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Emulsões múltiplas: formulação, caracterização, estabilidade e aplicações Filipa Rocha Alves dos Santos Emulsões múltiplas: formulação, caracterização, estabilidade e aplicações Universidade Fernando Pessoa Faculdade de Ciências da Saúde Porto 2011

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  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    Filipa Rocha Alves dos Santos

    Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    Universidade Fernando Pessoa

    Faculdade de Cincias da Sade

    Porto 2011

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

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  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

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    Filipa Rocha Alves dos Santos

    Emulses mltiplas: formulao,

    caracterizao, estabilidade e aplicaes

    Universidade Fernando Pessoa

    Faculdade de Cincias da Sade

    Porto 2011

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

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    Filipa Rocha Alves dos Santos

    Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    Monografia apresentada Universidade Fernando Pessoa como parte dos requisitos para

    obteno do grau de Mestre em Cincias Farmacuticas.

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    Resumo As emulses mltiplas so sistemas complexos e polidispersos desenvolvidos recentemente

    na rea da tecnologia. Trata-se de sistemas constitudos simultaneamente por emulses A/O e

    O/A, sendo estabilizados por tensioactivos de diferente polaridade. A quantidade e tipo de

    tensioactivo essencial para a formao de uma emulso estvel. Os tipos de emulses

    mltiplas abordadas nesta reviso dizem respeito s emulses A/O/A e s O/A/O. Embora as

    vantagens neste tipo de sistemas sejam bastantes, como a proteco das molculas,

    possibilidade de controlar a libertao de frmacos, maior biodisponibilidade oral, melhoria

    das caractersticas organolpticas e sensoriais de certos produtos, entre outras, possuem

    tambm algumas condicionantes devido sua instabilidade termodinmica. Assim, as

    emulses mltiplas necessitam de uma caracterizao completa, atravs de estudos

    complexos, para que dessa forma seja possvel obter uma formulao estvel. As aplicaes

    deste tipo de sistemas so vrias e abrangem muitas reas, como a farmacutica, a alimentar, a

    mdica e a biotecnolgica como iremos constatar.

    Abstract Multiple emulsions are complex and polydisperse systems developed recently in the area of

    technology. These systems are formed simultaneously by emulsion W/O and O/W, being

    stabilized by surfactants of different polarity. The amount and type of surfactant is essential

    for the production of a stable emulsion. The types of multiple emulsions discussed in this

    review concern the W/O/W and O/W/O emulsions. Some of the advantages in this type of

    systems are the protection of molecules, the ability to control drug delivery, higher oral

    bioavailability, improved organoleptic and sensory characteristics of certain products, among

    others, but it also have some limitations due to its thermodynamic instability. Thus, the

    emulsion need complete characterization by means of complex studies, to be possible to

    obtain a stable formulation. The applications of such systems are varied and cover many areas

    such as pharmaceuticals, food, medical and biotechnology like we will discussed in this

    review.

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    Agradecimentos A terminar esta tese de mestrado resta-me registar os meus sinceros agradecimentos s

    pessoas que de vrias formas contriburam para que este se tornasse numa realidade.

    Primeira mente, gostaria de agradecer aos meus pais, Ins e Artur Santos, a possibilidade que

    me concederam de frequentar este curso que tanto prazer me deu concluir. Gostaria tambm

    de agradecer aos restantes membros da minha famlia, e em especial minha irm Ins e

    minha sobrinha Gabriela, todo o apoio nos momentos menos fceis e todos os momentos de

    lazer que me proporcionaram.

    Agradeo tambm aos finalistas de Cincias Farmacuticas 2006/2011 pelos bons momentos

    partilhados durante os 5 anos. Tenho a certeza que deste grande convvio e companheirismo

    nasceram grandes amizades que iram perdurar por toda a vida.

    No posso deixar tambm de agradecer ao grupo de docentes da Universidade Fernando

    Pessoa que me acompanhou ao longo de 5 anos e onde cada um, sua maneira, transmitiu os

    seus conhecimentos no s a nvel acadmico mas tambm a nvel humano.

    Por fim, gostaria de agradecer minha orientadora da tese, Professora Rita Oliveira, a

    disponibilidade e as criticas construtivas que sempre realizou, sendo essas essenciais na

    execuo da tese.

    Assim, aqui deixo o meu profundo e sentido agradecimento a todas as pessoas que

    contriburam para a concretizao da minha tese, estimulando-me intelectual e

    emocionalmente.

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    ndice RESUMO ........................................................................................................................................................ 5

    ABSTRACT .................................................................................................................................................... 5

    AGRADECIMENTOS ................................................................................................................................... 6

    ABREVIATURAS: ......................................................................................................................................... 9

    1. INTRODUO .........................................................................................................................................11

    2. TEORIAS DA EMULSIFICAO...........................................................................................................13

    3. COMPONENTES DAS EMULSES .......................................................................................................14

    3.1. AGENTES EMULSIVOS ............................................................................................................................14 3.1.1. Equilbrio hidrfilo-lipfilo (EHL) .................................................................................................14 3.1.2. Tensioactivos .................................................................................................................................17 3.1.3. Materiais de origem natural e seus derivados.................................................................................20 3.1.4. Slidos finamente divididos ............................................................................................................21 3.1.5. Fase oleosa ...................................................................................................................................21 3.1.6. Fase aquosa ..................................................................................................................................22

    4. DESENVOLVIMENTO DA FORMULAO .........................................................................................22

    4.1.TCNICAS DE PREPARAO .....................................................................................................................23 4.1.1. Mtodo da dupla emulsificao ......................................................................................................23 4.1.2 Mtodo da etapa nica ...................................................................................................................23 4.1.3 Mtodo de emulsificao por membrana .........................................................................................24

    4.2. EQUIPAMENTOS USADOS NA EMULSIFICAO .........................................................................................25 4.3. TCNICAS DE CARACTERIZAO E CONTROLO DE EMULSES ...................................................................26

    4.3.1 Agitao .........................................................................................................................................27 4.3.2 Temperatura ...................................................................................................................................28 4.3.3 Reologia .........................................................................................................................................29

    4.4. CARACTERIZAO IN VITRO....................................................................................................................31 4.4.1 Exame macroscpico ......................................................................................................................31 4.4.2 Exame microscpico / tamanho da gotcula.....................................................................................31 4.4.3. Nmero de glbulos .......................................................................................................................33 4.4.4. Determinao da velocidade de formao de creme ou de sedimentao por centrifugao ............33 4.4.5. Determinao do pH......................................................................................................................34 4.4.6. Determinao do sinal da emulso.................................................................................................34 4.4.7. Eficincia de encapsulao / percentagem de frmaco encapsulado / rendimento da emulso .........35 4.4.8. Potencial zeta ................................................................................................................................36

    5. ESTABILIDADE .......................................................................................................................................37

    5.1 ESTABILIDADE FSICA .............................................................................................................................37 5.1.1 Coalescncia: .................................................................................................................................38 5.1.2 Agregao ......................................................................................................................................39 5.1.3 Cremao .......................................................................................................................................39 5.1.4. Inverso de fases ...........................................................................................................................41 5.1.5. Difuso molecular .........................................................................................................................41 5.1.6 Relao entre o volume das fases ....................................................................................................42

    5.2. ESTABILIDADE QUMICA ........................................................................................................................43

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    5.3 ESTABILIDADE MICROBIANA ...................................................................................................................44 5.4 ESTABILIZAO DE EMULSES ................................................................................................................45

    5.4.1 Estabilizao atravs da formao de gel polimrico ......................................................................45 5.4.2 Aditivos para a fase aquosa interna ................................................................................................46 5.4.3 Estabilizao termodinmica: reduo da tenso interfacial ...........................................................46 5.4.4 Formao do filme interfacial .........................................................................................................47 5.4.6 Estabilizao electroesttica e estrica ...........................................................................................48

    5.5 ESTUDOS DA ESTABILIDADE ACELERADA .................................................................................................49

    6. TIPOS DE ADMINISTRAO ................................................................................................................50

    6.1. ADMINISTRAO ORAL ..........................................................................................................................51 6.2 ADMINISTRAO PARENTERAL: ..............................................................................................................51 6.3. ADMINISTRAO TPICA .......................................................................................................................53

    7. ESTADO DA ARTE: APLICAES ACTUALIZADAS DAS EMULSES .........................................54

    7.1. SUBSTITUTO DE OXIGNIO .....................................................................................................................54 7.2. DIRECCIONAMENTO DE FRMACOS.........................................................................................................55 7.3. MASCARAR SABORES .............................................................................................................................55 7.4. TRATAMENTO DA SOBREDOSAGEM / DESINTOXICAO: ..........................................................................56 7.5. APLICAO EM COSMTICA ...................................................................................................................56 7.6. NUTRACUTICOS ...................................................................................................................................57 7.7. OUTRAS UTILIZAES ............................................................................................................................58

    8. CONCLUSO ...........................................................................................................................................59

    9. BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................................60

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    Abreviaturas: A/O Emulso simples gua-leo

    A/O/A Emulso mltipla gua-leo-gua

    cm Centmetros

    CO2 Dixido de carbono

    C Graus Centigrados

    dm2 Decmetros quadrados

    EHL Equilbrio hidrfilo-lipfilo

    EPI Epirrubicina

    HPC - 1 octanol hidroxil propil celulose

    i.m. Intra-muscular

    i.p. - Intra-peritoneal

    i.v. Intra-venosa

    m - Metros

    mm3 Milmetros cbicos

    NaCl Cloreto de sdio

    nm nanometros

    O/A Emulso simples leo-gua

    O/A/O Emulso mltipla leo-gua-leo

    O2 - Oxignio

    PEG Polietilenoglicol

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    PFCs Perfluroqumicos

    rpm Rotaes por minuto

    s.c. Subcutnea

    TAE Terapia de embolizao percutnea

    TIF Temperatura de inverso de fases

    U.V. Ultra-violeta

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    1. Introduo A cincia dos colides est relacionada com o estudo dos sistemas nos quais pelo menos um

    dos componentes da mistura apresenta uma dimenso no intervalo de 1 a 1000 nanmetros (1

    nm = 10-9 m). As disperses coloidais constituem grande parte das formas farmacuticas

    lquidas, sendo administradas pelas vias oral, tpica e parenteral. So sistemas

    particularmente interessantes na terapia de pacientes peditricos e geritricos e capazes de

    solucionar numerosos problemas farmacotcnicos, desde a baixa solubilidade de certos

    frmacos at a melhoria de sua biodisponibilidade (Jafelicci, 1999, Consiglieri, 2002).

