Filhos da Esperança

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Filhos da esperança Rio Branco - Acre, domingo, 30 de novembro, e 1 de dezembro de 2008 Jornal Página 20 - ENCARTE ESPECIAL M ilagre ou avanço da medicina? A resposta está na crença de cada um. O intrigante é que, apesar da forte ligação sangüí- nea, mães portadoras do HIV têm menos de 5% de chances de gerar filhos com sorologia positiva caso recebam tratamento adequado desde o início da gestação. Antes de existir a profilaxia contra a aids, pelo menos 70% das mães com a doença contaminavam o feto. Tanto que o tratamento, que se baseia na ad- ministração de combinação de medicamentos conhecidos como coquetéis, é considerado uma das descobertas mais importantes de combate ao vírus. Nos últimos anos, a detecção precoce do HIV em gestantes tem re- cebido um alto investimento por parte do governo, que busca aprimorar suas ações de controle da epidemia e evitar o surgimento de novos casos de aids infantil. No Acre, 347 pessoas entre as que desenvolveram a doença, portadoras do HIV e pacientes expostos são atendidos periodicamente pelo Serviço de Assistência Especializado (SAE) por meio de psicólogos, assistentes sociais e infectologistas. Dessas, 32 são crianças. O grupo encontra não só nos profissionais do serviço, mas nos parceiros de tratamento, a força de que precisa para seguir em frente com uma vida normal. São servidores públicos, autônomos, donas-de-casa, desemprega- dos e estudantes. Pessoas de princípios e classes sociais diferentes que se identificam e se unem pelo trágico diagnóstico recebido um dia: “Amostra Positiva para HIV”. O Página 20 teve acesso à rotina de algumas famílias infectadas pelo vírus. Elas mostram como é a vida com aids, o que mudou depois da descoberta da doença, seus sonhos, o desejo de ver resultados negativos nos exames dos filhos e a batalha diária para adiar a temível sentença de morte. As vidas que vêm da aids

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As vidas que vêm da Aids

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Filhos da esperançaRio Branco - Acre, domingo, 30 de novembro, e 1 de dezembro de 2008 Jornal Página 20 - ENCARTE ESPECIAL

Milagre ou avanço da medicina? A resposta está na crença de cada um. O intrigante é que, apesar da forte ligação sangüí-nea, mães portadoras do HIV têm menos de 5% de chances de gerar filhos com sorologia positiva caso recebam tratamento

adequado desde o início da gestação. Antes de existir a profilaxia contra a aids, pelo menos 70% das mães com

a doença contaminavam o feto. Tanto que o tratamento, que se baseia na ad-ministração de combinação de medicamentos conhecidos como coquetéis, é considerado uma das descobertas mais importantes de combate ao vírus.

Nos últimos anos, a detecção precoce do HIV em gestantes tem re-cebido um alto investimento por parte do governo, que busca aprimorar suas ações de controle da epidemia e evitar o surgimento de novos casos de aids infantil.

No Acre, 347 pessoas entre as que desenvolveram a doença, portadoras do HIV e pacientes expostos são atendidos periodicamente pelo Serviço de Assistência Especializado (SAE) por meio de psicólogos, assistentes sociais e infectologistas. Dessas, 32 são crianças.

O grupo encontra não só nos profissionais do serviço, mas nos parceiros

de tratamento, a força de que precisa para seguir em frente com uma vida normal. São servidores públicos, autônomos, donas-de-casa, desemprega-dos e estudantes. Pessoas de princípios e classes sociais diferentes que se identificam e se unem pelo trágico diagnóstico recebido um dia: “Amostra Positiva para HIV”.

O Página 20 teve acesso à rotina de algumas famílias infectadas pelo vírus. Elas mostram como é a vida com aids, o que mudou depois da descoberta da doença, seus sonhos, o desejo de ver resultados negativos nos exames dos filhos e a batalha diária para adiar a temível sentença de morte.

As vidas que vêm da aids

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2 Rio Branco - Acre, domingo, 30 de novembro, e 1 de dezembro de 2008 Jornal Página 20 - ENCARTE ESPECIAL

TEXTOS: RENATA BRASILEIRO FOTOS: REGICLAY SAADY

A dona de casa Fátima Cos-ta, 25, viu o sonho de ser mãe ser des-

truído três vezes pela aids. A primeira filha morreu aos sete meses com o diagnós-tico de desidratação aguda. Em seguida, engravidou no-vamente. Era um menino, do jeito que o pai queria, mas a criança nasceu morta e a frustração misturada à dor da perda mais uma vez abalou a família.

