Filosofia do Direito - As propostas inusitadas (e nada úteis) de deputados

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Brasil

"Muitos parlamentares fazemproposições tentando apresentarsugestões que vêm da população. Ehá outros que simplesmente têmideias esdrúxulas"

Antônio Flávio Testa, cientistapolítico

24 de Fevereiro de 2012

Congresso

As propostas inusitadas (e nada úteis) de deputados Parlamentares querem ensino de tupi nas escolas, airbag para motoqueiros e Dia Nacional do MMA.Projetos demonstram incompreensão sobre próprio papel

Por Gabriel Castro

Congresso Nacional, em Brasília (Fernando Bizerra Jr./EFE)

No presidencialismo brasileiro, a maior pauta de votações da Câmara seresume a medidas provisórias e projetos de lei patrocinados pelo governo.Sim, os deputados também têm suas ideias - mas muitas delas estão bemlonge do objetivo de tornar o Brasil mais justo e eficiente. Um olhar atentosobre os projetos que circulam nos subterrâneos da Casa mostra como osparlamentares interpretam mal a função legislativa. Num país atolado por umaquantidade infindável de leis municipais, estaduais e federais, parte dosdeputados vê o ofício como a missão de aprovar mais medidas inexplicáveis e,com isso, criar mais proibições desnecessárias. Discretamente, muitas passampelas comissões e chegam à votação no plenário.

A deputada Janete Pietá (PT-SP) é um exemplo revelador. Tal qual opersonagem de Lima Barreto, a petista acredita que o currículo das escolas precisa incluir aulas de línguasindígenas. A medida, sonha a parlamentar, "irá despertar nas novas gerações o interesse do aprofundamento dacultura indígena, o respeito pelas comunidades afastadas, a valorização de seus direitos".

Vinicius Carvalho (PTdoB-RJ) caprichou. Apresentou em 2009 um projeto de lei que obrigaria as emissoras de TV aexibir, diariamente, reportagens sobre o funcionamento do Congresso Nacional. Para o deputado, a TV Câmara, aTV Senado e A Voz do Brasil são insuficientes. Na justificativa, Vinicius expõe seus ressentimentos: "Apesar de todasas atividades parlamentares desenvolvidas, os trabalhos realizados pelos congressistas não têm recebido o devidodestaque junto às emissoras comerciais de televisão". Carvalho, que não conseguiu se reeleger em 2010, pediu, elemesmo, a retirada da proposta de tramitação.

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Recém-promovido a ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) demonstrou criatividade em sua passagempela Câmara. Ele elaborou uma proposta que tornaria obrigatório para os motoqueiros o uso de um colete inflável,uma espécie de air bag. Nelson Bornier (PMDB-RJ), por sua vez, quer que todos os ônibus de linha do país tenhamjanela de vidro refletivo (espelhado). "De pronto, passageiros e condutores terão maior conforto térmico no interiordos veículos, independentemente do uso de ar condicionado", justifica o parlamentar.

Enquanto isso, donos de imóveis com piscina podem ter que construir grades de 1,20 metro de altura em volta daágua. A ideia de Jefferson Campos (PSB-SP) valeria para as piscinas públicas e particulares. O parlamentarestabeleceu com detalhe as medidas necessárias para a grade, "de forma que impeça a passagem de crianças eanimais".

Datas - Outra tarefa pela qual os deputados têm apreço é a criação de datas comemorativas. Como se torna cadavez mais difícil achar uma categoria que não tenha sido contemplada, é preciso ser criativo. No ano passado, porexemplo, os parlamentares propuseram a criação do dia da Ação Paramaçônica Juvenil, da Aquicultura, da Oração,Celebração e Adoração a Deus, da Paz e da Conciliação, da Planta Medicinal, das Artes Marciais, do CapelãoEvangélico Civil e Militar, do Corista, do Perdão, do Samba de Roda e do MMA - este último, ideia do ex-campeão deboxe Acelino Popó Freitas (PR-BA).

Distorção - As iniciativas inusitadas dos parlamentares são reveladoras de um mal que atinge os legisladores nopaís: a tese de que a solução de todos os problemas, mesmo os mais simples, passa pela criação de leis e peloaumento do poder estatal. São deputados que se comportam como se fossem 'vereadores federais'.

"Muitos deputados ou senadores chegam e fazem proposições tentando apresentar sugestões que vêm dapopulação", diz o cientista político Antônio Flávio Testa. "Outros simplesmente têm ideias esdrúxulas. De qualquerforma, dificilmente esses projetos chegam ao plenário". De fato, essa é uma irônica consequência positiva dacooptação do Congresso pelo Executivo: como a Câmara e o Senado se transformaram em apêndices do Planalto,aprovando apenas propostas de interesse do governo, os projetos de lei esdrúxulos tendem a adormecereternamente nas gavetas do Parlamento.