FEVEREIRO 2012

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E D I T O R I A L ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, FEVEREIRO/2012 - ANO XV - N o 181 O ESTAFETA Foto Arquivo Pró-Memória Este fevereiro é especial. O ESTAFETA faz aniversário. Ao com- pletar 15 anos de circulação efetiva e regular, esse informativo se firma como veículo de comunicação, tendo al- cançado o objetivo maior para o qual foi criado: estabelecer um vínculo com a sociedade divulgando os trabalhos da Fundação Christiano Rosa e editando temas voltados para a educação, meio ambiente, história, cultura, ciências, engajamento e crítica social. Suas publicações são as mais diversas. Sem preferência, seus articulistas não se detêm apenas a assuntos locais, escre- vem sobre temas regionais, nacionais e universais, como devem ser tratadas as questões de relevância, contribuindo de forma inequívoca para o debate de ideias e discussão de assuntos que levam a desenvolver o espírito crítico e a formação da cidadania. É digno de destaque o interesse que este informativo desperta nas pessoas, mesmo as não residentes em Piquete. É objeto de disputa entre alunos, que o utilizam para trabalhos escolares, tanto para os ensinos fundamental e médio, quanto para a universidade. A manutenção rigorosa de sua periodicidade criou leitores cativos, que aguardam com expectativa a próxima edição. Seu formato e a impressão em papel jornal, além da qualidade das imagens fotográficas, principalmente daquelas antigas, do acervo da Fun- dação Christiano Rosa, que ilustram seus textos, caíram no agrado dos leitores, mostrando às novas gerações uma forma consagrada de periódicos. De fácil entendimento, mantém a profundidade e a relevância necessárias a um informativo sério e compro- missado. Muito de seu sucesso deve- se à equipe de idealistas e colabo- radores, que, mensalmente, enriquecem suas páginas. Parece que foi ontem, mas lá se vão 181 edições, desde aquele fevereiro de 1997, quando o número 01 foi distri- buído pela cidade. Muitas foram os temas abordados, que podem ser relidos por seus colecionadores. Voca- cionado para a cultura, há 15 anos O ESTAFETA produz não apenas infor- mações, mas principalmente, história. Quando receberam pela primeira vez o informativo O ESTAFETA, os piquetenses se surpreenderam com sua proposta. Muitos pensaram que fosse mais um jornal que traria amenidades da cidade e que teria vida curta. Várias foram as vezes em que foi decretada a morte do jornal impresso: alegava-se que o rádio o substituiria; depois, a televisão. Hoje, seu suposto carrasco é a internet. Ele, porém, continua saudável. Sempre há algo a aprender num jornal, pois nele não há somente informações; há, também, formação educacional. O ESTAFETA se propôs a ser um aliado extremamente importante para o educador consciente: quando de seu primeiro número, registrou que visava a contribuir para a formação do cidadão. Com seus textos busca, como agente social, exercer influência sobre a coletividade, contri- buindo, de maneira sadia, para a formação de opiniões. Para o desenvolvimento de um povo, a educação é essencial. Ela é, sem dúvida, o caminho para se alcançar a evolução política, profissional e pessoal. Por isso, deve ser pensada como um todo. A leitura de jornais dá a dimensão de como funciona o mundo e de quão impor- tante é ter conhecimento sobre assuntos do cotidiano. A leitura é o mecanismo fundamental no processo de ensino-aprendizagem, e o Estafeta busca, sempre, colaborar para o desenvolvimento social. Um dos papéis desse informativo é o de formador de opinião. É por meio dele que muitos têm contato com fatos pitorescos e a história da cidade e da região. É nele, também, que se encontra a valorização de nossa cultura, do resgate e preservação de nos- so patrimônio histórico-arquitetônico- ambiental. O Estafeta exerce papel fundamental na educação dos jovens, servindo de estímulo à realização de trabalhos escolares. Nele tomam conhe- cimento da história, da geografia, da cultura, do meio ambiente, das po- tencialidades turísticas e do cotidiano de Piquete e criam o hábito da leitura, que proporciona o vocabulário e estimula a cidadania. O Estafeta é, ainda, cultura, lazer, paixão, política, o dia-a-dia, elementos fundamentais para o equilíbrio emocional dos seres humanos. O homem é o que pensa, e, para pensar bem ou mal, precisa de subsídios, de alimento para a mente. Ler é um hábito que torna a mente sã, e O ESTAFETA con- quistou, ao longo dos anos, muitos leitores. A educação é a semente que deve ser lançada contra a corrupção, a violência, as drogas, e é por meio dela que os jovens terão perspectivas de vida. As escolas se constituem elemento essencial para a civilização, politização e cidadania. Unido às escolas e fomentando educação, O Estafeta vem, há quinze anos, contribuindo para a formação integral dos cidadãos. E assim permanecerá. O ESTAFETA: 15 anos de cultura e educação Para o desenvolvimento de um povo, a educação é essencial. Ela é, sem dúvida, o caminho para se alcançar a evolução política, profissional e pessoal. Por isso, deve ser pensada como um todo.

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EDIÇÃO 181 - ANO XV

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E D I T O R I A L

ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, FEVEREIRO/2012 - ANO XV - No 181

O ESTAFETAFoto Arquivo Pró-Memória

Este fevereiro é especial. OESTAFETA faz aniversário. Ao com-pletar 15 anos de circulação efetiva eregular, esse informativo se firma comoveículo de comunicação, tendo al-cançado o objetivo maior para o qualfoi criado: estabelecer um vínculo coma sociedade divulgando os trabalhos daFundação Christiano Rosa e editandotemas voltados para a educação, meioambiente, história, cultura, ciências,engajamento e crítica social. Suaspublicações são as mais diversas. Sempreferência, seus articulistas não sedetêm apenas a assuntos locais, escre-vem sobre temas regionais, nacionais euniversais, como devem ser tratadas asquestões de relevância, contribuindo deforma inequívoca para o debate de ideiase discussão de assuntos que levam adesenvolver o espírito crítico e aformação da cidadania.

É digno de destaque o interesse queeste informativo desperta nas pessoas,mesmo as não residentes em Piquete. Éobjeto de disputa entre alunos, que outilizam para trabalhos escolares, tantopara os ensinos fundamental e médio,quanto para a universidade.

A manutenção rigorosa de suaperiodicidade criou leitores cativos, queaguardam com expectativa a próximaedição. Seu formato e a impressão empapel jornal, além da qualidade dasimagens fotográficas, principalmentedaquelas antigas, do acervo da Fun-dação Christiano Rosa, que ilustram seustextos, caíram no agrado dos leitores,mostrando às novas gerações uma formaconsagrada de periódicos.