Outra filha veio. Aparen-temente sadia e visivelmente sapeca, era a alegria da casa. Mal sabiam os pais que sua vida estava predestinada a durar apenas cinco anos. A menina morreu após pegar tuberculose.

“Eu nunca entendi por que não consegui ver ne-nhum filho meu crescer. Perdi todos e isso me cau-sou uma dor tão grande que eu nem gosto de lembrar”, enfatiza.

Fátima diz ter a mania de se conformar com tudo o que acontece e por isso não ficou remoendo os ca-sos dos três filhos mortos. Preferiu sofrer calada, sem pedir ajuda, e esperar o tem-po passar para, se fosse o caso, engravidar novamente e então ver o seu sonho de mãe realizado.

Os planos foram adiados quando duas doenças a aco-meteram: meningite e toxo-plasmose. Com uma altura aproximada de 1,60 metro, ela chegou a pesar 30 quilos por conta do enfraqueci-mento do organismo e não morreu por milagre, já que a verdadeira causa das duas doenças ainda não havia sido diagnosticada.

“Um médico neurolo-gista que cuidou de mim disse a meu marido que me levasse para morrer em casa, que não tinha mais jeito”, relata.

Três dias depois Fátima passou mal e pediu ao mari-do que a levasse de volta ao hospital. Na mesma semana, a madrinha dela havia sido internada para uma cirurgia e precisava de doadores de sangue. O marido de Fáti-ma se habilitou e a verdade,

enfim, veio à tona.“Disseram que o sangue

dele não prestava para doa-ção porque estava infectado com o vírus HIV. Foi quan-do coletaram meu sangue e mandaram para o labora-tório para saber se eu tam-bém tinha a doença. Só me contaram que o exame dera positivo depois que recebi alta”, destaca.

O HIV foi a explicação para a morte de seus três fi-lhos. Fátima Costa entrou em depressão e diz que não sabe se sofreu mais por saber que tinha aids ou por imagi-nar que ser mãe poderia ser uma conquista impossível.

O tratamento com indica-ção de terapia anti-retroviral fê-la sentir-se melhor, mais saudável, como menos medo de morrer antes de ver so-nhos realizados. Hoje faz cin-co anos que ela descobriu ser portadora da doença e de lá para cá nunca mais contraiu sequer um resfriado.

Há três anos Fátima en-gravidou novamente. Dessa vez, consciente de suas con-dições, buscou segurança no acompanhamento mé-dico. “Fiz pré-natal durante os nove meses e recebi um tratamento específico para não passar o vírus a minha filha”, disse.

Para tentar impedir a transmissão do HIV da mãe para filho, os cuidados começam durante o perío-do intra-uterino, quando a gestante soropositiva deve seguir um esquema anti-retroviral adequado para seu caso.

Após o parto, o recém-nascido recebe a quimio-profilaxia com zidovudina - com início, de preferên-cia, entre as duas e oito pri-meiras horas de vida - até completar seis semanas.

O exame de sorologia anti-HIV da criança nascida de mãe soropositiva pode resultar positivo até os 18 meses, pois até essa idade ela possui em seu sangue os anticorpos contra o vírus.

Fátima enfrentou todo esse processo com grande aflição. Pesadelos a perturbavam du-rante os nove meses de gesta-ção. A voz do médico lhe ex-plicando passo-a-passo como procederia durante a gravidez para tentar livrar a criança do vírus lhe trazia dois lados da

A vida após três mortes

moeda: a criança terá sorologia negativa ou positiva?

Nove meses depois, nas-ceu uma menina. Todos os cuidados foram tomados e 18 meses depois a resposta que Fátima tanto esperava veio. A criança é saudável, não possui nenhuma carga viral detectável.

O mesmo acompanha-mento vem recebendo a ca-çula, de sete meses. Dois exa-mes já deram negativos e um terceiro será feito no dia 18 de dezembro. “Estou muito ansiosa e preocupada. Toda aquela ansiedade que tive com a outra neném estou ten-do com essa. Mas creio que, assim como a outra, ela tam-bém é saudável”, completa.

Enquanto a espera é algo inevitável, Fátima diz que ela e o marido procu-ram levar uma vida nor-mal. “Meu marido e eu nos sentimos muito felizes por termos conseguido ter mais duas filhas depois de tudo o que aconteceu co-migo. Vimos três filhos morrer e depois disso qua-se morro. Parece estranho, mas minha vida passou a ter muito mais sentido de-pois que descobri a doença porque hoje sei qual o meu problema, recebo tratamen-to, sinto-me muito bem e te-nho duas filhas que são tudo para mim”, desabafa.

