Fez-se Homem para nossa Salvação

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T A 185 Fez-se Homem para nossa Salvação Rarden Luis Reis Pedrosa 1 Resumo: A plenitude da revelação na pessoa do Filho comunica à huma- nidade o mistério profundo do amor de Deus pelos seus filhos. Entretanto, diante das limitações da natureza humana, até hoje, estamos no processo de compreender o mistério que outrora fora revelado. A geração eterna do Filho no Pai é revelada no evento histórico da encarnação. A relação de Jesus com o Pai é tão intensa e originária que não há outro modo de Jesus falar de Deus a não ser como Filho. Portanto, nós, também, relacionamo- -nos com Deus na dinâmica da paternidade, que está, substancialmente, alicerçada na filiação. Há uma contínua e permanente relação entre o Pai e o Filho que é dinamizada pela ação pneumatológica. A intrínseca relação trinitária entre o Pai e o Filho é realizada desde sempre pela ação do Espírito Santo. Desta mesma ação, deu-se a encarnação do Filho. Maria se torna uma figura importante para o mistério salvífico da humanidade. A presença da mulher chamada por Deus para se tornar a mãe de seu Filho marcar o começo de uma nova ressignificação de toda a humanidade. Maria se torna a serva do Senhor, abraçando a missão anunciada pelo anjo e gerando, pela ação do Espírito Santo, o único Salvador da humanidade. Assim sendo, Maria assume a importância por meio dos mistérios de seu Filho. Ele se fez homem, encarnando no seio da Virgem Maria, por ação pneumatológica, para a salvação de todo o gênero humano. Palavras-chave: Encarnação, Filho, Salvação. 1 Pós-Graduando em Ontologia pela Faculdade Integrada de Campinas- -SP. Este artigo é o resultado do Trabalho de Conclusão de Curso apre- sentado, defendido e aprovado como exigência para obtenção do título de Bacharel em Teologia em dezembro de 2017, sob a orientação do Prof. Dr. Pe. Marcelo Batalioto. TEOLOGIA TA 02 (2019) 185-83

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Rarden Luis Reis Pedrosa1

Resumo: A plenitude da revelação na pessoa do Filho comunica à huma-nidade o mistério profundo do amor de Deus pelos seus filhos. Entretanto, diante das limitações da natureza humana, até hoje, estamos no processo de compreender o mistério que outrora fora revelado. A geração eterna do Filho no Pai é revelada no evento histórico da encarnação. A relação de Jesus com o Pai é tão intensa e originária que não há outro modo de Jesus falar de Deus a não ser como Filho. Portanto, nós, também, relacionamo--nos com Deus na dinâmica da paternidade, que está, substancialmente, alicerçada na filiação. Há uma contínua e permanente relação entre o Pai e o Filho que é dinamizada pela ação pneumatológica. A intrínseca relação trinitária entre o Pai e o Filho é realizada desde sempre pela ação do Espírito Santo. Desta mesma ação, deu-se a encarnação do Filho. Maria se torna uma figura importante para o mistério salvífico da humanidade. A presença da mulher chamada por Deus para se tornar a mãe de seu Filho marcar o começo de uma nova ressignificação de toda a humanidade. Maria se torna a serva do Senhor, abraçando a missão anunciada pelo anjo e gerando, pela ação do Espírito Santo, o único Salvador da humanidade. Assim sendo, Maria assume a importância por meio dos mistérios de seu Filho. Ele se fez homem, encarnando no seio da Virgem Maria, por ação pneumatológica, para a salvação de todo o gênero humano. Palavras-chave: Encarnação, Filho, Salvação.

1 Pós-Graduando em Ontologia pela Faculdade Integrada de Campinas--SP. Este artigo é o resultado do Trabalho de Conclusão de Curso apre-sentado, defendido e aprovado como exigência para obtenção do título de Bacharel em Teologia em dezembro de 2017, sob a orientação do Prof. Dr. Pe. Marcelo Batalioto.

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Abstract: The fullness of revelation in the person of the Son communicates to humanity the profound mystery of God’s love for his children. However, given the limitations of human nature, we are still in the process of unders-tanding the mystery which was once revealed. The eternal generation of the Son in the Father is revealed in the historical event of the incarnation. Jesus’ relationship with the Father is so intense and original that there is no other way for Jesus to speak of God but as a Son. Therefore, we also relate to God in the dynamic of fatherhood , which is substantially grounded in sonship. There is a continuous and permanent relationship between the Father and the Son which is effected by a pneumatological action. The intrinsic Trinitarian relationship between the Father and the Son has always been accomplished by the action of the Holy Spirit. From this same action, the Son’s incarnation took place. Mary becomes an important figure on humanity’s saving mystery. The presence of the woman called by God to become the mother of his Son marks the beginning of a new resignification of all humanity. Mary becomes the Lord’s servant, takes on the mission announced by the angel and genera-tes, through the action of the Holy Spirit, humanity’s only Savior. Therefore, Mary receives an important acknowledgment in the mysteries of her Son. He became a man, incarnate in the Virgin Mary’s womb through a pneumatolo-gical action, for the salvation of the whole human race.Keywords: Incarnation, Son, Salvation.

Introdução

Na história da salvação, há uma contínua e permanente re-lação entre o Pai e o Filho que é dinamizada pela ação pneumato-lógica, isto é, a ação do Espírito Santo. Neste artigo, abordaremos a relação trinitária entre o Pai, Filho e o Espírito Santo, bem como a economia da Trindade, na qual acontece o evento da encarna-ção na pessoa do Filho2. Toda a verdade do projeto do Pai, que se iniciou na criação, passando por inúmeras intervenções salvíficas, plenifica-se na pessoa de Jesus Cristo. Deus salva na sua paterni-

2 “Cremos e confessamos que Jesus de Nazaré, nascido judeu de uma filha de Israel, em Belém, no tempo do rei Herodes Magno e do im-perador César Augusto, carpinteiro de profissão, morto crucificado em Jerusalém sob o procurador Pôncio Pilatos, durante o reinado do im-perador Tibério, é o Filho eterno de Deus feito homem; que Ele ‘veio de Deus’ (Jo 13,3), ‘desceu do céu’ (Jo 3,13; 6,33), e ‘veio na carne’, porque ‘o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós, e nós vimos a sua glória, glória que ele tem junto ao Pai, como Filho único, cheio de graça e de verdade [...]. Pois de sua plenitude nós recebemos, graça por graça’ (Jo 1,14-16)”. (CAT n. 423).

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dade, enquanto gera seu único Filho para a humanidade. Deus é, por meio do seu Filho, conhecido como Pai. Deus é o Pai de Jesus Cristo e, em Jesus Cristo, Ele é Pai para a humanidade. Enfim, por sermos filhos do Pai, em Jesus Cristo, nos relacionamos com Deus no caminho da filiação.

Com isto, destacaremos a dimensão da revelação dentro do processo soteriológico da humanidade. Desta maneira, nós nos tor-namos filhos do Pai, por meio do Filho, uma vez que a geração filial da humanidade se plenifica na pessoa do Filho no evento da encarnação. Além de revelar o Pai, o Filho revelou o Espírito Santo, que desde sempre está presente na imanência de Deus e na economia da salvação. É a ação pneumatológica que concretiza a geração filial do ser humano.

Compreende-se, então, que Pai e Filho se conhecem, ver-dadeiramente, desde toda a eternidade, de modo que o Filho está envolvido pelo ser do Pai, e forma com Ele um todo único, embora distinto dele. Contudo, o evento da encarnação, também, necessi-tou do sim de uma mulher. Esta mulher, chamada Maria, se tornou a mãe do Filho, consequentemente, a mãe de Deus.

Com base nisto, pode-se dizer que Maria é a primeira esco-lhida dentre toda a humanidade, a portadora do Filho de Deus que ao assumir tal função, consequentemente, é dada por nossa mãe.

Do ventre materno de Maria nasceu Jesus, Filho de Deus, que clareou-nos o projeto de amor, ensinou-nos a chamar Deus de Pai. Portanto, se antes éramos, apenas, criaturas de Deus, agora, por meio do Filho, somos filhos do Pai. Por Ele e n’Ele, cada um de nós assumiu a categoria da filiação divina. Parafraseando o evangelista João, o Filho dá aos crentes o poder de se tornarem filhos de Deus. (Cf. Jo 1,12)

Sendo assim, Deus desejou revelar-se para nós, para que nós pudéssemos compreender a sua vontade, que, necessariamente, passa pelo seu Filho. Além disso, foi necessária a humilhação de Deus no evento encarnatório, para que a humanidade fosse exalta-da à condição divina, por isso o Filho se tornou homem e Deus, a “porta” de entrada da humanidade na Trindade.

Neste rebaixamento, Deus se humilha, renunciando a sua glória divina, para que a humanidade seja exaltada, dando-se, então, o encon-

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tro do homem com o divino. Desta maneira, “a encarnação do Filho de Deus revela que Deus é o Pai eterno, e que o Filho é consubstancial ao Pai, isto é, que ele é no Pai e com o Pai o mesmo Deus único”3.

