Fichamento PIERRE CLASTRES, Troca e Poder Filosofia Da Chefia Indígena

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Fichamento do artigo de antropologia política de Pierre Clastres "Troca e Poder: Filosofia da Chefia Indígena"

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Fichamento CLASTRES, Pierre. Troca e Poder: Filosofia da Chefia indgena. In: A Sociedade Contra o Estado pesquisas de antropologia poltica. So Paulo: Cosac Naify, 2012.

p.46 A teoria etnolgica oscila entre duas ideias acerca do poder poltico nas sociedades primitivas: falta da instituio poltica e horizonte anrquico maioria e excesso da instituio poltica e seu destino desptico. Nega-se, assim, a justa medida do poder poltico.p.47 De fato, considerando-as de acordo com a sua organizao poltica, essencialmente pelo sentido da democracia e pelo gosto da igualdade que se distingue a maioria das sociedades indgenas da Amrica. Os primeiros viajantes do Brasil e os etngrafos que os seguiram muitas vezes sublinharam: a propriedade mais notvel do chefe indgena consiste na ausncia quase completa de autoridade; nessas populaes a funo poltica parece ser muito fracamente diferenciada. ento a falta de estratificao social e de autoridade do poder que se deve reter como trao pertinente da organizao poltica da maioria das sociedades indgenas: algumas dentre elas, como os Ona e os Yahgan da Terra do Fogo, no possuem sequer a instituio da chefia; e diz-se que a lngua dos Jivaro no possua um vocbulo para designar o chefe.p.48 o que ento esse poder privado de meios de se exercer? Como se define o chefe, j que a autoridade lhe falta? Robert Lowie destaca trs propriedades essenciais do lder ndio:1) O chefe um fazedor de paz2) Ele deve ser generoso com seus bens3) Somente um bom orador pode ter acesso chefiaClastres vai comentar essas trs propriedades.p.49 Durante a expedio guerreira, o chefe dispe de um poder considervel, s vezes mesmo absoluto, sobre o conjunto dos guerreiros. Mas, com a volta da paz, o chefe de guerra perde toda a sua potncia. O modelo do poder coercitivo no ento aceito seno em ocasies excepcionais, quando o grupo se v diante de uma ameaa externa. E isso demonstra bem a disjuno entre o poder e a coero.O segundo trao caracterstico da chefia indgena, a generosidade, parece ser mais que um dever: uma servido. (...) essa obrigao de dar, qual est preso o chefe, de fato vivida pelos ndios como uma espcie de direito de submet-lo a uma pilhagem permanente. E se o chefe tenta frear essa fuga de presentes, perde o prestgio e o poder.Exemplos etnogrficos... p.50 Avareza e poder no so compatveis, para ser chefe preciso ser generoso.A terceira propriedade: ... o talento oratrio uma condio e tambm um meio do poder poltico. Numerosas so as tribos onde o chefe deve todos os dias, na aurora ou no crepsculo, recompensar com um discurso edificante as pessoas do seu grupo: os chefes pilaga, xerente, tupinamb, exortam todos os dias o seu povo a viver segundo a tradio. Pois a temtica de seus discursos est estreitamente ligada sua funo de fazedor de paz.p.51 discusso sobre a poligamia...p.52 poucos grupos monogmicos... uma poliginia generalizada biologicamente impossvel: ela portanto limita-se culturalmente a certos indivduos.p.54 Da anlise precedente ento legtimo reter que, para a maioria das sociedades sul-americanas, a instituio matrimonial da poliginia estreitamente articulada instituio poltica do poder.p.55 ento por quatro traos que na Amrica do Sul se distingue o chefe. Como tal, ele um apaziguador profissional; alm disso, deve ser generoso e bom orador; possui, enfim, o privilgio da poliginia.Entretanto, uma distino se impe entre o primeiro desses critrios e os trs seguintes. Estes ltimos definem o conjunto das prestaes e contraprestaes, pelo qual se mantm o equilbrio entre a estrutura social e a instituio poltica; o lder exerce um direito sobre um nmero anormal de mulheres do grupo; este, em troca, tem o direito de exigir do seu chefe generosidade de bens e talento oratrio.p.55-56 No se pode, com efeito, como parece fazer Lowie, situar no mesmo plano da realidade sociolgica, por um lado, o que se define ao final da anlise precedente como o conjunto das condies de possibilidade da esfera poltica, e por outro lado o que constitui o funcionamento