacional da antropologia. Nos exemplos de Latour, minha impresso de que qualquer rede que nos proponhamos seguir, acabaremos chegando a tomos, genes, camada de oznio, onu. Mas isto porque suaquesto a Cincia, e a relao entre natureza/cultura e poder ali implcita. Que redes nos fariam seguir os ciganos? Dificilmente, suponho, chegaramos camada de oznio... Os problemas que envolvem e mobilizam os ciganos so prprios a eles. Que tipo de "coisas", no-humanas, entrariam nas redes dos ciganos? Ouro, carros, cavalos, cachorros, mantas, trailers, barracas, panos, instrumentos musicais, mortos (mulos). Falaramos ento do devir-trailer do cigano, pois que ciganos e meios de transporte esto conectados, enquanto heterogneos, nesse rizoma? Que conseqncias tiraramos dessas formulaes para descrever o mundo cigano?

No se trata, evidentemente, de enrijecer essas teorias e, de novo, forar o "material" cigano a se encaixar nelas. Ao contrrio, o exerccio est em deixar-se afetar por essas concepes que ampliam nossa capacidade de compreenso da realidade, e que, a cada situao, podem ser acionadas emconexes parciais. Quando se est em campo entre ciganos, no h um sistema centrado, hierrquico, definido, embora haja posies de poder desempenhadas por alguns indivduos; claro que todos participam de distintas redes, com outros ciganos, com diversosgadjes, com outros lugares, com outras "coisas". Um grupo se forma numa cidade, mas logo linhas de fuga explodem desterritorializando aqui e territorializando alhures. [10] Como seria pensar aciganidadecomo multiplicidade? No haveria ciganos, no haveria "grupos tnicos", mas ciganidade, em diferentes graus, em diferentes intensidades. Ogadjecomo um sujeito de ciganidade zero. O cigano em continuidade com as sociedades em que ele vive. Um modelo molecular. A ciganidade como linha de fuga. Comoqualidadedo agenciamento contra o Estado, contra a propriedade privada (seu ideal estar sempre alhures), contra a idia de identidade territorial (ela no existe entre eles), contra o imaginrio da nao (ela permite ser transregional, transnacional, no ser de lugar nenhum), contra o consumismo (ela implica desapego material: uma vida cabe num carro, num trailer, numa barraca), contra a explorao do trabalho (no se empregam,viajam). A ciganidade definida pelofora, como princpio de desterritorializao que estende seu territrio e muda sua natureza ao se conectar a outras multiplicidades. "O cigano desliza por encima da terra / No podendo acima dela, sobrepairado; Jamais a toca, sequer caladamente, / Seno supercalado: de cavalo, carro.", diz Joo Cabral. A desterritorializao constitui sua relao com a terra; ele o vetor de desterritorializao.[11]

Para desenvolver estes desvarios promissores imperativo ir a campo. imperativo buscar ao mximo falar com o nativo, seguir suas associaes, impedir que nossas preconcepes importunem nossa vivncia de outro mundo.

Que antropologia?

Voltando s questes iniciais que atormentavam o pesquisador ao preencher o formulrio, a dificuldade de encontrar um campo de estudo a ser assinalado remete ausncia mesma de um campo que leve em conta a imagem de antropologia que viemos discutindo. O fato das opes parecerem sempre insuficientes para caracterizar o estudo que tenho interesse em desenvolver no gratuito, deve-se institucionalizao de uma imagem da antropologia que pensa o mundo por categorias, que divide a vida das pessoas em "grupos" e "sociedades", que divide o conhecimento antropolgico em "reas". A alternativa a isso a imagem de pensamento dos plats, com foco nacontinuidade. Por esta via, estudar ciganos no se define com o estudo de um grupo particular, mas com o de uma rede de associaes conectada a muitas outras urbanas, rurais, martimas...

