Filosofia Da Linguagem

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Filosofia da linguagem (6): Austin e Searle e os atos de fala Comente Josué Cândido da Silva, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação 26/11/200710h52 Comunicar erro Imprimir Costuma-se dizer que "quem fala demais não faz", ou que se deve "falar menos e agir mais". Tais provérbios indicam uma quase oposição entre o agir e o falar. Mas você ficaria surpreso se alguém lhe dissesse que é possível agir através de palavras? Ou que, em alguns casos, podem-se fazer coisas através da fala? Pois é justamente disso que trata a teoria dos atos de fala. Atos de fala A teoria dos atos de fala foi elaborada inicialmente por John L. Austin (1911-1960) e desenvolvida posteriormente por J.R. Searle. Austin parte da teoria pragmática de Wittgenstein de que é o uso das palavras em diferentes interações linguísticas que determina o seu sentido. Esse sentido, porém, não se reduz apenas ao das proposições declarativas do tipo: "a parede é azul".

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Texto fala da linguagem como argumento (filosofia) dela mesma.

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Filosofia da linguagem (6): Austin e Searle e os atos de fala

ComenteJosu Cndido da Silva, Especial para a Pgina 3 Pedagogia & Comunicao

26/11/200710h52

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Costuma-se dizer que "quem fala demais no faz", ou que se deve "falar menos e agir mais". Tais provrbios indicam uma quase oposio entre o agir e o falar. Mas voc ficaria surpreso se algum lhe dissesse que possvel agir atravs de palavras? Ou que, em alguns casos, podem-se fazer coisas atravs da fala? Pois justamente disso que trata a teoria dos atos de fala.

Atos de falaA teoria dos atos de fala foi elaborada inicialmente por John L. Austin (1911-1960) e desenvolvida posteriormente por J.R. Searle. Austin parte da teoria pragmtica de Wittgenstein de que o uso das palavras em diferentes interaes lingusticas que determina o seu sentido. Esse sentido, porm, no se reduz apenas ao das proposies declarativas do tipo: "a parede azul".

Vimos com Wittgenstein que, dependendo do jogo de linguagem, o sentido de uma proposio pode mudar. Por isso, necessrio investigar os diversos tipos de enunciados que, diferentemente do exemplo acima, no so uma mera constatao de coisas.

Ao investigar essa questo, Austin descobre que determinadas sentenas so na verdade aes. Ou melhor, que dizer fazer, na medida em que, ao proferir algo, estou simultaneamente realizando uma ao. Vrios so os tipos de aes que podemos realizar ao dizer algo. Quando, por exemplo, digo "sim" perante um juiz ou padre; ao dizer: "nos encontraremos amanh pela tarde" para um colega; ou ainda, quando pergunto a um amigo: "voc tem dez reais para me emprestar?".

Em cada uma dessas frases realizada uma ao, embora seu sucesso no dependa apenas do sujeito que as profere, mas de uma srie de condies. Por exemplo, a noiva pode dizer "no"; posso, mesmo contra a minha vontade, faltar reunio; meu amigo pode no ter o dinheiro para me emprestar. Isso, contudo, no significa que o que eu disse falso, apenas que no teve sucesso, do mesmo modo que ocorre com outras aes, quando, por exemplo, corro para pegar o nibus, mas chego tarde demais. Tendo sucesso ou no, prometer, pedir, exigir, protestar, jurar etc. j so aes por si mesmas.

Diferentes tipos de atos de falaChamamos de ato de fala, portanto, a toda ao que realizada atravs do dizer. As aes que se realizam atravs dos atos de fala podem ser muito diferentes. Da a necessidade de distinguir as diversas dimenses que um ato de fala possui. Falamos em dimenses porque em uma nica locuo podemos realizar diferentes atos de fala. Por exemplo, na frase: "o senhor est pisando no meu p", realizo ao mesmo tempo trs atos de fala.

O primeiro deles o ato locucionrio, ou seja, o ato de dizer a frase. O segundo ato o que Austin chama de ilocucionrio, o ato executado na fala, ou seja, ao proferir um ato locucionrio. Nesse caso, ao dizer "o senhor est pisando no meu p" no tive a simples inteno de constatar uma situao, mas a de protestar ou advertir para que a outra pessoa parasse de pisar no meu p. Por fim, h ainda um terceiro ato, chamado de perlocucionrio, que o de provocar um efeito em outra pessoa atravs da minha locuo, influenciando em seus sentimentos ou pensamentos. Na situao descrita, para que o outro tire o p de cima do meu.

