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Autor: Prof. Vladimir Fernandes Colaboradores: Profa. Silmara Maria Machado Prof. Nonato Assis de Miranda Profa. Dra. Angélica Lúcia Carlini Filosofia, Comunicação e Ética

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Autor: Prof. Vladimir FernandesColaboradores: Profa. Silmara Maria Machado Prof. Nonato Assis de Miranda Profa. Dra. Angélica Lúcia Carlini

Filosofia, Comunicação e Ética

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Professor conteudista: Vladimir Fernandes

Olá! Meu nome é Vladimir Fernandes. Sou Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Especialista em Sociologia e História do Trabalho pela Fundação Santo André e graduado em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais. Atuo como professor titular na Universidade Paulista e sou líder das disciplinas de Fundamentos de Filosofia e Educação e de Filosofia, Comunicação e Ética, no curso de Pedagogia. Tenho experiência na área de Sociologia e de Filosofia, com ênfase em Epistemologia, Ética e Educação. Sou integrante do grupo de pesquisa “Políticas Públicas e Gestão de Práticas Educativas”, da Universidade Paulista. Amo a Filosofia e sou apaixonado pela Educação! Espero que este material possa contribuir com a sua jornada de aprendizagem. Desejo bons estudos a todos vocês!

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

F363 Fernandes, Vladimir

Filosofia, comunicação e ética. / Vladimir Fernandes. - São Paulo: Editora Sol, 2011.

92 p. il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos deEstudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-059/11, ISSN 1517-9230

1.Comunicação 2.Filosofia 3.Ética I.Título

CDU 659

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Prof. Dr. João Carlos Di GenioReitor

Prof. Fábio Romeu de CarvalhoVice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças

Profa. Melânia Dalla TorreVice-Reitora de Unidades Universitárias

Prof. Dr. Yugo OkidaVice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa

Profa. Dra. Marília Ancona-LopezVice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy

Prof. Marcelo Souza

Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar

Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão: Janandréa do Espírito Santo Amanda Casale

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SumárioFilosofia, Comunicação e Ética

APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7

Unidade I

1 O USO DA LINGUAGEM E DA RAZÃO .........................................................................................................91.1 O uso da linguagem ...............................................................................................................................91.2 O uso da razão ....................................................................................................................................... 12

2 LÓGICA CLÁSSICA E ATITUDE CIENTÍFICA .............................................................................................. 142.1 Lógica clássica ....................................................................................................................................... 14

2.1.1 Argumento dedutivo ............................................................................................................................. 162.1.2 Argumento indutivo .............................................................................................................................. 172.1.3 Argumento por analogia ..................................................................................................................... 182.1.4 Falácias ........................................................................................................................................................ 18

2.2 Atitude científica .................................................................................................................................. 193 AS LUZES E SOMBRAS DA RAZÃO ........................................................................................................... 22

3.1 Esclarecimento e antissemitismo ................................................................................................... 253.2 “Educação após Auschwitz” ............................................................................................................. 28

4 OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O MUNDO GLOBALIZADO ................................... 314.1 Os meios de comunicação de massa ............................................................................................ 314.2 O mundo globalizado ......................................................................................................................... 36

Unidade II

5 VALORES, MORAL E ÉTICA ........................................................................................................................... 445.1 Valores ....................................................................................................................................................... 445.2 Moral e ética........................................................................................................................................... 45

6 A ÉTICA ARISTOTÉLICA, DETERMINISMO E LIBERDADE .................................................................... 496.1 A ética aristotélica ............................................................................................................................... 496.2 Determinismo e liberdade ................................................................................................................. 516.3 Santo Agostinho e o livre arbítrio ................................................................................................. 53

7 A ÉTICA RACIONAL KANTIANA ................................................................................................................... 567.1 A ética racional kantiana .................................................................................................................. 567.2 Os direitos humanos ........................................................................................................................... 59

8 A PERSPECTIVA ÉTICA DE NIETZSCHE, WEBER E HABERMAS ....................................................... 658.1 Nietzsche e a genealogia da moral ............................................................................................... 658.2 Weber: ética da convicção e ética da responsabilidade ........................................................718.3 Habermas e a ética discursiva ......................................................................................................... 74

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APRESENTAÇÃO

Caro aluno,

A disciplina Filosofia, Comunicação e Ética tem como um dos objetivos principais estudar o ser humano enquanto um ser produtor de linguagem e de conhecimento. É através da linguagem que entramos em contato com a cultura, com os conhecimentos, com os valores produzidos por aqueles que nos antecederam e, além disso, a linguagem é condição necessária para o processo de humanização e para a produção do conhecimento, daí a importância de iniciarmos com este estudo.

Assim, vamos analisar como o uso da razão e da ciência alteram o habitat humano e a sua própria existência. Ao fazer uso da razão, busca-se organizar e compreender a realidade fazendo-a inteligível. O uso da ciência moderna possibilitou muitas conquistas e acenou com a perspectiva de um mundo cada vez melhor. Faz-se necessário refletir sobre o uso que vem sendo feito da razão e da ciência e se a promessa de um “mundo cada vez melhor” está sendo cumprida. Neste sentido, buscamos examinar algumas características dos meios de comunicação de massa e do mundo globalizado. Os meios de comunicação de massa transformaram o mundo em uma espécie “aldeia global”. A televisão é um dos veículos mais utilizados e está presente na grande maioria dos lares, das diferentes classes sociais, nas diferentes regiões do país. Vivemos a chamada era da globalização, mas cabe ponderar e analisar: quais são os aspectos positivos e quais são os aspectos negativos desses fenômenos?

Cabe ainda a esta disciplina pensar sobre o conjunto de valores socialmente acordados que permeiam nossas ações. Quer a gente goste ou não, desde que nascemos vamos tomando contato com os valores existentes no nosso meio social. As nossas escolhas também se pautam em valores – desde as escolhas cotidianas até as escolhas mais complexas –, dessa forma, refletir sobre os valores se torna fundamental para ações mais conscientes assim como identificar as inter-relações entre a educação, a moral e a sociedade. Se o ser humano é um ser que precisa ser educado, se o ser humano é um ser que precisa se tornar um sujeito moral e se o ser humano é também um ser social, logo, se faz pertinente refletir sobre a inter-relação desses conceitos, refletir sobre a importância da educação para a formação do sujeito moral.

Por fim, vamos considerar como alguns filósofos fundamentaram suas concepções éticas. Desde a Grécia antiga surgiram diferentes concepções éticas. Tais diferenças possuem relação com o contexto em que foram pensadas e na forma de entender o que é o homem e como ele deve agir. Analisar algumas dessas diferentes concepções ajuda a entender melhor as questões morais concernentes aos tempos atuais e também a eleger parâmetros éticos que viabilizem relações humanas mais harmônicas.

INTRODUÇÃO

Quais relações podemos estabelecer entre a filosofia, a comunicação e a ética? É possível filosofar sobre a ciência ou sobre a ética? Será que já nascemos com uma moral? É possível ser ético e contrariar a moral vigente?

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Caro aluno, você já deve ter ouvido falar que, em Filosofia, as perguntas costumam ser mais importantes do que as respostas. Isso é verdade, mas não significa que devemos apenas perguntar e não se preocupar em responder, e sim que o perguntar irá nos colocar no caminho de respostas mais consistentes. Muitas vezes, as repostas nos levam às outras perguntas e assim vamos ampliando a nossa visão sobre aquilo que é questionado.

Convido você a percorrer as páginas desta apostila na busca de elucidar algumas interrogações, estabelecer outras e, dessa forma, iniciar um rico diálogo com os pensadores que se dedicaram ao exercício filosófico.

Seja bem-vindo e boa jornada!

Só aos poucos que o escuro é claro.

Guimarães Rosa

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Unidade ILINGUAGEM, RAZÃO E COMUNICAÇÃO

1 O USO DA LINGUAGEM E DA RAZÃO

1.1 O uso da linguagem

Figura 1 – Aristóteles

O ser humano pode ser definido como um ser que fala, uma vez que falar é uma característica própria dos seres humanos e os animais não falam. Aristóteles, ao afirmar, em sua Política, que o homem é um animal político, sustenta sua tese no pressuposto que o homem é o único que possui linguagem, enquanto os animais apenas expressam dor ou prazer através de sons. Aristóteles afirma:

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Como dizemos frequentemente, a natureza não faz nada em vão; ora, o homem é o único entre os animais a ter linguagem [logos]. O simples som é uma indicação do prazer ou da dor estando, portanto, presente em outros animais, pois a natureza destes consiste em sentir o prazer e a dor e em expressá-los. Mas a linguagem tem como objetivo a manifestação do vantajoso e do desvantajoso, assim sendo, do justo e do injusto. Trata-se de uma característica do homem ser ele o único que tem o senso do bom e do mau, do justo e do injusto, bem como outras concepções deste tipo (ARISTÓTELES apud MARCONDES, 2000, p. 56).

Dessa forma, a linguagem possibilita manifestar o pensamento, instaurar comunicação entre os seres humanos, falar sobre as coisas, estabelecer acordos de convivência etc. Apesar disso, Platão, no diálogo Fedro, considera também aspectos problemáticos da linguagem, uma vez que vê a linguagem como um phármakon, conforme explica Chauí:

Esta palavra grega, que em português se traduz por poção, possui três sentidos principais: remédio, veneno e cosmético.

Ou seja, Platão considerava que a linguagem pode ser um medicamento ou um remédio para o conhecimento, pois, pelo diálogo e pela comunicação, conseguimos descobrir nossa ignorância e aprender com os outros. Pode, porém, ser um veneno quando, pela sedução das palavras, nos faz aceitar, fascinados, o que vimos ou lemos, sem que indaguemos se tais palavras são verdadeiras ou falsas. Enfim, a linguagem pode ser cosmético, maquiagem ou máscara para dissimular ou ocultar a verdade sob as palavras. A linguagem pode ser conhecimento-comunicação, mas também pode ser encantamento-sedução (CHAUÍ, 1997, p. 148).

Nessa linha de raciocínio, podemos lembrar também que o filósofo Sócrates nada escreveu. E por qual motivo? Justamente por desconfiança em relação à linguagem escrita. Havia o risco que suas ideias fossem ser mal interpretadas e, também, a questão que o texto por si só pode não responder aos questionamentos dos possíveis leitores e, dessa forma, ele preferia filosofar dialogando com seus contemporâneos e não se preocupava com o registro de seus pensamentos, tarefa que ficou a cargo de seus discípulos.

Lembrete

As três fontes diretas, daqueles que conviveram com Sócrates e escreveram sobre ele, são as de Aristófanes, Xenofonte e de Platão.

