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FICHA TÉCNICA Título original: Ela Disse, Ele Disse Autora: Thalita Rebouças Copyright © 2010 by Thalita Rebouças Versão portuguesa © Editorial Presença, Lisboa, 2015 Adaptação do texto à versão portuguesa: Teresa Rebelo da Silva Capa: Catarina Sequeira Gaeiras/Editorial Presença Imagens da capa: Shutterstock Composição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda. 1. a edição, Lisboa, março, 2015 Depósito legal n.º 388 030/15 Reservados todos os direitos para a língua portuguesa (exceto Brasil) à EDITORIAL PRESENÇA Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo 2730‑132 BARCARENA [email protected] www.presenca.pt Website da autora: www.thalita.com.br

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FICHA TÉCNICA

Título original: Ela Disse, Ele DisseAutora: Thalita RebouçasCopyright © 2010 by Thalita RebouçasVersão portuguesa © Editorial Presença, Lisboa, 2015Adaptação do texto à versão portuguesa: Teresa Rebelo da SilvaCapa: Catarina Sequeira Gaeiras/Editorial Presença Imagens da capa: ShutterstockComposição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda.1.a edição, Lisboa, março, 2015Depósito legal n.º 388 030/15

Reservados todos os direitospara a língua portuguesa (exceto Brasil) àEDITORIAL PRESENÇAEstrada das Palmeiras, 59Queluz de Baixo2730 ‑132 [email protected]

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RosaAssim que fechei a porta do carro da minha mãe senti

aquele frio na barriga. Respirei fundo e caminhei na direção

do enorme portão de ferro. Era o meu primeiro dia de aulas

na Dinâmica, a minha nova escola. Claro que estava tensa.

Onde me sentar? O que conversar? Como fazer conversa? Com

quem fazer conversa? Antes de ir embora, a minha mãe deu

uma buzinadela, mandou ‑me um beijo e um sorriso querido,

e eu entrei.

A escola era grande, tinha uma piscina, campos de bás‑

quete, muitos espaços verdes e ocupava um casarão antigo

no coração de Botafogo, aos pés do Cristo Redentor. Bastante

bonita. Bastante maior do que aquela onde eu tinha estudado

em Vitória, no Espírito Santo, onde vivi durante seis anos.

Fui para lá com 8 anos, quando o meu pai teve de se mudar

com a família, de armas e bagagens, depois de ser transferido

para a filial capixaba da empresa onde trabalhava.

Gostava muito das minhas amigas de Vitória, a maior parte

delas conhecia ‑as desde a minha chegada. Algumas eram como

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irmãs para mim. Por isso, fiquei com o coração destroçado

quando tive de voltar para o Rio, a cidade onde nasci. Mas fiz

questão de vir para a Cidade Maravilhosa com a minha mãe,

ela precisava da minha companhia, ainda para mais depois de

se ter separado do meu pai.

Não, não fiquei triste com a separação. Juro! Os dois pas‑

savam o tempo a brigar, a discutir, a dizer coisas horrorosas

um ao outro. Eu chorava, eles choravam, batiam com a porta,

gritavam, o ambiente era muito pesado lá em casa... A decisão

de cada um seguir o seu caminho foi mais do que acertada.

E tomada civilizadamente, o que eu achei muito fixe.

O meu pai voltou para Vitória depois de passar três meses

de férias no Rio, na companhia da família (entenda ‑se por

família eu, ele, a mãe, a avó, o avô... Não disse que a separa‑

ção foi civilizada? Pois é, os meus pais mantiveram ‑se amigos,

o que é maravilhoso). Ele foi ‑se embora na véspera do meu

primeiro dia de aulas e prometeu vir visitar ‑me sempre que

pudesse. Eu sabia que já não o veria com a frequência que gos‑

taria, mas optei por ficar com a minha mãe e estava muito

feliz ao pé dela.

Enquanto procurava a sala de aulas, pensei que tinha che‑

gado a minha hora, o momento de reagir, a minha vez de

encarar o desconhecido. Do alto dos meus 14 anos, vi a minha

vida mudar por completo de um momento para o outro, e pre‑

cisava de encarar o futuro de frente, sem medo, sem vergonha,

sem constrangimentos. Porque o primeiro dia de aulas num

novo colégio é ridiculamente difícil.

