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    A tecnologia como problema filosfico: trs enfoques

    scientizudia, So Paulo, v. 2, n. 4, p. 493-518, 2004

    A tecnologia como problema filosfico:trs enfoques

    Al berto Cupani

    resumoO estudo filosfico da tecnologia relativamente recente e diversificado, conforme diferentes orienta-es tericas e suas correspondentes atitudes sociais. Apesar dessa heterogeneidade, ou precisamentegraas a ela, a filosofia da tecnologia nos ajuda a reconhecer a tecnologia como dimenso da vida huma-na, e no apenas como um evento histrico. o que pretendo mostrar apresentando trs modos de in-

    vestigar filosoficamente a tecnologia: os de Mario Bunge, Albert Borgmann e Andrew Feenberg, que re-presentam, respectivamente, uma perspectiva analtica, uma abordagem fenomenolgica e um exameinspirado na Escola de Frankfurt. O intuito principal deste artigo a divulgao dessas investigaes,pouco conhecidas entre ns. No entanto, ele inclui uma breve apreciao crtica das mesmas.

    Palavras-chave Filosofia da tecnologia. Mario Bunge. Albert Borgmann. Andrew Feenberg.

    Introduo

    A filosofia da tecnologia uma disciplina relativamente recente, se comparada com asrestantes disciplinas filosficas, includa a filosofia da cincia.1 Trata-se de um campode estudos mais heterogneo do que sua denominao faria supor, pois a prpria defi-nio do seu objeto no unnime. Por outra parte, embora no seja possvel ignorar arelao da tecnologia contempornea com a tcnica de pocas e culturas anteriores, e a

    diferena entre ambas seja devida, em grande medida, presena da cincia experimen-tal na tecnologia, nem todos os estudiosos concebem a tecnologia como (mera) cinciaaplicada e nem todos admitem uma continuidade de propsitos entre a tcnica e atecnologia. Alm disso, a reflexo filosfica que recai sobre a tecnologia corresponde a

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    1 Embora no faltem antecedentes no sculo xixe na primeira metade do xx, seu desenvolvimento institucional(incluindo revistas e congressos especficos) data das ltimas dcadas do sculo xx. Cf. Mitcham, 1994, cap. 1.

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    diferentes estilos de pensamento.2Apesar dessa heterogeneidade, a disciplina encontraa sua unidade na preocupao por um aspecto ou dimenso da vida humana impossvelde ignorar e particularmente marcado na sociedade contempornea: a atividade eficien-te, racionalmente regrada, no que diz respeito s suas motivaes, desenvolvimento,alcance e conseqncias.

    A compreenso dessa dimenso da vida leva-nos a lembrar que a tcnica, comocapacidade humana de modificar deliberadamente materiais, objetos e eventos (che-gando a produzir elementos novos, no existentes na natureza), define o ser humanocomo homo faber.3 Ofazer(ou melhor, osaber fazer) difere de outras capacidades huma-nas como a de contemplara realidade (literal ou mentalmente), agir (no sentido de adotardecises responsveis), experimentar sentimentos (que chegam a ser muito sofistica-

    dos, como o fascnio de uma obra de arte) e expressar-se (sobretudo, manifestar a pr-pria identidade, as prprias idias, os prprios anseios) mediante uma linguagem ar-ticulada, particularmente a enunciativa. Esse carter da tcnica deve ser levado emconsiderao ao entender a tecnologia como modo de vida, sobretudo na medida emque esse modo de vida afeta outros modos em que podem prevalecer aquelas outrascapacidades humanas antes mencionadas.

    A seguir, apresentarei trs enfoques da tecnologia, cada um dos quais represen-ta uma corrente filosfica contempornea relevante. O primeiro deles o enfoque ana-ltico de Mario Bunge, reconhecido como um dos fundadores da disciplina. Bunge no

    , certamente, um filsofo analtico em sentido prprio do termo, mas a sua classifi-cao aqui corresponde ao fato de que a anlise conceitual tem um papel preponde-rante na sua filosofia. O segundo enfoque escolhido o da fenomenologia, aqui repre-sentada pelo livro Technology and the character of contemporary life (1984) de AlbertBorgmann. Finalmente, apresentarei o enfoque de Andrew Feenberg, que analisa atecnologia a partir da filosofia crtica da Escola de Frankfurt em sua obra Transformingtechnology(2002). A minha exposio dos enfoques mencionados ser seguida por al-gumas consideraes crticas.

    2 Mitcham registra tambm a polarizao entre a filosofia da tecnologia dos engenheiros (vale dizer, dos autoresde formao cientfica ou tecnolgica, como Bunge) e a filosofia da tecnologia dos humanistas (filsofos ou escritoresde cultura clssica, como Heidegger ou Mumford) (cf. Mitcham, 1994, cap. 1 e 2). Os primeiros so geralmentedefensores e os segundos, crticos da tecnologia.3 Ortega y Gasset, um dos primeiros autores a refletir sobre a tcnica, observou que o homem no se limita a ade-quar-se natureza, mas adapta a natureza a suas necessidades ou propsitos, criando o suprfluo (cf. Ortega y Gasset,1965). De resto, a tcnica talvez responda a uma inclinao do organismo a poupar esforos desnecessrios (cf.Ladrire, 1979, p. 84).

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    1. A perspectiva analtica de Mario Bunge4

    Adotando uma distino do historiador Lewis Mumford, Bunge entende por tcnica ocontrole ou a transformao da natureza pelo homem, o qual faz uso de conhecimentospr-cientficos. A tecnologia, por sua vez, consiste na tcnica de base cientfica, numsentido que precisaremos mais adiante.

    Quer se trate de tcnica quer de tecnologia, o que est em jogo uma atividadeconsistente naproduo de algo artificial, de um arte-fato. O artefato no precisa sertodavia uma coisa (por exemplo, uma bicicleta, ou um remdio), podendo tratar-setambm da modificao do estado de um sistema natural (por exemplo, desviar ou re-presar o curso de um rio), ou bem da transformao de um sistema (por exemplo, en-

    sinar algum a ler). Em todos os casos, a ao tcnica uma forma de trabalho, paraBunge opera utilizando recursos naturais (como empregar o crebro prprio pararesolver um problema de maneira metdica, usar troncos de rvore para construir umacabana etc.), transformando-os (produzir tecidos com base no linho, domesticar ani-mais etc.), ou bem reunindo elementos naturais para dar origem a algo indito (sinte-tizar molculas, organizar pessoas numa firma comercial etc.).

    Algo artificial , segundo Bunge, toda coisa, estado ou processo controlado oufeito deliberadamente com ajuda de algum conhecimento aprendido, e utilizvel poroutros (Bunge, 1985a, p. 33-4). Ou tambm pode dizer-se que: Um sistema concreto

    (material) um artefato se, e somente se, cada um dos seus estados depende de estadosprvios ou concomitantes de algum ser racional (Bunge, 1985b, p. 223).Cabe observar que o artefato pode eventualmente ser algo social, como quan-

    do se organiza uma equipe esportiva, pode tratar-se do resultado de um servio (porexemplo, a cura de pacientes) e, finalmente, pode consistir em algo julgado como ne-gativo (como as armas atmicas).

    Alm da noo de artefato, a tcnica e a tecnologia caracterizam-se pela existn-cia de umaplanificao, ainda que mnima. Tcnica e tecnologia supem um objetivopreciso. O artefato concebido (antecipado), e se procura sistematicamente os meios

    de produzi-lo. Para tanto, a tcnica, como a tecnologia, supem conhecimentos, j dis-ponveis ou novos. A tcnica serve-se do saber vulgar tradicional, eventualmente im-pregnado de saber cientfico que no reconhecido como tal. A tecnologia recorre expli-citamente ao saber cientfico (dados, leis, teorias), de um modo que ainda iremosespecificar. Para a produo tcnica ou tecnolgica os elementos so vistos como recur-

    4Bunge bem conhecido como filsofo da cincia. Ensinou na McGill University (Canad). Na sua vasta produo,destaca-se o Treatise on basic philosophyem 8 volumes.

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    sos, no sendo apreciados apenas pelas suas qualidades inerentes.5 Tcnica e tecnologiaimplicam, portanto, valores (na forma genrica de que tal coisa til ou adequada paratal outra). Finalmente, a produo tcnica ou tecnolgica contm regras, ou seja, ins-trues para realizar um nmero finito de atos numa ordem dada e com um objetivotambm dado, constituindo assim normas estveis do comportamento humano comsucesso (Bunge, 1969, p. 694). Sem elas, nenhum artefato funcionaria ou seria utili-zvel por outros, como estabelece a sua definio. No entanto, as regras so necess-rias sobretudo porque o objeto artificial deve ser eficiente, desempenhando a sua fun-o da maneira mais econmica possvel.6 Por conseguinte, o esquema geral da aotcnica :

    Se h de se conseguiryno momento t com probabilidadep, ento deve fazer-sex no momento t (Bunge, 1969, p. 703).

