FILOSOFIA FGV - Lições

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FILOSOFIA FGV A disciplina de Filosofia foi elaborada para os professores de ensino médio que atuam com os conteúdos e procedimentos dessa disciplina nas escolas brasileiras. A formação docente em nosso País ainda se dá, em grande parte, de modo precário, mas a dificuldade em orientar-se na preparação de aulas da disciplina no ensino médio ocorre mesmo entre os professores que tiveram uma boa formação filosófica. Como despertar o interesse dos jovens? Que conceitos e temas é mais importante destacar? Devemos dar ênfase à história da filosofia ou à discussão temática? O que estudar para preparar as aulas? Diante da vastidão da bibliografia filosófica – que cobre um período de mais de 2.500 anos – que textos selecionar para trabalhar com os alunos? Além da formação básica, é necessário também criar instrumentos para que a presença da Filosofia na escola seja significativa, para estudantes, para docentes e para a comunidade escolar como um todo. Depois do recente projeto que instituiu a obrigatoriedade da Filosofia no ensino médio, tornou-se urgente a qualificação de profissionais da área. Este curso apresenta uma proposta de orientação e instrumentalização em Filosofia, destacando temas e objetivos que nos parecem mais apropriados para o público-alvo. Neste módulo, serão propostas questões sobre a relação entre Filosofia e Educação, abordando temas como a filosofia da educação e a educação da filosofia; amar o saber, ensinar e aprender. Abordaremos também temas mais próximos à prática docente no ensino médio, como a discussão básica da abordagem da disciplina – histórica, temática, problemática; a importância da leitura de textos filosóficos; a questão dos modos de avaliação e de produção escolar; diversos modos de atuação do professor de filosofia na escola, além de questões legais relativas ao ensino de filosofia. Filosofia tem como objetivo orientar e instrumentalizar os professores de ensino médio que lidam com a Filosofia em sala de aula, indicando ao professor como é possível selecionar alguns temas importantes em filosofia e trabalhá-los na escola, buscando estabelecer relações com outras disciplinas e com a experiência dos estudantes. Sob esse foco, Filosofia foi estruturado em cinco módulos nos quais foi inserido o seguinte conteúdo... Módulo 1 Amar o saber Neste módulo, serão propostas questões sobre a relação entre Filosofia e Educação, abordando temas como a filosofia da educação e a educação da filosofia; amar o saber, ensinar e aprender. Abordaremos também temas mais próximos à prática docente no ensino médio, como a discussão básica da abordagem da disciplina – histórica, temática, problemática; a importância da leitura de textos filosóficos; a questão dos modos de avaliação e de produção escolar; diversos modos de atuação do professor de filosofia na escola, além de questões legais relativas ao ensino de filosofia. Módulo 2 Conhecimento

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FILOSOFIA FGV

A disciplina de Filosofia foi elaborada para os professores de ensino médio que atuam com os conteúdos e procedimentos dessa disciplina nas escolas brasileiras. 

A formação docente em nosso País ainda se dá, em grande parte, de modo precário, mas a dificuldade em orientar-se na preparação de aulas da disciplina no ensino médio ocorre mesmo entre os professores que tiveram uma boa formação filosófica. 

Como despertar o interesse dos jovens? Que conceitos e temas é mais importante destacar? Devemos dar ênfase à história da filosofia ou à discussão temática? O que estudar para preparar as aulas? Diante da vastidão da bibliografia filosófica – que cobre um período de mais de 2.500 anos – que textos selecionar para trabalhar com os alunos? Além da formação básica, é necessário também criar instrumentos para que a presença da Filosofia na escola seja significativa, para estudantes, para docentes e para a comunidade escolar como um todo. 

Depois do recente projeto que instituiu a obrigatoriedade da Filosofia no ensino médio, tornou-se urgente a qualificação de profissionais da área. Este curso apresenta uma proposta de orientação e instrumentalização em Filosofia, destacando temas e objetivos que nos parecem mais apropriados para o público-alvo.

 

Neste módulo, serão propostas questões sobre a relação entre Filosofia e Educação, abordando temas como a filosofia da educação e a educação da filosofia; amar o saber, ensinar e aprender. Abordaremos também temas mais próximos à prática docente no ensino médio, como a discussão básica da abordagem da disciplina – histórica, temática, problemática; a importância da leitura de textos filosóficos; a questão dos modos de avaliação e de produção escolar; diversos modos de atuação do professor de filosofia na escola, além de questões legais relativas ao ensino de filosofia.

Filosofia tem como objetivo orientar e instrumentalizar os professores de ensino médio que lidam com a Filosofia em sala de aula, indicando ao professor como é possível selecionar alguns temas importantes em filosofia e trabalhá-los na escola, buscando estabelecer relações com outras disciplinas e com a experiência dos estudantes.

Sob esse foco, Filosofia foi estruturado em cinco módulos nos quais foi inserido o seguinte conteúdo...

Módulo 1 – Amar o saber

Neste módulo, serão propostas questões sobre a relação entre Filosofia e Educação, abordando temas como a filosofia da educação e a educação da filosofia; amar o saber, ensinar e aprender. Abordaremos também temas mais próximos à prática docente no ensino médio, como a discussão básica da abordagem da disciplina – histórica, temática, problemática; a importância da leitura de textos filosóficos; a questão dos modos de avaliação e de produção escolar; diversos modos de atuação do professor de filosofia na escola, além de questões legais relativas ao ensino de filosofia.

Módulo 2 – Conhecimento

Este módulo está estruturado em torno de uma grande área do pensamento filosófico que trata do Conhecimento. Apresentaremos a Filosofia como a busca racional da verdade bem como discutiremos alguns sentidos em que se podem entender os conceitos de razão, verdade, conhecimento, saber e ciência. Apresentaremos conceitos de autores clássicos, da Antiguidade à Idade Moderna, procurando traçar um percurso básico da cultura científica e racional do Ocidente, até o surgimento da ciência moderna. Apesar de distantes no tempo, pretendemos mostrar que os conceitos abordados ainda fazem parte de nossas vidas e pensamentos.

Módulo 3 – Ética e política

Neste módulo, discutiremos temas relacionados às áreas conhecidas como Ética e Política. Apresentaremos os

 

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conceitos de modo histórico, realizando estudo da origem das palavras e das formações sociais em que eles se desenvolveram. Partiremos daí para propor duas discussões, sobre ética e política na modernidade e também na educação. No final, sugeriremos formas de trabalhar os temas discutidos em sala de aula, visto que a prática na própria escola e na vida diária é o caminho de relação com a experiência dos estudantes.

Módulo 4 – Estética

Neste módulo, discutiremos questões da Estética. Os conceitos abordados são o belo, a arte, a técnica, a arte como imitação e como expressão, relações entre a arte e a educação e a indústria cultural. Apresentaremos duas visões bem amplas e influentes da arte – a arte como imitação, conceito oriundo da Antiguidade; e a arte como expressão, característico de uma visão moderna da arte. Também relacionaremos questões da arte a questões da educação e da formação humanas. Por fim, discutiremos a questão contemporânea da relação entre a arte e a indústria, incluindo a questão da formação do gosto e das sensibilidades.

Módulo 5 – Encerramento

Neste módulo – além da avaliação desse trabalho –, você encontrará algumas divertidas opções para testar seus conhecimentos sobre o conteúdo desenvolvido nos módulos anteriores – caça-palavras, palavras cruzadas, forca e criptograma. Entre neles e bom trabalho!

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982.Neste rico repertório da linguagem filosófica, acessível a todos e condensado em 2.500 verbetes, todos os termos filosóficos estão registrados, explicados e documentados com citações dos textos fundamentais da tradição filosófica ocidental, dos pré-socráticos a nossos dias.

ALVES, Rubem. Filosofia da ciência: introdução ao jogo e suas regras. São Paulo: Loyola, 2000.Nesta obra, Rubem Alves argumenta a favor da ideia de que todo mito é perigoso porque induz o comportamento e inibe o pensamento. O cientista, afirma ele, virou um mito. Por isso, antes de mais nada, é necessário acabar com o mito de que o cientista é uma pessoa que pensa melhor que as outras.

ANDERY, Maria Amália et alii. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. Rio de Janeiro: Garamond; São Paulo: EDUC, 2003.Este livro resulta de uma experiência de mais de dez anos com material didático elaborado para um curso de Metodologia Científica da PUC-SP. Pretende mostrar que o método científico é histórico, isto é, que está fundado em concepções amplas de mundo, devendo ser avaliado também a partir delas.

CHÂTELET, François. Uma história da razão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.Nessa reprodução de oito entrevistas radiofônicas, o mestre francês discorre, com desenvoltura, sobre os passos, percalços e transformações por que passou o pensamento ocidental, esboçando um quadro consistente da história da filosofia até nossos dias.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo, Ática, 1994.Um exuberante exercício do pensamento, que fomenta a reflexão crítica e lança um facho de luz sobre questões do dia a dia, realçando seu caráter histórico e ampliando os horizontes do leitor – eis o alcance deste livro. Convite à Filosofia é uma obra que utiliza o próprio instrumental filosófico para atualizar conceitos e fazer uma releitura dialética do mundo por uma das mais consistentes intelectuais do País.

JAPIASSU, Hilton & MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989.Este dicionário dá aos termos técnicos da filosofia uma definição acessível e quase sempre esclarecida pela etimologia. Seu objetivo é ajudar o leitor não especializado a fazer um juízo dautilidade da filosofia e de seu impacto sobre nossa língua, identificando os mais importantes filósofos.

MARCONDES, Danilo. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.Essa antologia de textos dos grandes pensadores tem como objetivo pôr o estudante em contato direto com as fontes da filosofia ocidental. Com finalidade didática, o volume inclui pequenas introduções aos filósofos e a cada um de seus textos, além de uma série de questões e temas para discussão em sala de aula ou em grupos de estudo.

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MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.Resultado de mais de 15 anos dedicados ao ensino da filosofia, este verdadeiro guia da história do pensamento ocidental situa pensadores e correntes filosóficas em seu contexto histórico, discute ideias e conceitos e, quando necessário, apresenta os textos mais relevantes dos filósofos em questão, como o mito da caverna de Platão ou a tabela dos juízos e categorias de Kant.

NICOLA, Ubaldo. Antologia ilustrada de filosofia: das origens à idade moderna. São Paulo: Globo, 2005.Neste livro, aborda-se o pensamento de cinquenta dos maiores filósofos da humanidade, de Tales até os pensadores do início do século XX. Desenvolvido com base nas obras originais, o livro propõe um prazeroso processo que permite ao leitor formular suas próprias questões e identificar o que diferentes pensadores de épocas distintas argumentaram a respeito.

NUNES, Benedito. Introdução à filosofia da arte. São Paulo: Ática, 1989.Esta obra, que aborda com acuidade o modernismo, o movimento antropofágico e a crítica do século XIX até fins do século XX no Brasil, analisa as obras dos principais filósofos que criaram as bases da filosofia da arte contemporânea.

KOHAN, Walter (Org.). Filosofia: caminhos para seu ensino. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.Esta coleção apresenta uma fecunda reflexão para o debate sobre relações entre filosofia e educação. Um elemento comum aos livros que a compõem é o interesse pela problematização filosófica da filosofia, da educação e das relações entre esses dois campos do conhecimento, apresentado segundo temáticas, estilos e referências diversos.

Para que você possa usufruir de todos os recursos aqui disponibilizados, é necessário que você tenha instalados, em seu micro, alguns programas e plugins. São eles...

Zip Central – programa necessário à descompactação dos arquivos em Word; Adobe Acrobat Reader – programa que possibilita a visualização dos arquivos criados

pelo Adobe Acrobat;

Flash Player – plugin que possibilita a visualização das animações criadas em Flash;

Windows Media Player – programa que permite a reprodução de aúdios e vídeos.

Todos esses programas e plugins poderão ser instalados, em seu micro, por meio do CD que você recebeu ao se matricular no FGV Online.

Giovânia Costa é Mestre em Educação pela UERJ e Bacharel em Comunicação Social pela UFMG. Trabalhou para a TV-Escola/MEC desde sua estreia, em 1995, em várias funções. Foi coordenadora de produção da TV-Educativa do RJ e atuou nessa função em programas diários e ao vivo como O Salto para o Futuro. Começou sua trajetória profissional nas artes. Foi professora de dança e depois atriz profissional, tendo participado de vários espetáculos teatrais em Minas Gerais, São Paulo e RJ. Pesquisa as relações entre corpo e filosofia, bem como as interfaces entre teatro e filosofia.

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Joana Tolentino é Mestre, Bacharel e Licenciada em Filosofia pela UFRJ. atua como professora desde 2004. Trabalhou com diferentes alunos, em universidades e escolas de nível médio e fundamental, particulares e públicas. É membro do Grupo de Trabalho da ANPOF Filosofar e ensinar a filosofar, com pesquisa na área do ensino de filosofia na educação básica, investigando estratégias para a sala de aula. Apresentou-se em congressos nacionais e internacionais, no Brasil e no exterior. Ministrou cursos de aperfeiçoamento e capacitação para docentes de filosofia, em modalidades presenciais ou a distância.

Marcelo Guimarães é Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Especialista em Fundamentos de uma educação para o pensar pela PUC, SP e Licenciado e Bacharel em Filosofia pela Universidade de Brasília. Atua como Professor de Filosofia no Ensino Médio do Colégio Pedro II desde 1997.

Herdeiros de uma tradição de mais de 25 séculos, como nos orientamos para definir o que é ensinar?

Os filósofos dialogam entre si, se contradizem... 

E nós, mortais, como saber como e por onde começar?

Todo filósofo é homem.Todo homem é mortal.Logo, todo filósofo é mortal.

Mas e nós, todos os mortais, poderemos ser filósofos?

 

  Por onde começaremos a falar de filosofia? Começaremos a falar da filosofia pela palavra, pela linguagem.  

   

Há controvérsias sobre o início do uso desse termo, mas Diógenes Laércio narra que Pitágorasteria inventado a palavra philosophia, ao dizer que não era um sophós, um sábio, mas umphilosophós, um amigo ou amante da sabedoria.

Não aquele que detém o saber, mas o amigo do saber, aquele que ama o saber e, por isso, busca-o. 

A sabedoria seria privilégio dos deuses; aos homens, cabe buscá-la, sem pretender tê-la alcançado de todo.

 

 

A etimologia da palavra filosofia remete a uma atividade, não a um conteúdo.

Amar o saber é se abrir a ele, é ir em busca dele. 

Filosofia é uma palavra de origem grega, formada pela união de duas outras...

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filo, que vem de philía, traduz-se por amizade, amor fraterno,respeito entre os iguais.....e sofia, que vem de sophía e significa sabedoria.

A partir dessa primeira ideia sobre a filosofia, podemos pensar algumas características dessa disciplina que terão consequências para seu ensino.

É conhecida a frase Só sei que nada sei, atribuída a Sócrates. No texto Apologia de Sócrates, também de autoria de Platão, encontramos uma explicação, dada pelo próprio personagem, sobre o sentido dessa frase.

 

 

Em resumo, Sócrates afirma que sua sabedoria consiste em não pensar saber o que não sabe, mais do que em possuir alguma doutrina ou teoria que deva expor aos outros.

A filosofia para Sócrates não aparece como um saber já constituído, mas antes como uma relação com o saber.

Sócrates fez filosofia questionando o que era considerado e aceito como saber na cidade.

A atitude de Sócrates foi enunciar questões sobre o que as pessoas que eram tidas como sábias diziam saber.

   

 Esse estado de ignorância evidenciada era extremamente incômodo para muitos de seus concidadãos, o que levou vários dos interlocutores de Sócrates a nutrir ressentimento por ele. Contudo, esse era o saber propriamente humano.

 

Por meio desse questionamento Sócrates mostrava que os supostos saberes eram apenas opiniões não fundamentadas.No entanto, Sócrates não oferecia um saber para substituir aquelas opiniões que tinham sido refutadas. Ficavam todos em aporia... isto é, sem saídas, sem respostas.

Já, antes de Sócrates, com os filósofos conhecidos como pré-socráticos, o surgimento da filosofia se deu como a criação de uma cultura do conhecimento que se discute, que se coloca em questão e que, por isso, é diferente do saber da autoridade, que, simplesmente, perpetua-se na tradição.

Com Platão e Sócrates, a filosofia se estabelece como essencialmente dialógica, valorizando a construção do saber interlocutor e pelo próprio filósofo.

Entre as características principais do diálogo filosófico que destacaremos, estão a construção de conceitos, a argumentação e aproblematização.

Essas características serão mais exploradas e desenvolvidas ao longo de nossa disciplina.

A filosofia talvez possa ser entendida como a descoberta de que educar é autoeducar-se...

...ou seja, a necessidade de educar-se por meio da razão – o espanto de perguntar-se o que é a natureza, o que é o ser.Trata-se da educação que se faz no diálogo, na pergunta que abre a investigação, no caminho do argumento.

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Veremos a filosofia também como uma aposta de que a vida pode ser mais bem vivida pela amizade que se dispõe ao diálogo filosófico, e não pela violência.

Contudo, não se trata de qualquer diálogo, afinal, nem toda conversa é filosófica

Ver Lei salva em meus doctos (1*)

(1*)A presença da filosofia no ensino médio tem também uma dimensão plítica, de que é importante o professor estar ciente.

A formulação do Artigo 36 da Lei nº 9394/96 favoreceu o entendimento da filosofia – e da sociologia – como umconhecimento transversal.

O conhecimento transversal é conceito desenvolvido nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, documento que, assim como os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – PCNEM   –, foi publicado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

 

 

Nesse mesmo governo, também ocorreu, no ano de 2000, o veto ao projeto de lei que determinava a inclusão de filosofia e sociologia como disciplinas obrigatórias no ensino médio.

Os PCNEM, que foram bastante discutidos, ao menos em parte das escolas do País, apresentam o ensino de filosofia estruturado por meio de competências e habilidades.

Contudo, a aplicação da noção de competência à educação pode ser questionada de diversas formas.

No governo de Luiz Inácio Lula da Silva, novos documentos foram publicados, entre eles...

...a Lei nº 11.683/2008, que alterou a Lei nº 9.394/1996, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB...

...e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio, de 2006.

Lei 11.684/2008, que se encontra em um processo gradual de implementação, modificou o Art.36 da LDB, e incluiu Sociologia e Filosofia como disciplinas obrigatórias nos três anos do ensino médio.

Esse documento apresenta uma instrutiva discussão sobre como se deve entender a presença das disciplinas na educação básica, visto que há a possibilidade, inclusive, de realizá-la de modo não disciplinar.

É importante para o professor conhecer essa discussão, dado que um dos questionamentos feitos à presença da filosofia na escola refere-se, justamente, ao número excessivo de disciplinas que os estudantes são obrigados a cursar.

Finalmente indicamos o Parecer CEB/CNE n 22/08, que trata da implementação das disciplinas filosofia e sociologia no ensino médio.

Devemos notar que...

...alguns documentos legais têm caráter obrigatório – as leis e asDCNs... 

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...mas outros não, representando, exatamente, parâmetros ou orientações para a atuação do professor, sem necessariamente obrigá-lo a cumprir estritamente seus termos.Esses documentos estão sempre sujeitos a alterações ou reelaborações. Portanto, é importante que o professor desenvolva o hábito de acompanhar a discussão educacional que se realiza no País.

Um modo de fazer isso é por meio da leitura regular das publicações e do sítio virtual do Ministério da Educação.

 

Nosso cotidiano na escola é marcado por um espaço e um tempo controlados.

Trabalhamos espremidos em um ou dois tempos semanais, em salas de aulas nem sempre adequadas e, muitas vezes, com 40 alunos por turma e muitos hormônios aprisionados por horas no restrito espaço das carteiras escolares individuais...

Até a Revolução Francesa e a época de Napoleão, as sociedades caracterizavam-se pelo regime de soberania, centrado em torno do poder dos reis.

Com as repúblicas modernas, desenvolveu-se um novo tipo de poder e de organização social, a disciplina, que se originou de instituições de enclausuramento como o quartel, o mosteiro, a prisão, o hospital.

Entre elas, encontra-se a escola, que assume um papel preponderante por ser a instituição primeira, responsável pela socialização da criança e depois do jovem.

Referência bibliográficaFOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. Petrópolis: Vozes, 1977.

Clique em   para acessar um fragmento de leitura de Michel Foucault.

 

Se a escola é um espaço de enclausuramento e disciplinarização, é também nela – exatamente em virtude de seu papel determinante na formação da criança e do jovem – que podemos estimular...

...a criatividade e a formação singular da expressão.

...os objetivos que nos fazem acreditar em outros caminhos possíveis para essa instituição.Filosofia na escola não é a mesma coisa que filosofia na universidade. Isso pode parecer óbvio, mas devemos refletir sobre suas consequências.

A filosofia deve ser considerada em sua situação específica na educação básica por...

...voltar-se para jovens que não necessariamente irão se profissionalizar em filosofia... 

...relacionar-se com outras disciplinas, conteúdos e valores na construção de um currículo voltado para a formação de todos os cidadãos...

 

Destacaremos a questão do jovem. A juventude brasileira é múltipla e heterogênea, tem diversas origens econômicas e culturais, sendo mais adequado falarmos em juventudes.

Além disso, entre os jovens, os estudantes também formam uma categoria diferenciada.

 

 

Portanto, é importante atentar para as seguintes questões...Quem são os jovens estudantes com que estamos lidando?

Quais são suas experiências, seus desejos, suas aspirações, suas potencialidades?

De que modo a escola pode promover a construção da voz dessa juventude, e não apenas impor a reprodução de um discurso já instituído?

Sabemos que, em grande parte, a formação dos sujeitos e das subjetividades se dá sob forte influência da mídia, em especial da TV mas também de outros meios de comunicação.

Aqui se incluem questões sobre a diferença entre a cultura letrada, típica da escola, e a cultura da imagem, que predomina na sociedade.

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A prática do ensino de filosofia, na maioria dos casos, ainda está presa à discursividade.

O que é cobrado dos alunos são habilidades cognitivas e linguísticas como se estas estivessem separadas do corpo, e não vinculadas a hábitos adquiridos.

Tentamos transmitir ou criar um ambiente propício à produção de pensamentos emancipadores, mas, ao mesmo tempo, contribuímos para o que Michel Foucault chama dedocilização dos corpos — técnica disciplinar por excelência...

Corpos que permanecem sentados no esforço de ouvir e entender palavras.

A escola é uma instituição disciplinar e exerce o poder na produção de sujeitos dóceis politicamente e produtivos economicamente.

Sugerimos, portanto, que a filosofia atue de outros modos além da estrita sala de aula, que ela atue promovendo o diálogo entre todos os que se envolvem com a educação.

 

Referência bibliográficaFOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. Petrópolis: Vozes, 1977..

 

Estudar filosofia é também estudar problemas dilosóficos. Aprender articular, conceitualmente, os pensamentos, articular as idéias de forma rigorosa e buscar os fundamentos e a completude das explicações, das compreensões.

O objetivo desta unidade é apresentar ao professor que trabalha com a filosofia orientações para sua formação.

Essas orientações envolvem o estudo da história da filosofia, o exercício do filosofar e alguns possíveis riscos a serem evitados.Aprender filosofia é um desafio. O aprendizado da filosofia envolve a escuta de uma lição externa, por meio da qual pretendemos superar nosso senso comum.

Na escola de Pitágoras, os novos discípulos deveriam ficar longo tempo em silêncio, apenas ouvindo as doutrinas que lhes iam sendo apresentadas.

Na formação filosófica brasileira, marcada pela influência francesa disseminada pela USP, entendeu-se o aprendizado de uma técnica de leitura e explicação das obras filosóficas, o método estruturalista de leitura e estudo dos textos filosóficos, como...

Referência bibliográficaPORCHAT, Oswaldo. Discurso aos estudantes sobre a pesquisa em filosofia. In: SOUZA, J. C. A filosofia entre nós. Ijuí: Unijuí, 2005, p. 109-123.

Uma primeira etapa de formação intelectual estrita, momento didático que sópodia ser recebido passivamente...

O método estruturalista de leitura e estudo dos textos filosóficos, do rigor metodológico na leitura, que permitetentar reconstruir uma doutrina ad mentem auctoris, expressou-se de modo mais completo na investigação metafilosófica e meta-historiográfica de Guéroult e Goldsmith.

Essa perspectiva defende que o aprendizado da história da filosofia é condição necessária para que possa desenvolver-se uma posterior discussão filosófica rigorosa e consistente.

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Conhecer a história da filosofia é conhecer outros filósofos, uma tradição constituída por diversos programas de pesqusa, por diversos modos de compreensão instituídos, por diversa publicaç~çoes e por um agrau de consenso atingido entre os estudiosos de filosofia.

Conhecer a filososfia sinfnigica não negligenciar o conhecimento de sua história bem como os principais pensadores que marcaram essa hist´ria e a constiruíram como a história do pensamento ocidental.

No entanto é vital refletirmos

Mas será que uma formação em filosofia deve se limitar à apreensão em profundidade da estrutura interna de obras filosóficas já consagradas na história do pensamento ocidental?

De que modo um bom historiador da filosofia pode ser um bom professor de filosofia no ensino médio? Ser/ao as duas formações idênticas?

Quais são as exigências específicas para os professores de filosofia, além daquela formação que desenvolve a capacidade de ler, rigorosamente, os textos filosóficos?

Referência bibliográfica

MARQUES, Ubiratan Rancan de Azevedo. A escola francesa de historiografia da filosofia: notas históricas e elementos de formação. Sâo Paulo: Unesp, 2007, p. 19.

A história da filosofia ressalta a importância da experiência da leitura na formação do filósofo e do professor de filosofia.

 

 

Essa experiência deve ser considerada no modo do rigor estrutural mas também em dois outros...

...o da leitura da palavra-mundo, ou seja, o da apropriação de nosso ser próprio, de nossa vida, pela palavra.

...o da leitura em direção ao desconhecido, o de desconstrução por meio da possibilidade de a leitura abrir novos horizontes, inclusive deixar de ser o que já não se é, para tornar-se o que se é.

Referência bibliográficaFREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1994.

É importante para oi professor, além de ser um bom historiador da filosofia, ser um leitor...e realizar sua própria formação por meio da leitura de textos e do mundo.

O que é então, perguntou ele (Nietzsche), isto que vocês chamam de filosofia?-

Estamos, disse eu, em apuros para dar uma definição. Mas no atacado, temos em vista refletir sobre a melhor maneira de nos tornar homens cultos. –Isto é, ao mesmo tempo, pouco e muito murmurou o filósofo. Reflitam bem sobre isso!

 

Formar-se em filosofia não é somente apreender as ideias dos grandes pensadores mas também...

...conseguir colocar-se em posição de dialogar com os textos escritos por eles, relacionando-os com problemáticas atuais e desenvolvendo discussões filosóficas autônomas.

Nesse sentido, estudar filosofia é também estudar problemas filosóficos. Aprender a articular, conceitualmente, os pensamentos, articular as ideias de forma rigorosa e buscar os fundamentos e a completude das explicações, das compreensões.

 

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O trabalho de reflexão filosófica exige a paciência do conceito, uma atitude de estruturar um caminho de pensamento para nele se pôr a caminhar.

Trata-se de um caminho construído pelo próprio pensador, que não pode ser substituído nessa tarefa – é a elaboração de um discurso que se estrutura à medida que se formula e que enuncia suas condições de estruturação.

Por vezes, a atividade de filosofar foi entendida como a busca dos primeiros princípios.

Isso quer dizer os primeiros princípios do próprio pensamento. Por isso, dizemos que a filosofia deve formular as condições de sua própria estruturação.

 

 

Não basta que afirmemos uma doutrina, mas devemos construir um pensamento capaz de refletir sobre sua própria construção e apresentá-lo racionalmente.

Para além das tradições, fazer filosofia é pensar, é questionar formulando sua própria compreensão, o que, em alguma medida, todos o fazem.

Todas as pessoas formulam alguma compreensão do mundo.

Nesse sentido, todos são fiósofos, e todas as línguas formulam e expressam uma ou várias filosofias, na medida em que exprimem, em suas formas e em seus conteúdos, compreensões e avaliações da realidade.

Ele deve tornar-se responsável e autônomo, ele mesmo – ou ela mesma –, em sua própria trajetória de investigação e questionamento filosófico.

Essa obrigação de tornar-se um investigador, um questionador, um pesquisador, entender-se e agir como alguém que busca desenvolver uma compreensão do mundo, não pode ser meramente uma obrigação... 

As questões filosóficas só serão significativas se elas se tornarem questões reais para quem as coloca.

 

 

Questionar-se sobre o que é o ser, o que é o conhecimento, o que é a sabedoria, o que é a verdade, o que é o real, como se deve viver, o que é a felicidade, o que é a virtude, o que é o homem, o que é a vida...

...se nada disso se tornar uma questão real para quem estuda, será impossível criar um diálogo filosófico com os textos.

Do Professor de filosofia é esperado o envolvimento em sua formação.

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Desse modo, a visão filosófica de cada um vai se formando em seu próprio itinerário, e é por isso que o processo está sempre em aberto, o que é próprio da busca filosófica.

Alguns filósofos, como Platão,Wittgenstein e Nietzsche, dentre outros, apresentam suas obras como investigações inacabadas, abertas ao questionamento.

 

 Há uma lógica própria da filosofia que se baseia na permanência da possibilidade de questionar, perguntar sobre o que são as coisas, o que é o real, permitir-se questionar o real, no sentido de buscar compreendê-lo, e não apenas submeter-se a ele como a uma força cega.

Certamente em filosofia, há conceitos e questões recorrentes. Há conceitos fundamentais ou problemas centrais e há sempre, por parte de quem estudo, umauma apropriação gradual e contínua desses conceitos e problemas.

Vejamos alguns dos riscos a que estão sujeitos os professores de filosofia...