De fácil entendimento, mantém aprofundidade e a relevância necessáriasa um informativo sério e compro-missado. Muito de seu sucesso deve-se à equipe de idealistas e colabo-radores, que, mensalmente, enriquecemsuas páginas.

Parece que foi ontem, mas lá se vão181 edições, desde aquele fevereiro de1997, quando o número 01 foi distri-buído pela cidade. Muitas foram ostemas abordados, que podem serrelidos por seus colecionadores. Voca-cionado para a cultura, há 15 anos OESTAFETA produz não apenas infor-mações, mas principalmente, história.

Quando receberam pela primeira vez oinformativo O ESTAFETA, os piquetensesse surpreenderam com sua proposta. Muitospensaram que fosse mais um jornal quetraria amenidades da cidade e que teria vidacurta.

Várias foram as vezes em que foidecretada a morte do jornal impresso:alegava-se que o rádio o substituiria; depois,a televisão. Hoje, seu suposto carrasco é ainternet. Ele, porém, continua saudável.

Sempre há algo a aprender num jornal,pois nele não há somente informações; há,também, formação educacional. OESTAFETA se propôs a ser um aliadoextremamente importante para o educadorconsciente: quando de seu primeironúmero, registrou que visava a contribuirpara a formação do cidadão. Com seustextos busca, como agente social, exercerinfluência sobre a coletividade, contri-buindo, de maneira sadia, para a formaçãode opiniões.

Para o desenvolvimento de um povo, aeducação é essencial. Ela é, sem dúvida, ocaminho para se alcançar a evoluçãopolítica, profissional e pessoal. Por isso,deve ser pensada como um todo.

A leitura de jornais dá a dimensão decomo funciona o mundo e de quão impor-tante é ter conhecimento sobre assuntos docotidiano.

A leitura é o mecanismo fundamentalno processo de ensino-aprendizagem, eo Estafeta busca, sempre, colaborar parao desenvolvimento social. Um dos papéis

desse informativo é o de formador deopinião. É por meio dele que muitos têmcontato com fatos pitorescos e a históriada cidade e da região. É nele, também,que se encontra a valorização de nossacultura, do resgate e preservação de nos-so patrimônio histórico-arquitetônico-ambiental. O Estafeta exerce papelfundamental na educação dos jovens,servindo de estímulo à realização detrabalhos escolares. Nele tomam conhe-cimento da história, da geografia, dacultura, do meio ambiente, das po-tencialidades turísticas e do cotidiano dePiquete e criam o hábito da leitura, queproporciona o vocabulário e estimula acidadania.

O Estafeta é, ainda, cultura, lazer,paixão, política, o dia-a-dia, elementosfundamentais para o equilíbrio emocionaldos seres humanos.

O homem é o que pensa, e, para pensarbem ou mal, precisa de subsídios, dealimento para a mente. Ler é um hábito quetorna a mente sã, e O ESTAFETA con-quistou, ao longo dos anos, muitos leitores.A educação é a semente que deve serlançada contra a corrupção, a violência, asdrogas, e é por meio dela que os jovens terãoperspectivas de vida. As escolas seconstituem elemento essencial para acivilização, politização e cidadania. Unidoàs escolas e fomentando educação, OEstafeta vem, há quinze anos, contribuindopara a formação integral dos cidadãos. Eassim permanecerá.

O ESTAFETA: 15 anos de cultura e educação

Para o desenvolvimento de um povo, a educação é essencial. Ela é, sem dúvida, o caminho para sealcançar a evolução política, profissional e pessoal. Por isso, deve ser pensada como um todo.

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Página 2 Piquete, fevereiro de 2012

Foto Arquivo Pro-MemóriaImagem - Memória

A Redação não se responsabiliza pelos artigos assinados.

Diretor Geral:

Antônio Carlos Monteiro ChavesJornalista Responsável:Rosi Masiero - Mtd-20.925-86Revisor: Francisco Máximo Ferreira NettoRedação:Rua Coronel Pederneiras, 204Tels.: (12) 3156-1192 / 3156-1207Correspondência:Caixa Postal no 10 - Piquete SP

Editoração: Marcos R. Rodrigues RamosLaurentino Gonçalves Dias Jr.

Tiragem: 1000 exemplares

O ESTAFETAFundado em fevereiro / 1997

Aos 98 anos de idade, apesar da saúdefrágil, Celina de Barros mostra-se lúcida ehumorada quando perguntada sobre osantigos carnavais de Piquete. Conta sobreos bailes que aconteciam na casa do sargentoQuilula, na Vila São José, onde ela e as tiasiam dançar, sob a recomendação do avô,Geraldino Porfírio, ex-escravo, antigojongueiro, preocupado com as filhas e aneta. “Vocês vão, se divirtam, mas a ‘talhora’ quero todas em casa”, relembra. Comvoz pausada Celina canta a música“Florzinha do Indaiá”, composta para oRancho em que ela desfilou em 1926. Falados preparativos para o Carnaval, dasfantasias bordadas com aljôfar, dos ensaios,das coreografias, das porta-estandartes CotaPeixoto e Djanira Catrica. O mestre-sala era‘seu’ Eleotério. Recorda-se, também, dealguns músicos e componentes. Sorrindo,diz que “se a saúde permitir, ainda é capazde sair na escola de samba do Brás nesteano”. Que vitalidade!

Indiscutivelmente, a influência dospovos africanos na formação de nossacultura é significativa. Ao contrário dahistoriografia mais tradicional, que, prati-camente, ignorou a contribuição dascamadas economicamente menos favore-cidas de nossa sociedade, nos últimos anospesquisadores vêm se dedicando a estudosvisando a resgatar as manifestações musicaisdos negros no Brasil. Mesmo reprimidospelas autoridades, os negros brasileirospreservaram seus rituais religiosos, suasmúsicas, danças e cantos. O processo de

miscigenação ocorrido no país adentrou ascasas e ganhou toda a sociedade.

Uma dança popular e gênero musicalde ritmos e melodias de raízes africanascomo o lundu, o batuque e o maxixe, queganhou o gosto do brasileiro foi o samba.Considerado o ritmo oficial do Brasil,desde seu nascimento esteve em constanteevolução. Entre especialistas, é consensoque a provável origem da palavra sambaesteja no desdobramento ou na evoluçãodo vocábulo “semba”, que, em quim-bundo, língua falada em Angola, significaumbigo. A maioria desses autores registraprimeiramente a dança, forma que teria seantecipado à música. De fato, o termo“semba” – também conhecido por um-bigada ou batuque – designava um tipode dança de roda praticada em váriasregiões da África e do Brasil.