Temos assim o ato locucionrio de dizer algo, o ato ilocucionrio que realiza uma ao ao ser dito e o perlocucionrio quando h a inteno de provocar nos ouvintes certos efeitos (convencer, levar a uma deciso etc.).

claro que nem todas as expresses so dotadas dessas trs dimenses, pois isso depende da fora ilocucionria de um ato de fala. A fora ilocucionria algo bem diferente do significado puro e simples da frase, pois ela est diretamente ligada s interaes sociais que se estabelecem entre os falantes, relaes que podem ser de autoridade, cooperao etc.

Tipos de expressoAustin classificou em cinco grupos os tipos de expresses de acordo com a fora ilocucionria de cada uma delas. So elas:

1) Expresses veridictivas: que do um veredicto sobre determinado assunto, podem ser feitas por um juiz, um mdico falando sobre uma doena, ou mesmo em situaes cotidianas em que sustentamos algo com base em valores ou provas;

2) Expresses exercitivas: consistem em tomar uma deciso a favor ou contra determinado comportamento. Diferenciam-se da situao anterior por no serem apenas juzo, mas deciso. Exemplos: proibir, estimar, confiar, prescrever, conceder, exigir, propor etc.

3) Expresses comissivas: aquelas que comprometem o falante com o cumprimento de algo. Exemplos: jurar, garantir, provar, combinar etc.

4) Expresses conductivas: trata-se de uma reao em relao ao destino ou conduta de outros. Exemplos: felicitar, criticar, saudar, desejar, lamentar, queixar-se etc.

5) Expresses expositivas: sua inteno tornar claro como a expresso do falante deve ser considerada para permanecer fiel ao seu pensamento. Exemplos: comunicar, relatar, testemunhar, reconhecer, corrigir etc.

Papel da filosofiaAo apresentar a teoria dos atos de fala, ou de que o uso da linguagem tem precedncia sobre a semntica, nos distanciamos das posies essencialistas da filosofia. Por outro lado, parece que a filosofia no tem mais nada a fazer ou que se confundiu com a sociologia ou antropologia.

Segundo Austin, existe um campo de investigao que prprio da filosofia e que s ela capaz de realiz-lo. Trata-se da anlise da linguagem que parte da linguagem comum, como outras cincias, mas que no permanece na mera superfcie dos fenmenos. Interessa filosofia no o uso que se faz de uma lngua nesta ou naquela cultura, mas sim as regras subjacentes s diferentes interaes lingusticas.

Ao contrrio do cientista, que busca regularidades empricas atravs de entrevistas com os usurios de uma determinada lngua, o filsofo realiza um saber reconstrutivo da lngua como um sistema de ao regrada. Ou seja, interessa filosofia quais as condies de possibilidade de funcionamento de uma linguagem. Por exemplo: o que torna possvel um ato de fala?

A filosofia no busca meramente apresentar os fenmenos, mas entender as condies de possibilidade e de validade em que eles se realizam. Dizer, por exemplo, que o sentido de uma locuo dependente do contexto, no explica como possvel traduzir uma expresso de uma lngua para outra. A traduo mostra justamente que possvel passar de um jogo de linguagem para outro, o que colocaria a questo: ser que alm dos contextos especficos em que se realiza uma fala, no existem determinadas regras ou condies que so independentes do contexto? Ou ainda: existem regras comuns a qualquer jogo de linguagem (por exemplo, seguir regras)?

Austin no chegou a investigar sobre a possibilidade de fazer uma crtica da linguagem a partir de princpios normativos, isto , a partir de uma "metarregra" ou "metalinguagem" capaz de oferecer critrios para avaliar a linguagem comum, mas abriu o caminho para uma nova gerao de filsofos contemporneos, como John Searle, Jrgen Habermas e Karl-Otto Apel, entre outros.

Josu Cndido da Silva, Especial para a Pgina 3 Pedagogia & Comunicao professor de filosofia da Universidade Estadual de Santa Cruz em Ilhus (BA).

Bibliografia

Oliveira, Manfredo A. "Reviravolta Lingustico-Pragmtica na Filosofia Contempornea". So Paulo: Loyola.

Austin, John. "Quando Dizer Fazer". Porto Alegre: Artes Mdicas.