Apesar dos aspectos negativos, apontados em relação à linguagem, os aspectos positivos se sobressaem. Segundo o filósofo Ernst Cassirer (1994), o uso e o entendimento da linguagem possibilitam o verdadeiro “abre-te-sésamo” que permite a entrada no mundo da cultura humana e o seu desenvolvimento.

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A linguagem é composta por um sistema de signos. O que é um sistema? O que são signos? Um sistema é um conjunto de elementos organizados, neste caso, os elementos são os signos. Os signos são elementos que designam outros elementos. Por exemplo, a palavra árvore está no lugar do objeto árvore, o número 3 está no lugar quantidade real de três coisas e assim por diante.

Cassirer afirma, em seu Ensaio sobre o homem, que é fundamental fazer uma distinção entre sinais e símbolos para se ter uma melhor clareza do problema. Expõe que os animais são suscetíveis a identificar sinais, como tom de voz, expressões do rosto humano, gestos etc. e que, também, podem ser condicionados a vários tipos de sinais, como mostrou Pavlov em suas várias experiências. Conforme Cassirer, todas essas atividades denominadas de reflexo condicionado estão não só distantes, como até mesmo do lado oposto ao caráter fundamental do simbolismo humano.

O filósofo esclarece que as várias experiências feitas com animais superiores demonstraram que algumas reações não são meros acasos, mas que envolvem um tipo de compreensão e solução criativa. Mesmo nesses casos, a inteligência animal ainda se distancia muito da inteligência propriamente humana, já que ela fica limitada à experiência momentânea, não ocorrendo um progressivo desenvolvimento. Cassirer busca fundamentar sua tese do homem como animal symbolicum, argumentando que o ser humano é o único que atinge o estágio de uma linguagem proposicional, enquanto os animais, mesmo mais evoluídos, atingem apenas uma linguagem emocional e uma inteligência prática, susceptíveis de aprender a identificar sinais por reflexos condicionados, o que os coloca muito distante de uma linguagem simbólica. “Em resumo, podemos dizer que o animal possui uma imaginação e uma inteligência práticas, enquanto apenas o homem desenvolveu uma nova forma: uma imaginação e uma inteligência simbólicas” (CASSIRER, 1994, p. 60).

Figura 2 – Segundo Cassirer, o homem é um animal simbólico

A transição de uma forma para outra fica evidente no desenvolvimento humano, mas nos animais tal processo não ocorre. Cassirer cita o caso especial de Helen Keller, que mesmo tendo nascida cega, surda e, consequentemente, muda, conseguiu, através dos esforços da sua professora Mrs. Sullivan,

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compreender o sentido simbólico da linguagem e adentrar no mundo humano do significado. E, mesmo no caso de Helen Keller, o fato de usar sinais tácteis no lugar dos vocais não prejudica a continuidade de desenvolvimento do seu pensamento simbólico (CASSIRER, 1994, p. 63).

Figura 3 – Helen Keller

Para Cassirer, só o homem desenvolve por si mesmo uma linguagem e uma inteligência simbólica, sem o simbolismo, o homem ficaria preso às necessidades biológicas e situações concretas. Dessa forma, a questão sobre o que é o homem e qual sua diferença mais primária e específica em relação aos outros seres ganha novo enfoque. Daí que, para Cassirer, é mais adequado definir o ser humano como um animal symbolicum, ao invés de animal racional ou mesmo animal político ou construtor. Na verdade, essas definições não são excludentes ou contraditórias, mas a definição de Cassirer enfoca uma característica mais primária no ser humano: criar símbolos. E esse fato que está na base é a condição de possibilidade para o desenvolvimento de outras capacidades humanas. O que possibilita que o homem seja um ser racional, um ser político, um ser construtor de coisas é sua capacidade primária de criar símbolos. O ser humano, enquanto animal simbólico, constrói a realidade em diferentes perspectivas. O sistema simbólico é a condição para ordenação do pensamento e da ação; sem ele, não sairíamos da caverna de Platão nem adentraríamos no mundo plenamente humano (FERNANDES, 2006, p. 33).

1.2 O uso da razão

O ser humano enquanto animal simbólico é um ser que faz uso da razão. A palavra razão, na sociedade ocidental, tem origem em duas fontes: o termo latino ratio e o termo grego logos. Segundo Chauí (1997), ambos os termos são substantivos originados de dois verbos com sentidos semelhantes em grego e latim. “Logos vem do verbo legein, que quer dizer: contar, reunir, juntar, calcular. Ratio vem do verbo reor, que quer dizer: contar, reunir, medir, juntar, separar, calcular” (CHAUÍ, 1997, p. 59). E o que fazemos, questiona Chauí, “quando medimos, juntamos, separamos, contamos e calculamos?” Pensamos com medida e proporção, pensamos de forma ordenada (CHAUÍ, 1997, p. 59). Dessa forma:

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Logos, ratio ou razão significam pensar e falar ordenadamente, com medida e proporção, com clareza e de modo compreensível para os outros. Assim, na origem, a razão é a capacidade intelectual para pensar e exprimir-se correta e claramente, para pensar e dizer as coisas tais como são. A razão é uma maneira de organizar a realidade pela qual esta se torna compreensível. É, também, a confiança de que podemos ordenar e organizar as coisas porque são organizáveis, ordenáveis, compreensíveis nelas mesmas e por elas mesmas, isto é, as próprias coisas são racionais (CHAUÍ, 1997, p. 59).

Figura 4 – Frontispício da Enciclopédia (1772), desenhado por Charles-Nicolas

A imagem acima se encontra no frontispício da Enciclopédia publicada na França em 1772. A figura ao centro representa a Verdade, que está entre a Imaginação (esquerda) e a Razão (direita). Enquanto a Imaginação busca enfeitar a Verdade, a Razão quer lhe retirar o véu.

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Entendendo a razão como um modo de organizar e compreender a realidade fazendo-a inteligível, a atitude filosófica racional irá se opor a quatro outras formas de atribuição de sentido a realidade. São elas: o conhecimento ilusório, as emoções, a crença religiosa, o êxtase místico. Dessa forma, segundo Chauí, a razão se opõe:

1. ao conhecimento ilusório, isto é, ao conhecimento da mera aparência das coisas que não alcança a realidade ou a verdade delas; para a razão, a ilusão provém de nossos costumes, de nossos preconceitos, da aceitação imediata das coisas tais como aparecem e tais como parecem ser. As ilusões criam as opiniões que variam de pessoa para pessoa e de sociedade para sociedade. A razão se opõe à mera opinião;

2. às emoções, aos sentimentos, às paixões, que são cegas, caóticas, desordenadas, contrárias umas às outras, ora dizendo “sim” a alguma coisa, ora dizendo “não” a essa mesma coisa, como se não soubéssemos o que queremos e o que as coisas são. A razão é vista como atividade ou ação (intelectual e da vontade) oposta à paixão ou à passividade emocional;

3. à crença religiosa, pois, nesta, a verdade nos é dada pela fé numa revelação divina, não dependendo do trabalho de conhecimento realizado pela nossa inteligência ou pelo nosso intelecto. A razão é oposta à revelação e, por isso, os filósofos cristãos distinguem a luz natural – a razão – da luz sobrenatural – a revelação;

4. ao êxtase místico, no qual o espírito mergulha nas profundezas do divino e participa dele, sem qualquer intervenção do intelecto ou da inteligência, nem da vontade. Pelo contrário, o êxtase místico exige um estado de abandono, de rompimento com a atividade intelectual e com a vontade, um rompimento com o estado consciente, para entregar-se à fruição do abismo infinito. A razão ou consciência se opõe à inconsciência do êxtase (CHAUÍ, 1997, p. 60).

Assim, a Filosofia é um tipo de conhecimento que faz uso da razão para explicar a realidade e, dessa forma, como explica Chaui anteriormente, ela se opõe e se diferencia do conhecimento ilusório, das emoções, da crença religiosa e do êxtase místico. Cabe enfatizar que a filosofia, desde as suas origens, fazendo uso da razão, buscou elaborar um discurso com coerência e clareza. Isso significa que o discurso racional filosófico se pauta por certos princípios lógicos. Vamos ver, no item a seguir, alguns desses princípios, que são úteis tanto no âmbito da filosofia, quanto em outras áreas do saber.

2 LÓGICA CLÁSSICA E ATITUDE CIENTÍFICA

2.1 Lógica clássica

Em nosso dia a dia, frequentemente utilizamos a expressão “é lógico” ou “isso é lógico”. Por exemplo: é lógico que meu time será campeão esse ano; é lógico que gosto de pizza; é lógico que vou assistir à aula de filosofia hoje. Nesses casos, a expressão “é lógico” é utilizada no sentido de algo que parece ser evidente, em

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que não há nenhuma dúvida. Por outro lado, diante de situações contraditórias, costuma-se dizer “isso não tem lógica” ou é “ilógico”. Por exemplo: é ilógico que uma seleção, com os melhores jogadores do mundo, perca por 7 a 1; é ilógico deixar de comprar leite para comprar refrigerante; é ilógico que um político corrupto consiga se reeleger. Nesses casos, a expressão “é ilógico” remete a situações difíceis de serem explicadas, porque parecem absurdas, que não seguem o que seria razoável, no entanto, se forem investigadas a fundo, serão encontrados os motivos de tais situações.

Cotidianamente, conversamos com as pessoas e nem sempre concordamos com suas opiniões sobre determinados assuntos. Então buscamos argumentar para defender o nosso ponto de vista. Ora, o que significa argumentar? Significa que procuramos concatenar ideias de forma coerente para persuadir nosso interlocutor da validade das nossas ideias. A lógica pode nos ajudar nessa tarefa.

A lógica formal foi desenvolvida por Aristóteles e tem como objetivo analisar as formas do correto pensar. Este filósofo escreveu, no século IV a.C., uma obra monumental denominada Organon, composta por seis tratados e que estabelece as bases da lógica formal. A palavra grega organon significa “instrumento” e para Aristóteles a lógica é um tipo de conhecimento instrumental, ou seja, é uma ferramenta utilizada para o pensar correto. Aristóteles entendia que a lógica tinha um caráter propedêutico, isto é, preparatório, uma vez que possibilita uma formação geral básica necessária ao exercício filosófico. Dessa forma, a lógica é importante não só para a filosofia, mas também para outras áreas do saber, uma vez que pensar de forma lógica é um pressuposto necessário a produção do conhecimento.

Vamos ver como as autoras Aranha e Martins (2003) explicam alguns dos conceitos dessa lógica:

Etimologicamente, a palavra lógica vem do grego logos, que significa “palavra”, “expressão”, “pensamento”, “conceito”, “discurso”, “razão”. Podemos defini-la como o estudo dos métodos e princípios de argumentação. Ou, então, como a investigação das condições em que a conclusão de um argumento se segue de suas premissas (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 101).