Será que iam embirrar comigo por eu ter vivido em Vitó‑

ria? Hum! Os adolescentes implicam por qualquer motivo — e

sem qualquer motivo também, sejamos sinceros. Será que me

iam pôr de lado, sozinha a um canto? Será que me iam con‑

siderar uma chatinha? Será que achariam o meu nariz muito

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grande, as minhas canelas muito finas, o meu cabelo ressequido,

a minha voz esganiçada? Será que a comida da cantina era boa?

Antes de entrar na minha sala, fiquei à porta, a obser var os

alunos que conversavam animadamente lá dentro. Eram

amigos que se voltavam a encontrar depois dos meses de

férias, a mostrar fotografias, a falar dos presentes que tinham

recebido no Natal, todos alegres, todos a rir muito. Ninguém

parecia um peixe fora de água. Só eu.

Entrei e tive imediatamente a nítida sensação de que era

invisível. Ninguém me viu, ninguém reparou em mim, nin‑

guém sequer fingiu ter ‑me visto. Afastei ‑me dos vários grupi‑

nhos espalhados pela sala e escolhi uma secretária perto da

janela. Fiquei ali sozinha durante algum tempo, com vergonha

de me aproximar de qualquer dos grupos. Fingi procurar qual‑

quer coisa na minha mochila e tirei tudo lá de dentro. Ansiava

que alguém me viesse dizer olá, sorrir, qualquer coisa que

acabasse com a aflição de estar completamente sozinha numa

sala cheia de gente.

— Olá. Tudo bem?

Não acredito! Alguém falou comigo! Alguém falou comigo! Não

posso perder tempo, tenho de ser simpática, de sorrir com todos os

meus dentes, tenho de me mostrar interessada, de manter uma con‑

versa interessante! — pensei.

— Ham...rraaam!?

Nossa, nota zero para mim. Zero, zerinho. Que esperta que eu sou!

Ansiosa por fazer amizades, por não me sentir deslocada, por me sentir

alguém no mundo e exclamei «ham...rraaam» logo ao primeiro contacto.

Péssima aluna na matéria «relacionamento com gente nova». Em pouco

tempo, com certeza, eu passaria a ser «a antipática do ham...rraaam».

A minha alcunha na escola inteira seria «Ham...rraaam». «Olha a

roupa que a Ham...rraaam vestiu hoje!», «Repara só na Ham... rraaam

a comer!», «Meu Deus! A Ham...rraaam não sabe escolher o perfume!»,

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«A letra da Ham...rraaam é medonha!», comentariam eles, às gar‑

galhadas. Triste. Para piorar o meu sofrimento, de «Ham...rraaam» eu

passaria a «a rã», de «rã» a «sapo» e de «sapo» a «sapa» seria um

instante e «sapa» seria o fim. O fim! Que futuro terrível me esperava!

Claro que depois desta gélida receção (com direito ao ham...

rraaam estúpido que me destinaria ao insucesso escolar) seria

praticamente impossível o rapaz continuar a fazer conversa.

— És nova aqui?

Ai, que querido! Ele continuou a fazer conversa! Ele insistiu! Ele

queria mesmo falar comigo. Viva! — regozijei ‑me interiormente.

— Sou, é o meu primeiro dia — respondi.

Que avanço! Uma, duas, três, quatro, cinco, seis! Seis palavras!

Eu estava a melhorar. Tudo bem, podia ter perguntado «E tu?».

A minha timidez atrapalhou ‑me, mas ele deve ter lido os

meus pensamentos.

— É o meu primeiro dia também. Onde é que estudavas

antes?

Ufa! Que bom conhecer alguém na mesma situação. Um parceiro

de ADPD (Angústia Do Primeiro Dia), uma pessoa tão peixe fora

d’água quanto eu. Eu não estou só! — pensei satisfeita, com

algum exagero e dramatismo à mistura.

— Numa escola em Vitória, no Espírito Santo. E tu?

— Em Copacabana, mas os meus pais cismaram em inscre‑

ver ‑me neste colégio. Além de ficar muito mais perto da minha

casa, eu gosto de colégios novos. E este tem muito boa repu‑

tação, dizem que é um dos melhores do Rio. Os alunos gostam,

os pais gostam.

