Filosofia e Felicidade_ O Que é Ser Feliz Segundo Os Grandes Filósofos Do Passado e Do Presente -...

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09/03/2015 Filosofia e felicidade: O que é ser feliz segundo os grandes filósofos do passado e do presente Educação UOL Educação http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/filosofiaefelicidadeoqueeserfelizsegundoosgrandesfilosofosdopassadoedopresente.htm 1/4 Filosofia e felicidade: O que é ser feliz segundo os grandes filósofos do passado e do presente Antonio Carlos Olivieri Da Página 3 Pedagogia & Comunicação 28/11/2012 08h36 O que é felicidade? Provavelmente, cada pessoa que resolver responder a esta pergunta apresentará uma resposta própria, pois a felicidade, num certo sentido, é algo individual, pessoal e intransferível. Por outro lado, há uma ideia de felicidade que pertence ao senso comum e é compartilhada pela esmagadora maioria das pessoas: felicidade é ter saúde, amor, dinheiro suficiente, etc. Além disso, a ideia de felicidade não é uma coisa recente. Com certeza, ela acompanha o ser humano há muito tempo e faz parte de sua história. Sendo assim, é possível traçar a evolução histórica dessa ideia, se nos debruçarmos sobre a disciplina que sempre se dedicou a investigar nossas ideias, de modo a defini-las e esclarecê-las: a filosofia. Na verdade, a ideia de felicidade tem grande importância para a origem da filosofia. Ela faz parte das primeiras reflexões filosóficas sobre ética, que foram elaboradas na Grécia antiga. Vamos, então, acompanhar a evolução histórica dessa ideia fazendo uma viagem pela história da filosofia. A referência filosófica mais antiga de que se dispõe sobre o tema é um fragmento de um texto de Tales de Mileto (http://educacao.uol.com.br/biografias/tales-de- mileto.jhtm) , que viveu entre as últimas décadas do século 7 a.C. e a primeira metade do século 6 a.C. Segundo ele, é feliz “quem tem corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada”. Vale atentar para a expressão “boa sorte”, pois disso dependia a felicidade na visão dos gregos mais antigos. Bom demônio Em grego, felicidade se diz “eudaimonia”, palavra que é composta do prefixo “eu”, que significa “bom”, e de “daimon”, “demônio”, que, para os gregos, é uma espécie de semi-deus ou de gênio, que acompanhava os seres humanos. Ser feliz era dispor de um “bom demônio”, o que estava relacionado à sorte de cada um. Quem tivesse um “mau demônio” era fatalmente infeliz. Não há dúvida de que, entre os séculos 10 a.C. e 5. a.C, o pensamento grego tende a considerar os maus demônios mais frequentes do que os bons e apresentar uma visão pessimista da existência humana. Não é por acaso que os gregos inventaram a tragédia. Uma expressão radical desse pessimismo nos é fornecido por um velho provérbio grego, segundo o qual “a melhor de todas as coisas é não nascer”. Foi a filosofia que rompeu com essa visão pessimista e procurou estabelecer orientações para que o homem procurasse a felicidade. Demócrito de Abdera (http://educacao.uol.com.br/biografias/democrito.jhtm) (aprox. 460 a.C./370 a.C.) julgava que a felicidade era “a medida do prazer e a proporção da vida”. Para atingi- la, o homem precisava deixar de lado as ilusões e os desejos e alcançar a serenidade. A filosofia era o instrumento que possibilitava esse processo. Virtude e justiça Filosofia

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    http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/filosofiaefelicidadeoqueeserfelizsegundoosgrandesfilosofosdopassadoedopresente.htm 1/4

    Filosofia e felicidade: O que ser felizsegundo os grandes filsofos dopassado e do presenteAntonio Carlos Olivieri Da Pgina 3 Pedagogia & Comunicao 28/11/2012 08h36O que felicidade? Provavelmente, cada pessoa que resolver responder a estapergunta apresentar uma resposta prpria, pois a felicidade, num certo sentido, algo individual, pessoal e intransfervel. Por outro lado, h uma ideia de felicidadeque pertence ao senso comum e compartilhada pela esmagadora maioria daspessoas: felicidade ter sade, amor, dinheiro suficiente, etc. Alm disso, a ideia defelicidade no uma coisa recente. Com certeza, ela acompanha o ser humano hmuito tempo e faz parte de sua histria.

    Sendo assim, possvel traar a evoluo histrica dessa ideia, se nosdebruarmos sobre a disciplina que sempre se dedicou a investigar nossas ideias,de modo a defini-las e esclarec-las: a filosofia. Na verdade, a ideia de felicidadetem grande importncia para a origem da filosofia. Ela faz parte das primeirasreflexes filosficas sobre tica, que foram elaboradas na Grcia antiga. Vamos,ento, acompanhar a evoluo histrica dessa ideia fazendo uma viagem pelahistria da filosofia.