O marido, que é ser-vente de obras e não esteve

presente na entrevista, não precisa de medicamentos anti-retrovirais. É que orga-nismo dele não desenvolveu a aids, sendo, portanto, ape-nas portador do HIV.

Segundo a médica in-fectologista Cirley Lobato, existe uma grande diferen-ça entre esses dois grupos. O portador do Vírus da Imunodeficiência Huma-na (HIV) tem o vírus, mas não a doença manifestada. Já quem possui Síndrome da Imunodeficiência Adqui-rida (aids) está em um está-gio mais avançado, no qual doenças oportunistas inva-diram o organismo e se faz necessário o uso de coque-téis para o tratamento.

FÁTIMA conseguiu reconstruir a família após perder três filhos vítimas de aids

Um médico neurologista que cuidou de mim disse ao meu

marido que me levasse para morrer em casa, que não tinha mais jeito

A aids presente desde os 12 anosAssim como na maioria dos casos de

pessoas infectadas, Fátima não sabe ao cer-to como foi contaminada pelo vírus. Tem apenas uma suspeita - a mais aceitável para ela e também para os profissionais que a acompanham.

Aos doze anos namorou um rapaz e mantinha relações sexuais com ele sem uso de preservativo. Na época não sabia o que era HIV nem os riscos que corria de pegar outras Doenças Sexualmente Transmissí-veis (DST) sem a devida prevenção.

Meses depois de iniciar o namoro, o rapaz foi preso por ter estuprado uma garota e o fato foi noticiado no “Mundo Cão”, programa de rádio apresentado pelo radialista já falecido Estevão Bimbi. Na matéria, era informado que o rapaz possuía o vírus do HIV.

“Na minha inocência eu achava que aquilo não tinha nada a ver comigo, que ele tinha o vírus, mas que eu não poderia ter. Só depois de muitos anos vim ter conhe-cimento de que aids se pegava por relação sexual”, disse.

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ENCARTE ESPECIAL - Rio Branco - Acre, domingo, 30 de novembro, e 1 de dezembro de 2008 Jornal Página 20 3

Dia 17 de setembro de 2008. Luciana Almeida, 34, dá entrada na Maternida-de Bárbara Heliodora para dar à luz o casal de gêmeos Gabriel e Gabriela. O parto cesáreo, no qual a menina veio primeiro e o menino em seguida, foi um sucesso. Porém, 15 minutos depois a mãe sofreu uma parada car-díaca que lhe tirou a chance de ao menos conhecer as crianças.

A mãe de Gabriel e Ga-briela tinha aids desde 2006, possivelmente contraída em uma transfusão na qual ela recebera quatro bolsas de sangue devido a um proble-ma renal. Pelo menos foi a partir daí que Luciana passou a apresentar imunidade baixa e a adoecer com freqüência.

“Ela não tinha proble-mas de saúde antes disso, só o renal. Depois que recebeu as bolsas não foi mais a mes-ma pessoa. Chegou a pesar 32 quilos, internada em um leito da Fundação Hospita-lar, onde passou 28 dias no começo do ano passado. Foi lá que fizeram o exame de HIV e detectaram que ela era soropositivo”, conta o viúvo Ricardo Almeida, 32.

Com acompanhamento médico e tratamento de que precisava, Luciana foi se recuperando aos poucos e engravidou em janeiro des-te ano. Teve uma gravidez tranqüila e nunca faltou a uma consulta pré-natal.

O pai conta que não esta-va em Rio Branco quando a mãe de seus filhos foi para a maternidade ganhar os bebês. A família dele possui uma co-lônia na estrada Transacreana e foi lá que ele recebeu uma ligação informando que os gêmeos haviam nascido e a mulher morrera logo de-pois do parto.

Desesperado com a notí-cia, voltou para Rio Branco e se viu diante de uma situa-ção sem volta. “Minha mu-lher morreu e eu tenho que cuidar dos nossos filhos,

Há cinco anos, Rita de Cássia, 30, viveu com um portador do vírus do HIV. A única lembran-ça que ela carrega do período em que esteve com o antigo compa-nheiro é a da ex-namorada dele chegando a sua casa aos pran-tos, afirmando que havia sido infectada. A notícia caiu como um fardo nas costas de Rita de Cássia. Na hora, ela só conse-guia imaginar que também

havia sido contaminada. Vieram as brigas, as cobranças de uma explicação por

parte de Rita de Cássia e, sobretudo, a exigência para que o então companheiro fizesse um exame que pudesse com-provar ou descartar de vez a acusação feita pela ex.