— É?

Que raiva! Eu estava péssima no departamento diálogo. Péssima!

Pior: com o rapaz que seria meu colega, meu brother de primeiro

dia, meu salvador! Ele desatou a falar e eu só disse «é». «É»!!! E pen‑

sar que eu estava feliz da vida por ter alguém com quem conversar,

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era incrivelmente maravilhoso já não estar sozinha e deslocada...

Que pena eu não conseguir traduzir esta ótima sensação em pala‑

vras. Coitado do rapaz, ele parecia ser tão fixe...

— É, dizem que é uma escola muito boa. O meu pai disse

que os professores daqui são excelentes. E o lugar é fixe, não é?

Eu precisava de continuar o diálogo decentemente! O rapaz

era querido e conversador, não podia mostrar ‑me desinteres‑

sada! Não podia espantá ‑lo e expulsá ‑lo para longe de mim.

Precisava de me aliar a ele. Mais um erro e ele não voltaria

a fazer conversa comigo e passaria o resto do ano a achar‑

‑me antipática, convencida e irritante. Ou burra, sem assunto

e sem cultura geral.

— Com certeza.

«Com certeza»? O que é isso, Rosa? — recriminei ‑me. — De

onde tirei este «com certeza»? Que coisa mais ridícula!

Ele sentou ‑se na carteira ao lado da minha e calou ‑se.

Claro, eu também me calaria depois de um «com certeza»

destes. Precisava de fazer alguma coisa, precisava de voltar a

conversar com ele. E já que ele tinha comentado o quão fixe

era o colégio...

— Fixe és tu — disse eu, perdendo uma ótima oportunidade

de ficar calada. — Porque é que eu disse isto? Porque não lhe per‑

guntei o nome, que eu ainda não sabia? «Fixe és tu.» Que coisa para

se dizer? Agora parecia que eu estava interessada nele. Mas eu não

estava interessada nele. Eu nem o conhecia!

Ele ficou vermelho.

— Eia, que é isso...

Que raiva! Ele agora ia ficar convencido, ia dizer a todos que eu

me atirei a ele, que estava derretida por ele, que estava apaixonada,

que o achava fixe. E sabia lá eu se ele era fixe... Mas a verdade é que

o tinha dito. Com todas as letras: f ‑i ‑x ‑e. Onde é que eu estava com

a cabeça? Tinha de corrigir a gaffe.

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— Fixe é uma maneira de dizer. Nem te conheço, como

é que vou saber se és fixe, não é? Eu só quis dizer que foi

simpático teres vindo falar comigo. Simpaticão.

Meu Deus! Alguém podia enfiar uma rolha do tamanho XL na

minha boca? Simpaticão? Que coisa de avó! A minha avó é que tem

a mania de acrescentar um «ão» aos adjetivos. Ai, que vergonha!

— Agora foi a minha vez de ficar vermelha.

— O meu nome é Leonardo, mas podes chamar ‑me Leo.

E o teu?

Ufa! Ele não ligou ao meu comentário insensato.

— Rosa. Mas podes chamar ‑me apenas Rosa — disse eu,

tentando ser engraçada.

Inacreditável! Nunca nenhuma conversa me tinha corrido tão mal!

O rapaz ia certamente ficar a achar que eu era maluca!

— Simplesmente Rosa? — perguntou ele.

— Sim. Não sou Ana Rosa, nem Rosa Maria, nem Rosa Isau‑

ra. Simples Rosa. Mesmo simples. Sou uma rapariga muito

simples, como a minha mãe está sempre a dizer.

«Simples Rosa»? «SIMPLES ROSA»!? De onde surgiam estas

palavras? Quem era esta pessoa que estava dentro de mim? O pri‑

meiro dia numa nova escola causa assim tantos efeitos colate‑

rais? — questionei ‑me enquanto fazia uma cara inexpressiva

e tentava agir normalmente.

— Dizem que as gincanas daqui são sempre muit...

Nesse momento, o Leo foi interrompido por um loirinho de

olhos azuis que era o rapaz mais branco que alguma vez vi

em toda a minha vida.

— E então, tudo bem? Jogas à bola?