Uma forma particular de brincar oCarnaval foi a criação, no Rio de Janeiro,por volta de 1920, das escolas de samba.Antes delas, desde o final do século 19,foliões já se reuniam em agremiaçõesconhecidas como ranchos e percorriam asruas das cidades. Foi essa forma popular deexpressão carnavalesca que chegou aPiquete na década de 1920, como ficouregistrado no “Piquete Jornal” e na memóriade antigos moradores. De todas as agre-miações populares, o Rancho carnavalesco,fonte inspiradora para as primeiras escolasde samba, era derivado do Rancho de Reis,que saía às ruas no período natalino.

O Rancho carnavalesco podia ser

descrito como um cortejo, um desfile semvibração, quase monótono, uma procissãoreligiosa. Sua música, voltada para astradições folclóricas, principalmente omaracatu, trazia um andamento dolente,arrastado, nada parecido com a euforia dosprimeiros sambistas, os quais despontavamnesses mesmos espaços culturais. Eraacompanhado (o rancho) por instrumentosde sopro e corda – não eram usadosinstrumentos de percussão. Havia osmestres, um de harmonia, um de canto e umde sala, responsável pela coreografia. Osranchos desfilavam com porta-estandarte emestre-sala, que tinham de dançar e ficaratentos a qualquer movimento.

No Carnaval de 1926, o Rancho Flor doIndaiá ganhou as ruas de Piquete. Foi umsucesso. Deixou saudades, como registrou,em depoimento, Celina de Barros.

O samba pede passagem

Músicos do Rancho Flor do Indaiá, que saiu pelas ruas de Piquete em 1926. Em pé (e/d): José Barbosa Reis, Duílio D’Amico, Sebastião de Lima, ? eMarcelino. Sentados (e/d): José Eleotério, Cícero Trindade, Antônio Viana, Manoel Raimundo e José da Encarnação.

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O ESTAFETA

GENTE DA CIDADEGENTE DA CIDADE

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Dona AméliaFábio Iijima

Algumas vezes, a ideia de históriacontida no “O que é ideologia?”, deMarilena Chauí, é um pouco esquecidapelo leitor. Gostaríamos de apresentaressa concepção de história a partir de duasteses, tentando afastar outras correntes depensamento. A partir desse exercício,pretendemos atribuir a ela maior im-portância.

Em primeiro lugar, a autora afirma queo plano onde se dão os acontecimentoshistóricos é o das relações sociais, isto é, omodo como os homens se relacionam entresi. Se for assim, ao menos duas concepçõescorrentes de história podem ser recusadas:

1) a ideia de que os processos históricospodem ser conhecidos puramente porobservações de nossos sentidos é falsa, poisisso seria pensar a história não como umprocesso, como algo fluido no tempo, mas,antes, como algo simplesmente dado, ouseja, algo que não muda, que vale por si sóe que por si só se mantém.

2) a tese de que a história é causada pelasideias e valores dominantes de umadeterminada sociedade também deve serrejeitada. Para provarmos isso podemosargumentar da seguinte forma: “Supo-nhamos que pertencemos a uma sociedadecuja religião é politeísta e cujos deuses sãoimaginados com formas e sentimentoshumanos, embora superiores aos doshomens, e que nossa sociedade exprima essasuperioridade divina fazendo [da montanha]a morada dos deuses”. Agora, se voltarmospara uma sociedade capitalista, não é difícilpensar a montanha como simples merca-doria ou como possibilidade de lucro. Se,como afirma Marilena no primeiro capítulo,esse exemplo da montanha pode ser dito “arespeito de todos os entes reais”, vemos,então, que são as ideias que dependem dasrelações sociais, e não o contrário.

Em segundo lugar, a autora afirma queo agente da história – seu motor – é asociedade civil. E o que é sociedade civil?“É o processo de constituição e de reposiçãodas condições materiais de existência, istoé, da produção (trabalho, divisão dotrabalho, processo de trabalho, forma dedistribuição de consumo, circulação,acumulação e concentração da riqueza)”.Isto quer dizer, para nós, que a sociedadecivil se realiza através do que Marx e Engelschamam de luta de classes. Esta, por sua vez,é a luta (legal, institucional etc) entre ogrupo de homens que possuem o capital eaqueles que não o possuem, isto é, osdominados. Portanto, quem faz a histórianão é o Estado ou um regime político etc,pois, muitas vezes, essas ideias defendemos interesses da classe domi-nante. Aocontrário, quem atua no processo históricoé a luta das classes, o movimento dasociedade civil.

Se a história não é estática, se ela éanterior às ideias, e se ela não está nas mãosde um Estado, o que será uma ideologiasenão um conjunto sistemático de ideias quenos impedem de ter a consciência de nósmesmos como fazendo parte da própriahistória? [email protected]

História e ideologia

Todos a conhecem por sua religiosidadee paixão pelo movimento carismático daIgreja Católica. Assídua frequentadora dacomunidade Canção Nova, dona Amélia épresença constante nas missas de segunda-feira à tarde ou de quinta-feira, emCachoeira Paulista. Com muita alegria,conta que há mais de 35 anos acompanhaos trabalhos do padre Jonas Abib. Essareligiosidade herdou dos pais, Luiz Rodri-gues e Isolina de Paula.

Amélia Rodrigues Pinto nasceu emXavantes, no oeste do estado de São Paulo,em 16 de novembro de 1927. A família haviamigrado de Piquete para lá, onde perma-neceu por pouco tempo, de maneira que,com dois meses de vida, Dona Amélia foibatizada na igreja de São José, em Piquete.O pai retornou para trabalhar na Fábrica.Era feitor das matas. A família morava numaampla casa no alto da serra, no Pico doCabrito, em frente ao antigo SanatórioMilitar. Conta que o pai cuidava da mata,dos aceros e caminhos. Recorda-se de queem sua casa havia um telefone, que falavadireto com a Fábrica. A transmissão eraatravés da “linha do picadão”. Esse telefoneservia à família e também aos moradoresdo São Francisco, em casos de doenças eemergências.

“Hoje, quando ando por essas encostasda serra, constato que as águas diminuíram,desmataram, fizeram pastos e plantarammuito eucalipto. Antes, a natureza erapreservada. O pai não permitia que secortasse ‘um pau de árvore... No alto daserra não se desmatava e nem se caçava...’.Quando pequena, íamos buscar animal nopasto, levávamos uma foice, pois a possibi-lidade de trombar com uma onça eragrande”. “Atualmente, as pessoas têmmedo de tudo”, conclui.