Vamos considerar um exemplo:

a) Todo paulista é brasileiro.

b) João é paulista.

c) Logo, João é brasileiro.

Um argumento é composto por proposições encadeadas que chega a uma conclusão. Proposições são sentenças que podem ser declaradas verdadeiras ou falsas. Como por exemplo, “Sócrates é mortal”, “o fogo é quente”. As duas primeiras proposições do nosso exemplo (a e b) são também chamadas de premissas, que significa “o que vem antes” da conclusão. A partir delas extraímos uma conclusão (c).

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O processo pelo qual passamos de certas premissas a uma conclusão chama-se inferência. A palavra inferência vem do latim infere e significa “levar para”. Por exemplo, Pedro vai até a janela, olha para o céu e diz:

– Vai chover!

Perceba, ele não disse por que vai chover ou por que chegou a essa conclusão, mas apenas que vai chover. Se perguntarmos:

– Pedro, diga-nos por que você está falando isso?

Se ele disser:

– Porque estou com calor e eu quero que chova!

Seria um argumento coerente? Não, pois o fato de querer que chova não decorre que irá chover. Agora se ele disser:

– Eu olhei para o céu e vi nuvens carregadas e alguns relâmpagos. A semana passada, após presenciar uma cena parecida, como essa de hoje, choveu. Logo, tudo indica que irá chover.

Perceba que essa inferência possui muito mais coerência e lógica, mesmo que não chova. Conforme explica Aranha e Martins:

Cabe ao lógico examinar a forma da inferência, a concatenação existente entre os diversos enunciados, a fim de verificar se é válido chegar a determinada conclusão. Em outras palavras, a lógica examina se a estrutura da inferência é válida ou inválida.

[...]

Podemos dizer das proposições que elas são verdadeiras ou falsas. Mas quando se trata de argumentos, dizemos que são válidos ou inválidos. Uma proposição é verdadeira quando corresponde ao fato que expressa. Um argumento é válido quando sua conclusão é consequência lógica de suas premissas (ibidem, p. 102).

Vamos considerar, a seguir, alguns dos diferentes tipos de argumentação.

2.1.1 Argumento dedutivo

A palavra dedução remete aos significados: “concluir a partir de”, “extrair de algo”, “diminuir”. Dessa forma, em um argumento dedutivo, a partir de uma proposição geral se conclui outra proposição, que pode ser particular ou também de caráter geral. Uma característica importante é que a conclusão não

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diz algo além do que já estava nas premissas, ou seja, nas proposições anteriores. Conforme explica Aranha e Martins:

Em um argumento dedutivo correto a conclusão é inferida necessariamente das premissas. Ou seja, o que está dito na conclusão é extraído das premissas, pois na verdade já está implícito nelas. Na dedução lógica, o enunciado da conclusão não excede o conteúdo das premissas, isto é, não se diz mais nada na conclusão do que já foi dito (2003, p. 103).

Exemplo:

• Todo homem é mortal.

• Sócrates é homem.

• Logo, Sócrates é mortal.

Afirmar que todo homem é mortal significa dizer que todos os seres humanos são mortais: Platão, Aristóteles, Sócrates, Diotima, Aspásia.... É uma característica intrínseca da natureza humana, a única certeza indubitável: a mortalidade. Sócrates é um desses seres humanos. Logo, podemos concluir que Sócrates é também mortal. Perceba que o que se afirma na conclusão (Sócrates é mortal) já estava contido na primeira proposição (todo homem é mortal).

2.1.2 Argumento indutivo

O termo indução significa “conduzir para”, “estender”, “desenrolar”, trata-se, portanto, de um tipo de raciocínio que a partir de casos particulares conduz a uma conclusão generalizada. Segundo Aranha e Martins:

A indução por enumeração é uma argumentação pela qual, a partir de diversos dados singulares constatados, chegamos a proposições universais. Nesse tipo de argumento ocorre uma generalização indutiva. Enquanto na dedução a conclusão deriva de proposições universais já conhecidas, a indução, ao contrário, chega à conclusão a partir de evidências parciais (2003, p. 104).

Exemplo:

• O cobre, o ferro, o zinco, dilatam com o calor.

• Logo, todo metal dilata com o calor.

No argumento anterior afirma-se que três metais dilatam com o calor: o cobre, o ferro e o zinco. Depois se conclui que não apenas esses metais dilatam com o calor, mas todo metal. Perceba que a

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partir de três metais se generalizou para todos. Trata-se de uma indução incompleta, ou seja, o que se afirma na conclusão é mais amplo, excede o que se afirma nas premissas, por isso no raciocínio indutivo há apenas a probabilidade de ser correto.

Embora a generalização indutiva incompleta seja a mais comum, há outro tipo de indução, a completa. Ocorre quando todos os elementos do conjunto são considerados. Por exemplo: se ao invés de verificar apenas os três metais citados, no exemplo acima, se verifica também o estanho, o chumbo, o ouro e todos os outros metais existentes. Assim, se poderá afirmar de forma completa que todos os metais existentes e conhecidos até então, dilatam com o calor.

2.1.3 Argumento por analogia

Em um raciocínio analógico se estabelece um tipo de comparação entre coisas diferentes, mas que possuem pontos comuns. O que serve para um, conclui-se que servirá também para o outro. Conforme explica Aranha e Martins:

Analogia (ou raciocínio por semelhança) é uma indução parcial ou imperfeita, na qual passamos de um ou de alguns fatos singulares não a uma conclusão universal, mas a uma outra enunciação singular ou particular, inferida em virtude da comparação entre objetos que, embora diferentes, apresentam pontos de semelhança:

• Paulo sarou de suas dores de cabeça com este remédio.

• Logo, João há de sarar de suas dores de cabeça com este mesmo remédio (2003, p. 104).

2.1.4 Falácias

A falácia é uma forma de raciocínio que parece correto, mas quando examinado melhor se revela incorreto.

Muitas falácias decorrem do fato de algumas premissas serem irrelevantes para a aceitação da conclusão, mas são usadas com a função psicológica de convencer, mobilizando emoções como medo, entusiasmo, hostilidade ou reverência (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 105).

Vamos ver agora alguns entre os vários tipos de falácias.

• Argumento contra o homem. Nesse tipo de falácia ataca-se a pessoa e não o seu argumento. Exemplo: “Ele costuma ir ao bar, logo tudo o que ele diz é mentira”. Ou “Ele não frequenta a igreja, portanto não é um bom aluno”.

• Argumento de autoridade. Quando se utiliza o prestígio de uma pessoa para defender algo que não é da sua competência. Exemplo: “Esse remédio para emagrecer é ótimo, pois quem fez a

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propaganda foi aquela atriz” Ou “Vou votar nesse candidato, pois meu cantor favorito está apoiando ele”.

• Falácia de acidente. Quando se extrai uma conclusão de algo que é acidental. Exemplo: “Ele nunca estudou e se deu bem. Logo, o estudo não serve para nada”. Ou “A primeira vez que meu tio foi ao hospital não voltou mais. Logo, toda medicina é inútil”.

• Falácia de ignorância da questão. Nesse tipo de falácia se ignora a questão desviando a discussão para outro foco. Por exemplo: Um político foi acusado, graças a uma escuta telefônica, de praticar corrupção. Ao ser questionado sobre a corrupção, ele diz que a escuta foi ilegal e ele vai processar o fulano que fez a escuta e não diz nada sobre o seu ato ilegal.

• Falácia de falsa causa. Toma-se como causa para um fato algo que não é a verdadeira causa. Por exemplo: No jogo em que seu time ganhou o campeonato ele usava uma cueca com as cores do clube. Agora sempre vai usar a mesma cueca nos jogos decisivos.

Exemplo de aplicação

A lógica foi denominada como uma disciplina propedêutica, isto é, preparatória ou instrumental para se fazer filosofia. Pode-se dizer que a lógica é importante não apenas para a filosofia, mas também para outras áreas do saber? Você concorda? Comente.

2.2 Atitude científica

Os primeiros filósofos, que ficaram conhecidos como pré-socráticos, foram os inventores do logos, da razão. Eles desconfiaram das explicações míticas e buscaram explicações racionais para explicar o mundo. Mas será que eles já estavam fazendo ciência? O físico Marcelo Gleiser expõe, na Introdução do livro Pré-socráticos – a invenção da razão, as seguintes considerações:

Se entendermos Ciência no sentido moderno, em que modelos matemáticos são desenvolvidos na tentativa de expressar, da melhor forma possível, resultados obtidos em experiências realizadas em laboratórios ou observações de fenômenos naturais, talvez seja adequado começar com Galileu Galilei, na Itália, e Johannes Kleper, na Alemanha, no início do século XVII. Porém, se por Ciência entendermos a tentativa de compreender racionalmente o comportamento dos fenômenos naturais sem uma preocupação direta com a experimentação, então devemos começar a nossa história muito antes, em torno de seiscentos anos antes de Cristo (GLEISER apud MACIEL JR, 2003, p. 9).

Nessa perspectiva, os pré-socráticos foram os primeiros a adotar uma postura científica, uma vez que o conhecimento científico resulta de uma atividade racional. Os filósofos entendiam que era necessário passar da opinião (doxa), que é um conhecimento impreciso, superficial, subjetivo, para a ciência (epistéme), entendida como conhecimento racional e objetivo. Por outro lado, de um

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modo geral, a ciência grega permaneceu contemplativa, separada da prática e sem o interesse de intervir na realidade. Uma possível explicação para isso pode residir no fato de que a sociedade grega era escravagista e, dessa forma, o trabalho braçal e, consequentemente, o aperfeiçoamento dos instrumentos técnicos utilizados não serem valorizados pelos pensadores gregos.

Figura 5 – Galileu Galilei (1564-1642)

A partir do século XVII, com Galileu Galilei, tem início a moderna concepção de ciência com sua separação da Filosofia. Galileu, em seus estudos de astronomia, faz uso da luneta para observar os astros e, nas suas investigações de física, recorre ao uso de matematização e experiências. Segundo Aranha e Martins:

A grande novidade da nova física foi o uso da experimentação e da matematização. Enquanto a física antiga era qualitativa, baseada nas qualidades intrínsecas das coisas, Galileu observava e realizava experiências em laboratório, usava instrumentos e descrevia quantitativamente os fenômenos.

