Feudalism o

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Feudalismo. I. QUESTÕES GERAIS. — O sistema feudal na sua maturidade, outra coisa não é senão o produto da tentativa régia, parcialmente conseguida, de substituir uma nova classe dirigente de origem monárquica pelas velhas castas dirigentes, formadas tradicionalmente, pelos diversos grupos étnicos populares germânicos. Só que a capacidade insuspeita desta nova classe se auto-reproduzir fez com que os monarcas perdessem quase completamente o controle do sistema: portanto, concebido como realidade substancialmente centralizada, o ordenamento feudal assumiu, em breve, as características do mais acentuado fracionismo. E a história do Ocidente ficou irremediavelmente marcada. Estas observações permitem imediatamente duas constatações de métodos: a primeira é que, por feudalismo, nos referimos aqui exclusivamente àquele fenômeno tipicamente europeu-ocidental, que viu sua aurora concreta na época carolíngia (séculos VIII-IX) e conheceu seu definitivo ocaso — como sistema de Governo local — na época da Revolução Francesa: isto é, àquele fenômeno que, nascido entre os francos, na própria França viu consagrada sua condenação. As outras formas ou sistemas feudais que, em diferentes civilizações e em épocas diversas, se manifestaram (o chamado Feudalismo "chinês", "indiano", "otomano", etc.) não são, a nosso ver, senão sociologicamente — de acordo com a tentativa de Max Weber — aproximáveis ao Feudalismo ocidental; mas, historicamente, os antecedentes e a evolução não podem ser comparados. A segunda constatação de método é que um tipo de avaliação como o indicado aqui faz derivar o sistema feudal substancialmente da realidade social e política, dos níveis culturais e das crises do mundo germânico da Alta Idade Média. Fossem quais fossem, em época antiga ou tardo-antiga, os fatores determinados ou as técnicas de Governo que podem ser considerados como precedentes do Feudalismo (a immunitas, por

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Feudalismo.I. QUESTES GERAIS. O sistema feudal na suamaturidade, outra coisa no seno o produto datentativa rgia, parcialmente conseguida, de substituiruma nova classe dirigente de origem monrquica pelasvelhas castas dirigentes, formadas tradicionalmente,pelos diversos grupos tnicos populares germnicos.S que a capacidade insuspeita desta nova classe seauto-reproduzir fez com que os monarcas perdessemquase completamente o controle do sistema: portanto,concebido como realidade substancialmentecentralizada, o ordenamento feudal assumiu, embreve, as caractersticas do mais acentuadofracionismo. E a histria do Ocidente ficouirremediavelmente marcada.Estas observaes permitem imediatamente duasconstataes de mtodos: a primeira que, porfeudalismo, nos referimos aqui exclusivamente quelefenmeno tipicamente europeu-ocidental, que viu suaaurora concreta na poca carolngia (sculos VIII-IX) econheceu seu definitivo ocaso como sistema deGoverno local na poca da Revoluo Francesa:isto , quele fenmeno que, nascido entre os francos,na prpria Frana viu consagrada sua condenao. Asoutras formas ou sistemas feudais que, em diferentescivilizaes e em pocas diversas, se manifestaram (ochamado Feudalismo "chins", "indiano", "otomano",etc.) no so, a nosso ver, seno sociologicamente deacordo com a tentativa de Max Weber aproximveis ao Feudalismo ocidental; mas,historicamente, os antecedentes e a evoluo nopodem ser comparados.A segunda constatao de mtodo que um tipo deavaliao como o indicado aqui faz derivar o sistemafeudal substancialmente da realidade social e poltica,dos nveis culturais e das crises do mundo germnicoda Alta Idade Mdia. Fossem quais fossem, em pocaantiga ou tardo-antiga, os fatores determinados ou astcnicas de Governo que podem ser consideradoscomo precedentes do Feudalismo (a immunitas, porexemplo), parece-nos dever concluir que aquelesfenmenos tardo-romanos no