No "Pretexto" de seu interessante livro sobre os vivos e os mortos entre os Manuch, no Macio Central, Patrick Williams pede licena, num tom de desculpas, por aproximar sua etnografia sobre os mortos s etnografias de Leonardo Piasere, com Roma da Eslovquia, e de Judith Okely, entre os Traveller Gypsies da Inglaterra. Diz ele: "nous avons tous les trois critiqu la dmarche qui consiste gnraliser tous les Tsiganes des observations faites chez certains Tsiganes et affirm la ncessit, pour chaque nouveau groupe que l'on aborde, de tout reprendre zero" (1993:1). Estes autores esto, a meu ver, entre os melhores etngrafos de ciganos. E no entanto, ao carregar consigo a noo de grupo, perversamente pem barreiras aos seus estudos, perdendo a oportunidade de multiplicar e estabelecer conexes entre suas redes de ciganos. Como seria a etnografia desses autores se eles contornassem a idia de grupo? Ao invs de localizar, restringir um campo, um grupo, no seria mais interessante conect-los?

J falamos da impossibilidade (e irrelevncia) de se chegar a uma unidade ltima e indivisvel de anlise. Os Manuch de Patrick Williams devem apresentar tantas diferenas internas quanto so as diferenas deles em relao aos Roma de Piasere. O problema da unidade de comparao antes de tudo metodolgico. Quer dizer, no , como faz parecer a formulao de Williams,mais legtimogeneralizar numa escala local do que numa escala global, pois mesmo no nvel local a capacidade de diferenciao permanece. Como na imagem fractal usada por Strathern (2004), uma vez definido em que escala se estuda, a quantidade de informao e complexidade a ser comparada e analisada permanece constante. Dizer "os ciganos so..." no a priorium sacrilgio antropolgico, mas no pode ser enunciado em qualquer escala, s funciona em determinado nvel de magnificao. A dificuldade de Williams deve ser compreendida, nos termos de Strathern, como o problema de desproporo que aparece na comparao de elementos de escalas distintas. O problema se reduz ento a definir em que escala se situar em cada momento; o que comparado a o que. Esta formulao, em que relativizamos perspectivas mltiplas, far tudo parecer parcial; e no entanto, se passarmos de uma escala a outra veremos a recorrncia de informaes similares e tudo parecer conectado. O trabalho de conexo parcial torna-se procedente, uma vez que a etnografia Manush se conectar parcialmente a outros materiais ciganos, sem nunca formar um "todo" cigano.

Tutto somato, que antropologia reivindicar para estudar ciganos? Defendemos aqui uma antropologia cuja noo de cultura permita ser ampliada com o pensamento dos povos estudados; cuja etnografia, em lugar de se fechar, se abra, se deixe levar pelos atores estudados. Uma etnografia sem noo de todo, porosa por todos os lados, passvel sempre de ser continuada para alm dos limites impostos pela noo de grupo, de sociedade, de cultura. Uma etnografiavivaz[12] dos ciganos, que faa rizoma com a sociedadegadje; Ou uma etnografia que se permita basear na imagem fractal da praia, em que a distino entre areia e mar sempre transposta a um nvel mais reduzido, como que a postergar ao infinito uma separao, [13] buscando manter a continuidade o mximo possvel.

O desafio ser ir a campo e desenvolver as questes que me interessam particularmente - as relaes entre ciganos egadje, de quem falam o tempo todo - com essa nova imagem da antropologia. "Desafio" porque ao menos aparentemente os ciganos eles prprios operam pelas dicotomias das quais buscamos escapar aqui: a separao do mundo entre puro/impuro, interior/exterior, cigano/gadje recorrente em seu discurso. Partindo de uma suposta continuidade com os ciganos - semelhante que sups Strathern quando realizou sua "antropologia em casa" sobre parentesco em Elmdon -, conectaremos parcialmente este balano terico e trataremos de avaliar seus rendimentos. Talvez cheguemos, como Strathern, a outras descontinuidades, mas importa que elas no sejam dadasa priori. Consideraremos que um grupo j no uma unidade de estudo, e portanto nos levaremos pelo que dizem e fazem os ciganos ao traar rotas, ao se relacionar com pessoas, coisas, lugares.