Dona Amélia conta que tem vagaslembranças de 1932: a direção da Fábricaligou para o pai para que não se preo-cupasse, mas que seria necessário deixar acasa para que fosse ocupada pelos sol-dados. “Nós nos mudamos para a Estrela”,afirma. Após a Revolução, ao retornarem,não encontraram nenhum animal da cria-ção: “Comeram tudo!”. Os soldadosdeixaram muitas trincheiras. “Cavucaramtoda a serra”.

Com oito anos, a família mudou-se parao Benfica e, mais tarde, para o Bambuzinho.O pai tinha um engenho manual e, maistarde, construiu um maior, movido a traçãoanimal. Produzia muito melado, rapadura eaçúcar preto. Conta que estudou por “unsanos” numa classe no Bambuzinho, tendocompletado os estudos no Grupo Velho.Dona Amélia sempre frequentou a igreja deSão José. A matriz só na Semana Santa e nafesta do padroeiro. Com 17 anos casou-secom Raul Vieira Teixeira Pinto, cerimôniarealizada na igreja de São José. Foram morarna Vila Célia, mas quase diariamente estavana casa dos sogros, Dario Vieira e MariaAmélia, de quem cuidou pela vida toda.Com a morte dos sogros, passou a morar nacasa deles, à rua Dr. Francisco de Assis deOliveira Braga. Foram seus vizinhos AnaLucas e as filhas Maria, Aída e Ditinha,Christiano Rosa e sua mãe, Manoel Borgesde Campos e dona Jurema... “Nossa... Comotudo passa rápido!”.

Dona Amélia e Raul tiveram quatorzefilhos, vinte netos e três bisnetos. Religiosa,lamenta que a Canção Nova não tenha sidoinstalada em Piquete, como cogitado nosanos de 1970. “Senti muito...”, afirma. “No

início, em Cachoeira, erauma barraquinha de sa-pé... Quando chovia, eraum lamaçal... Eu, o velhoe as crianças íamos comfrequência... Partici-pamos de muitos encon-tros em Queluz... Fre-quento a RenovaçãoCarismática desde oinício. Nossa... Comotudo passa rápido!”

Sempre preocupadacom a família, é vicen-tina há mais de 50 anose faz parte da Legião deMaria e do Apostoladoda Oração.

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O ESTAFETA Piquete, fevereiro de 2012Página 4

No capítulo 21 do Primeiro Livro doReis, texto que faz parte da literaturaprofética das Sagradas Escrituras, há umrelato que é uma forte crítica aos poderososque se utilizam de todos os meios paraatingir seus objetivos, pisoteando ospequenos e tirando-lhes o pouco quepossuem.

Conta o texto que o rei de Israel,chamado Acab, fez uma proposta ao seuvizinho vinhateiro que se chamava Nabot:“Entregue-me sua vinha, que voutransformá-la em pomar, porque está pertodo meu palácio. Em troca, darei a você umavinha melhor ou, se preferir, pagarei o valordela em dinheiro”. O rei se surpreendeuquando percebeu que Nabot não cedia aoseu poder político e financeiro. Nabotrespondeu: “Deus me livre de entregar avocê a herança de meu pai”. O rei ficoumuito aborrecido com a história de Nabotnão lhe querer entregar a vinha. Jezabel, aesposa do rei, tomando conhecimento doque tinha ocorrido, disse a Acab: “Seumolenga, não é você quem governa Israel?”E continuou: “Deixe comigo, que eu vouentregar essa vinha em suas mãos”. Jezabelarmou uma cilada para Nabot, de modo queele foi falsamente acusado de maldizer aDeus e ao rei, e, por isso foi morto porapedrejamento. Após a morte de Nabot,disse Jezabel ao rei: “Levante-se e tomeposse da vinha de Nabot, pois ele jámorreu”. O rei levantou-se e foi tomar posseda vinha. Então Deus disse ao profeta Elias:“Desça ao encontro do rei Acabe, que estána vinha de Nabot para dela tomar posse, ediga a ele: ‘Assim diz o Senhor: você matoue ainda por cima está roubando? Pois bem,

A injustiça é fruto da ganânciano mesmo lugar em que os cães lamberamo sangue de Nabot, lamberão também oseu.’”

A narrativa bíblica da vinha de Nabot ésemelhante à história da estrutura fundiáriade nossa nação. Indígenas, lavradores,sitiantes, pequenos proprietários, a quem aterra pertencia de fato, mas não no papel,foram expulsos, torturados, sacrificados,para que a terra fosse se acumulando nasmãos de poucos, ficando à mercê dosinteresses econômicos das elites, queescreveram os documentos de propriedade.Os latifúndios que se espalham por todo opaís são frutos da violência de gerações depoderosos sobre gerações de pessoas queforam oprimidas, roubadas e desprovidas dodireito fundamental de possuir um pedaçode chão. Certa vez, o deputado federalMario Juruna perguntou ao senador DarciRibeiro: “Quem é que inventou o ‘papé’?”.Darci Ribeiro quis explicar como é que sefabrica o papel com madeira esmagada.Juruna reclamou que queria saber é do“papé” verdadeiro. Esse, que, levado na mãode um homem, o torna dono de terras quenunca viu e onde um povo viveu por séculos.

A apropriação injusta da terra e aconcentração de grandes glebas nas mãosde poucos gerou uma multidão de mise-ráveis, sem lugar no mundo, vulnerável atodo o tipo de exploração, perambulandoem busca de condições mínimas de sobre-vivência. Essa gente tem direito moral dese apropriar de um pedaço de chão, mesmoque essa apropriação seja ilegal. O direitoà vida e à dignidade é superior ao direito àpropriedade. Nosso país possui, porém,uma legislação fundiária imoral, que

legitima a posse injusta da terra e protegeo latifúndio improdutivo.

Assistimos, em janeiro, ao tristeepisódio ocorrido em São José dos Cam-pos, no bairro do Pinheirinho. Vergonho-samente, o Poder Judiciário e os poderesexecutivos municipal e estadual deram atoda a nação uma clara demonstração deque nossas instituições estão a serviço dospoderosos, defendem seus interesses e suasposses em detrimento da justiça verdadeira.Crianças de colo, idosos, deficientes,mulheres tiveram seus direitos pisoteadospela Polícia Militar. Não se respeitou oEstatuto da Criança e do Adolescente – ospequenos foram expostos a todo o tipo deconstrangimento. O Estatuto do Idoso foigravemente violado – não se trata um cãocomo os idosos do Pinheirinho foramtratados. Há denúncias de prática deviolência contra as mulheres – quem seimportou com a Lei Maria da Penha?Quando se trata de defender a propriedadedos ricos, o Estado desconsidera, em nomeda Lei, qualquer outra legislação vigentenesse país e também os Direitos Humanos.