    Assim analisada, a ao tcnica , essencialmente, ao racional orientada a ga-rantir, poder-se-ia dizer, seu prprio sucesso.

    Se a tcnica acompanhou (e possibilitou) o desenvolvimento da humanidade aolongo da maior parte da histria, o surgimento da tecnologia foi condio de uma ace-lerao do progresso humano. Isso se deve a que a inovao , dentro da tcnica pr-cientfica, um processo dificultado pela inrcia da vida tradicional. Comenta Bunge:

    A prxis, a menos que seja guiada pela pesquisa cientfica, extremadamente limita-da e conservadora (Bunge, 1985b, p. 311). Desde um ponto de vista sistemtico, atecnologia surge na medida em que, ou bem se indaga a fundamentao terica dasregras tcnicas, ou bem se busca aplicar conhecimentos cientficos soluo de pro-blemas prticos. A tecnologia pode, assim, ser definida como

    O campo de conhecimento relativo ao desenho de artefatos e planificao dasua realizao, operao, ajuste, manuteno e monitoramento luz do conheci-mento cientfico. Ou, resumidamente: o estudo cientfico do artificial (Bunge,

    1985b, p. 231).

    5Para o olhar tecnolgico, afirma Bunge, os objetos, processos e eventos reais se classificam em recursos, produtos(artefatos), e o resto, ou seja, o conjunto das coisas inteis, abrangendo os produtos residuais no reciclveis. Cf.Bunge, 1980, p. 199.6Ao interesse na eficincia e na economia, vinculam-se outras propriedades desejadas do produto tcnico (e par-ticularmente, do tecnolgico), tais como a padronizao, a segurana, a confiabilidade e a rapidez.

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    A caracterizao da tecnologia como campo de conhecimento obedece a que,para Bunge, no existe tecnologia onde o homem se limita a aplicar um saber-fazer, oua servir-se de artefatos sem se perguntar pela sua base terica nem procurar o seu aper-feioamento. Em todo caso, essa a conduta do mero tcnico contemporneo, mas nodo tecnlogo (sendo o engenheiro seu prottipo), cuja atividade sempre em algumamedida terica e criativa. Isso se adverte melhor considerando o aspecto que assu-mem, no caso da tecnologia, as caratersticas gerais da tcnica antes mencionadas.

    O carter deliberado da inveno tcnica reforado na tecnologia, que supe odesenho e aplanificao metdicos do artefato a ser produzido.O desenho (ou projeto)tecnolgico a representao antecipada de um artefato com o auxlio de algum co-nhecimento cientfico. O seu propsito criarsistemas funcionais, sistemas que de-

    sempenhem efetiva e eficientemente certas funes teis para determinadas pessoas(Bunge, 1985b, p. 226). Entre esses sistemas, destacam-se as mquinas, sistemas noviventes projetados para auxiliar em algum tipo de trabalho. J a planificao consisteem articular uma seqncia de tarefas (ou sub-rotinas) destinadas a alcanar o obje-tivo proposto, que pode ser visto como a modificao introduzida num determinadoestado de um sistema, para que alcance outro estado desejado.

    Em todo caso, o desenho e a planificao tecnolgicos repousam no conhecimen-to cientfico. Trata-se de leis ou fragmentos de teorias que devem ser traduzidas emenunciados nomo-pragmticos, que fundamentam, por sua vez, as regras prticas.

    Num exemplo simples: a lei (enunciado nomolgico) que afirma A gua ferve a 100celsius fundamenta o enunciado nomo-pragmtico Se a gua esquentada a 100 C,ento ela ferve, o qual, por sua vez, fundamenta regras tecnolgicas tais como: Paraferver gua, esquente-a at 100 C, Para evitar que a gua ferva, mantenha-se suatemperatura abaixo de 100 C etc.

    Todavia, a tecnologia no se reduz, para Bunge, utilizao do conhecimentocientfico, mas implica na busca de um conhecimento especfico, o que d origem ateorias tecnolgicas, que podem ser de dois tipos: substantivas, vale dizer aquelas quefornecem conhecimento sobre os objetos da ao (por exemplo, uma teoria sobre o

    vo), ou ainda operativas, isto , aquelas que versam sobre as aes de que depende ofuncionamento dos artefatos (por exemplo, uma teoria das decises timas sobre adistribuio do trnsito areo numa regio). As teorias substantivas so aplicaes deteorias cientficas a situaes reais (a teoria do vo resulta de aplicar a dinmica dosfluidos). As teorias operativas so, por assim dizer, mais diretamente tecnolgicas, poisenfocam desde o incio a ao que se tem em vista, por exemplo, o complexo homem-mquina em situaes aproximadamente reais. Em tais casos, a tecnologia pode com-binar conhecimento ordinrio, elementos das cincias formais e certos conhecimen-tos especializados no cientficos (por exemplo, prticas de pilotagem) com algumas

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    das tecnologias que Bunge denomina gerais (como a teoria da deciso). Mas em con-junto, a tecnologia comparte com a cincia o mtodo, ou seja, a estratgia geral da pes-quisa.7 Por outra parte, a distino entre dois tipos de tecnologia no uma dicotomia:as tecnologias sopredominantemente substantivas ou operativas, conforme o caso.

    Quando uma teoria cientfica aplicada tecnologicamente ou transformada emteoria tecnolgica (por exemplo, a hidrodinmica transformada em hidrulica), re-sulta ao mesmo tempo mais rica e mais pobre que quando funciona dentro da cinciapura, explica Bunge. Ela mais rica desde um ponto de vista prtico, porque em vez delimitar-se a prever o que poder ocorrer em determinadas circunstncias, a teoria ave-rigua o que se deve fazer para modificar o curso dos eventos. Simultaneamente, desdeo ponto de vista conceitual, so teorias mais pobres no sentido de que so menos pro-

    fundas. Geralmente, o tecnlogo se conforma com teorias fenomenolgicas, vale di-zer, aquelas que no penetram (ou no penetram demasiado) no funcionamento in-terno dos sistemas que se pretende modificar, limitando-se a levar em consideraoas variveis externas (cf. Bunge, 1969, p. 685). Com outras palavras, d-se um empo-brecimento conceitual das teorias cientficas no seu uso tecnolgico, pois em funodo seu propsito eminentemente prtico, o tecnlogo geralmente esquematiza e sim-plifica o domnio de que se ocupa.8

    Pela razo antes apontada, entre outras, a tecnologia, para Bunge, no deve serexaltada s custas da cincia pura. No obstante, a tecnologia tem um grande valor,

    pois se a tcnica encarna a ao racional endereada a garantir seu prprio sucesso, atecnologia pode ser vista como a concretizao da ao plenamente racional (cf. Bunge,1969, p. 684; 1985b, p. 239).9 E quanto mais racionais forem o pensamento e a aohumanos, melhor poder ser, em princpio, a sua vida sustenta Bunge, conhecidodefensor da tradio iluminista. Essa convico explica que ele possa classificar comotecnologias atividades tais como a medicina, a administrao ou a pedagogia, confian-do em que todos os problemas prticos humanos possam ser formulados tecnologica-mente, ou ter uma soluo adequada que se fundamente na cincia e na tecnologia.Nesse sentido, o otimismo bungeano chega a supor possvel uma engenharia social,10

    7 Bunge defende a existncia de uma estratgia ou disciplina geral de toda pesquisa, que corresponde ao mtodohipottico-dedutivo descrito em forma mais detalhada em Bunge, 1969, Cap. 1; 1980, Cap. 2.8 No obstante, Bunge adverte que o autntico tecnlogo no evitar as teorias profundas e complexas quandoprometam sucesso. Por exemplo, utilizar a teoria quntica dos slidos para projetar componentes de equipamen-tos de rdio ou de computadores, e a gentica para obter variedades de milho de maior rendimento (Bunge, 1980,p. 194).9Por tal razo, a filosofia da tecnologia deve prolongar-se numa tecno-praxiologia, ramo da reflexo filosfica pos-tulado por Bunge para estudar sistematicamente a ao guiada pela tecnologia (cf. Bunge, 1980, p. 205).10 A expresso, como notrio, foi usada j por K. Popper.

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    base de polticas sociais progressistas. Uma tal engenharia consistiria em colocar to-dos os recursos cientficos possveis (principalmente, bvio, cientfico-sociais) aoservio de problemas tais como a escassez de recursos, a fome, a superpopulao, acriminalidade, o militarismo etc. (cf. Bunge, 1985b, p. 286). A engenharia social, paraser efetiva, deveria ser sistmica (e no fragmentria),11 produzida por equipes inter-disciplinares e discutida democraticamente.