podem ser vistos, nomximo, seno como uma indicao de tendncia. Mas,na realidade sem fazer arqueologia jurdica , taisinstitutos, prxis ou indicaesmostraram seu sentido muito particular somente luzda experincia germnica e assumiram, dessa forma,um valor original, de acordo com a experinciaparticular e substancialmente novssima doFeudalismo franco-carolngio.II. A PRXIS DA FIDELITAS GERMNICA. Ofenmeno do Feudalismo parece nascer daquela antigaprxis dos povos germnicos povos por muitotempo nmades e, portanto, guerreiros de fazerentrar no squito (trustis) do rei adolescentes muitojovens, para que se aperfeioassem no uso das armas eganhassem dessa forma honras e riquezas. De fato, orei germnico no era, na origem, seno um chefepoltico ocasional; na realidade, era apenas o chefemilitar da natio germnica, eleito a cada vez pelopovo para gui-lo nas diversas expedies. Assim, orei era um pouco (e somente) o smbolo e o modelodas virtudes militares de seu povo. Um mestre, quasediramos, de escola de armas, junto de quem os jovensdas famlias mais nobres iam aprender.Embora um tanto convencional, esse esquemainterpretativo baseado em algumas famosaspassagens de Tcito permite facilmente reconstruiras origens daquela "comitiva" rgia que vemos agirem idade histrica, na poca das migraes dos povosnos territrios do Imprio Romano, quando o institutomonrquico se estabilizara como forma continuativa deguia poltico-militar das nationes germnicas. Asfiguras do vassus franco e do gasindio longobardoesto bem documentadas pelas mais antigas fontesliterrias e jurdicas existentes.Mais tais fideles, ligados ao rei pelo vnculo de umaconsaguinitas quase sagrada, porque decorrente docomum risco e solidariedade em batalha, perante amorte, originariamente no eram titulares de nenhumpoder particular ou funo especfica, embora sualigao com o chefe do povo lhes assegurasse umaposio honorfica notavelmente influente. Alm disso,o povo continuava a ser governado segundo otradicional esquema familiar-gentilcio, segundo oqual os chefes de cada grupo (Fara, Sippe, etc.) eramdefinidos, no com base na sua relao com o rei, massomente em decorrncia de seus laos de influncia,prestgio ou predomnio perante o prprio povo. Demodo que, quando esse povo se fixava em sedesestveis, em conseqncia das conquistas no Oeste ouno Sul da Europa, o mesmo mecanismo definia ahierarquia provincial e territorial. O chefe do grupo,eleito pelo grupo, se tornava automaticamente chefedo distrito.Por outra parte, porm, a evoluo do institutomonrquico, comportando uma acentuao deFEUDALISMO 491funes, fez com que, para os nascentes ofcios dopalatium rgio, fossem natural e predominantementechamados os fideles da "comitiva" rgia, quecomearam assim a desempenhar um poder polticoconcreto, no porm como vassi, mas somente comofuncionrios, embaixadores e ministros do rei. Naausncia de qualquer autntico conceito de Estado,pareceu natural aos novos reis germnicos do Ocidenteapoiarem-se preferentemente em pessoas que tinhamligado os prprios destinos sua pessoa, fsica eindividual. Os fideles do rei foram, portanto, chamadosa desempenhar funes centrais e tambm provinciais,em concorrncia, porm, e em condies de fraquezaem relao s estruturas e s formas substancialmenteautrquicas do poder poltico territorial.Nesta permanente diarquia e conflito de poderesentre o rei, no centro, e os diversos grupos familiarese tribais, nas provncias, residia como sabido a causa principal de todas as fraquezas dasfragilssimas construes polticas criadas pelosgermnicos no Ocidente (agravadas por outras tenses:as havidas com os grupos romnicos mais numerosos,o conflito religioso entre arianismo e catolicismo,etc). Por conseqncia, estas estruturas, ou searruinaram uma aps outra devido aos ataquesexternos (visigodos, longobardos, borgonheses,vndalos, etc), ou ficaram largamente paralisadas (oexemplo maior dessa paralisia o conhecidssimo dosreis francc-merovngios: os