    As emulses so disperses coloidais formadas por uma fase dividida designada de interna,

    dispersa ou descontnua, e por uma fase que rodeia as gotculas, designada de externa,

    dispersante ou contnua. Para alm destes dois componentes existe um terceiro designado de

    agente emulsivo, o qual contribui para tornar a emulso mais estvel, pois interpe-se entre a

    fase dispersa e dispersante, retardando assim a sua separao, e que constitui a interfase.

    Desta forma, tratam-se de sistemas termodinamicamente instveis sendo necessrio um

    considervel aporte de energia para obt-las, geralmente energia mecnica (Prista et al., 1995,

    Lachman, 2001, Martina, 2005).

    De acordo com a hidrofilia ou lipofilia da fase dispersante, estes sistemas classificam-se em

    leo em gua (O/A) ou gua em leo (A/O). tambm possvel preparar emulses mltiplas

    do tipo A/O/A ou O/A/O (Prista et al., 1995).

    Figura 1: Diferentes tipos de emulses. Adaptado de (Salager, 1999)

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

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    As emulses mltiplas so sistemas complexos e heterogneos em que ambos os tipos de

    emulses simples (O/A e A/O) coexistem simultaneamente, na presena de dois agentes

    emulsionantes, um hidroflico e outro lipoflico. Este tipo de emulses tm aplicaes como

    veculos de frmacos, cosmticos e alimentares devido sua capacidade de reter e libertar

    lentamente diferentes agentes associada capacidade de mascarar e proteger os produtos

    veiculados. No entanto, o seu uso foi restringido devido sua instabilidade intrnseca e

    estrutura complexa. Consequentemente, necessria uma investigao sistemtica dos efeitos

    de diferentes processos e parmetros de composio, tais como: o tipo de fase oleosa, o tipo

    de agentes emulsivos, a relao do volume de fase, a relao hidroflica/lipoflica do agente

    emulsivo, as variveis do processo (por exemplo, a temperatura de emulsificao e velocidade

    de agitao) sobre a formao e estabilidade da emulso (Morais et al., 2009, Bonnet et al.,

    2010b).

    Embora a formulao de emulses mltiplas seja relativamente complexa e propensa a vrias

    vias de degradao fsica, ainda assim, existem algumas vantagens relativamente s emulses

    simples. Como j foi referido, as emulses mltiplas tm a excelente capacidade de libertao

    controlada de compostos activos aprisionados como tambm tm a capacidade de proteger as

    espcies encapsuladas da degradao (Bonnet et al., 2010c, Khan et al., 2006). Outras

    vantagens incluem (Khan et al., 2006, Bonnet et al., 2010b):

    Notvel biocompatibilidade;

    Completamente biodegradvel e pouca produo de compostos txicos decorrentes da

    degradao do veculo;

    Diminuio da resposta imune indesejada substncia activa encapsulada;

    Capacidade de incorporar substncias activas com polaridades diferentes;

    Proteco do composto veiculado contra a inactivao ou degradao por factores

    endgenos;

    Diminuio da flutuao da concentrao da substncia activa no estado-estacionrio;

    Possibilidade de direccionamento de frmacos;

    Possibilidade de serem usados aditivos para disfarar as caractersticas organolpticas

    dos frmacos.

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    13

    2. Teorias da emulsificao Algumas teorias tm sido propostas na tentativa de explicar como os agentes emulsivos

    promovem a emulsificao e mantm a estabilidade da emulso. Entre as teorias mais

    prevalentes esto as da tenso superficial, da cunha orientada e do filme interfacial (Ansel,

    2007).

    Os lquidos tm a tendncia de assumir a forma que produza menos rea superficial exposta,

    sendo essa a forma de uma esfera. Quando o lquido estiver em contacto com um outro

    lquido no qual insolvel e imiscvel, a fora que faz com que cada um deles resista

    fragmentao em partculas menores chamada de tenso interfacial. Substncias como os

    tensioactivos ou agentes molhantes reduzem essa resistncia e facilitam a fragmentao em

    gotas ou partculas menores pois reduzem a tenso interfacial entre dois lquidos imiscveis,

    reduzindo a fora repelente e a atraco entre as suas prprias molculas (Ansel, 2007).

    A teoria da cunha orientada est baseada no pressuposto de que determinados emulgentes se

    orientam na superfcie e no interior do lquido, de modo que a sua solubilidade seja reflectida

    nesse lquido em particular. Num sistema contendo dois lquidos imiscveis, o emulgente

    preferencialmente solvel em uma das fases e penetra com maior profundidade e tenacidade

    nessa fase do que na outra. Dependendo da forma e do tamanho das molculas, das suas

    caractersticas de solubilidade e, portanto, da sua orientao, o arranjo em cunha concebido

    para elas faz com que circundem os glbulos de leo ou de gua. A fase na qual o emulgente

    mais solvel vai-se tornar a fase externa da emulso, ou seja emulgente com caractersticas

    mais hidrfilas do que hidrfobas promover a formao de uma emulso O/A pois penetra

    mais na fase aquosa que se curvar envolvendo a fase oleosa e vice-versa (Ansel, 2007, Prista

    et al., 1995).

    A teoria do filme interfacial descreve que o emulgente se encontra na interface entre o leo e

    gua como uma fina camada de um filme adsorvido na superfcie das mesmas. O filme evita o

    contacto e a coalescncia da fase dispersa; quanto mais resistente e flexvel este for, maior a

    estabilidade da emulso. Naturalmente, preciso que haja quantidade suficiente do material

    formador de filme para cobrir toda a superfcie de cada uma das gotas da fase interna. Assim,

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    14

    a formao da emulso depende da solubilidade do emulgente, sendo que aqueles solveis em

    gua formam emulses O/A e aqueles solveis em leo o inverso (Ansel, 2007).

    Na realidade, improvvel que uma nica teoria de emulsificao possa explicar o modo pelo

    qual os muitos e diversos emulgentes promovem a formao da emulso e a sua estabilidade.

    mais provvel que mesmo numa s emulso mais de uma dessas teorias seja aplicvel

    (Ansel, 2007).

    3. Componentes das emulses

    3.1. Agentes emulsivos Um emulgente actua como um estabilizante da forma da gotcula da fase interna, podendo ser

    descrito como molcula que possui duas partes distintas: uma parte hidroflica e uma

    hidrofbica. Por esta razo, este grupo de compostos conhecido normalmente por anfiflico,

    ou seja, com apetncia para gua e leo (Lachman, 2001).

    possvel distinguir trs grandes grupos de agentes emulsionantes: os tensioactivos, os

    materiais de origem natural e os slidos finamente divididos. Todos eles possuem como

    caracterstica comum formar uma pelcula de adsoro em redor das gotas dispersas que

    previnem a coagulao e coalescncia podendo actuar por vrios mecanismos em simultneo,

    o que por vezes torna difcil a previso da estabilidade da emulso (Jato, 1997).

    3.1.1. Equilbrio hidrfilo-lipfilo (EHL) S em 1948 Griffin introduziu a noo de Equilbrio Hidrfilo-Lipfilo (EHL), estabelecendo

    assim, e pela primeira vez, um sistema para classificar, numericamente (numa escala de 1 a

    50), um composto segundo as suas caractersticas de hidrofilia e lipofilia. Este conceito de

    EHL baseia-se, como alis j era anteriormente admitido, no reconhecimento de que todas as

    substncias tensioactivas so constitudas por uma parte hidrossolvel e outra lipossolvel,

    dependendo a sua solubilidade final da proporo em que elas esto associadas numa mesma

    molcula (Prista et al., 1995).

    Deste modo, a noo vaga que anteriormente andava associada hidro ou lipossolubilidade de

    um determinado composto passou a ser substituda por um critrio mais preciso, no qual cada

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    15

    produto assinalado por um nmero que automaticamente o inclui num grupo especial, cujas

    aplicaes prticas figuram na prpria escala de Griffin, como podemos verificar na tabela 1

    (Prista et al., 1995).

    Tabela 1: Escala de Griffin (Schulz, 2005, Prista et al., 1995)

    Dispersibilidade/Solubilidad

    e em gua

    Nmero

    HLB

    Caractersticas

    Aplicao

    No dispersa na gua

    Pobre dispersibilidade

    0

    2

    4

    6

    Agentes anti-espuma

    Emulsificante para

    A/O

    Disperso leitosa instvel

    Disperso leitosa estvel

    8

    10

    Agentes molhantes

    Soluo clara transparente

    Soluo clara

    12

    14

    16

    18

    Detergentes

    Emulsificante para

    O/A

    Agentes solubilizantes

    De facto, conforme se pode ver na tabela 1 as substncias de EHL muito baixo, portanto

    acentuadamente lipfilas, so agentes anti-espuma. Aquelas cujo valor de EHL vai de 3 a 9,

    possuindo ainda caractersticas de lipofilia, constituem os agentes emulsivos A/O, mas a partir

    de 8 os tensioactivos comeam a apresentar propriedades hidrfilas. Assim o grupo de

    substncias cujo EHL vai desde 8 a 16 engloba os agentes emulsivos O/A, situando-se os

    agentes solubilizantes na zona compreendida entre 16 e 18. Estes ltimos utilizam-se para

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    16

    obter disperses muito perfeitas de leos e essncias em gua e, desde que se empregue uma

    grande quantidade de fase dispersante em relao fase dispersa o produto obtido comporta-

    se como uma pseudo-soluo (Prista et al., 1995).