    O que acaba de ser dito no significa que Bunge acredite que a tecnologia seja outenha sido sempre benfica. Indiscutivelmente, o desenvolvimento tecnolgico temcausado inmeros males e problemas, posto que at as invenes vistas como positivascomportam circunstancialmente conseqncias negativas.12 Como depende em suaproduo e controle dos seres humanos (Bunge rejeita a idia de que seja autnoma), a

    tecnologia est assim sujeita aos mais variados interesses e propsitos. Muitos dos ex-cessos e extravios da tecnologia so para ele derivados do cdigo moral nela implcito.Trata-se de um cdigo que separa o homem do resto da natureza, autorizando-o a sub-met-la e isentando-o de responsabilidades (cf. Bunge, 1980, p. 203). Ele consideraparticularmente nefasta a noo, to difundida, de que a tecnologia seja axiologica-mente neutra. Para combat-la, Bunge defende uma tica que aponte as responsabili-dades naturais e sociais da inovao tecnolgica. E, sobretudo, defende a necessidadede uma democracia integral, participativa e cooperativa (holotecnodemocracia), emque o desenvolvimento tecnolgico pudesse estar verdadeiramente a servio de todos

    (cf. Bunge, 1989).

    2. A abordagem fenomenolgica de Albert Borgmann

    Para Borgmann,13 tecnologia no designa uma forma de tcnica, mais evoluda e po-tente graas sua associao com a cincia, como no caso de Bunge, mas um modo devida prprio da Modernidade. A tecnologia o modo tipicamente moderno de o ho-mem lidar com o mundo, um paradigma ou padro caraterstico e limitador da

    existncia, intrnseco vida quotidiana. To intrnseco que ele passa, por isso mesmo,despercebido. No entanto, o surgimento e o poder desse padro constituem para Borg-mann o evento de maiores conseqncias do perodo moderno, estando seu livro

    11 Bunge um notrio defensor do enfoque sistmico em cincia e filosofia.12 O automvel aumentou enormemente a poluio ambiental e reforou o individualismo; a revoluo verdeampliou a distncia entre pobres e ricos; a televiso torna as crianas passivas etc. (os exemplos so de Bunge).13 Borgmann professor da Universidade de Montana (EUA), e autor de outras obras como Crossing the postmoderndivide (1992)eHolding on to reality: the nature of information and the turn of the millennium (1999).

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    dedicado a explor-lo fenomenologicamente, bem como a propor um princpio de so-luo para o problema que a tecnologia representa (cf. Borgmann, 1984, p. 1).

    A escolha do enfoque fenomenolgico (lato sensu) por parte de Borgmann deve-se sua convico de que outros enfoques perdem de vista (ou no reconhecem) a espe-cificidade da tecnologia. As teorias instrumentais (isto , aquelas que vem a tecnologiacomo um meio ao servio dos propsitos humanos) so para Borgmann superficiais, eas teorias substancialistas (as que acreditam que a tecnologia seja autnoma) deixamobscuro, na sua opinio, o carter da tecnologia. Existem, ainda, teorias pluralistas,que insistem na multiplicidade de fatores a que responde a tecnologia, porm a aten-o para essa multiplicidade faz que percam de vista o esquema bsico que d sentidoao conjunto. A anlise da tecnologia por parte das cincias sociais, por sua vez, lhe pa-

    rece inconclusiva, pois a complexidade dos fenmenos sociais, em que a tecnologiaest inserida, faz que toda teoria seja, apesar de precisa (e justamente por isso), amb-gua. O estudo fenomenolgico, destinado a mostraro seu objeto, deve, no entanto, sertestado e elaborado contra o trabalho pertinente em filosofia e, especialmente, emcincias sociais (Borgmann, 1984, p. 5).14

    Para Borgmann, a tecnologia e os seus problemas nunca sero compreendidosenquanto forem considerados como conseqncias de fatores sociais, polticos ou eco-lgicos. Deve-se reconhecer na tecnologia um fenmeno bsico, que tem sua chave naexistncia dos dispositivos (devices) que nos fornecemprodutos (commodities), ou seja,

    bens e servios, quer se trate do aquecedor eltrico, que nos d calor, do automvel,que nos permite deslocamento rpido e relativamente livre, ou do aparelho de televi-so, que pe ao nosso alcance informao e diverso. Como veremos, noo de dis-positivo se ope a noo de coisa, sendo os dispositivos e as coisas os paradigmas deduas formas diferentes de vida humana; contraste atravs do qual Borgmann aspira amostrar a verdadeira ndole da tecnologia.

    Os dispositivos so essencialmente um meio (algo-para),15 sendo necessrio dis-tinguir ainda entre a maquinaria do dispositivio e a sua funo. Ao passo que esta lti-ma conhecida do usurio, a primeira geralmente incompreendida e at incom-

    preensvel para ele (pensemos, por exemplo, na ignorncia com relao maquinaria

    14 Explicar, afirma Borgmann, fornecer compreenso. As cincias naturais explicam apoditicamente, isto , apartir de leis e condies iniciais ou de contorno. Tambm o fazem as cincias sociais. Ambas, no entanto, carecemde poder para determinar o que relevante para ser explicado. Isto deve ser explicado de outra maneira, ditica(mostrativa). Uma terceira forma de explicao a paradigmtica, isto , a que revela um padro que d sentido aum determinado mbito de objetos e eventos. O enfoque escolhido por Borgmann para tratar da tecnologia combinao segundo e o terceiro modos de explicao. Cf. Borgmann, 1984, cap. 12.15A influncia de Heidegger (Sein und Zeit,1967) nesta anlise de Borgmann evidente.

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    de um computador, ainda que saibamos us-lo bem). Mediante a sua funo, um dis-positivo nos alivia (disburdens) de um esforo, nos liberta de um peso, resolve al-guma dificuldade. Por outra parte, diferentes dispositivos podem nos fornecer o mes-mo produto (podemos nos aquecer mediante diversos tipos de sistemas), vale dizerque os dispositivos tm equivalentes funcionais. Sobretudo, o dispositivo caracteriza-se por tornar disponvel o produto correspondente. Essa disponibilidade significa queos produtos podem ser consumidos de maneira instantnea, ubqua, segura e fcil. Bastalembrar o alvio de satisfazer qualquer necessidade (de luz, de msica, de informao)apenas apertando um boto de aparelhos que esto sempre mo. A disponibilidadeencerra ainda outras caratersticas, como se pode apreciar na seguinte citao:

    Uma forma de tornar disponveis os produtos torn-los descartveis. No ape-nas desnecessrio, mas impossvel manter e reparar guardanapos de papel, latasde conserva, canetas esferogrficas ou qualquer outro produto destinado a serusado uma vez. Outro modo da disponibilidade tornar desnecessrio o cuidadodos produtos. Os talheres de ao inoxidvel no requerem polimento, os pratosde plstico no precisam ser manipulados com cuidado. Em outros casos, a ma-nuteno e a reparao tornam-se impossveis por causa da sofisticao do pro-duto [...] os microcomputadores esto sendo usados cada vez mais porque vo setornando amigveis, isto , fceis de operar e compreender. Mas esse carter

    amigvel precisamente o sinal do quanto se tem tornado grande o hiato entrea funo acessvel a todos e a maquinaria conhecida por quase ningum...(Borgmann, 1984, p. 47).

    Os produtos e seu consumo constituem a meta declarada do empreendimentotecnolgico, assegura Borgmann. Essa meta foi proposta pela primeira vez no incioda Modernidade, como expectativa de que o homem poderia dominar a natureza. Noentanto, essa expectativa, convertida em programa anunciado por pensadores comoDescartes e Bacon e impulsionado pelo Iluminismo, no surgiu de um prazer de po-

    der, de um mero imperialismo humano, mas da aspirao de libertaro homem (dafome, da insegurana, da dor, da labuta) e de enriquecersua vida, fsica e culturalmente.Sem levar em considerao esse af de libertao no se pode entender o padro datecnologia que, maneira de um molde, foi dando forma sociedade humana nos pasesindustrialmente desenvolvidos. No basta, portanto, para entender a tecnologia, atentarpara o seu aspecto de natureza dominada, nem sua associao com a cincia. O avanocientfico e a sua aplicao a finalidades prticas so imprescindveis para que exista amaioria das invenes tecnolgicas, mas a cincia, por si mesma, no pode fornecer-lhe um rumo nem explicar por que a tecnologia tem chegado a ser um modo de vida.