chamados rois fainants).III. O ENFEUDAMENTO DOS VASSI RGIOSCOMO INSTRUMENTOS DE GOVERNO. Foiexatamente a necessidade de reforar o poder rgioentre os francos que levou utilizao sistemtica daestrutura vasslica tradicional na rea poltica; amudana da dinastia, isto , a substituio dosmerovngios pelos carolngios, induziu estes ltimos desde o tempo de Pepino o Velho e de Carlos Martelo(portanto, antes ainda da ascenso ao trono dosgrandes mordomos do reino) a procurarem novoslaos diretos com o mundo popular, ligado aosesquemas tradicionais (e prpria dinastiatradicional). No podendo ampliar, por motivosobjetivos, para alm de um certo limite, o poderbaseado na relao de sangue e de famlia a nicarelao slida e verdadeira no mundo germnico ,foi preciso recorrer utilizao daquela relaoparticular de affectio, de familiaritas, criada pelovnculo vasslico.Dessa forma, essa relao se enriqueceu e setransformou: para ter fideles nas diversas regies, paraenraiz-los na terra, o rei concedia em beneficium aoseu vassalo uma poro de terra tiradaoriginariamente dos bens do fisco ou das Igrejas,territrio concedido, no como propriedade, mascomo precarium (isto , ad nutum regis, atravs deum instrumento patrimonial unilateral e concessograciosa revogvel a qualquer momento), de cujaexplorao agrcola o vassus tinha que tirar os meiospara se manter, armar-se e zelar pelos interesses dosoberano na regio circunstante.A relao vasslica se completou, ento, atravs dobenefcio, com um contedo concreto (embora aindacom valor obrigatrio e no real), constitudo, emgeral, por aquele bem que, numa economiapredominantemente natural como a da pocacarolngia, no podia seno apoiar-se na terra: aconcepo do beneficium-feudum se tornou o fatorcaracterstico do Feudalismo franco, primeiro, eocidental, depois, tanto que aquilo que era o simplesobjeto do negcio dar significativamente seu nome atoda relao (relao feudal). A necessidade de criarcom o vassus enfeudado um vlido contrapeso tradicional organizao territorial trouxe, comoconseqncia, que o mesmo vassus fosse isento dasprestaes pblicas que eram geridas nas provnciaspelos poderes tradicionais: desta forma, o vassus nopagar ao comes nenhum imposto, no se enquadrarna repartio militar do territrio local, no estarsujeito jurisdio do magistrado local: emconseqncia de todos estes privilgios, o vassusestar subordinado direta e somente ao rei.Uma ampla ramificao feudal deste tipo permitiuao rei um controle muito maior sobre a realidade tribalda provncia tradicional, assegurando-lhe uma fidelitasgeral bem maior.A funo militar do vassus certamente primria,mas no exclusiva. Isto permite rejeitar a famosatese de Brunner sobre a difuso do feudo franco comorelacionada com as necessidades militares em que seencontrou Carlos Martelo, na poca da ameaa rabecontra a Frana centro-meridional; na realidade oprocesso de transformao do vassus em feudatriocomeou muito- tempo antes, por motivos polticosbem precisos, embora as necessidades militarescriadas pela invaso rabe certamente favorecessem asistemtica difuso do instituto.Com base em todas as fontes conhecidas, oinstituto feudal, como negcio jurdico, pode serdefinido como uma espcie de contrato-desigual,privado, mas com crescente relevncia pblica. Ovassus jura fidelitas ao seu dominus, que lhe promete,por sua vez, a prpria tuitio (defesa); a cerimnia freqentemente acompanhada de palavras sagradas,do abrao e do beijo. Logo aps, o dominus transmiteao seu novo homo a492 FEUDALISMOtitularidade cujo contedo foi se transformando empossessio e em plenum dominium sobre os territriosdoados com as respectivas imunidades. Nesta relao,a importncia beneficiria cresceu cada vez mais emrelao importncia sacramentai, de tal maneira que,na Itlia, ainda em poca muito remota, a concessodo feudum precedia, ao invs de seguir, osacramentum fidelitatis; isto , a fidelitas (relaotico-espiritual) estava tambm externamentesubordinada concesso do