Para compreender a queda dos corpos, Aristóteles indagava a respeito da natureza dos corpos pesados ou leves. Diferentemente, Galileu investigava “como” os corpos caem (e não “por que” caem) e depois, de repetir inúmeras experiências em um plano inclinado, descobriu a relação entre o espaço percorrido por um corpo em movimento e o tempo que leva para percorrê-lo. Expressou então a lei da queda dos corpos numa forma geométrica (ARANHA; MARTINS, 2005, p. 189)

Com a tendência crescente de valorização da razão e de um saber ativo, o método científico foi se desenvolvendo e sendo adaptado a outros campos do conhecimento, originando outras ciências particulares, como a astronomia, a química, a biologia, a sociologia, entre outras.

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Enquanto o senso comum produz um conhecimento superficial e impreciso, a ciência busca um conhecimento preciso e objetivo, que possa ser comprovado e, dessa forma, utiliza um método. A palavra método vem do grego meta, “através de” e hodós, “caminho”, portanto, indica a necessidade de buscar procedimentos adequados para atingir determinado objetivo. Faz-se necessário trilhar um caminho para atingir um objetivo, no caso da ciência a elucidação de um problema.

Em uma passagem de Aventuras de Alice no país das maravilhas, de Lewis Carrol (2002), ela encontra um gato e pergunta: “Como posso sair daqui? O gato responde: Isso depende muito de para onde você quer ir. Alice explica: Não quero ir para lugar nenhum. Apenas sair daqui. O gato retruca: Se você não vai para lugar nenhum, qualquer direção serve”. Daí a importância de se ter clareza de onde se quer chegar.

O conjunto de procedimentos adotados pela ciência ao investigar um problema configura o seu método. Nas ciências da natureza, como a física, química, a biologia, que possibilitam a experimentação, temos, em seu método, as seguintes etapas: observação do problema, hipótese, experimentação e generalização. Vamos ver, segundo Aranha e Martins, um exemplo de aplicação do método científico.

O carbúnculo, doença infecciosa provocada por bactéria, trazia inúmeros prejuízos aos criadores de gado quando, em 1881, o francês Louis Pasteur se ocupou com o assunto. Levantou a hipótese de que os animais poderiam ser imunizados caso fossem vacinados com bactérias enfraquecidas de carbúnculo. Separou, então, 60 ovelhas da seguinte maneira: em dez não aplicou tratamento algum; vacinou duas vezes outras 25, e após alguns dias lhes aplicou uma cultura contaminada por carbúnculo; não vacinou as 25 restantes, mas inoculou-lhes a cultura contaminada. Depois de algum tempo, verificou que as 25 ovelhas não vacinadas morreram, as 25 vacinadas sobreviveram e, comparadas com as dez que não tinham sido submetidas a tratamento, ficou constatado que a vacina não lhes prejudicara a saúde.

Esse procedimento clássico exemplifica o método das ciências experimentais. Inicialmente, apresenta-se um problema que desafia a inteligência humana: no exemplo dado, a doença que dizimava o rebanho francês. A partir do problema, o cientista elabora uma hipótese e estabelece as condições para o seu controle, a fim de confirmá-la ou não. Se não chegar a uma conclusão a partir da primeira suposição formulada, deverá repetir as experiências ou alterar inúmeras vezes as hipóteses. A conclusão é, pois, generalizada, ou seja, considerada válida não só para aquela situação, mas para outras similares (ARANHA; MARTINS, 2005, p. 178).

Assim, pode-se afirmar que na Idade Moderna, surge um novo tipo de conhecimento, o científico, que faz uso de método, experimentação e comprovação na aplicação de suas hipóteses. A utilização da razão e o desenvolvimento da ciência possibilitam, por um lado, a resolução de muitos problemas e uma vida mais confortável. Por outro lado, o uso da razão e da ciência não produzem apenas luzes e bem estar, mas também desencadeiam problemas, as sombras da razão, como será abordado no próximo item.

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3 AS LUZES E SOMBRAS DA RAZÃO1

Figura 6 – Eclipse

Segundo Adorno e Horkheimer (1985), a humanidade tem buscado sempre, através do esclarecimento, superar o medo do desconhecido e passar a posição de senhores. Mas isso levou a um problema: “a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 19). A calamidade a que os autores se referem são, justamente, os acontecimentos aos quais assistiam e propiciaram as suas reflexões: a ascensão do nazismo, a ditadura stalinista e o desenrolar da Segunda Guerra Mundial. Fatos estes que resultaram do tipo de relação que os homens estabeleceram com os próprios homens e com a natureza e que tem como pressuposto a maneira como se desenvolveu a razão ocidental. Dessa forma, os autores buscam, então, analisar como se constituiu e se desenvolveu esse tipo de razão, para assim explicar os seus efeitos catastróficos.

O mundo esclarecido se torna também desencantado. É um mundo despido de seus aspectos míticos e místicos. Um mundo no qual tudo pode ser conhecido, controlado e numerado. Segundo os autores, a essência desse saber esta na técnica. “A técnica é a essência desse saber, que não visa a conceitos e imagens, nem o prazer do discernimento, mas o método, a utilização do trabalho de outros, o capital” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 20).

O que importa é dominar e subjugar a natureza e os homens, visando ao poder e ao lucro. O conhecimento torna-se sinônimo de poder. O importante não é a verdade, não é saber o que é, mas sim como é, qual a operação eficaz. Segundo Adorno e Horkheimer, a história do logos é a constante superação de tudo o que é transcendente, de tudo que não pode ser provado, só restando aquilo que

1 O texto desse item foi extraído e adaptado de: FERNANDES, Vladimir. Ernst Cassirer: o mito político como técnica de poder no nazismo. 2000. 155p. Dissertação (Mestrado e Filosofia) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2000, capítulo 4.

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pode ser explicado pela razão técnica. Mas a técnica é um saber que não se preocupa com o sentido, apenas com a eficiência prática. Não se pergunta mais pela felicidade, nem pelas causas e essências, mas sim como são as regras e qual o seu funcionamento. Tudo aquilo que foge ao campo da utilidade e do cálculo foge também aos interesses do esclarecimento.

A origem comum entre o mito e o esclarecimento é que ambos buscam controlar as desconhecidas forças da natureza.

Na relação mítica com a natureza, o sacerdote estabelece uma mimese com as potências naturais. Ele se dirige a cada espírito de uma forma peculiar e singular, mimetiza os gestos de cólera ou apaziguamento dos espíritos, tornando-se semelhante a eles e com isso consegue assustá-los ou acalmá-los.

Já a ciência troca a mimese pelo princípio de identidade. Aquilo que deve ser conhecido pelo sujeito é aquilo que permanece imutável e universal. O conceito privilegia o caráter universal em detrimento das particularidades. Segundo Adorno e Horkheimer: “O preço que se paga pela identidade de tudo com tudo é o fato de que nada, ao mesmo tempo, pode ser idêntico consigo mesmo. O esclarecimento corrói a injustiça da antiga desigualdade...” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 27).

O controle rígido ao qual o esclarecimento submete a natureza acaba por converter a desmitologização numa nova mitologia. O esclarecimento passa a pensar o mundo a partir do princípio de identidade, que exclui tudo o que é contraditório e, por isso mesmo, perde seu caráter dialético.

O pensar se fecha em si mesmo e perde a perspectiva da multiplicidade, passa a ser apenas um instrumento de dominação. Segundo Adorno e Horkheimer: “O pensar reifica-se num processo automático e autônomo, emulando a máquina que ele próprio produz para que ela possa finalmente substituí-lo. O esclarecimento pôs de lado a exigência clássica de pensar o pensamento...” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 37).

Ao se recusar a pensar o próprio processo do pensar, esse pensamento regride à mitologia, a qual, todavia, não conseguiu escapar. Esse tipo de pensamento que a tudo classifica e coisifica, que transforma tudo em objeto, reifica-se num automatismo totalitário.

Observação

Reificar: 1 encarar (algo abstrato) como uma coisa material ou concreta; coisificar. 2 transformar em coisa; dar o caráter de coisa a (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa).

Adorno e Horkheimer ilustram a constituição do sujeito racional no canto XII da Odisseia, quando Ulisses tem de enfrentar ainda alguns perigos antes de retornar à Ítaca.

Ulisses, advertido do perigo do canto das sereias, utiliza-se de dois recursos que possibilita que todos sejam salvos e que ele possa, ao mesmo tempo, ouvir ao belíssimo canto sem sucumbir. Ulisses pede para ser amarrado fortemente ao mastro do navio e seus companheiros têm os ouvidos tampados com

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cera e a incumbência de remarem disciplinados e ainda o compromisso de amarrarem mais fortemente Ulisses se este lhes pedir para que lhe soltem.

Amarrai-me de pé sobre a carlinga, com rudes laços, para que eu daqui não saia, e pendam fora do meu alcance as pontas das cordas. Se eu insistir convosco para que me solteis, apertai-me, então, em laços mais numerosos (HOMERO, 1997, p. 144).

Figura 7 – Ulisses e as sereias

Dessa forma, todos conseguem se salvar do encanto do canto das sereias. Os companheiros de Ulisses porque foram privados de ouvir o canto e remavam concentrados. Ulisses, amarrado ao mastro, pode escutar, mas é obrigado a renunciar a esta felicidade. É obrigado a contemplar impotente ao espetáculo. Segundo Adorno e Horkheimer: “As medidas tomadas por Ulisses quando seu navio se aproxima das Sereias pressagiam alegoricamente a dialética do esclarecimento” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 45).

Ulisses é comparado, por Adorno e Horkheimer, ao futuro burguês, que renuncia a felicidade quanto mais seu poder a torna possível. Já os remadores são comparados aos trabalhadores nas fábricas. Devem executar seu trabalho de forma disciplinada e sistemática, não tendo ouvidos para o prazer que foi colocado de lado.

Assim, Ulisses só pode deleitar-se com o canto das sereias renunciando a ele, transformando-o em espetáculo. Sua razão astuciosa necessitou abdicar de si mesmo, do prazer da entrega, para triunfar. Para vencer o destino e sobreviver, teve que renunciar a si mesmo e sacrificar-se. A viagem metafórica da constituição do sujeito racional que calcula e domina a natureza pressupõe a renúncia de si mesmo, o

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sacrifício. Foi necessário reprimir os instintos e sacrificar-se para que Ulisses ouvisse o canto, sobrevivesse e, depois, contasse aos outros mortais sobre sua beleza. O sacrifício é o tributo necessário para a constituição do sujeito, para que este vença o destino e também para sua dolorosa separação do estado de natureza. O caminho do mito à razão é a constituição desse “eu”, dessa consciência de si mesmo. O preço que se paga para constituição do eu que se faz consciente e racional é o sacrificar-se. Para dominar a natureza externa, é necessário que o homem domine, primeiramente, a natureza interna, os instintos.

