Fichamentos

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ATENÇÃO: ESTE DOCUMENTO FOI DIGITALIZADO DE TOMAZI, Nelson. [et al]. Elementos para orientar a leitura e a escrita. Cascavel: Ed. Coluna do Saber, 2005. POR GABRIELLA VIEIRA, SOB A PERMISSÃO DE SEU AUTOR, DESDE QUE PARA FINS ESTRITAMENTE ACADÊMICOS. REGISTROS DE LEITURA Os registros constituem parte indispensável para uma eficiente e proveitosa leitura acadêmica. Os registros são necessários pois além de fazerem parte da documentação pessoal de cada um, obrigam a gente a expor o nosso entendimento do texto, bem como evitam que se percam as reflexões e interpretações realizadas neste momento. Existem diversas modalidades de registros de leituras, mas nenhuma é uma “receita pronta”. Todos devem ser adaptados ao nosso estilo pessoal e objetivo de pesquisa. FICHAMENTOS 1 Existem vários tipos de fichamento, isto é, registro colocado em uma ficha. O mais simples deles é aquele em que você encontra nos fichários de bibliotecas: ficha de indicação bibliográfica. Há também a ficha resumo de textos ou de livros. Ambas podem ser organizadas por nome do autor, ou por título do livro ou ainda por temas ou assuntos tratados. O tipo de fichamento que mais interessa aqui é aquele que nos ajudará a organizar a leitura de um artigo ou de um livro. Não esqueça que o fichamento corresponde a base da documentação pessoal do pesquisador. No fichamento estarão anotadas as informações provenientes da leitura dos textos, bem como as informações adicionais que a leitura tenha sugerido ao pesquisador (reflexões, interpretações, dúvidas...). 1 Fichamento é um tipo de registro assim chamado porque há um tempo este registro era feito em uma ficha padronizada, mas hoje ele pode ser feito em vários formatos, utilizando, ou não, o computador.

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Page 1: Fichamentos

ATENÇÃO: ESTE DOCUMENTO FOI DIGITALIZADO DE

TOMAZI, Nelson. [et al]. Elementos para orientar a leitura e a escrita.

Cascavel: Ed. Coluna do Saber, 2005.

POR GABRIELLA VIEIRA, SOB A PERMISSÃO DE SEU AUTOR, DESDE QUE

PARA FINS ESTRITAMENTE ACADÊMICOS.

REGISTROS DE LEITURA

Os registros constituem parte indispensável para uma eficiente e proveitosa leitura

acadêmica. Os registros são necessários pois além de fazerem parte da documentação

pessoal de cada um, obrigam a gente a expor o nosso entendimento do texto, bem como

evitam que se percam as reflexões e interpretações realizadas neste momento. Existem

diversas modalidades de registros de leituras, mas nenhuma é uma “receita pronta”.

Todos devem ser adaptados ao nosso estilo pessoal e objetivo de pesquisa.

FICHAMENTOS1

Existem vários tipos de fichamento, isto é, registro colocado em uma ficha. O mais

simples deles é aquele em que você encontra nos fichários de bibliotecas: ficha de

indicação bibliográfica. Há também a ficha resumo de textos ou de livros. Ambas podem

ser organizadas por nome do autor, ou por título do livro ou ainda por temas ou assuntos

tratados.

O tipo de fichamento que mais interessa aqui é aquele que nos ajudará a organizar a

leitura de um artigo ou de um livro. Não esqueça que o fichamento corresponde a base da

documentação pessoal do pesquisador. No fichamento estarão anotadas as informações

provenientes da leitura dos textos, bem como as informações adicionais que a leitura

tenha sugerido ao pesquisador (reflexões, interpretações, dúvidas...).

1 Fichamento é um tipo de registro assim chamado porque há um tempo este registro era feito em uma

ficha padronizada, mas hoje ele pode ser feito em vários formatos, utilizando, ou não, o computador.

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O fichamento é um dos instrumentos para o cultivo da imaginação científica. Fichar um

texto significa registrar a leitura. E este registro serve para que o pesquisador possa ter

uma base de reflexão sobre o texto que esteja além da simples memorização da leitura.

Não se deve confiar muito na memória quando se lê um texto. Não é incomum um leitor

chegar ao final de um livro de 200 páginas e não se lembrar mais dos detalhes das

primeiras páginas, dos argumentos utilizados, dos problemas enfrentados e das respostas

apresentadas.