feudo (relaopatrimonial).IV. AS REAES PARTICULARES: A FRAGMENTAODA SOCIEDADE. Nestas bases, o complexo e hbridoinstituto feudal se difundiu por toda a Europa dosculo IX, levado pela conquista franca, e assumiutanto maior importncia quanto maiores eram asexigncias do novo imperador franco-germnico emcontrolar realidades estrangeiras e populaesciumentas da prpria autonomia. Mas as limitaes daaplicao de esquemas privados para governarrealidades pblicas, mesmo no "Estado de associaoindividual", que foi a mxima experincia polticagermnica, segundo Mitteis, apareceram logo que aprpria difuso do sistema . feudal induziu ou obrigouo rei a conferir, a ttulo feudal, os grandes cargoscentrais ou o Governo das reparties provinciais, isto, transformando o officium em beneficium. Dessemomento em diante, que teoricamente foi o demximo esplendor do Feudalismo monrquico,porque permitia a substituio integral de todos osvelhos grupos dirigentes locais e provinciais por vasside origem rgia, o sistema feudal comeou afuncionar contra a centralizao monrquica: deinstrumento nas mos do rei, o Feudalismo setransformou em instrumento fundamental nas mosdas novas aristocracias locais.De fato, parte de que, muito freqentemente, ovassalo rgio investido dos mximos poderes feudais(condado, marquesado, missado, etc.) no era outracoisa seno o novo expoente dos velhos podereslocais de estirpe ou de famlia, o prprio dado dosucesso do instituto induziu a grande feudalidade autiliz-lo em seu favor, construindo com os mesmosmeios sua disposio uma hierarquia feudalsubstancialmente idntica quela que o soberano tinhadifundido em todo o Estado. Em decorrncia disso,devido fraqueza crescente e natural da relaohierrquica dominus-vassus, criara-se uma paredeimpenetrvel ao poder soberano nas provncias queiniciavam aquela progressiva autocefalizao efragmentao, que constituem o dado maiscaracterstico da sociedade feudal no seu apogeu(sculos XXI I ) .O Estado feudal permanecia intacto, mas, de fato, osoberano tinha-se afastado progressivamente doshabitantes do Estado (no se pode obviamente falarde sditos). Isto parece claro, quando um soberanocomo Carlos o Calvo teve de aderir ao capitular deKiersy (Capitulare Carisiacum), no ano de 877, noqual, para alm das distines e limitaes formais, apraxe consuetudinria feudal baseou a sucessohereditria quanto aos grandes benefcios. A fidelitasdo herdeiro do feudatrio defunto herdeiroidentificado segundo as estritas regras do direito defamlia era imposta ao soberano como vlida paraa sucesso no vnculo feudal e no gozo da funopblica; a relao fiduciria bilateral, em suma, eradestruda pela necessidade dos feudatrios emassegurar aos prprios descendentes a sucesso nocargo pblico. O beneficium e o seu usufruto eram jmais importantes do que a fidelitas, causa originria efundamental do negcio. notrio como este processo se desenvolveu echegou Itlia sede de uma experincia feudalmuito mais particular para assegurar a sucessohereditria nos prprios benefcios menores (Edictumde beneficiis, de Conrado II, 1037), uma deciso pelaqual a monarquia conseguiu, de alguma forma,revidar, grande aristocracia feudal, o golpe sofridoum sculo e meio antes, mesmo que esse ato,aprofundando a desagregao do sistema feudalitaliano, selasse sua fragmentao que devia perdurarpor sculos, identificando-se com a atomsticaexperincia comunal. muito fcil, de fato,identificar no Edito de Milo de 1037 o antecedenteda sucessiva experincia das comunas urbanas, comonova forma de organizao da pequena e mdiafeudalidade italiana.Nos lugares onde as terras, que no conheceramessa fragmentao estabilizada e definitiva,conseguiram, em presena de outros elementos,recuperar mais rapidamente seu tecido nacionalunitrio atravs do reaparecimento do institutomonrquico, a experincia histrica italiana eracondenada, pela pulverizao do sistema feudal comoinstrumento de Governo local, a uma larga e secularpulverizao poltica.