Dogmatismo = Segundo o Dicionário Houaiss, dogmatismo é qualquer pensamento ou atitude que se norteia por uma adesão irrestrita a princípios tidos como incontestáveis.

O dogmatismo filosófico é algo que faz a filosofia perder o sentido de si mesma, e esse contitui um dos possíveis riscos que corre o aprendiz de filosofia.

Ecletismo = O ecletismo é uma tentativa de coletar o que há de melhor, mais verdadeiro, mais interessante em cada uma das filosofias, para reuni-lo em uma compreensão mais ampla.

O risco é o de se produzir uma coleção sem consistência interna, sem relação conceitual, beirando a incoerência e a superficialidade.

Esse risco se coloca para quem se inicia nos estudos de filosofia, quando não se busca entender a articulaçãop lógica e conceitual dos pensamentos e se passa apenas a selecionar as frases mais bonitas ou mais sugestivas para formar uma coleção de belos pensamentos.

Vejamos alguns dos riscos a que estão sujeitos os professores de filosofia...

Relativismo = O relativismo firma que as fiferentes teorias acerca do mundo se equivalem pois não há uma verdade única. A verdade seria relativa a cada sujeito.

Essa afirmação é muito comum entre os alunaos, por exemplo.

Dessa forma, a filosofia deveria se reduzir a cada um desenvolver seu pensamento, sem poder contestar ou criticar o pensamento alheio.

É preciso ter cuidado para não aceitar, sem reflexão, que tudo é relativo, afinal, se isso fosse verdade, essa própria frase deixaria de ser relativa, portanto nem tudo seria relativo...

No estudo de qualquer pensamento, não podemos nos contentar com a supercialidade e , em especial, nesse caso, pois um certo relativismo é típico do senso comum de nossos tempos.

Blá-Blá-Blá = Usamos a expresão bla-bla-bla para referirmo-nos a um discurso sem rigor conceitual.

É preciso ter o cuidado de não nos deixarmos levar pelo uso de jargões, termos técnicos, conceitos filosóficos como cápsulas vazias, o que leva à elaboração de discuros repletos de termos fif´ceis,. E não ao domínio do conteúdo que deveria ser expresso por tais termos...

A clareza é a cortesia do filósofo, já dizia o filósofo espanhol Ortega y Gasset.

Algumas abordagens facilitam o trabalho do professor de filosofia com os alunos na escola. Evidentemente, a  

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formação que o professor buscou para si é que subsidiará as estratégias adotadas.

É necessário buscar estratégias que compatibilizem o acesso aos textos clássicos da história da filosofia com a discussão de temas e problemas atuais...

...em interação com as demais disciplinas e em diálogo com outras linguagens, tais como o teatro, o cinema, a música.

 

Cabe ao professor se questionar...

Se entendemos que ensinar a filosofar não é se limitar a transmitir conteúdos da história da filosofia, e sim compartilhar um modo distinto de se relacionar com o conhecimento, como fazer isso?

Como estimular o interesse do estudante, indispensável para sua real inserção no processo de aprendizagem?

Se, por um lado, a produção efetiva de conhecimento requer um tempo próprio de cada um, como compatibilizá-la com o tempo cronológico com o qual lidamos, inexoravelmente, nas salas de aula?

Sinopse

Há um novo professor na cidade e ele está promovendo um verdadeiro pandemônio naFallbrook Middle School. Ele é atraente, simpático e informal. 

Os alunos amam o senhor D. Os professores também o admiram, com exceção de Matt Warner, ambicioso professor de Biologia que sonha em ganhar o prêmio Professor do Ano. Seu pai, Stormin Norman, foi Professor do Anodurante 43 temporadas seguidas, e Matt está determinado a fazer deste seu ano. 

No entanto, com o senhor D. em cena, Warner vê sua chance escapar. Ele não consegue competir com quem até seu próprio filho admira. No entanto, há um segredo que pode mudar o jogo.

Ficha técnicaSCHOOL of life = ESCOLA da vida. Direção: William Dear. Intérpretes: David Paymer; Ryan Reynolds; John Astin. Canadá/Estados Unidos: California Home Vídeo, 2005. 90min., son., color.

Uma abordagem a partir da história da filosofia não significa uma linearidade histórica que pretenda abarcar toda uma tradição de 25 séculos.

Seria inadequado ter a pretensão de reconstruir a totalidade da trajetória filosófica, ainda mais na educação básica.

 

Contudo, sem dúvida, um dos objetivos do ensino de filosofia na educação básica é apresentar as características deste campo do saber, e isso não seria possível sem flertar com a história da filosofia ou tangenciá-la.

Trabalhar a dimensão histórica do pensamento é ir além de apresentar as questões restritas a determinadas épocas.

Ao contrário, essa abordagem implica valorizar a dimensão histórica percebendo o enraizamento das questões nos contextos em que foram colocadas, o diálogo com o que as antecedeu e suas ressonâncias na atualidade.

 

Referência bibliográficaTERRA, Ricardo. História da filosofia e formação filosófica. In: SALLES,

J. C. (Org.) Plenárias do XII Encontro da ANPOF. Salvador: Quarteto, 2008, p. 109.

 

É importante para o professor debruçar-se sobre a tarefa de selecionar recortes de textos acessíveis para os alunos, pois muitos textos clássicos são interessantes para despertar a atenção dos jovens.

Por isso, o desenvolvimento da cultura filosófica, ou seja, o conhecimento de um grande repertório de textos e de formulações filosóficas é fundamental para o professor de filosofia.A abordagem temática significa a organização do programa a partir de conceitos e não necessariamente de autores.

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Diversos autores podem ser chamados a subsidiar a discussão sobre um mesmo tema.O interessante nessa abordagem é que ela permite o debate das questões filosóficas sob diferentes perspectivas.

Em geral, essa estratégia permite uma aproximação maior com a experiência dos alunos.

O objetivo é torná-los mais ativos na produção do conhecimento e mais propositivos – os próprios temas podem ser sugeridos por eles...

Referência bibliográficaBADIOU, Alain. Situação da filosofia no mundo contemporâneo. In: Para uma nova teoria do sujeito. Rio de Janeiro:

Relume Dumará, 2002, p. 11-19. 

Os temas escolhidos podem ser apresentados na forma de problemas – a isso damos o nome de abordagem problemática.

É importante trabalhar com os alunos a capacidade de formular problemas a partir do espanto diante do que nos rodeia, levando-os a perceber que são capazes de realizar questionamentos filosoficamente. 

Os professores não podem ser muito tímidos ao propor problemáticas, ao propor questões, como afirma o autor Renato Janine Ribeiro, especialmente, aqueles que trabalham com a filosofia, aqueles que contribuem para a formação das novas gerações.

Afinal, é parte importante do universo de atuação da filosofia discutir a sociedade que está nascendo.

 

Referência bibliográficaRIBEIRO, Renato Janine. Último vôo da andorinha solitária. Artigo publicado em O Estado de SP, em 06/03/2005.

 

 

A compreensão da filosofia como experiência enfatiza o que seria mais próprio da filosofia, diferenciando-a de um mero conjunto de teorias desenvolvidas ao longo da história e também de um conjunto de temas já trabalhados por diversos autores.

Com a ideia de uma experiência de pensamento, propomos aos alunos a construção de um percurso com eles, a partir deles e de suas falas, de sua compreensão, dos problemas que eles mesmos são capazes de formular.

Essa abordagem se aproxima de uma abordagem problemática...

...se esta for entendida como a formulação, junto com os alunos, dos problemas de que deveremos tratar.

Para indicar como entendemos aqui o termo experiência, vejamos o seguinte trecho... 

Creio que uma das principais forças ligadas ao aporte da filosofia na escola consiste no seu poder

de abrir o pensamento àquilo que ainda não foi pensado, àquilo que parece impensável. A

experiência é uma espécie de viagem do pensamento, sem percurso previamente traçado. Como

se pode ver, é uma lógica bem diferente da lógica da habilidade. Claro que uma experiência de

pensamento comporta uma série de dimensões ou forças que a filosofia afirma, conotações que

lhe dão um tom, traçados que lhe imprimem um ritmo: uma experiência de escuta atenta a outro

pensamento, uma constante insatisfação frente ao que se sabe, uma abertura dinâmica diante

daquilo que nós não somos ou não pensamos. A experiência não é algo que se possa antecipar,

mas sim o são os princípios que a acompanham.

Fonte

Page 14: FILOSOFIA FGV - Lições

CEPPAS, Filipe; KOHAN, Walter. Leitores comentam artigo de Renato Janine Ribeiro sobre o ensino

de filosofia.Jornal da ciência, e-mail 2725, 14 mar. 2005, p. 21.

Propor uma experiência de filosofia ou de pensamento não significa basear-se em alguém que tenha mais experiência, mas permitir-se experimentar os caminhos criados e percorridos por seu próprio pensamento.

A abertura para essa dimensão do pensamento não significa desprezar tudo o que já foi produzido e reconhecido como obra de filosofia na história.

A abertura para essa dimensão do pensamento significa ter a oportunidade, em alguns momentos durante o curso, com os alunos, de experimentar suas próprias indagações, de pensar por si mesmo livremente.

Essa experiência tem o valor de permitir que os alunos e o próprio professor experimentem pensar por si mesmos.

A escuta, a insatisfação e a abertura são características dessa forma de abordar o pensamento.

Se a escola dá espaço para esse tipo de experiência em sua grade, pensamos que ela é desejável, pois valoriza a iniciativa e a capacidade dos alunos de confiar em seu próprio pensamento, propondo a eles que o exerçam, e não apenas repitam o que outros já disseram.

 

 

Quem sabe o que pode resultar de tais experiências?

Por outro lado, sabemos que as escolas, de modo geral, opõem resistência a propostas muito abertas como essa. Caberá ao professor que queira se aventurar ser capaz de dialogar com as diversas limitações encontradas na 

Pensamos em fechar esta unidade trazendo uma abordagem da filosofia que se paute pelo estabelecimento de relações com as outras disciplinas.

O caráter dialógico da filosofia propicia que ela busque parceiros. A filosofia tem o dom de fazer amizades.

Por outro lado, a tarefa de interligar, por meio de processos interdisciplinares – ou transdisciplinares –, o que se apresenta há tempos fragmentado, não é simples.

Essa tarefa precisa ser planejada com ações de médio e longo prazos, e não pode tornar-se responsabilidade da filosofia, pois sua condição de possibilidade é que haja mais flexibilidade na disciplinarização do ensino.

É importante refletir sobre as práticas educativas buscando estratégias para minimizar a fragmentação disciplinar.

Afinal, não seria tudo parte de um mesmo todo? Os saberes constituídos e aqueles a constituir? A construção do conhecimento?

Atualmente, com o retorno da filosofia ao formato de disciplina, vemos, de novo, algumas vozes enfatizando a capacidade da filosofia de facilitar essa tarefa...

Referência bibliográficaRIBEIRO, Renato Janine. Último vôo da andorinha solitária. Artigo publicado em O Estado de SP, em 06/03/2005.

Experiências de interligar conteúdos, habilidades, histórias, modos de proceder aprendidos aqui e acolá têm se mostrado efetivamente possíveis e férteis...

...especialmente, para os alunos, possibilitando-lhes estabelecer relações, ser mais imaginativos e autônomos, isto é, mais produtores do conhecimento.

A contribuição da filosofia pode ir além, pois o problema da fragmentação das disciplinas é parte de uma crise de paradigmas na educação que deve procurar ser compreendida de forma global.

Page 15: FILOSOFIA FGV - Lições

A fragmentação dos saberes é um problema mas também é o como e o para que da educação básica, do sistema de ensino.

Em seu caráter eminentemente crítico e questionador, a filosofia pode contribuir levando para a escola, como uma prática sistemática, o pensar-se a si mesma.

Referência bibliográficaKOHAN, Walter e CEPPAS, Filipe. Leitores comentam artigo de Renato Janine Ribeiro sobre o ensino de filosofia. Disponível em: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp – Acesso em: 14/04/2009.Filósofo argentino, há vários anos trabalhando no Brasil. É pesquisador e professor-titular de Filosofia na UERJ. É especializado na área de Filosofia na Infância e Filosofia da Educação .

  As estratégias de inter-relação entre as disciplinas podem ocorrer nos mais variados formatos.A filosofia também pode se deixar permear por outras práticas e discursos, em uma via de mão dupla, principalmente, em um momento em que repensa sua atuação, na construção de sua história na Educação Básica...

Referência bibliográficaKOHAN, Walter e CEPPAS, Filipe. Leitores comentam artigo de Renato Janine Ribeiro sobre o ensino de filosofia. JC e-mail 2725, 14/03/2005, p. 21. Disponível em: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp – Acesso em: 14/04/2009.

O diálogo investigativo a ser promovido pelo professor em sala de aula deve ser capaz de ampliar e aprofundar o conhecim,ento ou os pensamentos de seus participantes.

A comunidade de investigação é um conceito utilizado no programa de filosofia para crianças de Matthew Lipman.

Ele indica o objetivo de considerarmos a sala de aula não como um lugar de mera transmissão do saber, onde os alunos seriam receptores passivos.

O professor não é apenas mais um interlocutor, mas tem a tarefa de...

...orientar a discussão.

...ajudar a mantê-la dentro de certos parâmetros de racionalidade.

...ajudar a conduzir a investigação para que resulte em construção de conhecimento, sem ter, contudo, total domínio sobre os caminhos que ela deverá tomar.

Referência bibliográficaLIPMAN, Matthew. O pensar na educação. Petrópolis: Vozes, 1995.

 

Filósofo norte-americano responsável por iniciar crianças no estudo da filosofia. Publicou diversos livros sobre filosofia e educação e é um dos profissionais mais respeitados na área.

A comunidade de investigação envolve um modo de conceber o conhecimento.

O trabalho não é pensado como um conjunto de doutrinas já prontas que devem ser simplesmente assimiladas pelo estudante.

Ao contrário, embora existam doutrinas e teorias que devam ser conhecidas, em virtude de sua importância, devemos reconhecer que tais teorias só foram elaboradas por meio de um processo de investigação.

Page 16: FILOSOFIA FGV - Lições

Investigar é...

Fazer perguntas, formular problemas.

Propor respostas ou modos de esclarecer esses problemas

Orientar-se logicamente, racionalmente, seguindo os argumentos aonde eles nos levarem e, com isso, possivelm ente, percorrer caminhos ainda desconhecidos do pensamento, para os estudantes mas também para o professor.

Ter a capacidade de avaliar suas p´r´[oprias ações e reorientá-las já quie a investigação é um processo autocorretivo.

Um processo capaz

de desenvolvimento, de mudança de estado, de transformação das próprias opiniões e da meneira de conceber as coisas.

O diálogo investigativo a ser promovido pelo professor em sala de aula deve ser capaz de ampliar e aprofundar o conhecimento ou os pensamentos de seus participantes.

Esses participantes, por sua vez, são considerados seres capazes de ensinar algo uns aos outros ou de aprender coletivamente.

 

 A criação desse espaço significa que a comunidade de investigação não tem um sentido apenas cognitivo mas também ético e político.

A própria relação que deve ser estabelecida entre os participantes para que se crie um ambiente propício para a investigação envolve o reconhecimento do outro com alguém que...

...pode me ensinar algo, que merece ser escutado...

...é um parceiro na busca de compreensão da realidade.

O processo da comunidade de investigação pode ser comparado ao processo por que passa um júri, um grupo de jurados, ao ter que deliberar para emitir uma sentença sobre um caso em um julgamento...

Page 17: FILOSOFIA FGV - Lições

Todo o processo de consideração das provas e dos argumentos de defesa e ataque

A correta compreensão da lei e a verificação de suas ambigüidades.

O julgamento sobre a adequação da lei ao caso.

A resolução das dúvidas sobre os detalhes do processo.

A tentativa de formar uma visão mais completa e unificada do caso, em conjunto com os outros membros do júri.

Diferentes linguagens educativas e artísticas podem ser adotadas como estratégias didáticas e contribuir para o ensino de filosofia na educação básica.

Nesse sentido, direcionar a prática, buscando alianças com os fazeres artísticos mostra-se como uma alternativa, na maioria das vezes, gratificante, especialmente para o ensino da filosofia.Dessa maneira, a disciplina, que, às vezes, suscita discussões um tanto abstratas, tem muito a ganhar em concretude – significação – com o vivido e, até mesmo, clareza ao valer-se de diferentes estratégias de ensino-aprendizagem.

Estratégias teatrais, plásticas, musicais, entre inúmeras outras, podem indicar ao docente novas e possíveis aberturas, ampliando suas perspectivas na elaboração de suas intervenções pedagógicas.

Por isso, a ideia é criar dispositivos que aproximem o ensino de filosofia de formas de estética aplicada.

O objetivo é instigar o interesse do aluno, colocar o indivíduo, o grupo, em cena, trazer cada pessoa para a posição de protagonista e não só de coadjuvante-repetidor na produção do conhecimento.

 

Referência bibliográficaARISTÓTELES. A poética. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores).

Para aproximar o ensino de filosofia de formas de estética aplicada, é importante...

...utilizar a energia dos corpos.

...explorar o espaço escolar interno e externo.

...dialogar com os meios de comunicação.

...interagir com o bairro, a cidade, levando os alunos a perceberem e exercitarem sua atuação também no mundo.

Isso pode se dar por meio de trabalhos com mídia impressa e audiovisual, rádio, sites, história em quadrinhos, teatro, apresentações culturais, passeios, gincanas, olimpíadas, feiras, além de intervenções ambientais, políticas e sociais.

Se aprender a filosofia é aprender a promover avaliações sobre a verdade dos juízos, sobre a precisão dos conceitos, a correção dos raciocínios, a justeza dos julgamentos...

...avaliar é, claramente, uma ação vinculada à filosofia, a filosofar, a buscar compreender a realidade e não agir apenas por capricho, acaso ou imitação.

 

As avaliações tradicionais procuram verificar se os alunos compreenderam as ideias apresentadas.

Esse modo de avaliar promove, em geral, apenas a repetição do discurso.

O aluno deve ser capaz de dizer o discurso de um outro, e não produzir seu próprio discurso. Ele é colocado na situação de imitador e, por isso, será julgado.

Page 18: FILOSOFIA FGV - Lições

Uma avaliação mais condizente com o espírito da criação da voz capaz de filosofar é que o aluno seja admitido como um interlocutor na investigação que propomos coletivamente e que, portanto, possa e deva produzir e expressar sua própria voz.

A avaliação pode ser mais autoral, e podemos fazer isso de modo simples.

O próprio professor deve tomar a produção de redações, a escrita, como parte de seu trabalho e de seu estudo de filosofia, como parte necessária de sua formação – o desenvolvimento da capacidade de escrever filosoficamente.

Do mesmo modo, devemos estimular o professor a tornar-se autor e ser capaz de elaborar seu próprio material didático...

...seja por meio da seleção de textos de outros autores, seja por meio da produção de seus próprios textos, de sua própria escrita.

 

 Destacamos, portanto, a importância da experiência da escrita, como anteriormente havíamos mencionado, a da experiência da leitura.

 

Sinopse

Em 1959, na Welton Academy, uma tradicional escola preparatória, um ex-aluno – John Keating (WILLIAMS) – torna-se o novo professor de literatura, mas logo seus métodos de incentivar os alunos a pensarem por si mesmos criam um choque com a ortodoxa direção do colégio, principalmente, quando ele fala aos seus alunos sobre a Sociedade dos Poetas Mortos.

Para refletir

Neste módulo, vimos a necessidade de amar o saber. Aprendemos estratégias que podem auxiliar o trabalho do professor de filosofia com os alunos do ensino médio.

No trecho selecionado, vimos um professor que usa de estratégias diferenciadas para conquistar a atenção e o respeito de seus alunos. Ao assistir à cena, procure refletir sobre...

i. maneiras alternativas de fazer com que os alunos se expressem, e não apenas reproduzam um discurso instituído;

ii. a importância de ser ousado ao propor questões;

iii. a necessidade de estabelecer elos com outras disciplinas, a fim de desenvolver a criatividade e a formação singular da expressão.

iv. Ficha técnicaDEAD Poets Society = SOCIEDADE dos poetas mortos. Direção: Peter Weir. Intérpretes: Robin Williams; Robert Sean Leonard; Ethan Hawke; Josh Charles; Gale Hansen; Dylan Kussman Allelon Ruggiero. Estados Unidos: Touchstone Pictures, 1989. 129 min., son., color.

v.

Informações: 

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu na cidade do Rio de Janeiro – RJ – em 21 de junho de 1839.   

Foi cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista, crítico e ensaísta. 

Internacionalmente conhecido, Machado de Assis é considerado o maior autor da Literatura Brasileira, graças a romances como Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro, entre outros.

Para refletir

O segredo do Bonzo é a narrativa que mostra como uma ideia pode trazer popularidade a qualquer homem.

Page 19: FILOSOFIA FGV - Lições

No trecho, vemos como o Bonzo especifica os tipos de homens que podem lidar com o saber filosófico. Após a leitura do trecho, procure refletir sobre...

i. quais são os riscos que um professor de filosofia pode correr com relação aos saberes filosóficos e em qual deles Bonzo está incorrendo;

ii. qual a definição de filósofo do Bonzo e como ela difere da definição aprendida na disciplina;

iii. de que forma Platão demonstrou os saberes de Sócrates e como isso difere dos saberes do Bonzo que são mostrados pelo narrador.

FonteASSIS, Machado de. O segredo do Bonzo. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 28 jun. 2009

Informações

Almeida Junior (1850-1899), pintor paulista, na fase madura de sua obra, abordou temas nacionais, retratando, principalmente, cenas do interior de São Paulo. Ingressou, em 1869, na Academia Imperial de Belas Artes e teve aulas com Vitor Meireles. 

Ficou conhecido por ter sido um dos primeiros nomes do academicismo brasileiro a valorizar a temática nacional, mais especificamente a paulista.

Para refletir

Tecnicamente, a produção de Almeida Junior pode ser dividida em duas fases – antes e depois de 1882. Na fase inicial, sua palheta é sóbria e o modelado simples, com apelo a recursos de luminosidade. Na segunda, sua palheta se aclara e se enriquece de novos matizes, tornando sua linguagem plástica mais bem articulada. É o que parece acontecer com esta tela que nos leva à hipótese de pertencer à segunda fase de Almeida Junior. 

Neste módulo, lemos sobre o amor ao saber. Observando esta tela de Almeida Junior que nos mostra uma moça que parece estar pensando sobre o que estivera lendo, podemos refletir sobre...

i. a importância da experiência da leitura na formação do filósofo e do professor;ii. os modos como a experiência da leitura deve ser considerada;

iii. a relação que há entre o trabalho da reflexão filosófica e a paciência do conceito.

 

Referência BibliográficaJUNIOR, Almeida. Moça com livro. s/d. Óleo sobre tela. 50 x 61 cm. Acervo do Museu de Arte de São Paulo Assis

Chateaubriand – MASP, São Paulo.  

(Os sábios seriam aqueles que detêm o saber, enquanto os sofistas seriam os que ensinam a virtude.)

Parei em módulo 2 - conhecimento

Este módulo está estruturado em torno de uma grande área do pensamento filosófico que trata do Conhecimento. Apresentaremos a Filosofia como a busca racional da verdade bem como discutiremos alguns sentidos em que se podem entender os conceitos de razão, verdade, conhecimento, saber e ciência. Apresentaremos conceitos de autores clássicos da Antiguidade à Idade Moderna, procurando traçar um percurso básico da cultura científica e racional do Ocidente, até o surgimento da ciência moderna. Apesar de distantes no tempo, pretendemos mostrar que os conceitos abordados ainda fazem parte de nossas vidas e pensamentos.

A filosofia, muitas vezes, é entendida como a busca da verdade.

Page 20: FILOSOFIA FGV - Lições

Podemos identificar, nos primeiros filósofos gregos, entre os séculos VI e V a. C., uma busca pela compreensão dos princípios que organizam a natureza...

...ou seja, a phýsis, palavra que está na origem do portuguêsfísica e que indica uma compreensão da natureza que é própria dos gregos.

Também podemos falar em princípios que ordenam o cosmos – do grego kósmos, que significa ordem e tem a conotação de mundo ordenado.

Essa busca de compreensão da natureza foi talvez a primeira dimensão em que se manifestou o pensamento que viria a ser chamado de racional.

O processo de desenvolvimento da filosofia se inicia com o que pode ser chamado de invenção da razão.

A busca racional da verdade, portanto, é uma definição mais aproximada da filosofia.Razão, verdade e conhecimento são três conceitos que atravessam toda a história da filosofia.

São palavras que têm significado para nós e para os estudantes do ensino médio também.

 

Pensamos que a filosofia, com seu repertório de textos que tratam desses conceitos, pode ajudar os alunos e os professores a...

...formarem visões mais acuradas, mais amplas e mais profundas do significado dessas palavras tanto em relação ao conhecimento escolar quanto em relação à vida e ao cotidiano de todos.

No entanto, não poderemos abordar aqui todas as dimensões da investigação filosófica sobre esses conceitos...Esses caminhos podem ser significativos no ensino médio, pois abordam termos que usamos no

cotidiano – saber, linguagem, natureza, verdade –, mas que também têm papel importante na história da cultura e das ciências.

Começaremos agora a discutir alguns aspectos do que se vai constituir como razão e do papel que essa atividade – ou essa forma de pensamento – pode ter na escola.

 

Afinal, chega a ser banal dizermos que somos racionais.Mas será que sabemos o que estamos dizendo?

Será que queremos dizer que escolhemos os melhores meios para realizar determinados fins? ou queremos dizer também que somos capazes de avaliar os fins?

Será conhecer causas e princípios?

Será ser capaz de formular o conhecimento? mas o que será o conhecimento?

Um dos objetivos do ensino médio deve ser buscar a capacidade de elaborar sínteses amplas, embora se tenha que ter sempre o cuidado de saber os limites dessas comparações ou formulações muito gerais.

Os estudantes costumam enunciar juízos gerais de avaliação sobre o mundo, talvez mais baseados em suas paixões e afetos do que em conhecimentos.Um dos modos de atuação da filosofia no ensino médio pode ser...

...desenvolver a amplitude e a profundidade desses juízos, pela informação e pelo exame dos princípios e das condições do pensamento e do conhecimento.

Não temos a ilusão de que seja fácil realizar, de modo significativo e preciso, tanto as grandes sínteses sugeridas como a busca da relação entre o conhecimento formal e a experiência dos estudantes.

Page 21: FILOSOFIA FGV - Lições

Talvez, diferentemente do que acontece na universidade, a característica do saber no ensino médio seja a busca de uma generalidade bem informada, ao invés de uma especialização cada vez maior.

...a nós parece evidente que a necessidade de uma visão global do processo social não diz

respeito unicamente às classes dirigentes, mas a cada cidadão de uma sociedade democrática.

...a especialização dos papéis sociais, na sociedade tecnocientífica, não faz desaparecer, antes

pelo contrário, intensifica ou cria, a necessidade de um saber global a respeito da sociedade, tal é

a necessidade das ciências humanas.

<Fonte>

VATTIMO, Gianni. A educação contemporânea entre a epistemologia e a hermenêutica. In: Revista

Tempo Brasileiro, v. 108 – Interdisciplinaridade. Janeiro-Março de 1992, Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, p. 9.      m dos objetivos do ensino médio deve ser buscar a capacidade de elaborar sínteses amplas, embora se tenha que ter sempre o cuidado de saber os limites dessas comparações ou formulações muito gerais.

Os estudantes costumam enunciar juízos gerais de avaliação sobre o mundo, talvez mais baseados em suas paixões e afetos do que em conhecimentos.Um dos modos de atuação da filosofia no ensino médio pode ser...

...desenvolver a amplitude e a profundidade desses juízos, pela informação e pelo exame dos princípios e das condições do pensamento e do conhecimento.

Não temos a ilusão de que seja fácil realizar, de modo significativo e preciso, tanto as grandes sínteses sugeridas como a busca da relação entre o conhecimento formal e a experiência dos estudantes.

Talvez, diferentemente do que acontece na universidade, a característica do saber no ensino médio seja a busca de uma generalidade bem informada, ao invés de uma especialização cada vez maior.

O professor de filosofia deve fazer uma seleção que seja significativa para o trabalho na escola, que permita desenvolver temas que encontrem ressonâncias na experiência dos alunos, nas outras disciplinas e na cultura contemporânea.

Encontrar esses temas subterrâneos nem sempre é fácil, mas parece ser uma das possibilidades da investigação histórica e filosófica.

Será que o modo como pensamos ainda não traz algumas características do modo de pensar antigo e medieval?

Será que a modernidade representou uma ruptura absoluta com a tradição?

Essas perguntas parecem sugerir suas respostas, embora a tarefa de dar precisão a elas seja complexa.

Ao propor uma relação entre conhecimento e experiência, sugerimos que o professor...

...esteja atento para as falas habituais – suas, de seus colegas de profissão e dos estudantes...

...e realize uma investigação sobre as concepções que podem estar implícitas em muitas delas.

Essa perspectiva sobre o conhecimento presente no cotidiano da escola pode ajudar a tornar os temas filosóficos, em geral tidos como muito abstratos, mais significativos no aprendizado dos estudantes...

Desse modo, nosso percurso variará entre a busca de informações históricas sobre as teorias de alguns filósofos que  

Page 22: FILOSOFIA FGV - Lições

marcaram épocas e o questionamento sobre as formas de saber presentes na escola e em nossa cultura.

Comparações entre filosofia e outras formas de saber, como mito, religião, senso comum, ciência e arte podem ser desenvolvidas a partir das indicações dadas, e nos parecem, pelas razões expostas, um exercício importante a ser realizado no ensino médio.

Embora a filosofia tenha, de fato, criticado as ideias míticas e religiosas, e tenha construído uma noção de razão que pretende se distinguir do pensamento fundado na crença, é preciso considerar algumas nuances nesse processo.