Além de ser um antídoto para a falta de memória, o fichamento tem outro objetivo:

servir de guia para a lógica argumentativa do texto. Através do fichamento o pesquisador

poderá esquematizar a ordem dos argumentos do texto. Desta maneira, será mais fácil

entender o que o autor se propõe a explicar. E isto é necessário também para nos orientar

à medida que avançamos na leitura do texto, evitando que o mesmo se transforme num

“labirinto de ideias”.

O fichamento serve ainda para a busca de informações sobre o texto no caso de se

necessitar utilizar citações no momento da escrita de trabalhos científicos.

Portanto, qualquer leitura acadêmica que mereça um estudo mais aprofundado deve

ser registrada. O fichamento é um meio para que a leitura e o seu registro possam ser

mais úteis para o pesquisador.

COMO E POR QUE SURGIU O FICHAMENTO

Para sermos óbvios vamos à seguinte definição: fichamento é o registro em fichas das

informações obtidas em leitura, bem como o registro das ideias e reflexões associadas às

informações obtidas.

Registrar a leitura é uma atividade tão antiga quanto a própria leitura. Todo autor que

escreveu um livro relevante, com certeza fez um registro das suas leituras antes e durante

a escrita de seu livro.

Registrar leituras em fichas é um hábito relativamente recente, é um hábito intelectual

do século XX. Karl Marx e Max Weber, por exemplo, registraram suas leituras e suas ideias

em vários cadernos. Parte destes registros encontram-se hoje publicados em forma de

livros (Os Manuscritos Econômicos e Filosóficos de Karl Marx e a parte final do livro

Economia e Sociedade de Max Weber são bons exemplos de registros clássicos de leituras

e de ideias).

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A vantagem da ficha em relação ao caderno é a usa versatilidade de manuseio. É muito

mais fácil manusear fichas soltas do que folhear as páginas presas de um caderno. As

fichas também podem ser dispostas em ordens distintas, dependendo dos objetivos de

trabalho (por autor, por título, por ano de publicação, por assunto...). De uma rica e bem

pensada, identificação das fichas, dependem as possibilidades de sua utilização para

objetivos distintos. Por isso, informações como nome do autor, título do texto, ano de

publicação, assuntos ou palavras chave, etc. devem aparecer em destaque e seguir uma

mesma ordem no cabeçalho das diversas fichas que vamos produzindo. Não esqueça das

Normas da ABNT para o registro das referências. Desnecessário alertar que as fichas

devem ser guardadas em pastas ou fichários devidamente identificados, sob pena de a

vantagem se transformar em desvantagem. Fichas soltas pelos cantos da casa são

registros irrecuperáveis.

A escolha entre o caderno e a ficha, o tamanho da ficha e outros detalhes ficam por

conta da preferência do intelectual. Fichas pautadas ou sem pauta? Esta dúvida não

merece a energia que se consome para tentar resolvê-la. Escolha a seu gosto em função

de seu estilo de trabalho. Se quiser usar o computador é ainda melhor.

O importante é reter o seguinte: toda informação lida deve ser registrada. O registro

em fichas ou equivalentes deve ser feito de forma a ser facilmente recuperável. Todos os

materiais fichados devem ser organizados em pastas e fichários identificados e colocados

em lugares de fácil acesso. Não adianta nada fichar um livro, jogar as fichas de forma

aleatória em uma pasta junto às contas antigas do condomínio e guardar a pasta dentro

do mesmo baú em que estão os parafusos usados e o pneu furado da sua primeira

bicicleta. Lembre-se: a memória é fraca. Passados alguns meses (ou apenas alguns dias

para muitos), você irá procurar aquela citação do autor que você leu para usar em um

artigo, que deve estar em algum lugar da casa. Você lembra vagamente que havia deixado

o material perto de algo que se parece a uma bicicleta. Você vasculha a casa inteira e

vamos supor que você ache o baú. Lá, em meio a pneus e parafusos de estimação, só tem

uma pasta com a etiqueta “Condomínios atrasados”. Você pensa, deve estar em outro

lugar, eu não iria ser maluco de guardar o fichamento do texto numa pasta de contas de

condomínio. Mais algumas semanas de desespero e você desconfia seriamente que o

material está na pasta do condomínio. Você abre a pasta e vê as suas fichas soltas lá.

Salvo! Vem tanto, você começa a procurar a citação nas fichas, mas como elas estão fora

de ordem você tem que olhar uma por uma. Finalmente você encontra a ficha que queria.

Normalmente, quando isto acontece você já perdeu o prazo para entregar o trabalho

escrito. Teria sido mais eficiente ler o livro de novo!