Ele negava ter a doença e conseguia controlar Rita com a desculpa de que no dia seguinte faria o exame. No fun-do, ela preferia acreditar que ele estava falando a verdade, já que nem sintomas de uma doença grave como essa o homem aparentara em todo o tempo em que estiveram juntos. Contudo, a incerteza que ela carregava consigo fa-lava muito mais alto. A separação veio logo em seguida.

Distante do ex-companheiro, ela buscava forças todas as manhãs para ir ao Centro de Testagem e Aconselha-mento (CTA) fazer o exame, mas desista da porta de casa. “O medo de fazer o exame sempre foi maior do que a necessidade de saber o resultado dele”, disse.

Dois anos depois, ainda sem coragem e com a saúde aparentemente intacta, Rita de Cássia casou-se novamente e resolveu esquecer toda a história que lhe causara tanto medo, dia após dia. Engravidou do segundo filho - o pri-meiro tem 11 anos - e o obstetra que acompanhava sua gestação exigiu uma bateria de exames rotineiros, entre eles o de HIV.

Dessa vez não tinha mais como fugir. Rita fez todos os exames solicitados, mas quando o resultado saiu pediu ao marido que ele fosse buscar. Cerca de uma hora depois ele voltou para casa com todos os resultados, menos o que ela considerava mais importante. No laboratório ele fora informado de que o sangue de Rita havia coagulado e por isso ela teria que voltar para refazer a coleta.

“Naquele mesmo instante me veio à cabeça que o re-sultado havia dado positivo e que me chamaram de volta ao laboratório só para dar a notícia”, conta.

Rita estava certa. Foi recebida por uma psicóloga e não pelos profissionais que realizam coleta de sangue. A psi-cóloga até tentou ter uma conversa amena, que desse a notícia e a confortasse ao mesmo tempo. Mas Rita pediu a verdade de forma direta: “Eu tenho aids, né? É isso que a senhora vai dizer?”.

Depois da afirmação como resposta, a vida de Rita nunca mais foi a mesma. Depressão, sentimento de mor-te, o medo de não chegar a conhecer o filho que estava ge-rando e de deixar o mais velho sozinho no mundo vieram agravar a situação.

Com o acompanhamento psicológico oferecido pelo SAE, ela se sente melhor. Quase três anos se passaram depois da descoberta da doença. O bebê que Rita esperava hoje tem dois anos e já foi dispensado do acompanhamen-to trimestral por não possuir a doença.

O sentimento de que perderia o filho antes mesmo do parto fez com que Rita criasse um apego especial à crian-ça. Como está desempregada, passa o dia inteiro dando atenção e brincando com os filhos, que ela mesma diz não cansar de admirar por serem crianças felizes e saudáveis.

O marido de Rita é servente de obras. Mesmo man-tendo relações sexuais com ela há três anos sem o uso do preservativo, não foi detectada nenhuma carga viral de HIV em seu sangue nos exames realizados.

Por não apresentar a doença, o marido também foi chamado pela equipe de saúde que cuida de Rita a fazer um acompanhamento psicológico, a fim de que saiba mais sobre a doença, sobre as formas de contágio e cuidados que deve tomar para não ser infectado. Contudo, ele não aceita o uso do preservativo.

“Já tivemos muitas brigas por conta disso. Ele não quer usar o preservativo e diz que se não pegou a doença em três anos não vai mais pegar”, comenta Rita de Cássia.

Diário de uma infectada

Mãe morre e deixa gêmeos “expostos”

sendo que eu tenho a mes-ma doença que a matou”, comenta.

Além dos gêmeos, o casal tem um filho de quatro anos, saudável, o que reforça a pos-sibilidade de Luciana Almei-da ter contraído o vírus há pouco tempo. Na época da primeira gravidez ela não fez pré-natal e amamentou o filho, o que aumentaria em pelo menos 90% a chan-ce de a criança ter nascido infectada caso ela já estives-se com a doença.

Os gêmeos, por enquan-to, estão em situação de pa-cientes expostos, o que sig-nifica dizer que nasceram de mãe com aids e precisam ser assistidos por pelo menos um ano e oito meses para se ter um diagnóstico definiti-vo. Passarão pelo primeiro exame de carga viral na se-gunda quinzena de dezem-

bro, quando terão comple-tado três meses de vida.