Esta bibliografia parece especialmente pertinente para pensar linhas gerais de meu projeto de pesquisa, em que eu sugiro uma teoria cigana da fronteira. Ela permite inverter o sentido da diferenciao entre Calon/Rom egadjes, mostrando que essa preocupao com a fronteira o outro lado da profundaconexoentre eles. O problema, em termos deleuzeanos no ser compreender ciganos numa equao "ciganos ou gadje", mas, ao contrrio, ser substituir a conjuno alternativa por uma aditiva: como pensar "ciganosegadjes".Isto reforado pelo fato de que uma das principais caractersticas recorrentes entre esses grupos de famlias que se designam Romou Calon seu convvio cotidiano e inevitvel com a sociedade ocidental, desde que se sabe algo deles. O cigano intrinsecamente um ser-para-o-outro, heternomo; sua relao de alteridade com a sociedade que o entorna dada.

Ainda, o modelo molecular e de linha de fuga nos serve como uma luva para refletir sobre uma intuio deJudith Okely sobre a origem dos ciganos, da qual compartilho: embora se saiba que tenham vindo da ndia,[14]pela lngua que falam derivada do hindi, sua efervescncia no Ocidente coincide historicamente com o final do feudalismo e incio do capitalismo; com os grandes xodos rurais e o surgimento e adensamento das cidades. Na esteira de Okely, nada impede que levantemos a hiptese de que determinado grupo de descendentes de prias da ndia,[15]que se mantinha cuidadosamente separado dos habitantes dos lugares aonde chegavam, tenha atrado resduos de uma sociedade em desintegrao e rearranjo, graas aos ideais e valores que era capaz de mobilizar a despeito da presso externa. A hiptese, que s pode ser comprovada pelo trabalho do historiador, oferece antropologia a oportunidade de pensar teoricamente um modelo de alteridade particular, no qual o campo da fronteira no se desenha pelo contato entre duas sociedades separadas como entidades, em que duas formas de pensamento tm bases distintas e buscam um terreno de comunicao, como o caso colonial clssico que deu origem disciplina. No modelo aqui proposto, seria interessante pensar uma base comum: os ciganos nascem h pelo menos cinco sculos no seio do Ocidente e conhecem perfeitamente seus valores (comerciam com ocidentais, falam a lngua nacional, assistem televiso, eventualmente vo escola...), no entanto, no se integram a ele, como se poderia esperar se levarmos em conta estudos de imigrao, por exemplo, que observam a assimilao de um grupo de estrangeiros sociedade local em poucas geraes. Os ciganos parecem gentes de outro tipo: vivem rodeados degadjese aceitam suas regras, mas no sem uma resistncia muito regrada, que evita a mistura e, graas a isso, permanecem ciganos.

Voltamos assim ao problema de que antropologia adotar para estudar ciganos. Bruno Latour prope uma antropologia simtrica, mas o sentido dessasimetriateria que ser ampliado para dar conta de objetos que no sejam especificamentecentraisna sociedade ocidental, como a Cincia. Os ciganos no seriam o central dessa sociedade, mas sua linha de fuga. E no entanto, compreender como funcionam as linhas de fuga parece-me to relevante quanto compreender o territorializado, o Estado. As linhas de fuga falam desse centro, mas desde outra perspectiva. Desde que tomado como linha de fuga, e no como grupo, o lugar equvoco do cigano capaz de expressar muito do que no estabilizado, do que no oficial, do que no foi capturado pelo Estado, e essa a pertinncia de seu estudo.

Seria ento necessrio reivindicar uma nova cadeira, ou novo campo de pesquisa, para a "Antropologia em casa" definida por Strathern, que me parece suficientemente ampla para abarcar pesquisas sobre laboratrios cientficos, partidos polticos e ciganos. Como ela esclarece bem, nem sempre a antropologia em casa ser auto-antropologia. Esta implica queos conceitos estudados sejam contnuos aos dos utilizados pelo pesquisador, como o caso da antropologia da cincia de Latour. Mas a antropologia em casa inclui tambm descontinuidades. Apesar de compartilharmos lngua, nacionalidade, religio, e tantas outras coisas, no podemos dizera priorique usos os ciganos fazem delas. Okely mesmo relatou como teve de aprender "outra lngua" usando as mesmas palavras da sua prpria lngua ao se referir ao Traveller. Se a roupa ocidental, a configurao em aldeias ou a evangelizao no fazem dos ndios menos ndios, o mesmo podemos intuir acerca dos ciganos: mesmo o familiar no deve ser tomado como anlogo a nossa maneira de compreend-lo, ele deve ser tratado como extico, como algo a ser compreendido. Podemos pensar os ciganos como um grupo? No, aonde parece que o problema acaba ele apenas comeou.