— Jogo.

— Estamos a precisar de um lateral direito para completar

a equipa da turma, queres entrar?

— Estou nessa.

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— Boa, fechamos a equipa! Como é que te chamas?

— Leo.

— Anda aqui, Leo! Chega aqui! — chamou outro colega.

O Leo levantou ‑se e foi ter com ele. Nem se despediu. Nem

sequer um aceno. Deixou ‑me ali sozinha de novo, olhando para

o bonito espaço verde do lado de fora da janela. Eu não podia cor‑

rer o risco de esbarrar com outra pessoa e voltar a fazer tudo mal.

LeoO primeiro dia de aulas numa nova escola é sempre um

bocado estranho, afinal vamos para um sítio onde não conhe­cemos ninguém. Mas eu gosto.

A Dinâmica era enorme, bem maior do que a minha antiga escola. Maior e, como dizer?, mais arranjada do que a outra. Cheia de pormenorzinhos, os campos de jogos à maneira, os cestos de básquete com redes novas, as carteiras sem um rabisco, os professores todos bem vestidos... A minha antiga escola estava um bocado envelhecida, um bocado a cair aos pedaços, as paredes a precisarem de pintura. E eu gostava. Mas os meus pais meteram na cabeça que eu tinha de estudar numa escola melhor, então lá fui eu.

Entrei na sala e procurei imediatamente um lugar para me sentar. Toda a gente conversava animadamente, claro, deviam ser amigos há muitos anos. Havia uma carteira vazia perto da janela e eu fui imediatamente para lá. Para evitar ficar calado e com ar de deslocado, comecei logo a conversar com uma rapariga que parecia estar sozinha.

— Olá, tudo bem?— Ham...rraaam.

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Que receção gélida! Mas não me deixei abater e continuei a conversar com ela. Descobri que se chamava Rosa, tinha vindo do Espírito Santo e era também uma aluna nova. Acho que ela gostou de eu ter feito conversa, mas parecia nervosa. E um bocado apalermada também.

Ficámos a conversar mais um bocado, mas um «bran que­las» perguntou se eu jogava à bola e, é claro, fui falar com ele.

RosaPassado pouco tempo, o Leo já conversava animadamente

com os seus novos melhores amigos. Os rapazes irritam ‑me

com esta história do futebol. Um jogo e pronto, tornam ‑se

parceiros, amigos fiéis, confidentes, irmãos para toda a vida,

uma união de fazer inveja a qualquer grupo de amigas de

infância. E olha que eles ainda nem tinham jogado, tinham só

combinado jogar. Rapazes... Uf!

Tocou para entrar, as aulas iam finalmente começar. Já não

era sem tempo. Uns minutos de silêncio parecem uma eterni‑

dade quando nos sentimos deslocados. Foram todos para os

seus lugares e o Leo voltou para a carteira ao lado da minha.

Pelo menos ele não tinha decidido mudar de lugar definiti‑

vamente. Não me quis deixar sozinha, estávamos no mesmo

barco, afinal. Éramos ambos novatos, era o nosso primeiro

dia na escola, não conhecíamos ninguém, mas tínhamo ‑nos

um ao outro. Fixe ele afirmar que eu podia contar com ele.

Que pessoa querida! Uma pessoa que pensa nos outros! Uma

pessoa boa! — concluí.

— Oh, Leo! Senta ‑te aqui ao pé de nós. O Yuri troca de lugar

contigo, não trocas, Yuri? — disse o branquelas.

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Como um foguete, o Leo pegou na sua mochila e, sem a

menor cerimónia, sem me dizer uma palavra que fosse, par‑

tiu feliz rumo à companhia dos seus novos, maravilhosos e

futebolísticos amigos, sem olhar sequer para trás. E eu fui

abandonada pela segunda vez consecutiva naquela manhã.

Que lástima! Era um facto: o Leo odiava ‑me.

O tal do Yuri, sem discutir, levantou ‑se e veio na direção da

minha carteira. Era um rapaz alto e magro, de olhos à chinês,

cabelos pretos bem lisos, cara de sono, lábios finos, nariz afi‑

lado. Calado levantou ‑se, calado caminhou, calado sentou ‑se

e calado permaneceu.