Como aconteceu na história bíblica daVinha de Nabot, surgiram muitos profetasda sociedade civil denunciando a injustiçados poderosos contra o povo pobre,afirmando que o “papé” não pode valermais que a vida e a necessidade real daspessoas. Pena que tenha sido muito tímidae inexpressiva a profecia dos cristãos comrelação a esse acontecimento tão lamen-tável. Apesar disso, a tradição proféticacontinua viva entre nós. Felizmente!

Pe. Fabricio Beckmann

***************

Os não muito novos se lembram daMaria Candelária, a alta funcionária. Amarchinha de carnaval, na voz do esplên-dido cantor Blecaute, fez o Brasil inteiroconhecer a funcionária pública que nuncase preocupou com o direito de greve.

Isto porque o seu emprego não per-tencia ao rol dos serviços ou atividadesessenciais, que não admitem paralisaçõespelos prejuízos que causam à sociedade.

Curiosamente, os governos, sempretão generosos com as Marias Candelárias,nunca podem dar um salário digno aopessoal dos serviços ou atividadesessenciais.

A responsabilidade fiscal não seassusta com estádios gigantescos, comampliações de sambódromos, com ja-tinhos, com desvios de verbas.

Mas empertiga-se e se enche de brios

Direito ao salário justoquando o pacato cidadão dos serviços ouatividades essenciais ergue a voz para dizerque o filho vai ter de iniciar mais um anoletivo com a sola do tênis colada com SuperBonder e com a mochila desbotada dos anosanteriores.

Ah! professora Regina Cipolli, seuorçamento básico, das nossas preciosasaulas de Economia Doméstica, não chegouà mão dos donos do cofre do governo!

Onde vai morar o pacato cidadão –somadas as despesas de aluguel, água eesgoto, gás, luz, telefone, condomínio –com 30% de seu salário de R$ 1.700,00?

Qual vai ser o cardápio da família dopacato cidadão com 20% do seu salário deR$ 1.100,00?

Como o pacato cidadão vai chegar aotrabalho em uma capital com 15% dosalário líquido de R$ 1.500,00?

O mais triste é que o pacato cidadãoouve dizer que a classe média inchou, quemuita gente está viajando de avião pelaprimeira vez.

– E eu? Pergunta o pacato cidadão.Meu irmão, pode tirar o cavalinho da

chuva.A responsabilidade fiscal tem alergia

ao pessoal da saúde, da educação, dasegurança, do transporte público.

Quer um conselho?Estude um pouquinho mais e preste

outro concurso. Não se preocupe. Existemuns tais que aceitam candidatos formadosem qualquer faculdade – com salárioinicial de R$ 4.000,00.

Fuja dos serviços e atividades essenciais.Só assim o pacato cidadão vai ser um

feliz colega das Marias Candelárias.Abigayl Lea da Silva

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O ESTAFETA Página 5Piquete, fevereiro de 2012

Há 90 anos São Paulo passava por umacontecimento que mudaria o rumo de todaa arte brasileira e, mais tarde, faria com queas expressões artísticas brasileiras fossem,inclusive, exportadas para outros países.

Num país marcado pelo conservado-rismo, só um evento da magnitude daSemana de Arte Moderna para livrar-nos doatrasado Parnasianismo na Literatura e doRealismo na pintura. Os modernistas nãopoderiam ter escolhido data melhor para esteacontecimento: o centenário daindependência brasileira (1922). Mesmoindependentes, ainda estávamos atrelados àarte europeia – à do século passado, noentanto. Estava na hora de nossa artecaminhar com seus próprios passos.

Não se sabe ao certo de quem partiu aideia de realizar uma amostra de ArteModerna em São Paulo. Entretanto, háregistros de que Oswald de Andradeprometia para o ano do centenário daindependência uma ação dos artistas novosque “fizesse valer a data”.

Em 1921 o grupo que realizaria asemana estava completamente organizadoe amadu-recido para o evento. No mesmoano chegou da Europa Graça Aranha,escritor consagrado e membro da Acade-mia Brasileira de Letras. Entusiasmado, eletambém apoiou os paulistas. Era o impulsoque faltava. A Semana de Arte Modernaocorreu entre 13 e 18 de fevereiro de 1922,no Teatro Municipal de São Paulo. Durantetoda a mostra, o saguão esteve aberto aopúblico. Nele, havia obras expostas deartistas como Anita Malfatti, Vicente doRego Monteiro, Zina Aita, Di Cavalcânti,Vítor Brecheret e outros.

Nas noites dos dias 13, 15 e 17 foramrealizados saraus com leitura de poesias,apresentações de conferências, dança e

90 anos da Semana de Arte Moderna

“Cinco moças de Guaratinguetá” (1930), deDi Cavalcânti. Óleo sobre tela. Acervo do MASP

“A boba” (1915-1916), de Anita Malfatti.Óleo sobre tela. Acervo do MAC SP

Catálogo da Semana de Arte Moderna de1922, por Di Cavalcânti

“Antropofagia” (1929), de Tarsila do Amaral.Óleo sobre tela. Acervo Fundação José e

Paulina Nemirovsky, SP

música. A segunda noite foi a mais impor-tante e a mais tumultuada de todas. Quandose iniciou a leitura de poemas e fragmentosde prosa, a plateia vaiou, relinchou, latiu,gritou, bateu o pé.

No intervalo entre uma parte e outra doprograma, Mário de Andrade fez, em meioa caçoadas e ofensas, uma pequena palestrasobre as artes plásticas ali expostas. O poeta,marcado pela sua timidez, vinte anos depoisreferiu-se assim ao episódio: “Como pudefazer uma conferência sobre artes plásticas,na escadaria do Teatro, cercado de anônimosque me caçoavam e ofendiam a valer?”

Entendendo a SemanaCom a descrição realizada acima, parece

que a Semana de Arte Moderna não foi algode tanta magnitude. Contudo, é necessárioentender o contexto da sociedade paulistanae brasileira da época.

O país estava começando a se urba-nizar, nossa população estava cada vezmais se concentrando em grandes centros.A modernidade começava a chegar aoBrasil. Porém, embora a modernidade seaproximasse, nossa arte ainda estava noséculo 19. Da mesma forma, nossa so-ciedade ainda tinha um pensamentoprovinciano e fortemente ligado a antigostabus. Estava na hora de romper isso! Aintenção inicial do evento era assustar aburguesia que cochilava na glória de seuslucros. Di Cavalcânti, por sua vez, declarou

“Operários” (1933), de Tarsilla do Amaral.Óleo sobre tela. Acervo do estado de SP

que o episódio serviu para “meter osestribos na barriga dessa burguesiazinhapaulistana”. E eles conseguiram...