Na Antiguidade grega, os mitos constituíam um fundo comum de cultura, e a própria educação dos gregos era realizada a partir do conhecimento dos grandes poemas épicos...

...em especial a Ilíada e aOdisseia, de Homero, e aTeogonia, de Hesíodo.

Esses poemas contêm narrativas de feitos originários dos deuses e dos heróis...

...incluindo a criação do próprio mundo e dos homens, além da afirmação de valores próprios da vida dos guerreiros, no caso de Homero, e dos pastores e trabalhadores, no caso de Hesíodo, em seu poema Os trabalhos e os dias.

Com o surgimento dos primeiros questionamentos filosóficos, aos poucos, elabora-se uma visão da natureza em que os fenômenos naturais são explicados a partir de elementos da própria natureza, e não mais pela intervenção de forças divinas.

Contudo, é enganoso pensarmos que esse desenvolvimento se deu de modo abrupto, ou que, já na Antiguidade, tornou-se comum uma visão ateísta, que é característica de tempos mais próximos de nós, a partir do século XVIII.

Aristóteles, no século IV a. C., considerou que os pensadores anteriores a ele deveriam ser chamados de fisiólogos, por terem desenvolvido teorias acerca da phýsis, isto é, da natureza.

Eles teriam procurado determinar os primeiros princípios que explicariam os fenômenos da natureza, e esses princípios teriam sido entendidos como as causas eficientes dos acontecimentos, segundo a própria teoria aristotélica das quatro causas.

Estudos mais recentes mostram que a filosofia propriamente ditaq teria encontrado sua primeira formução na obra de Platão.

Os pensadores anteriores a ele, embora já participassem e contribuíssem para um ambiente de discussão laico e racional, também evidenciavam, em suas teorias, a permanência de temas próprios dos mitos.

Como exemplo, podemos citar a centralidade da água no pensamento daquele que é considerado o primeiro filósofo,Tales de Mileto.A água também tem uma posição importante nas narrativas míticas, seja na forma do Oceano, como um rio que circunda as terras e que corre para si mesmo, realizando um movimento circular eterno, mais próprio da divindade imortal do que dos movimentos múltiplos dos mortais; seja em sua vinculação a rituais gregos e sumérios, onde as águas representam uma das formas do além com que os homens devem entrar em contato.

Fonte

DETIENNE, M. Os mestres da verdade na Grécia arcaica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988, p. 26.

É por força de seu maravilhamento que os seres humanos começam agora a filosofar e,

originalmente, começaram a filosofar; maravilhando-se primeiramente ante perplexidades óbvias

e, em seguida, por um processo gradual, levantando questões também acerca das grandes

matérias, por exemplo, a respeito das mutações da lua e do sol, a respeito dos astros e a respeito

da origem do universo. Ora, aquele que se maravilha e está perplexo sente que é ignorante (de

Page 23: FILOSOFIA FGV - Lições

modo que, num certo sentido, o amante dos mitos é um amante da sabedoria (o philomythos é

um philosophos), uma vez que os mitos são compostos de maravilhas.

Fonte

ARISTÓTELES. Metafísica. 2ª ed. tradução de Valentín Garcia Yebra. Madrid: Ed. Gredos, 1982.

Foi, com efeito, pela admiração que os homens, assim hoje como no começo, foram levados a

filosofar, sendo primeiramente abalados pelas dificuldades mais óbvias, e progredindo em seguida

pouco a pouco até resolverem problemas maiores: por exemplo, as mudanças da Lua, as do Sol e

dos astros e a gênese do Universo. Ora, quem duvida e se admira julga ignorar: por isso, também

quem ama os mitos é, de certa maneira, filósofo, porque o mito resulta do maravilhoso.

FonteARISTÓTELES. Metafísica: livro I e livro II. Tradução de Vinzenzo Cocco et alii. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Coleção Os Pensadores).

De fato, os homens começaram a filosofar, agora como na origem, por causa da

admiração, na medida em que, inicialmente, ficavam perplexos diante das dificuldades

mais simples; em seguida, progredindo pouco a pouco, chegaram a enfrentar

problemas sempre maiores, por exemplo, os problemas relativos aos fenômenos da lua

e aos do sol e dos astros, ou os problemas relativos à geração de todo o universo. Ora,

quem experimenta uma sensação de dúvida e de admiração reconhece que não sabe; e

é por isso que também aquele que ama o mito é, de certo modo, filósofo: o mito, com

efeito, é constituído por um conjunto de coisas admiráveis.

<Fonte>ARISTÓTELES. Metafísica. Ensaio introdutório, texto grego com tradução e comentário de Giovanni Reale. Tradução: Marcelo Perine. São Paulo: LAristóteles aproxima aquele que ama os mitos daquele que ama o saber, isto é, o filósofo.

Em ambos, ocorre a admiração ou o maravilhamento, característica inicial do filosofar. 

Ao experimentarmos uma sensação de dúvida e admiração, reconhecemos um não saber.oyola, 2001.

A dúvida e a admiração, origem do questionamento, do perguntar, surgem de um estado de não saber e provocam seu reconhecimento.

O mito também origina-se daí, pois é um conjunto de coisas admiráveis.

O mito não tem, contudo, a mesma estruturação racional que a filosofia.

Isso não é um defeito em si mesmo, pois, na verdade, o mito não tem os mesmos objetivos que a filosofia.

Desse modo, o estudo e o conhecimento dos mitos não devem ser vistos apenas como curiosidade ou como estudo de histórias irracionais.

Sob essa aparente irracionalidade, sob as formas múltiplas e, por vezes, incoerentes do mito, encontram-se, provavelmente, questões humanas profundas.

 

O mito surge também da admiração r provoca admiração com suas histórias, sendo uma expressão da vida humana mais afetiva e imaginativa do que conceitual. No entanto, o mito não deixa de ser uma expressão da vida, além de satisfazer a necessidades humanas.

Essas necessidades estão ligadas, ao menos pela origem, à filosofia, ao questionamento filosófico.

A arte também apresenta – por meio da sensibilidade e dos jogos de sentidos – questões humanas.

Ela não tem a forma de tratados teóricos ou de argumentações lógicas extensa

Page 24: FILOSOFIA FGV - Lições

Contudo, em seu trabalho sobre as formas, os sons, a linguagem e o corpo, a arte também lida com temas importantes para a vida humana e que, muitas vezes, são investigados nas obras filosóficas.

Essas características é que levam alguns a considerar a arte, os mitos e as religiões como formas de saber, ainda que distintas de um saber estritamente racional. 

Cabe, portanto, questionar O que significará 'saber', nesses casos?

Apesar de esse tema ser polêmico, pensamos que é interessante que o professor, ou o aborde, ou se familiarize com ele, pois ele pode surgir a partir de questões e experiências dos alunos.

Fragmento de Arist´teles:

Não é ofício de poeta narrar o que aconteceu: é, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade. Por efeito, não diferem o historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa(...) diferem sim, em que diz um as coisas que sucederam e outro as que poderiam suceder. |Por isso a poesia é algo mais filosófico e mias sério do que a hist´oria, poi s refere aquela principalmente o universal, e esta o particular. Por referir-se ao universal, entendo eu atgribuir a um indivíduo de determinada natureza pensamentos e ações que, por liame de necessidade e verossimilahnça, comvèm a tal natureza::e ao universal, assim entendido, visa a poesia, ainda que dê nomes às suas personagens. (Aristóteles).

O universal não aparece, na arte, por meio de conceitos, mas, de modo geral, é expresso por um tema, objeto, personagem particular.

Desse modo, a arte consegue realizar uma síntese entre o particular e o universal.

Por essa característica, podemos considerar a arte como uma espécie de caminho para se chegar à compreensão de questões filosóficas.

 

Referência bibliográficaARISTÓTELES. A poética. 1451 b. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores).

Que tipo de conhecimento é proporcionado pela história, já que esta se volta para o particular e procura descrever a multiplicidade de fatos particulares acontecidos aos homens?

ConsiderandA história, como disciplina intelectual, não foi apenas entendida como narrativa de fatos, sejam eles considerados os mais importantes ou os mais variados das sociedades humanas.

A história já foi compreendida como uma ciência, que deve buscar as leis necessárias das transformações das sociedades.

Também já se considerou a história como uma investigação que deve buscar... a compreensão das diferentes situações de vida dos seres humanos; o entendimento mais acurado dos seres humanos particulares e de seus atos.

o as ideias de Aristóteles, podemos refletir também sobre a história.

Page 25: FILOSOFIA FGV - Lições

A discussão sobre o tipo de conhecimento produzido pela história aproxima-se da discussão sobre o caráter das ciências humanas ou sociais...

Devem estas ter seu paradigma de cientificidade nas ciências naturais, buscando a matematização e quantificação dos fenômenos?

Ou devem elas buscar outros métodos, mais adequados a seus interesses de estudo?

Como seriam esses outros métodos, e que objetivos eles deveriam perseguir?

É preciso, para desenvolver uma noção ampla de filosofia, considerar o processo de difierenciação da razão como uma atividade própria, distinta do pensamento mítico e religioso.

Senso comum é uma expressão que foi, muitas vezes, utilizada pelos próprios filósofos para designar o pensamento das pessoas tal como ele ocorre no cotidiano, nas situações comuns da vida.

Sua Caracteristica principais podem ser...

.a orientação prática;

.ausência de sistematicidade;

.as crenças herdadas sem justificação racional.

O senso comum representa um conjunto de opiniões que são aceitas de modo geral, sem que reflitamos sobre sua justificação ou mesmo sobre sua coerência.

Essas opiniões apresentam-se como aquilo que se diz, aquilo que se fala, como se fosse uma fala comum a todos, assumindo um caráter quase inquestionável.O pronome se indica aí o caráter impessoal do pensamento, sua generalidade, supostamente comum a todos.

Contudo, ao ser apresentado como pensamento de todos, o senso comum é, ao mesmo tempo, pensamento de ninguém.

O senso comum pode ser entendido também como ideologia, isto é, um discurso que explica e justifica as relações sociais, ocultando a exploração ou a opressão que está na base dessas mesmas relações.

Atenção: Quando apenas repetimos o que todos falam, ninguém pensa...

O senso comum não deve ser tomado em um sentido exclusivamente negativo.

Afinal, sua orientação prática é um elemento importante para a sobrevivência de todos nós.Sabemos que nem todos os ditados são aplicáveis a qualquer situação, mas é preciso reconhecer – e saber identificar – aquelas situações em que eles são precisamente aplicáveis e revelam sua força.

Se o professor não for capaz de reconhecer a razoabilidade de diversas opiniões comuns, tenderá a negar a própria experiência dos alunos e o aprendizado que resulta dessas experiências diversas e heterogêneas.

No entanto, é claro que não basta reconhecer a razoabilidade.

O trabalho da filosofia consistirá também em avaliar a amplitude e a profundidade dessa razoabilidade. O senso comum representa também, ao lado de crenças não questionadas e formulações ideológicas, uma espécie de sabedoria consagrada pela vida prática, algumas lições ou verdades sociais que foram sintetizadas em alguns ditos ou ditados populares.

Unidade 2

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A palavra logos teve, inicialmente, significados que mal permitiam prever seu destino de traduzir a mais brilhante de todas as conqueistas gregas – a descoberta da razão.

O ambiente social e cultural que se formou na Grécia, no século VI a. C., e teve seu auge em Atenas, no século V a. C., foi representativo de mudanças.

Por meio do desenvolvimento das trocas comerciais, associadas a novidades e trocas linguísticas, econômicas e políticas, esse ambiente permitiu o aparecimento de um novo tipo de questionamento e de discurso sobre a realidade...

...um questionamento que se diferenciava do mito e procurava uma forma de racionalidade ou de sabedoria.

Explicando de outro modo, talvez possamos dizer que se tratava de uma forma de questionar, de falar e de pensar que significou a própria invenção da razão.

O aparecimento de um novo tipo de questionamento e de discurso sobre a realidade, que se diferenciava do mito e procurava uma forma de racionalidade, significou uma transformação da própria linguagem que veio a culminar na elaboração da lógica.

Ocorreu, no pensamento grego, um processo de laicização (Significados de Laicização :

  18 sobe, 8 desce 

1. Laicização

Por stephany m. (PA) em 27-04-2010

Ato de tornar leigo, ou laico: a laicização dos hospitais, do ensino.

Toda sociedade Laica é aquela que não possui religião e afasta de si os preceitos religiosos. A laicizaçãoé o processo pelo qual a sociedade torna-se laica sem incentivos religiosos ou o pragamatismo natural das religiões.

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Sinônimos:   separação      mais...    Antônimos:   junção      união      mais...    Relacionadas:   laico      laica      laicos      laicas      mais...    

  3 sobe, 0 desce 

2. Laicização

Por Dicionário inFormal (SP) em 01-09-2009

Separação

laicização do saber : separação entre o saber e a religião

que predominou sobre um fundo mítico, de experiências religiosas.Uma investigação muito erudita e instrutiva sobre a história da alétheia, palavra grega que costuma ser traduzida como verdade, é encontrada no livro de Marcel Detienne – Os mestres da verdade na Grécia arcaica.

Essa investigação mostra como uma palavra mágico-religiosa, própria dos poetas, dos adivinhos e dos reis de justiça, aos poucos, perdeu sua importância social, por um processo de laicização.

 

Page 27: FILOSOFIA FGV - Lições

O resultado desse processo, que desvinculou aalétheia de uma lógica da ambiguidade, foi o aparecimento de um novo termo, a ágora, característica da discussão na praça pública, cuja lógica é a da contradição, que proporcionará uma nova compreensão de alétheia.

Referência bibliográficaDETIENNE, Marcel. Os mestres da verdade na Grécia arcaica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.

Desenvolveram-se os procedimentos retóricos e os questionamentos filosóficos, que se diferenciaram das formulações míticas...

...produzindo sua autonomia como saber ou como discurso.

(Ágora era a praça principal na constituição da pólis, acidade grega da Antiguidade clássica. Normalmente era um espaço livre de edificações, onde as pessoas costumavam ir, configuradas pela presença de mercados e feiras livres em seus limites, assim como por edifícios de caráter público. Enquanto elemento de constituição doespaço urbano, a ágora manifesta-se como a expressão máxima da esfera pública na urbanística grega, sendo oespaço público por excelência. É nela que o cidadão grego convive com o outro para comprar coisas nas feiras, onde ocorrem as discussões políticas e os tribunais populares: é, portanto, o espaço da cidadania. Por este motivo, a ágora (assim como o pnyx, o espaço de realização das eclesias) era considerada um símbolo da democracia direta, e, em especial, dademocracia ateniense, na qual todos os cidadãos tinham igual voz e direito a voto. A de Atenas, por este motivo, também é a mais conhecida de todas as ágoras nas pólis da antiguidade. Nas ágoras estavam presentes em maioria os aqueus, que se destacavam pela habilidade comercial e de mercado.)

A lógica da contradição não será exclusivamente filosófica.

Na lógica da ambiguidade, própria da palavra dos poetas, dos adivinhos e dos reis de justiça, há um deslizamento contínuo de sentido entre alétheia –verdade – e léthe – esquecimento.

Contudo, quando se desenvolve uma contradição entre esses sentidos, os interlocutores serão instados a escolher um ou outro, mas não os dois.

Em outras palavras, os poetas, como mestres da verdade, são também mestres do engano, e essa característica os constitui como poetas.Os filósofos e os  sofistas , como Protágoras   e Górgias, serão os principais representantes da palavra em outro contexto histórico e cultural...

...ou eles se posicionarão como buscadores da verdade, por a conceituarem como real e necessária, como no caso dos filósofos...

...ou como mestres da retórica e, portanto, mestres do engano, por sustentarem a tese da inexistência da verdade, como os sofistas.

Atualmente, podemos perceber que esses estrangeiros não falavam a língua grega, mas , na época, a consciência da diferença parecia afirmar, necessariamente, uma diferença de valor entre os povos, entre os homens livres e os escravos.

O livro de Marcel Detienne identifica os guerreiros como o grupo social em que a palavra contraditória, pública, que fala do agora, do tempo da cidade, dos acontecimentos, primeiro se desenvolveu.

Ao lado da obra de Detienne já se tornou clássica a obra de Jean Pierre Vernant sobre as origens do pensamento filosófico grego.

Page 28: FILOSOFIA FGV - Lições

Esse autor também estuda as condições históricas de surgimento do pensamento filosófico grego, que incluíram condições técnicas, econômicas, culturais e sociais, representando uma ampla transformação com relação ao modo de vida dos povos que os antecederam.

Os próprios gregos se tornaram orgulhosos de sua cultura e de sua condição de liberdade, diante dos estrangeiros.

Talvez pelo desenvolvimento dessa diferença, os gregos chegaram a chamar os estrangeiros, de modo geral, de bárbaros, palavra que era uma interjeição balbuciante, indicando pessoas que não sabiam falar.

DETIENNE, Marcel. Os mestres da verdade na Grécia arcaica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.

VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego. São Paulo: DIFEL, 1986.

Uma apresentação informada e instrutiva das diversas compreensões do surgimento da razão e da

filosofia entre os gregos, abordando outros autores e posições além daquelas aqui indicadas, pode

ser encontrada no seguinte livro...

Fonte

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia, v. 1. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.

A análise dos sentidos que a plavra Sophia assume nos textos gregos mostra que ela foi compreendida como...

...habilidade artesanal, em Homero, no século VIII a.C...

...arte poética ou sabedoria em Xenófanes, no século VI a.C.

Em Sólon – século VI a.C. –, há um alargamento de seu conceito, para abranger...

...um misto de experiência e de capacidade intelectual para a utilizar ou, também, um reconhecimento da medida e dos limites, que possibilita ao homem colocar os seus atos sob a égide da justiça – como afirma a autora Maria Helena da Rocha Pereira.

Segundo a autora, também podemos concluir quesophía designava, a princípio, uma forma qualquer de saber e acabou por tomar um sentido alheio a qualquer especialização.

Essa linha de desenvolvimento é semelhante àquela traçada por Aristóteles – século IV a.C. –, na Ética a Nicômaco, onde ele se refere à sophía dos artífices para, depois, concluir que ela é, ao mesmo tempo, nôus –entendimento – e epistéme – saber.

Em suma, a partir de Sólon, a palavra se torna um conceito geral para designar a capacidade humana de reconhecer as fronteiras que lhe cabem nas coisas e acontecimentos.

As palavras sophós e sophistês foram usadas indiferentemente para designar os Sete Sábios e, por muito tempo, foram sinônimas.

 

Foram utilizadas também para se referir aos poetas, aos músicos ou aos médicos.

Em Heráclito – século V a.C. –, o sentido de sophós é associado ao de lógos, outra palavra cujo sentido deve ser investigado.

Escutar o lógos é escutar, de algum modo, a voz da natureza, do ordenamento das coisas naturais, é compreender – homologar – que tudo é um e conhecer o pensamento que governa tudo através de tudo.

Em Heráclito, a essência do que é 'sophón' é conhecer o pensamento que governa todas as coisas

através de tudo. (Fr. 41 Diels), ser sensato é a maior excelência, e 'sophíe' é falar a verdade e

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tornar os homens atentos à natureza (Fr. 112 Diels); só há uma maneira de ser 'sophós', é escutar

não a mim, mas ao logos e obedecer-lhe(Fr. 50 Diels). Para ele, essa palavra é uma expressão do

modo e medida em que o homem entra em relação com o 'lógos' – como escreve Gladigow.

Fonte

PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Estudos de história da cultura clássica I: Cultura grega. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 1970. p. 186.

Segundo Heráclito...

41. Pois uma só é a (coisa) sábia, possuir o conhecimento que tudo dirige através de tudo.

112. Pensar sensatamente (é) virtude máxima e sabedoria é dizer (coisas) verídicas e fazer

segundo (a) natureza, escutando.

50. Não de mim, mas do logos tendo ouvido é sábio homologar tudo é um. [observar a relação

logos – homologar. O componente homo- significa junto.FonteHERÁCLITO. Fragmentos. Tradução de José Cavalcante de Souza. 2a.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. Coleção Os Pensadores.

Dessa forma, sentidos derivados do logos seriam...

...argumentação, discurso, palavra em oposição a ação...

...prosa em oposição a poesia...

...razão.

A palavra lógos teve, inicialmente, significados que mal permitiam prever seu destino de traduzir a mais brilhante de todas as conquistas gregas – a descoberta da razão.

Outra interpretação filológica pretende ver, em lógos, o sentido básico de palavra.

 

Em Parmênides, já se encontram o sentido positivo de argumentação e o sentido de razão.

Em Heráclito, como afirma Maria Helena da Rocha Pereira, o lógos é, ao mesmo tempo, o próprio sistema de argumentação e o sistema objetivo do mundo.

Isso ocorre porque o mundo objetivo e o mundo do pensamento de Heráclito são dois aspectos de uma só e mesma coisa, e não existe nenhuma fronteira nítida entre seu pensamento e o respectivo objeto.

Portanto, o lógos do Pensador de Éfeso é uma manifestação da estrutura racional das coisas.

 

Um sentido positivo de argumentação e um sentido de razão são encontrados em Parmênides. 

Em Heráclito, o lógos parece indicar algo comum ao pensamento e ao mundo, uma estrutura racional das coisas que pode ser apreendida pelo pensamento.

 

Referência bibliográficaPEREIRA, Maria Helena da Rocha. Estudos de história da cultura clássicaI: Cultura grega. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 1970.Dispunha o grego de um verbo légein – em grego clássico: dizer –, que a princípio significava colher. Do mesmo étimo, apenas

 

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com outro grau vocálico, é logos, que designaria o resultado da ação expressa pelo verbo, ou seja, a de colher ou reunir. Do sentido de reunir se passa facilmente ao de fazer a contagem. E, nesse ponto, começa a bifurcação semântica, que poderá exprimir-se pelo seguinte esquema:

1. contar – enumerar – narrar

2. contar – conta – cálculo – reflexão – discussão

3. Por sua vez, de conta podem ainda derivar-se sucessivamente consideração, avaliação, fundamentação, relação.

FontePEREIRA, Maria

Helena da Rocha. Estudos

de história da cultura clássica

I: Cultura grega. Lisboa:

Fundação Calouste

Gulbenkian, 1970. p. 186.

 

Daí o escárnio, dirigido aos sofistas...mas tendo como personagem o próprio Sócrates, na peça de Aristófanes, chamada As Nuvens.

No século V, os sentidos de sophós e de sophistês começam a se diferenciar.

Segundo Platão, os próprios sofistas se nomeiam com essa palavra e teriam angariado descrédito para ela.

São conhecidos como mestres de sabedoria, capazes de falar sobre tudo, por dominarem, especialmente, a retórica, a arte de bem falar.

Aqueles que proferiam belos discursos nas festas e assembleias tornam-se aqueles que vendem seu saber aos que querem alcançar êxito nos assuntos da cidade...

...em especial, os filhos das famílias mais ricas que pretendem se sobressair como políticos, na condução da pólis

Page 31: FILOSOFIA FGV - Lições

Essa forma de sabedoria se expressava por meio de frases concisas e cheias de significado que se teriam tornado verdadeiros lemas da cultura.

Podemos encontrar a apresentação de uma determinada compreensão da sabedoria no diálogo de Platão, intitulado Protágoras.

Nesse diálogo, Platão apresenta o tipo de sabedoria que seria própria dos antigos – daqueles que seriam conhecidos como osSete Sábios   da Grécia e também dos lacedemônios – os habitantes de Esparta.

Um trabalho a ser desenvolvido com alunos a partir do diálogo de Platão intitulado Protágoras –

especificamente no trecho de 342a a 343c – seria... 

Em parceria com professores de Línguas e Literatura, História e Sociologia, investigar os

provérbios e ditados de nossa cultura – e de outras- , questionando a possibilidade de encontrar

neles alguma forma de saber que poderia, talvez, nos caracterizar como uma forma de cultura

própria.Na Academia de Platão, talvez por inspiração pitagórica, desenvolveu-se o sentido de philósophos como...

...amigo da sabedoria, aquele que busca a sabedoria sem poder alcançá-la completamente...

...diferenciando-se do sábio, sophós, que representaria a perfeição espiritual, própria dos deuses.

Essa diferença, entre um saber que e p´rópria do nhomem, em virtude de nossas próprias limitações, e um outro saber que excede as capacidades humanas, é apresentado por Sócrates, segundo o relato de seu discurso aos atenienses em seu julgamento feito por Platão na obra Apologia de Sócrates.

Nesse caso, o saber que excede as capacidades humanas é aquele que os próprios sofistas se atribuem, que se apresenta como um saber falar sobre tudo a partir do domínio das técnicas retóricas.

Sócrates mostra que essa aparência de saber está presente no discurso dos plliticos, dos poetas e mesmo dos artesãos, pois estes, por saberem fazer muito bem uma determinada coisa-por exemplo, um sapato – julgan-se capazes de falar e opinar sobre, como se tudo soubessem.

Por meio de perguntas, buscando identificar os conceitos de que se fala, aquilo que faz as coisas serem o que elas são e não outras, coisas, Sócrates realizou várias refutações, mostrando que alguns dos homens tidos como sábios de seu tempo, na verdade, não sabiam do que falavam.

Essas refutações representam uma das principais matérias dos diálogos escritos por Platão.

Nota-se aqui uma característica importante do pensamento filosófico, que buscaremos destacar... a atenção crítica a seus próprios limites. Sócrates, ao apresentar o saber reclamado pelos sofistas como algo não próprio aos homens, como algo até mesmo sobrehumano, de certo modo, volta contra eles a acusação de impiedade que lhe era atribuída.

A verdadeira insolência está no comportamento de quem pretende saber o que, na verdade, não

Page 32: FILOSOFIA FGV - Lições

sabe. Este se coloca fora da medida em sua relação quer com os homens, quer quiçá com os deuses...

Porque eu, cidadãos atenienses, se conquistei esse nome, foi por alguma sabedoria. Que sabedoria

é essa? Aquela que é, talvez propriamente, a sabedoria humana. É, em realidade, arriscado ser

sábio nela: mas aqueles de quem falávamos ainda há pouco seriam sábios de uma sabedoria mais

que humana, ou não sei que dizer, porque decerto não a conheço. Não façais rumor, cidadãos

atenienses, não fiqueis contra mim, ainda que vos pareça que eu diga qualquer coisa absurda:

pois que não é meu o discurso que estou por dizer, mas refiro-me a outro que é digno de vossa

confiança.

Apresento-vos, de fato, o deus de Delfos como testemunha de minha sabedoria, se eu a tivesse, e

qualquer que fosse. Conheceis bem Querefonte. Era meu amigo desde jovem, também amigo do

vosso partido democrático, e participou de vosso exílio e convosco repatriou-se. E sabeis também

como era Querefonte, veemente em tudo aquilo que empreendesse. Uma vez, de fato, indo a

Delfos, ousou interrogar o oráculo a respeito disso e – não façais rumor, por isso que digo –

perguntou-lhe, pois, se havia alguém mais sábio que eu. Ora, a pitonisa respondeu que não havia

ninguém mais sábio. E a testemunha disso é seu irmão, que aqui está.

Considerai bem a razão porque digo isso: estou para demonstrar-vos de onde nasceu a calúnia. Em verdade, ouvindo isso, pensei: que queria dizer o deus e qual é o sentido de suas palavras obscuras? Sei bem que não sou sábio, nem muito nem pouco: o que quer dizer, pois, afirmando que sou o mais sábio? Certo não mente, não é possível. E fiquei por muito tempo em dúvida sobre o que pudesse dizer; depois de grande fadiga resolvi buscar a significação do seguinte modo: fui a um daqueles detentores da sabedoria, com a intenção de refutar, por meio dele, sem dúvida, o oráculo, e, com tais provas, opor-lhe a minha resposta: este é mais sábio que eu, enquanto tu dizias que eu sou o mais sábio. Examinando esse tal: – não importa o nome, mas era, cidadãos atenienses, um dos políticos, este de quem eu experimentava essa impressão – e falando com ele, afigurou-se-me que esse homem parecia sábio a muitos outros e principalmente a si mesmo, mas não era sábio.

Procurei demonstrar-lhe que ele parecia sábio sem o ser. Daí me veio o ódio dele e de muitos dos

presentes. Então, pus-me a considerar, de mim para mim, que eu sou mais sábio do que esse

homem, pois que, ao contrário, nenhum de nós sabe nada de belo e de bom, mas aquele homem

acredita saber alguma coisa, sem sabê-la, enquanto eu, como não sei nada, também estou certo

de não saber. Parece, pois, que eu seja mais sábio do que ele, nisso – ainda que seja pouca coisa:

não acredito saber aquilo que não sei. Depois desse, fui a outro daqueles que possuem ainda mais

sabedoria que esse, e me pareceu que todos são a mesma coisa. Daí veio o ódio também deste e

de muitos outros.

Finalmente, um texto de Aristóteles nos ajuda a investigar alguns sentidos da palavra sophía que

ajudam a caracterizar a filosofia.

Aqui, Aristóteles está em busca das características que melhor se aplicam àquela que merece ser

chamada a primeira sabedoria... 

Para quem ainda está fora da filosofia a coisa pode estar parecendo confusa. Mas a razão da dificuldade é fácil de explicar: talvez seja possível dizer e entender o que é a física, de fora da física; e dizer e entender o que é a química, de fora da química. Mas, para dizer e entender o que é a filosofia, é preciso já estar dentro dela. O que é a física não é uma questão física, o que é a química não é uma questão química, mas o que é a filosofia já é uma questão filosófica – e talvez uma das características da questão filosófica seja o fato de suas respostas ou tentativas de respostas jamais esgotarem a questão, que permanece assim com sua força de questão, a convidar outras

Page 33: FILOSOFIA FGV - Lições

respostas e outras abordagens possíveis e já que os filósofos não vão mesmo entrar num acordo, deixemos de lado o problema da definição. Entremos de uma vez na filosofia, mas propriamente na metafísica de Aristóteles, onde este está justamente em busca de uma sophia (sabedoria) que seja a maior, a mais importante, a primeira sabedoria.