Por fim, na encarnação, Jesus nos gera para o Pai como filhos e é a partir do processo de adesão ao projeto de Deus, revelado pelo Filho, que chamamos Deus de Abba, Pai. Todo este percurso é conduzido pela ação do Espírito Santo, tanto no Filho, como no próprio ser humano, que se faz filho no Filho.

1. Da imanência à economia

A revelação do Pai na pessoa do Filho ocorre na ação do Es-pírito Santo4, por conta disto, na ação de Deus tudo é trinitário, ou seja, tudo se dá e acontece em três5. Entende-se, então, que Jesus Cristo, é o único Filho de Deus, sendo também o único salvador e redentor de toda a humanidade. A mediação entre Deus e o ser humano é realizada, exclusivamente, por Ele, enquanto que o Es-pírito Santo forma uma única comunhão com o Pai e o Filho na obra salvadora. Não há nada de particular, desde o princípio, que não apareça estes Três nos escritos cristãos6.

Essa santa Trindade, indivisível segundo a comum essência e distinta segundo as propriedades das pessoas, dispensou ao gênero humano, por meio de Moisés, dos outros profetas e dos outros seus servos, a doutrina da salvação, segundo uma disposição dos tempos perfeitamente ordenada. Enfim, o Filho unigênito de Deus, Jesus Cristo, encarnado por obra comum de toda a Trindade, concebi-do de Maria sempre virgem com a cooperação do Espírito Santo, tornou-se verdadeiro homem, composto de alma racional e corpo humano, uma só pessoa em duas naturezas, e manifestou mais cla-ramente o caminho da vida7.

3 CAT n. 262.4 Cf. Luis Francisco LADARIA, O Deus vivo e verdadeiro: o mistério da

Trindade, 2013, p. 25.5 Cf. François-Xavier DURRWELL, Pai: Deus em seu mistério, 1990, p. 109.6 Cf. Luis Francisco LADARIA, op. cit., p. 135.7 DS 800-801.

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É importante ressaltar, ainda, que o ser humano não tem acesso à imanência de Deus, mas à economia de Deus, tanto que o ponto de partida da reflexão humana sobre Deus só se fundamenta na economia da salvação.

No Novo Testamento, encontramos Jesus revelando o Pai, dando-o a conhecer. Porém, após a ressurreição, Ele nos envia o Es-pírito Santo (cf. Jo 14,15-21), o mesmo que sobre o Filho desceu no batismo (cf. Mc 1,9-11) e na força dinâmica cumpre sua missão ainda hoje (cf. 1Cor 12,4-11)8. Conclui-se, assim, que a economia da salvação é a coluna vertebral de toda a teologia.

1.1 O discurso trinitário

A Trindade econômica, Deus manifesto, revelada na pessoa do Filho, é a Trindade imanente: o Pai, o Filho e o Espírito Santo na sua eterna vida em si. Somente a partir da Trindade econômica é que o ser humano pode ter acesso a Trindade imanente9, uma

8 Cf. Luis Francisco LADARIA, op. cit., 2013, p. 37.9 “As expressões desta compreensão, orientadas por este ponto de partida,

– portanto, também por nosso axioma fundamental de teologia trinitá-ria – poderiam, para não repetir as mesmas palavras, falar inicialmente (em sentido econômico) de três maneiras concretas de se apresentar e (em sentido imanente) de três maneiras concretas de existir do único e mesmo Deus, sendo que a segunda expressão remete à primeira e acres-centa expressamente que a possibilidade atual ‘imanente’ desta tríplice maneira de se apresentar, apesar da livre autocomunicação trinitária de Deus, efetuada por graça imerecida, existe permanentemente em Deus desde a eternidade, pertencendo-lhe, pois, necessária e ‘essencialmen-te’. Se se dissesse que o ‘Filho’ e ‘Espírito’, de acordo com o ponto de partida ‘econômico’ se deveriam, não obstante, considerar como manei-ras de se apresentar do Pai, não se precisaria tomar isso como objeção arrasadora contra semelhante expressão da compreensão daquilo que se entende por ‘subsistência’ e ‘hipóstase’. Pois, por um lado, do ponto de vista ‘econômico’, é fato inegável que no Filho e no Espírito o Pai mesmo se dê e, por conseguinte, seja ‘imanentemente’ ele, enquanto tem o Filho e o Espírito como os receptores de sua essência. Por outro lado, em vista de sua carência de origem, com isso mesmo se afirma que o próprio Pai tem uma maneira de se apresentar e consequentemente uma maneira de existir que o distingue do Filho e do Espírito, maneira que a rigor não procede à sua relação com o Filho e o Espírito”. (MyS, 1972, p. 326).

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vez que o Deus trino é objeto imediato de toda a perspectiva da fé cristã. “Assim, como a confissão de fé apresenta uma estrutura trinitária, também o ato de fé cristã está internamente estruturado de forma trinitária (actus ab obiecto specificatur). Por causa do en-vio do Espírito Santo ao coração do ser humano e em virtude da participação na relação filial de Jesus com o Pai, a existência cristã na graça é correlação concedida das relações entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo”10.

Neste sentido, o ser humano só pode entender o Pai, Filho e Espírito Santo, a partir do momento no qual Deus se manifesta, ou seja, somente com referência à encarnação do Filho e a ação do Es-pírito Santo é que compreendemos a Trindade, isto porque “Deus compreende todas as coisas, e ele mesmo não é compreendido pela inteligência de nenhuma criatura. Só mesmo ele conhece a sua na-tureza. Com efeito, só o Pai conhece o Filho, e só o Filho conhece o Pai, e só o Espírito Santo perscruta até as alturas de Deus”11.

Deste modo, conseguimos compreender a Trindade imanen-te, tendo em vista que a finitude nunca poderá captar a infinitude. Entretanto, fora destes casos históricos salvíficos, a Trindade ima-nente é mistério apofático12 – a via negativa da afirmação de Deus – ou seja, só podemos afirmar aquilo que Deus não é.

Sendo assim, parafraseando o teólogo Karl Rahner, a Trindade econômica é a Trindade imanente e ao mesmo tempo a Trindade ima-nente é a Trindade econômica, uma e mesma é a Trindade13, pois “a paternidade de Deus e a filiação divina de Cristo que se manifesta na ressurreição, que por sua vez oferece a chave de compreensão de toda

10 Gerhard Ludwig MÜLLER, Dogmática católica: teoria e prática da teolo-gia, 2015, p. 297.

11 ORÍGENES, Tratado sobre os princípios, 2012, IV,4,8.12 “O termo grego aphairesis indica o movimento de remover (remotio),

de suprimir ou eliminar alguma coisa. Opõe-se a prosthesis, ação de co-locar. [...]. Fílon está na origem de toda uma reflexão sobre a incompre-ensibilidade da essência (ousia) divina: ‘O bem maior é compreender que Deus, segundo sua essência (kata to einai), é incompreensível (aka-taleptos)’. A afirmação de que o conhecimento da essência divina está acima das forças naturais do homem é um lugar-comum dos primeiros teólogos cristãos”. (Jean-Yves LACOSTE, Negativa, in Dicionário crítico de teologia, 2004, p. 1240-1241).

13 Cf. Luis Francisco LADARIA, op. cit., p. 37.

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a vida de Jesus, abrem a porta para a compreensão da Trindade imante. [...] A filiação divina que Jesus vive neste mundo, e manifesta-se em plenitude na ressurreição, baseia-se, por conseguinte no próprio ser di-vino, em uma relação com o Pai prévia à sua existência humana”14.

Com relação a revelação do Deus-Trindade, esta é a mani-festação da mais íntima relação do próprio Deus, visto que a Trin-dade faz parte da essência de Deus15. Portanto, a categoria trinitá-ria não é simplesmente uma mera especulação teológica de Deus, mas Deus mesmo se revela na sua unicidade-Trindade (De Deo uno et trino): “Existe um só Deus, o Pai, de quem tudo procede e para o qual caminhamos, e um só Senhor, Jesus Cristo, por quem tudo existe e para quem caminhamos” (1Cor 8,6).

Pode-se dizer, então, que Deus se manifesta na sua economia trinitariamente para tornar o ser humano mais humano, uma vez que “[...] a Trindade que se manifesta na economia da salvação é a Trinda-de imanente; é a Trindade imanente que se comunica livremente e a título gracioso na economia da salvação”16. Por isso, a revelação neces-sita de um entendimento razoável, de uma inteligibilidade, pois à me-dida que Deus se mostra, o ser humano conhece mais de si mesmo.