NOTAS

* Ref. Trabalho final do curso: Simetria, Reversibilidade e Reflexividade na Antropologia Contempornea, Marcio Goldman, 1 semestre de 2006, PPGAS-USP.

1. "Esta uma histria real". Os campos so as opes fornecidas pela Fapesp para preenchimento de formulrio de bolsa de doutorado.

2. Mais tarde, nasMitolgicas, embora o foco no seja este, a noo de grupo ainda presente nasEEP "explodida" pelas interminveis sries de relao e transformao que fazem os mitos. Deixando de lado a idia do universal (que pressupe um mundo dado igual para todos), Marilyn Strathern assume em sua obra este legado estruturalista que privilegia as relaes e as transformaes.

3. Wagner atribui aos construtos estruturalistas o advrbio "groupy", "gruposos", apontando a dependncia da explicao estruturalista da noo desistemapara pensar a organizao social.

4 E tampouco, num nvel mais alto, que "os ciganos" so um grupo distinto dos "gadje". De nada servem estas "concluses".

5. Nos termos de Deleuze e Guattari, em lugar de indivduo, pensaramos emmultiplicidade, rompendo com a idia de unidade, e no seu lugar apostando na continuidade, numa rede em que tudo est conectado.

6. Tarde afirma vigorosamente que o social no constitui um domnio particular da realidade, mas umprincpio de conexo; que no h nenhuma razo para separar o social humano de outras associaes.

7 Ao defender a idia de diversidade cultural, a antropologia reconheceu nos outros povos distintas "culturas". No entanto, a noo de "cultura" ela mesma "euro-americana", como a antropologia: "Um componente essencial do conceito antropolgico de Cultura seu deslocamento a um plano de transcendncia: 'ns' e 'eles' somos equivalentes na medida em que mantemos com a Cultura (conceito) uma mesma relao: todos pertencemos a uma cultura (efetuao). Note-se que a relao entre 'ns' e 'eles' no direta, mas intermediada por um terceiro termo, atravs do qual se ligam de modo quase totmico ("a relao que eu mantenho com a Cultura homloga que fulano mantm"). Trata-se, de fato, menos de uma relao que de umacorrelao. O problema que o termo de transcendncia (o conceito de Cultura) provm de um dos termos correlacionados ('ns') no plano de imanncia." (Gordon 2006).

8. H ecos desta discusso na contraposio que faz Homi K. Bhabha (1998) entre "diversidade cultural" e "diferena cultural": a diversidade cultural seria a representao de uma retrica radical da separao em culturas totalizadas, "intocadas pela intertextualidade de seus locais histricos, protegidas na utopia de uma memria mtica de uma identidade coletiva nica."(idem:63); Enquanto que o sentido que Bhabha confere a "diferena cultural" prope abandonar a idia simples de mltiplas culturas, para pens-lasem situao, quer dizer, a cultura s emerge como tal, quando sofre um embate com outra cultura e nele se percebem as diferenas. A diferena cultural deixa de se um dado para se transformar em um processo deenunciaoda cultura, em que se constroem sistemas de identificao cultural. Anegociaoseria a forma de compreenso da relao entre essas realidades em contato.

9. Ao argumento de Christina Toren contra a idia de socializao, subjaz uma teoria de mudana social compatvel com a de Wagner: um beb no "moldado" pela sociedade - formulao que implica uma exterioridade da sociedade em relao ao indivduo. Se assim fosse, o mundo no mudaria, seria mera repetio, alis no seria possvel explicar como o mundo se tornou o que ele . Ela defende, ao contrrio, que "s podemos conhecer o mundo em e atravs de relaes com outros" (in Ingold 1996:74), tambm de acordo com a noo de socialidade de Strathern. Nessa perspectiva, uma pessoa sujeito e objeto histricos das aes de outros, produtor e produto de significados infinitamente variados, no arbitrrios, decorrentes das relaes sociais. Nos termos de Wagner, cada "novo" indivduo que nasce, contribui com um modo diferenciante a este mundo convencionalizado, alterando-o. Cada indivduo uma potencialidade de mudana.