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    Esse modo de vida implica a tendncia a reduzir todo e qualquer problema a umaquesto de relao entre meios e fins. Reciprocamente, o mundo dos dispositivos ummundo de meros meios, sem fins ltimos, o que constitui uma novidade na histriahumana. Isto muito importante para se entender, segundo Borgmann, a diferenaentre a tcnica tradicional e a tecnologia. Ao passo que na tcnica toda relao meio-fim estava inserida em um contexto (social, cultural, ecolgico), na tecnologia a relaomeio-fim vale universalmente, com independncia dos contextos concretos. Enquantoa lareira tradicional, ainda que sendo um meio para aquecer o lar, estava inserida natrama de relaes entre os membros da famlia, supunha o trabalho necessrio paraacend-la e mant-la, e incentivava a reunio da famlia e o cultivo dos costumes, oaquecedor moderno se reduz sua funo de fornecer calor, no importa para quem,

    nem em quais circunstncias. Os dispositivos carecem de contexto, podendo ser usa-dos para (relativamente) diversos fins e combinados entre si sem muitas restries.Os dispositivos so assim ambguos. Em correspondncia com essas propriedades dosdispositivos, a nossa relao para com eles defalta de compromisso (engagement).16

    Em nenhum aspecto da nossa vida tudo isso mais evidente comenta Borgmann do que na propaganda, ou seja, no apelo constante e sistemtico ao consumo de dis-positivos. Estes ltimos aparecem na propaganda nas mais inslitas combinaes (car-ros associados a obras de arte, paisagens acompanhadas de msicas, smbolos religio-sos misturados a figuras sensuais etc.), o que acentua asuperficialidade dos dispositivos.

    Na propaganda, eles como que se escondem, deixando-nos face aos produtos de queso veculos, e com os quais somos continuamente tentados. De resto, para Borgmann,a propaganda no cria a cultura de consumidores, mas a regula e a pe de relevo.

    [...] o universo da propaganda inteiramente um universo de produtos e consu-mo. Ela destila o aspecto frontal da tecnologia em forma ideal e assim apresenta olado tcnico e distintivo da nossa poca. Deste modo, ela superou a arte como aapresentao arquetpica daquilo de que trata a nossa poca. Na propaganda, apromessa da tecnologia apresentada ao mesmo tempo em pureza e concreta-

    mente, e, portanto, da maneira mais atraente. Problemas e ameaas entram ape-nas como pano de fundo para destacar as benes da tecnologia. Assim, nos en-contramos definidos arquetipicamente nas propagandas. Elas fornecem uma foraestabilizadora e orientadora na complexidade da sociedade tecnolgica ainda emdesenvolvimento (Borgmann, 1984, p. 55).

    16 Essa falta de compromisso se evidencia, por exemplo, na facilidade com que substitumos um artifcio que nomais funciona (ou no mais est na moda) por um outro equivalente, ou melhor.

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    Mas e isto o decisivo o consumo universal de produtos a realizao dapromessa da tecnologia. O sonho de uma vida humana menos penosa e mais rica tem-setransformado numa cultura que visa apenas o lazer derivado de consumir cada vez maisprodutos tecnolgicos. A vida dentro do paradigma da tecnologia resulta sem rumoe, no entanto, impositiva.

    Todas as caratersticas antes descritas da vida no paradigma do dispositivo (de-vice paradigm) ressaltam quando consideramos, por contraste, o que so as coisas quepodem focar ou centrar a nossa existncia, as coisas e prticas focais.

    A palavra latina focus significa a lareira, o lugar do fogo [...] numa casa pr-tecnolgica, a lareira constitua um centro de calor, de luz, de prticas dirias.

    Para os romanos, o focus era sagrado, o lugar onde residiam os deuses do lar. NaGrcia antiga, um beb era verdadeiramente incorporado famlia e casa quan-do era transportado em torno da lareira e colocado diante dela. A unio de ummatrimnio romano era santificada na lareira. E ao menos nas pocas primiti-vas, os mortos eram enterrados junto lareira. A famlia comia junto lareira efazia sacrifcios aos deuses do lar antes e depois da comida. A lareira sustentava,ordenava e centrava a casa e a famlia. [...] [hoje] a lareira amide tem uma loca-lizao central na casa. Seu fogo agora simblico, dado que raramente fornecesuficiente calor. Mas a irradiao, os sons e a fragrncia do fogo vivo consumindo

    lenhos que so quebrados, amontoados e sentidos nas suas veias tm retido a suafora. No h mais imagens dos deuses ancestrais situadas junto ao fogo, mas hamide fotografias de entes queridos sobre a lareira, coisas preciosas da histriada famlia, ou um relgio, medindo o tempo (Borgmann, 1984, p. 196).

    De maneira anloga, tocar um instrumento musical (melhor, se for em compa-nhia de outras pessoas), caminhar em contato com a natureza relativamente virgem,comer em famlia ou pescar por esporte, constituem outros tantos exemplos de prti-cas focais que dirigem a nossa ateno para coisas (a mesa familiar, o instrumento

    musical, a natureza...) que no so meros meios para determinados fins, seno fins emsi mesmos. Que no so elementos que podem ser colocados ao servio de qualquerpropsito, mas que reservam um propsito prprio. So coisas com que nos com-prometemos e que remetem a um contexto social, cultural e ecolgico. So coisas pro-fundas, vale dizer, coisas cujos traos so todos, ou na sua maioria, significativos. Eso, em resumo, coisas que reconhecemos e respeitamos em seu prprio direito (cf.Borgmann, 1984, p. 193).

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    Certamente, sempre possvel tratar algumas dessas coisas como meros meios:

    Quando olhamos tecnologicamente para uma lareira pr-tecnolgica, separamos

    da plenitude dos seus traos a funo de fornecer calor como a nica e finalmentesignificativa. Todos os outros traos so considerados ento como parte da ma-quinaria e, estando sujeitos lei da eficincia, tornam-se dependentes e indefi-nidamente mutveis. A viso tecnolgica de uma comida revela um agregado desabores, texturas e caratersticas nutritivas. S elas retm significao estvel [...]Analogamente, quando olhamos para uma rvore vemos certa quantidade de ma-deira ou fibra de celulose; os espinhos, os ramos, a cortia e as razes so resdu-os. Uma rocha 5 por cento de metal e o resto lixo. Um animal visto como uma

    mquina que produz tanto de carne. Qualquer uma das suas funes que no ser-ve para esse propsito indiferente ou incmoda (Borgmann, 1984, p. 192).

    E nisso consiste, precisamente, a atitude tecnolgica: em que o universo huma-no perde cada vez mais coisas e prticas focais, para passar a ser constitudo apenaspor dispositivos que se produzem, que se usam ou se consomem. Um universo em queno apenas os objetos naturais (como uma planta) ou artificiais (como um ventilador),mas tambm os objetos sociais e culturais, como o governo ou a educao, so levadosem considerao to somente como meios para fins circunstanciais. Esse universo est

    dividido em dois mbitos: o do labor (labor) e o do lazer, uma diviso que espelha aque-la entre a maquinaria do artifcio e o produto que ele fornece. diferena do trabalho (work) tradicional, que estava inserido numa rede social

    e cultural e que dava sentido vida do homem trabalhador orientando-o na natureza,na cultura e na sociedade, o labor tecnolgico se reduz produo e manuteno dasmaquinarias que fornecem os artifcios. Ou ento, produo de artifcios como meiosde lazer. Este ltimo, diferena do prazer que eleva, refina ou enobrece a vida huma-na (quer se trate de uma leitura, do prazer de uma refeio entre amigos ou da contem-plao de uma bela paisagem), se reduz ao consumo indefinido de produtos tecnol-

    gicos, ficando cada vez mais dissociado de qualquer preocupao com a excelncia davida pessoal.

    A vida conforme o paradigma tecnolgico, continua Borgmann, tem umglamourque explica em parte a sua propagao. A tecnologia, como j foi lembrado, promete-nos alvio de tarefas penosas, esperana de termos uma relao mais rica com o mundograas afluncia de dispositivos; ela responde nossa impacincia com coisas queexigem cuidado e reparao, ao nosso desejo de fornecer a nossos filhos o melhor de-senvolvimento, e vontade de nos afirmarmos na existncia adquirindo bens que ins-piram respeito. Mas tudo isso vai acompanhado de sentimentos de perda, de pena e

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    uma espcie de traio (a um outro tipo de vida), pois as realizaes que representa-vam libertao parecem ser contnuas com a procura de frvola comodidade. D-seinclusive uma sensao de impotncia, pois tudo ocorre como se os instrumentos ti-

    vessem acabado por definir os fins.

    Fins gerais abstratos sade, segurana, comodidade, nutrio, abrigo, mobili-dade, felicidade, e assim por diante tornam-se altamente relativos a instru-mentos. O desejo de se locomover torna-se desejo de possuir um automvel; anecessidade de se comunicar torna-se necessidade de se possuir servio telef-nico; a necessidade de comer torna-se necessidade de uma geladeira, um fogo,e um adequado supermercado (Winner apud Borgmann, 1984, p. 62).