Vale destacar, também, que a revelação divina gera uma an-tropologia intrínseca, na qual Deus se dá a conhecer para que o ser humano conheça a si mesmo e a Deus. Além disso, a revelação do Deus-Trindade evidencia a perspectiva salvífica, de que somos salvos na Verdade, que é o próprio Cristo.17

14 Idem, p. 100.15 Cf. François-Xavier DURRWELL, op. cit., p. 109.16 CTI, Teologia, cristologia, antropologia, 1983, p. 7.17 “[...] pressupomos e retemos radicalmente que a Trindade na história da

salvação e revelação é a Trindade “imanente”, visto que, na autocomunica-ção de Deus à sua criatura pela graça e encarnação, Deus realmente se doa a si mesmo e surge realmente como é em si mesmo, então, tendo em vista o aspecto histórico e econômico-salvífico presente na história da autorrevela-ção de Deus no Antigo e no Novo Testamento, podemos dizer: na história da salvação, quer coletiva quer individual, vêm ao nosso encontro imediato não quaisquer forças numinosas que representem a Deus, mas nos vem ao encontro e nos é dado na verdade o próprio Deus único, que em sua sin-gularidade – que nada pode substituir ou representar – advém ele próprio onde nos achamos e onde o recebemos a ele próprio e como ele próprio em sentido estrito”. (Karl RAHNER, Curso fundamental da fé, 2008, p. 168).

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A tradição dos Santos Padres, desde a época apostólica até a dogmática dos teólogos contemporâneos, preocupou-se com as formulações dos conceitos trinitários. Em virtude disto, os objetivos de cada época das construções doutrinais em relação à Trindade quiseram, contudo, mostrar “à luz da fé em Jesus, que o Deus uno e trino do qual tudo procede não está longe de nós nem de nosso mundo: permanecendo o princípio da inde-dutibilidade da Trindade a partir da criação, podemos encontrar em nossa experiência humana elementos que, ao ser iluminados pela fé, nos abrem ao menos inicialmente para o sentido pro-fundo do que somos”18. Afinal, ninguém viu Deus, mas foi o próprio Filho unigênito, que está no seio do Pai, que nos deu a conhecer (cf. Jo 1,18; 1Tm 6,16).

A respeito disto, no pensamento de Santo Irineu, encontra-mos várias formulações e conceituações para as pessoas da Santís-sima Trindade. Entretanto, Irineu não se detém em utilizar o termo Trindade, ele, porém, abordou várias fórmulas ternárias e binárias19 em alguns de seus escritos, de modo que, na sua obra Contra as He-resias, afirma que a grande obra da criação foi realizada por Deus num ato de amor20. E, por isso, Deus com suas duas mãos (Filho e Espírito) modelou toda a criação na perspectiva da salvação.

É importante ressaltar, ainda, que, na unicidade da Trindade, enquanto uma única essencialidade, a divina, se traduz concomitantemente uma trindade de pessoas (treis hypostaseis), sendo que cada uma possui uma função distinta relacional (cf. Jo

18 Luis Francisco LADARIA, op. cit., p. 38.19 O conceito ternário se aplica a fórmula de fé referente às três pessoas

divinas e o termo binário às fórmulas aplicadas as duas pessoas divinas, a saber, o Pai e o Filho.

20 “Assim, Deus é superior a tudo e todos, porque só ele é incriado, só ele é anterior a tudo, só ele é causa do ser para todas as coisas. E todas as coisas são inferiores a Deus e lhes estão submetidas, mas esta submissão é para elas a incorruptibilidade, a permanência da incorruptibilidade e a glória do incriado. Esta é a ordem, o ritmo e o movimento pelo qual o homem criado e modelado adquire a imagem e a semelhança do Deus incriado: o Pai decide e ordena, o Filho executa e forma, o Espírito nutre e aumenta; o homem paulatinamente progride e se eleva à perfeição, isto é, se aproxima do incriado, perfeito por não ser criado, e este é Deus”. (IRINEU DE LIÃO, Contra as heresias, 1995, IV,38,3).

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14,9; Hb 1,3; Cl 1,15; 2Cor 4,4). Assim, o Pai é Pai do Filho, o Fi-lho é Filho do Pai e o Espírito procede do Pai e do Filho (filioque)21.

Deste modo, o Pai e o Filho “são duas realidades pela hipós-tase, mas uma só pela humanidade, pela concórdia, pela identidade da vontade; de modo que aquele que viu o Filho, resplendor da glória, expressão da substância de Deus, viu a Deus nele que é a imagem de Deus”22. Sendo assim, quando Jesus se apresenta como Filho de Deus, Ele já revela a Santíssima Trindade vivendo na in-timidade com o Pai, ao mesmo tempo em que Ele fala do Pai e do Espírito.

O conhecimento das divinas Pessoas nos é neces-sário duplamente – primeiro, para pensarmos retamen-te da criação das coisas; pois, dizendo que todas as fez Deus pelo seu Verbo, excluímos o erro dos que ensinam que Deus as produziu por necessidade de natureza. Intro-duzindo a processão do Amor, mostramos que Deus não produziu as criaturas por precisar delas ou por qualquer outra causa extrínseca, mas pelo amor da sua bondade. Por isso Moisés, depois de ter dito – No princípio criou Deus o céu e a terra – acrescenta – Disse Deus: Faça-se a luz – para manifestar o Verbo divino; e em seguida: – E viu Deus que a luz era boa – para mostrar a aprovação do divino Amor; e semelhantemente nas outras obras. – Se-

21 “[...] o Espírito Santo é eternamente do Pai e do Filho, que tem a sua essência e o seu ser subsistente ao mesmo tempo do Pai e do Filho, e que procede eternamente de um e de outro como de um só princípio e por uma só espiração [...]; e declaramos que o que têm dito os santos Doutores e Padres, isto é, que o Espírito Santo procede do Pai por meio do Filho, favorece a compreensão de que também o Filho, como o Pai, segundo os gregos é causa, segundo os latinos princípio da subsistência do Espírito Santo. E porque tudo o que é do Pai, o próprio Pai o deu ao seu único Filho gerando-o – à exceção do seu ser Pai –, o próprio pro-ceder do Espírito Santo do Filho, o Filho tem do Pai desde a eternidade, do qual também desde a eternidade é gerado. Definimos, além disso, que a explicação dada com a expressão ‘Filioque’ foi lícita e razoavel-mente acrescentada ao Símbolo para tornar mais clara a verdade e por uma necessidade urgente daquele momento”. Bula sobre a união com os gregos: Laetentur caeli de 06 de julho de 1943. (Cf. DS 1300-1302).

22 ORÍGENES, Contra Celso, 2004, VIII,12.

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gundo e mais principalmente, para pensarmos retamente sobre a salvação do gênero humano, levada a cabo pelo Filho encarnado e pelo dom do Espírito Santo23.A partir disto, pode-se dizer que Ele age na força do Pai e

do Espírito (cf. Mt 16,15-17; Jo 20,31). Neste sentido, é a íntima ternura do Pai por seu Filho na união profunda com o Espírito Santo que possibilita nossa fé, bem como, nossa especulação trini-tária. Afinal, “Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna”. (Jo 3,16).

1.2. A relação trinitária

A “relação imanente”24 entre as três pessoas (treis hyposta-seis) da Santíssima Trindade denominamos de pericorese (circun-sessão)25, ou seja, há uma interpenetração na comunhão trinitária que não é acidental, mas relacional. Na unicidade de Deus, há uma diferença entre as três pessoas por aquilo que as constitui26, uma vez que nenhuma delas é pessoa como a outra, mas é pessoa em relação à outra27, visto que o Pai só é Pai em relação ao Filho e o

23 STh I, q. 32, art. 2.24 Cf. DS 112; 115; 1331.25 “O verdadeiro Deus é Trindade pelas pessoas, Um pela natureza. Por

esta unidade natural, o Pai está inteiramente no Filho e no Espírito, as-sim como o Espírito Santo está inteiramente no Pai e no Filho. Nenhum deles é exterior aos outros”. (Jean-Yves LACOSTE, Circunsessão, in Dicionário crítico de teologia, 2004, p. 388).

26 “[...] em Deus existe somente um poder, uma vontade, um único es-tar-consigo, um único agir, uma única felicidade, etc. A consciência de si não é, pois, um momento que distinga as ‘pessoas’ divinas entre si, embora cada ‘pessoa’ divina, em concreto, tenha consciência de si. Aqui, portanto, é preciso excluir cuidadosamente do conceito de pessoa tudo o que significaria três subjetividades”. (MyS, 1972, p. 326).

27 “Parece que se deve pensar que há relações porque há pessoas; essas seriam o primeiro. Precisamente porque o Pai, o Filho e o Espírito San-to são tais, estão relacionados, e não inversamente. O concreto deve preceder o abstrato. O uso da categoria da relação ajudou a manter a distinção pessoal afirmando ao mesmo tempo a unidade da essência”. (Luis Francisco LADARIA, op. cit., p. 269).

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Filho só é Filho em relação ao Pai. Isto, também, acontece com o Espírito, que é relacional do Pai e do Filho28.

Deste modo, não se trata de uma relação substancial em si mesmo, na qual afirmaríamos que o Pai é Pai em si e o Filho é Fi-lho em si, mas se trata de uma interpenetração relacional entre as três pessoas29, a qual não é apenas uma relação acidental, porque o ser Pai e ser Filho é eterno e imutável. “Portanto, ainda que seja diferente ser Pai e ser Filho, não significa que haja diferença de substância, pois isso não é dito conforme a substância, mas sim segundo uma relação”30. Essa relação é de suma importância para trabalharmos o aspecto da relação da Trindade com o ser humano.