 

É, pois, evidente que a sabedoria (sophía) é uma ciência sobre certos princípios e causas. E, já que

procuramos esta ciência, o que deveríamos indagar é de que causas e princípios é ciência a sabedoria. Se

levarmos em conta as opiniões que temos a respeito do sábio, talvez isso se torne mais claro. Pensamos, em

primeiro lugar, que o sábio sabe tudo, na medida do possível sem ter a ciência de cada coisa particular. Em

seguida, consideramos sábio aquele que pode conhecer as coisas difíceis e não de fácil acesso para a

inteligência humana (pois o sentir é comum a todos e por isso é fácil, e nada tem de sábio). Ademais aquele

que conhece com mais exatidão e é mais capaz de ensinar as causas, consideramo-lo mais sábio em qualquer

ciência. E, entre as ciências, pensamos que é mais sabedoria a que é desejável por si mesma e por amor ao

saber, do que aquela que se procura por causa dos resultados, e [pensamos] que aquela destinada a mandar é

mais sabedoria do que a subordinada. Pois não deve o sábio receber ordens, porém dá-las, e não é ele que há

de obedecer ao outro, porém deve obedecer a ele o menos sábio. Tais são por sua qualidade e seu número, as

ideas que temos acerca da sabedoria e dos sábios.

Cada uma das características apontadas por Aristóteles mereceria um exame especial. Mas fixemo-nos em

algumas delas. O saber filosófico: 1) é um saber de todas as coisas, um saber universal; num certo sentido,

nada está fora do campo da filosofia; 2) é um saber pelo saber: um saber livre, e não um saber que se

constitui para resolver uma dificuldade de ordem prática; 3) é um saber pelas causas; o que Aristóteles

entende por causa não é exatamente o que nós chamamos por esse nome; de qualquer forma, saber pelas

causas envolve o exercício da razão, e esta envolve a crítica: o saber filosófico é, pois, um saber crítico.

Se a retórica busca as regras do discurso persuasivo, a filosofia vai buscar as regras do discurso verdadeiro.

Para chegarmos a essas definições, precisamos raciocinar.

Tomaremos como base, para retratar a figura de Sócrates, os diálogos de Platão.

Em Sócrates, encontramos as características próprias da filosofia. São elas...

...a construção de conceitos, a argumentação e a problematização.

A partir da capacidade de problematizar, com a formulação de perguntas, abordaremos a construção dos conceitos por meio da busca das características essenciais de um ser.

Uma das características de Sócrates, nos diálogos, é fazer perguntas.

Seu discurso não é um conjunto de afirmações, mas é, por meio das perguntas, que ele vai buscando o conhecimento sobre os temas discutidos.

Ao fazer a pergunta o que é...? Sócrates exige que seus interlocutyores dêem mais do que exemplos...

Desse modo, a pergunta de Sócrates encaminha a exigência de construções rigorosas de conceitos.

Sócrates exige de seus interlocutores que não dêem apenas exemplos do que se pergunta, mas que busquem as características que fazem com que algo seja aquilo que é, e não outra coisa.

A coragem, por exemplo, não pode ser definida apenas como lutar bravamente com o inimigo, pois, se alguém se lança, temerariamente, contra uma força muito maior que a sua, talvez não seja propriamente corajoso, mas, quem sabe, apenas imprudente ou, até mesmo, suicida...

Page 34: FILOSOFIA FGV - Lições

A exigência de construções rigorosas de conceitos será desenvolvida por outros pensadores, em particular porPlatão e Aristóteles

A essência deve ser definida por aquelas características que expressam a natureza verdadeira e única de um ser.

Desse modo, devemos distinguir ainda entre a essência e o próprio. Por exemplo...

...a essência do homem será a de um animal racional.

Contudo, alguém poderia afirmar que o homem pode ser definido como um animal que ri. Por ser o único entre os animais que ri, essa definição seria adequada ao homem, pois se aplicaria apenas a ele e a nenhum outro ser.

No entanto, apesar de o riso ser algo próprio ao homem, não expressaria nossa verdadeira natureza, o que só seria feito pela racionalidade.

Essas características é que permitirão elaborar uma definição adequada para os conceitos.

 

Para Platão, toma a forma da exigência de se contemplar as Ideias ou Formas Puras, como o Bem em si mesmo ou a Beleza em si mesma.

Aristóteles distingue essência de acidentes, sendo estes últimos características não necessariamente vinculadas ao ser de que se fala.

A sutileza no exame da linguagem mostrou-se necessária aos filósofos na formulação de um ponto de vista distinto do dos sofistas.

Enquanto os sofistas usavam o discurso como forma de persuadir pela adesão primordialmente emotiva, apaixonada, os filósofos buscam descobrir os critérios de racionalidade presentes no discurso.

Para sabermos do que falamos, devemos considerar, amplamente, o que buscamos conhecer.

Sócrates mostra, em seus diálogos, como as opiniões apresentadas por seus interlocutores levavam a contradições.

Ora, uma opinião que se contradiz não pode ser considerada verdadeira.Com esse procedimento, mostrava que diversas pessoas da cidade, em particular aqueles que se julgavam sábios ou eram assim julgados por outros, não sabiam do que estavam falando...

Esse princípio está subjacente aos raciocínios de Sócrates.

Podemos identificar nas refutações realizadas por Sócrates um procedimento lógico.

Sócrates constrói raciocínios, afirmações que se articulam com outras de modo a demonstrar a verdade de suas conclusões.

 

Essa análise das formas lógicas da linguagem vai ser desenvolvida por Aristóteles.

Essa parte de sua obra chamou-se Órganon, palavra que significa instrumento.

Atualmente, conhecemos essa parte das teorias de Aristóteles como lógica ou teoria do silogismo.

A lógica pode ser compreendida como a teoria do raciocínio correto.

Era preciso distinguir os raciocínios corretos dos raciocínios errados ou enganadores, que não conduziam a conclusões verdadeiras.

Portanto, se a retórica busca as regras do discurso persuasivo, a filosofia vai buscar as regras do discurso verdadeiro.

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Como um discurso deve constituir-se para poder dizer a verdad?

Essa pergunta, sem dúvida, é diferente desta outra...

Como deve constituir-se um discurso capaz de conquistar a adesão de público?

Sócrates dizia usar um método chamado maiêutica, isto é, a arte de partejar, a arte das parteiras, de saber fazer nascer as crianças, os novos começos, as ideias.

Por meio de suas perguntas, ela não transmitia um saber para seus interlocutores, mas os ajudava a encontrar as respostas para suas questões.

 

O primeiro passo da maiêutica, no entanto, é mostrar que aquilo que pensamos que sabemos, na verdade, ainda não é um saber.

Sócrates realiza uma refutação das ideias apresentadas pelos interlocutores por intermédio de uma série de perguntas.

Ao responder a essas perguntas, o companheiro de diálogo de Sócrates, geralmente, cai em uma contradição...

...fazendo afirmações que negam umas às outras, e, dessa forma, Sócrates mostra que aquele suposto saber não tem qualquer valor.

Vamos ver uma cena de um filme que se relaciona com esse conteúdo.

SinopseDan Millman (MECHLOWICZ) é um talentoso ginasta adolescente que sonha em participar das Olimpíadas. Um dia, seu mundo vira de pernas para o ar quando conhece um misterioso estrangeiro chamado Sócrates (NOLTE). Depois de sofrer uma séria lesão, Dan conta com a ajuda de Sócrates e de uma jovem chamada Joy (SMART). Ele descobrirá que ainda tem muito a aprender e que terá de deixar várias coisas para trás para se tornar um guerreiro pacífico e assim encontrar seu destino.

Ficha técnicaPEACEFUL Warrior = PODER além da vida. Direção: Victor Salva. Intérpretes: Scott Mechlowicz; Nick Nolte; Amy Smart. Estados Unidos: DEJ Productions/Sobini Films/MHF Zweite Academy Film/Inferno Distribution, 2006. 120 min., son., color.

Um exemplo do tipo de refutação realizada pela maiêutica aparece no diálogo Banquete, quando, após o discurso de Agatão, Sócrates o questiona o que acaba de falar... 

- Realmente, caro Agatão, bem me pareceste iniciar teu discurso, quando dizias que primeiro se devia mostrar o próprio Amor, qual a sua natureza, e depois as suas obras. Esse começo, muito o

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admiro. Vamos então, a respeito do Amor, já que em geral explicaste bem e magnificamente qual é a sua natureza, dize-me também o seguinte: é de tal natureza o Amor que é amor de algo ou de nada? Estou perguntando, não se é de uma mãe ou de um pai – pois ridícula seria essa pergunta, se Amor é amor de um pai ou ele uma mãe – mas é como se, a respeito disso mesmo, de pai, eu perguntasse: Porventura o pai é pai de algo ou não? Ter-me-ias sem dúvida respondido, se me quisesses dar uma bela resposta, que é de um filho ou de uma filha que o pai é pai ou não? – Exatamente – disse Agatão.– E também a mãe não é assim?– Também – admitiu ele.– Responde-me ainda, continuou Sócrates, mais um pouco, a fim de melhor compreenderes o que quero. Se eu te perguntasse: E irmão, enquanto é justamente isso mesmo que é, é irmão de algo ou não? – É, sim, disse ele.– De um irmão ou ele uma irmã, não é? Concordou.– Tenta então, continuou Sócrates, também a respeito do Amor dizer-me: o Amor é amor de nada ou de algo?– De algo, sim.– Isso então, continuou ele, guarda contigo, lembrando-te de que é que ele é amor; agora dize-me apenas o seguinte: Será que o Amor, aquilo de que é amor, ele o deseja ou não?– Perfeitamente – respondeu o outro.– E é quando tem isso mesmo que deseja e ama que ele então deseja e ama, ou quando não tem?– Quando não tem, como é bem provável – disse Agatão.– Observa bem, continuou Sócrates, se em vez de uma probabilidade não é uma necessidade que seja assim, o que deseja, deseja aquilo de que é carente, sem o que não deseja, se não for carente. É espantoso como me parece, Agatão, ser uma necessidade; e a ti?– Também a mim – disse ele.Tens razão. Pois porventura desejaria quem já é grande ser grande, ou quem já é forte ser forte?– Impossível, pelo que foi admitido.– Com efeito, não seria carente disso o que justamente é isso.– É verdade o que dizes.– Se, com efeito, mesmo o forte quisesse ser forte, continuou Sócrates, e o rápido ser rápido, e o sadio ser sadio – pois talvez alguém pensasse que nesses e em todos os casos semelhantes os que são tais e têm essas qualidades desejam o que justamente têm, e é para não nos enganarmos que estou dizendo isso – ora, para estes, Agatão, se atinas bem, é forçoso que tenham no momento tudo aquilo que tem, quer queiram, quer não, e isso mesmo, sim, quem é que poderia desejá-lo? Mas quando alguém diz: Eu, mesmo sadio, desejo ser sadio, e mesmo rico, ser rico, e desejo isso mesmo que tenho, poderíamos dizer-lhe: O homem, tu que possuis riqueza, saúde e fortaleza, o que queres é também no futuro possuir esses bens, pois no momento, quer queiras quer não, tu os tens; observa então se, quando dizes desejo o que tenho comigo, queres dizer outra coisa senão isso: quero que o que tenho agora comigo, também no futuro eu o tenha. Deixaria ele de admitir?

Agatão, dizia Aristodemo, estava de acordo.

Disse então Sócrates: 

– Não é isso então amar o que ainda não está à mão nem se tem, o querer que, para o futuro, seja

isso que se tem conservado consigo e presente?

– Perfeitamente – disse Agatão.

– Esse então, como qualquer outro que deseja, deseja o que não está a mão nem consigo, o que

não tem, o que não é ele próprio e o de que é carente; tais são mais ou menos as coisas de que há

desejo e amor, não é?

– Perfeitamente – disse Agatão.

– Vamos então, continuou Sócrates, recapitulemos o que foi dito. Não é certo que é o Amor,

primeiro de certas coisas, e depois, daquelas de que ele tem precisão?

– Sim – disse o outro.

– Depois disso então, lembra-te de que é que em teu discurso disseste ser o Amor; se preferes, eu

te lembrarei. Creio, com efeito, que foi mais ou menos assim que disseste, que aos deuses foram

arranjadas suas questões através do amor do que é belo, pois do que é feio não havia amor. Não

era mais ou menos assim que dizias?

– Sim, com efeito – disse Agatão.

– E acertadamente o dizes, amigo, declarou Sócrates; e se é assim, não é certo que o Amor seria

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da beleza, mas não da feiúra? Concordou.

– Não está então admitido que aquilo de que é carente e que não tem é o que ele ama?

– Sim – disse ele.

– Carece então de beleza o Amor, e não a tem?

– É forçoso.

– E então? O que carece de beleza e de modo algum a possui, porventura dizes tu que é belo?

– Não, sem dúvida.

– Ainda admites por conseguinte que o Amor é belo, se isso é assim?

E Agatão: – É bem provável, ó Sócrates, que nada sei do que então disse?

– E no entanto, prosseguiu Sócrates, bem que foi belo o que disseste, Agatão. Mas dize-me ainda

uma pequena coisa: o que é bom não te parece que também é belo?

– Parece-me, sim.

– Se portanto o Amor é carente do que é belo, e o que é bom é belo, também do que é bom seria

ele carente.

– Eu não poderia, ó Sócrates, disse Agatão, contradizer-te; mas seja assim como tu dizes.

– É a verdade, querido Agatão, que não podes contradizer, pois a Sócrates não é nada difícil.

Um outro exemplo, mas agora da parte positiva da maiêutica, isto é, do momento em que, por

meio das perguntas, Sócrates faz com que o interlocutor formule suas próprias ideias sobre um

assunto que até então ignorava, pode ser encontrado no diálogo Ménon.

Nesse texto, Sócrates faz um escravo, portanto, um homem sem cultura – um instrumento que

fala, no dizer de Aristóteles –, descobrir por si mesmo algumas verdades da geometria.

Esse texto pode ser trabalhado em sala de aula juntamente com um professor de matemática,

para reconstruir os raciocínios e a demonstração geométrica realizados por Sócrates...

– Ménon. Mas que queres dizer com isso, que não aprendemos, mas sim que aquilo que chamamos

aprendizado é rememoração? [81 e] (...)

- Sócrates. Chama-me, pois, um desses muitos servidores teus (...) para que com ele eu te faça

uma demonstração. (...) Presta pois atenção para ver qual das duas coisas ele se revela a ti

<como fazendo>: rememorando ou aprendendo comigo. [82 a – b] (...)

- Vês, Mênon, que eu não estou ensinando isso absolutamente, e sim estou perguntando tudo?

Neste momento, ele pensa que sabe qual é a linha da qual se formará a superfície de oito pés. Ou

não te parece <que ele pensa que sabe>?

– Sim, parece-me que sim.

– E sabe?

– Certamente não.

– Mas acredita, sim, que a <superfície será formada> a partir da linha que é o dobro <desta>. [82

e] (...)- Estás te dando conta mais uma vez, Mênon, do ponto de rememoração em que já está este menino, fazendo sua caminhada? <Estás te dando conta> de que no início não sabia qual era a linha da superfície de oito pés, como tampouco agora ainda sabe, tampouco acredita que sabe.– Dizes a verdade.– E não é verdade que agora está melhor a respeito do assunto que não conhecia?– Também isso me parece.– Tendo-o então feito cair aporia e entorpecer-se como <faria> uma raia, será que lhe causamos algum dano?– Não, não me parece.– De qualquer forma, fizemos algo de proveitoso, ao que parece, em relação a ele descobrir de que maneira são <as coisas de que tratamos>. Pois agora, ciente de que não sabe, terá, quem sabe, prazer em, de fato, procurar, ao passo que, antes, era facilmente que acreditava, tanto diante de muitas pessoas quanto em muitas ocasiões, estar falando com propriedade, sobre a superfície que é o dobro, que é preciso que ela tenha a linha que é o dobro em comprimento.– Parece.– Sendo assim, acreditas que ele trataria de procurar ou aprender aquilo que acreditava saber,

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embora não sabendo, antes de ter caído em aporia – ao ter chegado ao julgamento de que não sabe – e de ter sentido um anseio por saber?– Não me parece, Sócrates.– Logo, ele tirou proveito de ter-se entorpecido?– Parece-me <que ele tirou>. [84 a – c] (...)

- Que te parece, Mênon? Há uma opinião que não seja dele que este <menino> deu como resposta?– Não, mas sim dele.– E no entanto, ele não sabia, como dizíamos um pouco antes.– Dizes a verdade.– Mas estavam nele, essas opiniões; ou não?– Sim, estavam.– Logo, naquele que não sabe, sobre as coisas que porventura não saiba, existem opiniões verdadeiras – sobre estas coisas que não sabe?– Parece que sim.– E agora, justamente, como num sonho, essas opiniões acabaram de erguer-se nele. E se alguém lhe puser essas mesmas questões frequentemente e de diversas maneiras, bem sabes que ele acabará por ter ciência sobre estas coisas não menos exatamente que ninguém.– Parece.– E ele terá ciência, sem que ninguém lhe tenha ensinado, mas sim interrogado, recuperando ele mesmo, de si mesmo, a ciência, não é?– Sim.– Mas, recuperar alguém a ciência, ele mesmo em si mesmo, não é rememorar?– Perfeitamente.– E não é verdade ainda que a ciência que ele tem agora, ou bem ele adquiriu em algum momento ou bem sempre teve?– Sim.– Ora, se sempre teve, ele sempre foi alguém que sabe; mas, se adquiriu em algum momento, não seria pelo menos na vida atual que adquiriu, não é? Ou alguém lhe ensinou a geometria? <Pergunto> porque ele fará estas mesmas <descobertas> a respeito de toda a geometria e mesmo de todos os outros conhecimentos sem exceção. Ora, há quem lhe tenha ensinado todas estas coisas? <Pergunto-te porque estás, penso, em condição de saber, quanto mais não seja porque ele nasceu e foi criado na tua casa.– Mas eu bem si que ninguém jamais <lhe> ensinou.– Mas ele tem ou não essas opiniões?– Necessariamente <tem>, Sócrates, é evidente.– Mas se não é por ter adquirido na vida atual <que as tem>, não é evidente, a partir daí, que em outro tempo as possuía e as tinha aprendido?– É evidente.

– E não é verdade que esse tempo é quando ele não era um ser humano?-sim.

– Se, então, tanto durante o tempo em que ele for quanto durante o tempo que não for um ser humano, deve

haver nele opiniões verdadeiras, que, sendo despertadas pelo questionamento, se tornam ciências, não é por

todo o sempre que sua alma será <uma alma> que já tinha aprendido? Pois é evidente que é por todo o tempo

que ele existe ou não existe como ser humano.

– É evidente.

– E se a verdade das coisas que são está sempre na nossa alma, a alma deve ser imortal, não é? de modo que

aquilo que acontece não saberes agora – e isto é aquilo de que não te lembras – é necessário, tomando

coragem, tratares de procurar e de rememorar.

– Parece-me que tens razão, Sócrates, não sei como.

– Pois a mim também, Mênon, <parece-me que tenho razão>. Alguns outros pontos desse argumento, claro, eu

não afirmaria com grande convicção. Mas que, acreditando que é preciso procurar as coisas que não se sabem,

seríamos melhores, bem como mais corajosos e menos preguiçosos do que se acreditássemos que, as coisas

que não conhecemos, nem é possível encontrar nem é preciso procurar – sobre isso lutaria muito se fosse

capaz, tanto por palavras quanto por obras.

– Também quanto a isso parece-me que tens razão, Sócrates.

– Queres então, já que estamos de acordo em que é preciso procurar aquilo que não se conhece, que tratemos

conjuntamente de procurar o que é afinal a virtude? [85 b – 86 c]

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FontePLATÃO. Banquete. São Paulo: DIFEL, 1986. 199 c – 201 c.

No  Ménon , justificam-se duas teses do pensamento de Platão...

Relembrando a geometria – Sócrates, após citar o poema de Píndaro sobre a alma, demonstrará

que a alma é aquilo que ela aprendeu.

 

[Platão. Ménon. 81 c – d]

 

Então a alma, sendo imortal e várias vezes nascida, tendo visto todas as [coisas] daqui e do

Hades, ela é aquilo que aprendeu. Não é espantoso que ela seja capaz de rememorar por si

mesma o que aprendeu antes a respeito da virtude e de todos [os seres]?

 

[Texto de Platão]

(pedir referência completa ao autor)

Sendo congênita a toda natureza, tendo a alma aprendido todos [os seres], não é impossível que

uma única rememoração, que, aliás, os homens chamam de saber, desvende-lhe todas as demais,

se for corajoso e se não se abandonar a busca, pois buscar [saber] e aprender são de todo

rememoração.

 

WATANABE, Lygia Araujo. Platão por mitos e hipóteses. São Paulo: Moderna, 1995. (Logos).

 

Sendo então a alma imortal e tendo nascido muitas vezes, e tendo visto tanto as coisas <que

estão> aqui quanto as <que estão> no Hades, enfim todas as coisas, não há o que não tenha

aprendido; de modo que não é nada de admirar, tanto com respeito à virtude quanto ao demais,

ser possível a ela rememorar aquelas coisas que justamente já ante conhecia.

Pois, sendo a natureza toda congênere e tendo a alma aprendido todas as coisas, nada impede

que, tendo <alguém> rememorado uma só coisa – fato esse precisamente que os homens

chamam aprendizado –, essa pessoa descubra todas as outras coisas, se for corajosa e não se

cansar de procurar. Pois, pelo visto, o procurar e o aprender são, no seu total, uma rememoração.

 [81 c – d] [Tradução: Maura Iglésias](pedir referência completa ao autor)

Primeira Tese...

A primeira tese indica o caminho pelo qual devemos buscar o saber:aquele que ensina,m primeiramente, deve fazer ver ao outro que ele não sabe, mesmo que ele pense que sabe.

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Só depois que o ensinando percebe que nãqo saber e, portanto, sente a necessidade de saber, é que ele irá buscar por si mesmo um saber verdadeiro.

Alçém disso, nessa busca, aquele que ensina pode ajudá-lo ou realizar a busca junto com ele, por meio do diálogo.

Segunda Tese...

A segunda tese é a de que o conhecimento é uma reminiscência, uma rememoração.

Conhecer é lembrar verdades que a alma já conhece.

Nós aprendemos novos conhecimentos quando nos lembramos de verdades que já sabíamos, mas que, de algum modo, havíamos esquecido.

Essas verdades não são as opiniões múltiplas e contraditórias do dia a dia, mas são conhecimento que a própria alma, psique, traz em si mesma, lembraças da contemplação das formas ou das Ideias eternas...

Não há ensino, mas ememoração, Segundo essa tese, deveríamos considerar qualquer estudante como alguém que já conhece as verdades maisprofundas acerca do ser, da realidade, do home, e a verdade mais importante para o homem saber...

... o que é a virtude.

Desse tese de Platão, modernamente, desenvolveu-se a afirmação da existência de idéias inatas. Essas idéias estariam presente, já existiriam, na mente de todo homem. Por isso, não precisariam ser apredidas pela sensibilidade, pelas sensações, mas deveriam ser rememoradas, sendo, de algum modo, trazidas à consciência.

 

O próprio Aristóteles não usa o termo lógica, que só tempos depois de sua morte adquire o sentido que lhe damos hoje.

O termo utilizado por ele para o estudo do raciocínio eraanalítica.

A analítica não era considerada uma ciência teórica como as outras, mas uma espécie de instrumento do conhecimento.

A palavra para instrumento, em grego, éórganon, sendo esse o título sob o qual foram organizados os trabalhos lógicos de Aristóteles, por Alexandre de Afrodísia, em 200 d.C.

Da lógica destacaremos alguns pontos que julgamos importantes para o professor conhecer com clareza.

...segundo Aristóteles, [a lógica] é, não uma ciência substantiva, mas uma parte da cultura geral

que cada um deve receber antes de iniciar o estudo de qualquer ciência, bem como a única capaz

de ensinar-lhe a conhecer qual a espécie de proposições que requerem uma prova e qual a

espécie de provas que são exigidas para essas proposições.

Fonte

ROSS, David. Aristóteles. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987, p. 31

O estudo da líguica...

Permite-nos saber o que é um argumento;

Auxilia-nos a argumentar com rigor e a refutar argumentos de outros;

Ajuda-nos a saber o que são conceitos, definições e juízos;

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Facilita-nos entender que juízos são necessários a que ciências.

Todas essas operações são pré-requisitos da prática científica, e várias delas seriam utilizadas de forma enganosa ou transgredidas pelossofistas, ao exercerem a oratória.

Pela análise da linguagem e das formas corretas e incorretas de raciocínio, Aristóteles formulou um instrumento capaz de combater os sofistas e construir uma noção de verdade própria da filosofia.

Apresentaremos, a seguir, uma introdução a alguns aspectos da lógica e como ela pode ser entendida, modernamente, de uma maneira acessível, pelos estudantes.

 

Não se trata, portanto, da lógica como Aristóteles estritamente a formulou, mas, sem dúvida, os conceitos apresentados podem ser vistos como pertencentes à tradição inaugurada pelo estagirita.

Procurar a lógica de algo, portanto, seria equivalente a procurar uma justificação para esse algo.

O uso comum da palavra lógica envolve uma justificação. Vejamos um exemplo...

Em uma conversa, alguém diz: – É lógico que vou viajar nas férias. 

Se perguntada sobre o porquê de tal afirmação, a pessoa poderia dizer: – Ora, eu adoro viajar, e as férias são a única oportunidade que tenho para isso, não posso deixar de aproveitá-las.

Aquela expressão é lógico que parecia estar subentendendo essas outras afirmações, que servem de justificação para a afirmativa inicial.

Com a lógica, nós vamos estudar uma coisa que usamos a todo momento, no dia a dia, e de que, muitas vezes, nem nos damos conta.

Essa coisa é o raciocínio.

 

Você poderia nos dar um exemplo de um raciocínio..

...ou dizer o que é um raciocínio?

A principal característica que identifica a sequência de enunciados como um racicínio é que...

...nela se tenta justificar um dos eniunciados com base nos outros.

O fato de seu amigo não vir ao cinema é justificado com base nas informações de que ele precisa tomar um ônibus para chegar ao cinema e, como os ônibus estão em greve, não pôde tomar ônibus algum, ficando impossibilitado, portanto, de chegar ao cinema.

Ou, dito de outra forma, para um enunciado – o de que seu amigo não virá ao cinema – são apresentados como prova os outros dois enunciados.

A questão central da lógica é examinar que relação os enunciados que servem como premissa – ou como prova – têm de manter entre si para que possam ser aceitos como prova, justificação ou garantia de um outro enunciado, a conclusão.

Em termos mais simples......

O que é um raciocínio correto?

O que é um argumento válido?

O que é umas inferência correta?

Essas perguntas podem definir a questão central da lógica.

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A lógica se concentra nos resultados dos raciocínios, quer dizer, não considera tudo o que passa pela mente de alguém quando realiza um raciocínio, mas está interessada na expressão linguística de um raciocínio, que toma a forma de um argumento.

Um argumento é uma sequência de enunciados na qual um deles é afirmado com base nos demais.

Aquele que é afgirmado com base nos demias é a conclusão, aqueles que servem de base para a afirmação da conclusão são as premissas.

Um argumento é formado por dois tipos de enunciados – as premissas e a conclusão.

Todos esses enunciados devem ser declarativos, isto é, devem ser tais que possamos dizê-los verdadeiros ou falsos.Exemplos de enunciados declarativos são os seguintes...

Hoje é um dia de sol.

A baía da Guanabara está poluída.

Enunciados não declarativos são aqueles que não podem ser ditos verdadeiros ou falsos, como as perguntas, as ordens e as exclamações. Exemplos...

Hoje é um dia de sol?

Limpem a baía de Guanabara!

Abra a porta!

Enquanto os enunciados são ditos verdadeiros ou falsos...

...os argumentos são ditos válidos e não válidos ou corretos e incorretos.

Dizer que um argumento é válido significa dizer que, dadas aquelas premissas, podemos afirmar, com segurança, a conclusão.

Ou, se as premissas são verdadeiras, então, a conclusão também o será.

Um argumento será válido segundo esta condição...

...se suas premissas forem verdadeiras, a conclusão será necessariamente verdadeira.

Se um argumento é oferecido para justificar a sua conclusão, duas questões se apresentam. Primeira: são as premissas verdadeiras? Segunda: estão as premissas adequadamente relacionadas com a conclusão? Se uma das perguntas receber resposta negativa, a justificação torna-se insatisfatória. 

Entretanto, é absolutamente essencial evitar que se confundam essas duas questões. Em Lógica estamos interessados unicamente na segunda. Quando um argumento é submetido à análise lógica, a questão de relevância é a que está em foco. A Lógica trata da relação entre premissas e conclusão, sem se ocupar da verdade ou não das premissas.

Apesar de Aristóteles   reconhecer o aspecto formal da lógica, de se preocupar mais com a forma dos argumentos do que com seu conteúdo, ele não conclui sua investigação nesse ponto.

Após desenvolver esse aspecto formal da lógica nos Primeiros Analíticos, seu outro livro, osSegundos Analíticos, são dedicados ao exame dosilogismo científico ou do raciocínio científico.

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Desse modo, Aristóteles constroi uma teoria da lógica interessada também na verdade, e não apenas na validade.

Além disso, nos outros livros que fazem parte doÓrganon, como os Elencos Sofísticos   e os Tópicos, examina os argumentos que têm uma forma válida, mas não podem ser aceitos por não atenderem às condições do raciocínio científico, examinados no livro anterior.

Esse estudo dos argumentos enganosos pode ser trabalhando como um exame das falácias.

Em sua obra Metafísica, Aristóteles   procura esclarecer o que é a Filosofia Primeira ou a Sabedoria Primeira, aquela que é a ciência do ser enquanto ser.