    Embora a sensao do ser humano seja a de estar sutilmente preso ao mundotecnolgico (ainda que no parea mais imaginvel viver sem seus produtos), Borgmannno acha que o homem seja simplesmente arrastado pela tecnologia. J foi menciona-do que Borgmann rejeita as teorias substancialistas. Para ele, o que existe uma certacumplicidade, ou implicao, do homem com a tecnologia (Borgmann, 1984, p. 105).Com outras palavras: temos responsabilidade pela manuteno do modo de vida tecno-lgico, que nos fascina em razo do glamourantes mencionado. verdade que as cir-cunstncias sociais favorecem a manuteno e o progresso da tecnologia como para-

    digma: a desigualdade social os favorece porque cada um aspira a ter o que outros jtm. Mas verdade, aponta Borgmann, que nem sequer a riqueza d ao homem podersobre a tecnologia, pois esta constitui uma cultura, um horizonte em funo do qualso tomadas todas as decises e, nesse sentido, os mais abastados esto to sujeitos aseu padro quanto os mais pobres. Nada disso implica para Borgmann a crena de quea tecnologia constitua uma fatalidade.

    As tentativas de diagnosticar e corrigir o rumo da sociedade tecnolgica sofrem,para nosso autor, do defeito de pressupor aquilo que querem emendar. Para comear, apromessa da tecnologia est em consonncia com os ideais de liberdade, igualdade e

    auto-realizao prprios da democracia liberal, a qual foi sendo conquistada de acor-do com o paradigma tecnolgico. A poltica funciona, para Borgmann, como meta-dispositivo (meta-device) da sociedade tecnolgica. E as teorias filosficas sobre a so-ciedade justa (como as de J. Rawls e J. Habermas), ao deixarem de lado a questo davida boa para limitarem-se a fundamentar a justia, subestimam a singularidade darelao meios-fins no paradigma tecnolgico e ignoram o quanto dependem dele (cf.Borgmann, 1984, p. 95 e ss.).

    A anlise da tecnologia est, no livro de Borgmann, em funo de uma propostade reforma, que no deve ser entendida como reforma na tecnologia, mas como reforma

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    da tecnologia. Uma reforma que parta do reconhecimento do paradigma da tecnolo-gia e da importncia daquilo que ele vai nos fazendo perder: coisas e prticas focais.

    A argumentao em favor de uma tal reforma no pode ser demonstrativa, maneiradas cincias, nem tampouco paradigmtica, como o foi a descrio do paradigma tec-nolgico, mas ditica ou mostrativa, baseada naquelas experincias de coisas quepossuem valor e direito de existir em si mesmas (e no como meros meios) e no teste-munho que se pode dar delas. A explicao ditica no concludente (cogent), mas ape-lativa, e pode ser sempre contestada (cf. Borgmann, 1984, cap. 21). Conforme a tradi-o fenomenolgica,17 Borgmann espera que as suas palavras despertem no leitor aexperincia, a lembrana e o desejo daquelas coisas e prticas que podem centrar eorientar a vida humana, convencendo-se assim da necessidade e possibilidade de se

    contrapor tendncia do universo tecnolgico.A reforma proposta apela expressamente para restabelecer a importncia daquesto da vida boa, aparentemente eliminada na tecnologia (ou melhor, resolvida aseu modo) e contornada pelas teorias ticas liberais. Sem considerar o que pode darnobreza, dignidade, excelncia vida humana, no h, segundo Borgmann, possibili-dade de justificar qualquer ao face ao imprio da tecnologia. Se este ltimo o mbi-to da extenso indefinida dos meros meios, do labor que conduz ao consumo, da rela-o no engajada com os artifcios, a reforma deve orientar-se pelo restabelecimentodaquelas experincias que podem constituir-se emfins em si mesmas para as pessoas e

    comunidades. A cultura da mesa, o caminhar, a pesca, a prtica da msica, as festas, avivncia da natureza ainda intocada etc., so exemplos de interesses focais (focalconcerns) a serem recuperados. Essa recuperao no significa rejeitar de forma gen-rica a tecnologia (coisa, por outro lado, impossvel), mas reduzi-la condio das pr-ticas focais. Uma prtica focal gera uma atitude inteligente e seletiva para com atecnologia. Ela conduz a uma simplificao e perfeio da tecnologia contra o pano defundo do interesse focal da pessoa, e a um uso reflexivo dos produtos tecnolgicos nocentro da prtica da pessoa. Assim, um homem pode gostar de correr,

    [...] mas ele no vai correndo a todo lugar aonde quer ir. Para ir trabalhar, eledirige um carro. Ele depende desse artefato tecnolgico e de toda a correspon-dente maquinaria de produo, servio, recursos e estradas. Certamente... irquerer que o carro seja um artefato tecnolgico to perfeito quanto seja possvel:seguro, confivel, fcil de operar, livre de manuteno. Dado que os corredores

    17O fenomenlogo Max Scheler disse, em algum lugar, que um escrito fenomenolgico um convite a olhar numacerta direo, a fim de enxergar o que o autor descreve.

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    desfrutam profundamente do ar, das rvores, e dos espaos abertos que tornamagradvel sua corrida, e dado que o vigor e a sade humanos so essenciais paraseu empreendimento, seria coerente da parte deles querer um carro benigno para

    o ambiente, que seja livre de poluio e que requeira um mnimo de recursospara a sua produo e operao. Dado que os corredores se expressam mediante acorrida, eles no iriam necessitar do brilho, do tamanho ou da novidade em seusveculos. [...] Os corredores apreciam calados que sejam leves, firmes e que ab-sorvam o impacto. Este tipo de calado permite que a pessoa se mova mais rapi-damente, que v mais longe e mais fluidamente. Mas os corredores no iriamquerer ter esses movimentos mediante uma motocicleta, nem iriam querer,tampouco, meramente obter o benefcio fisiolgico de tal movimento corporal

    mediante uma esteira rolante (Borgmann, 1984, p. 221).

    De maneira anloga, possvel conceber uma utilizao da tecnologia e dos seusaperfeioamentos, na medida em que permita e favorea qualquer prtica focal quetenhamos escolhido. Vista assim, a tecnologia reala o carter de tais prticas, em vezde soterr-las, como acontece quando se vive em cumplicidade com ela.

    O princpio da reforma proposta por Borgmann consiste, pois, em elevar os as-suntos de interesse focal a fins em relao aos quais todos os recursos tecnolgicos someios. Isso pode e deve fazer-se no apenas em nvel pessoal e familiar, mas tambm

    em nvel da comunidade nacional, e em funo de conceber a vida boa como umavida de excelncia definida, no pela posse de dispositivos ou o consumo de produtos(em resumo, pelo padro de vida), mas pela qualidade de vida. Esta ltima no semede pela afluncia material, mas pela riqueza de engajamento de que os seres humanossejam capazes. Em nvel social, a proposta de Borgmann inclui sugestes de reformaseconmicas que fomentem a indstria de pequeno porte, labor-intensiva (a qualpermitiria recuperar a funo dignificadora do trabalho), remodelao das cidades,resgatando espaos para usos focais, bem como a expectativa de que, se a sua mensa-gem for compreendida, os cidados iro se sensibilizar para a questo da justia social.

    Isto significa que a reduo do consumo por parte daqueles empenhados em levar umavida orientada pelas coisas e no pelos artifcios tecnolgicos, iria acompanhada pelavontade de que a situao material da classe baixa (e dos povos mais pobres) fosse me-lhorada, a fim de que todos pudessem ter a oportunidade de viver uma vida com senti-do (cf. Borgmann, 1984, p. 244 e ss.).

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    3. A perspectiva crtica de Abdrew Feenberg

    Um terceiro enfoque da tecnologia est representado pela obra de Feenberg, Transfor-ming technology(2002).18 O autor prope uma interpretao da tecnologia que, como ade Borgmann porm por diferentes razes, rejeita tanto a viso instrumentalista quantoa substancialista. Trata-se de um enfoque que prolonga as anlises da Escola de Frank-furt (em particular, Marcuse), aspirando a reconstruir a idia de socialismo com basenuma radical filosofia da tecnologia.

    A tecnologia, concorda Feenberg, um fenmeno tipicamente moderno. Maisainda, ela constitui a estrutura material da Modernidade. Mas a tecnologia, no argu-mento do autor, no um mero instrumento neutro, pois ela encarna valores anti-

    democrticos provenientes da sua vinculao com o capitalismo e manifestos numacultura de empresrios, que enxerga o mundo em termos de controle, eficincia (me-dida pelo proveito alcanado) e recursos. Os valores e interesses das classes dominan-tes esto inscritos no prprio desenho dos procedimentos e mquinas, bem como nasdecises que os originam e mantm. Por outro lado, a tecnologia no constitui umaentidade autnoma nem um destino.19 A conquista da natureza que ela encarna no um evento metafsico (como quer Heidegger, 1997 [1954]), mas comea como do-minao social. O controle da natureza indissocivel do controle de seres humanospor outros, o que se traduz em fenmenos tambm tpicos da nossa poca, como a de-

    gradao do trabalho, da educao e do meio ambiente. Por ser a manifestao de umaracionalidade poltica, a tecnologia no pode ser modificada mediante reformas moraisou atitudes espirituais (como quer Borgmann, por exemplo). O que se requer umamodificao cultural proveniente de avanos democrticos. Feenberg defende uma po-sio no determinista, cujas teses bsicas seriam:

    1. O desenvolvimento tecnolgico est sobre-determinado tanto por critrios tc-nicos quanto sociais de progresso, podendo, por conseguinte, bifurcar-se emqualquer uma de diversas direes, conforme a hegemonia que prevalecer.