Na época, a Semana de Arte Modernafoi considerada tão escandalosa e imoralque, nas casas de famílias burguesas, eraproibido discutir sobre ela diante de criançase moças. Eles romperam com tudo o queera obsoleto e impuseram uma nova formade fazer arte: a moderna.

A vitória foi inegável: com a renovaçãoinstaurada pela Semana, enterrou-se a poesiaparnasiana e, com ela, toda a mentalidadeque se afirmava. Começou uma nova era: avoz dos modernistas tornou-se tão forte, quesua ressonância se propagou por todo o país.

Os reflexos da Semana fizeram-sesentir em todo o decorrer dos anos 1920,atravessaram a década de 1930 e, dealguma forma, têm relação com a arte atual.Os artistas da primeira fase do Modernismorealizaram a ruptura a partir da irreverênciae do absurdo. Prepararam o “terreno” paraoutras fases que viriam. Estas etapas, aliás,colocaram o Brasil como exportador deliteratura, música e artes plásticas.

Porém, só um rompimento da magnitudeda Semana de Arte Moderna para abrirespaço ao moderno naquela época. Se nãofosse por esses artistas, talvez estivéssemosno Parnasianismo até hoje...

Reproduções

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O ESTAFETA

Edival da Silva Castro

Página 6 Piquete, fevereiro de 2012

Crônicas Pitorescas

Palmyro MasieroO resto...

O cinema

Acesse na internet, leia edivulgue o informativo

“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”www.issuu.com/oestafeta

www. fundacaochristianorosa.cjb.net

ou

Encontrei-me noite dessas com umamigo, carnavalesco exato em todas as suasarestas, cuja obrigação de curtir o “tríduomomesco” (este tríduo momesmo, além de‘de lascar’, ainda é falso, pois dos três diasconsecutivos, passou a cinco ou mais,dependendo do lugar...) é questão deconsciência, tomando uma cerveja numboteco, trazendo no cenho marcas aparentesde trizteza.

Perguntei-lhe como se sentia após amaratona:

– Sou resto... – praticamete grunhiu.E fez quase um tratado sobre o termo:– Sinto-me um resto de cinzas no meio

de uma ventania... Resto de saudade, seesse sentimento tiver amplitude... Resto dealegrias... Simples e cristalinamente, souapenas o resto de confetes e serpentinasvarridos pelos garis do tempo vivido danoite de sexta-feira à madrugada dequarta... Apenas isso... Sou a síntese dosrestos...

Virou o copo de cerveja pela boca e,lentamente, começou a encher outro.

– Sofro – disse discursivo – ao descerda ilusória mas divina farsa de encostaratrás da porta ou fechar numa gaveta a durarealidade da vida devida, da ida pra labuta,luta fajuta, cretina rotina...

– Isso dá samba-enredo – brinquei.– Resto de cinco noites (não falei do

tal tríduo...). Variável, variável... Muitaparte do dividendo do peso levado ficouindivisível, lamentavelmente. Muitadiferença na subtração do antes e depois.

– Seu papo tá transpirando melancolia,tédio, enfado, receio...

– Quinta-feira! Dia de cair na real... Émelancólico! Pensar nas finanças e no seuequilíbrio – Tédio... Rolar pelo cotidiano

nada piano – Enfado... Enfrentar a batalhada subsistência – Receio! Tudo resto... Estesrestos, sim, não passam de resíduosmisturados a detritos...

– Da folia para a filosofia.– Do sonho para o enfadonho... Carna-

val representa a juventude eterna! Se hojesou resto da mocidade lá longe desgastada,o Carnaval recambia o pensamento alegreimutável para o corpo dos vinte anos e,nessa metafísica temporal, corpo-espíritorenasce rejuvenescido.

– Suas palavras, companheiro, estão meressoando muito mais como sutis argu-mentos ressacantes... Sinto muito...

– Ressaca é toda manhã após o sono deum dia anterior acrescentado à vida ededuzido do que ainda resta dela... Isso,sim, é ressaca!

– Juro que não fazia ideia do profundoestado de meditação filosófica em querecai um cinquentão após o Carnaval,companheiro – comentei.

– Que meditação filosófica coisanenhuma! O que me entristece é o resto dotempo que me resta...

– Ô louco, meu amigo! Você é jovem!Quarta-feira de cinzas é barra, mesmo!

– O fogo deixa a brasa, que deixa acinza... Fênix renasce... Isso é Carnaval...Carnaval não é festa, é estado de espírito...Carnaval não é folia, é descontração...Carnaval não é efêmero, é eterno comoaspiração...

– Não é bem isso que seu semblanteestampa...

– Ansiedade do resto...– Que ficou?– Não... Do excesso de dias que restam

para o próximo Carnaval...

Com a invenção, aprimoramentos echegada da imagem da televisão nasresidências, os cinemas foram perdendoseus cinemeiros e, consequentemete,cerrando suas cortinas.

Com o Cine Estrela do Norte não foidiferente. Inaugurado em 1944, cerrou suascortinas em 1984. Foram quarenta anos derisos, aventuras e emoções.

Além das grandes exibições cinema-tográficas, o seu palco servia paraapresentações teatrais e para entregas dediplomas aos formandos das escolas quepertenciam ao Departamento Educacionalda FPV.

No Cine Estrela do Norte, quando noauge de suas atividades, as sessões acon-teciam, a primeira, às 1830min e a segundaàs 20h30min, sendo que às quartas-feirasas sessões eram gratuitas. Aos domingos,matinês. Na entrada que dava acesso à salade espera havia um cavalete de 1x1,60m,mais ou menos; a criança que passasse sobo mesmo sem tocar a cabeça no travessãosuperior tinha ingresso livre. A sessão dedomingo, com início às 18h30min, eratotalmente voltada para a juventude.Rapazes e moças trajavam-se com esmeroe os corredores que davam acesso àspoltronas transformavam-se na passarela damoda. Ao término do filme, as moças e osrapazes saíam em grupos. Alguns ficavamdando voltas ao redor da Pracinha, outrosadentravam o Grêmio General Carneiro, eos demais se dividiam entre o ElefanteBranco e a Associação Comercial, locaisonde aconteciam as brincadeiras dançantes.