    Apesar dos limites de valores de EHL que na escala de Griffin definem as emulses A/O e

    O/A serem um tanto dilatados, acontece que cada emulso em particular tem um valor de

    EHL que se pode considerar especifico para cada caso. Este valor depender do leo ou leos

    presentes, das respectivas propores, e ainda, da circunstncia de o leo constituir a fase

    interna ou externa da emulso. Para cada frmula, o valor de EHL corresponde ao seu ptimo

    de estabilidade, sendo que esse ptimo de estabilidade tem um tempo de vida (Prista et al.,

    1995, Pays, 2002).

    Muitas vezes, contudo, o emulgente constitudo por uma mistura de uma ou mais

    substncias, no sendo raro que uma seja um agente emulsivo A/O e a outra, um agente

    emulsivo O/A. Do ponto de vista terico, o uso de uma mistura de agentes emulsivos do

    origem a emulses muito mais estveis pois actuam de uma maneira complexa, podendo

    exercer uma ou vrias das seguintes aces: originar um equilbrio hidrfilo-lipfilo mais

    perfeito; estabelecer uma pelcula interfacial mais estvel; dar emulso uma consistncia

    mais conveniente (Prista et al., 1995).

    Na preparao de uma emulso mltipla normal a utilizao de dois tensioactivos de

    natureza oposta no sistema. Um tensioactivo estabiliza a emulso A/O (lipoflico), enquanto o

    outro estabiliza a emulso O/A (hidrofilico). Os complexos interfaciais formados para

    utilizao dos dois tensioactivos contribuem para a estabilizao de uma emulso porque

    diminuem a tenso superficial mais acentuadamente do que quando se emprega um s agente

    emulsivo, para alm de originarem uma pelcula compacta, mas flexvel, na interfase (Khan et

    al., 2006, Prista et al., 1995).

    Para emulses A/O/A no possvel seleccionar um emulsificante puramente com base no

    seu valor de EHL sendo necessrio a determinao do valor de EHL da fase de oleosa numa

    emulso simples O/A. Desta forma, depois de alguns estudos concluiu-se que a concentrao

    do agente emulsivo secundrio geralmente inferior a 1/5 da concentrao do agente

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    17

    emulsivo primrio. importante que o tipo de agente tensioactivo e a sua concentrao seja

    optimizada para que assim se obtenha uma emulso estvel (Khan et al., 2006, Schmidts et

    al., 2009).

    Embora haja vantagens na utilizao de uma mistura de emulgentes na preparao das

    emulses, deve ter-se em conta, porm, que alguns agentes emulsivos so incompatveis e no

    podem ser associados na mesma formulao. Certos agentes emulsivos do mesmo tipo podem

    ser incompatveis entre si, como, por exemplo, as substncias de natureza coloidal possuindo

    carga elctrica de sinal contrrio, que, uma vez misturadas, coagulam. Tambm os agentes

    aninicos e catinicos, apesar de ambos poderem favorecer a formao de emulses O/A, no

    devem ser utilizados juntamente porque reagem entre si, anulando-se, assim, as suas

    propriedades emulsivas. Porm, existem associaes completamente funcionais e com larga

    aplicao (Prista et al., 1995).

    3.1.2. Tensioactivos

    Os tensioactivos constituem um grupo muito numeroso. A classificao deste grupo feita

    tendo em conta as caractersticas da poro polar da molcula. Um dos grupos o formado

    pelos que possuem uma cabea polar que se pode ionizar, e que por sua vez se classificam em

    aninicos, catinicos e anfotricos. O segundo grande grupo constitudo por aqueles cuja

    poro polar no se pode ionizar, e que se denominam tensioactivos no inicos (Jato, 1997).

    3.1.2.1. Tensioactivos aninicos Os tensioactivos aninicos so aqueles, cuja poro polar apresenta carga negativa. Apesar de

    serem econmicos, o seu uso esta limitado devido sua toxicidade. Desta forma, utilizam-se

    apenas em formulaes de aplicao externa (Jato, 1997, Lachman, 2001).

    Os principais grupos de agentes tensioactivos aninicos so os sabes e compostos sulfonados

    e sulfatados. Os sabes sdicos, potssicos e amnicos permitem obter emulses O/A

    estveis, embora por vezes seja necessria a presena de um cotensioactivo no inico para

    formar uma pelcula interfacial eficaz. Os sabes de clcio permitem unicamente obter

    emulses A/O (Jato, 1997, Prista et al., 1995) .

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    18

    No segundo grande grupo de tensioactivos aninicos esto incluidos os alquil sulfatos e

    sulfonados. O representante mais conhecido deste grupo o lauril sulfato de sdio, sendo

    utlizado frequentemente na obteno de emulses O/A. Possui uma elevada hidrosolubilidade

    e para alm disso no capaz de formar pelculas interfaciais condensadas na interfase gua-

    leo. Por este motivo, utiliza-se sempre combinado com outro tensioactivo no inico (por

    exemplo, lcool cetoestearlico) com o objectivo de formar uma pelcula complexa e densa

    (Jato, 1997, Prista et al., 1995) .

    3.1.2.2. Tensioactivos catinicos Os tensioactivos catinicos so compostos cuja fraco polar se ioniza, adquirindo carga

    positiva. Os tpicos representantes so os sais de amnio quaternrio e de piridinio.

    Necessitam da presena de um agente emulsivo no inico para formar emulses estveis O/A

    (Jato, 1997, Prista et al., 1995) .

    Possuem propriedades desinfectantes e conservantes, mas tambm so bastante txicos e por

    esta razo, o seu uso limita-se a formulaes de cremes antispticos. Os componentes deste

    grupo so a cetrimida e o cloreto de benzalcnio (Jato, 1997).

    3.1.2.3. Tensioactivos no inicos O grupo dos tensioactivos no inicos o mais importante por diversas razes. Em primeiro

    lugar, a sua baixa toxicidade permite a sua utilizao por via tpica, via oral e inclusivamente

    parental. Para alm da baixa toxicidade, apresenta menos problemas de compatibilidade e

    menos sensvel a mudanas de pH ou adio de electrlitos. Trata-se de um grupo bastante

    numeroso e integra compostos tanto hidrossolveis como lipossolveis, o que permite obter

    emulses A/O ou O/A. possvel utilizar uma combinao de ambos com o objectivo de

    obter uma pelcula interfacial densa. Como principal desvantagem podemos referir o seu

    maior custo (Jato, 1997, Prista et al., 1995) .

    Entre os principais tipos de tensioactivos no inicos, destacam-se os steres de glicol e de

    glicerol, os steres de sorbitano, os polissorbatos, os teres de lcoois gordos e poliglicois, os

    steres de cidos gordos e poliglicois e alguns lcoois gordos (Jato, 1997).

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    19

    Os steres de sorbitano tambm conhecidos como a serie Span, nome com o qual so

    comercializados, so de carcter lipoflico, e por esse motivo formam emulses A/O. Na

    prtica, o mais frequente utiliza-los em combinao com polissorbatos para obter emulses

    O/A e A/O. Os polissorbatos so derivados dos steres do sorbitano e do polietilenoglicol

    correspondendo comercialmente serie dos Tween. Estes compostos do melhor

    estabilidade emulso, assegurando melhor encapsulamento e libertao controlada da

    espcie encapsulada quando comparados com os tensioactivos de menor peso molecular (Jato,

    1997, Bonnet et al., 2010b).

    Os polissorbatos, para alm de apresentarem baixa toxicidade, so compatveis com

    praticamente todos os outros tipos de tensioactivos, sendo tambm solveis em gua.

    Possuem, por outro lado, um pH neutro e so estveis ao calor, s variaes de pH e s

    elevadas concentraes de electrlitos. Como principais desvantagens apresentam um sabor

    desagradvel e a possibilidade de inactivar alguns conservantes com os quais podem formar

    complexos (Jato, 1997, Prista et al., 1995).

    Os teres de poliglicol e lcoois gordos obtm-se por condensao do polietilenoglicol com

    lcoois gordos (cetlico e cetoestearlico). Um representante deste grupo muito utilizado o

    cetomacrogol 1000. Este de carcter hidrossolvel e forma emulses O/A, requerendo a

    presena de um segundo emulsificante lipfilo. Outros teres de macrogol de carcter lipfilo,

    que formam emulses A/O pertencem serie comercial dos Brij (Jato, 1997, Prista et al.,

    1995).

    Noutro grupo de tensioactivos esto includos os steres de cidos gordos com poliglicois,

    entre os quais os steres de estearato que so os mais utilizados. Um grupo muito numeroso

    o formado pelos polioxialcoois, que so copolmeros do polioxietileno com o

    polioxipropileno. Alguns dos membros deste grupo podem-se utilizar por via endovenosa

    (Jato, 1997).

    Por ltimo, outro grupo de agentes emulsionantes auxiliares, so os lcoois gordos tipo

    cetlico, estearlico e cetoestearlico. Estes componentes aumentam a viscosidade, pelo que

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    20

    retardam a formao de cremes e tambm podem participar na formao de pelculas

    interfaciais complexas e densas (Jato, 1997).

    3.1.2.4. Tensioactivos anfotricos Os tensioactivos anfotricos so aqueles cuja poro polar se pode ionizar positiva ou

    negativamente consoante o pH do meio seja cido ou bsico, comportando-se como bases

    aminadas em meio cido e como cido em meios alcalinos, no sendo ionizados em meio

    neutro. Embora no se utilizem muito como emulsionantes, dever destacar-se a lecitina

    utilizada em emulses parenterais e tambm o miranol (Jato, 1997, Prista et al., 1995) .

    3.1.3. Materiais de origem natural e seus derivados

    O uso de materiais de origem natural normalmente limita a formulao de preparaes

    extemporneas. Esse facto deriva de duas razes: da dificuldade em obter um produto

    homogneo que apresente uma mnima variabilidade entre diferentes lotes e do facto de os

    materiais naturais constiturem um local propcio ao crescimento microbiano. Por esse

    motivo, para a formulao de emulses, que requerem uma estabilidade prolongada, so

    preferveis os derivados sintticos. Podemos considerar dois grupos: os derivados do esterol e

    os coloides hidroflicos (Jato, 1997, Prista et al., 1995) .