    2. Enquanto as instituies sociais se adaptam ao desenvolvimento tecnolgico,o processo de adaptao recproco, e a tecnologia muda em resposta s condi-es em que se encontra tanto quanto ela as influencia (Feenberg, 2002, p. 143).

    18Edio revisada de Critical theory of technology(1991). Feenberg professor da Universidade de So Diego (EUA)e autor deAlternative modernity: the technical turn in philosophy and social science (1995)e estudos sobre Marcuse eHeidegger.19 Ela , antes, um processo ambivalente de desenvolvimento, suspenso entre diferentes possibilidades, e umcenrio de luta (Feenberg, 2002, p. 15).

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    Um elemento crucial para se empreender a modificao da tecnologia consisteem reconhecer a distino bsica entre os que comandam e os que obedecem nestacivilizao tecnolgica, em que o poder tecnolgico tornou-se a principal forma de po-der, substituindo as formas baseadas antigamente em outras justificaes, como o nas-cimento ou a religio.20 O poder , por sua vez, exercido em forma de administrao ede controle estratgico das atividades sociais e pessoais. Feenberg destaca, desde o in-cio de sua anlise, a autonomia operacional dos administradores (capitalistas e tecno-cratas), isto , a sua liberdade para tomar decises independentes sem considerar osinteresses dos agentes subordinados nem da comunidade, ignorando tambm as con-seqncias ambientais. Para alm dos objetivos circunstanciais, a autonomia opera-cional tem como meta-objetivo a sua indefinida preservao, o que garantido pela

    racionalidade intrnseca tecnologia, uma racionalidade que se ampara no carter apa-rentemente absoluto da justificao pela eficincia.Com efeito, as decises tecnolgicas parecem adotadas em funo da eficin-

    cia, que o valor caracterstico dessa dimenso da vida humana. No entanto, o critriode eficincia no basta para determinar o desenvolvimento tecnolgico, pois a prpriaeficincia pode ser diferentemente definida conforme diversos interesses sociais.Os objetos tcnicos so tambm objetos sociais e o desenvolvimento tecnolgico um cenrio de luta social. Comparando o desenvolvimento tecnolgico com o uso dalinguagem, em que a gramtica condiciona o significado, mas no decide o propsito,

    Feenberg afirma que existe um cdigo social da tecnologia, que associa eficincia epropsito.21

    Naturalmente, as partes de uma inveno, tal como a linha de montagem, tmuma coerncia tcnica prpria que no depende em absoluto da poltica ou derelaes de classe. A tecnologia no se reduz, neste exemplo, a relaes de pro-duo, nem o conhecimento tcnico a ideologia. O primeiro termo em cada umdesses pares tem a sua prpria lgica; a tecnologia deve realmentefuncionar. Masno meramente porque um artefato funciona que escolhido para o desenvol-

    vimento em vez de outras configuraes igualmente coerentes de elementos

    20 Na sua anlise do poder social, Feenberg combina idias de Certeau, Marcuse e Foucault.21Reciprocamente, pode-se falar do cdigo tcnico de um sistema social como o capitalismo. O cdigo, ou seja,os padres de organizao dos elementos, responde ao imperativo de hegemonia do capitalismo. Tratar-se-ia de umcaso do que Feenberg denomina distoro formal (formal bias), vale dizer, aquela que no se reconhece nos ele-mentos combinados, mas na sua combinao. No caso das realizaes tecnolgicas, a distoro que apresenta comoneutro o que ideolgico s pode ser denunciada revelando o contexto e a evoluo histrica. Esse o propsitoda Teoria Crtica. Cf. Feenberg, 2002, p. 82.

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    tcnicos. O carter social da tecnologia reside no na lgica do seu funcionamen-to interno, mas na relao dessa lgica com um contexto social. [...] A linha demontagem to somente aparece como um progresso tcnico porque estende a

    classe de racionalidade administrativa de que o capitalismo j depende. Poderiano ser percebida como um avano no contexto de uma economia baseada emcooperativas de operrios em que a disciplina de trabalho fosse auto-imposta emvez de imposta desde cima (Feenberg, 2002, p. 79).

    Sob o cdigo tcnico do capitalismo, a eficincia tem como mais importantemedida o lucro, que se realiza por meio da venda de mercadorias. A ele se subordinatoda outra considerao e por ele so ignoradas outras preocupaes (como a qualida-

    de de vida, a educao, a justia social ou a proteo do meio ambiente), reduzidas ameras externalidades.22Mas a eficincia poderia ser diferentemente concebida numoutro cdigo social que respondesse a exigncias da vida humana hoje no realizadas eque aparecem em forma de reivindicaes econmicas e morais (igualdade de oportu-nidades, proteo aos descapacitados, satisfao no trabalho, direito ao lazer...). Pro-cedimentos e artefatos eficientes no precisam fazer abstrao de tudo quanto no serefira ao lucro, ao poder, ao consumo e ao padro de vida.

    O capitalismo (e o socialismo burocrtico), sustenta Feenberg, fomenta realiza-es tecnolgicas que reforam as estruturas sociais hierrquicas e centralizadas e, de

    modo geral, o controle desde cima, em todos os setores da vida humana: trabalho,educao, medicina, lei, esportes, meios de comunicao etc. Existe, em resumo, umamediao tcnica generalizada, ao servio de interesses privilegiados, que reduz emtodas as partes, em nome da eficincia, as possibilidades humanas, impondo em todolugar, como medidas bvias, a disciplina, a vigilncia, a padronizao. Reciprocamente,a mediao de determinados interesses sociais faz que as realizaes tecnolgicas sejamatualmente abstratas e descontextualizadas. Trata-se de objetos e procedimentos queno parecem pertencer a nenhum mundo cultural em especial, e de sujeitos que secompreendem a si mesmos pela sua funo e se acreditam livres de responsabilidade

    quanto s conseqncias das suas atividades. So esses, argumenta Feenberg, momen-tos tpicos da reificao social que a tecnologia representa (cf. Feenberg, 2002, p. 178).

    No entanto, na opinio de Feenberg, precisamente a percepo (sempre poss-vel) dessas limitaes e deformaes (e as correspondentespotencialidades suprimidas)

    22 O acrscimo de eficincia, nos moldes atuais, no raramente exige a descapacitao do operrio, reduzido aapndice de mquinas ou processos, ou at mesmo a sua absoluta substituio pelas maquinarias automatizadas. Aeducao reduz-se a um investimento, conforme as exigncias do mercado, e assim por diante.

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    o que pode estimular movimentos polticos transformadores. Essa esperana do autorfundamenta-se no fato de que a hegemonia do cdigo tcnico do capitalismo nopode impedir que haja iniciativas contrrias. Feenberg afirma que a sociedade podeser comparada, no apenas a uma mquina, mas a um jogo, e que desde este ponto de

    vista, as estratgias de domnio que preservam a autonomia operacional so contes-tadas por tticas dos dominados que aproveitam suas margens de manobra.

    Assim como a autonomia operacional serve como a base estrutural da domina-o, um diferente tipo de autonomia conquistado pelos dominados, uma auto-nomia que opera com o jogo no sistema para redefinir e modificar suas formas,ritmos e propsitos. Denomino margem de manobra essa autonomia reativa.

    Pode ser usada para uma diversidade de propsitos em organizaes tecnicamentemediadas, incluindo controlar a marcha do trabalho, proteger colegas, improvi-saes produtivas no autorizadas, inovaes e racionalizaes informais, e as-sim por diante (Feenberg, 2002, p. 84).