O Cine Estrela do Norte era o pioneirono Vale do Paraíba a receber os filmesrecém-lançados; quaisquer que fossem eles,depois de exibidos no Cine Estrela e noCasino Militar, aí sim seguiam para a redede cinemas da família Marotta.

Foi lastimável o fechamento do acon-chegante Cine Estrela do Norte, local deprazer, entretenimento e cultura. Porém, otempo escreve os melhores finais.***************

... que a primeira marchinha

carnavalesca foi composta em 1899

por Chiquinha Gonzaga e chamava-

se “Ô Abre Alas”?Até hoje esta marchinha é cantada nos

carnavais de todo o Brasil...

“Ó abre alas”

Ó abre alasQue eu quero passarÓ abre alasQue eu quero passar

Eu sou da LiraNão posso negarEu sou da LiraNão posso negar

Rosa de OuroÉ que vai ganharRosa de OuroÉ que vai ganhar.

Você sabia...

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O ESTAFETAPiquete, fevereiro de 2012 Página 7

São Jorge, um dos santos mais popu-lares entre os católicos, mesmo os que nãoprofessam religiosidade, foi banido dopanteão dos Santos da Igreja. Cultuado, nãoaparece em publicações como “Os Santosde Cada Dia” (J. Alves, Paulinas). Mas játeve seu lugar, e, pela tradição, o culto deSão Jorge foi emblemático de um tempo emque se acreditava estar ele configurado nalua, montado em um cavalo branco, lutandoe vencendo um dragão furioso. O santoarmado, revestido pela armadura metálicae capacete, com uma lança submetefragorosamente o dragão.

Essa figuração iconográfica pode servista em uma bela capela nórdica naDinamarca, onde não somente se vê aimagem, como em hora aprazada (12 horasmarcadas no relógio) ouve-se o ruído dapenetração do dorso do dragão pela espadade São Jorge e o gemido da fera. Um sominesquecível, que se mostra fantasmagóricopela representação, é ouvido. Comove.Emociona. O santo cuja atribuição deorigem é a Capadócia é tomado comosímbolo da guerra e do poder.

Pois bem. São Jorge foi cultuado noBrasil desde os tempos coloniais eemblemava-se como dotado de força ecapacidade de luta.

Conta-nos o destacado pesquisador, oprofessor José de Souza Martins, que noséculo 19, “uma vez ao ano o santoguerreiro fazia-nos a graça de aparecer naprocissão de Corpus Christi”, na cidade deSão Paulo. Diz ainda o sociólogo que aimagem do santo era apresentada comouma escultura do século 18, “de bigodinho

revirado para cima”. Acrescenta que, naimagem, São Jorge se apresentava cobertopela armadura pesada e montado numcorcel, mas este, na procissão, era deverdade. Ia São Jorge garboso, seguido porum séquito de homens, os quais seguravamfitas. Consta, segundo o relato de SouzaMartins, que “numa dessas”, o santoescorregou em direção da cabeça de um dosacólitos matando-o. Por isso, o santo foipreso, processado por homicídio e ojulgamento o condenou a prisão perpétua,e, então, endereçado à catedral. Não maisaparecia como figuração pública. Osrepublicanos se manifestavam dessa

maneira, contra o santo, pois mantinhamsentimentos anticlericais. Fazia sentido esseposicionamento dado a São Jorge, pois foraatribuído como patrono da monarquiaportuguesa. Se fosse representante do Papaou do lusitanismo português, não deveriaser mais aceito, nem cultuado. Relegado aoostracismo. Assemelhado a D. Pedro II,seria repudiado pelos defensores da ideiarepublicana.

Até a própria igreja da Sé acabava porser considerada banida, e o São Jorge, porser criminoso, ainda que em ato acidental,tivesse tirado a vida alheia. Assim, houveum dia que a igreja da Sé foi demolida, nãopor causas idiossincráticas republicanas,mas por necessidade de alargamento da viapública. A imagem de São Jorge, como asdemais, e os objetos de culto foram levadospara a sede da Cúria e, posteriormente, parao Museu de Arte Sacra.

Salvo da iconoclastia (destruição deimagens) por D. Duarte Leopoldo e Silva edepois enviado para o museu por D.Evaristo Arns, lá está São Jorge para servisto e admirado. Souza Martins terminadizendo que “o preso recebe visitas”.

As pessoas que o veem não conhecemprovavelmente esta história, mas o veemcom curiosidade e também cultivam outrasreferências sobre o santo. Por exemplo, nosincretismo religioso ele é associado aosritos de origem africana e dado comopoderoso. Mas também é o santo dainvocação corintiana. Teria ele ajudado oCorinthians a chegar à vitória comopentacampeão brasileiro?

Dóli de Castro Ferreira

E São Jorge caiu do cavalo

Cada edição de “O ESTAFETA” nasceapós um ou dois finais de semana dedigitações, formatações, enquadramentosde textos, escolhas e trabalho de fotos emuita – mas muita mesmo – correção. Estetrabalho completa 15 anos neste mês defevereiro. Foram 180 edições ininterruptasde cultura, história, diversão, memórias,e “gentes da cidade” até janeiro de 2012.Interessante que, para cada número, aemoção de prepará-lo e, uma semanadepois, recebê-lo impresso, é nova. Eforte...

Comecei a colaborar no número 22,ainda em 1998... E lá se vão mais de 13anos... Foi-me uma escola... Nesseperíodo muitas foram as mudanças emminha vida e na de muitos que participamda Fundação Christiano Rosa, entidade daqual o Estafeta é o informativo oficial.Poucos são os que colaboram desde oprimeiro número, seja com textos ou deoutras formas... Uns partiram para nuncamais, outros vieram e não permaneceram,

outros, ainda, escrevem com frequênciairregular... O importante, no entanto, éparticipar.. . Temos até um legítimo“ghostwriter”...

O Estafeta é um jornal especial... Háos que digam que ele “vive no passado”.Isso não é verdade. Muito pelo contrário...Difícil encontrar um conjunto de textoscom tamanha atualidade como nele.Enquanto se iniciavam, em nível nacional,as discussões sobre resgate da memória,preservação de patrimônio histórico e meioambiente, O ESTAFETA era criado paradivulgar os trabalhos que, havia anos,vinham sendo realizados nessas e em outrasáreas pelo grupo que, no ano anterior,instituíra a Fundação Christiano Rosa. Hátambém quem o diga elitista... Esses aindamais enganados estão. Não há espaço maisdemocrático do que este informativo,especialmente para os que desejam, pormeio do trabalho, adquirir educação ecultura, e, assim, ascenderem, seja em queárea for.