Deste modo, a consciência do “eu” se forma juntamente com a razão que visa a dominar a natureza exterior e, para isso, domina a natureza interior. Essa origem da razão, que se contrapõe à natureza, já contém o germe da regressão.

O mundo que se torna esclarecido se torna também desencantado. É um mundo despido de seus aspectos míticos e místicos. Um mundo onde tudo pode ser conhecido, controlado e numerado. Segundo os autores, a essência desse saber está na técnica. “A técnica é a essência desse saber, que não visa a conceitos e imagens, nem ao prazer do discernimento, mas ao método, à utilização do trabalho de outros, ao capital” (ADORNO; HORKHEIMER, 1944, p. 20). O que importa é dominar e subjugar a natureza e os homens, visando ao poder e ao lucro. A razão burguesa entendeu que conhecer a natureza é, sobretudo, dominá-la. O esclarecimento torna-se uma dominação cega que não se preocupa mais com a essência, apenas com a eficiência. Tudo se transforma em mercadoria, em objeto quantificável que deve atender as exigências do sistema capitalista. O importante não é a verdade, não é saber o que é, mas sim como é, qual a operação eficaz. Segundo Adorno e Horkheimer, a história do logos é a constante superação de tudo o que é transcendente, de tudo que não pode ser provado, só restando aquilo que pode ser explicado pela razão técnica. Mas a técnica é um saber que não se preocupa com o sentido, apenas com a eficiência prática. Não se pergunta mais pela felicidade, nem pelas causas e essências, mas sim como são as regras e qual o seu funcionamento. Tudo aquilo que foge ao campo da utilidade e do cálculo foge também aos interesses do esclarecimento. O esclarecimento passa a pensar o mundo a partir do princípio de identidade, que exclui tudo o que é contraditório e, por isso mesmo, perde seu caráter dialético. Segundo Adorno e Horkheimer, “o pensar reifica-se num processo automático e autônomo, emulando a máquina que ele próprio produz para que ela possa finalmente substituí-lo. O esclarecimento pôs de lado a exigência clássica de pensar o pensamento...” (1944, p. 37). Ao se recusar a pensar o próprio processo do pensar, esse pensamento regride à mitologia, à qual, todavia, não conseguiu escapar. Esse tipo de pensamento que a tudo classifica e coisifica, que transforma tudo em objeto, reifica-se num automatismo totalitário.

Reabilitar o pensamento que pensa sobre si mesmo; eis aí o caminho alternativo ao totalitarismo da razão.

3.1 Esclarecimento e antissemitismo

Na ordem da sociedade capitalista reificada, isto é, em que os homens se transformam em coisas e as coisas em seres com forças próprias, a desfiguração dos homens é inerente ao próprio sistema. O pensamento é abolido e os homens tateando cegamente, privados de sua subjetividade, aceitam como seus guias aqueles que estão no poder. Agressores e vítimas agem cegamente, atacando-se e defendendo-se, pertencentes ambos ao mesmo sistema nefasto.

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Segundo Adorno e Horkheimer, “não existe um genuíno antissemitismo e, certamente, não há nenhum antissemita nato” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 160). Porque as vítimas são intercambiáveis e, dependendo da conjuntura e dos interesses do poder, podem ser substituídas por outras: católicos, mendigos, idosos etc. Assim, também as vítimas podem tomar o lugar dos assassinos, quando a nova norma dessa forma prescrever.

Observação

Antissemita: que ou aquele que se opõe aos semitas, especialmente aos judeus. (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa).

A consciência moral deixa de existir no fascismo, pois o indivíduo substitui sua responsabilidade por si e pelos outros pela responsabilidade de servir ao sistema. O sistema, por sua vez, escolhe os bodes expiatórios em que vão projetar a culpa. Os judeus, por vários motivos que os autores apontam, são alvos privilegiados dessa projeção. Além disso, eles exibem a imagem daquilo que, embora condenado pelos perseguidores, nada mais é que a inspiração inconfessa deles mesmos: “os traços da felicidade sem poder, da remuneração sem trabalho, da pátria sem fronteira, da religião sem mito” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 185).

Observação

Fascismo: regime que faz prevalecer os conceitos de nação e raça sobre os valores individuais e que é representado por um governo autocrático, centralizado na figura de um ditador (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa).

Para os autores, é fundamental reabilitar o pensamento, a reflexão para que seja possível se passar da condição patológica que é a sociedade antissemita, para uma sociedade humana. “Superando a doença do espírito, que grassa no terreno da autoafirmação imune à reflexão, a humanidade deixaria de ser a contra raça universal para se tornar a espécie que [...] é mais que simples natureza...” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 186).

Para a superação da dominação individual ou coletiva, é necessário um movimento de todo perseguido contra a falsa projeção, como forma de tornarem-se senhores de si mesmos e perderem, assim, aquilo que os fazem semelhantes à cega imagem projetada. Segundo os autores:

A emancipação individual e social da dominação é o movimento contrário à falsa projeção, e todo judeu que soubesse vencê-la dentro de si perderia toda a semelhança com a desgraça que irrompe sobre ele, assim como sobre todo perseguidos, homens ou animais (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 186).

Segundo Adorno e Horkheimer, não há mais antissemitismo, no sentido desse ser uma escolha subjetiva e independente do indivíduo. O que existe é uma mentalidade de ticket. Quando se diz “sim” a uma determinada plataforma de um partido político, já se aceita em bloco todo um conjunto de

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posturas ideológicas. Esse conjunto pode conter dizimação dos judeus, negros, protestantes, fechamento de sindicatos, caça aos socialistas etc.

No mundo em que tudo se transforma em mercadoria, não há mais espaço para o pensamento reflexivo. Os juízos deixam de ser ponderados, meditados e perdem seu poder de discernimento. “Na era do vocabulário básico de trezentas palavras, a capacidade de julgar e, com ela, a distinção do verdadeiro do falso estão desaparecendo” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 188).

Os seres humanos não se reconhecem mais no próprio mundo que eles produziram. Embrutecidos e desprovidos do pensar dialético, contemplam um mundo fetichizado. Esse estado de coisas favorece que as massas sejam facilmente manobradas para aceitação dos tickets ideológicos. Segundo os autores:

A mentalidade do ticket, produto da industrialização e de sua propaganda, adapta-se às relações internacionais. A escolha do ticket comunista ou do ticket fascista depende da impressão que o Exército vermelho ou os laboratórios do Ocidente deixam no indivíduo (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 191).

Observação

Fetiche: Objeto animado ou inanimado, feito pelo homem ou produzido pela natureza, ao qual se atribui poder sobrenatural e se presta culto. (Dicionário Aurélio Eletrônico).

Os tickets poupam os indivíduos do trabalho (ou do prazer) do pensamento dialético. Já trazem pronto todo o cardápio ideológico, deixando aos indivíduos a simples tarefa de escolher entre um ou outro. Mesmo as massas judias, segundo Adorno e Horkheimer, são, assim como os antissemitas, sujeitas a mentalidade de ticket. Mas os autores vislumbram a possibilidade do antissemitismo desaparecer:

“O fato de que o antissemitismo só ocorre, tendencialmente, como uma posição de ticket intercambiável, justifica, sem sombra de dúvida, a esperança que ele venha desaparecer” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 193). No entanto, isso não significa ainda uma superação da mentalidade de ticket, já que mesmo aqueles que são atraídos pelos tickets progressistas, embora “psicologicamente mais humanos”, não conseguem sair do círculo demarcado pela mentalidade de ticket e acabam por se transformarem em contrários à diferença. “Não é só o ticket antissemita que é antissemita, mas a mentalidade de ticket em geral” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 193). Assim, pensar em forma de ticket é continuar sendo inimigo da diferença, já que tal condição é intrínseca a esse próprio sistema.

Observação

Dialética: dialektkê (tékhné) (arte) dialética, arte de discutir e usar argumentos lógicos... Em sentido bastante genérico, oposição, conflito originado pela contradição entre princípios teóricos... (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa).

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Os autores concluem seu texto apontando a possibilidade de superação dos “limites do esclarecimento”. Segundo eles, “o próprio esclarecimento, em plena posse de si mesmo e transformando-se em violência, conseguiria romper os limites de esclarecimento” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 194). O esclarecimento deve resgatar a reflexão sobre si mesmo que deixou se perder; não ser pacífico nem fazer concessões no autoquestionamento sobre si, seus limites e possibilidades. A partir daí, se delineia a perspectiva de abrir novos caminhos e romper com os limites desse esclarecimento, entendido até então como sinônimo de dominação e poder.

3.2 “Educação após Auschwitz”

Figura 8 – Auschwitz-Birkenau, Polônia

“Educação após Auschwitz” foi uma palestra de Adorno, transmitida em 18 de abril de 1965, na rádio de Hessem e redigida pelo próprio autor para a publicação.

Lembrete

Auschwitz-Birkenau é o nome de um grupo de campos de concentração, utilizados pelos nazistas, localizados no sul da Polônia.

Segundo Adorno, a questão primordial para a educação é “a exigência que Auschwitz não se repita...” (ADORNO, 1995, p. 119). Mas o próprio fato dessa exigência merecer tão pouca atenção e consciência por parte das pessoas prova que a possibilidade de que se repita semelhante evento é latente. Para o autor, enquanto permanecerem as condições que provocaram a barbárie, a barbárie também permanece.

Para Adorno é importante que se reflita com mais atenção sobre alguns dos conhecimentos possibilitados por Freud, principalmente nos seus ensaios O mal estar na cultura e Psicologia de massas e análise do eu. Segundo Adorno, “um dos [conhecimentos] mais perspicazes parece-me ser aquele de que a civilização, por seu turno, origina e fortalece progressivamente o que é anticivilizatório” (ADORNO,

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1995, p. 119). É necessário refletir sobre “como evitar a repetição de Auschwitz” levando-se em conta as análises de Freud sobre a civilização, ou seja, de que esta já traz a barbárie em seu próprio princípio, dessa forma, evita-se cair num discurso apenas idealista.

Como hoje em dia é extremamente limitada a possibilidade de mudar os pressupostos objetivos, isto é, sociais e políticos que geram tais acontecimentos, as tentativas de se contrapor a Auschwitz são impelidas necessariamente para o lado subjetivo (ADORNO, 1995, p. 121).