    A referncia filosfica mais antiga de que se dispe sobre o tema um fragmentode um texto de Tales de Mileto (http://educacao.uol.com.br/biografias/tales-de-mileto.jhtm), que viveu entre as ltimas dcadas do sculo 7 a.C. e a primeirametade do sculo 6 a.C. Segundo ele, feliz quem tem corpo so e forte, boa sortee alma bem formada. Vale atentar para a expresso boa sorte, pois dissodependia a felicidade na viso dos gregos mais antigos.

    Bom demnio

    Em grego, felicidade se diz eudaimonia, palavra que composta do prefixo eu,que significa bom, e de daimon, demnio, que, para os gregos, uma espciede semi-deus ou de gnio, que acompanhava os seres humanos. Ser feliz eradispor de um bom demnio, o que estava relacionado sorte de cada um. Quemtivesse um mau demnio era fatalmente infeliz.

    No h dvida de que, entre os sculos 10 a.C. e 5. a.C, o pensamento grego tendea considerar os maus demnios mais frequentes do que os bons e apresentar umaviso pessimista da existncia humana. No por acaso que os gregos inventarama tragdia. Uma expresso radical desse pessimismo nos fornecido por um velhoprovrbio grego, segundo o qual a melhor de todas as coisas no nascer.

    Foi a filosofia que rompeu com essa viso pessimista e procurou estabelecerorientaes para que o homem procurasse a felicidade. Demcrito de Abdera(http://educacao.uol.com.br/biografias/democrito.jhtm) (aprox. 460 a.C./370 a.C.)julgava que a felicidade era a medida do prazer e a proporo da vida. Para atingi-la, o homem precisava deixar de lado as iluses e os desejos e alcanar aserenidade. A filosofia era o instrumento que possibilitava esse processo.

    Virtude e justia

    Filosofia

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    Scrates (http://educacao.uol.com.br/biografias/socrates.jhtm) (469 a.C./399 a.C.)deu novo rumo compreenso da ideia de felicidade, postulando que ela no serelacionava apenas satisfao dos desejos e necessidades do corpo, pois, paraele, o homem no era s o corpo, mas, principalmente, a alma. Assim, a felicidadeera o bem da alma que s podia ser atingido por meio de uma conduta virtuosa ejusta.

    Para Scrates, sofrer uma injustia era melhor do que pratic-la e, por isso, certo deestar sendo justo, no se intimidou nem diante da condenao morte por umtribunal ateniense. Cercado pelos discpulos, bebeu a taa de veneno que lhe foiimposta e parecia feliz a todos os que o assistiram em seus ltimos momentos.

    Entre os discpulos de Scrates, Antstenes(http://educacao.uol.com.br/biografias/antistenes.jhtm) (445 a.C./365 a.C.)acrescentou um toque pessoal ideia de felicidade de seu mestre, considerandoque o homem feliz o homem autossuficiente. A ideia de autossuficincia (que, emgrego, se diz autarquia,) continuar diretamente vinculada de felicidade nossetecentos anos seguintes.

    Uma funo da alma

    Mas o maior discpulo de Scrates, que efetivamente levou a especulao filosficaadiante de onde a deixara seu mestre, foi Plato(http://educacao.uol.com.br/biografias/platao.jhtm) (348 a.C./347 a.C.), o qualconsiderava que todas as coisas tm sua funo. Assim, como a funo do olho ver e a do ouvido, ouvir, a funo da alma ser virtuosa e justa, de modo que,exercendo a virtude e a justia, ela obtem a felicidade.

    importante deixar claro que noes como virtude e justia integram uma vertentedo pensamento filosfico chamada tica, que se dedica investigao doscostumes, visando a identificar os bons e os maus. Para Plato, a tica no estavalimitada aos negcios privados, devendo ser posta em prtica tambm nos negciospblicos. Desse modo, o filsofo entendia que a funo do Estado era tornar oshomens bons e felizes.

    A ligao entre tica e poltica estar ainda mais definida na obra do maisimportante discpulo de Plato, Aristteles(http://educacao.uol.com.br/biografias/aristoteles.jhtm) (384 a.C./322 a.C.), o qualdedicou todo um livro questo da felicidade: a tica a Nicmaco (que o nomede seu filho, para quem o livro foi escrito). Amigo de Plato, mas, em suas prpriaspalavras, mais amigo da verdade, Aristteles criticou o idealismo do mestre,reconhecendo a necessidade de elementos bsicos, como a boa sade, a liberdade(em vez da escravido) e uma boa situao socioeconmica para algum ser feliz.

    Felicidade intelectual

    Por outro lado, a partir de uma srie de raciocnios que tm como base o fato de ohomem ser um animal racional, Aristteles conclui que a maior virtude de nossaalma racional o exerccio do pensamento, pelo qu, segundo ele, a felicidadechega a se identificar com a atividade pensante do filsofo, a qual, inclusive,aproxima o ser humano da divindade.