A setôra entrou e apresentou ‑se. Agora, sim, eu já não me

sentia sozinha, teria de ficar calada, não porque não tinha

com quem conversar, mas para prestar atenção à aula, como

toda a turma. Gostei dela. Valéria era o seu nome. Professora

de Geometria. Calminha, de voz suave, olhos verdes... Depois

veio a Fátima, de Língua Portuguesa, uma jovem professora de

cabelos pretos curtos e lisos, óculos discretos, uma pinta sobre

os lábios finos, voz grossa e ténis divertidos quase escondidos

sob umas calças de ganga mais compridas do que deveriam.

Depois... intervalo. Era o que eu temia.

LeoAs aulas foram boas, mas o intervalo foi ótimo. Joguei

futebol com os meus colegas de turma e eles puderam cons­tatar que eu sou muito bom em campo: marquei dois golos! Mesmo jogando como lateral! Como todos reparavam em mim, por ser novo na escola, a cada golo eles saltavam para cima de mim como se eu tivesse feito o golo da final do

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Campeonato do Mundo, no último minuto. Foi divertido. No balneário, depois do jogo, eu já me sentia integrado no grupo. Aquela escola tinha sido feita para mim.

RosaO intervalo não foi nada constrangedor, como eu esperava.

Fui logo para a fila da cantina e uma colega de cabelos

compridos cor de mel presos em tranças e olhos castanhos

expressivos meteu conversa:

— És nova na escola, não és?

— Sou.

— É, percebi na sala. Estava tão entusiasmada a conversar

com as minhas amigas que nem tive tempo de me apresentar.

Chamo ‑me Luana.

— Olá, Luana. Eu sou a Rosa.

— Ah, que nome giro!

— Obrigada — agradeci, feliz, com um sorriso enorme na

boca. Sorriso que dizia: «Fica aquiiii! Não saias daquiii! Não

me deixes sóóó!» Sim, eu sou dramática de vez em quando.

— Vou chamar as minhas amigas para te conhecerem, es‑

pera aí.

Boa! Mais gente! Iupi! — alegrei ‑me ridiculamente. Sim,

além de dramática eu sei ser bastante ridícula de vez em

quando. Só de vez em quando.

Muito querida, a Luana. Tive a agradável certeza de que as

minhas horas de invisibilidade colegial estavam mesmo prestes

a acabar.

— Esta é a Carol e aquela no fim da fila a acenar para ti

é a Júlia.

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— Bem ‑vinda — saudou a Carol.

— Tudo bem? Olha, a comida da cantina é, tipo assim,

péssima, não sei se já te avisaram — coscuvilhou a Júlia, que

veio a correr de onde estava, só para se apresentar. Muito

engraçada.

— Não é nada, as sanduíches de frango desfiado com milho

são muito boas.

— Só tu é que gostas daquilo, Luana — troçou a Carol.

— Sabe a puré de papel reciclado.

— Ah, não te passes! A que é que sabe puré de papel reci‑

clado?

— Sei lá, Luana. Só sei que deve ser muito mau.

— Como era a cantina da tua escola? — perguntou a Carol.

— Onde é que estudavas? — quis saber a Júlia.

— Era fixe, lá? Melhor do que aqui? — perguntou a Lua na,

curiosa.

— Era grande ou pequena? Tens saudades? Os rapazes

deviam ser muito mais giros do que os daqui, não eram? —

indagou a Carol, a mais «perguntadeira» de todas.

— Então, tantas perguntas! Assim ela não vai conseguir res‑

ponder a nenhuma! — disse a Luana, defendendo ‑me da

enchente de perguntas que, cá para nós, eram tão agradáveis

aos meus ouvidos!

— Eu estudava no São Jerónimo, um colégio em Vitória. Fui

para lá com 8 anos e fiquei até ao ano passado. Tenho mui‑

tas saudades das minhas amigas, dos meus professores, das

empregadas...

Fiquei triste ao lembrar ‑me do que tinha deixado para

trás. Fiquei mesmo com os olhos cheios de lágrimas. Mas

elas confortaram ‑me imediatamente, com um abraço coletivo.

E eu senti ‑me abraçada por um polvo muito amoroso. Achei

querido.

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