    Dentro dos derivados do esterol podemos encontrar a cera de abelha de utilizao frequente

    na cosmtica, a lanolina anidra e os lcoois de l. A lanolina anidra no se aplica com muita

    frequncia porque requer a presena de antioxidantes e pelas possveis reaces alrgicas que

    pode causar. J foram obtidos alguns derivados da lanolina que melhoram as suas

    caractersticas; estes so de carcter inico, emulsionantes O/A e emolientes. Os lcoois de l,

    os esteris e o colesterol presente na lanolina possuem tambm propriedades emulsivas A/O

    (Jato, 1997).

    No segundo grande grupo esto includos os coloides hidrfilos, que se tratam de polmeros

    usados principalmente como agentes emulsionantes auxiliares e espessantes. No geral, estes

    hidrocoloides favorecem a formao de emulses O/A, devido formao da barreira

    hidroflica forte entre as fases. Segundo a sua origem, podem classificar-se nos provenientes

    de exsudados de rvores (goma arbica ou accia, goma karaya e tragacanta), de algas (agar,

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    21

    carragenatos e alginatos) e de extractos de sementes (goma guar e sementes de marmeleiro).

    De todos os compostos referidos, o que mais se destaca a goma de accia, que estabiliza

    emulses O/A, pois retarda a coalescncia mediante a formao de uma pelcula interfacial

    forte (Jato, 1997, Prista et al., 1995).

    Dentre os polissacardeos semi-sintticos destacam-se os derivados da celulose, por exemplo

    a metil celulose e a carboximetilcelulose. Com estes derivados as variaes entre os lotes

    diminuem relativamente s observadas com produtos naturais (Jato, 1997, Prista et al., 1995).

    3.1.4. Slidos finamente divididos

    Os slidos finamente divididos que possuam a capacidade de se adsorverem na interfase das

    emulses podem estabiliza-las. Entre os compostos utilizados encontram-se hidrxidos de

    metais pesados, argilas e pigmentos. Algumas argilas (bentonite e silicato de alumnio e

    magnsio) e o dixido de slica coloidal so usados para estabilizar emulses de aplicao

    externa. Por via oral so preferveis os hidrxidos de alumnio e de magnsio. No geral,

    podem usar-se em combinao com outros tensioactivos ou com macromoleculas que

    aumentem a viscosidade do sistema (Jato, 1997, Prista et al., 1995).

    3.1.5. Fase oleosa

    Os leos utilizados na preparao de emulses farmacuticas so de diferentes tipos qumicos,

    incluindo steres simples, leos volteis, hidrocarbonetos e derivados terpenoides. O leo em

    si pode ser a substancia activa, ou pode funcionar como transportador, ou mesmo fazer parte

    de uma mistura de emulsificantes. Os leos mais utilizados em preparaes orais so os leos

    minerais no-biodegradveis, os leos de rcino (que proporcionam um efeito laxante local),

    os leos de fgado de peixe e os leos de origem vegetal (por exemplo, amendoim, algodo, e

    leos de milho) como suplementos nutricionais. Os leos minerais proporcionam um

    rendimento muito superior ao dos leos vegetais (Khan et al., 2006). Num estudo realizado

    com duas emulses semelhantes a nvel de tamanho da gotcula e do tipo de agentes

    estabilizantes, foi testado o efeito da alterao da fase oleosa na evoluo da libertao do

    composto desejado. Numa das emulses a fase oleosa era constituda por dodecano (alcano),

    sendo que a fase oleosa da outra emulso era constituda por leo de girassol (leo vegetal).

    Na fase final da experiencia concluram que a cintica da libertao comparvel, ou seja, a

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    22

    associao dos polmeros utilizados para a estabilizao, que determinou o perfil de

    libertao e no a fase oleosa ( Pays, 2002).

    Outro factor que vai influenciar a estabilidade a natureza do leo, pois no s controla a

    reologia das emulses mltiplas, mas tambm a permeabilidade da membrana, ou seja,

    influencia a difuso do soluto atravs da membrana oleosa. Os leos de diferentes densidades

    e viscosidades podem ser usados para alterar as caractersticas de libertao da substancia

    activa. O volume da fase oleosa vai afectar as propriedades oclusivas da formulao e

    consequentemente as caractersticas hidratantes da emulso (Khan et al., 2006, Erdal, 2006).

    3.1.6. Fase aquosa A fase aquosa das emulses serve essencialmente para dissolver aditivos e estabilizantes

    necessrios emulso, assim como tambm pode veicular frmacos hidrofilicos. Os aditivos

    mais comummente usados so os antioxidantes, os antimicrobianos e alguns corantes. Quando

    a emulso aplicada na pele, a gua tem tambm como funo manter a elasticidade e a

    juventude da epiderme, mantendo a pele hidratada (Lachman, 2001).

    4. Desenvolvimento da formulao As emulses so sistemas termodinamicamente instveis e portanto, utilizam-se agentes

    emulsionantes, como os tensioactivos, polmeros, etc, para fornecer estabilidade cintica e

    manter a sua estrutura durante um perodo relativamente longo. Na preparao de uma

    emulso mltipla normal introduzir dois tensioactivos de natureza oposta ao sistema. Um

    tensioactivo estabiliza a emulso A/O (lipoflico), enquanto o outro estabiliza a emulso O/A

    (hidroflica). A utilizao de diagramas de fase pode ajudar na produo de emulses

    mltiplas usando apenas um tensioactivo para estabilizar tanto a emulso primria e

    secundria. Isto , a presena de uma fase lquida cristalina no sistema ternrio constituda por

    gua-leo-emulsionante, onde a soluo aquosa micelar do agente emulsivo e a soluo

    oleosa do agente emulsivo esto em equilbrio com a outra, tem mostrado que melhora a

    estabilidade de emulses (Khan et al., 2006).

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    23

    4.1.Tcnicas de preparao

    4.1.1. Mtodo da dupla emulsificao o mtodo mais comum para a preparao de emulses mltiplas, pois fcil de executar e

    produz um elevado rendimento, sendo facilmente reprodutvel, conseguindo dar origem a

    emulses com sistema de libertao controlada. A primeira etapa envolve, obteno de uma

    emulso primria A/O ou O/A que em seguida re-emulsificada com um excesso de fase

    aquosa ou de fase oleosa, na presena do segundo agente emulsionante para obter emulses

    mltiplas do tipo A/O/A ou O/A/O, respectivamente. O efeito da relao do tensioactivo

    hidrofbico e o tensioactivo hidroflico influencia as propriedades fsicas das formulaes

    (Morais et al., 2009, Khan et al., 2006, Liu et al., 2011).

    A segunda etapa da emulsificao muito importante, pois pode levar a fractura de glbulos

    internos formando emulses simples do tipo A/O ou O/A (dependendo de vrios outros

    factores). Em pesquisas recentes, uma verso modificada da tcnica de emulsificao em duas

    etapas est a ser utilizada, pelo que cada passo foi dividido em duas sub-etapas (pr-

    emulsificao por sonicao e posterior agitao) levando a um mtodo de emulsificao duas

    etapas 2x2. Este mtodo modificado proporciona alta produtividade e estabilidade emulso.

    A segunda etapa envolve a temperatura e a presso como parmetros de produo pois

    influenciam o tamanho das gotculas de leo. Alguns estudos realizados revelaram que, para

    fazer uma emulso estvel A/O/A o tamanho dos poros da membrana para a segunda etapa de

    emulsificao deve ser inferior a duas vezes o dimetro do mercado interno gotas. Outros

    estudos tm sido feitos para tornar este processo industrial (Morais et al., 2009, Khan et al.,

    2006, Vladisavljevic e Williams, 2005).

    4.1.2 Mtodo da etapa nica

    O desenvolvimento de sistemas A/O/A foi relatado pela primeira vez durante a inverso de

    fases de uma emulso A/O concentrada para uma emulso O/A. A emulso A/O/A foi

    elaborada atravs da sua extruso por uma membrana de policarbonato que possui poros de 3

    a 8 m de dimetro. Esta emulso mltipla aps a extruso tornou-se semi-slida, e alterou-se

    para uma emulso A/O. Esta emulso resultante foi facilmente re-dispersa em soluo aquosa

    de emulsificante hidroflico para formar uma emulso do tipo A/O/A, tendo um tamanho de

    gotculas menor e mais homogneo do que a emulso mltipla original. O mecanismo de

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    24

    inverso de fase pode ser descrito como: emulso O/A formao da estrutura lamelar

    micela invertida emulso A/O redisperso para formular emulses A/O/A homogneas.

    A inverso de fase de emulses A/O/A ocorre se o total EHL dos emulsionantes no sistema se

    aproximar do EHL requerido do leo (Morais et al., 2009, Khan et al., 2006).

    A tcnica de inverso de fase tem uma ampla distribuio de tamanho das gotculas e nmero

    indefinido de compartimentos encapsulados. por isso que esta tcnica no usada para a

    preparao de emulses mltiplas de tamanho uniforme (Khan et al., 2006).

    O processo de emulsificao de etapa nica para a preparao de emulses mltiplas pela

    introduo de dois tensioactivos e dois polmeros consiste da adio da fase aquosa, contendo

    polietilenoglicol (PEG) e tween 20, fase oleosa, que contm 1-octanol hidroxil propil

    celulose (HPC) e span 80, por agitao com um agitador magntico. Este mtodo

    considerado mais eficiente comparativamente com o mtodo de emulsificao em duas fases,

    pela utilizao dos dois polmeros, que melhoram a estabilidade da emulso. A temperatura de

    emulsificao, a ordem de adio de fases e de tensioactivos e a razo entre o volume das

    duas fases so parmetros cruciais para a produo de emulses mltiplas estveis atravs

    deste mtodo (Morais et al., 2009, Khan et al., 2006).