efetivo, vivido como tal, das funes cotidianas da instituio. Tratar como elementos homogneos o modo de constituio do poder e o modo de operao do poder constitudo levaria de algum modo a confundir o ser e o fazer da chefia, o transcendental e o emprico da instituio.Planejador das atividades econmicas e cerimoniais do grupo, o lder no possui qualquer poder decisrio; ele nunca est seguro de que as suas ordens sero executadas: essa fragilidade permanente de um poder sempre contestado d sua tonalidade ao exerccio da funo: o poder do chefe depende da boa vontade do grupo.A funo, ao se exercer, indica aquilo cujo sentido se busca aqui: a impotncia da instituio. Mas no plano da estrutura, quer dizer, num outro nvel, que reside, mascarado, esse sentido. Como atividade concreta da funo, a prtica do chefe no remete, pois, mesma ordem de fenmenos que os trs outros critrios: ela os deixa subsistir como uma unidade estruturalmente articulada prpria essncia da sociedade.p.56-57 Com efeito, notvel constatar que essa trindade de predicados dom oratrio, generosidade, poliginia ligados pessoa do lder, concerne aos mesmos elementos cuja troca e circulao constituem a sociedade como tal, e sancionam a passagem da natureza para a cultura. inicialmente pelos trs nveis fundamentais da troca de bens, de mulheres e de palavras que se define a sociedade: e igualmente por referncia imediata a esses trs tipos de sinais que se constitui a esfera poltica das sociedades indgenas.p.58 evidente que, para o grupo, que renuncia em proveito do chefe a uma quantidade importante de seus valores mais essenciais as mulheres -, as arengas cotidianas e os fracos bens econmicos de que o lder pode dispor no constituem uma compensao equivalente.A desigualdade da troca surpreendente: ela s se explicaria no seio de sociedades onde o poder, munido de uma autoridade efetiva, seria por isso mesmo claramente diferenciado do resto do grupo. Ora, precisamente essa autoridade que falta ao chefe ndio: como ento compreender que uma funo, recompensada com privilgios exorbitantes, seja por outro lado impotente para se exercer?p.59 No sobre o plano diacrnico das geraes sucessivas que se desenrola o drama do poder, mas sobre o plano sincrnico da estrutura do grupo.p.60 De qualquer modo, a maioria dos lderes indgenas est longe de oferecer a imagem de um rei ocioso: bem ao contrrio, o chefe, obrigado a responder generosidade que dele se espera, deve incessantemente preocupar-se em encontrar presentes para oferecer sua gente. (...) De modo que, curiosamente, o lder quem, na Amrica do Sul, trabalha mais arduamente. O estatuto dos signos lingsticos...a palavra , mais que um privilgio, um dever do chefe (...)*******p.60-61 Na medida em que, ao se recusar a ideia de uma troca de mulheres do grupo pelos bens e mensagens do chefe, examina-se consequentemente o movimento de cada signo segundo o seu circuito prprio, e descobre-se que esse triplo movimento apresenta uma dimenso negativa comum que designa a esses trs tipos de signos um destino idntico: eles no aparecem mais como valores de troca, a reciprocidade cessa de regular sua circulao, e cada um deles cai a partir de ento fora do universo da comunicao. Uma relao original entre a regio do poder e a essncia do grupo se desvenda ento aqui: o poder mantm uma relao privilegiada com os elementos cujo movimento recproco funda a prpria estrutura da sociedade; mas essa relao, negando-lhes um valor que de troca ao nvel do grupo, instaura a esfera poltica no apenas como exterior estrutura do grupo, mas bem mais como negando esta: o poder contra o grupo e a recusa da reciprocidade como dimenso ontolgica da sociedade a recusa da prpria sociedade. (grifo meu)*****Uma tal concluso, articulada com a premissa da impotncia do chefe nas sociedades indgenas, pode parecer paradoxal; entretanto nela que se resolve o problema inicial: a falta de autoridade da chefia. Com efeito, para que um aspecto da estrutura social possa exercer uma influncia qualquer sobre essa estrutura, preciso, no mnimo, que a relao entre esse sistema particular e o sistema global no seja inteiramente negativa. com a condio de ser de alguma forma imanente ao grupo, que a funo poltica poder manifestar-se de maneira efetiva. Ora, nas sociedades indgenas, essa funo poltica est