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OS CANDIDATOSNos anos 70 e 80, presidente comeou a transitar para uma aceitao maior da economia de mercadoSocilogo FHC mudou antes do FHC presidenteTrabalhos essenciais da carreira sempre estiveram em uma constante e ordenada transformao

VINICIUS TORRES FREIREEditor de Opinio

Traidor, oportunista, desmemoriado intelectual praticante, neoliberal, de tudo isso foi chamado Fernando Henrique Cardoso nos seus anos de poder, a partir de 1993, como ministro da Fazenda do Real ou como presidente.O "esqueam o que escrevi", que teria dito em almoo com empresrios, em 1993, tornou-se um estigma e smbolo de um intelectual e poltico que teria renegado uma obra e um passado de esquerda. FHC, porm, sempre negou ter dito a tal frase e sempre falou com orgulho de sua obra de socilogo.Seus trabalhos essenciais, publicados entre os anos 60 e 70, no entanto, sempre estiveram em constante e ordenada transformao.Colegas, amigos, ex-amigos e inimigos na universidade afirmam que, se houve ruptura maior nas idias de FHC, ela teria ocorrido entre os anos 70 e 80.FHC, mesmo ainda sendo um dos lderes do partido intelectual da esquerda, pelo menos da universitria paulista, nos anos 70 e 80 transitava para uma aceitao da economia de mercado e desconfiava ainda mais da capacidade de classes, trabalhadores e sindicatos de conduzirem um processo unvoco de mudana social.Para o socilogo Francisco de Oliveira, professor titular da USP, ex-amigo e interlocutor de FHC no Cebrap, as mudanas no poltico so reflexo, embora no imediato, das mudanas intelectuais do socilogo da dependncia."H tempos ele dava sinais de que se afastava do marxismo. Mas isso no fazia dele um reacionrio", diz Oliveira. Mas as ambies polticas, somadas progressiva "guinada para a direita", foram "abrindo flancos" para um realismo poltico que enfim degeneraria na "poltica mais letal, anticidad e antinacional que esse pas j viu, tirana e marcada pelo preconceito de classe"."Ainda nos anos 70 Fernando falava em socialismo, apesar de isso jamais ter sido um problema essencial de sua obra", afirma o filsofo Jos Arthur Giannotti, amigo ntimo, de juventude, e grande interlocutor intelectual de FHC."A ruptura aconteceu antes que ele assumisse a Presidncia", afirma outro colega de USP, hoje na Unicamp, o cientista poltico Lencio Martins Rodrigues."Como muitos intelectuais brasileiros da elite e das classes mdias, FHC sofreu a influncia do marxismo. Possivelmente, o contato mais direto com a poltica brasileira lhe permitiu perceber que o campo da poltica tem suas regras. Quem quiser entrar nesse campo, tem que segui-las. Foi o que fez. Por isso, para muitos intelectuais, pareceu um traidor do seu passado, talvez porque esperassem que, na Presidncia, FHC iria continuar a se comportar como o diretor do Cebrap da poca da ditadura militar (Cebrap o Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento, do qual FHC foi fundador e que reuniu alguns dos melhores intelectuais paulistas, expulsos da USP durante o regime militar)", diz Rodrigues.As afirmaes de Giannotti e de Rodrigues parecem fazer de FHC um renegado da esquerda, embora no oportunista, pois teria "trocado de lado" bem antes de governar. Mas no esse o sentido da afirmao dos dois intelectuais. Eles jamais diriam que FHC foi autor de obra doutrinria, de manuais para a ao ou do declogo socialista de Moiss, que teria abandonado quando se tornou poltico, suplente de senador e senador do MDB, a partir de 78.De fato, a partir de 58 FHC fez parte de um grupo de estudos que se tornaria lendrio, na Universidade de So Paulo, o do "Seminrio do Capital", grupo que pretendia fazer uma leitura cerrada da obra maior de Karl Marx, diferente das que se faziam ento, no s no Brasil, e diferente em especial daquela dos comunistas. O grupo teria grande influncia nas cincias humanas da USP.Na mesma poca, o professor e pesquisador FHC trabalhava no projeto Economia e Sociedade do Brasil, liderado pelo seu mestre na USP, Florestan Fernandes.O objetivo era estudar os problemas do desenvolvimento capitalista brasileiro, pesquisa que teve como