As duas processões a partir do Pai, respectivamente do Pai pelo Filho, isto é, a geração do Filho como auto-expressão do Pai e a única espiração, a origem do Espírito procedente do Pai e do Filho como princípio único do Espírito. As três relações de origem, dadas com isso, constitutivas de pessoas (enquanto opostas): o ser-em-origem (inascibilidade, o não--ser-nascido, Pater ingenitus) do Pai como origem do Filho (paternidade), a procedência por geração (expressão) a par-tir do Pai (filiação), sendo que estas duas relações se identi-ficam com a espiração ativa do Espírito pelo Pai e o Filho; a processão do Espírito a partir do Pai e do Filho (como oposta à espiração ativa)31.

Afirma-se, então, que a Trindade é relacional em si mesma, bem como, se tornou relação com o ser humano na encarnação do Filho. O ponto do encontro relacional entre Deus e sua criatura

28 “O Espírito é amor, e habita o coração do fiel enquanto amor. Ele não procura criar laços de amizade entre si mesmo e o fiel: ele é esta ami-zade, a comunhão que se estabelece entre o Pai, o Filho e o fiel. [...]. Graças ao Espírito, também o Pai e o Filho estão presentes. No mistério divino, o Espírito é o poder operante, o amor no qual Deus gera, e o Filho é gerado. Pela presença do Espírito no fiel, está presente nele o Pai, que gera o Filho e seus fiéis, está presente nele o Filho, no qual os fiéis são gerados”. (François-Xavier DURRWELL, op. cit., p. 79).

29 Cf. AGOSTINHO, A Trindade, 1994, V,5,6.30 Ibidem.31 MyS, 1972, p. 329.

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está na pessoa de Jesus Cristo: “a pedra que os construtores rejei-taram tornou-se a pedra angular” (Sl 118,22). Quanto a isto, cate-goricamente, Rahner explicita esta relação de como se apresenta as três pessoas da Santíssima Trindade ao ser humano dentro da dimensão econômica:

À medida que este mesmo Deus uno está presente para nós em Jesus Cristo na história concreta de nossa existência como ele próprio em sentido estrito – ele próprio e não uma representação dele –, nós o chamamos de “logos” ou “Filho” simplesmente. À medida que este Deus, que como Espírito e Logos vem a nós, é e sempre se mantém como o inefável, o mistério santo, o fundamento e origem inabarcáveis de sua vinda no Filho e no Espírito, nós o chamamos de Deus uno, o Pai. À medida que no Espírito, no Logos-Filho e no Pai se trata de que Deus mesmo se doa a si próprio e não outra realidade distinta dele, devemos dizer em sentido es-trito do Espírito, do Logos-Filho e do Pai da mesma maneira que eles são o único e mesmo Deus na ilimitada plenitude da única divindade, na posse de uma só e mesma essência divina. À medida que a maneira de estar presente para nós de Deus como Espírito, Filho e Pai não significam a mesma maneira de estar presente, ou seja, à medida que realmente na maneira de estar presente para nós estão dadas verda-deiras e reais distinções, essas três maneiras de Deus estar presente para nós devem ser distinguidas em sentido estrito. ‘Para nós’, o Pai, o Filho-Logos e o Espírito não são de ime-diato os mesmos. E à medida, porém, que essas maneiras de estar presente de um só e mesmo Deus para nós não devem suprimir a real autocomunicação de Deus como o único e mesmo Deus, as três maneiras de estar presente do único e mesmo Deus devem caber a ele próprio como o único e mesmo Deus, devem caber-lhe a ele em si e por si mesmo32.Com base nisto, pode-se dizer que a Trindade deseja relacio-

nar-se com o ser humano. Por conta disto, a pessoa do Filho, dentre as três pessoas da Santíssima Trindade, se encarnou, assumindo to-

32 Karl RAHNER, op. cit., p. 168-169.

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das as características próprias da vida humana. Isto porque o amor que interpenetra na Santíssima Trindade desceu para se relacionar com o ser humano. Portanto, não há maior ato de amor de Deus pela sua criatura, do que o envio de seu próprio Filho unigênito. Na encarnação do Filho, tornamo-nos filhos do mesmo Pai: “nisto manifestou o amor de Deus por nós: Deus enviou o seu Filho úni-co ao mundo para que vivamos por ele” (1Jo 4,9).

2. Ele se fez homem

“E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós”. (Jo 1,14a). A encarnação de Deus é a encarnação da pessoa do Filho. Desde toda a eternidade, há em Deus a intenção da encarnação, contudo só chegamos a tal verdade pelo acontecimento temporal de cará-ter definitivo. Mesmo sendo a pessoa do Filho que se encarna, a encarnação é sempre uma obra de toda a Trindade, pois “a encar-nação do Filho de Deus é que vai mostrar que Deus não é apenas uma Ideia, ou o Uno, ou o Princípio dos filósofos, mas alguém Vivo: um Deus que veio falar a nós, revelar-se a nós, amando e desejando ser amado”33.

Percebe-se, então, que a encarnação aumenta o mistério do grande paradoxo para a razão humana, ou seja, o Deus experimen-tado por todo o cristianismo não é somente aquele Deus transcen-dente, imutável e infinito, mas é, também, por meio da encarnação, o Deus que autocomunica seu amor pelo ser humano se fazendo um de nós.

Portanto, Deus se faz homem para aproximar-se do ser hu-mano. Deus se humilha, encarnando-se para elevar seus filhos, uma vez que “o igual é conhecido pelo igual, isso se aplica exclusi-vamente à relação do Pai e do Filho entre si. O desigual se conhece, isso se aplica à revelação aos homens, por meio do Filho”34.

33 Pedro Rubens F. de OLIVEIRA; Claudio PAUL (org.), Karl Rahner em perspectiva, 2004, p. 71.

34 Jürgen MOLTMANN, Trindade e Reino de Deus: uma contribuição para a teologia, 2011, p. 82.

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Por fim, a encarnação não é apenas um acontecimento mo-mentâneo, mas é o evento que marca a história da vida de Jesus35, pois toda a dicotomia que existia foi excluída e n’Ele não houve nenhuma distância entre suas palavras e suas obras, entre o seu ser e o seu agir. Assim, a encarnação se tornou a ponte entre Deus e o ser humano no espaço e no tempo (cf. Jo 14,6). Por isso, a fé cristã pressupõe crer em um Deus que assume a condição existencial humana.

2.1. Humilhação na encarnação

Na encarnação, Cristo não perde a sua forma de Deus ao se encarnar. Ele poderia ter se manifestado como Deus, mas renun-ciou ao direito de ser chamado como Deus, o que quer dizer que Jesus não aproveitou desta situação, da sua igualdade com Deus, ou seja, Ele não usou do seu status divino: “Ele, estando na forma de Deus não usou de seu direito de ser tratado como um deus mas se despojou tomando a forma de escravo. Tornando-se semelhan-te aos homens e reconhecido em seu aspecto como um homem abaixou-se, tornando-se obediente até a morte, à morte sobre uma cruz” (Fl 2,6-8). Jesus na eternidade em Deus, ao se encarnar no seio da Virgem Maria pela ação do Espírito Santo, Ele renunciou ao título de ser chamado como Deus, ou seja, “como Cristo no início estando em Deus, assim Ele estava no mundo; como tudo por meio d’Ele foi feito, assim também o mundo por meio d’Ele veio a existir; como a luz ilumina a escuridão, porém o mundo não o reconheceu”36.

35 “A graça em todos nós e a união hipostática somente em Jesus Cristo, ambas só se podem pensar conjuntamente e significam na sua unidade uma única e livre decisão de Deus de estabelecer a ordem da salvação sobrenatural, de comunicar-se a si próprio. Em Cristo acontece a auto-comunicação de Deus em linha de princípio para todos os homens. É claro que não no sentido de que também estes tenham a união hipos-tática enquanto tal, mas no sentido de que a união hipostática acontece à medida que Deus quer comunicar-se a todos os homens na graça e na glória”. (Karl RAHNER, op. cit., p. 242).

36 Rudolf SCHNAKENBURG, Neues Testament, 1974, p. 259. [Tradução nossa].

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A partir disto, vale ressaltar que, no hino de Filipenses, encontramos o verbo que significa esvaziar-se, abrir mão de sua prerrogativa, logo Jesus na encarnação deixou a sua glória divina, o seu direito de ser chamado como Deus, para as-sumir a condição de homem. Consequentemente, “o resultado é o Deus-servo, provocador de perplexidade na compreensão humana, pois o homem-servo é o contraponto natural do Deus--servo”37.

Compreende-se, então, que o tema da kénosis38, que mar-ca o hino de Filipenses, significa o ato de esvaziar de si mesmo, extenuar, reduzir-se a nada sem perder a sua própria identidade. A kénosis divina, que começou com a criação do mundo, chega agora à sua forma completa e plena na encarnação do Filho39, de modo que o processo kenótico alcança seu objetivo num estado de humilhação: “a sua significação teológica está no fato de o Novo Testamento utilizá-la para expressar a realidade de Jesus Cristo, Filho/Verbo de Deus que, sendo Deus, a Segunda Pessoa da Trindade, aniquilou-se, humilhou-se e assumiu a condição humana”40.

