Fichamento Eduardo Viveiros de Castro, Imanência Do Inimigo

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Fichamento Eduardo Viveiros de Castro. “Imanência do inimigo”. In: A inconstância da alma selvagem – e outros ensaios de antropologia. !o "aulo Cosac #ai$%& '()). p.267 “Discutem-se neste artigo as relações entre o guerreiro e s concebidas pelos Araweté um povo de língua tupi-guarani da Ama!"n “$ossa %uest&o é a din'mica identit(ria envolvida na determinaç&o moropï’nã )“matador#* araweté. A %uest&o di! menos respeito portanto políticas ideol gicas ou outras associadas a esse estatuto %ue mesma levada a cabo através de certos processos rituais. /uidamos pode contribuir para o mel1or entendimento de um regime simb lico na Ama!"nia indígena uma economia da alteridade onde o conceito d assinala o valor cardinal.# p.264 Elementos de cosmologia “5 universo dos Araweté tem sua origem e ,undamento na di,erenciaç 1umanidade ) Bïde) e a divindade (Maï) . ssa di,erenciaç&o ,oi criada pela separ entre o céu e a terra no começo dos tempos )...*# p.27 “5s deuses ent&o s&o como inimigos38 na verdade porém verdadeiros inimigos pois os sen1ores da perspectiva celeste s&o p.279-272 “...os Maï est&o marcados por uma ambival:ncia ,undamental. les mesmo tempo o ideal de go3 araweté e o ar%uétipo do 5utro. 5s A com os ol1os dos deuses ao mesmo tempo em %ue ol1am os deuses do 1umano terrestre e mortal.# * matador e sua v+tima essa parte mostra o passo a passo desde %ue o in morto todo o percurso ritual “;as o caso do inimigo morto pelos Araweté é muito di,erente. A alma de um moropï’nã )matador* araweté e a%uela do inimigo %ue ele matou n&o som aos céus como ali des,rutam de uma situaç&o especial. las se ,un

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Fichamento do artigo de Eduardo Viveiros de Castro "Imanência do inimigo" in "A inconstância da alma selvagem"

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Fichamento Eduardo Viveiros de Castro. Imanncia do inimigo. In: A inconstncia da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. So Paulo: Cosac Naify, 2011.