Para Adorno, é necessário desvendar, nos próprios perseguidores, quais mecanismos que explicam tais atos bárbaros. Revelar para eles mesmos porque agem de tal forma, visando a despertar uma consciência que impeça que venham a agir novamente de maneira bárbara. Segundo o autor, há uma falta de consciência em tais fascista que faz necessário que eles reflitam sobre si mesmos. E Adorno chama a atenção de que a educação só faz sentido enquanto instrumento que possibilite uma autorreflexão crítica, com o objetivo de evitar a repetição da barbárie. Para esse propósito, deve-se atuar em duas frentes: primordialmente, na educação infantil, concentrando-se na primeira infância, já que segundo a psicologia é nessa fase que se dá a formação do caráter; “e, além disto, ao esclarecimento geral, que produz um clima intelectual, cultural e social que não permite tal repetição...” (ADORNO, 1995, p. 123).

Para Adorno, os sujeitos do mundo de Auschwitz formam um coletivo unido por uma identidade cega, desprovidos de subjetividade. Assim, o entendimento deve contrapor-se em relação a esse cego poder dos coletivos, trazendo à consciência os problemas inerentes aos mesmos, objetivando que a barbárie não se repita. Quaisquer coletivos, em geral, são severos até com os próprios novos integrantes que se filiam a eles, através de diversos tipos de trotes que, via de regra, os novos filiados devem ser capazes de suportar na própria pele, através de dores físicas.

Segundo Adorno, tais hábitos criam o ambiente suscetível para a brutalidade nazista. Além do que, há uma relação totalmente infundada entre a virilidade, caracterizada como capacidade de suportar a dor, e educação severa.

Essa ideia educacional da severidade, em que irrefletidamente muitos podem até acreditar, é totalmente equivocada. A ideia de que a virilidade consiste num grau máximo da capacidade de suportar dor há muito se converteu em fachada de um masoquismo que – como mostrou a psicologia – se identifica com muita facilidade com o sadismo (ADORNO, 1995, p. 128).

Ser duro consigo mesmo acaba por suprimir a sensibilidade também para com a dor alheia. O resultado desse tipo de educação é que se passa a ser indiferente com a dor em geral. As pessoas que agem assim se sentem no direito de “ser severo também com os outros, vingando-se da dor cujas manifestações precisou ocultar e reprimir” (ADORNO, 1995, p. 128).

É necessário trazer esse mecanismo à luz. Tomar consciência de que a educação não pode premiar a dor e se pautar no medo. Medo e dor que, da forma que foram reprimidos, só irão se manifestar de forma nefasta.

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Adorno chama de “caráter manipulador” aqueles que, como os líderes nazistas, “se distinguem pela fúria organizativa, pela incapacidade total de levar a cabo experiências humanas diretas, por um certo tipo de ausência de emoções, por um realismo exagerado” (ADORNO, 1995, p. 129). Tais características comuns aos líderes nazistas, também estão, segundo Adorno, disseminadas pela sociedade, em vários lideres marginalizados que chegam aos noticiários. Na tentativa de explicar resumidamente esse “caráter manipulador”, Adorno afirma que eles possuem uma “consciência coisificada”. Aqueles que se enquadram nesse tipo, primeiramente, tornam-se iguais a coisas. Depois, vão transformando os outros também em coisas e submetendo-os a sua fúria.

A grande preocupação de Adorno, nesse texto, é como evitar que Auschwitz se repita. Como impedir a reprodução de “consciências coisificadas”. Para tanto, o autor formula uma “proposta concreta”:

Quero fazer uma proposta concreta: utilizar todos os métodos científicos disponíveis, em especial psicanálise, durante muitos anos, para estudar os culpados por Auschwitz, visando, se possível, a descobrir como uma pessoa se torna assim (ADORNO, 1995, p. 131).

Pressupondo que seja possível conhecer as condições internas e externas que produziram tais criaturas, seria também possível, a partir daí, encontrar soluções que não tornem possível um novo Auschwitz.

Outro ponto importante, que, segundo Adorno, é necessário examinar com mais detalhes, é a relação entre a consciência coisificada e a técnica, na psicologia individual das pessoas. Como é possível que uma pessoa ou grupo de pessoas projetem uma câmara de gás para funcionar com precisão e eficiência e não se preocupem com o destino das vítimas. Segundo Adorno, “no caso do tipo com tendências à fetichização da técnica, trata-se simplesmente de pessoas incapazes de amar” (ADORNO, 1995, p. 133). As pessoas são frias demais umas com as outras e se recusam a amar.

[...] se as pessoas não fossem profundamente indiferentes em relação ao que acontece com todas as outras, excetuando o punhado com quem mantêm vínculos estreitos e possivelmente por intermédio de alguns interesses concretos, então Auschwitz não teria sido possível, as pessoas não o teriam aceito (ADORNO, 1995, p. 134).

Na sociedade atual, se aprofundou mais a defesa dos interesses particulares em relação aos interesses coletivos. “Hoje em dia, qualquer pessoa, sem exceção, se sente mal amada, porque cada um é deficiente na capacidade de amar” (ADORNO, 1995, p. 134). Segundo Adorno, essa ausência de identificação entre as pessoas foi a condição psicológica fundamental para tornar realidade Auschwitz. O interesse particular colocado acima de tudo faz com que as pessoas, visando a tirar vantagem da situação, não se oponham a mesma, a não ser que seus interesses particulares sejam diretamente ameaçados. Mas Adorno não esta fazendo uma apologia ao amor. O autor entende que o próprio cristianismo verdadeiro pretendia eliminar a “frieza que a tudo penetra” e fracassou, provavelmente porque não alterou as condições objetivas que produzem esse estado de coisas. Assim, o primordial é tomar consciência de quais são os mecanismos que geram a frieza. Qual a sua gênese.

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É necessário que a educação assuma o compromisso radical de que “Auschwitz não se repita.” De forma que tal compromisso não se intimide em contrariar os interesses de quem quer que seja, mesmo do Estado ou de potências econômicas.

Adorno finaliza seu texto declarando que a educação dificilmente evitará o ressurgimento dos “assassinos de gabinetes”, ou seja, dos ideólogos que ordenam aos seus subalternos. Mas que, em relação aos subalternos, que são os executores das ordens e “enquanto serviçais, façam coisas que perpetuem sua própria servidão, tornando-os indignos (...) contra isto, é possível empreender algo mediante a educação e o esclarecimento” (ADORNO, 1995, p. 138).

4 OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O MUNDO GLOBALIZADO

4.1 Os meios de comunicação de massa

Os meios de comunicação de massa, como a própria expressão indica, são aqueles meios capazes de atingir um grande numero de pessoas, de diferentes lugares e classes sociais. E esses meios são objetos tecnológicos como o rádio, o cinema, a imprensa, a televisão. É por meio desses objetos tecnológicos que as mensagens são propagadas. E quais são os conteúdos transmitidos? São informações sob diferentes formas: novelas, notícias, jogos, música, debates etc.

Convido você para ler, a seguir, um trecho do texto do filósofo Mário Sérgio Cortella2, em que ele relata sua experiência e algumas reflexões sobre os efeitos de um meio de comunicação de massa, a televisão.

Figura 9 – Televisão antiga

2 Mário Sérgio Cortella é filósofo e doutor em Educação, docente do Departamento de Teologia e Ciências da Religião e da Pós-Graduação em Educação (Currículo) da PUC-SP.

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Como era a sala da minha casa em Londrina, há 30 anos? Num canto, tinha uma mesa com cadeiras em voltas e nela fazíamos uma coisa inacreditável na hora do almoço: almoçávamos juntos, pais e filhos. No fundo, tinha um guarda-comida, um armário onde a minha mãe guardava tudo o que ela tinha ganhado no casamento para usar num dia especial, que nunca chegou; mas guardava. E com o tempo, foi sendo distribuído para filhos e netos. Na sala, tinha uma área de circulação para chegar à cozinha e num cantinho havia um altarzinho com uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Havia ainda quatro poltronas. Por incrível que pareça, uma de frente para a outra de maneira que as pessoas, quando sentassem, pudessem fazer uma coisa antiga, que era se ver. E sabem o que fazíamos em casa, à noite? Só quem é idoso como eu vai saber. Sabem o que fazíamos? Conversávamos! Conversavam pais com filhos, vinham os parentes. Vizinho era bem-vindo. Alguém se lembra desse tempo em que vizinho era bem-vindo? Ele vinha, trazia um bolo, conversava. Tinha que tomar café, comer um bolo, uma tapioca, o que fosse.

Um dia, há 30 anos, numa sexta-feira à tarde, tocou a buzina do jipe como meu pai fazia todo dia no fim da tarde (no Paraná se usava jipe na época, jipe de capota de lona) e nós, os filhos, saímos correndo e fomos lá para ver. Dentro tinha uma caixa grandona. Ele tirou a caixa e a colocou em cima da mesa da sala. Abriu e dentro tinha um aparelho de televisão Telefunken, preto e branco, à válvula, com os pezinhos de madeira. A partir desse dia, nossa vida mudou. Primeira modificação: saiu a imagem de Nossa Senhora Aparecida e em seu lugar entrou a Telefunken. Segunda modificação: as poltronas mudaram de lugar, ficaram todas de frente para aquilo. Terceira modificação: nunca mais nós conversamos. Aliás, nem podia. Pensamos estar ligando a televisão? A televisão é que nos liga. Todo dia, à noite, 80 milhões de pessoas estão paradas defronte a um aparelho de TV, olhando, com um jornal no colo, um prato ou um tricô no colo, todas de boca aberta. De repente, faz plim-plim e levanta-se o jornal, pega-se o prato e sai. Aí faz plim-plim de novo, volta-se e fica-se ali até dormir. E se alguém resolve conversar? Não pode. Aí o filho fala: “Sabe, pai, hoje eu...”. “Psiu, fica quieto. Você não está vendo que eu estou vendo o noticiário?”. O sujeito quer saber de notícia que está acontecendo lá na Indochina e não faz a mínima questão de saber o que está acontecendo à sua volta. “Olha, mãe, eu queria...”. “Psiu, estou vendo a novela. Trabalho o dia inteiro, já estou por aqui. Agora você fica falando comigo?”. Se o vizinho chegar é um inferno! Sabe por quê? Porque vai atrapalhar aquele nosso imenso ato de convivência, que é ficar cinco ou seis de boca aberta, olhando para um aparelho. Tem gente que nem desliga a televisão quando chega uma visita. Aí fica aquela coisa horrorosa, olho na TV e olho na visita; depois de dez minutos ela também está assistindo televisão.