Sendo assim, a humilhação voluntária do encarnado vem do próprio Deus. Deus mesmo o exalta até a maior altitude e lhe confere seu próprio e supremo nome Kyrios. Por isso, a comunida-de cristã confessa com este hino por toda a criação, que Kyrios é

37 Dionísio Oliveira SOARES, O hino cristológico de Filipenses 2,5-11, in Estudos Bíblicos 102 (2009), p. 35.

38 “O termo Kénosis, formado pelos Padres gregos a partir do verbo Ké-noô, ‘esvaziar’ (e portanto, como o pronome reflexivo, ‘esvaziar-se de si mesmo’), encontra sua origem numa expressão do hino de Fl 2,7. A designação de Jesus como Senhor (2,9) é precedida nesse contexto de uma sequência que descreve a humilhação daquele que era de ‘condi-ção divina’ (2,6). Sua elevação vem ao fim de uma descida e de uma aniquilação (heauton ekenêsen) até a obediência da morte na cruz. Todo o evento de Jesus é fruto da livre iniciativa daquele que ‘não considerou como presa a agarrar o ser igual a Deus’ (2,6), mas escolheu a condição de servo”. (Jean-Yves LACOSTE, Kenosis, in Dicionário crítico de teolo-gia, 2004, p. 984).

39 Cf. Jurgen MOLTMANN, Trindade e o Reino de Deus: uma contribuição para a teologia, 2011, p. 129.

40 Donizete José XAVIER, A Teologia da Santíssima Trindade, 2005, p. 87.

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Jesus Cristo e que o exaltado não é um segundo ser divino que está ao lado de Deus, mas é Aquele por meio do qual acontece a obra escatológica de Deus, que provém do Pai e está direcionado para Ele e só por Ele é incluso na unicidade de Deus41. Portanto, “Deus soberanamente o elevou e lhe conferiu o nome que está acima de todo nome”. (Fl 2,9).

Pode-se dizer, então, que a absoluta imutabilidade de Deus não permite entender a kénosis como renúncia à natureza divina, mas, unicamente, como desprendimento da majestade divina, isto é, um desinteresse da majestade divina por um ob-jetivo, um desapego, um despojamento, um esvaziamento, uma verdadeira atitude kenótica.

Além da natureza divina, que Jesus continuou possuindo, Ele tomou a natureza humana. O Cristo, que se manifestou em forma de servo, é uma pessoa que possui uma natureza divina e uma natureza humana. Deste modo, a kénosis é um dogma de fé que afirma a verdadeira identidade de Jesus Cristo, a saber, Ele é Deus e Filho de Deus.

Em todos os símbolos de fé, expressa-se a crença da Igre-ja na divindade e filiação divina de Jesus Cristo, isto é, de que Ele possui a infinita natureza divina com todas as suas perfeições por ter sido gerado eternamente por Deus-Pai. No símbolo Quicumque, verificamos que “é necessário para a sal-vação eterna que também creia firmemente na encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo. É, portanto, reta fé que cremos e professamos que Nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, é Deus e é homem (tanto Deus como igualmente homem): é Deus gerado antes dos séculos da substância do Pai, e é ho-mem nascido no século da substância da mãe; perfeito Deus, perfeito homem [...]”42.

Compreende-se, assim, que Deus não vem ao encontro do homem somente em aspecto divino, mas em aspecto divino-hu-mano, no seu Filho feito homem e crucificado. Nesta perspectiva, a ruptura com Deus é querer saltar prepotentemente o tempo, ignorar a própria condição de criatura e a própria encarnação, a

41 Cf. Theodor SCHNEIDER (org.) et alii, Manual de dogmática, 2002, p. 284.42 DS 76.

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presença de Deus em nossa vida e em nossa realidade, arrogando a si mesmo de onipotência e decisão por si próprio.

Com isto, a característica do autoesvaziamento propriamen-te é chamada de caridade ou doação. Da mesma maneira, o ser humano consegue apreender na pobreza e na doação, na medi-da em que possui potencial, mas, plenamente, só se encontra em Deus, neste Deus que é amor (cf. Jo 4,16). Portanto, é na doação que o homem consegue desenvolver atitudes de colaboração, de compaixão, e à medida que os desenvolve, o homem se humaniza e se abre ao transcendente.

Logo, o homem participa da natureza divina quando se su-pera absolutamente, quando constitui uma transcendência viva, se abre para ele mesmo. É a plenitude humana visualizada num en-contro total com Deus que não se realiza apenas na glória, mas no processo da vida mortal, no caminho da fé, no amor, na esperança e na filiação43.

2.2 Filho: Homem e Deus

A construção dogmática do Concílio de Calcedônia, acerca da cristologia fundamental, expressa uma reelaboração de todo o discurso teológico sobre a natureza de Jesus Cristo que, no tempo patrístico, fora discutido entre muitas teorias contrárias, bem como favoráveis.

Em virtude disto, a história da construção do dogma cristo-lógico abarcou vários concílios e sínodos. Muitos bispos, teólogos e até mesmo aqueles que não tinham um pensamento favorável à doutrina se depuseram a tratar sobre o assunto das duas naturezas do Filho44, tanto que, em 451 d.C., o Concílio Ecumênico de Cal-cedônia, no contexto da discussão monofisita, afirmou a unidade na distinção das duas naturezas de Cristo45.

43 Cf. Leonardo BOFF, Graça e experiência humana: a graça libertadora no mundo, 2012, p. 212.

44 Cf. DS 2-76.45 Cf. DS 301-302.

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Isto quer dizer que, no evento da encarnação, Deus as-sume a existência humana, eis que o Filho é enviado ao tem-po e ao espaço, assumindo o ser humano inteiramente e não apenas uma aparência humana, ou seja, tudo o que faz parte da essência da natureza humana fora assumido por Jesus na encarnação46.

Jesus é verdadeiramente homem, possuindo simplesmente tudo o que é parte de um homem, inclusive subjetivida-de finita, na qual – à sua maneira própria e singular, his-toricamente condicionada – o mundo chega a si mesmo, e subjetividade finita que, precisamente pela autocomunica-ção divina na graça, situa-se em radical imediatez para com Deus, como também é dada a nós na profundidade de nossa existência. Tal imediatez de proximidade a Deus repousa, assim como a nossa, na autocomunicação de Deus mediante a graça e a glória47.

Afinal, como bem postulou Santo Irineu na patrística: aqui-lo que porventura não foi assumido, não foi redimido48. Agora, “se, no entanto, Jesus não é realmente um de nós, a humanidade não foi unida com a divindade e não podemos ser salvos, pois a vali-dade da obra na realidade da morte de Cristo, ou ao menos sua aplicabilidade a nós como seres humanos, depende da realidade da humanidade dele, assim como sua eficácia depende da genuinida-de de sua divindade”49.

Entende-se, então, que a unidade pessoal e essencial do su-jeito na existência concreta é o Cristo. Sendo assim, no Verbo en-carnado, na hipóstase do Filho, há duas naturezas distintas, isto é,

46 “O dogma cristão da encarnação deverá, portanto, expressar o seguinte: Jesus é verdadeiramente homem com tudo o que isto comporta, com sua finitude, mundanidade, materialidade e com a sua participação na história deste nosso cosmos na dimensão do espírito e da liberdade, na história que atravessa a porta estreita da morte”. (Karl RAHNER, op. cit., p. 236).

47 Idem, p. 235-36.48 Cf. Olegário Gonzalez de CARDEAL, Jesus de Nazaret: aproximación a

la cristologia, 1975, p. 224.49 Millard ERICKSON, Teologia sistemática, 2015, p. 680.

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duas substâncias em um mesmo sujeito, ao passo que, na união da natureza divina com a natureza humana, não há nenhuma diluição de uma substância na outra50.

Por conta disto, na solidariedade da encarnação, Deus, como ser humano, fundamenta o projeto salvífico para toda a humanidade: “com efeito, o Filho no qual Deus cria o mundo é o Cristo da glória, divinamente gerado na morte para a salvação de todos. Deus é o salvador dos homens em Cristo quando o gera para eles, através da morte, na glória; ele é também seu criador porque os cria em Cristo, pela mesma geração. ‘Tudo é criado nele’, como tudo é salvo nele, na ação paterna em relação ao Filho neste mundo”51.

Conclui-se, então, que o Filho é homem e Deus, possui as duas naturezas, após a encarnação que permanece, também, após a ressurreição. Alem disto, Jesus é Deus e, portanto, é adorado e glorificado, contudo Ele não tem aparência de Deus, mas é o próprio Deus encarnado, pois “nosso Salvador e Senhor, em sua relação com o Pai e Deus do universo, é não ‘uma só carne’, não ‘um só Espírito’, mas – o que é superior à carne e ao espírito – um só Deus”52.

Por fim, Jesus é gerado da mesma substância (ousia) do Pai (ek tes tou patros ousias), de modo que Ele é homooúsios, ou seja, possui a natureza divina. Ademais, pela encarnação no ventre de uma mulher chamada Maria, Ele também possui a natureza hu-mana. Assim, em Jesus, coexistem duas naturezas que não sofre divisão, nem mistura e nem separação53.