    4.1.3 Mtodo de emulsificao por membrana

    Esta uma tcnica recente e mais til onde uma membrana de vidro microporoso, com um

    tamanho de poro definido pode ser utilizada como ferramenta de emulsificao. Esta tcnica

    baseada no princpio da disperso duma fase imiscvel (fase dispersa) noutra fase (fase

    contnua) atravs da aplicao de presso. Outros mtodos de preparao do origem a

    elevada variabilidade no tamanho das gotculas, mas esta tcnica d emulso o tamanho de

    gotcula desejado, devido possibilidade de escolher o tamanho do poro da membrana. O

    tamanho da partcula da emulso A/O/A pode ser controlada com a seleco adequada da

    membrana porosa de vidro e a relao entre o tamanho dos poros da membrana e o tamanho

    da partcula da emulso apresenta boa correlao, tal como descrito pela frmula 1 (Lachman,

    2001):

    = 5,03 + 0,19 (1)

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    25

    =

    =

    Esta tcnica foi utilizada na preparao de emulses O/A e A/O/A estveis. Essas emulses

    foram encapsuladas de forma eficaz e a sua libertao controlada foi conseguida (Khan et al.,

    2006).

    4.2. Equipamentos usados na emulsificao Quase todos os mtodos usados para dividir a fase interna em gotculas dependem da energia,

    necessitando de algum tipo de agitao. Quando um lquido injectado no seio de outro

    lquido, o jacto produzido em forma cilndrica, quebrado em pequenas pores. Os factores

    que influenciam a diviso do jacto do lquido injectado so: o dimetro do bico, a velocidade

    com que o lquido injectado, a densidade e a viscosidade do lquido injectado e,

    evidentemente, a tenso interfacial entre os dois lquidos. De forma semelhante, obtm se

    gotculas quando um lquido vertido num segundo lquido sob agitao vigorosa. Uma vez

    ocorrida uma quebra inicial das gotculas, estas continuam a ser sujeitas a foras adicionais

    devido turbulncia que leva deformao da gotcula com a diviso desta em gotculas mais

    pequenas (Lachman, 2001, Prista et al., 1995).

    Encontram-se no mercado vrios tipos de equipamentos que permitem produzir emulses a

    uma escala laboratorial ou industrial. Independentemente do tamanho ou, de pequenas

    variaes, esses equipamentos podem ser agrupados em quatro categorias principais

    (Lachman, 2001, Prista et al., 1995):

    - Agitadores mecnicos;

    - Homogeneizadores;

    - Ultra-sonicadores;

    - Moinhos coloidais.

    O factor mais importante envolvido na produo de uma emulso o grau de corte e

    turbulncia necessrios para se obter grau determinado da disperso de gotculas lquidas. O

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    26

    grau de agitao necessrio depende do volume total de lquido a ser agitado, da viscosidade

    do sistema e da tenso interfacial na interface leo-gua. Os dois ltimos factores so

    determinados pelo tipo de emulso a produzir, pela razo entre as duas fases e pelo tipo e

    concentrao dos emulgentes. Por esta razo, no existe um nico mtodo de disperso que

    possa ser usado para a preparao de qualquer emulso (Lachman, 2001).

    Durante a agitao ou durante a transferncia de uma emulso para outro contentor, pode-se

    formar espuma. A formao de espuma ocorre porque o tensioactivo, solvel em gua,

    necessrio para a emulsificao tambm reduz a tenso interfacial entre o ar e a gua, o que

    leva incorporao de ar pela emulso. Para minimizar a formao de espuma a

    emulsificao pode ser efectuada em sistemas fechados, com um mnimo de espao ou sob

    vcuo. Para alm disso, a agitao mecnica, particularmente durante o arrefecimento de uma

    emulso recm preparada, pode ser regulada para que o ar suba at ao topo da preparao. Se

    estas precaues no forem suficientes para eliminar ou reduzir a formao de espuma, pode

    ser necessria a adio de agentes anti-espuma preparao. No entanto, o uso destas

    substncias deve ser evitado completamente uma vez que podem ser incompatveis com

    outros materiais. Os agentes anti-espuma mais eficazes so os lcoois de cadeia longa e os

    derivados de silicone, que se encontram disponveis comercialmente. Estas substncias

    actuam ao espalharem-se facilmente na interface ar-gua formando filmes insolveis

    (Lachman, 2001).

    4.3. Tcnicas de caracterizao e controlo de emulses Entre as numerosas tcnicas de caracterizao e controlo de emulses, podem distinguir-se 3

    grupos. Num grupo, aquelas que so prprias das emulses, entre as quais, a medida do

    tamanho da gotcula, a determinao do sinal da emulso, a temperatura de inverso de fases e

    a velocidade de formao de creme ou de sedimentao por centrifugao. Noutro tipo de

    controlo esto includos os ensaios comuns a todo o tipo de formulaes semi-slidas e

    pastosas, tratando-se essencialmente da caracterizao das propriedades reolgicas, o teste da

    extruso e a determinao do ponto da gotcula. Num terceiro grupo encontram-se os ensaios

    destinados a estabelecer a estabilidade da emulso formulada. Nestes ensaios submete-se a

    emulso a condies drsticas de temperatura, ciclos de temperatura, centrifugao ou

    agitao forte. Estes ensaios tm como finalidade avaliar a estabilidade do sistema e com eles

    se comprova se haver separao de fases, modificao do tamanho da gotcula ou

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    27

    modificao da viscosidade. Existem por ltimo, outros ensaios, como os microbiolgicos,

    organolpticos, de contedo do princpio activo, controlo de embalagem, etc., que so muito

    comuns s formulaes farmacuticas em geral (Jato, 1997, Lachman, 2001).

    4.3.1 Agitao

    A durao de agitao tal como a variao da temperatura tem uma influncia profunda e

    complexa sobre o processo de emulsificao. Durante o perodo de agitao inicial requerida

    para emulsificao formam-se gotculas, no entanto, medida que a agitao continua, a

    probabilidade de coliso das gotculas aumenta e a coalescncia pode ocorrer e, para alm

    disso, pode diminuir a viscosidade de uma emulso com propriedades tixotrpicas. Segundo

    O termo tixotropia usado para descrever uma transio estrutural reversvel a qual

    associada a um aumento na tenso de cisalhamento, seguida de uma reduo at ao valor

    original, ou seja, para um fluido ser definido como tixotrpico, este deve regenerar totalmente

    a sua estrutura quando deixado em repouso, aps cisalhado. O cisalhamento est relacionado

    com a aplicao de uma fora na estrutura das partculas da emulso, que vai produzir a

    reduo do seu tamanho e portanto, reduz a viscosidade aparente do produto (Jato, 1997,

    Lachman, 2001, Branco, 2003).

    Foi demonstrado que a melhor maneira de formar uma emulso consiste em utilizar uma

    agitao intermitente. Existe ainda uma relao entre a temperatura e a durao da agitao,

    isto , o ciclo de arrefecimento/aquecimento. Por rotina preparam-se emulses a temperaturas

    elevadas. A velocidade de arrefecimento da emulso formada tambm tem influncia nas

    caractersticas da emulso. Infelizmente, no possvel prever para uma determinada emulso

    se desejvel um ciclo de arrefecimento lento ou rpido (Lachman, 2001).

    No que diz respeito s emulses mltiplas, uma elevada taxa de cisalhamento interrompe uma

    maior percentagem de gotculas mltiplas oleosas e, portanto, resulta na instabilidade do

    sistema devido a um grande aumento na rea superficial efectiva. Por isso, com um aumento

    do tempo de homogeneizao, o rendimento do sistema diminui rapidamente. Geralmente, nas

    emulses mltiplas utiliza-se uma elevada velocidade de agitao para a emulsificao

    primria e uma velocidade mais baixa utilizada para a emulsificao secundria. Taxas de

    cisalhamento muito altas ou muito baixas afectam drasticamente a estabilidade do sistema,

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    28

    portanto, o tempo de cisalhamento/agitao dever ser optimizado. Uma maior tenso de

    cisalhamento causa a incorporao de ar e consequentemente h formao excessiva de

    espuma resultando em perda de tensioactivo na interface ar-gua, enquanto uma menor tenso

    de cisalhamento reduz o tamanho dos glbulos, ou seja, necessrio encontrar um equilbrio

    (Khan et al., 2006).

    4.3.2 Temperatura

    Na prtica, a emulsificao conseguida pelo calor, ou melhor, por diversas formas de

    alterao da temperatura. As interaces so complexas sendo praticamente impossvel prever

    se um aumento da temperatura ir favorecer a emulsificao ou a coalescncia (Lachman,

    2001).

    Um aumento da temperatura diminui a tenso interfacial bem como a viscosidade, logo,

    poder-se- prever, o que normalmente verdade, que a emulsificao favorecida por um

    aumento de temperatura. Ao mesmo tempo, no entanto, um aumento da temperatura aumenta

    a energia cintica das gotculas e assim facilita a sua coalescncia. Alteraes da temperatura

    alteram a distribuio dos coeficientes de partilha dos emulgentes entre as duas fases,

    provocando migrao do emulgente em funo da temperatura. Isto no pode ser

    correlacionado directamente com a formao ou com a estabilidade de uma emulso, uma vez

    que ocorrem simultaneamente alteraes na tenso superficial e na viscosidade (Lachman,

    2001).

    A influncia mais importante que a temperatura tem sobre uma emulso provavelmente

    sobre a sua inverso. A temperatura a que a inverso ocorre depende da concentrao do

    emulgente e conhecida como temperatura de inverso de fases (TIF). Este fenmeno pode

    ocorrer durante a formao de emulses, uma vez que estas so normalmente preparadas a

    temperaturas relativamente elevadas e, em seguida, arrefecidas temperatura ambiente. As

    emulses formadas por uma tcnica de inverso de fases so consideradas bastante estveis e

    as gotculas da fase interna encontram-se finamente dispersas. A temperatura de inverso de

    fases considerada, normalmente, como a temperatura qual as propriedades hidroflicas e

    lipofilcas do emulgente se equilibram, sendo tambm conhecida como a temperatura de EHL

    (Lachman, 2001).

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    29

    No que diz respeito as emulses mltiplas, o aumento da temperatura vai aumentar tambm o

    carcter lipoflico dos tensioactivos hidroflicos, o que vai aumentar a tendncia para este

    precipitar. Desta forma, comum que para a formulao da emulso primria a temperatura

    mantida em 70C, enquanto para a preparao de emulses mltiplas mantida a 10C.