10. A relao aparentemente direta entre o "Tratado de nomadologia" com o nomadismo cigano deve, no entanto, ser traada. Isto porque, embora nmades, as abordagens dos pesquisadores seguiram sempre o modelo molar, da territorializao, eles foram sempre tratados sob a tica dogrupo.

11. O desenvolvimento de uma abordagem deleuziana dos ciganos ter que ser adiado. Me limito aqui a levantar hipteses de conexo.

12. Em Botnica, "vivaz", diz-se de planta que apresenta rizoma...

13. Como o paradoxo de Zeno contra o movimento, segundo o qual uma flecha, ao ser lanada, jamais alcanar seu alvo, porque antes dever percorrer a metade do caminho, e antes a metade da metade, e antes a metade da metade, e assim at o infinito.

14. Conjetura-se que, sados da ndia, tenham permanecido nos domnios bizantinos dos sculos x a xv, quando partiram em direo ao continente europeu e, no sculo xvi, teriam se espalhado tambm pelo Novo Mundo. Dados lingsticos e recentemente, estudos provenientes da gentica comprovam a tese (Iovita &Schurr 2004)

15. De onde pode ter herdado no s a lngua, como a ideologia do puro/impuro, e onde o nomadismo pode ter uma explicao mais conjuntural e menos cosmolgica.

Bibliografia

Abraham, Ralph. "Human Fractals: The araesque in our mind". [mimeo]

Bhabha, Homi K.O local da cultura.Belo Horizonte, Humanitas - Editora ufmg, 1998.

Deleuze, Gilles & guattari, Flix. 1980.Mille Plateaux. Minuit, Paris. (Plats 1, 2, 3, 9, 12).

Gell, Alfred. 1999. "Strathernograms: or the Semiotics of Mixed Metaphors. In:The Art of Anthropology. Essays and Diagrams. London/New Brunswick: The Athlone Press.

Gordon, Flvio. 2006. "O Sexo dos Caracis": sugestes para uma antropologia reversa, disparativa e contra o Estado. inAbaet(http://abaete.wikia.com)

Ingold, Tim (ed.). 1996.Key Debates in Anthropology. London: Routledge.

Iovita, Radu & Schurr, Theodor. "Reconstructing the Origins as Migrations f Diasporic Populations: the Case of the European Gypsies", inAmerican Anthropologist,v. 106, 2004.

Latour, Bruno. 1991.Jamais Fomos Modernos. Ensaios de Antropologia Simtrica.

Latour, Bruno. 1996.Petite Rflexion sur le Culte Moderne des Dieux Faitiches.

Latour, Bruno. 2005.Reassembling the social- an introduction to Actor-Network-Theory. Oxford: Oxford University Press.

Leach, Edmund. [1959] 2001.Repensando a antropologia. So Paulo: Perspectiva.

Strathern, Marilyn. 1987. "The Limits of Auto-Anthropology". In: Anthony Jackson (ed.).Anthropology at Home: 16-37. London: Tavistock.

Strathern, Marilyn. 1999. "No Limite de uma Certa Linguagem". Mana.

Strathern, Marilyn. 2005 [1991].Partial Connections. Lanham: AltaMira Press.

Tarde, Gabriel. 1893 [2006].Monadologia e sociologia, trad Paulo Neves. Cosac Naify: no prelo.

Viveiros de Castro, Eduardo. 2002. "O conceito de sociedade em antropologia", inA inconstncia da alma selvagem. So Paulo: Cosac Naify.

Viveiros de Castro, Eduardo. 2002. "O nativo relativo".Mana-Estudos de Antropologia Social, Rio de Janeiro, volume 8, nmero 1. pp. 113-148.

Wagner, Roy. 1974. "Are There Social Groups in the New Guinea Highlands?", in Murray J. Leaf (ed).Frontiers of Anthropology: An Introduction to Anthropological Thinking: 95-122. New York: D. Van Nostrand Company.

Wagner, Roy. 1981.The Invention of Culture. Chicago: The University of Chicago Press. [traduo citada:A inveno da cultura, trad. Marcela Coelho de Souza. Cosac Naify: 2007 no prelo)