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Organizar a sua documentação pessoal é uma forma de agilizar e tornar mais eficiente

o trabalho intelectual. É muito desagradável perder tempo procurando uma coisa que

poderia estar à mão e que a preguiça e a falta de cuidado empurraram para um baú

perdido.

Então, lembre-se:

Toda ideia e toda informação lida deve ser registrada. O registro em fichas ou

equivalentes deve ser feito de forma a ser facilmente recuperável. Todo material fichado

deve ser organizado, identificado e colocado em lugar de fácil acesso.

Uma boa forma de manter um fichário facilmente acessível e bem organizado é mantê-

lo no computador. Se você ainda não dispõe de um computador fique com as pastas e

fichas de papel. Se você já tem um computador, faça seus fichamentos eletronicamente,

mas salve-os em disquetes de segurança e imprima-os. Não se esqueça jamais das duas

leis que orientam a vida dos usuários de informática: a) “se alguma coisa pode dar errado,

dará errado”; b) “quem tem dois tem um, quem tem um não tem nenhum”.

TIPOS DE REGISTROS QUE DEVEM SER FEITOS NO FICHAMENTO

O que deve ser registrado e como deve ser registrado? Basicamente três tipos de

informações devem ser registrados no fichamento: as ideias do autor que se está lendo;

comentários seus sobre o que está lendo; e outras notas de referência sobre o texto.

O fichamento deve começar sempre com as notas de referência sobre o texto: nome

do autor, título completo da obra, editora, local e ano de publicação. De preferência faça

este registro de acordo com as normas de referência da ABNT. Fica mais fácil depois

transpor para as referências completas do trabalho que você estiver realizando. Lembre-

se sempre de anotar na ficha o número da página de onde foi retirada a informação

registrada.

REGISTRO SIMPLES DAS IDEIAS DO AUTOR

O tipo mais comum de fichamento contém um registro simples das ideias principais de

um autor. As ideias são registradas na mesma sequência em que aparecem no texto

(sempre com a referência à página de onde foi extraída a informação). O objetivo deste

tipo de fichamento é registrar dados, informações e ideias contidas no texto e não

propriamente a lógica de construção do raciocínio de um autor.

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Para fazer o fichamento leia atentamente cada parágrafo. Procure retirar de cada

parágrafo a ideia principal. Se as ideias estiverem sendo redundantes, agrupe-as em um

único registro. Procure entender a conexão que existe entre um parágrafo e o seguinte.

Não pule o texto jamais: acompanhar a sequência de argumentos do autor é a chave para

compreender as suas ideias. Não se deve anotar passagens do texto de forma aleatória, só

porque soou bem aos seus ouvidos. O registro deve obedecer à sequência de argumentos

do autor. Este é o objetivo central deste fichamento: reproduzir de forma resumida e

esquemática a sequência de argumentos do autor.

HIERARQUIA DAS IDEIAS DO AUTOR

Quando a intenção for reconstruir a lógica de raciocínio de um autor, a melhor forma

de fichamento é o registro hierárquico das ideias contidas na obra. Neste caso o registro

não aparece na ficha necessariamente na mesma ordem em que está no texto.

Este tipo de fichamento separa três modalidades de informação: a premissa, os

argumentos que sustentam a premissa e as conclusões do autor. O objetivo é identificar

que argumentos conduzem a que conclusões, partindo-se de quais premissas.

A premissa é a ideia inicial. É desta ideia que o autor parte para fazer a sua análise.

Frequentemente a premissa parte de uma dúvida, uma interrogação que o autor se

propõe responder através do texto. A resposta que o autor propõe para o problema é a

explicação, a ideia principal que ele vai defender (sustentar) ao longo do texto.

Os argumentos são as afirmações que sustentam determinadas premissas. Estas

afirmações podem estar fundamentadas em dados, testemunhos, exemplos, ilustrações

ou em explicações teóricas (outras premissas), que por sua vez assentam-se em outros

argumentos e assim por diante. No caso de dúvidas propostas, os argumentos constituem

as evidências, as pistas ou mesmo as provas em base das quais o autor sustenta suas

conclusões, ou seja, as respostas dadas à interrogação.

A conclusão é o resultado final a que chega o autor a partir da exposição dos

argumentos. Normalmente a conclusão é uma explicação que reforça a premissa, e que se

pretende válida porque está ancorada nos argumentos enumerados anteriormente. A

ideia proposta pelo autor (reposta) é afirmada com base nos argumentos que visam

atestar a sua veracidade e convencer o leitor acerca disso.