    Grandes variaes de temperatura durante a fabricao, transporte, armazenagem e utilizao

    leva a modificaes drsticas nas emulses (Khan et al., 2006).

    4.3.3 Reologia

    A medio das propriedades reolgicas das emulses tem interesse por vrias razes. Por um

    lado, necessria consistncia, de forma que se mantenham no local de aplicao durante o

    tempo necessrio; por outro lado, tambm necessrio que consigam fluir em determinadas

    circunstncias, (para facilitar a agitao durante a preparao, para propiciar a sua extenso

    sobre uma superfcie ou fluir sem dificuldade por uma agulha hipodrmica). Como tambm, a

    consistncia e textura da emulso farmacutica ou cosmtica pode ser um factor crtico

    relativamente sua aceitao por parte do paciente. Para a realizao dos controlos reolgicos

    do produto aconselhvel esperar umas horas (24-48h) j que uma emulso recm preparada

    demora um determinado tempo a atingir a viscosidade que lhe corresponde (Jato, 1997,

    Lachman, 2001).

    Embora a viscosidade das emulses possa variar amplamente, possvel fazer algumas

    consideraes gerais sobre o comportamento das mesmas. Como tal, existe uma relao

    proporcional entre a fraco volmica da fase interna e a viscosidade aparente. A

    concentraes menores que 74%, as gotas da emulso no esto em contacto e no interferem

    no seu movimento. Ao aumentar a concentrao, vo-se produzir maiores interferncias entre

    as gotas, pelo que o fluxo mais difcil. Um empacotamento elevado de gotas dificulta

    seriamente o fluxo e consequentemente isso traduz-se num aumento da viscosidade, o que vai

    requerer grandes foras de cisalhamento para vencer a resistncia ao fluxo que se ope a essa

    estrutura to densa. Se se continuar a adicionar fase interna, como ocorre frequentemente,

    produz-se uma inverso da emulso, e observa-se uma reduo brusca da viscosidade; por

    exemplo, podemos passar de uma consistncia tipo pomada para creme fino, o que se traduz

    num ajuste das taxas de cisalhamento. Quando a viscosidade for alta as taxas de cisalhamento

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    30

    tero de ser baixas e vice-versa, de forma a manter a estabilidade. Assim, o produto obtido

    poder fluir sem requerer um grande aporte de energia (Jato, 1997).

    Desta forma, para emulses com baixo volume de fase interna, a consistncia geralmente

    semelhante da fase contnua; assim, emulses O/A/O so geralmente mais espessas do que

    emulses A/O/A. A consistncia dum sistema A/O/A pode ser aumentada atravs da adio

    de gomas, argilas, e outros agentes de espessantes que transmitam propriedades de fluxo

    plstico ou pseudoplstico, embora a adio destes agentes esteja condicionada a que a

    reologia do sistema resultante seja aceitvel para a sua aplicao (Khan et al., 2006, Jato,

    1997).

    possvel aumentar a viscosidade de uma emulso ao diminuir o tamanho da gotcula;

    quando a proporo da fase interna elevada, uma diminuio do tamanho do glbulo produz

    um aumento da viscosidade, a qual incide sobre a viscosidade do sistema. Por outro lado, se

    as gotculas possuem um tamanho uniforme fcil que se produza um empacotamento

    ordenado e compacto; uma grande disperso de tamanhos dificulta o ordenamento e, portanto,

    dificulta o empacotamento, o qual facilita o movimento das gotculas. Consequentemente,

    uma emulso homognea possui uma maior viscosidade relativamente a uma muito

    heterognea. Quanto ao ponto de semi-ruptura, este proporcional tenso interfacial

    existente no sistema e inversamente proporcional ao raio da gotcula e traduz-se no tempo

    necessrio para que o valor da interfase especifica se reduza a metade. A interfase especfica

    o coeficiente entre a rea interfacial (em dm2) e a quantidade da fase interna (Jato, 1997).

    A medio da viscosidade um parmetro importante para estudos de caracterizao e

    estabilidade de emulses mltiplas. No caso de uma emulso instvel, a camada oleosa pode

    sofrer rupturas internas e as gotculas aquosas fundem-se com a fase aquosa contnua e

    desaparecem instantaneamente diminuindo a viscosidade do sistema (Khan et al., 2006).

    A anlise reolgica das emulses mltiplas muito importante pois determina a estabilidade

    da emulso in vitro e o desempenho clnico in vivo. Os viscosmetros de Brookfield so

    amplamente utilizados para determinao da viscosidade das emulses mltiplas. Trs

    diferentes tipos de testes foram propostos para simular as condies in vivo, tais como ensaio

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    31

    oscilatrio, testes de fluxo no estado estacionrio e testes de choque e turbulncia. A fora do

    filme interfacial, isto , a elasticidade dos componentes (A/O) e (O/A) da emulso mltipla

    (A/O/A) foi avaliada por medio reologica interfacial na interface leo/gua usando um

    remetro de superfcie oscilatria. Um fluxo tixotrpico negativo de emulses A/O/A foi

    observada quando a taxa de cisalhamento se encontrava baixa, sendo mais pronunciada

    quando a taxa de cisalhamento aumentava, ou quando se aumentava o tempo da operao

    (Khan et al., 2006).

    A viscosidade das emulses tende a aumentar com o tempo de armazenamento; por exemplo,

    se durante o tempo de armazenamento ocorrer floculao do sistema pode-se observar um

    aumento da viscosidade. Este fenmeno designado de envelhecimento (Jato, 1997).

    4.4. Caracterizao in vitro A avaliao in vitro de emulses mltiplas um importante passo no desenvolvimento de um

    sistema com suporte estvel e eficaz de frmacos, o que leva previso da correlao in-vitro

    in-vivo. Mudanas significativas nos parmetros que se seguem durante a preparao,

    armazenamento ou transporte so indicadores de pouca estabilidade na emulso (Khan et al.,

    2006).

    4.4.1 Exame macroscpico

    O exame macroscpico e das caractersticas organolpticas, no que diz respeito s emulses,

    realiza-se sobre a formulao recm preparada e aps o seu armazenamento mediante

    condies drsticas. Este tipo de exame baseia-se em observaes primrias como colorao,

    consistncia e homogeneidade, caractersticas usadas frequentemente para garantir a formao

    da emulso. Para alm das possveis consequncias teraputicas, por exemplo, uma m

    dosificao devida formao de creme, as caractersticas organolpticas adequadas so

    indispensveis para atingir a aceitao e seguimento do tratamento por parte do paciente (Jato,

    1997, Khan et al., 2006).

    4.4.2 Exame microscpico / tamanho da gotcula

    A determinao do tamanho da gotcula realiza-se sobre o produto acabado e depois do seu

    armazenamento. Um aumento do tamanho da gotcula indica a existncia de processos de

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    32

    coalescncia, crescimento dos glbulos e, portanto, a instabilidade da emulso ao longo do

    tempo. Assim, determinando a evoluo do tamanho da gotcula e a partir deste, a rea da

    interfase, possvel avaliar a estabilidade da emulso ao longo do tempo. Para a determinao

    do tamanho da gotcula podem utilizar-se vrias tcnicas. A microscopia de luz ou electrnica

    so mtodos directos que proporcionam a distribuio dos tamanhos e, portanto, o valor da

    rea interfacial. As emulses mltiplas tambm tm sido estudadas atravs de vdeos de

    microscopia feitos no interior de microcapilares. Diferentes tcnicas de filmagem (Time-

    lapse, cinemicrografia contnua e de alta velocidade, fotomicrografia) foram utilizadas para

    caracterizao(Lachman, 2001, Khan et al., 2006).

    O exame microscpico da emulso sem diluio coloca em evidncia os processos de

    recristalizao do princpio activo e aditivos. O inconveniente desta tcnica a possibilidade

    de se sobrestimar o tamanho da gotcula. O exame microscpico pode tambm ser realizado

    sobre uma amostra diluda, sendo a diluio realizada de forma standardizada. O problema

    desta tcnica o nmero elevado de gotas cujo tamanho se tem que medir para se estabelecer

    correctamente a distribuio do tamanho (mais de 600). Quando se observam emulses

    mltiplas esto inerentes mais duas desvantagens (Khan et al., 2006, Lachman, 2001):

    1. Pequenas gotas passam a formar grandes gotas, o que d uma falsa impresso de

    natureza mltipla

    2. Se as gotas internas forem muito pequenas estas podem no ser visualizadas devido

    reflexo da luz na superfcie das gotculas de leo.

    Com as emulses de fase externa aquosa podem utilizar-se outras tcnicas mais sofisticadas,

    como o exemplo dos contadores de Coulter. O inconveniente deste mtodo reside na

    necessidade de diluir a amostra num electrlito, portanto, no se trata a emulso original.

    Embora tenha sido demonstrado que na maioria dos casos as modificaes de tamanho

    originadas pela diluio so pouco importantes e reprodutveis (Jato, 1997).

    Outros sistemas utilizados para a medio do tamanho da gotcula so os baseados na

    difraco de luz laser ou nas emulses multiplas. Estes so utilizados, principalmente, quando

    as emulses possuem um tamanho de gotcula no visvel ao microscpio, por exemplo, como

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    33

    o caso das emulses preparadas por inverso de fase. Estes mtodos normalmente requerem

    a diluio da amostra, o que leva considerao da possibilidade de causar instabilidade da

    mesma como tambm a mudana das propriedades iniciais. Sempre que seja possvel,

    melhor utilizar a mesma fase externa como dissolvente (Jato, 1997).

    4.4.3. Nmero de glbulos O nmero de glbulos tambm um parmetro importante para a caracterizao de emulses

    mltiplas. Um nmero elevado de glbulos mltiplos sugere uma emulso boa e estvel aps

    o armazenamento. O nmero de glbulos por milmetro cbico (mm3) pode ser medida

    utilizando hemocitometria celular aps diluio adequada da emulso. Os glbulos so

    contados em cinco grupos de 16 pequenos quadrados (total 80 quadrados) e o nmero total de

    glbulos por milmetro cbico pode ser calculado atravs da seguinte frmula (2) (Khan et al.,

    2006):

    / =

    (2)

    4.4.4. Determinao da velocidade de formao de creme ou de

    sedimentao por centrifugao

    Sabe-se que a armazenagem sob condies normais pode ser prevista rapidamente, por

    observao da separao da fase dispersa quando a emulso exposta a centrifugao. A

    equao de Stokes, abaixo referida, na frmula 3, mostra que a cremagem uma funo da

    gravidade e que um aumento desta acelera a separao, embora no seja possvel fazer uma

    previso quantitativa (Lachman, 2001).