Os artigos publicados nos 180 nú-meros sempre tiveram como motesprincipais o incentivo à discussão deideias, a divulgação da história domunicípio e o embasamento para contex-tualização, nos dias atuais, de momentospassados de Piquete. Por falar em históriado município, é possível afirmar que nãohá outra fonte para os que desejamconhecê-la do que as páginas do Estafeta.

Antenado e crítico, não há um assuntode relevância para os pique-tenses quenão tenha sido tratado pelos articulistasde O Estafeta. A apresentação imparcialde seu editorial, normalmente apro-fundada no texto da primeira página,sempre caminhou paralelamente àsprincipais manchetes do país. Foi assim,por exemplo, com o advento de BentoXVI, com a primeira presidente mulherdo Brasil...

Assim se passaram 15 anos... Eassim serão os próximos...

Laurentino Gonçalves Dias Jr.

Os 15 anos de caminhada de O ESTAFETA

Rep

rodu

ção

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O ESTAFETA Piquete, fevereiro de 2012Página 8

Nesta época do ano, a região da Serrada Mantiqueira ganha colorido intenso.Suas encostas se revestem de roxo. É tempoda florada das quaresmeiras e manacás. Porfeliz coincidência da natureza, essafloração anuncia a quaresma, que estáchegando, e continua ao longo dela. Asflores delicadas da cor das violetaslembram a liturgia quaresmal, que, na suapedagogia, usa paramentos de cor roxa,simbolizando a austeridade, a penitência ea conversão da Quaresma. Daí o nomepopular “quaresmeira”.

A quaresmeira e o manacá são plantasda Mata Atlântica disseminadas por extensasáreas do Brasil. São espécies pioneiras,características das encostas úmidas da serra.A quaresmeira é encontrada quase exclusi-vamente na mata secundária, chegando, porvezes, a dominar a paisagem e vivendo entre60 e 70 anos. Nativas, pertencem à família

dia tornam-se roxo-violáceo. Já a quares-meira tem o centro da flor branco e este ficaavermelhado depois de visitado pelo insetoque a poliniza. A quaresmeira rosa foiconseguida através de mutações.

Além da importância ecológica, aquaresmeira é muito utilizada na arbori-zação urbana, com fins paisagísticos, devidoà beleza de suas flores e por não apresentarraízes agressivas, permitindo seu plantio emdiversos espaços, desde isolada em cal-çadas, até em pequenos bosques e emgrandes parques públicos. Seu crescimentoé rápido. Suas flores são solitárias, grandes,vistosas e duráveis. Em função de suacaracterística de mudança de cor das flores,é possível que, na mesma planta, sejamobservadas flores de três cores. Símbolo dabeleza e da abnegação, a quaresmeira é aárvore do amor incondicional.

botânica Melastomaceae, que reúne muitasespécies, nas quais se incluem desdepequenas ervas até árvores de pequeno emédio portes. Todas elas com característicascomuns, de fácil identificação, com folhase flores semelhantes em forma e coloração.São vegetais de relativa rusticidade, que seadaptam ao solos pobres, sendo, por isso,recomendáveis para o povoamento de áreasdevastadas. Entretanto, reagem com vigorao fornecimento de matéria orgânica.Possuem considerável valor ornamental,podendo ser usadas em maciços ou isolada-mente na composição de jardins. Sãoprincipalmente conhecidas as quaresmeirasroxas e rosa (Tibouchina granulosa) e omanacá da serra (Tibouchina mutabilis).

O manacá diferencia-se das quares-meiras principalmente pela coloração dasflores, que, ao se abrir, são brancas. No diaseguinte, ficam de cor lilás, e no terceiro ***************

A florada das quaresmeiras, prenúncio da Páscoa

Já há alguns anos, não acontecem maisos “carnavais de clube”, tradicionais atémeados da década de 1990. Nesses bailes,privilegiavam-se as fantasias, que mere-ciam destaque durante a premiação naúltima noite. Brincava-se dentro do salão,dando-se voltas em torno de um centroimaginário. Nessas voltas, aproveitavam-se refrões como “vou beijar-te agora, nãome leve a mal, hoje é carnaval...” para daro primeiro beijo da noite no escolhido ouescolhida. A idade mínima permitida paraacesso era de 14 anos. No entanto, sabe-seque alguns de menos idade conseguiamentrar acompanhados dos pais... EmPiquete, o “circuito” que conheci, já nosanos 80, era composto pelo Montanhês,Grêmio General Carneiro e ElefanteBranco... Nos intervalos do primeiro,descíamos para “ver como estavam” osoutros dois. A imensa ladeira ao lado doatual Recinto de Festas ficava movimen-tada... Próximo das 4h, o que menos se

queria ouvir era “Ai, ai, ai, ai... Estáchegando a hora... O dia já vem raiando,meu bem... Eu tenho que ir embora...”. Natarde do dia seguinte, a piscina do clubeera ponto de encontro para se comentar anoite anterior e/ou aprofundar a “conversa”com o parceiro(a) conquistado...

A alegria era maior do que a dos diasatuais? Acredito que não... O círculo dossalões foi substituído pela aglomeração emfrente a um palco ou pela segurança dosblocos que encerram seus foliões dentro deuma corrente humana... As elaboradasfantasias deram lugar a camisetas e abadás...E ficou mais rápida a aproximação para oprimeiro beijo; o refrão tão esperado deantes já não é mais necessário... Os maisjovens também brincam e se divertem.Reúnem-se em grupos, confraternizam-se,reencontram amigos... Adaptados, oscarnavais vêm se tornando, em minhaopinião, uma grande extensão da foliabaiana, que também se renova a cada ano.

Se me perguntarem qual carnavalprefiro, vou responder que me divertibastante nos salões, mas que tambémaproveitei bem os carnavais de rua... Nãodá para observar, no entanto, que osexcessos de hoje são em maior número emuito mais escancarados. Se pesássemosos prós e os contras, avalio que, com aperda de alguns valores, o carnaval de hojesairia derrotado; não devido à falta dealegria, mas de limites. Em Piquete, neste2012, ao menos em uma das noitesbrincou-se ao som de um repertório desambas-enredo, marchinhas e músicas dosanos 80 e 90... E todos aproveitaram e sedivertiram... É a prova de que é possívelconciliar tradição com atualidades...Portanto, brinquemos o Carnaval da formaque mais nos agradar... O importante érespeitar os que brincam ao nosso lado.Escolha suas cores e divirta-se!

Laurentino Gonçalves Dias Jr.

O Carnaval tem a cor que você pinta...

Fotos Laurentino Gonçalves Dias Jr.

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