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O erro está na televisão? Não. Televisão é uma coisa maravilhosa, informa, distrai. O erro está na tecnologia que nos faz correr? Não. O erro está na concepção, no modo entendemos a qualidade da nossa existência. Não são apenas os idosos que vivem assim. São gerações que estão vivendo desse modo, sem que a gente dê uma parada e fale: basta. Tecnologia é ferramenta, não é finalidade. Aparelho eletrônico é para melhorar a vida coletiva, e não para isolar as pessoas cada vez mais. Por que o idoso se dedica muito a assistir televisão? Porque não tem o convívio e aí tem que se limitar a ela. O grande escritor Fernando Sabino dizia que a televisão é o “chiclete dos olhos”. Mesmo quando já se perdeu o sabor, continua sendo mastigado. As pessoas dizem: a televisão e o rádio são modos de fazer companhia. Isso é necessário em uma sociedade que tem milhões de pessoas? Para se sentir acompanhado, precisa-se de uma coisa eletrônica, que é ótima, mas que não precisaria ter essa função? (CORTELLA, 1999).

Cortella aborda algumas mudanças ocorridas na organização familiar em função do uso que se fez da televisão. Mas, como o próprio autor chama a atenção, a TV é apenas um meio e não um fim em si mesmo. Você concorda?

Vamos ver algumas características da linguagem televisiva. Uma característica é a apresentação do conteúdo como espetáculo. O espetáculo atrai e prende a atenção pela beleza e grandiosidade da apresentação. Eventos como carnaval, catástrofes naturais, shows etc. são apresentados de modo a prender o olhar do telespectador. Na forma de espetáculo, a realidade é transformada em simulacro. E o que é simulacro? Essa palavra significa representação, semelhança, imitação e segundo Aranha (2006):

O simulacro intensifica e embeleza o real, que se torna “hiper-real” e, portanto, mais atraente. Basta ver como nas propagandas, o hambúrguer parece mais saboroso ainda ou a guerra distante nos faz lembrar um trailer de um filme qualquer. As consequências dessa superexposição de imagens é que tudo se transforma em show, em entretenimento, na sua apresentação sedutora.

Por outro lado, o resultado também é, muitas vezes, a ilusão de conhecimento, a atenção flutuante, o conhecer por fragmentos, sem um momento de parada para a integração das partes e a reflexão sobre as informações recebidas. Trata-se, enfim, de um desafio para o professor, cujo trabalho teórico contraria o fluxo frenético e feito em partículas do videoclipe ou do zapping na tevê (ARANHA, 2006, p. 79).

Dessa forma, o real transformado em simulacro se torna mais atraente, uma vez que as imagens produzidas são mais belas e sedutoras que a própria realidade. Na imagem, a comida parece mais atraente, a guerra parece menos violenta. Tal fato pode produzir ideias equivocadas e isso pode levar a uma visão superficial e acrítica de determinado evento. Veja, a seguir, imagens da Guerra do Golfo que podem dar a impressão que foi uma guerra não violenta e não sangrenta.

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Figura 10 – Guerra do Golfo (1991)

Figura 11 – Pouso de um helicóptero-ambulância norte-americano durante a Guerra do Golfo

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Outra característica é a fragmentação. Os programas são apresentados divididos em capítulos, episódios, separados por comerciais. Nos comerciais, são vendidos os espaços publicitários que geram lucros aos proprietários das emissoras. Outro aspecto da linguagem televisiva é o ritmo acelerado. O ritmo deve ser rápido para manter a atenção. “Para ser entendido de maneira rápida, o conteúdo deve ser diluído, reduzido à sua forma mais estereotipada ou massificada” (ARANHA; MARTINS, 2005, p. 64). Nos telejornais, esse ritmo acelerado leva a um empobrecimento das notícias. “Os acontecimentos são retirados do desenrolar histórico, onde encontramos suas raízes e suas causas, e são apresentados como se fossem fatos isolados, sem nenhuma análise que os explique” (ARANHA; MARTINS, 2005, p. 64). Sabe-se de tudo que acontece no mundo de forma diluída e superficial. O ritmo acelerado deve envolver o telespectador e mantê-lo interessado para que não troque de canal. Nos programas, sempre há um mistério, uma pergunta a ser respondida após o intervalo comercial.

Outra característica importante é a instantaneidade. É possível apresentar os acontecimentos no tempo em que acontecem. Você, por exemplo, liga a televisão e pode ficar sabendo de coisas que estão acontecendo do outro lado do mundo. Pode ter contato com acontecimentos de diferentes lugares do planeta. Mas essa facilidade pode ocultar um problema: uma confusão entre realidade e representação. Por exemplo, um noticiário é neutro, imparcial?

Ora, é preciso lembrar que cada imagem é fruto de uma escolha em termos de enquadramento (que elementos serão mostrados e quais serão descartados; quais aparecerão em primeiro plano, portanto maiores e mais visíveis, quais em último plano; e assim por diante); de sequência (que cena virá em primeiro, segundo, terceiro... até em último lugar); de duração de cada cena; de texto ou de música que acompanhará a imagem. Além disso, quem escolhe as imagens que vão ao ar é o diretor do programa, que, até certo ponto, interpreta os fatos (ARANHA; MARTINS, 2005, p. 63).

Dessa forma, não se deve confundir a realidade com a sua representação, uma vez que a representação envolve escolhas como: O que será mostrado? Em qual sequência? Por quanto tempo? O que não será mostrado?

Figura 12 – Vítimas de enchente assistem a pronunciamento de presidente pela televisão

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Por fim, cabem destacar os seguintes aspectos em relação os canais de televisão no Brasil:

• o canal de televisão é concessão do Estado, que pode ser suspensa a qualquer momento – por essa razão, só têm canal de televisão os grupos que interessam ao Estado, que não farão oposição contínua nem defenderão um tipo diferente de ideologia;

• a televisão é um empreendimento comercial privado e, como tal, visa ao lucro;

• a televisão é sustentada pelos anunciantes, que, antes de gastarem sua verba de publicidade, verificam o índice de audiência de cada programa.

O conteúdo da programação sofre, portanto, vários tipos de influência e de “censura”: do Estado e dos grupos econômicos que compram o espaço publicitário, ou seja, dos poderes político e econômico do país (ARANHA; MARTINS, 2005, p. 69).

Dessa forma, é necessário ter uma postura ativa e crítica diante da televisão e buscar formas de utilização produtiva desse meio tecnológico.

4.2 O mundo globalizado

Figura 13 – Planeta Terra

Você vai com um amigo ou amiga ao cinema, assistir a um filme norte-americano. Quando saem do cinema, vocês estão com fome e resolvem comer uma pizza em uma cantina italiana; no cardápio vocês optam por um vinho chileno. Quando saem, está chovendo e vocês abrem um guarda-chuva fabricado na China. Resolvem tomar um táxi. Fazem o sinal e o veiculo para: é um carro de tecnologia coreana,

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dirigido por um imigrante. Essa cena pode se repetir em qualquer grande cidade do Brasil e do mundo e ilustra alguns dos aspectos da globalização.

Mas, como pode ser definida a globalização? Segundo Barbosa:

A globalização é uma realidade presente, que se manifesta nos planos econômico, político e cultural, a partir de uma aceleração do intercâmbio de mercadorias, capitais, informações e ideias entre os vários países, ocasionando uma redução das fronteiras geográficas (BARBOSA, 2003, p. 8).

Dessa forma, algumas características marcantes dada globalização são: no campo da comunicação, as informações são transmitidas em tempo real, possibilitando acompanhar, de forma quase instantânea, vários acontecimentos que ocorrem no planeta: como jogos esportivos, enchentes, acidentes, protestos, lançamento de satélites etc. No âmbito da economia, ocorre uma grande oferta de produtos importados, como eletrônicos, alimentos, roupas, carros etc. Na esfera da cultura, cada vez ocorre uma maior e mais rápida oferta de filmes, CDs, livros produzidos em outros países e que, algumas vezes, são lançados mundialmente. Há, também, uma tendência à universalização dos valores políticos democráticos, assim como a defesa dos direitos humanos e sociais.

Mas, será que todos os países são afetados igualmente pela globalização? Segundo Barbosa:

Os países que conseguem assimilar as novas tecnologias possuem as multinacionais mais avançadas, dispondo de uma vantagem comercial adicional em relação aos demais e de maior autonomia para realizar as suas políticas. Esses são “globalizadores”. Como veremos, são esses os países que, em grande medida, controlam as decisões internacionais tomadas em fóruns como o G-8 – que reúne as sete economias mais fortes, além da Rússia – e nos organismos internacionais em geral.

Já os países “globalizados” são os mais vulneráveis e, portanto, mais expostos aos impactos negativos da globalização, pois geralmente importam mais do que exportam, ou então exportam produtos menos elaborados e são praticamente obrigados a adquirir no exterior as tecnologias mais caras; esses países, ao mesmo tempo, procuram estimular a instalação de empresas multinacionais em seu território, mas não fomentam as empresas nacionais na magnitude exigida; além de se tornarem reféns dos movimentos bruscos dos capitais de curto prazo, sofrendo frequentes ataques especulativos contra as suas moedas (BARBOSA, 2003, p. 16).

Pode-se afirmar que a globalização não criou as diferenças entre os países, mas, segundo Barbosa (2003), ela ajudou a aprofundar, como no caso dos países africanos, ou ajudou a atenuar, como no caso de alguns países asiáticos, como Coreia do Sul e Taiwan. Dessa forma, segundo ele:

[...] a globalização não pode ser rotulada como necessariamente boa ou má, sendo antes o resultado de um conjunto complexo de fatores econômicos,

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políticos e sociais que afetam o mundo inteiro, mas não por igual, já que alguns países possuem maior capacidade de intervenção no cenário internacional do que outros (BARBOSA, 2003, p. 17).

A globalização vem acompanhada da ideologia política do neoliberalismo. O liberalismo clássico surge no séc. XVII e exprime os anseios da burguesia frente ao Estado. Já o neoliberalismo surge a partir da década de 70 como uma reafirmação dos valores liberais visando ao fortalecimento da iniciativa privada. O neoliberalismo defende: abertura de mercados para que as mercadorias possam circular livremente; o corte dos impostos para não onerar a cadeia produtiva; a privatização das empresas estatais consideradas ineficientes; o chamado “Estado mínimo”, ou seja, o Estado deve cuidar apenas de setores estratégicos como, por exemplo, segurança nacional, organização jurídica e política do país e algumas políticas sociais.

Observação

Neoliberalismo: doutrina, desenvolvida a partir da década de 1970, que defende a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia... (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa).

No âmbito da globalização da cultura, predomina os valores da indústria cultural do Ocidente e, em especial, da cultura norte-americana. E será que a globalização da cultura é positiva? Podemos dizer que existem aspectos positivos, mas também existem aspectos negativos. Vamos ver alguns desses aspectos:

Do lado positivo, há hoje uma facilidade de se conhecer outras culturas, seja por meio do turismo; dos restaurantes que oferecem culinária de diversos países; dos filmes de diferentes origens – como os indianos, iranianos, argentinos, suecos, espanhóis, irlandeses e outros, que fogem do padrão do cinema comercial norte-americano –; da televisão por assinatura, que oferece programas de e sobre vários países, etnias, usos e costumes de locais e comunidades remotas; sem esquecer que também se editam livros de autores do mundo todo em todo o mundo.