    = ( ) (3)

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    34

    Foram estabelecidas condies standard de realizao deste ensaio. Considera-se uma

    emulso estvel quando depois de centrifugada no se observam separaes de fases. Assim,

    por exemplo, considera-se que a centrifugao a 3750 rpm durante 5 horas, numa centrfuga

    com 10 cm de raio, equivalente aco da gravidade durante um ano. Por vezes, o processo

    de centrifugao mantido durante o tempo necessrio para que ocorra a separao das fases.

    A separao pode conduzir a trs fases: uma de leo, uma intermdia e uma aquosa. Este

    ensaio utiliza-se principalmente para avaliar a estabilidade das emulses durante a etapa de

    pr-formulao, embora tambm se possa utilizar para detectar alteraes durante o

    armazenamento (Jato, 1997).

    4.4.5. Determinao do pH

    Esta determinao para alm de ser de interesse geral, no caso das emulses importante para

    determinar se ocorrem alteraes de pH com o tempo. Estas alteraes podem, por um lado,

    levar a um pH pouco adequado ao local de aplicao, instabilidade de algum componente da

    formulao ou do prprio sistema. Por exemplo, os emulsificantes no inicos podem conter

    em alguns casos impurezas de sabes alcalinos que podero originar problemas se ocorrer

    uma acidificao durante o armazenamento. Dependendo da viscosidade da emulso, vai ser

    necessrio um tipo ou outro de elctrodo para a realizao da medio (Jato, 1997).

    4.4.6. Determinao do sinal da emulso

    Para determinar o sinal de uma emulso o mais simples comprovar se um volume pequeno

    da mesma se mistura facilmente com a gua; se assim for, a fase externa aquosa e vice-

    versa. No entanto, as emulses muito concentradas e muito viscosas podem no se misturar

    com a gua mesmo tendo a fase externa aquosa, o que dificulta a determinao do sinal

    correcto. Outra tcnica que pode ser utilizada a da incorporao de um corante, quer

    hidrossolvel ou lipossolvel, e com o auxlio do microscpio observar qual das fases,

    contnua ou dispersa, incorpora o corante (Jato, 1997).

    A fluorescncia outra das tcnicas que poder ser usada j que os leos apresentam

    fluorescncia quando expostos aos raios UV. Como tal, as emulses O/A apresentam um

    aspecto ponteado enquanto as emulses A/O fluorescem uniformemente. Este tipo de tcnica

    no sempre aplicvel (Lachman, 2001).

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    35

    Por ltimo, a medida da condutividade elctrica das emulses tambm serve para determinar

    o seu sinal. Se a contribuio da condutividade interfacial significativa, a condutividade

    elctrica da emulso ir variar com o tamanho e a distribuio do tamanho da gotcula;

    servindo ento, para detectar modificaes neste sentido. No entanto, a maioria das emulses

    possui uma condutividade independente do tamanho da gotcula, que se pode tratar mediante

    a teoria elctrica simples. Nos casos em que no necessrio considerar os efeitos da

    interfase, pode-se utilizar para o clculo da condutividade especfica elctrica a seguinte

    expresso (Jato, 1997):

    = [ ( ) ][ ( ) ] (4)

    4.4.7. Eficincia de encapsulao / percentagem de frmaco

    encapsulado / rendimento da emulso

    Os parmetros existentes para avaliar a qualidade das emulses mltiplas so a formao de

    emulso e o seu rendimento. A relao entre o tensioactivo lipoflico na fase de oleosa

    relativamente ao tensioactivo hidroflico na fase contnua, afectam o rendimento da emulso

    A/O/A. Esta relao dever ser superior a 10 para alcanar 90% ou mais do rendimento das

    emulses. Outro dos parmetros que influencia a eficincia da encapsulao o stress que a

    emulso sofre durante a sua preparao (Khan et al., 2006, Vladisavljevic e Williams, 2005).

    Existem dois mtodos, utilizados para avaliar a produo de gotculas na produo de

    emulses mltiplas, a anlise granulomtrica e da tcnica do traador interno. A anlise da

    distribuio granulomtrica de gotculas simples e mltiplas do sistema pode ser estimada

    atravs do rendimento da emulso. O segundo mtodo baseia-se no uso do traador interno e

    estabelece a eficincia de encapsulao; neste mtodo um marcador molecular impermevel

    adicionado primeira fase aquosa da emulso, ou seja, basicamente envolve a determinao

    da substncia activa no encapsulada atravs do uso de marcadores. O rendimento da emulso

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    36

    pode ser medido pela dissoluo dum composto marcador na fase interna da fase aquosa e

    medindo a concentrao do marcador na fase aquosa exterior. O rendimento pode ser

    determinado subtraindo-se o montante remanescente do marcador a partir do valor original. A

    dilise, centrifugao, filtrao e condutividade so os quatro mtodos geralmente utilizados

    para determinao da eficcia de encapsulao por esta tcnica. Diversos marcadores tm sido

    utilizados como a glicose, ies de hidrognio, electrlitos, frmacos inicos (efedrina, cido

    clordrico), corantes (politartarazina), marcadores radioactivos (gua tritiada), etc (Khan et al.,

    2006).

    O rendimento das emulses A/O/A melhorou atravs da adio de vrios aditivos na fase

    interna aquosa como alquilsulfonato de sdio, alquilcarbonato de sdio, tweens, carbonato de

    sdio e sorbitol. Este aumento foi atribudo diminuio da tenso interfacial entre a fase

    interna aquosa e fase oleosa da emulso. Resultados semelhantes no encapsulamento do

    frmaco foram relatados aps a adio de cloreto de sdio na fase interna aquosa em emulses

    A/O/A contendo triptofano como frmaco modelo. O encapsulamento do frmaco aprisionado

    diminuiu quando o cloreto de sdio foi adicionado fase aquosa externa (Khan et al., 2006).

    Um estudo realizado por Bonnet et al, demonstrou que o aumento da fraco dos glbulos foi

    um mtodo eficiente para melhorar a reteno das espcies encapsuladas nas gotculas

    aquosas internas. (Bonnet et al., 2010c).

    4.4.8. Potencial zeta O potencial zeta das emulses pode ser medido com a ajuda do mtodo da camada mvel ou,

    mais rpida e directamente, pela observao do movimento das partculas sobre a influncia

    de uma corrente elctrica. O potencial zeta bastante til para a avaliao da floculao, uma

    vez que cargas elctricas sobre as partculas influenciam a velocidade de floculao. Se a

    instabilidade for devida a coalescncia, a determinao das cargas de superfcie das partculas

    pode no ser importante na previso da sua estabilidade (Lachman, 2001).

    A medio da condutividade elctrica tem sido considerada como uma ferramenta til para a

    avaliao da estabilidade da emulso imediatamente aps a sua preparao, como tambm

    pode ser utilizada para determinar a carga da superfcie das emulses mltiplas. No que diz

    respeito condutividade elctrica de emulses simples, esta determinada com a ajuda de

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    37

    elctrodos de platina por microamperometria para produzir uma corrente de cerca de 15 a 50

    LiA. As medies so feitas temperatura ambiente ou a 37 C, em emulses armazenadas

    por perodos de tempo reduzidos (Lachman, 2001, Khan et al., 2006).

    A condutividade depende tambm do grau de disperso. As preparaes O/A com partculas

    pequenas apresentam resistncia reduzida: um aumento da resistncia revela agregao de

    gotculas de leo e consequentemente revela instabilidade. Uma emulso fina de gua num

    produto A/O no conduz a corrente at que se verifique coalescncia das gotculas, isto ,

    quando se torna instvel (Lachman, 2001).

    5. Estabilidade A estabilidade das emulses constitui o seu ponto mais crtico. Do ponto de vista

    termodinmico, s se considera uma emulso estvel no caso de o nmero e o tamanho das

    gotculas da fase interna, por unidade de volume de fase contnua, se mantiverem constantes

    ao longo do tempo. Isso indicaria que no se produzem modificaes no valor energtico do

    sistema nem na sua rea interfacial (Jato, 1997, Khan et al., 2006).

    No entanto, do ponto de vista farmacutico, no necessrio que uma emulso seja

    termodinamicamente estvel. Na realidade, uma estabilidade cintica suficiente, ou seja,

    considera-se uma emulso estvel quando as gotculas mantm o seu tamanho e forma iniciais

    e permanecem uniformemente distribudos na fase contnua por um perodo razovel de

    tempo (suficiente para seu armazenamento e uso), ou seja no dever ocorrer nenhuma

    mudana de fase ou contaminao microbiana no armazenamento, e a emulso dever manter

    a elegncia no que diz respeito ao odor, cor e consistncia (Jato, 1997, Khan et al., 2006).

    5.1 Estabilidade fsica Existem vrios processos fsicos que contribuem para o fim da estabilidade de uma emulso,

    entre os quais a cremao, a agregao, coalescncia das gotculas, a inverso de fases, a

    difuso molecular e a relao do volume das fases. De seguida, apresentado um esquema

    que caracteriza esses processos de instabilidade (Jato, 1997).

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    38

    Figura 2: Esquema dos diversos processos que conduzem instabilidade de uma emulso Adaptado

    de (Jato, 1997).

    5.1.1 Coalescncia: A coalescncia envolve a ruptura do filme interfacial e pode ocorrer a vrios nveis: entre as

    pequenas gotculas aquosas internas; entre os grandes glbulos de leo e entre os glbulos e

    as pequenas gotculas dispersas no seu interior. Ento, o fenmeno da coalescncia ocorre

    quando a tenso interfacial diminui na superfcie de separao de fases, provocando

    agregao das partculas. Essa agregao forma partculas mais grossas, produzindo assim

    uma maior separao das fases (Prista et al., 1995, Bonnet et al., 2010a).