Isso significa o ser que cabe a todos os seres, e não apenas um desses seres em particular.

A ciência é o conhecimento das causas e a primeira das ciências ou a primeira sabedoria. É o conhecimento das primeiras causas e princípios.

O conhecimento desses primeiros princípios não pode se dar por demonstração, pois deles – ou conforme a eles – é que se devem derivar as demais conclusões, mas eles mesmos não são derivados de outros princípios. Se o fossem, esses outros é que seriam primeiros.

Aristóteles evita, portanto, o erro de cair em um regresso infinito na fundamentação da ciência.

Nessa investigação, revela-se que a filosofia é a busca da compreensão dos primeiros princípios e causas.

A justificação da ciência deve encontrar os primeiros princípios dos quais deve partir, senão nunca será propriamente uma ciência, isto é, um conhecimento necessário e universal.

O primeiro princípio será o princípio da não contradição...

Uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo sob o mesmo aspecto.

Esse princípio, que vale para os seres e também para a lógica, é a base do edifício metafísico construído por Aristóteles e, talvez, do próprio desenvolvimento da razão, por grande parte da história do Ocidente.

Aristóteles cria uma ontologia da substância, na qual a substância é primeira.

A substância é sempre um composto de forma e matéria, sendo a forma a essência da coisa, aquilo que define a coisa. Por isso, será importante o conceito de forma substancial.

Isso significa que aquilo que é mais propriamente ser, é a substância.

A substância é uma das categorias examinadas por  Aristóteles , em sua teoria que abarca tanto as formas da linguagem quanto do ser.

Portanto, a ontologia de Aristóteles concebe dois tipos de seres...

...as substâncias, que são mais propriamente o ser, e...

...os atributos, que são qualidades das substâncias.

O conhecimento propriamente dito será o conhecimento das substâncias, mais precisamente, das formas substanciais, que são as essências dos seres.

Contudo, a substância é uma categoria primeira, sendo todas as outras, de alguma forma, um atributo da substância.

O conhecimento da natureza, a física, é fundamentada nas concepções metafísicas.

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Portanto, a resposta ao problema do movimento será elaborada a partir dos conceitos de ser em ato e ser em potência e da teoria das quatro causas.

A metafísica aristotélica elabora uma noção de conhecimento como contemplação das essências e da ordem do mundo.

Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer. (Aristóteles) 

A ciência é um processo demonstrativo que procura estabelecer uma cadeia de causas ou razões que ligam de forma necessária os princípios intuídos ao conhecimento sensível. 

Digamos que a intuição nos dá as duas pontas do processo, enquanto o discurso busca achar o caminho – o método (de meta, 'por', 'através de'; hodos, 'caminho') – capaz de ligar entre si esses dois pontos.

Fonte

FARIA, Bettencourt de. Aristóteles: a plenitude como horizonte do ser. São Paulo: Moderna, 1994. (Logos), p. 42.

 

Unidade 4 – em direção à modernidade.

Ahistória antiga e medieval – tradicionalmente a história européia- oferece-nos narrativas de desenvolvimento de nossa própria autoconsciência, como seres humanos racionais, políticos, cristãos.

A Idade Média é um período longo e conturbado, equivocadamente caracterizado como Idade das Trevas.

No entanto, a Idade Média deve ser considerada também como um período em que se desenvolveram características fundamentais desta que veio a ser conhecida como civilização ocidental.Após a queda do Império Romano e a dispersão da cultura antiga, forma-se, lentamente, na Europa, um ambiente marcado pelo cristianismo e pelo encontro de outros povos, chamadosbárbaros, com a cultura clássica.

Esse processo é longo e conflituoso, mas resultará, nos séculos XV e XVI, em um conjunto de povos capazes de dar um salto técnico e científico e de conquistar vastas regiões do mundo, inaugurando o que se chamou de Idade Moderna.Não devemos subestimar a importância do cristianismo no processo de formação da cultura moderna, ainda que ela tenha sido marcada também por uma crítica a diversas concepções nutridas no período medieval.

Talvez dois elementos marcantes da cultura moderna tenham sido preparados pelo modo como o cristianismo se apropriou da cultura antiga, por intermédio dos árabes...

...a igualdade entre todos os homens – universalidade, presente no sentido próprio da palavra católico.

...a afirmação do indivíduo ou a ascensão do sujeito individual, frente às determinações sociais e coletivas.

Esse processo de transformação cultural é complexo...

... e deve ser estudado em conjunto com as disciplinas de História, Literatura e Sociologia.

Na filosofia, depois do último alvorecer na forma do neoplatonismo, o pensamento passa a ganhar uma forma cristã, cujo primeiro grande marco é Agostinho, no século IV, e que se desenvolverá até alcançar uma espécie de auge entre os séculos XIII e XIV, com a escolástica e Tomás de Aquino.

 

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Nessa época, um dos pontos importantes de controvérsia é a relação entre a fé e a razão.O conhecimento do ser e de seus princípios primeiros não será dado, exclusivamente, pela razão, mas deve defrontar-se com a revelação, com a palavra de Deus, a qual pode ser encontrada no livro sagrado.

A fé, atitude religiosa diante de Deus e de sua plavra, também será considerada como capaz de levar o homem a compreender a verdade sobre sua vida e a existência do mundo.

De modo geral, a fé será considerada superior à razão.

A noção do ser , da metafísica antiga, vem a ser ocupada pela idéia de Deus.

Além da discussão da relação entre razão e fé, o pensamento medieval desenvolveu diversos estudos sobre outros temas, entre os quais, a lógica, oferecendo contribuições novas à análise dos raciocínios e da linguagem.

 

Até hoje o pensamento medieval marca presença em nossa cultura, por meio do pensamento religioso cristão.

O Brasil é um país fortemente marcado pelo sentimento religioso, e diversas concepções próprias do cristianismo fazem parte do senso comum ou dos costumes populares.

O professor de ensino médio, portanto, deve buscar informar-se sobre esse período da história, seus autores e teorias principais, para entender seus desdobramentos atuais.

O pensamentoi medieval realizou também uma grande sistematizaçãio da herança antiga que lhe veio, em boa parte, por intermédio dos árabes.

De modo geral, o currículo do ensino médio costuma abordar o surgimento da ciência moderna...

...com o estudo da física de Newton ou com o desenvolvimento da geometria analítica e da teoria de conjuntos em matemática e...

...com outras disciplinas, como a química e a biologia, a história e a geografia, que se constituíram como disciplinas científicas durante a Idade Moderna.Além disso, a modernidade refere-se também ao período em que elementos importantes de nossa identidade foram construídos.

Por exemplo, o processo das navegações europeias, que significou o domínio dos mares e a conquista de territórios, aliado ao domínio de diversos povos por todo o planeta.

Sabemos que esse longo processo resultou – no decorrer de diversas lutas, contradições e, talvez, de algumas permanências – no que somos hoje...

Uma nação chamada Brasil, com diversas expressões populares marcadas por toda essa história.

A modernidade também deve ser entendida em relação ao que ocorreu antes dela.

A história antiga e medieval – tradicionalmente a história europeia – oferece-nos narrativas de desenvolvimento de nossa própria autoconsciência, como seres humanos racionais, políticos, cristãos.

Como, além disso, a história da filosofia é a história da permanência de questões sobre esses e outros conceitos, para aprofundar a compreensão da filosofia, é preciso nos aventurarmos nessa comparação...

...uma difícil tarefa, porque muito ampla, mas proveitosa, por alargar a perspectiva que podemos ter sobre nós mesmos e nosso pensamento.

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Nossos sentidos de verdade, justiça e vida estão, sem d´puvida, impregnados, tanto pelas concepções modernas, quanto por essas concepções mais antigas, que a modernidade não eliminou completamente, ainda que possa tê-las reelaborado.

Diversos pensadores do Renascimento   e do início da Idade Moderna realizaram movimentos de comparação entre as concepções mais antigas e as modernas.

Galileu escreveu um diálogo sobre duas novas ciências, a física e a astronomia, distintas das ciências antigas.

Francis Bacon   tentou superar a lógica dedutiva dosilogismo, do Órganon, de Aristóteles, acusando-a de ser incapaz de fornecer informações novas, por um Novum Organon, que propunha um método indutivo de produção de conhecimento a partir da observação e da experimentação sistemáticas da natureza.

O saber devia ser capaz de ampliar-se e de explicar a natureza, possibilitando seu controle e manipulação técnicos, tornando-se útil, capaz de ampliar a realização da felicidade humana e de fins humanos.

O saber torna-se poder, em um sentido bastante concreto...

...o homem pode dominar a natureza por meio do saber matemático.

Contra o saber antigo, em que os homens contemplavam a natureza e procuravam obedecer a ela, eles agora queriam se tornar como que senhores e possuidores da natureza, como enunciou Descartes.

A natureza devia ser lida matematicamente e observada por meio de instrumentos técnicos, como a luneta, que permitia enxergar mundos além daqueles conhecidos ou imaginados pleos homens antes dele.

Não podemos deixar de relacionar todos os acontecimentos no campo da ciência e da filosofia com os acontecimentos históricos.

Entre eles, destacam-se...

 

...a descoberta de novos mundos e n ovas gentes.

...a reforma da religião, com a instauração da pluralidade das interpretações religiosas.

A geografia do mundo transformou-se. Não só a geografia da terra, mas a geografia do céu...

...a astronomia, propondo novas representações cartográficas do planeta e do universo infinito, um mundo amplo e aberto no lugar do cosmos antigo, um mundo fechado, voltado para si mesmo, para a eterna repetição dos ciclos da natureza.A física aristotélica voltava-se para o conhecimento das essências, das formas substanciais.

As formas substanciais, ao serem aquilo que faz com que cada substância seja ela mesma e não outra, definiam a essência de cada ser.Por meio desse conhecimento das essências, elaborou-se uma explicação do ordenamento do mundo com a utilização dos conceitos físicos e metafísicos.

Contudo, essa explicação se dá a partir do conhecimento qualitativo do mundo. Ou seja...

...ao buscar o conhecimento das essências, realiza-se como que um grande mapeamento das qualidades de todos os seres, que são ordenados segundo essas qualidades que os definem.Tratava-se de uma ciência contemplativa, e não operativa/experimental, como a ciência moderna.

Page 47: FILOSOFIA FGV - Lições

A ciência moderna abandona, de certo modo, a busca por qualidades, para centrar a investigação na identificação das regularidades matemáticas dos fenômenos.

As qualidades primárias definem os corpos em si mesmos; as secundárias são próprias dos corpos apenas em relação ao sujeito que os observa.

Desse modo, os corpos têm cores, mas apenas para o olho que é capaz de identificá-las.

Analisados em sua constituição mais básica, essas cores serão devidas a propriedades matemáticas dos corpos, sua extensão, sua figura ou seu movimento.

Essas propriedades seriam qualidades primárias deles, a partir das quais, devemos construir as explicações científicas.Devemos elaborar uma distinção entre qualidade primárias e secundárias.

Os seres são considerados segundo algo que os torna comuns, isto é, suas propriedades matemáticas.

Há uma espécie de homogeneização matemática dos corpos, de modo que eles possam ser estudados com os recursos da física moderna.

Descartes tem um papel importante nesse processo, ao conceber a matéria como resextensa, coisa extensa, cuja característica definidora é a extensão.

Ora, a extensão é uma propriedade geométrica.

O bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada, pois cada qual pensa estar tão bem provido dele, que mesmo os que são mais difíceis de contentar em qualquer outra coisa não costumam desejar tê-lo mais do que o têm. E não é verossímil que todos se enganem a tal respeito; mas isso antes testemunha que o poder de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se denomina o bom senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens; e, destarte, que a diversidade de nossas opiniões não provém do fato de serem uns mais racionais do que outros, mas somente de conduzirmos nossos pensamentos por vias diversas e não considerarmos as mesmas coisas. Pois não é suficiente ter o espírito bom, o principal é aplicá-lo bem. As maiores almas são capazes dos maiores vícios, tanto quanto das maiores virtudes, e os que só andam muito lentamente podem avançar muito mais, se seguirem sempre o caminho reto, do que aqueles que correm e dele se distanciam.

Descartes, René. Discurso do Método. Primeira Parte. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Os Pensadores).

Este trecho nos parece interessante para o trabalho na escola. Pode ser relacionado à discussão

sobre saber, sabedoria, senso-comum, que foi desenvolvida anteriormente.

Descartes oferece uma definição de bom senso ou razão como poder de bem julgar e distinguir o

verdadeiro do falso e afirma ser essa capacidade a mais bem distribuída entre os homens.

A diferença entre as almas capazes de vícios e virtudes não está na posse da razão, que todos

possuem, mas na aplicação dela. É preciso aprender a aplicar o bom senso, o poder de julgar.

Essa distinção entre possuir a capacidade racional e aplicá-la bem é importante, pois explica a

variação das opiniões e das condutas humanas.

Esse é também o primeiro passo da argumentação que Descartes constroi para justificar sua ideia

de método.

...como um homem que caminha só e nas trevas, resolvi ir tão lentamente, e usar de tanta

circunspecção em todas as coisas, que, mesmo se avançasse muito pouco, evitaria pelo menos

Page 48: FILOSOFIA FGV - Lições

cair. Não quis de modo algum começar rejeitando inteiramente qualquer das opiniões que

porventura se insinuaram outrora em minha confiança, sem que aí fossem introduzidas pela razão,

antes de despender bastante tempo em elaborar o projeto da obra que ia empreender, e em

procurar o verdadeiro método para chegar ao conhecimento de todas as coisas de que meu

espírito fosse capaz.

Eu estudara um pouco, sendo mais jovem, entre as partes da Filosofia, a Lógica, e, entre as

Matemáticas, a Análise dos geômetras e a Álgebra, três artes ou ciências que pareciam dever

contribuir com algo para o meu desígnio. Mas, examinando-as, notei que, quanto à Lógica, os seus

silogismos e a maior parte de seu outros preceitos servem mais para explicar a outrem as coisas

que já se sabem, ou mesmo, como a arte de Lúlio, para falar, sem julgamento, daquelas que se

ignoram, do que para aprendê-las. (...) Assim, em vez desse grande número de preceitos de que

se compõe a Lógica, julguei que me bastariam os quatro seguintes, desde que tomasse a firme e

constante resolução de não deixar uma só vez de observá-los.

O primeiro era jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse

evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada

incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito, que

eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.

O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas

possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las.

O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e

mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos

mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns

aos outros.

E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu

tivesse a certeza de nada omitir.

Essas longas cadeias de razões, todas simples e fáceis, de que os geômetras costumam servir-se

para chegar às suas mais difíceis demonstrações, haviam-me dado ocasião de imaginar que todas

as coisas possíveis de cair sob o conhecimento dos homens seguem-se umas às outras da mesma

maneira e que, contanto que nos abstenhamos somente de aceitar por verdadeira qualquer que

não o seja, e que guardemos sempre a ordem necessária para deduzi-las umas das outras, não

pode haver quaisquer tão afastadas a que não se chegue por fim, nem tão ocultas que não se

descubram.

Descartes, René. Discurso do Método. Primeira Parte. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Os

Pensadores).

Nesse trecho, Descartes torna evidente que procura regras de pensamento distintas daquelas que

caracterizavam a lógica antiga, voltada para as deduções, e que, portanto, fazia derivar de

proposições mais gerais outras proposições menos gerais, não produzindo novo conhecimento,

mas apenas explicitando algo que já estava contido nas proposições mais gerais.

Há necessidade, agora, de produzir um outro tipo de método, que permita realizar descobertas,

ampliar o conhecimento sobre o mundo, que não apenas ordene as proposições em um sistema e

sirva à aparência de conhecimento, ao discurso vazio.

O método proposto por Descartes tem, claramente, uma inspiração no método dos geômetras,

indicando a importância do desenvolvimento da matemática para a ciência moderna.

Como veremos adiante, Descartes desenvolve uma concepção metafísica da matéria como

extensão que justifica o uso do método matemático na investigação da natureza.

Page 49: FILOSOFIA FGV - Lições

Parece-nos, entretanto, que, antes de discutirmos os pressupostos metafísicos do método, é

possível propor aos estudantes a experiência de tentar aplicar esse método, formulado aqui em

quatro regras gerais, a algum problema atual, que os próprios estudantes deverão formular.

Qual será o resultado desse exercício? Não sabemos, é uma atividade aberta, de convite aos

estudantes para utilizarem um recurso apresentado em um texto filosófico, e vermos onde

conseguimos chegar com ele.

Exercício proposto...

Tentar utilizar as regras do método, propostas por Descartes, em seu Discurso do Método, na

solução de problemas atuais – sejam problemas das disciplinas escolares, sejam problemas

formulados pelos alunos sobre suas vidas, sua experiência, a vida humana, etc.

Avaliação do resultado da experiência...i. Será que as regras de Descartes se aplicam tão universalmente quanto pareciam

prometer?

i. Será que elas são suficientes para resolver quaisquer problemas?

i. Alguém conseguiria formular outras regras de método, mais efetivas que as de Descartes

ii. A explicação pelas causas oferecida pela física aristotélica é bem diferente das causas identificadas pela ciência moderna.

iii.A ciência moderna busca as regularidades dos fenômenos, e as causas consideradas serão aquelas que fazem com que os fenômenos se realizem...

iv. Para Aristóteles, porém, esse tipo de causa era apenas uma entre outras. Era a causa eficiente, enquanto ainda era preciso considerar a causa material, a causa formal e a causa final.

v.Essa concepção de quatro tipos de causas está estreitamente ligada às concepções metafísicas de Aristóteles, nas quais, em última instância, todo o movimento do mundo é explicado por sua finalidade.

vi.Na constituição das ciências modernas, a ideia de causa final também foi abandonada.

vii.Não se espera encontrar finalidades na natureza, mas, novamente, identificar as regularidades matemáticas dos fenômenos.

...por exemplo, os movimentos dos corpos seriam causados por forças que atuam sobre eles.

Descartes elabora suas próprias concepções metafísicas no livro Meditações Metafísicas, de 1641.

Nessa obra, coloca a si mesmo a tarefa de realizar um exame do conhecimento desde seus princípios. 

A questão sobre a natureza do conhecimento passou a permear todo o pensamento moderno.

Descartes procura uma certeza de onde possa partir para constituir o conhecimento.

Para chegar a essa certeza, utiliza o método de verificar que conhecimentos podem resistir à dúvida.

Nesse processo, conclui que...

...nem os conhecimentos que nos vêm pelos sentidos...

...nem mesmo os conhecimentos matemáticos, são confiáveis, ou melhor, indubitáveis.

Page 50: FILOSOFIA FGV - Lições

É possível imaginar situações em que nos enganemos sobre esses conhecimentos, mesmo que no caso dos conhecimentos matemáticos – essas situações passem pela possibilidade de estarmos sonhando ou da existência de um deus enganador, um ser hipotético que poderia nos fazer acreditar em falsidade.

Segundo Descartes, há um conhecimento capaz de resistir mesmo à dúvida levada a seu extremo.

O fato de pensar – não o conteúdo desse pensamento – é uma certeza. Portanto, posso conhecer a mim mesmo como algo que pensa, uma coisa que pensa.

Sobre isso não posso me enganar, ao menos enquanto estiver pensando.

Essa coisa que pensa vai ser identificada como uma substância, a substância pensante – res cogitans –, distinta da outra substância, a substância extensa – res extensa –, própria de todos os corpos.Na escola, muitas vezes, ouvimos uma definição de matéria como tudo aquilo que ocupa lugar no espaço. Logo, podemos verificar a relação dessa definição com os conceitos de Descartes.

Contudo, falaremos brevemente da substância pensante. Por ser a primeira certeza, ela será o fundamento de todo conhecimento. Também será considerada como o sujeito do conhecimento, aquilo que é capaz de conhecer.

Esse conhecimentos é expresso em uma frase famosa de Descartes...

...Penso, logo existo.

Da ideia de que a substância pensante é a primeira certeza deriva uma concepção do conhecimento como relação entre sujeito e objeto, onde o primeiro conhece o segundo.

Após o alcance dessa primeira certeza, Descartesrealiza, em suas Meditações, um caminho de volta, buscando fundamentar o conhecimento a partir daquele princípio.

Descartes formula uma concepção racionalista e idealista do conhecimento, pois este está fundamentado na razão e é alcançado a partir de uma primeira certeza que é subjetiva.

De certo modo, trata-se de uma idéia subjetiva...

Esse coinhecimento do mundo externo fundamentado na atividade do sujeito é um modo de caracterizar o idealismo.

Parei em unidade 5 – cenário cultural

Para refletir um pouco mais sobre questões relacionadas ao conteúdo deste módulo, assista, a seguir, a uma cena do filme Escritores da liberdade.

 Escritores da liberdade 

Sinopse

Erin Gruwell (SWANK) é uma jovem professora que leciona em uma pequena escola de um bairro periférico nos Estados Unidos. 

Por meio de relatos de guerra, ela ensina a seus alunos os valores da tolerância e da disciplina, realizando uma reforma educacional em toda a comunidade.

Neste módulo, estudamos sobre o Conhecimento. Vimos a história da razão desde os clássicos até a modernidade. Aprendemos a importância da relação entre o conhecimento formal e a experiência dos estudantes.

 

Page 51: FILOSOFIA FGV - Lições

Na cena selecionada, vimos como um projeto diferenciado que permitia aos alunos participar na construção do conhecimento envolveu uma turma de jovens criados em meio a um ambiente hostil e violento. Ao assistir à cena, procure refletir sobre...

i. que realidades do mundo contemporâneo poderiam servir de gancho para introduzir o estudo da filosofia;ii. a importância de estar atento à fala dos alunos para construir uma aula interessante;

iii. as possíveis comparações da filosofia com outras disciplinas, a fim de tornar o aprendizado mais significativo.

Ficha técnicaFREEDOM writers = ESCRITORES da liberdade. Direção: Richard LaGravenese. Intérpretes: Hilary Swank, Patrick

Dempsey, Scott Glenn, Imelda Staunton. Alemanha, Estados Unidos: Paramount Pictures, 2007. 123 min., son., color.

O imortal

Informações: 

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu na cidade do Rio de Janeiro – RJ – em 21 de junho de 1839.   

Foi cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista, crítico e ensaísta. 

Internacionalmente conhecido, Machado de Assis é considerado o maior autor da Literatura Brasileira, graças a romances como Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro, entre outros.Para refletir

O imortal conta a história de um homem que viveu três séculos.

No trecho, vemos como o homem duvida do poder do elixir. Após a leitura do trecho, procure refletir sobre...

i. a diferença entre conhecimento, saber e técnica;ii. no conceito platônico de arte como forma de saber e qual saber é articulado pelo trecho;

iii. como se dá, no trecho, o confronto entre razão e pensamento religioso.

FonteASSIS, Machado de. O imortal. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 28 jun. 2009.

Por que será que todo o quadro tem um tom avermelhado?

Watts, George Frederic.

O Espírito do Cristianismo. 1873-5.

Óleo sobre tela. – Tate Gallery, Londres.

Informações

Page 52: FILOSOFIA FGV - Lições

George Frederic Watts (1817-1904) foi um popular pintor e escultor inglês vitoriano associado com o movimento simbolista. 

Watts se tornou famoso por suas obras alegóricas, tais como Esperança e Amor e Vida. Essas

pinturas eram destinadas a serem parte de um ciclo épico simbólico denominado Casa da Vida, em que as emoções e as aspirações da vida teriam de ser representadas em uma linguagem simbólica universal.

Para refletir

Esta obra, exemplar simbolista, mostra o Amor, um espírito que se eleva acima da terra, que, discordando do modo como as crianças sem família eram tratadas pela Igreja, abriga, sob suas vestes vermelhas, essas crianças pequenas que deveriam ter sido protegidas pelo amor e pela caridade tão propagados pelo ensino dessa mesma Igreja.

Neste módulo, vimos o conhecimento. Observando esta tela de Watts que nos remete ao que ele entende por cristianismo, podemos refletir sobre...i. os dois elementos da cultura moderna que resultaram da maneira como o Cristianismo se apropriou da cultura antiga por intermédio dos

árabes;ii. a relação que havia entre fé e razão na Idade Média e que teve seu auge com a escolástica e com Tomás de Aquino;

iii. as consequências da relação conturbada entre fé e razão para países como o Brasil, por exemplo.

 

Referência BibliográficaWATTS, George Frederic. O espírito do Cristianismo. 1873-5. Óleo sobre tela. 273 x 152,4 cm. Tate Gallery, Londres.

Parei em módulo 3 - ética e política- apresentando o módulo

Neste módulo, discutiremos temas relacionados às áreas conhecidas como Ética e Política. Apresentaremos os conceitos de modo histórico, realizando estudo da origem das palavras e das formações sociais em que eles se desenvolveram. Partiremos daí para propor duas discussões, sobre ética e política na modernidade e também na educação. No final, sugeriremos formas de trabalhar os temas discutidos em sala de aula, visto que a prática na própria escola e na vida diária é o caminho de relação com a experiência dos estudantes.

 

Toda e qualquer civiliza~/ao ou sociedade institui para si, a partir de um costume comum, valores concernentes ao bem e ao mal, ao pewrmitido e ao proibido, valores cujas pretensões são universais, já que devem valer para todos os mebros da comunidade.

Ética é uma palavra comum em nosso cotidiano. Atualmente, parece mesmo estar na moda falar em ética.

Em um tempo em que tanto se fala em crise moral, crise dos valores, todos se preocupam com a ética, e isso parece significar uma preocupação com a conduta, com a maneira correta de agir e se comportar em sociedade.

Nesse espaço público, todos a reclamam para si e a exigem...

...queremos ética na política e, com frequência, vemos serem instalados os chamados Conselhos de Ética no Senado e na Câmara...

...exigimos ética na mídia e lhe atribuímos como modelo de conduta o ideal de imparcialidade e o compromisso com a verdade.

Os conselhos das profissões também criam seus estatutos de ética profissional.

 

Enfim, vemos surgirem expressões como ética empresarial, ética imobiliária, ética ambiental, como se, para cada área de conhecimento e atuação, houvesse uma ética própria, um modelo diferente de conduta correta.

A ética parece também estar ligada à política, na medidade em que esta é a instância onde, teoricamente, decidem-se assuntos de interesse comum a todos, concernentes ao bem viver.

A política e a ética se orientam pela mesma noção de bem? Estamos diante do seguinte cenário...

Page 53: FILOSOFIA FGV - Lições

A ética pode ser vista comohábito, costume, forma de estar e ser no mundo, instituída por uma determinada cultura, época ou região...

...ou como ciência, estudo dos valores, das crenças e das ideias que constituem o hábito....

...ou ainda como ética da política, das utopias e das formulações de ideias de sociedades perfeitas ou a análise do poder e das relações de força.

Todos se referem à ética, mas será que sabem o que, de fato, ela significa?

Seria uma idéia de bem universal ou um conceito cultural?

Existe diferença entre moral e ética?

O que é bom é correto ou o que é um bem para um poderia não ser bom, correto ou um bem para outro?

Imaginemos a seguinte situação...

Uma pessoa querida, com uma doença terminal, está viva apenas porque seu corpo está ligado a

máquinas.i. Sabemos que sofre com dores insuportáveis.ii. Não seria melhor deixá-la morrer?

iii. Podemos desligar o aparelho ou não temos o direito de fazê-lo?

iv. Qual a ação correta? Como proceder? O correto é agir cegamente de acordo com o que diz a lei?

v. Existe um senso moral inerente a todo e qualquer homem independentemente de uma norma ou lei?

vi. Há critérios objetivos para definirmos um juízo de valor com relação ao que é correto ou bom?

vii. Qual a importância e o significado da ética enquanto conjunto de normas de conduta que regulam a boa ação para a felicidade do homem?

viii. É possível estabelecer uma lei que permita às pessoas escolherem morrer, em determinadas circunstâncias?

ix. A sociedade pode transformar-se ou deve sempre seguir a tradição?

x. Se a filosofia busca um saber, será possível falar a partir de uma perspectiva de produção de conhecimento no que se refere às ações e às decisões que as conduzem, já que estas se ligam a valores subjetivos como justiça, honradez, integridade, vício, virtude e generosidade, bem como a sentimentos como admiração, vergonha, amor, cólera, medo e dúvida?

xi. Pode a razão ser a senhora absoluta do comportamento humano ou ela depende dos afetos, das emoções e das paixões para determinar as ações?

xii. O que é vício? E virtude?

xiii. Podemos educar as paixões, as emoções e os afetos para a virtude?

xiv. Podemos construir uma sociedade justa sem que se eduquem os homens?

xv. O saber tem alguma força diante da realidade do poder?

O termo ética tem origem no vocábulo grego ethos, que pode ter dois sentidos diferentes, conforme seja grafado com uma vogal breve, chamada épsilon, ou uma vogal longa, chamadaêta.Éthos, escrito com a vogal longa, significa costume, hábito e pode ser entendido, primordialmente, como referido à noção de topos-lugar-,ou seja...

Page 54: FILOSOFIA FGV - Lições

...hábito diz respeito à maneira de ser e de estar, de pertencer a algum lugar, que afeta seus ocupantes.

Escvrito com a vogal breve, éthos significa caráter, índole natural, temperamento e refere-se, portanto, às características pessoais que determinam as virtudes e os vícios de cada um, bem como às ações que cada um é capaz de praticar.

A ética também é entendida como a ciência ou o ramo de estudo da filosofia que se ocupa dasregras instituídas da boa conduta ou da moral.

O termo moral pode causar uma confusão inicial...

...afinal, qual a diferença entre moral e ética?

A rigor, o termo moral é o equivalente latino-demos, moris, que significa costume-do termo ética.

Diferentes autores usam os termos de diferentes formas, e, por isso, é sempre importante esclarecer que sentido estamos empregando.

Por exemplo, podemos entender que a ética tem como objeto o conjunto de normas que dirigem a ação.