p.267 Discutem-se neste artigo as relaes entre o guerreiro e sua vtima tal como concebidas pelos Arawet, um povo de lngua tupi-guarani da Amaznia oriental.Nossa questo a dinmica identitria envolvida na determinao do estatuto do moropn (matador) arawet. A questo diz menos respeito, portanto, s funes polticas, ideolgicas ou outras associadas a esse estatuto que sua constituio mesma, levada a cabo atravs de certos processos rituais. Cuidamos que seu exame pode contribuir para o melhor entendimento de um regime simblico de ampla difuso na Amaznia indgena, uma economia da alteridade onde o conceito de inimigo assinala o valor cardinal.p.268 Elementos de cosmologiaO universo dos Arawet tem sua origem e fundamento na diferenciao entre humanidade (Bde) e a divindade (Ma). Essa diferenciao foi criada pela separao entre o cu e a terra, no comeo dos tempos (...)p.270 Os deuses, ento, so como inimigos; na verdade, porm, so os mortos os verdadeiros inimigos, pois os senhores da perspectiva celeste so os deuses.p.271-272 ...os Ma esto marcados por uma ambivalncia fundamental. Eles so ao mesmo tempo o ideal de Ego arawet e o arqutipo do Outro. Os Arawet olham-se com os olhos dos deuses, ao mesmo tempo em que olham os deuses do ponto de vista humano, terrestre e mortal.O matador e sua vtima, essa parte mostra o passo a passo desde que o inimigo morto, todo o percurso ritualMas o caso do inimigo morto pelos Arawet muito diferente. A alma de um moropn (matador) arawet e aquela do inimigo que ele matou no somente sobem aos cus, como ali desfrutam de uma situao especial. Elas se fundem em uma entidade dual que, como veremos, tratada pelos Ma com a ateno e cautela devidas a quem lhes est a altura.Um arawet mata um inimigo. Fica semiconsciente por alguns dias etc...vomita sangue... o estado de morte do matador dura cerca de cinco dias.p.273 Ele no pode tocar qualquer parte do corpo de sua vtima, sob pena de ver seu prprio ventre inchar e explodir, em uma espcie de parto mortal.Por vrias semanas no pode fazer sexo, o matador...O perodo de abstinncia termina quando o esprito da vtima decide ir aos confins da terra buscar cantos. Ao retornar, transmite esses cantos ao matador durante o sono, bem como uma srie de nomes pessoais que sero conferidos aos recm nascidos. Certa noite, o esprito do inimigo acorda bruscamente o matador, exortando-o: Vamos, tiw, ergue-te e dancemos!. O inimigo dito estar enraivecido com o matador, mas ao mesmo tempo acha-se-lhe indissoluvelmente ligado. Com o tempo, essa raiva se transforma em amizade; a vtima e seu matador tornam-se como apihi-pih.p.273-274Pode-se ver aqui uma ntida progresso nas relaes entre a vtima e seu matador. Elas vo da alteridade mortfera identidade fusional: algum que era um puro inimigo, um awin, transforma-se primeiramente em um tiw, um afim potencial; em seguida, torna-se um amigo ritual, uma espcie de duplo social e afetivo do Eu que na verdade um anti-afim, pois que se trata de algum com quem se compartilham esposas em vez de se trocarem irms. Finalmente, com a morte do matador, a vtima se consubstancializa pessoa deste: ela fica para sempre com [-rehewe] ou em [-re] o matador, tornando-se um como apndice seu, distinguindo-o do comum dos mortais no mundo celeste.A morte ventrloquap.274 Durante a dana que encerra a recluso do moropn e celebra a morte do inimigo, o esprito deste dito postar-se imediatamente s costas do matador, que tambm o cantador da cerimnia.p.278 O destino do guerreiroP.282 O ponto de vista do inimigop.284 OS RITOS DE HOMICDIO. p.287 INTERIORIZAO E EXTERIORIZAOP.291 O PONTO DE FUSODurante essa parte toda do texto que pulei, o que sobressai no texto o detalhe da descrio etnogrfica dos rituais envolvidos na relao de inimizade entre os Arawet. Daqui pra frente a coisa fica mais clara do ponto de vista da relevncia para a minha pesquisa de ontologia poltica.p.291 Ao propor que a dinmica identitria do par matador-vtima um processo de ocupao do ponto de vista inimigo, estou buscando discernir a peculiaridade das ideias amerndias sobre a guerra. Longe de implicar um tratamento do inimigo como coisa (sistema material, corpo annimo, autmato animal), o devir do par matador-vtima envolve um confronto de sujeitos no, certamente, ao modo hegeliano de um combate de conscincias, at porque nesta dialtica s h Mestres , que trocam pontos de vista e que alternam momentos de subjetivao e objetivao. Objetivao do matador pela subjetividade da vtima, quando esta o possui, controla e mata; subjetivao do matador pela objetividade da vtima, quando esta se decanta em cantos, nomes, trofus e outras sindoques que assinalam a nova condio ontolgica do matador.p.292 Pode-se, assim, dizer da violncia guerreira amaznica o que Simon Harrison disse de seu anlogo melansio:A agresso concebida integralmente como um ato comunicativo dirigido contra a subjetividade de outrem; e guerrear requeria a reduo do inimigo no ao estatuto de uma no-pessoa ou de uma coisa, mas, muito ao contrrio, a um estado de extrema subjetividade (1993: 121).O que o leva a concluir que a inimizade, nesse tipo de sociedade, conceitualizada no como uma mera ausncia objetiva de relaes sociais, mas como uma relao social to definida como qualquer outra (id. ibid.: 128). O autor prossegue:Assim como um dom corporifica a identidade de seu doador, assim tambm, na guerra das terras baixas da Nova Guin, o matador adquire, mediante o homicdio, um aspecto da identidade de sua vtima. O homicdio representado ora como criando, ora como exprimindo uma relao social, ora, ainda, como produzindo a involuo [collapse] de uma relao social, ao fundir duas alteridades sociais em um s ser (id. ibid.: 130).A relao entre o matador e sua vtima, quintessncia da luta dos homens, pertence indubitavelmente ao mundo do dom (Lefort, 1978).p.292-293 A relao criada precisamente pela supresso de um de seus termos, que introjetado pelo outro; a dependncia recproca que liga e constitui os sujeitos da troca atinge aqui seu ponto de fuso a fuso dos pontos de vista , onde a distncia extensiva e extrnseca entre as partes converte-se em diferena intensiva, imanente a uma singularidade dividida. A relao de predao constitui-se em modo de subjetivao.p.293 Em lugar de aparecer como termo de uma estrutura que se desdobra ou explica em plos opostos, ego e inimigo, essa entidade monopolar que o matador constitui-se por involuo ou implicao, determinando-se como foco virtual de uma condensao predicativa onde a dupla negao eu sou inimigo de meu inimigo no restitui uma identidade que j estaria l como princpio e finalidade, mas, ao contrrio, reafirma a diferena e a faz imanente eu tenho um inimigo, e por isso o sou. Ou o Eu o .A agresso guerreira amerndia revela-se ento um processo de transformao ritual do Eu, para emprestarmos de Simon Harrison sua profunda definio da guerra melansia.FIM.