    Do mesmo modo como as tticas contestadoras so possveis porque a evoluoda tecnologia no pode ser absolutamente controlada, o resultado da contestaotampouco pode ser previsto. s vezes, os resultados das tticas dos dominados soreabsorvidos pela lgica dominante. Outras vezes, no entanto, as modificaes podem

    se estabelecer.23

    A contestao do rumo autoritrio da tecnologia no seria possvel,no entanto, se a tecnologia no fosse ambivalente, podendo ser instrumentalizada emfuno de diferentes projetos polticos. Como argumenta Feenberg, a tecnologia emgrande medida um produto cultural e, assim, toda ordem tecnolgica um ponto departida potencial para desenvolvimentos divergentes, conforme o ambiente culturalque lhe d forma. Mais ainda, para ele, possvel perceber na tecnologia uma duplainstrumentalizao que sugere a possibilidade de que ela venha a ter um diferenterumo. A tecnologia constitui basicamente uma atitude ou orientao com relao rea-lidade (instrumentalizao primria). No entanto, ela tambm um modo de ao ou

    realizao no mundo social. A essncia da tecnologia reside na unio (dialtica) en-tre ambos nveis de instrumentalizao (cf. Feenberg, 2002, p. 175).24

    23 Feenberg exemplifica as possibilidades de um outro desenvolvimento da tecnologia, analisando o computador(instrumento de controle ou de comunicao) e propondo a cidade (lugar do dilogo), e no a fbrica (servida pelaautomao), como modelos de uma educao estimulada pelos avanos tecnolgicos. Cf. Feenberg, 2002, cap. 4 e 5.24 Um serrote, como instrumento tcnico, no existe sem a atividade de serrar, ou a carpintaria, como atitude hu-mana. No entanto, a forma concreta de um serrote particular, sem valor simblico etc., no se compreende apenaspela sua funo (considerada em abstrato), mas pelo contexto sociocultural. Cf. Feenberg, 2002, cap. 4 e 5.

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    A mudana social sugerida necessita, certamente, de critrios de progresso emdireo da realizao humana. Feenberg os resgata da tradio humanista, enten-dendo que a sociedade progride na medida em que aumenta a capacidade das pessoaspara assumir responsabilidade poltica, em que se fomenta a universalidade do serhumano (contra toda forma de discriminao), em que se permite a liberdade de pen-samento, em que se respeita a individualidade e se estimula a criatividade (cf. Feenberg,2002, p. 19-20).

    Ora, essa transformao orientar-se-ia para que tipo de sociedade? Assumindoa lio histrica representada pelo fracasso dos sistemas comunistas (especialmente,em termos de eficincia econmica, assim como em promover a democracia), mas aten-to tambm desconfiana de economistas (como J. Stiglitz) com relao economia de

    mercado, Feenberg prope uma nova noo de socialismo como meta de uma transfor-mao cultural. Retomando criticamente as idias de Marx e da Escola de Frankfurt,nosso autor prope interpretar o socialismo como no apenas uma questo poltica, ouuma etapa a ser alcanada mediante uma revoluo, entendida como episdio histri-co, mas como uma transio gradual para outro tipo de civilizao em que se desenvol-

    vam determinadas potencialidades humanas hoje negadas.O socialismo significaria uma sociedade que privilegia bens especficos que no

    so de mercado e emprega uma regulao e uma propriedade pblicas substancialmentemais extensas que as existentes nas sociedades capitalistas para obt-los. Um tal so-

    cialismo no estaria em imediata oposio ao capitalismo, mas representaria umapossvel evoluo a partir dos atuais estados de bem-estar social.

    A transio para o socialismo pode ser identificada pela presena de fenmenosque, tomados separadamente, parecem economicamente irracionais ou admi-nistrativamente no efetivos desde o ponto de vista da racionalidade tecnolgicacapitalista, mas que juntos iniciam um processo de mudana civilizatria(Feenberg, 2002, p. 148).

    Feenberg cita como exemplos de medidas que poderiam pr em movimentoum tal processo a extenso da propriedade pblica, a democratizao da administra-o, a ampliao do tempo de vida dedicado aprendizagem para alm das necessida-des imediatas da economia, e a transformao das tcnicas e do treinamento profissio-nal para incluir um leque cada vez maior de necessidades humanas no cdigo tcnico.

    A adoo dessas medidas poderia servir como ndice de avano social para alm doatual capitalismo.

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    De resto, Feenberg admite antecipadamente que no est esboando um pro-cesso de implementao fcil, nem sequer provvel. Se algum considerasse que esseexerccio de imaginao intil, o autor revidaria:

    Estas reflexes so estritamente condicionais. impossvel predizer o futuro,mas pode-se tratar de esboar uma senda coerente de desenvolvimento que con-duziria a um resultado propriamente socialista em circunstncias favorveis. Adiscusso est assim endereada no probabilidade de um tal resultado, mas sua possibilidade. [...] estabelecer essa possibilidade no apenas um ato de fpoltica; tem tambm uma funo heurstica: um modo de quebrar a iluso denecessidade de que o mundo quotidiano est revestido (Feenberg, 2002, p. 150).

    4. Reflexes Finais

    A filosofia notoriamente difcil de ser definida. Estou convencido de que se deveentend-la como uma atitude consistente em pensar de maneira crtica e rigorosa para

    viver mais responsavelmente. Como tal, a filosofia suscitada por tudo aquilo dianteo que precisamos saber ao qu nos atermos, como dizia Ortega y Gasset (1965). Qual a contribuio dos trs enfoques da tecnologia para saber ao qu nos atermos em

    relao a ela?Bunge representa, de maneira talvez insupervel pela clareza e amplitude de tra-tamento, a confiana na tecnologia como forma de aprimorar a existncia humana.Embora no acredite na sua neutralidade, e precisamente por isso, deposita na tecno-logia a esperana de superar, tanto os modos de vida atrasados ou deficientes, como osproblemas causados pelos procedimentos e artefatos nocivos. Isso depende, claro,da poltica que impulsiona a tecnologia, e da tica que deveria inspir-la, para as quaisBunge, como foi mencionado, tem propostas (cf. Bunge, 1989). Frente a outros trata-mentos da tecnologia, o de Bunge destaca-se pela riqueza do exame, sempre rigoroso,

    que abrange desde os detalhes do raciocnio tecnolgico at o discernimento dos di-versos tipos de tecnologia, includa a crtica do que considera pseudo-tecnologia (cf.Bunge, 1985a, cap. 5 e 6). Trata-se, em seu conjunto, de uma filosofia otimista, her-deira declarada dos ideais do Iluminismo e do liberalismo clssico, formulada comuma nitidez que a torna convincente.

    claro que seus mritos no excluem motivos de dvida ou preocupao. Suacaracterizao como tecnolgica de atividades tais como a medicina, a pedagogia ou aadministrao pode provocar certo mal-estar, porm mister lembrar que Bunge estquerendo frisar a necessidade de que elas sejam executadas com base no conhecimento

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    cientfico, sem eliminar, no entanto, certa dose de saber vulgar, nem negar o papel dacapacidade, do talento ou da experincia (como ele ocasionalmente tem esclarecido).Mais problemtica ainda pode resultar a proposta de ver na tecnologia a ao racionalpor excelncia, se levarmos em considerao as crticas de Hannah Arendt (1983) e deHabermas (1968) identificao da ao com a fabricao ( e , na suadenominao grega), identificao em que aqueles autores viam uma ameaa ao reco-nhecimento da especificidade da ao tica e poltica. No obstante, a oposio de Bunge tecnocracia e sua insistncia em que os cidados no devam consultar cientistas eexpertos, nas questes polticas, porm decidir por si mesmos, leva a pensar que nopretende negar aquela especificidade.

    Cabe, contudo, criticar no otimismo bungeano a sua falta de percepo da capaci-

    dade que tem a tecnologia de desestruturar as culturas em que se introduz. Bunge parteda pressuposio, tpica do Iluminismo, de que toda tradio equivale a atraso e de quetoda cultura no cientfica de algum modo defeituosa. A absoluta confiana nos ide-ais iluministas impede Bunge, ao que parece, de apreciar ou de imaginar aspectos po-sitivos nas culturas no cientficas, assim como de perceber limitaes do Iluminismo.Nesse sentido, so teis trabalhos como os de Ladrire (1979) e Lacey (1999).

    A interpretao de Albert Borgmann tem os mritos e as dificuldades tpicos dafenomenologia. A descrio da maneira em que a tecnologia perpassa, define e dirige anossa existncia por demais reveladora, o que constitui, como foi dito, o propsito

    declarado do autor.25

    A abordagem ditica praticada por Borgmann transmite ao leitora vivncia, no apenas do que pode ser conceitualizado na tecnologia, mas tambmdaquilo que nela resulta inefvel, e que toda teoria parece dissipar. Segundo ele, todasas teorias deixam de detectar o fato da nossa cumplicidade com a tecnologia, umaimplicao que faz com que sejamos, no fundo, responsveis pelo seu aparente do-mnio sobre ns. importante notar que Borgmann consciente de que a sua anlise

    vale, sobretudo, para a maneira como a tecnologia modela os pases altamente indus-trializados como o seu (os Estados Unidos), e que no aborda, por serem demasiadocomplexos, casos ou aspectos do avano tecnolgico como o poderio blico, a explo-

    rao do espao, ou a fome no Terceiro Mundo (cf. Borgmann, 1984, p. 114). De qual-quer modo, Borgmann est convencido de que a abordagem fenomenolgica exibe,conforme a sua ndole, a verdadeira essncia da vida tecnolgica.