A ética seria, portanto, o estudo das normas.

Em virtude dessa variação de usos, enfatizamos a necessidade de o professor sempre procurar esclarecer em que sentido cada texto ou pessoa está utilizando esses termos.

Podemos chamar de moral de um povo ou de um grupo social ao conjunto de normas e valores que, efetivamente, orientam sua ação.

Contudo, também usamos o termo ética quando falamos em ética profissional, portanto, nas normas que guiam a conduta de uma categoria profissional específica.

A moral seria, assim, um aspecto da cultura de um povo.

A palavra política se origina de pólis, cidade-estado.

A atividade política, de participação nas discussões e decisões sobre o que diz respeito a todos, era considerada a mais honrada, a virtude – areté –, a excelência dos homens livres.

Hoje em dia, sabemos que a palavra político indica uma categoria profissional especializada em disputar eleições e em gerenciar o Estado.

A política é, muitas vezes, malvista, considerada uma atividade corrupta, onde os jogos do poder se dão pela destruição da ética.

Esses sentidos das palavras não devem ser ignorados pelo professor, pois, provavelmente, estarão presentes entre os alunos.

A palavra plitikós referia-se tanto ao cidadão como àquilo que diz respeito a ele....

...os negócios e a administração pública.

Toda e qualquer civilização ou sociedade institui para si, a partir de um costume comum, valores concernentes...

...ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido...

...valores cujas pretensões são universais, já que devem valer para todos os membros da comunidade.

Page 55: FILOSOFIA FGV - Lições

A partir deles, as relações sociais de produção, de divisão e organização do trabalho, bem como as relações mantidas pelo grupo como um todo com o ambiente que o afeta irão criar dispositivos de saberes e conhecimentos.

Esses dispositivos, por sua vez, tornarão a regular essas relações, criando, portanto, um ciclo que podemos chamar decultura.

Em casos de sociedades fortemente hierarquizadas, com grandes diferenças entrecastas ou classes, podem existir conflitos nesses conjuntos de valores, já que cada um se refere ao costume de uma casta.

Entretanto, o simples fato de existir, como que por si, uma consciência moral ou um conjunto de valoresenraizados na cultura, que determinam normas de conduta que visam à preservação do meio e da vida, não significa que exista também uma reflexão, uma discussão racional que problematize e interprete seus significados.

Portanto, nossas condutas, nossas ações e nossos comportamentos são determinados ou modelados, pelas condições qem que vivemos-familia, classe ou grupo social, religião, trabalho, escola...

Nos sistemas mitológicos arcaicos – como o grego, por exemplo – a vida e todo o real eram governados pelos deuses e seus humores.

Todo esse conjunto de normas de conduta já se encontrava presente em uma tradição ancestral de ordem sagrada que era inquestionável.

De modo semelhante, em nossa sociedade, também encontramos uma ética tradicional e religiosa.

Os preceitos da religião, os dez mandamentos, as regras dadas por Deus aos homens ou sua síntese por Jesus Cristo, como amar o próximo como a ti mesmo e amar a Deus sobre todas as coisas...

...todas essas regras têm sua validade fundada na autoridade divina da qual derivam.

É provável que essas regras – e talvez outras – sejam bem conhecidas dos estudantes.

Ou seja, o professor pode divergir dessas orientações...

...oferendo-lhes toda sorte de sacrifícios.

a vida religiosa aparece integrada à vida social e política, da qual constitui um aspecto. (...) Dos

deuses até a cidade, das qualificações religiosas às virtudes cívicas, não existe ruptura nem

descontinuidade. A impiedade, falta em relação aos deuses, é também atentado ao grupo social,

delito contra a cidade.

 

(VERNANT, Jean Pierre. Mito e o pensamento entre os gregos: estudo de psicologia histórica.

Tradução de Haiganuch Sarian. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 420).

 

Os preceitos elementares do procedimento correto para com os deuses, os pais e os estranhos

foram mais tarde incorporados à lei escrita dos Estados gregos, na qual não se fazia distinção

fundamental entre a moral e o direito; e o rico tesouro da sabedoria popular, mesclado de regras

primitivas de conduta e preceitos de prudência enraizados em superstições populares, chegava

pela primeira vez à luz do dia, através de uma antiqüíssima tradição oral.

(JAEGER, Werner. Paideia – a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 23).Como pensar a ética do ponto de vista da razão, e não apenas da tradição?

Segundo textos de Platão e Aristóteles, é com Sócrates que a ética, como saber ou investigação que se ocupa do significado do conjunto dos valores que norteiam a ação,surge.

eEsse saber procura conhecer o real valor ou o sentido dos valores.

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É no contexto do surgimento da polis grega- esse espaço de deliberação pública dos interesse, lugar de tomada de cisões que dizem respeito aos negócios, lugar daquilo que depende de uma vontade coletiva para acontecer – que ganham importância as discussões acerca dos costume que fundamentam e justificam as ações.

Ora, se cremos que uma ação é justa e virtuosa ou injusta e viciosa, torna-se necessário justificar o porquê disso.

Ademais, em um contexto histórico-cultural onde as questões devem ser discutidas publicamente, já não podemos responder om o apelo à tradição e à autoridade divina.

Os sofistas já haviam introduzido a diferença entre nómos e phýsis, entre as normas convencionais dos homens e as leis necessárias da natureza.

A eloqüência e a capacidade de persuadir dos sofistas concorrerão com a argumentação racional e criteriosa de Sócrates e Platão.

A eloqüência se tornou o principal instrumento de saber e de produção de conhecimento nessa filosofia nscente.

Nesse contexto, o impulso de investigação de que a razão é capaz tentará governar o espaço público.

Sócrates percorria as ruas e as praças de Atenas indagando aos atenienses o que eram ou o que significavam os valores em que acreditavam e que respeitavam em suas ações.

Suas perguntas terminaram por revelar que os atenienses respondiam sem pensar, repetindo o que lhes fora ensinado desde a infância.

Essas eram algumas das questões que embaraçavam e incomodavam os atenienses, pois os faziam indagar sobre a origem e a essência das virtudes que julgavam praticar ao seguir os costumes de Atenas.

Como e por que sabiam que suas ações eram boas ou más?

Por um lado, a questão fundamental que se nos apresenta com a fórmula socrática de investigação – o que é isto – parece referir-se, exclusivamente, ao conhecimento, à possibilidade da aquisição de um saber essencial sobre aquilo que nos propormos investigar.

Por outro lado, como afirma Werner Jaeger, podemos perceber que...

...no Ménon, (...) Platão se preocupa em mostrar que o problema do saber brota e só tem sentido para ele a partir do conjunto de sua investigação ética. (...) é precisamente ao conhecimento da virtude e do Bem, quer dizer, ao novo saber socrático, que ele se refere em toda esta análise. E este saber não se pode desligar do seu objeto, e só se pode compreender a partir dele.

 

Referência bibliográficaJAEGER, Werner. Paidéia – a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 699-700.

O que é o bem?

O que é o justo?

O que é a virtude?

A partir da fórmula socrática de investigação, posteriormente, Platão foi levado a construir todo um sistema cosmológico ou, antes, ontológico.

O diálogo Ménon, de Platão, começa, justamente, com a pergunta sobre se a virtude pode ser ensinada.

Page 57: FILOSOFIA FGV - Lições

Uma das operações lógicas realizadas porSócrates   para responder a essa pergunta será invertê-la e indagar o que deve ser a virtude para poder ser ensinada.

Ora, para poder ser ensinada, a virtude deve ser um saber. Mas que tipo de saber?

Não apenas um saber da multiplicidade, das várias formas distintas pelas quais a virtude se apresenta na experiência – a virtude do homem, da mulher, do velho, da criança... –, mas um saber da virtude total.

Um saber do que é a unidade da virtude...

...do que a torna uma, e não múltipla.

O saber do que é a unidade da virtude é o saber do Bem, o saber mais alto e, talvez, o mais difícil, cuja natureza será capaz da contemplação das Ideias ou das Formas puras em si mesmas.

Para alcançar a virtude, é preciso buscar o saber do Bem em si mesmo.Para buscar o conhecimento do bem é preciso desenvolver a capacidade de contemplar as Ideias puras.

Essa busca do saber se faz por meio da dialética, uma forma de diálogo com outros amigos do saber, que também querem alcançar esse mesmo saber em uma busca conjunta. 

A dialética – prática do diálogo como confrontação de teses em busca da verdade – é comparada

por Platão ao ato de friccionar dois pedaços de madeira até fazerem fogo.O aparecimento das brasas de fogo seria semelhante às irrupções da Ideia. Essa produção de luz pelo pensamento se realiza no diálogo entre amigos.

É por meio dele que poderemos conhecer a virtude e o bem. 

A amizade é, portanto, condição da criação da sociedade justa.

 

Só se pratica o mal por ignorância, por se pensar que o bem é algo que não é verdadeiro bem.

Platão   formula, por meio do personagem Sócrates, a imagem do verdadeiro político, o político da verdade, se assim podemos chamar o filósofo.

As atitudes políticas características de Sócrates o tornam um político muito peculiar...

...aquele que considera melhor sofrer uma injustiça do que cometê-la.

...aquele que não aceita fugir de sua condenação à morte por respeito às próprias Leis que o condenaram.

...aquele que é independente diante dos tiranos.

...aquele que, por meio de sua busca do saber, apresenta a exigência de uma transformação da vida dos homens.

A questão da vontade ganha grande importância em dois ambientes...

...no âmbito das discussões acerca do significado dos valores que justificam o costume e fundamentam a ação...

...e no que diz respeito ao espaço público da pólis, onde se negociam interesses e se delibera sobre a finalidade de práticas.Ora, o que governa a ação em um mundo que, gradualmente, liberta-se da verdade revelada pelos mitos cantados pelo poeta? A vontade?

Mas, então, por sua vez, o que governa essa vontade? as emoções e paixões ou a razão?

Page 58: FILOSOFIA FGV - Lições

Se toda ação visa a um fim e é governada por uma vontade de realizá-lo, qual deve ser a vontade virtuosa, aquela segundo a qual a melhor e a mais justa ação será realizada?

A vontade governada pela razão ou a governada pela paixão?

No que diz respeito à ética, parece ser questão fundamental entre os filósofos gregos, a consideração de que a vida e as condutas segundo as quais nos posicionamos diante dela transcorrem em um embate contínuo entre...

...de um lado, nossos desejos e paixões, e...

...de outro, nossa razão.Esse tema do confronto entre razão e paixões pode ser estudado no livro IX da República, onde Platão mostra como o tirano é aquele que se deixa governar por suas paixões.

Referência bibliográficaPLATÃO. A República. Livro X. São Paulo: Atena editora, s/d.

A ética é então concebida como a instância da educação de nossa natureza passional para que possamos seguir a razão, dominando os impulsos e orientando a vontade em direção ao bem e à felicidade, em conformidade com a coletividade e com o conhecimento da verdade e do bem.

Com Sócrates, surge uma discussão pública acerca dos costumes que formam a tradição de Atenas bem como a preocupação de definir conceitos com o objetivo de conhecer aquilo de que falamos.

Com Aristóteles, surge o que podemos classificar como os primórdios de uma ciência política, cujo fim almejado não é propriamente o conhecimento do que é o bem, mas a ação do bem.

No sistema aristotélico de divisão dos saberes, depois das ciências chamadas teoréticas, que dizem respeito ao conhecimento – epistéme –, aparecem as ciências práticas, referentes ao saber moral – phrónesis.Essas ciências dizem respeito à investigação acerca da conduta dos homens bem como ao fim que, por intermédio dessa conduta, eles desejam alcançar...

...seja enquanto indivíduos, seja enquanto membros de uma sociedade política.

O saber prático, portanto, distingue-se do teórico porque seu objetivo não é o conhecimento de uma realidade essencial determinada, mas o estabelecimento das normas e dos critérios para a melhor maneira de agir, para uma ação correta e eficaz.

O fim do saber prático é agir bem.

Entre os escritos de Aristóteles que versam sobre as ciências práticas e, em especial, sobre a ética, temos a Ética a Nicômaco, a Ética a Eudemo e um tratado conhecido como Magna moralia.

Ética a Nicômaco, talvez, seja o mais importante; pelo menos é o mais estudado.

Neste livro, Aristóteles inicia afirmando que é de comum acordo que todo indivíduo, assim como toda ação e toda escolha, tem em mira um bem, e esse bem é aquilo a que todas as coisas tendem.

Entretanto, se todo conhecimento e todo trabalho visam a algum bem, qual será o mais alto de todos os bens?

O mais alto bem, o Sumo Bem só pode ser aquele que é procurado por si mesmo, e não como meio para realizar outro bem.

É também aquele em vista do qual todos os outros bens são procurados.

Desse modo, Aristóteles dirá que o mais alto bem é a felicidade. No entanto, ainda assim, o problema permanece, pois podemos perguntar...

Page 59: FILOSOFIA FGV - Lições

...em que consiste a felicidade?Referência bibliográficaARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural, 1984 (Coleção Os Pensadores).

Vamos Sinopse

Chris Gardner (SMITH) é um pai de família que enfrenta sérios problemas financeiros e, abandonado pela esposa, precisa cuidar de Christopher (JADEN SMITH), seu filho de apenas cinco anos.

Chris consegue uma vaga de estagiário em uma importante corretora de ações, mas não recebe salário pelos serviços prestados.

Os problemas financeiros se agravam, o que faz com que pai e filho sejam despejados. Chris e Christopher passam a dormir em abrigos, estações de trem, banheiros e onde quer que consigam um refúgio à noite, mantendo a esperança de que dias melhores virão.

Ficha técnicaTHE PURSUIT of happyness = À PROCURA da felicidade. Direção: Gabriele Muccino. Intérpretes: Will Smith; Jaden Smith; Thandie Newton; Brian Howe. Estados Unidos: Columbia Pictures Corporation / Relativity Media / Escape Artists / Overbrook Entertainment, 2006. 117 min., son., color

ver uma cena de um filme que se relaciona com esse conteúdo.

Para Aristóteles, a ética está subordinada à política, pois lhe parece mais importante e mais perfeito escolher e defender o bem da pólis, visto que não é a pólis que vive em função do homem, e sim o contrário, sendo o homem, por natureza, um animal político – zôon politikón.

 

A areté se define como sendo a excelência de algo e está diretamente ligada à noção de cumprimento do propósito ou da função a que se destina.

Dessa forma, se o fim para o qual foi talhada a existência humana é a ação racional no espaço de deliberação e organização da pólis...

...então, a virtude se encontra na excelência da vontade racional que governa a ação em busca da felicidade.A felicidade está no exercício da virtude – Arete.

Podemos ter concepções diferentes do que a felicidade possa ser.

O bem do homem só poderá consistir na obra que lhe é peculiar, isto é, na obra que ele e só ele pode realizar,

assim como, em geral, o bem de cada coisa consiste na obra que é peculiar a cada coisa. A obra do olho é ver,

a obra do ouvido é ouvir, e assim por diante. E a obra do homem? a) Esta não pode ser o simples viver, dado

que o viver é próprio de todos os seres vegetativos. b) E não pode ser também o sentir, dado que este é

comum também aos animais. c) Resta, pois, que a obra peculiar do homem seja a razão e a atividade da alma

segundo a razão. O verdadeiro bem do homem consiste nessa obra ou atividade de razão, e, mais

precisamente, no perfeito desenvolvimento e atuação dessa atividade. Esta é, pois, a virtude do homem e aqui

deve ser buscada a felicidade.

 

Fonte

REALE, Giovanni. História da filosofia antiga. tradução de Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine. v.

2.São Paulo: Loyola, 1994. p. 410.

 

 

A virtude, a excelência,pode ser ensinada?

Page 60: FILOSOFIA FGV - Lições

Sendo a ética a instância de educação ou adestramento dos apetites e das paixões, cabe, no que oncerne à Arete...

...primeiro, saber se é possível conhecê-la, e...

...segundo, saber como fazê-lo, para então podermos agir de acordo com ela.

Em Platão, todo conhecimento está na ordem da reminiscência; todo conhecimento é antes um reconhecimento, um movimento da alma em direção àquilo que ela já sabe, mas não lembra.

Portanto, a areté não pode sertransmitida por um ensinamento, mas apenasredescoberta ou recordada pela alma como algo já pertencente a ela mesma.

Já Aristóteles   defenderá que a areté pode, sim, ser ensinada. No entanto, ele traça uma diferenciação entre duas espécies de virtude...

...as dianoéticas – intelectuais – e as éticas.Em suas próprias palavras...

...entre as primeiras, temos a sabedoria filosófica, a compreensão, a sabedoria prática, e, entre as segundas, por exemplo, a liberalidade e a temperança. Com efeito, ao falar do caráter de um homem não dizemos que ele é sábio ou que possui entendimento, mas que é calmo ou temperante.

 

Referência bibliográficaARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural, 1984, p.

1103a. (Coleção Os Pensadores). 

Ensino da Virtude

Por ser uma prática, a segunda categoria de virtudes apontadas por Aristóteles – as éticas – não se identifica com o conhecimento teórico do que é o bem em si.

Ela se identifica com o discernimento, a deliberação, a capacidade de agir de acordo com razão que conhece o bem.

A educação consiste, pois, em um hábito, um esforço que devemos praticar.

A virtude – Arete - ,a que se deve o esforço em direção à felicidade, está, portanto, no meio termo, cabendo ao homem...

Conhecer a jjusta medidade das coisas;

Compreender aquilo que é exigido em cada situação concreta;

Agir de forma equilibrada, de acordo com a prudência e moderação – sophrosýne.

O prudente é aquele que, em todas as situações, é capaz de julgar e avaliar qual atitude e qual

ação que melhor (...) realize o que é bom para si e para os outros.

Fonte

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1994. p. 342

 

As virtudes não se encontram entre as ciências teóricas, pois relacionam-se com as paixões, já que os homens não são puramente racionais.

Page 61: FILOSOFIA FGV - Lições

São involuntárias aquelas ações que ocorrem por compulsão e ignorância, por falta de controle dos apetites ou por desconhecimento deles, e podemos também dizer que são vícios.

Já o voluntário parece ser aquilo cuja escolha envolve um princípio racional, envolve o pensamento, ou seja, o conhecimento das paixões e dos apetites que determinam a vontade, e seu controle para definir uma escolha.

O objeto da escolha é algo que está a nosso alcance e pode ser desejado após uma deliberação interna ou racional.A escolha deve ser, portanto, um desejo deliberado, e é, no esforço de uma deliberação que esteja de acordo com a justa medida das coisas, que se realizam as virtudes éticas deAristóteles.

Nesse sentido, uma ação pode ser voluntária mas também involuntária.

Modulo 3

Unidade 2

Com uma nova configuração das fronteiras entre as esferas do público e do privado, e com o aumento da complexidade das relações econômicas e sociais, as sociedade ocidentais passaram a considerar a gratia da paz, a grantia da sobrevivência dos indivíduos, o princípio primordial e fim último de todo governo.

A concepção moderna de poder teve como um de seus maiores formuladores Nicolau Maquiavel.

Ele mostrou como a política obedece a uma lógica que é diferente da ética. 

As regras que regem as relações de poder são distintas das regras que regem as condutas humanas no âmbito privado.

Aquele que exerce o poder, que comanda um Estado, tem responsabilidades que, em alguns momentos, exigem ações que, em outros contextos, poderiam ser chamadas de imorais.

Se não agirmos conforme as circunstâncias exigem, as consequências serão a perda do poder, e, talvez, mesmo a desagregação social em função da disputa pelo poder gerada por aquela queda.

Maquiavel investiga, em seus livros, a lógica do poder nas relações sociais.

Esse tipo de análise será retomado, com várias mediações, na obra de Michel Foucault, examinada mais adiante.

Hannah Arendt foi uma autora que abordou, de modo sugestivo, aspectos importantes da relação entre ética e política no Ocidente.

Em livros como Entre o passado e o futuro e A condição humana, Arendt chama a atenção para rupturas radicais entre os mundos antigo e moderno.

 

Na Grécia Clássica, mesmo os esforços de Platão e Aristóteles na busca de um conceito de autoridade que contrariava a concepção da polis como uma sociedade dos iguais devem ser compreendidos como parte de uma concepção específica de política...

...uma política guiada pela busca do bem, pela investigação sobre aquilo que é potencialmente o melhor para todos.

Como bem resume Gerard Lébrun, em O que é poder, com uma nova configuração das fronteiras entre as esferas do público e do privado, e com o aumento da complexidade das relações econômicas e sociais...

...as sociedade ocidentais passaram a considerar a grantia da paz, a garantia da sobre vivência dos indivíduos, o princípio primordial e fim último de todo governo.

Page 62: FILOSOFIA FGV - Lições

Isso é algo que irá mudar redicalmente, na cidade moderna

Como notou Tocqueville, em um contexto de individualismo crescente, sem qualquer cuidado adicional...

...essa participação tende a uma grande dispersão e a um minimalismo perigoso, ao dar lugar à atomização do tecido social e ao favorecer o despotismo.

Ao longo dos séculos XIX e XX, teóricos e ativistas inspirados em perspectivas distintas – liberais, anarquistas ou socialistas – atacaram o Estado por seu caráter opressor supostamente intrínseco...

...seja ao limitar as liberdades individuais, intervindo no livre mercado, seja por estar sempre a serviço das classes dominantes e, portanto, da manutenção das desigualdades e da exploração da maioria.

 

Referência bibliográficaLEBRUN, Gerard. O que é poder. São Paulo: Abril Cultural/Brasiliense, 1984

O Estado moderno detém o monopólio do exercício da violência legítima, sobrando aos cidadãos uma participação cada vez mais mediada pela representação e por uma complexa rede de instituições e poderes que compõem os aprelhos do Estado.

Entre os anarquistas, temos como nomes mais conhecidos Bakunin, Proudhon, Kropotkin.

No campo do socialismo, um autor interessante éCharles Fourier, que sonhou com um socialismo do prazer.

O autor mais conhecido, sem dúvida, é Karl Marx.

Na identificação quase exclusiva do Estado como detentor do poder, entende-se o exercício da coerção, elemento fundamental – ainda que mínimo, como querem os liberais – de garantia da ordem social capitalista.

Essa visão foi sistematicamente questionada pelo filósofo francêsMichel Foucault, como veremos mais adiante.

Hoje em dia, Noam Chomsky defende idéias anarquistas na discussão política.

Desde fins do século XX, a aceleração da globalização – que não é apenas econômica mas também cultural, tecnológica, política... – envolve, ao menos, dois aspectos que poderiam ser destacados, para efeito do trabalho sobre a política em sala de aula.

O primeiro é o problema, já indicado anteriormente, da dispolitização, temida por Tocqueville, em contextos de crescente individualialismo...

...into é, uma certa apatia perante a política, que favoreceria o despotismo.

A segunda é a entrada em cena das novas configurações políticas advindas de mudanças do comportamento, do crescimento aparentemente irrversível dos processos de trocas materiais e imateriais, e dos fluxos migratórios.

Esse último ponto pode ser trabalhado, por exemplo, a partir de questões relativas ao fim do Estado nação e ao aparecimento do multiculturalismo.

Entre os filósofos que desenvolveram uma obra capaz de nos ajudar a pensar nas questões da despolitização e do multiculturalismo, Michel Foucault   é, sem sombra de dúvida, um dos mais importantes.

Page 63: FILOSOFIA FGV - Lições

Parei em mod3

Segundo Foucault...

...para além ou aquém do poder soberano – que implica a submissão a uma instância coercitiva superior, atrelada a um aparato estatal, policial e repressor – existe uma rede de relações institucionais.

...as raízes dessa rede remontam ao surgimento das instituições disciplinares ao longo dos séculos XVII e XVIII, e isso constitui a base dos processos de subjetivação do homem moderno.

Sabemos a resposta marxista clássica para essas questões...

...é porque as classes dominantes iludem as dominadas. 

Referência bibliográficaHOBBES, Thomas. Leviatã, Coleção Os Pensadores, Tradução de J.P. Monteiro e M.B.N. da Silva, São Paulo: Abril

Cultural, 1988.

Por que aceitamos o poder repressor enquanto tal?

É por que, como queria Thomas Hobbes, se não o fizéssemos, cairíamos na luta de todos contra todos?

Mas e aqueles que se sentem sistematicamente prejudicados pelo estado de direito, por que eles deveriam temer mais o estado de todos contra todos do que aquele que os mantém presos em um ciclo de eterna miséria?

No entanto, a pergunta permanece...

...por que as classes dominadas permitiriam ser iludidas? Por que temem a repressão?

Segundo Foucault, para explicá-lo, seria preciso considerar toda uma outra concepção do que seja o poder ou, ao menos, o poder que atravessa os mais diversos âmbitos de nossa existência.

Referência bibliográficaHOBBES, Thomas. Leviatã, Coleção Os Pensadores, Tradução de J.P. Monteiro e M.B.N. da Silva, São Paulo: Abril Cultural, 1988.

A ideologia, uma justificação do mundo social que oculta a exploração que está no centro das relações de trabalho, é a peça fundamental na produção da ilusão criada pelas classses dominantes.

Com as questões já enunciadas, quisemos indicar uma perspectiva filosófica contemporânea que pode ser rica para o trabalho junto aos alunos sobre as condições políticas na contemporaneidade.

Dizendo poder, não quero significar o Poder, como conjunto de instituições e aparelhos garantidores da sujeição dos cidadãos em um estado determinado. Também não entendo poder como um modo de sujeição que, por oposição à violência, tenha a forma da regra. Enfim, não o entendo como um sistema geral de dominação exercida por um elemento ou grupo sobre outro e cujos efeitos, por derivações sucessivas, atravessem o corpo social inteiro. A análise em termos de poder não deve postular como dados iniciais, a soberania do Estado, a forma da lei ou a unidade global de uma dominação; estas são apenas e, antes de mais nada, suas formas terminais. Parece-me que se deve compreender o poder, primeiro, como a multiplicidade de correlações de força imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas de sua organização (.). Onipresença do

Page 64: FILOSOFIA FGV - Lições

poder: não porque tenha o privilégio de agrupar tudo sob sua invencível unidade, mas porque se produz a cada instante, em todos os pontos, ou melhor, em toda relação entre um ponto e outro. O poder está em toda parte; não porque englobe tudo e sim porque provém de todos os lugares. E o poder, no que tem de permanente, de repetitivo, de inerte, de auto-reprodutor, é apenas efeito de conjunto, esboçado a partir de todas essas mobilidades, encadeamento que se apoia em cada uma delas e, em troca, procura fixá-las. Sem dúvida, devemos ser nominalistas: o poder não é uma instituição e nem uma estrutura, não é uma certa potência de que alguns sejam dotados: é o nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada. (.)

Dentro dessa linha, poder-se-ia introduzir certo número de proposições:

 

- que o poder não é algo que se adquira, arrebate ou compartilhe, algo que se guarde ou deixe

escapar; o poder se exerce a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e móveis;

 

- que as relações de poder não se encontram em exterioridade com respeito a outros tipos de

relações (processos econômicos, relações de conhecimentos, relações sexuais), mas lhe são

imanentes; são os efeitos imediatos das partilhas, desigualdade e desequilíbrios que se produzem

nas mesmas e, reciprocamente, são as condições internas destas diferenciações; as relações de

poder não estão em posição de superestrutura, com um simples papel de proibição ou de

recondução; possuem, lá onde atuam, um papel diretamente produtor;

- que o poder vem de baixo; isto é, não há, no princípio das relações de poder, e como matriz

geral, uma oposição binária e global entre os dominadores e os dominados, dualidade que

repercuta de alto a baixo e sobre grupos cada vez mais restritos até as profundezas do corpo

social. Deve-se, ao contrário, supor que as correlações de força múltiplas que se formam e atuam

nos aparelhos de produção, nas famílias, nos grupos restritos e instituições, servem de suporte a

amplos efeitos de clivagem que atravessam o conjunto do corpo social. (.);

 

- que as relações de poder são, ao mesmo tempo, intencionais e não subjetivas. Se, de fato, são

inteligíveis, não é porque sejam efeito, em termos de causalidade, de uma outra instância que as

explique, mas porque atravessadas de fora a fora por um cálculo: não há poder que se exerça sem

uma série de miras e objetivos. Mas isso não quer dizer que resulte da escolha ou da decisão de

um sujeito, individualmente (.);

- que lá onde há poder há resistência e, no entanto (ou melhor, por isso mesmo) esta nunca se

encontra em posição de exterioridade em relação ao poder. Deve-se afirmar que estamos

necessariamente no poder, que dele não se escapa, que não existe, relativamente a ele, exterior

absoluto, por estarmos inelutavelmente submetidos à lei? Ou que, sendo a história ardil da razão,

o poder seria o ardil da história – aquele que sempre ganha? Isso equivaleria a desconhecer o

caráter estritamente relacional das correlações de poder. Elas não podem existir senão em função

de uma multiplicidade de pontos de resistência que representam, nas relações de poder, o papel

de adversário, de alvo, de apoio, de saliência que permite a preensão. Esses pontos de resistência

estão presentes em toda a rede de poder. Portanto, não existe, com respeito ao poder, um lugar

da grande Recusa – alma da revolta, foco de todas as rebeliões, lei pura do revolucionário. (.)

Grandes rupturas radicais, divisões binárias e maciças? Às vezes. É mais comum, entretanto,

serem pontos de resistências móveis e transitórios, que introduzem na sociedade clivagens que se

deslocam, rompem unidades e suscitam reagrupamentos, percorrem os próprios indivíduos,

recortando-os e os remodelando, traçando neles, em seus corpos e almas, regiões irredutíveis.

 

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 1: A Vontade de Saber. Rio de Janeiro: Graal, 1987, p.

88-97.A partir das ideias de Foucault, é possível repensar o modo tradicional como representamos o poder e, portanto, as questões do individualismo, da despolitização, da relação entre cultura e política, do fim dos Estados nações e da eclosão do multiculturalismo.