Do lado negativo, a consequência mais discutida é a possibilidade de que a cultura mundial seja homogeneizada, isto é, que haja o nivelamento de todos os produtos culturais, uma vez que seriam produzidos por um mesmo sistema técnico, para atender o mercado planetário (ARANHA; MARTINS, 2005, p. 87).

Para Refletir

Com base nos conteúdos apresentados, analise a frase do biólogo René Dubos: “Pense globalmente, aja localmente”.

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Resumo

O ser humano é um ser que fala, é o único ser que possui linguagem. A linguagem é composta por um sistema de signos. Um sistema é um conjunto de elementos organizados, neste caso, os elementos são os signos. Os signos são elementos que designam outros elementos. Por exemplo, a palavra caneta está no lugar do objeto caneta, o número 7 está no lugar quantidade real de sete coisas e assim por diante.

O ser humano, enquanto animal simbólico, é um ser que faz uso da razão. Usar a razão implica em pensar e falar com medida, proporção e clareza. É um modo de organizar e compreender a realidade, fazendo-a inteligível. A atitude filosófica racional se opõe a quatro outras formas de atribuição de sentido a realidade. São elas: o conhecimento ilusório, às emoções, à crença religiosa, o êxtase místico.

A lógica formal foi desenvolvida por Aristóteles e tem como objetivo analisar as formas do correto pensar. Em um argumento dedutivo correto a conclusão é uma consequência lógica das premissas. No argumento indutivo, a partir de dados singulares se extrai uma conclusão geral. A analogia é um tipo de indução parcial em que ocorre a comparação entre objetos diferentes, mas com pontos semelhantes. Falácias são raciocínios que parecem corretos, mas quando examinados melhor se revelam incorretos.

A partir do século XVII, com Galileu Galilei, tem início a moderna concepção de Ciência com a sua separação da Filosofia. A ciência grega, de um modo geral, permaneceu contemplativa, separada da prática e sem o interesse de intervir na realidade, já a ciência moderna é quantitativa e experimental. A ciência busca um conhecimento preciso e objetivo, que possa ser comprovado, dessa forma, utiliza um método de investigação.

Segundo Adorno e Horkheimer, as promessas de um mundo melhor feitas pelo Iluminismo (ou esclarecimento) não se cumpriram. O mundo esclarecido é um mundo desencantado. A razão burguesa entendeu que conhecer a natureza é, sobretudo, dominá-la. O esclarecimento torna-se uma dominação cega que não se preocupa mais com a essência, apenas com a eficiência. Tudo se transforma em mercadoria, em objeto quantificável que deve gerar lucro. Ao se recusar a pensar o próprio processo do pensar, esse pensamento regride à mitologia. Reabilitar o pensamento que pensa sobre si mesmo; eis aí o caminho alternativo ao totalitarismo da razão.

No mundo em que tudo se transforma em mercadoria, não há mais espaço para o pensamento reflexivo. Segundo Adorno, a questão primordial

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para a educação é “a exigência que Auschwitz não se repita”. Para isso, é necessário impedir a reprodução de “consciências coisificadas”. Pressupondo que seja possível conhecer as condições internas e externas que produziram tais criaturas, seria também possível, a partir daí, encontrar soluções que não torne possível um novo Auschwitz.

Os meios de comunicação de massa, como a própria expressão indica, são aqueles meios capazes de atingir um grande número de pessoas, de diferentes lugares e classes sociais. E esses meios são objetos tecnológicos como o rádio, o cinema, a imprensa, a televisão. Características da linguagem televisiva: a apresentação do conteúdo como espetáculo e a realidade transformada em simulacro; fragmentação doa programação; o ritmo acelerado para prender a atenção; a instantaneidade, ou seja, é possível apresentar os acontecimentos no tempo em que acontecem.

A globalização implica uma intensificação das relações sociais e comerciais no âmbito mundial. Manifesta-se “nos planos econômico, político e cultural, a partir de uma aceleração do intercâmbio de mercadorias, capitais, informações e ideias entre os vários países, ocasionando uma redução das fronteiras geográficas” (BARBOSA, 2003, p. 8). A globalização não criou as diferenças entre os países, mas, segundo Barbosa (2003), ela ajudou a aprofundar, como no caso dos países africanos, ou ajudou a atenuar, como no caso de alguns países asiáticos, como Coreia do Sul e Taiwan. A globalização vem acompanhada da ideologia política do neoliberalismo.

Saiba mais

Os filmes abaixo podem propiciar uma inter-relação com os conteúdos da unidade:

• 1984. Dir. Michael Radford. Reino Unido, 1984.

• A língua das mariposas. Dir. José Luis Cuerda. Espanha, 1999.

• O enigma de Kaspar Hauser. Dir. Werner Herzog. Alemanha, 1974.

• O Milagre De Anne Sullivan. Dir. Arthur Penn. EUA,1962.

• Show de Truman. Dir. Peter Weir. EUA, 1998.

Sugestões de leituras

KELLER, H. A história de minha vida. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.

ORWELL, G.1984. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

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FILOSOFIA, COMUNICAÇÃO E ÉTICA

Exercícios

Questão 1. Leia o texto abaixo:

Um dogma é uma verdade a priori, é algo que aceitamos como verdade já no ponto de partida de nosso raciocínio e que, portanto, não questionamos. O pensamento, ou a atitude dogmática, é aquele que trata seus objetos de conhecimento a partir de pressupostos aceitos como verdadeiros, dispensando qualquer modalidade de reflexão. As coisas, as leis, a vida já nos vêm apresentadas como dadas, pensadas, acabadas.

Diante de um fato novo, extraordinário ou excepcional, a tendência de um comportamento dogmático será reduzir esta nova realidade (extraordinária ou excepcional) aos padrões do já sabido e conhecido. Dessa forma, apesar de descobrirmos que existe algo de diferente daquilo que havíamos suposto, essa nova descoberta não abala nossas crenças e ideias anteriores.

(...)

A postura dogmática nos condiciona a crer que o mundo existe tal como o percebemos. Só rompemos com a atitude dogmática à medida que somos capazes de estranhar, indagar, questionar, determinado fato, coisa, lei, objeto, comportamento, que até então nos parecia normal. (MEZZAROBA, O.; MONTEIRO, C. S. Manual de metodologia de pesquisa no direito. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 12 e 13).

Assinale a alternativa correta:

A) O pensamento dogmático se contrapõe ao pensamento religioso porque não é uma expressão de fé, mas de crença raciocinada.

B) O pensamento dogmático contraria os aspectos fundamentais da expressão por símbolos, porque impõe a determinadas comunidades sociais que se manifestem de forma previamente fixada.

C) O pensamento dogmático se restringe à opinião e, nessa medida, não é científico, não pode ser comprovado com o uso do método.

D) O pensamento dogmático não se constrói a partir das manifestações culturais de uma determinada sociedade.

E) Símbolos de expressão do pensamento são formas de repudiar o pensamento dogmático naquilo que ele tem de negativo.

Resposta correta: alternativa C

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Unidade I

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Análise das alternativas:

a) Alternativa incorreta.

Justificativa: o pensamento dogmático nem sempre se contrapõe ao pensamento religioso, ao contrário, por vezes é muito parecido com ele porque se fundamenta na crença sem reflexão.

b) Alternativa incorreta.

Justificativa: o pensamento dogmático se manifesta de muitas formas, inclusive por símbolos.

c) Alternativa correta.

Justificativa: o pensamento dogmático não é científico porque se sustenta em afirmações que não podem ser comprovadas com o uso de método de verificação.

d) Alternativa incorreta.

Justificativa: as manifestações culturais de um dado grupo social são, quase sempre, a origem da construção do pensamento dogmático que se caracteriza por se fundamentar em verdades preconcebidas, que não são objeto de crítica ou de questionamento.

e) Alternativa incorreta.

Justificativa: os símbolos permitem que os seres humanos construam sua realidade em diferentes perspectivas, marcam formas diferenciadas de organização do pensamento e da ação, o que não significa que sejam contrários ao pensamento dogmático. Por vezes, os símbolos servem para reforçar o pensamento dogmático.

Questão 2. Eric Hobsbawn afirma que:

(...) a globalização acompanhada de mercados livres, atualmente tão em voga, trouxe consigo uma dramática acentuação das desigualdades econômicas e sociais no interior das nações e entre elas. Não há indícios de que essa polarização não esteja prosseguindo dentro dos países, apesar de uma diminuição geral da pobreza extrema. Este surto de desigualdade, especialmente em condições de extrema instabilidade econômica como as que se criaram com os mercados livres globais na década de 1990, está na base das importantes tensões sociais e políticas do novo século. À medida que as desigualdades internacionais podem também estar sofrendo pressões decorrentes da ascensão das novas economias asiáticas, tanto a ameaça aos níveis de vida relativamente astronômicos dos povos do velho Norte quanto a impossibilidade prática de alcançar algo parecido para as vastas populações de países como a Índia e a China produzirão suas próprias tensões internas

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e internacionais. (HOBSBAWN, Eric. Globalização, Democracia e Terrorismo. S.Paulo: Cia das Letras, 2007, p. 11-12).

Analise as afirmativas a seguir:

I – A globalização não se restringe às questões de ordem econômica. Afeta também as relações sociais e culturais porque aprofunda as desigualdades e aumenta as tensões internas nos países.

II – O processo de globalização atinge apenas os países desenvolvidos e está limitado a aspectos econômicos sem sequer tangenciar outras dimensões da vida social.

III – Os mercados livres sempre existiram ao longo da história, mas somente o avanço tecnológico dos transportes e meios de comunicação foi que permitiu que eles se expandissem como acontece atualmente na Europa e nos Estados Unidos.

IV – A globalização se tornou possível em razão dos avanços tecnológicos dos meios de transporte e de comunicação, mas não se limitou a isso, porque foi gerada pela necessidade de a produção atingir novos mercados e implantar novos hábitos de consumo, como determina a política neoliberal.

V – Os países que não aderirem ao processo de globalização manterão com maior eficiência seus mecanismos de preservação de aspectos sociais e culturais.

Assinale a alternativa correta:

A) As afirmativas I e V são verdadeiras.

B) As afirmativas II e V são verdadeiras.

C) As afirmativas III e IV são verdadeiras

D) As afirmativas III e V são verdadeiras.

E) As afirmativas I e IV são verdadeiras.

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