“Eu tenho muito medo e também muita esperança porque a médica que cuida deles disse que em cinco anos que ela trabalha com gestantes com aids que fa-zem pré-natal, nunca viu uma criança nascer com a doença”, comenta o pai.

Mas nem o medo ou a ansiedade tira do pai o pra-zer de cuidar dos filhos, ain-da que com a mãe ausente. Sempre carinhoso, ele dá banho, troca fraldas e dá mamadeira às crianças. Para isso também conta com a ajuda da família.

O carisma do casal de bebês chama tanta atenção que várias pessoas já pedi-ram para adotá-los, conta Ricardo. “Eu não teria cora-gem de dar meus filhos. Eu amo todos eles”, relata.

VIÚVO, Ricardo se vê na tarefa de cuidar dos gêmeos de dois meses

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Brasil com aidsDe 1980 a junho de 2007, foram notificados 474.273 casos de

aids no país - 289.074 no Sudeste, 89.250 no Sul, 53.089 no Nor-deste, 26.757 no Centro-Oeste e 16.103 no Norte. Nas regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste, a incidência de aids tende à esta-bilização. No Norte e Nordeste, a tendência é de crescimento. Segundo critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil tem uma epidemia concentrada, com taxa de prevalência da infecção pelo HIV de 0,6% na população de 15 a 49 anos.

Acre com aidsNo Acre, o primeiro caso da doença veio surgir em 1987. Re-

centemente, o Programa Estadual de DST e Aids, vinculado à Se-cretaria de Estado e Saúde (Sesacre) e ao Ministério da Saúde (MS), registrou 401 casos espalhados nos 22 municípios. Rio Branco concentra 80% dos registros, e Brasiléia, que antes aparecia em segundo lugar, teve o quadro estabilizado, enquanto Manuel Ur-bano passou ocupar a segunda colocação no maior número de pessoas infectadas em um município.

Roleta-russaJogo do azar. É dessa “brincadei-

ra” que participam as pessoas que fazem sexo sem preserva-

tivo, segundo definição feita pela in-fectologista Cirley Lobato. “A aids está cada vez mais presente entre as pessoas. Basta um descuido para o contágio acontecer”, destaca.

No caso de Rita de Cássia, que tem a doença e o marido não, o pe-rigo é ainda mais iminente. A ciên-cia explica que algumas pessoas pos-suem defesa natural no organismo contra o vírus HIV, como é o caso dos africanos. Isso não quer dizer, portanto, que essas pessoas nunca vão ser contaminadas.

“O marido dessa moça não pe-gou a doença até hoje, mas pode pe-gar a qualquer momento caso não use preservativo. A imunidade que ele apresenta não é nenhum fator de segurança”, ressalva.

Para as pessoas que nunca fizeram o teste a fim de saber se estão livres da doença, a médica aconselha: “Não

é preciso apresentar algum sintoma ou ir ao médico solicitar pedido de exame. Basta ir ao CTA e dizer que está disposto a fazer o teste rápido. O resultado sai em dez minutos”.

Se todas as pessoas do chamado grupo de risco (que fazem ou fizeram sexo sem preservativos, usuários de drogas que compartilham a mesma seringa e de comportamentos afins) tivessem a consciência de procurar o CTA, o Acre não estaria em uma situação lastimável com relação à aids, segundo a infectologista.

“Quando o vírus é descoberto no estágio inicial e a pessoa é considera-da apenas portadora, ela pode levar uma vida normal, inclusive sem o uso de medicamento, apenas com alguns cuidados para não desenvol-ver a doença. Mas, infelizmente, em nosso Estado as pessoas estão descobrindo a doença muito tarde, quando precisam de coquetéis de medicamentos para se manter vi-vas”, complementa.

Expectativa de vidaAté o começo da década de 90, a aids era considerada uma doença

que levava à morte em um prazo relativamente curto. Porém, com o surgimento do coquetel (combinação de medicamentos responsáveis pelo atual tratamento de pacientes HIV positivo), as pessoas infecta-das passaram a viver mais. Esse coquetel é capaz de manter a carga viral do sangue baixa, o que diminui os danos causados pelo HIV no organismo e aumenta o tempo de vida do infectado.

INFECTOLOGISTA diz que acreanos descobrem a doença muito tarde

PS.: A verdadeira identidade dos personagens entrevistados para esta reportagem foi preservada para evitar exposição de imagem.