50 “Na verdade, o corpo de Cristo era de substância idêntica à dos demais homens. Era corpo humano, e embora por novo prodígio nascido so-mente de uma virgem, era todavia mortal, e teve a sorte comum a seus semelhantes. Mas, por causa do advento do Verbo, não estava sujeito à corrupção, conforme as exigências da natureza. Com efeito, pela inabi-tação do Verbo de Deus, estava isento da corrupção”. (SANTO ATA-NÁSIO, A encarnação do Verbo, 2002, 20,4).

51 François-Xavier DURRWELL, op. cit., p. 115.52 Bernard SESBOÜÉ (dir.), História dos dogmas: o Deus da Salvação,

2005, p. 196.53 Cf. Idem, p. 200.

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2.3 Nasceu de uma mulher

“Quando, porém, chegou a plenitude dos tempos, enviou Deus o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial” (Gl 4,4).

Na pessoa da Virgem Maria, temos a imagem perfeita do Espírito na sua função de geração do Filho, visto que Maria, pelo Espírito Santo, trouxe o Filho de Deus em seu ventre. Em virtude disto, ela foi assumida pelo poder da ação pneumatológica (cf. Lc 1,35), de modo que podemos dizer que Maria expressou a sua maternidade na obediência à vontade de Deus e que seu sim foi importante para o desenvolvimento do projeto do Pai, entretanto o centro deste projeto é o seu próprio Filho, Jesus Cristo.

Vale destacar, aqui, que, no discurso cristológico, precisamos abordar a dimensão acerca do pensamento mariológico. Sabe-se que Maria nasceu numa família humilde, mas foi engradecida pelo projeto de Deus para sua vida: “eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo tua palavra” (Lc 1,38).

Com isto, pode-se dizer que o “sim” mais importante da his-tória de toda salvação foi dado por uma mulher e este anúncio do evento encarnatório mudou todo o percurso da história, tanto que Maria é aquela que compreende no seu ser a divindade e a huma-nidade de seu Filho.

A partir disto, afirma-se, então, que há uma íntima e estreita relação entre a cristologia e a mariologia, uma vez que “na Virgem Maria, de fato, tudo é relativo à Cristo e dependente dele: foi em vista dele que Deus Pai, desde toda a eternidade, a escolheu Mãe toda santa e a plenificou com dons do Espírito a ninguém mais concedidos”54. Por este motivo, Jesus nasceu da Virgem Maria pela ação do Espírito Santo (cf. Lc 1,26-38)55.

54 MC 25.55 “De acordo com a fé eclesiástica, a filiação divina de Jesus não se funda

no fato de não haver ele tido um pai humano; a divindade de Jesus não ficaria abalada, Se ele tivesse nascido de um matrimônio humano nor-mal. A filiação divina, de que nos fala a fé, não é, com efeito, um fato biológico, mas ontológico; não um acontecimento no tempo, mas na eternidade de Deus: Deus sempre é Pai, Filho e Espírito; a conceição de Jesus não significa o nascimento de um novo Deus-Filho, significa que

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Com relação à virgindade de Maria, esta está intima-mente fundamentada na encarnação de Jesus, ao passo que “a geração e concepção virginal de Maria não é um mistério concernente, em primeiro lugar, a Maria. É um dado cristoló-gico que visa, em primeiro lugar, à pessoa de Jesus. É só num segundo tempo, como que por ricochete, que sua realidade claramente afirmada tornou-se fonte de honra e de glória para a Virgem Maria”56.

Sendo assim, Maria é a mãe de Jesus57, a mãe do Fi-lho de Deus, logo Ela é Mãe de Deus58 (theotokos) (cf. Mt 1,18; 2,11.13.14.20.21; 12,46.47; 13,55; Mc 3,31.32; 6,3; Lc 2,34.48.51; 8,19.20; Jo 2,1.3.5.12; 19,25.26; At 1,14).

Com base nisto, pode-se dizer que, no mistério da ma-ternidade virginal de Maria, se encontra o divino e o humano. Assim, “a Virgem Maria na anunciação do anjo recebeu o Verbo de Deus no coração e no corpo e trouxe ao mundo a Vida”59, por isso ela é mãe do único Filho de Deus, consubstancial ao Pai pela divindade e deu à luz a Jesus com todos os seus aspectos biológicos e humanos.

Portanto, segundo os santos Padres, afirmamos “em sen-tido próprio e verdadeiro, que Maria, santa, sempre virgem e imaculada, é mãe de Deus, visto que o Verbo de Deus gerado por Deus Pai antes de todos os séculos, ela, no fim dos séculos, concebeu especialmente e verdadeiramente do Espírito Santo, sem semente humana, e pariu sem corrupção, permanecendo inalterada a sua virgindade depois do parto”60 (Virginitas ante partum; virginitas in partu; virginitas post partum)61.

Deus, como Filho, assume a si a criatura-homem, no homem Jesus, de modo a ‘ser’, ele mesmo, homem”. (Joseph RATZINGER, Introdução ao cristianismo, 2005, p. 229-230).

56 Bernard SESBOÜÉ (dir.), História dos dogmas: os sinais da salvação, 2005, p. 474.

57 Cf. DS 294; 427; 502-504.58 Cf. DS 251.59 LG 53.60 DS 503.61 Cf. Gerhard Ludwig MÜLLER, op. cit., p. 340.

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Desta maneira, é missão de toda a Igreja constituída por Jesus Cristo, adorar a Santíssima Trindade, o Pai, Filho e o Es-pírito Santo, e venerar, gloriosamente, a sempre Virgem Maria, Mãe de Deus, de nosso Senhor Jesus Cristo e que nos foi dada por mãe aos pés da cruz62. “Esta união da Mãe com o Filho na obra da Redenção alcança o ponto culminante no Calvário, onde Cristo ‘se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha’ (Hb 9,14), e onde Maria esteve de pé, junto à Cruz (Jo 19,25), ‘sofrendo profundamente com o seu Unigênito e associando-se com ânimo maternal ao seu sacrifício, consentindo amorosamen-te na imolação da vítima que ela havia gerado’, e oferecendo-a também ela ao eterno Pai”63.

Então, pela obra de seu Filho Redentor, por meio de uma graça singular e especial, Maria foi preservada do pecado origi-nal, do qual decorre uma santidade pessoal, a preservação frente à concupiscência e a liberdade do pecado64. Por conta disto, Maria também foi redimida aos céus por meio da graça de seu Filho, isto é, ao final de sua vida terrena, ela alcançou a consumação da tota-lidade de sua existência humana (corpo e alma) sendo assumida na glória celeste de Deus65.

Enfim, a partir da função histórico-salvífica, Maria está in-timamente unida à obra soteriológica, isto porque “no tocante à Igreja, mostra-se como o primeiro membro da comunidade de fé que tem seu princípio em Cristo. Ela é, portanto, a pessoa em quem se revela, de maneira arquetípica e exemplar, o alcance to-tal da relação do ser humano com as três pessoas divinas. Maria é a primeira e plenamente redimida e cunha aquela pró-existência que, a partir de Cristo, determina internamente todos os membros da Igreja [...]”66. Assim, Maria, pela ação do Espírito Santo em sua vida, ao cumprir o projeto do Pai se filia ao Pai, se tornando discí-pula de seu Filho.

62 Cf. LG 52.63 MC 20.64 Cf. DS 1573; 2803.65 Cf. DS 3903.66 Gerhard Ludwig MÜLLER, op. cit., p. 341.

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3. Ele elevou-nos à categoria de filhos

Somente pela dinâmica da filiação divina entre o Pai e o Fi-lho é que o ser humano pode compreender a sua própria filiação, uma vez que somos filhos do Pai pela filiação do seu único Filho unigênito.

Na realidade, o mistério do homem só se torna claro ver-dadeiramente no mistério do Verbo encarnado. Com efeito, Adão o primeiro homem era figura daquele que haveria de vir, isto é, de Cristo Senhor. [...]. Com efeito, por Sua en-carnação, o Filho de Deus uniu-se de algum modo a todo homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com inteli-gência humana, agiu com vontade humana, amou com co-ração humano. [...]. Tal e tamanho é o mistério do homem que pela Revelação cristã brilha para os fiéis. Por Cristo e em Cristo, portanto, ilumina-se o enigma da dor e da morte, que fora de seu Evangelho nos esmaga. Cristo ressuscitou, com Sua morte destruiu a morte e concedeu-nos a vida, para que, filho no Filho, clamemos no Espírito: Abba67, Pai68.A partir disto, pode-se dizer que o processo de adesão à

mensagem proveniente da revelação é primordial para o processo de filiação da humanidade no Filho, pois a filiação da humani-dade só tem sentido e fundamento na filiação do Filho. Por isso, a geração filial da humanidade alcança seu ápice na pessoa do Filho, principalmente no evento da encarnação, porque além de revelar o Pai, o Filho revelou o Espírito Santo, que desde sempre

67 “A alocução ‘Abba – Pai’ pertence às pouquíssimas joias que a proto-comunidade nos conservou, não traduzidas, da linguagem aramaica de Jesus, por ter percebido nela, de modo impressionante, a ele próprio. Ela se distingue da expressão ‘Pai’ do Antigo Testamento, porquanto Abba representa uma fórmula de maior intimidade (comparável, embora mais elevada do que a palavra ‘papai’); a intimidade que lhe é ineren-te, excluía, no judaísmo, a possibilidade de relacioná-la com Deus; tal aproximação não cabia ao homem. Que Jesus rezasse assim, que falasse com Deus usando esta palavra, exprimindo uma forma nova e toda sua de intimidade com Deus, eis o que a cristandade primitiva conservava em mente conservando esta palavra com o seu timbre original”. (Joseph RATZINGER, op. cit., p. 180-181).