Tanto num caso como em outro deve-se levar em conta mais duas pequenas regras:

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a) No caso de transcrição literal de passagens do texto (“.....”) isto é, quando você

tiver a intenção de registrar uma passagem do livro tal como ela está, o que é

importante para uma futura citação, lembre-se de usar aspas (“...”). Isto é

importante para que fique bem distinto o que é uma transcrição literal do livro e o

que é uma interpretação do leitor.

b) No caso de querer fazer o registro de comentários do leitor sobre o texto [“....”]

isto é, quando você for fazer um comentário ou uma crítica sobre o livro ou um

registro de ideias que lhe ocorreram a partir da leitura de determinada parte do

texto, escreva as suas ideias entre colchetes [“....”], ou use qualquer outro código

para diferenciá-la das ideias do autor. É fundamental não haver confusão entre o

que é a interpretação do leitor sobre o texto, o que é transcrição literal e o que são

comentários do leitor sobre o texto.

COMO TESTAR A CONSCIÊNCIA DOS REGISTROS FEITOS

Para verificar se entendemos as ideias de um autor e se as registramos

adequadamente, devemos nos perguntar se a partir do fichamento podemos ter certeza

sobre: qual é a questão principal tratada no texto? E as secundárias? Qual é a ideia

defendida pelo autor acerca da questão tratada? Quais são os argumentos utilizados para

defender estar ideia? Estes argumentos são de que tipo (dados numéricos, depoimentos

de entrevistas;; ideias de outros autores, valores; informações históricas; questões éticas

e morais...)? Afinal, qual é a conclusão do autor sobre a questão tratada? O autor

considera a conclusão válida universalmente ou considera a sua validade apenas para

certos casos e em certas condições limitadas?

Para avaliar os comentários a serem registrados sobre o texto, também devemos nos

interrogar:

a) Sobre a questão tratada pelo autor no texto: a questão tratada está

adequadamente formulada e justificada? Ou será que a pergunta principal poderia

ser colocada de outra forma? O autor lhe convenceu que esta é uma questão

importante e que merece ser tratada? Por que? Ou trata-se de uma falsa questão,

apenas aparentemente importante?

b) Sobre a ideia principal defendida pelo autor: a posição do autor sobre a questão

tratada está clara? A ideia principal do autor responde ao problema proposto? Ou é

um comentário ou desvio da questão? Você concorda com a explicação que o autor

propõe para a questão tratada? Quais seriam outras respostas possíveis para a

mesma questão?

c) Sobre os argumentos utilizados no texto: o número de argumentos é suficiente

para sustentar as ideias do autor? Os argumentos são diversificados ou repetem-se

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ao longo do texto? As fontes dos argumentos resultaram de pesquisa? As fontes

dos dados apresentados são confiáveis? Existem argumentos “ideológicos”? O

autor utiliza valores para defender suas ideias? Quais as relações que existem entre

os argumentos? Os argumentos reforçam-se uns aos outros? Existem argumentos,

dados ou informações importantes que são omitidos pelo autor? Quais são os

limites e as qualidades principais dos argumentos utilizados?

d) Sobre as conclusões do autor no texto: as conclusões apresentadas são coerentes

com os argumentos? Ou seja, os argumentos apresentados são suficientes para

sustentar esta conclusão? Esta conclusão seria válida também para outras

situações? Ou os argumentos apresentados também permitiram chegar a outras

conclusões? O autor lhe convenceu da conclusão apresentada? Qual seria a sua

conclusão, a partir dos argumentos apresentados? O que tudo isso lhe sugere em

termos de novos estudos e pesquisas?

OBS.: Os comentários a serem registrados nas fichas dependem de opção pessoal

As sugestões apresentadas pretendem apenas alertar ao leitor sobre questões úteis

para a orientação de suas reflexões.

Concluindo: pode-se dizer que o fichamento faz parte da organização pessoal do

pesquisador. Não existe um modelo único que seja válido. Portanto, a forma como

será feito efetivamente o fichamento dependerá muito do jeito de cada um. O

importante é lembrar que: toda ideia e toda leitura devem ser registradas.

Certifique-se ainda de não exagerar no fichamento. O fichamento deve ser menor

do que o livro!

Contudo, também não seja muito econômico na anotação de suas ideias. E

sobretudo, não ponha palavras “na boca” do autor que está sendo fichado. Mesmo

que você o deteste, tente ser fiel ao pensamento dele. Somente assim se poderá

construir uma compreensão adequada das ideias apresentadas no texto. Tenha

sempre em mente que para criticar algo com maturidade é necessário antes

entender do que se trata.