excluda do grupo, e at mesmo o exclui: portanto na relao negativa mantida com o grupo que se enraza a impotncia da funo poltica; a rejeio desta para o exterior da sociedade o prprio meio de reduzi-la impotncia.p.61-62 Pode-se parecer que Clastres faz aqui uma metafsica finalista. No se trata entretanto de causas finais; os fenmenos aqui analisados provm do campo da atividade inconsciente pela qual o grupo elabora seus modelos: e o modelo estrutural da relao do grupo social com o poder poltico que se tenta descobrir.p.62 Clastres se pergunta Ser que devemos interpretar a sequncia: ruptura da troca-exterioridade-impotncia, como um desvio acidental do processo constitutivo do poder? Isso deixaria supor que o resultado efetivo da operao (a falta de autoridade do poder) apenas contingente com relao inteno inicial (a promoo da esfera poltica).No poderamos portanto conceber a separao entre funo poltica e autoridade como o fracasso acidental de um processo que visava sua sntese, como a derrapagem de um sistema desmentido apesar dele mesmo por um resultado que o grupo seria incapaz de corrigir.Recusar a perspectiva do acidente leva a supor uma certa necessidade inerente ao prprio processo, a procurar no nvel da intencionalidade sociolgica lugar de elaborao do modelo a razo ltima do resultado.p.63 ...o poder exatamente o que as sociedades quiseram que ele fosse.Podemos nos dar conta dessa deciso das culturas indgenas? Devemos julg-la como o fruto irracional da fantasia, ou podemos, ao contrrio, postular uma racionalidade imanente a essa escolha?Tudo se passa (...) como se essas sociedades constitussem sua esfera poltica em funo de uma intuio que teria nelas lugar de regra: a saber, que o poder , em sua essncia, coero; que a atividade unificadora da funo poltica se exerceria, no a partir da estrutura da sociedade e conforme ela, mas a partir de um mais alm incontrolvel e contra ela (...)p.64 Longe, portanto, de nos oferecer a imagem terna de uma incapacidade em resolver a questo do poder poltico, essas sociedades nos espantam pela sutileza com a qual elas a colocaram e regularam. Elas pressentiram muito cedo que a transcendncia do poder encerra para o grupo um risco mortal, que o princpio de uma autoridade exterior e criadora de sua prpria legalidade uma contestao da prpria cultura; foi a intuio dessa ameaa que determinou a profundidade de sua filosofia poltica. (grifo meu)...as sociedades indgenas souberam inventar um meio de neutralizar a virulncia da autoridade poltica....de modo a no deixar o poder aparecer seno como negatividade logo controlada: elas o instituem segundo sua essncia (a negao da cultura), mas justamente para lhe negarem toda potncia efetiva. De modo que a apresentao do poder, tal como ele , se oferece a essas sociedades como o prprio meio de anul-lo. A mesma operao que instaura a esfera poltica probe o seu desdobramento: assim que a cultura utiliza contra o poder a prpria astcia da natureza; por isso que se nomeia chefe o homem no qual se quebram a troca das mulheres, das palavras e dos bens.p.65 Mas essa subordinao apenas aparente: ela a verdade dissimula uma espcie de chantagem que o grupo exerce sobre o chefe. Pois, se este ltimo no faz o que dele se espera, sua aldeia ou seu bando simplesmente o abandona em troca de um lder mais fiel a seus deveres.Poder e palavra. ... relao do poder com a palavra: pois, se a linguagem o oposto da violncia, a palavra deve ser interpretada, mais do que como privilgio do chefe, como o meio de que o grupo dispe para manter o poder fora da violncia coercitiva, como a garantia repetida a cada dia de que essa ameaa est afastada.A linguagem da autoridade, dizem os Urubu, um ne eng hantan: uma linguagem dura, que no espera resposta. Mas essa dureza no compensa de modo algum a impotncia da instituio poltica. exterioridade do poder corresponde o isolamento de sua palavra que traz, por ser dita duramente para no ser ouvida, testemunho de sua doura.Interpretao conclusiva sobre a poliginia do chefe...Mecanismo de defesa: p.66 Esse modo de constituio da esfera poltica pode pois ser compreendido como um verdadeiro mecanismo de defesa das sociedades indgenas. A cultura afirma a prevalncia daquilo que a funda a troca precisamente vendo no poder a negao desse fundamento...Fim na p.66.