    25 A noo de paradigma do dispositivo (device paradigm), que permite ver, como uma unidade, uma srie defenmenos aparentemente heterogneos, desde um aparelho de televiso at a poltica, um verdadeiro achado,conforme comenta M. Stanley. Cf. Stanley, 1988, p. 15.

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    Ora, difcil evitar a impresso de que a interpretao de Borgmann subestima opeso dos fatores e circunstncias sociais, particularmente quando rejeita a viso mar-xista da tecnologia por considerar que ela desculpa as pessoas por entregar-se vidatecnolgica. Um crtico (de resto admirador da sua obra) observa que Borgmann pare-ce pensar apenas no marxismo vulgar.26 Nosso autor defende-se alegando que, mes-mo nas suas verses mais sofisticadas, sempre possvel optar por uma leitura maiscientfica ou mais moral da doutrina de Marx, ou seja, pela nfase na fora dasestruturas sociais, ou pelo apelo possibilidade humana de modific-las. Borgmannacredita que at mesmo os marxistas mais sensveis problemtica da liberdade hu-mana (ele menciona nomes como os de Marcuse, Leiss e Habermas) acabam apresen-tando um quadro de dominao social em que os sujeitos dominados nem sequer po-

    dem advertir a sua capacidade de produzir mudanas. A essa perspectiva, Borgmanncontrape sua tese de que, se na superfcie todos parecemos presos tecnologia, a umnvel profundo nos sabemos livres para adotarmos uma atitude diferente para comela. Isso se manifestaria, em sua opinio, na ambivalncia com que enfrentamos atecnologia, oscilando entre o fascnio e a desconfiana (cf. Borgmann, 1988, p. 35).Por conseguinte, se o homem no um joguete da tecnologia (nem das estruturas so-ciais), deve ser possvel mobiliz-lo para que reaja ao que o prejudica. E a explicaomarxista de que os oprimidos no reagem por causa do peso irresistvel do sistemacapitalista , para Borgmann, insuficiente. A verdadeira razo reside, para ele, na uni-

    versal cumplicidade para com a tecnologia, e a oportunidade de uma sada para essasituao est em mobilizar as pessoas. A isso apontam o discurso ditico e a fora doexemplo ao cultivar os interesses focais.

    A defesa de Borgmann no convincente, e a sua fraqueza se torna ainda maisntida quando se faz a leitura da sua obra, como em nosso caso, desde pases em que osbenefcios e prejuzos da tecnologia esto, mais claramente que no Primeiro Mundo,

    vinculados desigualdade social, e onde a possibilidade de boa parte da populao al-terar sua relao com a tecnologia de que chega a dispor nula.27 Por outra parte, emnossos pases que os interesses focais so (ainda) mais cultivados do que nos pases

    industrializados.28 Em certo modo, a exortao de Borgmann suprflua para ns e,

    26 S. Carpenter (1988, p. 9 e ss.). Para este crtico, mais importante que a tecnologia como elemento modelador davida moderna, foi a economia de mercado e a monetarizao da sociedade, a vida estabelecida numa base decommodities, e a dissociao entre a vida cvica e o mbito dos negcios. Compartilho dessa opinio.27 Borgmann reconhece que suas propostas supem uma vida prspera. Cf. Borgmann, 1988, p. 223.28Penso, por exemplo, que em um pas como o Brasil, a comida familiar, em vez do apressadofast food individual, ainda o hbito da maior parte da populao, assim como a tendncia e o gosto das festas e da msica em grupos.

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    temo, incua para os pases como o dele. Somos levados a pensar que h uma boa dosede ingenuidade em sua expectativa de que o cultivo de interesses focais e o entusias-mo dos que o faam ir propagar-se pelo resto de uma sociedade prspera como a dele,provocando inclusive o desejo de que a igualdade social se realize nas outras regies domundo. Borgmann comete o erro de esperar de um enfoque (o fenomenolgico) desti-nado a permitir compreender as vivncias, que sirva para explic-las e para mudar asestruturas sociais de que derivam. Por princpio, isso no possvel.29

    O reconhecimento do carter sociopoltico da tecnologia , como vimos, o as-pecto caracterstico da anlise de Feenberg, que deve compartilhar, imagino, os receiosfrente ao otimismo liberal de Bunge (embora no se refira a ele),30e critica Borgmann,entre outras coisas, por afirmar que a tecnologia contempornea perfeita a seu modo

    (cf. Feenberg, 2002, p. 9). A contribuio mais importante de sua anlise parece-meser a crtica ao argumento de eficincia como justificativa do carter e das modalidadesda tecnologia existente. Perceber que os produtos, os mecanismos e as soluestecnolgicas no respondem a uma eficincia a eles inerente, mas a uma eficinciaconstituda, parcialmente, por interesses sociais, menos fcil do que se pensa, numasociedade em que a mera preferncia pela eficincia alcanou o carter de obviedade. tambm relevante, no meu entender, que Feenberg no permanea numa dennciagenrica das realizaes tecnolgicas possibilitadas pela economia capitalista, masaponte para a sua possvel instrumentalizao em direo a um modo de vida diferente.

    Tal o caso do captulo em que mostra a possibilidade de que o computador e a internetno sejam necessariamente fatores de descapacitao, automatismo e alienao hu-manos, mas se convertam em meio de iniciativa, inteligncia e comunicao. No ra-ramente, as anlises inspiradas pelo marxismo alimentam atitudes genericamentenegativas com relao tecnologia originada pela atual estrutura social mundial.

    J quanto s iniciativas sociais que Feenberg sugere para promover uma transi-o ao socialismo,31 o autor consciente, como foi comentado, de que se trata de pos-sibilidades cuja implementao est longe de ser fcil. Feenberg conjectura que a sua

    viabilidade pode ser alcanada conseguindo a colaborao das elites tcnicas, perten-

    centes aos estratos mdios da sociedade. Com efeito, boa parte das reformas por ele

    29Talvez a confiana de Borgmann na fora das prticas focais e do discurso ditico como fatores de mobilizaorepouse nas suas convices religiosas (ele se assume como catlico), mais do que na fora dos seus argumentos.30Por outro lado, h uma coincidncia entre Bunge e Feenberg no que diz respeito a que, para ambos, a tecnologiano neutra, mas dependente de decises polticas.31 Naturalmente, excede os propsitos deste trabalho apreciar os mritos da tese de Feenberg de que a passagempara o socialismo no deve ser entendida necessariamente como uma revoluo poltica, mas como um projeto denova civilizao.

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    reivindicadas tem a ver com a democratizao da administrao, em todas as ordens davida, e a supresso da diferena social entre trabalho manual e intelectual. As refor-mas implicam um ataque geral hegemonia tecnocrtica, pois todas as instituiesesto hoje tecnologicamente mediadas e conduzidas autoritariamente. A modificao,mesmo que paulatina, da situao atual s poder ocorrer caso as elites profissionaisacedam a colaborar, o que no pode ser conseguido pela violncia ou por deciso ad-ministrativa. Embora as elites tcnicas e culturais no tenham sido consistentementesolidrias das revolues (francesa e russa), comenta Fenberg, a sua atitude em maiode 1968, na Frana, sugere que podem circunstancialmente apoiar uma transio aosocialismo. Por conseguinte, a idia de uma aliana para reorganizar o trabalho cole-tivo no meramente uma v especulao, mas ressoa como uma importante experin-

    cia histrica (Feenberg, 2002, p. 160). De qualquer modo, a anlise da tecnologia re-alizada por Feenberg tem, sem dvida, o carter que o autor lhe atribui, ou seja, possuia funo heurstica de quebrar a iluso de necessidade de que o mundo quotidianoest recoberto.

    A ltima afirmao talvez caiba aos trs autores apresentados. Pode parecer pou-co, face aos desafios que a tecnologia nos coloca, porm indispensvel para buscar-mos um mundo melhor.

    Al berto CupaniProfessor Titular do Departamento de Filosofia do

    Centro de Filosofia e Cincias Humanas da

    Universidade Federal de Santa Catarina.

    Pesquisador do CNPq.

    [email protected]

    abstractThe philosophical study of technology is rather recent and diversified, according to different theoreticalorientations and their corresponding social stances. This heterogeneity notwithstanding, or perhaps dueto it, philosophy of technology helps us to acknowledge technology as a dimension of human life, notmerely as a historical event. This is what I want to show here by means of presenting three modes ofphilosophical investigation of technology: Mario Bunges, Albert Borgmanns, and Andrew Feenbergs.They illustrate, respectively, an analytical point of view, a phenomenological approach, and an examina-tion inspired by the School of Frankfurt. The main purpose of this article is to divulge those investiga-tions, which are not very well known among us. Nevertheless, the article also contains a brief critical

    judgment of them.

    Keywords Philosophy of technology. Mario Bunge. Albert Borgmann. Andrew Feenberg.

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