resultado inicial de maior flego o livro "Capitalismo e Escravido no Brasil Meridional", de 1962, base das idias que levariam FHC s suas famosas formulaes sobre a dependncia.Teria havido uma grande ruptura entre a forma de pensar e as preocupaes centrais de FHC desde ento? Os socilogos Gabriel Cohn e Jos de Souza Martins, professores titulares da USP e ex-alunos de FHC, acreditam que no, cada um a sua maneira.Em entrevista de 97 a Alfredo Bosi, na revista "Estudos Avanados", da USP, Martins avalia que o grupo de Florestan "procurava decifrar as possibilidades e limitaes daquilo que j se afigurava como insero dependente do Brasil no mundo capitalista"."Com a passagem da teoria da dependncia para a teoria da globalizao no houve uma ida para a direita, porque aquela no era, necessariamente, uma perspectiva de esquerda, e nem a atual perspectiva , necessariamente, uma perspectiva de direita. O que h a tentativa de ajustar o desenvolvimento do pas a possibilidades reguladas fora dele, no plano internacional, pelos grandes conglomerados econmicos, pelos governos estrangeiros dos pases ricos", dizia Martins, comparando o trabalho de FHC nos anos 60 sua interpretao, e hoje tambm prtica, poltico-econmica.Mas o que era essa teoria da globalizao em germe, a teoria da dependncia? O trabalho de maior impacto de FHC, e que de certo modo orientaria suas pesquisas e publicaes posteriores, foi o que resultou na crtica de uma interpretao muito em voga, nos anos 50 e 60, da histria e dos problemas polticos brasileiros.Comunistas e alguns nacionalistas acreditavam ser necessrio que a "burguesia nacional" (o empresariado, em especial o industrial) tomasse o poder a fim de conduzir o processo de desenvolvimento autnomo nacional, at ento impedido pela aliana de setores atrasados da elite brasileira (o "latifndio") com o "imperialismo" (o capital estrangeiro, os pases capitalistas centrais).Tal processo, a "revoluo burguesa", seria fundamental para que o Brasil repetisse e alcanasse o desenvolvimento social dos pases avanados e, posteriormente, com o progresso industrial e com a formao de um grande operariado, chegar ao socialismo.Pesquisas de FHC, entre outros, mostraram que a histria brasileira tinha suas singularidades e que essa teoria da histria era uma simplificao ordinria. Para FHC, o empresariado nacional tornava-se scio menor das multinacionais, os dois se associando mais tarde empresa estatal para compor o trip do desenvolvimento dependente-associado.A "burguesia nacional" no seria a responsvel pela autonomia econmica. O "imperialismo" no determinava diretamente o destino do pas. O Brasil era subordinado, dependente, mas a histria dessa subordinao s poderia ser compreendida ao se analisarem os conflitos polticos internos e sua relao com economia e poltica internacionais. Seu esboo de teoria da dependncia j era uma teoria da insero brasileira na economia global.Nos estudos dessa poca (1964), FHC, ainda um tanto preso idia da relao necessria entre desenvolvimento e autonomia nacional, chega a escrever, na concluso de "Empresrio Nacional e Desenvolvimento Industrial no Brasil", que a opo brasileira era "subcapitalismo ou socialismo".A partir de 1967, aps "Dependncia e Desenvolvimento na Amrica Latina", FHC observa que, mesmo subordinada, a economia brasileira se industrializava e crescia; que aquele modo de insero dependente na economia global no significaria estagnao.Para Gabriel Cohn, a pergunta de 1965 j era retrica. Se a "burguesia" no conduziria a autonomia nacional, tampouco pareciam faz-lo as massas urbanas e grupos populares, pela via do socialismo."A questo no tanto qual grupo social assumir a tarefa de, investido de poder poltico, realizar essa modernizao. No importam tanto os agentes, mas o objetivo, porque este, uma vez alcanado, permitir reordenar os agentes", escreveu Cohn.Para Cohn, "mais do que o desenvolvimento (econmico)", esse objetivo , para FHC, a "...modernizao, poltica sobretudo. este o grande tema que aqui se introduz e que nunca mais abandonar as preocupaes, na sua prtica acadmica e poltica".

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