Épossível, por exemplo, fugir de um certo pessimismo simplificador, questionando o valor negativo atribuído ao esvaziamento da plolítica partidária tradicional, em torno da luta pelo poder do Estado e dos valores nacionais – a república, o público, a crença em centros de legitimação das identidades- e suas causas...

Page 65: FILOSOFIA FGV - Lições

...não porque consideremos que devemos ou podemos reverter esse cenário...

...ou, alternativamente, porque consideremos que ele é bom...

...mas porque ele corresponde apenas a um modo de compreensão da política, e talvez não o mais importante – a política como luta pela soberania.

Inversamente, podemos criticar o valor positivo que, em um certo espontaneísmo de esquerda, costumamos atribuir, mecanicamente, a movimentos sociais e culturais contestatórios e de identidades minoritárias, origem do multiculturalismo...

...não somente porque seria impossível fixar, a priori, sua virtudes...

...mas, sobretudo, porque também eles são atravessados por jogos de poder, porque é neles que se explicitam, precisamente, forças que podem ser ou não libertadores.

A ética e a política são duas áreas extremamente sensíveis no ensino de filosofia de nível médio, e, talvez, valha a pena pensar um pouco sobre isso antes de pensar em conteúdos e métodos a serem mobilizados junto aos alunos.Essas duas áreas são extremamente sensíveis, porque parecem constituir as finalidades últimas do ensino de filosofia, especialmente, para um grande contingente de jovens em condições específicas.

Trata-se de jovens cuja formação profissional ou cujas perspectivas mais gerais de vida, apenas raramente, quando muito, implicarão algum contato minimamente sistemático com a filosofia.

Para além das contribuições da epistemologia, da lógica ou da estética na formação dos jovens, muitos acreditam que a finalidade da formação filosófica é, em última instância, ética e política...

...o que é, às vezes, formulado, sobretudo, em textos governamentais, como umaformação para a cidadania.Essa espécie de preponderância da ética e da política não parece explicar-se somente por uma contingência daqueles e daquelas que costumam deliberar sobre o ensino de filosofia – incluindo-se aí o ensino fundamental, para além da obrigatoriedade no ensino médio.

Essa preponderância parece fazer parte da tradição da própria história da filosofia.

É o que se pode observar no texto original da LDB de 1996, Art. 39, recentemente alterado para incluir a obrigatoriedade da disciplina no ensino médio.

Nem todos estão de acordo acerca do que deve ser ensinado aos mais novos, no que se refere à

virtude, e no que diz respeito à vida melhor. Também não é evidente se é mais adequado que a

educação vise as capacidades intelectuais ou o caráter da alma. 

Iniciar a indagação a partir do estado atual da educação só gera mal entendidos, pois não é

evidente para ninguém se a educação deve incutir o que é útil para a vida, ou o que é adequado à

prática da virtude, ou mesmo aquilo que não tem utilidade alguma; todas estas alternativas têm os

seus partidários. Além do mais, também não há consenso no que conduz à virtude: em boa

verdade, devido a não possuírem todos ao mesmo tempo uma evidência imediata do que seja a

virtude, discordam também no que seja o seu exercício.

Fonte

Aristóteles. Política. Tradução:Antônio C. Amaral e Carlos de C. Gomes. Lisboa: Vega, 1998. 1337b.A formação filosófica e a educação, de modo mais geral, foram, desde sempre, investigadas como instâncias de formação ética e política – Platão e Aristóteles são exemplos nesse sentido.

Lembremos que a questão fundamental de Sócrates, em vários diálogos de Platão, é a de se é possível aprender a virtude ou aprender a ser virtuoso.

Page 66: FILOSOFIA FGV - Lições

Na República, encontramos todo um projeto de educação fundamentada e coroada pela filosofia, que tem como finalidade uma ambiciosarefundação da pólis grega.

Também para Aristóteles a política é um tema fundamental...

...embora a filosofia não seja entendida como a base ou o coroamento da formação do governante,

como em Platão, e o livro em que trata mais sistematicamente da educação, a Política, tenha ficado inacabado.

Referência bibliográficaARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural, 1984,

1094a-b (Coleção Os Pensadores).

PLATÃO. A República. Livro X. São Paulo: Atenaeditora, s/d.

 

Sinopse

Alexandre (FARRELL) tem planos ambiciosos, partindo com seus exércitos da Macedônia rumo à Ásia Ocidental, dominada pelo império persa. Considerada uma guerra impossível, Alexandre sai vitorioso e aumenta seus domínios para locais até então desconhecidos, como a Ásia Central e o Himalaia. 

Seus feitos militares fazem com que ele domine todo o território entre a Macedônia e a Índia, sem ter sofrido uma derrota sequer. Enquanto aumenta seus domínios, Alexandre precisa lidar com seus pais, Filipe (KILMER) e Olympia (JOLIE), sua ambiciosa esposa Roxane (DAWSON), seu amigo de longa data Hephaestion (LETO) e o general Ptolomeu (HOPKINS), seu homem de confiança.

Ficha técnicaALEXANDER = ALEXANDRE. Direção: Oliver Stone. Intérpretes: Colin Farrell; Jessie Kam; Connor Paolo. Estados Unidos: Warner Bros./Pacifica Film/Intermedia Films/IMF Pictures, 2004. 176 min, son., color.

Apesar das diferenças, a ética e a política aparecem, em Platão e Aristóteles, como uma tarefa, sobretudo, educativa.

Para Platão...

...cada estrato da sociedade tem uma inserção diferente na pólis, e o ápice da educação na cidade é a educação dos guardiões-filósofos e do rei-filósofo.

Para Aristóteles...

...o governante deve agir mais segundo a prudência do que segundo a razão, precisa agir na urgência e decidir na incerteza.

Pensar filosoficamente a educação inclui, em Platão e Aristóteles...

...pensar uma educação filosófica de maneiras bastante diferentes.

Hannah Arendt teve importante contribuição para as discussões ora em foco, em seu livro Entre o passado e o futuro.

No capítulo 3, sobre o conceito de autoridade, Arendt procura indicar...

...as raízes platônicas e aristotélicas da submissão da educação à política...

...e as causas da politização da educação, atacando o que, em sua compreensão, significa umadupla perversão, da política e da educação.

Ao fazerem isso, Platão e Aristóteles introduzem exemplos e modelos extraídos da esfera pré-política, do âmbito  

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privado do lar e das experiências de uma economia escrava.

Esse movimento de Aristóteles, juntamente com a fundamentação platônica de A República em uma perspectiva educacional, e a contrapartida de subsumir a educação à política contradizem o que seria idealmente próprio de uma e de outra, segundo Arendt.

Referência bibliográficaARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2001.

ARISTÓTELES. Política. ed. bilíngue, Trad. de Antônio C Amaral e Carlos de C. Gomes, Lisboa: Vega, 1998,1328b e 1332b.

PLATÃO. A República. Livro X. São Paulo: Atenaeditora, s/d

Para Arendt, Platão e Ariostóteles estavam preocupados em encontrar um conceito de autoridade que pudesse reger a vida plítica para além da persuasão, que tantos males já havia causado à polis, incluindo a morte de Sócrates.

Essa atitude, segundo Arendt, contradiz a concepção gregfa de polis, definida magistralmente pelo próprio Aristóles como...

...uma comunidade de iguais visando a uma vida que é potencialmente a melhor.

Para Hannah Arendt, a política não pode ser o eixo de nenhuma educação sem cair em proselitismo e doutrinação.

A política – ou, ao menos, uma política democrática – pressupõe a igualdade, pressupõe que minha opinião terá o mesmo peso e valor que a opinião alheia, ao contrário do contexto educacional...

...onde a sociedade atribui a alguns, por um complexo sistema meritocrático de títulos e rituais institucionais, o direito de dizer o que vale mais ou vale menos.

No entanto, é claro que podemos não concordar com Hannah Arendt e defender que essa relação vertical que caracterizaria a educação esconde sempre uma dimensão política.

Também podemos considerar que é impossível sustentar a definição da política como sendo, idealmente, uma disputa entre iguais.

Talvez Platão, pelo extremo a que leva sua investigação filosófico-política, ilustre bem a natureza essencialmente política de toda proposta educativa e a natureza educativa de toda política.

 

A crítica de Arendt é importante para reavaliarmos o peso da ética e da plítica para uma grande massa de professores de filosofia, que, de certo modo, herdeiros de Platão e Aristóteles, pretendem fazer da educação uma instância de formação política, crítica e cidadã

Teórica política alemã, conhecida como a pensadora da liberdade. Sua maior obra,Origens do totalitarismo, trata de regimes autoritários instaurados no século XX. Estudou na universidade com Martin Heidegger e Karl Jaspers. Por causa de sua origem judaica, foi presa no período do nazismo. Após fugir da prisão, exilou-se nos EUA, onde lecionou em universidades até sua morte.

 

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Alice Casimiro Lopes, resumindo os aportes das teorias do currículo para pensar a relação entre saber e poder na escola, e entre dominante edominado, destacou que a elite não é, precisamente, aquela que detém o saber...

...como se os desafios da democratização da sociedade dependessem somente da democratização dos saberes por meio da escolarização.

Como a autora bem formula o problema...

...quem detém o saber só o faz porque detém o poder de dizer o que é ou não o saber.Contudo, para sermos justos com Hannah Arendt, é preciso lembrar que o que justifica a afirmação da diferença radical entre educação e política, para ela, é a ideia de que a essência da educação é a natalidade, isto é, a preservação do espaço para o surgimento do novo.

 

Referência bibliográficaLOPES, Alice R. C. Conhecimento escolar: processos de seleção cultural e de mediação didática, Educação e

Realidade, 22 (1), 95-112, jan-jun 1997.

 

Graduada em Química e mestra em Filosofia da Educação pela UERJ. Conclui o doutorado em Educação na UFRJ em 1996. Professora adjunta na Faculdade de Educação da UERJ, realiza pesquisas científicas na área de Currículo, nessa mesma instituição.

A dsicussão em torno dessa questão deveria nos prevenir quanto à ilusão de conquistar qualquer consenso em torno de que os conceitos e conteúdos de ética e política sejam apropriados par a formação dos jovens.

Segundo Rancière, a educação, como aparato dos Estados nacionais modernos, consolida-se, cada vez mais, como o principal instrumento das mais diversas ideologias na expectativa de redução das desigualdades econômicas e sociais.

 

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Contudo, ranciére, comentando a experiência pedagógica e as idéias de um professor francês do século XIX, Joseph Jacotot, mostra-nos que toda e qualquer aposta nesse sentido é ilusória e autocontraditória, porque insere mais um novo mecanismo de produção de disqualdade no seio da sociedade...

...entre aquele que sabe e o que não sabe.

...entre aquele que, por um lado, detém o poder de dizer o que é o saber e qual o saber que deve ser sabido e aquele que, por outro, deve contentar-se com aprender um saber que ele, na maioria dos casos, não sabe se ou por que deve ou não ser sabido.

 

Filósofo francês do século XX. Professor emérito de Estética e Política naUniversidade de Paris. Tem intensa atuação nos campos da Política e da Educação, tendo escrito livros importantes sobre esses temas, entre outros.

A perspectiva apresentada por Joseph Jacotot   coincide com a de Hannah Arendt na medida em que rejeita que a educação deva ser pensada e vivida sob um viés político, mas não pelos mesmos motivos.

Para Jacotot, permitir a invasão da política na educação seria preservar o embrutecimento, seria manter a perspectiva hierárquica de quem sabe o que se deve ou não saber para poder serlivre, a começar pelo que significa ser livre.

Ao contrário de Arendt, paraRancière, que segue aqui Jacotot, a educação deve seruma aposta radical na igualdade.

A igualdade não está no fim, está no princípio. Somos todos iguais na inteligência, embora sejamos diferentes na vontade.Essa ideia vai diretamente contra a perspectiva de Arendt, segundo a qual deixar a educação nas mãos dos próprios educandos é abster-se de educar, é impor o parâmetro de decisão política do mundo dos adultos, o governo dos iguais, ao universo dos ainda não educados.

Isso significaria sufocar toda a frágil potência de criação do novo que as crianças, as novas gerações, carregam, precisamente por não estarem totalmente imersas no mundo dos adultos, premidas por suas exigências.

É sobretudo a vontade do aluno...

...conceito certamente problemático que seria preciso analisar mais cuidadosamente...

...que faz a diferença.

Um exame e uma avaliação da figura de Sócratescomo professor, a partir da perspectiva desenvolvida por Rancière, pode ser encontrada no texto de Walter Kohan, Sócrates, a educação e a filosofia. De herói a anti-herói.

Nesse texto, o procedimento de Sócrates é visto como um caminho de confirmação do já sabido, e não como busca de um saber que ainda não se sabe.

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O que os outros não sabem já é sabido por Sócrates, que conduz os diálogos como se não soubesse, tanto quanto seus interlocutores, o que se deve buscar.

Este representa um modelo de mestre totalitário, que sempre sabe o que os outros devem saber.

Essa análise ataca o mito de Sócrates como modelo absoluto da pedagogia. 

Referência bibliográficaKOHAN, Walter O. Sócrates, a educação e a filosofia. De herói a anti-herói. In: GALLO, Silvio; DANELON, Márcio;

CORNELLI, Gabriele (Orgs.) Ensino de Filosofia – teoria e prática. Ijuí: Unijuí, 2004, p. 113-126.

No entanto, o que se ouve, no decorrer dos diálogos, é quase sempre a voz de Sócrates.

Unidade4

Otrabalho, em sala de aula, em torno da relação entre ética e política, envolve sempre grandes armadilhas ideológicas, sobretudo, o risco de procurar incutir nos alunos uma visão política x ou y.

As diferenças entre a cidade antiga e a cidade moderna apresentam, sem dúvida, questões importantes para uma abordagem mais atual do problema...

...questões que podem e devem ser trabalhadas em articulação com o que os alunos aprendem em História.

Portanto poderíamos perguntar...

Como cobrar que haja ética na política se a política ocidental moderna parece basear-se, precisamente, na separação entre ética e política?

Essa suposta separação não seria antes fruto de uma concepção conservadora da política, aquela de autores como Jean Bodin e Thomas Hobbes?

Essas não são, necessariamente, questões a serem aprofundadas junto aos alunos do ensino médio, mas são questões que podem e devem servir de guia...

...tanto para esclarecer os fundamentos do Estado moderno, modelo sob cuja sombra ainda nos encontramos, apesar de todas as radicais transformações por que passou o mundo durante o longo século XX...

...como para entender o que há de específico em nossa condição atual.

A necessidade de esclarecer os fundamentos do Estado moderno e de entender o que há de específico em nossa condição atual são indissociáveis.

O trabalho, em sala de aula, em torno da relação entre ética e política, envolve sempre grandes armadilhas ideológicas, sobretudo, o risco de procurar incutir nos alunos uma visão política x ou y.

Mas esse risco não é, necessariamente, sinônimo de proselitismo.

Ele é mesmo aparentemente inevitável e deve sempre ser assumido de modo crítico, aberto, não dogmático.

As preferências ideológicas do professor não podem ser superadas com a busca de umaneutralidade, porque, ao menos em se tratando de política, mas, talvez, como em tudo mais...

Page 71: FILOSOFIA FGV - Lições

...qualquer seleção já implica a manifestação de preferências, ênfases e modos de entender o sentido e a finalidade dos conteúdos a serem trabalhados com os alunos e...

...a própria noção deneutralidade é um problema politicamente em disputa nas mais diversas correntes ideológicas.Partindo do princípio da responsabilidade que todo professor deve assumir perante seus alunos, o colégio, a sociedade e, sobretudo, perante si próprio, como intelectual comprometido em superar os limites de seu pensamento e as formas atávicas de sectarismo e doutrinação...

...que, à esquerda e à direita, dificultam a compreensão da complexidade de nossa situação presente.

Não se trata também de confrontar essas concepções de modo aparentemente neutro, esperando que os próprios alunos tirem suas conclusões.

Trata-se sim de assumir responsabilidade perante aquelas que constituem, segundo os parâmetros inexoravelmente problemáticos de cada um, as questões atuais mais importantes e que podem servir de motivação para o trabalho em sala de aula.

Não se trata de escolher entre Hobbes e Rousseau ou Marx e Locke, ou Popper e Adorno...

...para defender, junto aos alunos, determinadas concepções de poder e sociedade.

Ao permitirem que os alunos se manifestem e expressem suas opiniões acerca de assuntos da escola ou da sociedade, esses elementos possibilitam que diferentes vozes divulguem seus pontos de vista, argumentos, interesses e perspectivas.

A liberdade de expressão é um princípio da Constituição brasileira e também um dos princípios da organização das sociedades democráticas.

É por meio da liberdade de expressão que podemos realizar o esclarecimento dos povos, como sugere Kant em seu texto Resposta à pergunta:o que é o esclarecimento?

 

 

Essa maneira de sugerir o uso de diversos meios de comunicação, tanto como material didático quanto como produção de alunos, pode parecer ter um caráter iluminista, por fundar-se na liberdade de expressão.

Em todo caso, dada uma certa cultura escolar bastante limitadora da liberdade de expressão dos alunos, pensamos que é importante ressaltar esse ponto.

A produção de jornais, murais, programas, blogs ou qualquer outro veículo de comunicação pode ter um papel fundamental na educação ética e política dos estudantes.

O esclarecimento realizado pela escola não deve se dar apenas como ensino da verdade científica e moral...

...mas também como abertura para a investigação sobre a verdade, a ciência, a moral e a política.

Não pretendemos que todos os alunos se tornem bons discípulos, mas que se tornem investigadores capazes de construir seus próprios caminhos de investigação, em comunicação com outros.

 

Uma maneira muito rica de abordar temas da ética e da política com os alunos é por meio do teatro. A comédia As nuvens, de Aristófanes, por exemplo, retrata os sofistas na Grécia.

Outras peças da Antiguidade podem ser utilizadas como, por exemplo Antígona, de Sófocles.

Nessa tragédia, é abordado o conflito entre as leis religiosas, do espaço privado, e as leis políticas, da cidade-Estado, do espaço público.

Os filhos de Édipo, herdeiros da maldição ancestral da família de Laio – Pai de Édipo - , após seu pai ter-se retirado, cego por suas próprias mãos, permanecem em Tebas.

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Um deles, contudo, alia-se ao novo rei da cidade, enquanto o outro se coloca contra este. Na luta então desencadeada, os dois morrem.

O rei proclama que só aquele que lutou a seu lado poderá ter um funeral conforme a tradição. O outro deverá ter o corpo deixado abandonado, insepulto.l Ora, essa é a maior desonra que pode acontecer a alguém, segundo a religião grega.

Antígona, filha de Édipo, não pode permitir que o corpo de seu irmão seja abandonado e, mesmo pondo em riso a prórpia vida, vai ela própria realizar o funeral – atitude que gera uma série de conseqüências trágicas.

O professor pode abordar o conflito entre a lei pública, do Estado, e a lei privada, familiar, religiosa.

A primeira corresponde ao âmbito político, e a segunda, ao âmbito da ética.

 Aristófanes

 

Dramaturgo grego. É considerado o maior representante da Comédia Antiga. Nasceu em Atenas e, embora sua vida seja pouco conhecida, sua obra permite deduzir que teve uma formação requintada.  Escreveu mais de 40 peças, das quais apenas 11 são conhecidas. Conservador, revela hostilidade às inovações sociais e políticas e aos deuses e homens responsáveis por elas. Seus heróis defendem o passado de Atenas, os valores democráticos tradicionais, as virtudes cívicas e a solidariedade social. Violentamente satírico, critica a pomposidade, a impostura, os desmandos e a corrupção na sociedade em que viveu.

Sófocles

 

Dramaturgo grego responsável por algumas das mais famosas tragédias de seu tempo. É de sua autoria a obra Édipo Rei, considerada por Aristóteles o exemplo de perfeição de tragédia grega em estrutura e conteúdo. Também é autor deAntígona, Electra, entre outras obras

Referência bibliográficaSÓFOCLES. Antígona. In: A trilogia tebana: Édipo Rei, Édipo em Colono, Antígona. Tradução de Màrio da Gama Kury.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 

Unidade 5

Para refletir um pouco mais sobre questões relacionadas ao conteúdo deste módulo, assista, a seguir, a uma cena do filme Intervalo clandestino.

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Sinopse

O documentário é um ensaio poético sobre o papel da política e seus efeitos práticos na vida dos brasileiros. 

Uma ampla reflexão surge nos detalhes e nas vozes anônimas surpreendidas ao acaso no meio da multidão. Trata-se de uma indagação sobre até que ponto a política e o processo eleitoral atuam na vida dos brasileiros, configurando um espaço crítico de pensamento sobre o País.

Para refletir

Neste módulo, aprendemos sobre a relação entre a ética e a política. Vimos as origens desses conceitos, sua evolução e a influências deles na educação e, principalmente, na sala de aula.

Na cena selecionada, vimos diversas pessoas sendo entrevistadas e demonstrando sua aversão ao assunto abordado – a Política. Ao assistir ao filme, procure refletir sobre...

i. a noção de bem que orienta a política e a ética;

ii. o sentido original da palavra político e os deslocamentos de sentido que ela sofreu ao longo do tempo.

 

Ficha técnicaINTERVALO Clandestino. Direção: Eryk Rocha. Intérpretes: Alba Marta Zaluar; Alexandre Barros da Cunha. Brasil:

Grupo Novo de Cinema, 2006. 94 min., son., color.

Questões de Maridos

O professor leu ainda muitas cartas das duas irmãs. Todas confirmavam as primeiras; as duyas últimas eram, principalmente, características.

Sendo longas, não é possível transcrevê-las; mas vai o trecho principal. O de Luísa era este;

...O meu Candinho continua a fazer-me feliz, muito feliz. Nunca houve marido igual na terra, titio; não houve, nem haverá; digo isto porque é a verdade pura.

O de Marcelina era este:

Informações: 

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu na cidade do Rio de Janeiro – RJ – em 21 de junho de 1839.   

Foi cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista, crítico e ensaísta. 

Internacionalmente conhecido, Machado de Assis é considerado o maior autor da Literatura Brasileira, graças a romances como Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro, entre outros.

 

  Para refletir

Questões de maridos é o conto que apresenta, por meio de cartas, o diálogo de duas mulheres sobre seus maridos.

No trecho acima, vemos como o professor analisa o conteúdo dessas cartas. Após a leitura do trecho, procure refletir sobre...

i. a dualidade paixão e razão e como elas se relacionam com o saber;

 

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ii. a validade, do ponto de vista ético, da forma com a qual o professor apresenta o problema da subjetividade;

iii. a prudência nos métodos e explicações do professor.

Clique em   para acessar o texto em formato .doc.

FonteASSIS, Machado de. Questões de maridos. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 28 jun.

2009. 

Informações

Santi di Tito (1469-1527) nasceu na Toscana. Existe pouca informação sobre sua formação artística. Sabe-se que ele trabalhou em alguns afrescos em Roma e que, em 1564, teria ingressado na Academia de Desenho em Florença. 

Tito não foi um artista que teria se aventurado a pintar fora da Toscana, como era comum os artistas fazerem na época – sair de suas terras à procura de emprego e encomendas bem pagas. 

 

 

Para refletir

Com um estilo rafaelesco, Tito não usava o traço e a cor com os pintores florentinos de sua época. Sua paleta é formada por tons sombrios e sua composição quase não tem luminosidade. Contudo, este retrato é importante documento histórico da fisionomia do grande filósofo Maquiavel. 

Neste módulo, lemos sobre ética e política. Observando este retrato de Maquiavel, podemos refletir sobre...i. a importância de Maquiavel para se estudar a concepção moderna de poder e sua lógica nas relações sociais;

ii. a tese de Foucault sobre nossa aceitação do poder repressor;

iii. a relação que há entre ideologia e poder e como as classes dominantes lidam com esses dois conceitos.

 

Referência BibliográficaDI TITO, Santi. Nicolau Maquiavel. s/d. Santi di Tito. Óleo sobre madeira. Sem dimensões definidas. Coleção Palazzo Vecchio, Florença.

 

 

Módulo 4

Neste módulo, discutiremos questões da Estética. Os conceitos abordados são o belo, a arte, a técnica, a arte como imitação e como expressão, relações entre a arte e a educação e a indústria cultural. Apresentaremos duas visões bem amplas e influentes da arte – a arte como imitação, conceito oriundo da Antiguidade; e a arte como expressão, característico de uma visão moderna da arte. Também relacionaremos questões da arte a questões da educação e da formação humanas. Por fim, discutiremos a questão contemporânea da relação entre a arte e a indústria, incluindo a questão da formação do gosto e das sensibilidades.

A estética como área de estudo da filosofia surge, oficialmente, com esse nome, em 1750, referindo-se a determinadas representações sensíveis que poderiam ser classificadas como objetos da arte e da beleza.

Estética – a palavra não é estranha. Atualmente, a estética anda em voga. Todos se preocupam com ela.

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Embora pareça uma preocupação com a aparência, com a beleza, a preocupação estética, na verdade, liga-se a conceitos filosóficos fundamentais.

Como podemos aproveitar a valoração do belo em favor das aulas de filosofia?

O que é o belo? Seria uma ideia de perfeição, seria um conceito cultural ou um equivalente da verdade?

O que é belo para um poderia não ser belo para outro?

Em que a estética, como teoria das artes e do belo, pode auxiliar-nos a ver o mundo com olhos de filósofos?Afinal, segundo o filósofo Maurice Merleau-Ponty...

...a verdadeira fikosofia consiste em reaprender a ver o mundo.

Se, no campo teórico da estética, o belo e a arte entram em cena, resta-nos sempre indagar e estimular nossos alunos a fazer o mesmo. 

O que é a arte? A arte é sempre a produção da beleza, dos objetos belos?

Como distinguir o que é belo do que não é?Há critérios objetivos de beleza e de feiúra ou os juízos que buscam estabelecer tais qualidades são sempre dependentes de um padrão cultural?

Existe a beleza na natureza, o belo natural?

Não há obras de arte que tratam de acontecimentos terríveis, poemas sobre guerras, dramas, histórias trágicas? Essas obras poderiam ser caracterizqadas como belas?

Qual a importância e o significado da beleza e da arte para o ser humano?

Se a filosofia busca um saber, é possível falar a partir de uma perspectiva de produção de conhecimento no que se refere ao belo e à arte? Terá a beleza alguma importância para o conhecimento? Constitui a arte uma forma de conhecimento? Ou seria ela puro desvario da imaginação, não podendo ser confiável, ainda que sedutora?

Será o conhecimento de si, em sua essência, uma arte, mais do que uma ciência?

Pode a razão ser a senhora absoluta do comportamento humano ou ela depende dos afetos, das emoções e das paixões para determinar as ações?Nesse sentido, a arte se faria indispensável?

Podemos educar sem uma dimensão artística? A formação da sensibilidade, das paixões, do ser humano em sua totalidade pode ser feita de outro m odo que não por meio das obras de arte?

O que significam estes conceitos que povoam nossos discursos – arte, ciência, técnica?

Como saber o que é arte e o que não o é? Essa definição também depende de algum critério objetivo ou sempre será arbitráRIA e convencional?Hoje em dia, quando a indústria produz filmes com inúmeras continuações, lança livros Best-sellers, produz programas de TV, isso altera a noção de arte? Qualquer produção cultural é artística? Quais os limites e interseções entre arte e cultura?

Qual é a relação da arte e da beleza com nosso modo de vida?,nossos valores, nosso modo de nos relacionarmos uns com os outros?

George Bataille também diz que a arte nasceu no dia em que a humanidade foi capaz, tal como

em Lascaux, de conceber uma atividade distinta do trabalho, no dia em que um gesto gratuito a

fez sair da sujeição à utilidade. A arte é assim, desde a origem, liberdade, jogo e festa, recusa de

qualquer subordinação: é soberana. Ao assentar na dilapidação das riquezas, é, ao mesmo tempo,

o que há de mais necessário e testemunha, na sua gratuidade, a economia dispendiosa do

Universo; é por isso que, no limite, se concebe que a verdadeira soberania, que não visa qualquer

fim, também deixe de produzir qualquer obra: que seja, tal como Blanchot afirma, ociosa.

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WARIN, François et alii. As grandes noções da filosofia. Lisboa: Instituto Piaget, s/d.Suscitar questões sobre estética, os conceitos de belo e de arte em sala de aula pode configurar uma conversa inicial sobre a área da estética, cuja finalidade é instigar o interesse dos alunos e mapear um caminho a seguir.

...que conceitos enfocar...

...que abordagem privilegiar...

..quais as funções da arte...

...qual a relação entre arte e natureza, arte e sociedade...

...qual a relação entre o belo, a cultura e as obras de arte...

...qual a relação entre arte, beleza, educação e conhecimento...

E quantas combinações forem possíveis criar sobre uma mmatriz com elementos tão vastos e tão ricos.

Estética é um substantivo criado por derivação do termo gregoaísthesis, que significa sensação, ou seja, o que é fruto da sensibilidade, das afecções sensíveis, alcançadas por meio dos sentidos.

A estética como área de estudo da filosofia surge, oficialmente, com esse nome, em 1750, referindo-se a determinadas representações sensíveis que poderiam ser classificadas como objetos da arte e da beleza.

Desde sempre, evidenciou-se o quanto a arte trata de coisas que não se exaurem na dimensão sensível.

Justamente por isso, a associação da arte com o conhecimento teórico, conceitual, bem como com o conhecimento prático, moral, sempre foi objeto de investigação do pensamento.

Vamos começar pelo significado das plavras...

De acordo com o Dicionário de filosofia de Nicola Abbagnano, no campo teórico da filosofia:

Com esse termo designa-se a ciência (filosófica) da arte e do belo. O substantivo foi introduzido

por Baumgarten, por volta de 1750, num livro (Aesthetica) em que defendia a tese de que são

objeto da arte as representações confusas, mas claras, isto é, sensíveis, mas perfeitas, enquanto

são objeto do conhecimento racional as representações distintas (os conceitos). (...) Hoje esse

substantivo designa qualquer análise, investigação ou especulação que tenha por objeto a arte e o

belo, independentemente de doutrinas ou escolas.