68 Cf. GS 22.

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A ética do amor autêntico a partir da obra

está presente na imanência de Deus e na economia da salvação e é a ação pneumatológica que concretiza a geração filial do ser humano no Filho.

3.1 Adesão ao projeto do Pai

A fé ao projeto do Pai, revelado por seu Filho na encarna-ção, tornou-se um evento histórico que configura a vida de todo aquele que crê, visto que a encarnação do Filho modificou muitas teorias e pensamentos, mudou a história da humanidade, por isso não pode ser considerada e nem igualada a um mero acontecimen-to acidental da história, já que foi algo planejado e projetado no coração do Pai.

Sobre isto, o quarto evangelho afirma que o Verbo é “a luz verdadeira que ilumina todo homem” (Jo 1,9), isto é, a Palavra de Deus se faz carne, se fez pessoa para elevar toda humanidade à graça de Deus, pela Graça encarnada somos elevados à Trindade. Por esta ação e função salvífica Jesus reconciliou todo o gênero humano com seu único Criador. Assim, “o que em Jesus uma vez já aconteceu, irradiou para todos e em comunhão com ele na fé, tal realidade já nos aguarda”69.

Portanto, o ato de crer é essencial para a vida de todo cris-tão. “[...] todo ser humano precisa de alguma forma tomar posi-ção diante desse âmbito das decisões fundamentais; e para o ser humano não existe outra maneira de fazê-lo que não seja a fé. Existe uma área que ninguém pode contornar totalmente. Todo ser humano precisa crer de alguma maneira”70. Entende-se, então, que ter fé, fundamentada na revelação, é depositar a própria vida e história n’Aquele que se configura como o centro norteador de toda razão e coração.

[...] chegamos a maneira cristã de ter fé, o que significa con-fiar-se ao sentido que sustenta a mim e ao mundo, reconhe-cê-lo como a base firme sobre a qual posso firmar-me sem

69 Wolfhart PANNENBERG, Grundzüge der Christologie, 1976, p. 250. [Tradução nossa].

70 Joseph RATZINGER, op. cit., p. 54.

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receio. Recorrendo a uma linguagem mais tradicional, pode-ríamos dizer: crer segundo a maneira cristã de ter fé significa compreender a existência como resposta à palavra, ao Logos que sustenta e conserva todas as coisas. Significa aceitar que o sentido, que não podemos produzir mas apenas receber, já nos foi dado, de modo que precisamos tão somente aceitá-lo confiando-nos a ele. Dessa maneira, a fé cristã correspon-de à opção que coloca o aceitar antes do fazer, o que não significa absolutamente que o fazer seja menosprezado ou até declarado supérfluo. Só por termos recebido, podemos passar ao “fazer”. Além disso, a fé cristã significa, conforme já dissemos, assumir a opção de que o invisível é mais real do que o visível. Ela é a adesão ao primado do invisível e do real verdadeiro que nos sustenta e que, por isso mesmo, nos capacita a enfrentar o visível com serenidade plácida, numa atitude de responsabilidade ante o invisível como verdadei-ro fundamento de todas as coisas71.Compreende-se, assim, que a fé na revelação do Filho se

torna o substrato para o entendimento do mistério de Deus, visto que “o ensinamento por si só não poderia suscitar a fé em Jesus como Filho de Deus. Ensinar é transmitir ideias, mas o discípulo de Jesus não só acolhe ideias, mas também adere a uma pessoa. Não basta, por isso, ouvir um discurso; para se crer no Filho de Deus é necessário encontrá-lo como Filho de Deus”72.

Deste modo, é preciso encontrar para crer, e é preciso crer para entender, pois quando se deseja apenas entender sem crer, deixa de ser teologia e se transforma em ciência, logo “a fé nunca foi simplesmente uma atitude que descesse de forma automática ao desnível da existência humana; ela foi sempre uma decisão que envolve toda a profundeza da existência, exigindo sempre uma virada do ser humano condicionada por uma decisão”73.

Quanto a isto, Paulo afirma que o processo da fé, também, passa pela atitude daquele que escuta (cf. Rm 10,17), de modo que a adesão abre o ser humano para a compreensão de sua filia-

71 Idem, 54-55.72 François-Xavier DURRWELL, op. cit., p. 20.73 Joseph RATZINGER, op. cit., p. 40.

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ção, uma vez que é através da fé que o ser humano se torna “filho crendo”, afinal “a todos que o receberam deu o poder de se torna-rem filhos de Deus: aos que creem em seu nome”. (Jo 1,12).

Vale ressaltar, ainda, que João explicita claramente que filia-ção e glorificação são inseparáveis: “Pai, chegou a hora: glorifica o teu Filho, para que teu Filho te glorifique, e que, pelo poder que lhe deste sobre toda carne, ele dê vida eterna a todos os que lhe deste” (Jo 17,1).

Além disto, “[...] o Espírito é o poder e a glória de Deus em sua paternidade. É por ele que Deus sai de si mesmo em seu Filho: ele o gera por meio dele no mundo, na origem da vida de Jesus; por meio dele, ele leva Jesus à culminância pascal de sua finalidade; é também por meio dele, que ele o gera no eterno mistério trinitá-rio”74.

Conclui-se, então, que todo ser humano foi criado para glo-rificar o seu Criador, logo a glorificação do Pai e do Filho se tornam modelo da glorificação do ser humano a Deus. Isto porque “tal é a glória de Deus. É assim que ele é reconhecido em sua verdade, que é adorado, louvado, agradecido, quando é bendito como Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”75.

Por fim, é pela atitude de glorificação, de adesão, que o ser humano vai se filiando, tornando-se filho do Pai. Assim, “o Deus dos fiéis é, pois, o Deus Pai de Jesus Cristo. Sabê-lo é da maior im-portância para os fiéis: em relação a eles, Deus é, em todas as suas ações, o Deus-Pai que gera o Filho único e os gera nele”76.

3.2 Geração da humanidade na encarnação

Na preexistência do Filho no Pai – geração eterna, como afirma Orígenes – não podemos tratar ainda de uma filiação no Fi-lho, afinal no Antigo Testamento o Verbo ainda não havia se encar-nado. Apenas, podemos abordar uma especulação de que Javé, no Antigo Testamento, também, é considerado o Pai do povo eleito.

74 François-Xavier DURRWELL, op. cit., p. 26.75 Idem, p. 14.76 Idem, p. 14-15.

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Portanto, observemos que o eixo condutor desta geração da humanidade é a revelação do Pai na plenitude da encarnação e que este é o evento histórico que marca a geração da humani-dade em Jesus Cristo, pois tudo fora realizado por Ele, para Ele e por meio d’Ele:

Mas foi o próprio Todo poderoso, o Criador de todas as coi-sas, o Invisível, o próprio Deus que, enviando-o do alto dos céus, estabeleceu entre os homens a Verdade, o Verbo san-to e incompreensível, e o consolidou em seu coração. Não [...] que tenha enviado aos homens algum subordinado [...], mas sim, o Artesão e o Organizador do universo; foi por ele que Deus criou os céus, foi por ele que encerrou o mar em seus limites; ele é aquele cujas leis misteriosas todos os elementos cósmicos observam fielmente [...]; é aquele de quem todas as coisas receberam disposição, limites e hierar-quia [...]; é aquele que Deus enviou aos homens [...] com toda clemência e doçura, como um rei envia seu Filho. Ele o enviou como Deus que era, enviou-o como convinha que fosse para os homens – para os salvar pela persuasão, não pela violência: não há violência em Deus77.Isto quer dizer que desde a eleição, Deus tem atitudes pater-

nas para todo aquele que permanece no seguimento. Neste senti-do, Deus cria gerando cada ser humano78, uma vez que “Deus cria enquanto Pai, ele é o Pai do Único e cria no mistério da geração do único”79 e é este processo que conduz o ser humano a Deus, passando, obrigatoriamente, pela dimensão da filiação.

No insight da experiência profunda de fé no Deus ressusci-tado, fazemos nossa experiência mais profunda de geração, porque

77 Carta a Diogneto apud Bernard SESBOÜE (dir.), História dos dogmas: o homem e sua salvação, 2003, p. 45.

78 O termo “geração” será trabalhado não na perspectiva da consubstan-cialidade, isto é, da mesma substância divina para a humanidade, que é criada por Deus, mas “geração da humanidade” na filiação do Filho, enquanto o ser humano é gerado no Filho. Portanto, o termo é apre-sentado, nesta pesquisa, dentro da dinâmica da geração pela fé, ou seja, crendo na encarnação do Filho único, gerado do Pai, somos gerados do Pai no Filho, quando se acolhe a Graça encarnada.