    Quando este fenmeno ocorre, uma nova agitao incapaz de voltar a dispersar as fases uma

    na outra, o que s possvel se adicionarmos mistura mais agente emulsivo. Este

    comportamento parece sugerir que a coalescncia dos glbulos est directamente relacionada

    com o agente emulsivo, admitindo-se hoje que o ritmo de coalescncia depende, alm de

    outros factores, muito principalmente das caractersticas fsicas da pelcula formada pelo

    emulgente (Prista et al., 1995).

    Para evitar este inconveniente, necessrio construir uma capa interfacial mais rgida

    proporcionando mais resistncia s deformaes. Para consegui-lo, utilizam-se tensioactivos

    orientados para a interfase, para que estes estabeleam unio entre a fase externa e a fase

    interna, tornando mais difcil a coalescncia. (Martina, 2005).

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    39

    5.1.2 Agregao

    Como o nome indica, a agregao um processo de desestabilizao de uma emulso

    relacionado com a unio das gotculas da fase dispersa de forma a originar agregados. Embora

    a identidade das gotculas seja mantida, cada agregado comporta-se como uma unidade. Este

    fenmeno influenciado pelas alteraes da superfcie dos glbulos emulsionados. Na

    ausncia de uma barreira mecnica (protectora) na interface, e, se uma quantidade insuficiente

    de um emulgente est presente, as gotculas da emulso agregam-se e coalescem rapidamente.

    A agregao difere da coalescncia sobretudo pelo facto de o filme interfacial e as partculas

    individuais permanecerem intactas (Jato, 1997, Lachman, 2001).

    As partculas presentes na emulso esto carregadas electricamente positiva ou

    negativamente, em funo da sua natureza qumica e dos fenmenos de frico, polarizao e

    solvatao a que esto submetidos. O valor do potencial zeta dever ser suficientemente

    elevado para manter as partculas dispersas e separadas umas das outras. Quando as cargas

    so muito numerosas, a diferena de potencial com o meio que as rodeia importante pois as

    partculas repelem-se entre si. Quando as cargas esto total ou parcialmente neutralizadas, as

    partculas dispersas agregam-se, ocorrendo o fenmeno da floculao. Quando h um

    aumento da fora inica, devido ao aumento da concentrao de electrlitos ou um aumento

    da concentrao do emulgente tende tambm a promover a floculao. Embora os electrlitos

    possam ser usados para levar instabilidade das emulses, uma quantidade reduzida de um

    electrlito contribui para a estabilizao das emulses (Martina, 2005, Lachman, 2001).

    A floculao ento um fenmeno teoricamente reversvel por agitao, mas denota uma

    estabilidade precria da emulso, que poder transformar-se em coalescncia quando o filme

    interfacial no suficientemente slido. Para alm da floculao existe outro tipo de

    agregao designada de coagulados cuja redisperso bastante mais difcil e que, portanto,

    provocam problemas mais graves de estabilidade (Jato, 1997, Martina, 2005).

    5.1.3 Cremao

    Muitas emulses tm tendncia a formar creme quando so deixados em repouso. Este

    fenmeno consequncia da aco da gravidade sobre a fase dispersa e da diferena de

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

    40

    densidade entre as fases que constituem a emulso. Trata-se de um processo de sedimentao

    (Jato, 1997, Prista et al., 1995).

    Se a densidade das gotculas superior da fase externa estas tero a tendncia de sedimentar

    na emulso, mas se a densidade das gotculas for inferior estas iro agrupar-se na parte

    superior da emulso. Assim, formar-se-o zonas mais ou menos concentradas dependendo do

    local onde as gotculas se acumulem (Jato, 1997).

    A ocorrncia de cremao no implica necessariamente a coalescncia nem a agregao das

    gotculas e um processo reversvel. Desta forma, quando a cremao o nico processo de

    desestabilizao de uma emulso, este poder ser resolvido mediante agitao. No entanto, do

    ponto de vista farmacutico um processo que se deve evitar, j que pode originar uma

    dosificao errnea, causar mau aspecto e tambm, devido maior proximidade das gotculas,

    facilitar a coalescncia e agregao (Jato, 1997, Prista et al, 1995).

    A cremao, em essncia, um processo de sedimentao, e por isso possvel aplicar-se a

    equao de Stokes (formula 3) para estud-la. A aplicao da lei de Stokes supe que as

    gotculas so esfricas e que se encontram to separadas que o movimento de umas no

    modifica o movimento das outras. Na realidade, no o que acontece, j que muitas vezes as

    gotculas das emulses no se encontram homogeneamente dispersas, interferindo assim umas

    com as outras no seu movimento. Alm disso, se num sistema existe floculao, a esfericidade

    das gotculas perdida (Jato, 1997).

    Apesar de todas estas limitaes, a equao de Stokes constitui uma boa aproximao

    qualitativa da realidade, como tambm serve para observar os factores que controlam a

    formao de creme. Em primeiro lugar, a velocidade da formao de creme proporcional ao

    quadrado do raio dos glbulos, portanto, o processo mais rpido medida que o tamanho da

    gotcula da emulso aumenta. Para alm disso, nos sistemas em que tenha ocorrido

    coalescncia e/ou agregao tambm se acelera o processo de cremao. Uma forma de

    reduzir a velocidade de cremao obter um menor tamanho de gotcula na emulso, atravs

    da melhora do sistema de obteno e da seleco de um bom agente emulsionante. Em

    segundo lugar, a equao de Stokes prev que no ocorrer formao de creme se a densidade

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    da fase interna e externa da emulso forem iguais, mas formular emulses cujas fases

    possuam a mesma densidade muito difcil a nvel prtico, j que essa igualdade s se produz

    num intervalo estreito de temperatura (Jato, 1997).

    Por ltimo, um aumento da viscosidade do meio externo tambm reduz a velocidade de

    formao de creme e constitui outra forma de aumentar a estabilidade da emulso, pois

    previne a difuso da gua e dos seus compostos solveis para as fases exteriores. Muitos

    agentes emulsionantes incluem esta propriedade como parte da sua aco estabilizante. Por

    exemplo, a adio de metilcelulose reduz a mobilidade das gotculas da emulso O/A, e a

    parafina, nas emulses A/O. Outro composto que ajuda a estabilizar a emulso a presena de

    cloreto de sdio (NaCl) na fase interna da emulso (Jato, 1997, Schmidts et al., 2009, Lutza,

    2009).

    5.1.4. Inverso de fases

    Este fenmeno pode ocorrer em emulses cuja concentrao na fase dispersa elevada sendo

    esse resultado derivado da adio de compostos ou da alterao da temperatura. No entanto,

    necessrio indicar que se trata de um processo pouco frequente durante o armazenamento,

    excepto no caso de sistemas muito sensveis a mudanas de temperatura ou alguma interaco

    com algum componente da formulao (Jato, 1997).

    A temperatura de inverso de fases (TIF) aquela na qual a emulso muda de sinal; o seu

    valor depende da natureza da fase oleosa, dos tensioactivos e da concentrao dos

    tensioactivos e outros adjuvantes. Para muitos tensioactivos no inicos, a TIF aumenta com

    o valor de EHL. A inverso de fases pode ser provocada voluntariamente com o fim de obter

    espontaneamente emulses com um tamanho reduzido de gotculas, sendo por isso mais finas

    e homogneas devido a alteraes na viscosidade e condutividade elctrica da emulso, ou

    pode ser provocada involuntariamente. Quando a inverso involuntria traduz-se numa

    instabilidade que obriga modificao da formulao (Martina, 2005, Jato, 1997).

    5.1.5. Difuso molecular

    A difuso molecular ou crescimento de Ostwald o processo pelo qual as gotculas mais

    pequenas se solubilizam nas maiores, provocando um aumento do tamanho. Este processo

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    ocorre em emulses cujo tamanho de gotcula pequeno, essencialmente os de dimenses

    coloidais. por isso que emulses que contenham apenas algumas gotas pequenas se tornam

    mais estveis do que as que contm algumas gotas ou muitas gotas menores (Jato, 1997,

    Lieberman, 1996).

    Este processo diz respeito a uma verdadeira instabilidade pois trata-se de uma modificao na

    textura de emulso, sendo mais proeminente em emulses grosseiras e heterogneas (Martina,

    2005). A difuso molecular poder ser representada atravs da equao de Kelvin (Jato,

    1997):

    = (6)

    " "

    Esta equao indica que as gotculas de menor tamanho so mais solveis que as maiores,

    pelo que tendem a dissolver-se com mais facilidade. As gotculas maiores so mais

    insolveis, e por isso tendem a aumentar de tamanho. Para evitar este processo, deve-se tentar

    obter uma distribuio homognea do tamanho da partcula (Jato, 1997).

    5.1.6 Relao entre o volume das fases A relao entre o volume das fases, isto , os volumes relativos de gua e de leo que figurem

    numa emulso pode, igualmente, exercer uma certa influencia na estabilidade da formulao.

    De facto, se se tentar incorporar mais de 74% de leo numa emulso do tipo O/A, os glbulos

    de leo coalescem na maioria das vezes, desfazendo a emulso. Este valor, denominado ponto

    crtico, representa a concentrao da fase interna para alm da qual um agente emulsivo

    incapaz de originar uma emulso estvel do tipo pretendido (Prista et al., 1995).

    Acontece, no entanto, ser possvel obter-se emulses estveis em que a fase interna superior

    a 74% do total da emulso, mas tal facto deve-se circunstncia de nesses casos as partculas

  • Emulses mltiplas: formulao, caracterizao, estabilidade e aplicaes

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    dispersas se apresentarem com formas e dimenses irregulares, s assim h um aumento do

    ponto crtico, pois este, foi calculado partindo da permissa de que todos os glbulos dispersos

    so esfricos (Prista et al., 1995).

    A relao entre a proporo da fase interna relativamente fase externa tambm

    influenciada pela solubilidade do frmaco que necessita estar presente numa quantidade

    farmacologicamente activa. Se a solubilid