    Sem perder de vista a aplicao prtica de suas ideias, Aristteles considera apoltica como uma extenso da tica e, nesse sentido, para ele tambm umafuno do Estado criar condies para o cidado ser feliz. O Estado que o filsofotinha em mente, porm, era a polis grega, que, naquele momento, estavadeixando de existir, com o surgimento do imprio de Alexandre o Grande(http://educacao.uol.com.br/biografias/alexandre-o-grande.jhtm).

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    Depois de Alexandre, no mundo grego ou helnico, desenvolveram-se trs escolasfilosficas que vo se estender at o fim do Imprio romano, as chamadas filosofiashelensticas. Todas elas, por caminhos diferentes, chegam a concluso de que,para ser feliz, o homem deve ser no s autossuficiente, mas desenvolver umaatitude de indiferena, de impassibilidade, em relao a tudo ao seu redor. Afelicidade, para eles, era a apatia, palavra que, naquela poca, no tinha o sentidopatolgico que tem hoje.

    Prazer e salvao da alma

    Entre os filsofos do mundo helnico, pode-se citar Epicuro(http://educacao.uol.com.br/biografias/epicuro.jhtm) (341 a.C./271 a.C.), para deixarclaro que essa ideia de apatia no significa abdicar ao prazer. O prazer eraessencial felicidade para Epicuro, cuja filosofia tambm conhecida pelo nome dehedonismo (em grego hedone quer dizer prazer). Mas ele deixa claro, numacarta a um discpulo, que no se refere ao prazer dos dissolutos e dos crpulas esim ao da impassibilidade que liberta de desejos e necessidades.

    Com o fim do mundo helnico e o advento da Idade Mdia, a felicidadedesapareceu do horizonte da filosofia. Estando relacionada vida do homem nestemundo, ela no interessou aos filsofos cristos como Agostinho de Hipona(http://educacao.uol.com.br/biografias/agostinho.jhtm) (354 d.C./430 d.C.), Anselmode Canterbury (http://educacao.uol.com.br/biografias/santo-anselmo.jhtm)(1033/1109) ou Toms de Aquino (http://educacao.uol.com.br/biografias/tomas-de-aquino.jhtm) (1225/1274), todos santos da Igreja catlica. Para a filosofia crist,mais do que a felicidade, o que conta a salvao da alma.

    Os filsofos voltaram a se debruar sobre o tema na Idade Moderna. John Locke(http://educacao.uol.com.br/biografias/john-locke.jhtm) (1632/1704) e Leibniz(1646/1716), na virada dos sculos 17 e 18, identificaram a felicidade com o prazer,um prazer duradouro. Alguns dcadas depois, o filsofo iluminista Immanuel Kant(http://educacao.uol.com.br/biografias/immanuel-kant.jhtm) (1724/1804), na obraCrtica da razo prtica definiu a felicidade como a condio do ser racional nomundo, para quem, ao longo da vida, tudo acontece de acordo com o seu desejo evontade.

    Direito do homem

    No entanto, para Kant, como a felicidade se coloca no mbito do prazer e dodesejo, ela nada tem a ver com a tica e, portanto, no um tema que interesse investigao filosfica. Sua argumentao foi to convincente que, a partir dele, afelicidade desapareceu da obra das escolas filosficas que o sucederam.

    Mesmo assim, no se pode deixar de mencionar que, no mundo de lngua inglesa,na mesma poca de Kant, a ideia de felicidade ganhou lugar de destaque nopensamento poltico e busc-la passou a ser considerada um direito do homem,como est consignado na Constituio dos Estados Unidos da Amrica, que datade 1787 e foi redigida sob a influncia do Iluminismo.

    Egocentrismo e infelicidade

    tambm no mbito da filosofia anglo-saxnica, no sculo 20, que se encontra umanova reflexo sobre nosso assunto. O ingls Bertrand Russell(http://educacao.uol.com.br/biografias/bertrand-russell.jhtm) (1872/1970) dedicou aele a obra A conquista da felicidade, usando o mtodo da investigao lgica paraconcluir que necessrio alimentar uma multiplicidade de interesses e de relaescom as coisas e com os outros homens para ser feliz. Para ele, em sntese, afelicidade a eliminao do egocentrismo.

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    Mais recentemente, em 1989, o filsofo espanhol Julin Maras tambm dedicou aotema um livro notvel, A felicidade humana, em que estuda a histria dessa ideia,da Antiguidade aos nossos dias, ressaltando que a ausncia da reflexo filosficasobre a felicidade no mundo contemporneo talvez seja um sintoma de como essemesmo mundo anda muito infeliz.

    Bibliografia

    Abbagnano, Nicola - "Dicionrio de Filosofia", Martis Fontes, So Paulo, 2000.

    Berti, Enrico - "No princpio era a maravilha", Loyola, So Paulo, 2010.

    Maras, Julin - "A felicidade humana", Duas Cidades, So Paulo, 1989.

    Antonio Carlos Olivieri Antonio Carlos Olivieri jornalista e escritor.

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