79 François-Xavier DURRWELL, op. cit., p. 16.

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compreender e crer na encarnação, na revelação do próprio Deus, é o início do processo de geração, que alcança seu ápice na ressur-reição, visto que “o Deus dos fiéis é o Deus que o gera: ele exerce sua paternidade na ressurreição de Jesus e, por essa mesma res-surreição, nessa mesma geração, faz os fiéis renascerem para ‘uma herança reservada nos céus’”80.

Portanto, a revelação, o desejo de Deus na autocomunicação de seu projeto para todo gênero humano é o ponto crucial para a compreensão de toda a salvação do ser humano, tanto que a ge-ração dos filhos do mesmo Pai está intimamente dependente do mistério da geração do seu Único Filho, nosso Senhor Jesus Cristo.

Entende-se, então, “que Deus é o Pai do Filho único e que essa paternidade se estende à criação e à história da salvação nin-guém o saberia, se Deus mesmo não o tivesse revelado quando lhe aprouve enviar seu Filho ao mundo. Ele manifestou seu misté-rio aos homens quando o realizou para eles: gerando seu Filho no mundo, em Jesus Cristo”81.

Sendo assim, na encarnação do Filho, somos gerados pelo Pai e este processo de filiação é equitativo com o processo de salvação, isto é, da mesma forma com que o Pai nos gera como seus filhos em Jesus Cristo, também, o Pai salva os seus filhos no seu único Filho.

Podemos concluir, então, que geração, filiação e salvação da humanidade se confundem enquanto único mistério da graça de Deus, mas se diferencia enquanto processo da vida humana, afinal cada ser humano possui uma história82.

Por isso, em Jesus Cristo nos tornamos filhos do mesmo Pai, como afirma Paulo aos Gálatas: “e porque sois filhos, enviou Deus aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abba, Pai! De modo que já não és escravo, mas filho. E se és filho, és também herdeiro, graças a Deus” (Gl 4,6-7). Jesus só age e realiza a vontade d’Aquele que O gera. “Tudo o que o Pai dá a seu Filho, ele o dá gerando-o”83.

80 Idem, p. 14.81 Idem, p. 16.82 Cf. Idem, p. 29.83 SANTO AGOSTINHO apud François-Xavier DURRWELL, op. cit., p. 23.

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Desta maneira, enquanto o Filho faz a vontade do Pai, ma-nifesta-se a evidência da filiação de um e se dá a conhecer a pater-nidade do outro. Isto porque Deus entra no mundo, no tempo e espaço na pessoa do Filho (cf. 1Tm 6,16) e pelo Filho temos acesso a paternidade do Pai (cf. 1Cor 1,20): “sua realidade invisível – seu eterno poder e sua divindade – tornou-se inteligível, desde a cria-ção do mundo, através das criaturas”. (Rm 1,20).

Entretanto, o limite da compreensão da paternidade essen-cial do Pai está em Jesus Cristo (cf. Jo 1,18), uma vez que “ele não entrou no mundo em sua própria pessoa de Pai: aquele que é sem origem não vem para dentro de um mundo no qual tudo tem co-meço, ou então o não-gerado devia nascer nele”84.

Portanto, o ser humano só conhece o Pai em sua paternidade e o Filho na sua filiação85, pois “Deus é o Pai do Senhor Jesus; é assim que ele é o Deus infinito: em sua paternidade. Seu ser está empenhado e se esgota na geração do Filho, uma vez que Deus faz habitar nele toda a plenitude de sua divindade. Também Cristo só existe nesta geração. A paternidade de um é absoluta, e a filiação de outro é total”86.

Compreende-se, assim, que o Pai é a fonte da geração da hu-manidade no Filho, como afirmamos na liturgia da doxologia “por Cristo, com Cristo e em Cristo”, isto é, tudo perpassa pelo Filho, de modo que a figura de Cristo é o ponto de encontro de todo o conjunto da teologia.

Isto quer dizer que tudo passa pelo Filho, tudo provém do Filho, mas sempre em comunhão com o Pai e se é o próprio Es-pírito que age na comunhão do Pai com o Filho, concluímos que somos gerados pela Trindade Imanente na pessoa do Filho e que a encarnação Jesus se tornou a “porta” de entrada da humanidade para a trindade.

Nascida de Deus em sua paternidade, a criação é filial; o Pai do Único é o ‘Pai de todos’ (Ef 4,6). De cada um ele faz fi-lho, não só por adoção, mas também por criação: o homem é filho por seu ser humano. Porque no Espírito Santo, no qual

84 Idem, p. 29.85 Cf. Idem, p. 24.86 Idem, p. 27-28.

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o mundo é criado, é o Espírito de Deus em sua paternidade, cuja atividade é toda polarizada pelo Filho: ele é, em pessoa, a ação geradora de Deus. Assim ele não opera nada no mun-do, senão tendo em vista a “produção” do Filho neste mundo. Se, pois, Deus cria no Espírito, cria um mundo filial, desti-nado a tornar-se cada vez mais filial. O chamamento criador tem por termo “a comunhão com o Filho, nosso Senhor” (cf. 1Cor 1,9). Por isso o Espírito leva o cosmo, através de longa evolução, até a dignidade da pessoa humana, a fim de “filia-lizá-lo”, de introduzi-lo em relação filial com seu Criador. É próprio do Espírito personalizar. Ele exerce função persona-lizadora no mistério divino, porque ele é amor. Com efeito, o Pai gera amando: ele é pessoa nesse amor, que é o Espírito. O Filho gerado no amor é pessoa nesse mesmo amor, que é o Espírito. Também a pessoa humana é relacional, e se cons-titui e se desenvolve no amor. O Espírito desperta o homem para o amor e o conduz assim à perfeição da pessoa87.Assim, enquanto filhos no Filho, pela fé ao projeto do Pai

revelado pelo Filho, somos gerados em Jesus Cristo e, através da filiação e pertença ao mesmo Cristo, formamos uma única comu-nidade de amor.

Todavia, este processo de filiação só tem sentido na vivência da comunhão de irmãos, afinal como a Trindade é relação em si mesma, também, nós somos filhos de Deus para nos relacionar-mos: “se alguém disser: ‘amo a Deus, mas odeia o seu irmão, é um mentiroso: pois quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar” (1Jo 4,20).

Portanto, quem ama a Deus, ama os filhos de Deus que for-mam uma mesma Igreja. A comunhão da relação de amor é essen-cial para a construção do Reino de Deus e Maria é o exemplo de que Deus infunde o seu amor em cada ser humano que realiza a vontade e vive no seguimento a Cristo.

87 Idem, p. 107-108.

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Considerações finais

Os grandes temas da humanidade como o sofrimento, a dor, a morte, de onde o homem veio, para onde ele vai, não são entendi-dos plenamente e o ser humano entra numa espécie de melancolia que não o conduz a nenhum caminho, a não ser o caminho de costas para Deus.

Neste sentido, o processo de filiação divina, pela encarnação do Filho de Deus, apresentado ao longo deste artigo, pretendeu ser um resgate para a essência primeira do ser humano, ou seja, a sua imago Dei.

Desta forma, a antropologia teológica, necessariamente, pas-sa pela dimensão da filiação, isto é, o processo pelo qual, a partir da fé, o ser humano concretiza em si mesmo o objetivo de sua criação, de Deus viemos para dar glórias a Deus e para Deus voltaremos.

Assim, se nos tornamos filhos do Pai no seu próprio Filho Jesus Cristo, isto quer mostrar que na revelação de tudo o que o Filho disse e testemunhou do Pai, fomos resgatados de toda atitu-de de maldade que possa prejudicar a caminhada do ser humano.

Portanto, Deus continua sendo a busca de respostas para muitos problemas do gênero humano, ao passo que sua encarnação foi o marco, para que a humanidade pudesse ter acesso a algumas respostas, como pensar nas dores, nos sofrimentos, nas angústias e até mesmo na morte do ser humano na ótica de um processo de filiação soteriológica e não deixar que a crucificação de Jesus seja apenas um ato histórico.

Logo, em meio a este momento de crise mundial, é preciso que o ser humano retome sua adesão ao projeto de amor revelado por Jesus e compreenda que a encarnação do Verbo foi para a sal-vação de toda a humanidade. Afinal, a fé alimenta a esperança de toda a humanidade para construir um futuro que de fato possamos chamar de Reino de Deus.

Conclui-se, então, que a fé na encarnação quer demonstrar o processo de filiação da humanidade na filiação divina do único Fi-lho gerado, Jesus Cristo e que A exemplo de Maria, a humanidade precisa assumir o compromisso, dentro deste processo de filiação, de anunciar o Reino de Deus enquanto caminha para o encontro com o Pai.

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Por fim, quando o ser humano se percebe afundado nos problemas do século, é porque suas escolhas não estão no mesmo caminho proposto por Jesus, quando revelou o projeto de amor de Deus a humanidade. Lutemos, portanto, pela conquista da liber-dade humana, e vivamos a sua real essência dada por Deus, de que fomos criados na liberdade, “na liberdade para amar”.

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