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982, p. 348.

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O termo estética sedimentou-se como a designação da parte da filosofia que investiga a arte e o belo de uma forma geral.

Contudo, isso só ocorreu a partir da Modernidade, pois, na Antiguidade, a doutrina da arte denominava-se Poética e o belo não estava a ela associado.

O belo na Antiguidade não estava associado à arte, e muito menos constituía uma área de investigação própria...

...ao contrário, estava inserido em um contexto que investigava o conhecimento e a moral, associado à verdade, ao inteligível.

Nesse sentido, os critérios para a valoração da beleza estavam sempre subordinados a esferas extraestéticas.

O belo era o que era bom e verdadeiro, e possuía total independência com relação à arte, como veremos melhor adiante.

A beleza não é um problema que data do período moderno...

...afinal, desde os primórdios da filosofia, a preocupação com o belo estava presente.

O sentido geral do termo técnica e do termo arte coincide, pois ambos significam, de forma mais ampla – assim como a palavra ciência – um conjunto de regras aptas a dirigir uma atividade no sentido de obter a eficácia almejada.

 

Na Antiguidade, ambos os termos existiam para dar conta do significado daquilo que hoje reconhecemos na palavra técnica.

Techné é uma palavra grega que significa uma ação ordenada, ou seja, que é feita seguindo determinadas regras.

O vocábulo determina, portanto, algo que é produzido seguindo uma técnica, que segue regras, ou seja, que se opõe àquilo que é espontâneo, natural.

Todas as atividades do homem modificam, de certa forma, a natureza, o que é natural, e, por isso, todas elas eram igualmente classificadas como techné e como arte.

A arte é quase tão antiga quanto o homem. É uma forma de trabalho, e o trabalho é uma atividade

característica do homem. (...) O homem se apodera da natureza transformando-a. O trabalho é a

transformação da natureza. (...) Um meio de expressão – um gesto, uma imagem, um sim, uma

palavra – era tão instrumento como um machado e uma faca. Era apenas outro modo de

estabelecer o poder do homem sobre a natureza.

FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1973, p.40.

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O trabalho está associado a tudo aquilo que imprime a marca do homem em sua garantia de sobrevivência, na relação deste com o mundo, ou seja, com a natureza e os outros seres humanos.

Segundo Platão, em seu diálogo Protágoras, o homem é o animal mais indefeso e inerme de toda a criação, e foi, por meio da técnica/arte/ciência, que foi capaz de ampliar suas capacidades...

...seja por meio da mimetização, de enxergar no escuro ou a distância...

...seja por meio do aumento da força, de deslocar-se com mais rapidez, de desbravar os céus ou os oceanos...

Para a ampliação de tais potencialidades, o homem precisou criar objetos e procedimentos, e, com esse fim, utilizou sua capacidade racional, sua intuição e seu polegar opositor.

 

  Na atualidade, designamos como técnica o modo de realizar essas atividades e obter a finalidade proposta.

O próprio do homem nessa esfera de atuação, é a criação de instrumentos e ferramentas para compensar suas capacidades naturais pouco desenvolvidas, se comparadas às dos outros animais.

Ao longo da História e do uso da linguagem, os termos arte e técnica apareceram repetidas vezes imbricados.

É o caso da arte da navegação, da arte médica ou mesmo daarte do raciocínio, a que se refere Platão, no Fédon, ao falar de sua dialética, isto é, da filosofia elevada ao mais alto grau.

Para Platão, a poesia assim como a política e aguerra também são arte, o que mostra que o conceito de arte tem suas origens na técnica e no método que ela proporciona...

...ou seja, no caminho a ser adotado por todo aquele que quiser alcançar semelhante objetivo.

O homem também sonha com um trabalho mágico que transforme a natureza, sonha com a

capacidade de mudar os objetivos e dar-lhes nova forma por meios mágicos. Trata-se de um

equivalente na imaginação àquilo que o trabalho significa na realidade.

O homem é, por princípio, um mágico. (...) É a descoberta da diversidade de possibilidades e a

habilidade de comparar diversos objetos, avaliar-lhes a eficiência e escolher um deles.

Com a utilização de instrumentos, em princípio, nada mais é definitivamente impossível. Basta

encontrar o instrumento adequado para conseguir aquilo que anteriormente não podia ser

conseguido.

Conquistou-se uma nova força sobre a natureza e esta nova força é potencialmente ilimitada.

Nessa descoberta, precisamente, está uma das raízes da mágica e, por conseguinte, da arte.

FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1973, p. 26.O porto primeiro da atividade artística em seus primórdios foi a sobrevivência.

Para Platão, a arte compreendia todas as atividades humanas ordenadas, inclusive a ciência, e distinguia-se da natureza. 

A imbricação entre arte e sobrevivência manifesta-se...

...tanto na manutenção da coesão do grupo proporcionada pelos rituais artístico-religiosos...

...quanto na importância para as batalhas ou as caçadas do uso artístico que se faz do corpo, dos cabelos, das roupas e dos acessórios, bem como das armas.

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As pinturas rupestres ou as descrições dos índios moicanos e sua força descomunal corroboram a necessidade da arte para a sobrevivência e perpetuação da espécie e do grupo cultural e político.

Hoje em dia, o aparato bélico ostentado por grupos em disputa bem como a espetacularização das guerras também são imagens precisas disso.BARBOSA, Ricardo. Schiller e a cultura estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p. 19 (Coleção Passo-a-Passo).

A técnica artística, por ser mais simbólica e imaginativa, além de ter sua finalidade imediata de garantir a sobrevivência menos evidente, alcançou certa autonomia já tardiamente. 

Talvez tenha sido o recurso ao elemento mágico o traço distinto da arte ao longo da história, capaz de retirá-la, em dado momento do desenvolvimento humano, do rol comum das atividades ligadas à sobre vivência...

...que se tornaram propriamente técnicas para nós, como a medicina ou a navegação, por possuírem uma método determinado e finalidades estritas.

Aristóteles   foi responsável por uma das primeiras restrições ao conceito de arte, retirando a ciência de seu âmbito, uma vez que esta trata do necessário assim como a lógica.

A arte é do âmbito do possível, do contingente, ou seja, do que pode ser de outro modo, mas o é apenas no que se refere à produção, e não à ação, que é inerente à política.

Em seu livro  Ética a Nicômaco , Aristóteles define a arte como ohábito, acompanhado da razão, de produzir alguma coisa.

Essa distinção é aprofundada pelo filósofo Tomás de Aquino, no período medieval, quando este distingue as artes liberais, isto é, as artes do espírito, da razão, das artes servis, baseadas nas artes manuais, dependentes do corpo.

Embora ainda hoje possamos utilizar, de forma ampla, o termo arte para todo fazer humano, de forma culta, tendemos a restringir seu uso à ideia disseminada por Kant das belas artes, ou seja...

...para designar o fazer humano que produz representações cujo fim está em si mesmo, proporcionando um prazer desinteressado.

 

Referência bibliográficaARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural, 1984

(Coleção Os Pensadores).

KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993.

Somente com Kant, há a distinção definitiva entre arte mecânica e arte estética.

A reflexão sobre a arte e o belo na Antiguidade surge, nas obras de  Platão  e de  Aristóteles , quando estes examinam...

...os tipos de arte, sua natureza imitativa, seus modos de proceder, a relação com a verdade, a ética e a política.

 

Tal relação se dá porque o termo poiêsis, em grego, significa obra, fabricação, e o verbo poiéinsignifica produzir, fabricar.

A análise se dava em torno das várias formas de produção humana e das obras produzidas ou fabricadas.

A poiêsis é ainda a terceira forma da ação, que visa produzir obras, ao contrário da práxis e da teoria, que bastam a si próprias, tais como analisadas por Aristóteles, em  Ética a Nicômaco .

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Referência bibliográficaARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural, 1984 (Coleção Os Pensadores).

O termo poética título de uma das obras de Aristóteles, indica a relação direta entre arte e poesia...

...já percebida também em Platão.

– Sabes que poesia é algo de múltiplo; pois toda causa de qualquer coisa passar do não-ser ao ser

é poesia, de modo que as confecções de todas as artes são poesias, e todos os seus artesãos

poetas.

      – É verdade o que dizes.

      – Todavia, continuou ela, tu sabes que estes não são denominados poetas, mas têm outros

nomes, enquanto que de toda a poesia uma única parcela foi destacada, a que se refere à música

e aos versos, e com o nome do todo é denominada. Poesia é com efeito só isso que se chama, e os

que têm essa parte da poesia, poetas.

       Platão, O Banquete. São Paulo: DIFEL, 1986, 205b-c. Grifo nosso.

Para conhecer a análise de Platão sobre os poetas, sobre a arte e a beleza, podemos nos orientar por alguns de seus diálogos.

Para tal, destacaremos pontos presentes em alguns diálogos, sugerindo ao professor que procure ler esses textos, integralmente, para abarcar a globalidade e a complexidade de suas questões.

Em O Banquete, a beleza é discutida em relação com o amor e a ânsia por imortalidade.

O amor é considerado como um modo de ascender até as Ideias em si mesmas, puras, por um percurso que vai...

...do primeiro encantamento com os corpos belos... 

...até a compreensão – ou contemplação – da própria ideia de beleza.

Vemos aí a relação entre o amor e a beleza – o encantamento pelo belo, que se torna amado pelo amante.

O amor é concebido como a vontade de engendrar no belo, de produzir novos seres no belo e, de certo modo, de buscar a imortalidade por meio dessa produção-reprodução...

...seja de obras, como poemas...

...seja de novos seres, filhos, descendentes.

O amor é a busca do belo, de algo que não se tem...

...portanto, o próprio amante não pode ser belo, por faltar-lhe o que ele deseja.

Eis, com efeito, em que consiste o proceder corretamente nos caminhos do amor ou por outro se

deixar conduzir: em começar do que aqui é belo e, em vista daquele belo, subir sempre, como que

servindo-se de degraus, de um só para dois e de dois para todos os belos corpos, e dos belos

corpos para os belos ofícios, e dos ofícios para as belas ciências até que das ciências acabe

naquela ciência, que de nada mais é senão daquele próprio belo, e conheça enfim o que em si é

belo.

Platão, O Banquete. São Paulo: DIFEL, 1986, 211c-d.

Page 81: FILOSOFIA FGV - Lições

 

- Quando então – continuou ela – é sempre isso o amor, de que modo, nos que o perseguem, e em

que ação, o seu zelo e esforço se chamaria amor? Que vem a ser essa atividade? Podes dizer-me?

– Eu não te admiraria então, ó Diotima, por tua sabedoria, nem te freqüentaria para aprender isso

mesmo.

– Mas eu te direi – tornou-me. – É isso, com efeito, um parto em beleza, tanto no corpo como na

alma.

– É um adivinho – disse-lhe eu – que requer o que estás dizendo: não entendo.

– Pois eu te falarei mais claramente, Sócrates, disse-me ela. Com efeito, todos os homens

concebem, não só no corpo como também na alma, e quando chegam a certa idade, é dar à luz

que deseja a nossa natureza. Mas ocorrer isso no que é inadequado é impossível. E o feio é

inadequado a tudo o que é divino, enquanto o belo é adequado. Moira então e Ilitia do nascimento

é a Beleza. Por isso, quando do belo se aproxima o que está em concepção, acalma-se, e de júbilo

transborda, e dá à luz e gera; quando porém é do feio que se aproxima, sombrio e aflito contrai-se,

afasta-se, recolhe-se e não gera, mas, retendo o que concebeu, penosamente o carrega. Daí é que

ao que está prenhe e já intumescido é grande o alvoroço que lhe vem à vista do belo, que de uma

grande dor liberta o que está prenhe. É com efeito, Sócrates, dizia-me ela, não do belo o amor,

como pensas.

– Mas de que é enfim?

– Da geração e da parturição no belo.

– Seja – disse-lhe eu.

– Perfeitamente – continuou. – E por que assim da geração? Porque é algo de perpétuo e mortal

para um mortal, a geração. E é a imortalidade que, com o bem, necessariamente se deseja, pelo

que foi admitido, se é que o amor é amor de sempre ter consigo o bem. É de fato forçoso por esse

argumento que também da imortalidade seja o amor.

Platão, O Banquete. São Paulo: DIFEL, 1986, 206b-207a. Grifo nosso

Outro texto de Platão que pode ser lido como um desdobramento da discussão sobre a relação entre o belo, o amor e a retórica é o diálogoFedro.

Em particular, esse diálogo apresenta o mito da alma como um carro guiado por dois cavalos e o mito sobre a origem da palavra escrita.

Esses dois mitos podem ser utilizados proveitosamente pelo professor no desenvolvimento das discussões sobre as concepções de Platão acerca do homem e do conhecimento.

Platão também se volta para o tema da poesia em A República, livro X, em que apresenta um argumento que já se tornou célebre para justificar a expulsão dos poetas da cidade.

Os poemas de Homero, em especial, tinham grande importância na educação dos gregos, que era feita por intermédio do conhecimento e da recitação desses poemas.

No entanto, para Platão, esses poemas seriam prejudiciais à educação dos cidadãos por distanciarem-se da verdade, por criarem ilusões apelando aos elementos inferiores da alma, gerando efeitos morais corruptores.

Platão defende que se renuncie à poesia, exceto àquela que louva os deuses e os homens virtuosos.

Referência bibliográficaPLATÃO. A República. Livro X. São Paulo:Atena editora, s/d.

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A crítica de Platão aos poetas pode ser vista como uma primeira elaboração de argumentos filosóficos para justificar a censura.

O tema da censura moral e política das obras de arte ainda está presente em nossa sociedade.

Vez por outra, é retomado nas discussões sobre a programação da televisão, do cinema ou sobre certo tipo de músicas.

Portanto, um modo de tornar essa discussão mais próxima dos estudantes é buscar relações com o modo como o tem da censura é abordado hoje em dia.

No diálogo  Íon , Platão desenvolve outro argumento contra a autonomia da poesia, em que mostra que os poetas, na verdade, não sabem do que falam, pois seus poemas são recebidos por inspiração, e não por conhecimento.

Dessa forma, os próprios poetas não são fontes confiáveis de saber, embora seus poemas possam ser examinados e, neles, encontrados elementos de sabedoria.Mesmo essa crítica de Platão pode ser vista com reservas, pois podemos argumentar que Platão reconhece, de modo indireto, o valor da arte, ao pensar que algumas formas dela devem ser proibidas.

É claro que a poesia tem um poder educativo, e podemos entender que Platão procurou produzir, por meio de seus diálogos, uma outra forma de arte que encaminhasse as almas em direção à sabedoria.

PortanAlém disso, há que se considerar o sentido da poética como uma forma de pensar a arte – e a beleza – que predominou da Antiguidade até o século XVIII, quando o surgimento da disciplina estética trouxe novas perspectivas.

Contudo, isso deve ser feito a partir de outro olhar, que não o do prórpio poeta.to, a criação da filosofia pode ser entendida como simultânea à criação de um estilo literário, os diálogos.

Em um primeiro momento, a estética nos remete à beleza que é perseguida por quase todos, mas, quando resolvemos estudar estética, lançamo-noO homem, desde sempre em sua história, ao se expressar, parece ter trazido embutida a preocupação com o belo...

...a funcionalidade e a utilidade dos objetos que produzia ou das empreitadas em que se lançava estavam constantemente associadas à preocupação com a beleza.

Um exemplo disso são os enfeites que adornavam as ferramentas e as armas, assim como as pinturas rupestres que registravam feitos ou antecediam o sucesso das investidas futuras.s, inevitavelmente, ao estudo das artes.

Além disto, o belo – ser vivente ou o que quer que se componha de partes – não só deve ter essas

partes ordenadas, mas também uma grandeza que não seja qualquer. Porque o belo consiste na

grandeza e na ordem...

 

ARISTÓTELES. A poética. São Paulo: Abril Cultural, 1979), 1450b, 34. (Os Pensadores).

A beleza será considerada diferentemente pelos diversos autores para além da distinção entre belo natural e belo artístico...

Em Platão, expressa-se a preocupação com a definição da beleza, com o que ela é em si mesma.

O juízo estético não se reduz ao belo mas também trata do sublime...

...considerado, na Antiguidade, por Longino como um sentimento nobre, elevado...

Page 83: FILOSOFIA FGV - Lições

...identificado por Aristótelescomo o prazer que provém da imitação – ou da contemplação – de uma situação dolorosa, capaz de despertar o terror e a piedade na tragédia...

...ou ainda por Kant como a impotência da imaginação diante do absolutamente grande – o que apraz imediatamente por sua resistência contra o interesse dos sentidos.O sublime, ao tratar do prazer ou da comoção causada no espectador de fatos terríveis ou imensamente superiores a ele, que mostram sua impotência diante das forças da natureza, trata de uma dimensão constitutiva do homem, que é a finitude.

Por meio da análise do sublime, o pensamento sobre o belo vincula-se também a questões morais, ainda que mantenha a autonomia de seus princípios.

Os estudantes, provavelmente, já terão tido uma experiência capaz de ser descrita como sublime...

...seja em sua própria vida...

...seja em filmes, músicas ou outras formas de arte.

Seja por meio de experiências diretas com a natureza, seja por intermédio de formas de arte – como a tragédia antiga ou diversos filmes modernos – os estudantes podem se reconhecer nessa relação com o absolutamente grande.

Essa será a faculdade da razão e a afirmação do domínio da liberdade. Nesse ponto, o juízo estético e o juízo moral se aproximam, não tanto em sua constituição conceitual, mas em sua destinação.

A experiência estética ganha sentido ao ser propiciadora da autoconsciência do homem de sua destinação como liberdade.

 

O que , no homem, é capaz de levá-lo a confrontar o poder das forças da natureza?

Pois, assim como na verdade encontramos a nossa própria limitação na incomensurabilidade da

natureza e na insuficiência da nossa faculdade para tomar um padrão de medida proporcionado à

avaliação estética da grandeza de seu domínio, e, contudo, também, ao mesmo tempo,

encontramos em nossa faculdade da razão um outro padrão de medida não sensível, que tem sob

si como unidade aquela própria infinitude e em confronto com o qual tudo na natureza é pequeno,

por conseguinte encontramos em nosso ânimo uma superioridade sobre a própria natureza em sua

incomensurabilidade; assim também o caráter irresistível de seu poder dá-nos a conhecer, a nós

considerados como entes da natureza, a nossa impotência física, mas descobre ao mesmo tempo

uma faculdade de ajuizar-nos como independentes dela e uma superioridade sobre a natureza,

sobre a qual se funda uma autoconservação de espécie totalmente diversa daquela que pode ser

atacada e posta em perigo pela natureza fora de nós, com o que a humanidade em nossa pessoa

não fica rebaixada, mesmo que o homem tivesse que sucumbir àquela força.

KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, § 28.

Grifo nosso.

E que faculdade seria essa, que Kant afirma ser capaz de nos encorajar a medir-nos com a

natureza?

O interesse estético já estava presente no homem antes mesmo de a filosofia existir.

Trata-se não, simplesmente, de viver o dia a dia, mas de interessar-se por pensar o como e o por que das coisas – atitude originária que dá origem à própria filosofia.

No estudo do mito, está envolvido o estudo das características da cultura oral e a prática de contar histórias.

Page 84: FILOSOFIA FGV - Lições

Ao longo do curso de filosofia, pensamos que é um recurso rico a utilização regular de histórias das tradições mítica, literária ou filosófica...

...e não apenas como leitura mas também como ocasião de viver a experiência de falar e ouvir histórias.

Ao promover essas experiências, tentamos concretizar situações em que os jovens falem e escutem a si próprios e aos outros...

Além disso, esperamos, em particular, que eles contem para eles mesmos histórias das distintas tradições a que temos acesso, inclusive daquelas vivenciadas mais de perto por eles.

Estudar o mito, portanto, envolve não apenas o conhecimento de culturas distantes mas também procurar conhecer os mitos que estão presentes entre nós, em diversas fontes.

 

Os mitos, as histórias em que se cantavam e narravam os heróis e os deuses, buscando explicar a origem das forças da natureza bem como dos valores, sempre em seu exercício fantástico, constituem as primeiras tentativas do homem de explicar a existência e o mundo em que vive.

Ao lermos e escutarmos narrativas míticas, temos a experiência de um pensamento que se realiza por meio de histórias que se passam em um tempo sagrado...

...histórias que envolvem personagens divinos, heróicos e monstruosos, e acontecimentos originários de características da condição humana no mundo.

A leitura de um mito envolve uma experiência de pensamento com características próximas do sonho e afastadas da lógica formal.

Não obstante, nessas histórias, é possível encontrar formas de compreensão da vida humana, valores, concepções do cosmos, elementos de sabedoria que permitem considerá-las como propiciadoras de aprendizado.

O mito é o nada que é tudo, afirmou Fernando Pessoa. Talvez possamos entender assim ao menos um aspecto desse verso...

...essas histórias, que parecem não conter nada de real, mas apenas figuras fantásticas, dizem respeito, na verdade, à experiência de vida de cada um de nós.

 

Referência bibliográficaCAMPBELL, Joseph; MOYERS, Bill. O poder do mito. Tradutor Carlos Felipe Moisés.Editora Palas Athena, SP, 2003.

A palavra mito, do grego m^ythos, significa narrativa.

Podemos cultivar a perspectiva de que a grande explicação do mundo é estético-política, antes de ser verdadeira, científica, essencial.

Isso torna-se claro se pensarmos no poder que se exerce, se legitima e se perpetua por meio das formas ritualísticas, através das liturgias do poder.

Um exemplo é o ritual de cultivo da fertilidade, responsável pela afirmação do homem diante do poder da natureza.

Esse ritual mostrou-se, muitas vezes, associado ao ritual de confirmação do rei, uma confirmação do poder ordenador do mundo, do kósmos – tal como a vitória de Zeus sobre os Titãs.

Também as festas populares e as festa oficiais, profanas e sagradas, os desfiles militares, os folguedos tradicionais perfomáticos exprimem sempre uma associação da necessidade prática cotidiana...

Page 85: FILOSOFIA FGV - Lições

...e seu fundamento cultural, cheio de elementos tradicionais que comportam o fantástico, o misterioso, para além dos nexos causais lógicos.

Alguns filósofos, como Nietzsche, valorizaram o mito justamente por lidar, de forma imediata, com esse aspecto da vida humana que é fundamental...

...afinal, o homem não é só racional.

O que o mito diz nunca pode ser demonstrado ou comprovado e, por isso, não pode ser claramente concebido pela razão humana, mas é sempre claro seu significado moral e religioso.

O mito lida com o ser humano em sua dimensão não racional...

...mas institiva e pré-conceitual.

Coloque-se agora ao lado desse homem abstrato, guiado sem mitos, a educação abstrata, os

costumes abstratos, o direito abstrato, o Estado abstrato; represente-se o vaguear desregrado,

não refreado por nenhum mito nativo, da fantasia artística; imagine-se uma cultura que não

possua nenhuma sede originária, fixa e sagrada, senão que esteja condenada a esgotar todas as

possibilidades e a nutrir-se pobremente de todas as culturas.

NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. São Paulo: Cia das

Letras, 1992, p.135.

Para uma proposta de abordagem do mito, comentaremos alguns trechos do prólogo do poema Teogonia, de Hesíodo.

Abaixo reproduzimos o texto, para o qual sugerimos uma leitura atenta, que busque pesquisar e

desenvolver os pontos citados nos comentários.

Hesíodo, que viveu entre os séculos VIII e VII a. C., foi, junto com Homero, um dos poetas épicos

mais importantes da Grécia. Diferentemente de Homero, porém, Hesíodo narra, na Teogonia, as

histórias da criação do mundo, dos deuses e dos homens, na forma de uma cosmogonia, onde

elementos da natureza, divinizados, surgem e fazem gerar outros seres.

Como é comum nos poemas épicos, o poeta faz, no início, uma invocação às Musas, as deusas que

deram a poesia aos homens, e que ainda inspiram os poetas a produzirem novos poemas. Nesse

prólogo, que pode ser analisado com a ajuda de um professor de literatura, mais capacitado para

destacar os elementos de estilo e de linguagem, podemos perceber alguns pontos importantes.

Entre eles, primeiramente, está o próprio sentido de se cantar e contar essas histórias de deuses e

heróis. As histórias são cantadas para alegrar os deuses e para consolar e apaziguar o coração dos

homens, dando a eles uma pequena trégua nas duras batalhas que têm de lutar a cada dia.

Além disso, as Musas afirmam algo sobre sua própria linguagem: elas são capazes de dizer a

verdade e coisas semelhantes a verdades. Parecem mostrar que a poesia tem sua própria

verdade, que não é a mesma dos fatos históricos, mas que, por meio de uma certa ficção (coisas

semelhantes a verdades, a verossimilhança), é possível enunciar verdades profundas sobre a

condição humana.

No prólogo também aparece a relação das Musas com os reis justos, capazes de apaziguar os

conflitos entre os súditos e de realizar a justiça. Este trecho torna evidente a relação íntima entre

os cantos dos poetas da época e o exercício do poder dos reis. Os poetas cantavam os feitos dos

grandes homens, e tornavam-se cantores de um povo quando exprimiam, de algum modo, a

ordem alcançada por esse povo, seja sob um grande rei, seja sob o império da lei.

Outro ponto importante a estudar a partir do prólogo é o próprio conjunto de personagens míticos

aludidos, como os deuses olímpicos e os Titãs, e também o conjunto das Musas. Entre elas,

podemos destacar Mnemósine, ligada à memória, e Clio, a Musa da história.

Page 86: FILOSOFIA FGV - Lições

A partir daí, podemos desenvolver, junto com os alunos, a pesquisa sobre os diversos personagens

e histórias da mitologia e os modos desenvolvidos de interpretá-los...

Descrição das Musas e Catálogo dos deuses (1-21)

[1] Comecemos por cantar as Musas heliconianas, as Musas que habitam a alta e divina montanha

do Hélicon e que, em torno das fontes de águas sombrias e do altar do todo poderoso filho de

Cronos, dançam com seus pés ligeiros. Elas vêm banhar-se, virgens delicadas, nas águas do

Permesso ou do Hipocreme ou do Olmeu divino e, em seguida, formam, no cimo do Hélicon, seus

coros belos e encantadores, com passos de ritmo vivo; depois, elas se afastam envoltas em

sombras e, caminhando na noite, lançam ao vento sua maravilhosa voz celebrando os deuses: a

Zeus que detém a égide, a venerável Hera de Argos, calçada com sandálias de ouro, a Atena, a

filha de olhos azuis de Zeus que detém a égide, a Febo Apolo, a arqueira Ártemis, a Poseidon

senhor da terra que abala o solo, a Têmis a veneranda, a Afrodite dos olhos que faíscam, a Hebe

coroada de ouro, a bela Dione, a Leto, a Jápeto, a Cronos de pensamentos velhacos, a Eos

(Aurora), ao grande Hélios (Sol), à brilhante Selene (Lua), a Gaia (Terra), ao grandioso Oceano, à

negra Noite, e a restante linhagem sagrada dos imortais sempre vivos!

As musas e os humanos (22-35)

[22] Foram elas que um dia ensinaram a Hesíodo um belo canto, quando ele apascentava seus

cordeiros, ao pé do Hélicon divino. E eis as primeiras palavras que me dirigiram as Musas do

Olimpo, filhas de Zeus, que detém a égide: Pastores que habitam os campos, tristes opróbrios da

terra, que nada sois senão ventres. Sabemos contar mentiras muito semelhantes às realidades,

mas sabemos também, quando o queremos, proclamar verdades. Assim falaram as filhas legítimas

do grande Zeus, e por cetro me ofereceram o bastão da Sabedoria, para que eu glorificasse as

coisas futuras e as passadas, enquanto me ordenavam celebrar a estirpe dos deuses eternos e,

em primeiro lugar, a elas mesmas, tanto no começo como no fim dos meus cantos.

[35] Mas por que todas estas palavras ao redor do carvalho e do rochedo?

Canto às musas (36-52)

[36] Ora, comecemos pois, pelas Musas, cujos hinos alegram o arrogante coração de Zeus (seu

pai) no Olimpo, quando cantam o presente, o passado, o futuro com vozes em uníssono. Sem

descanso, de seus lábios brotam cantos delicados, e a morada de seu pai, de Zeus de fragores

poderosos, resplandece, quando se expande a voz luminosa das deusas. Ressoam o nevado cume

do Olimpo e o palácio dos Imortais enquanto num divino concerto, seu canto glorifica primeiro a

linhagem veneranda dos deuses desde a origem – os que Gaia e o vasto Urano deram à luz – e os

que de seus filhos nasceram, os deuses autores de todos os benefícios; depois glorifica Zeus, por

sua vez, o pai dos deuses e dos homens (que as deusas celebram no início e no fim de seu canto

mostrando como, em seu poder, ele é o primeiro, o maior dos deuses; enfim, as Musas Olimpianas,

filhas de Zeus, que detém a égide, celebram a raça dos humanos e a dos poderosos Gigantes,

alegrando assim o coração de Zeus no Olimpo.

Nascimento das Musas (53-64)

[53] Em Piéria, unida ao Pai Cronida, Mnemósine, rainha das encostas do Eleutério, por ser o

esquecimento das infelicidades, a trégua às preocupações gerou as Musas Olimpianas. A

Mnemósine, durante nove noites se unia o prudente Zeus, altivo, longe dos Imortais, em seu leito

sagrado. E quando veio o fim de um ano e o retorno das estações, [os meses passando, como os

longos dias estivessem completos] ela gerou nove filhas de pensamentos semelhantes, que têm

em seu peito apenas a preocupação do canto e guardam sua alma livre de desgosto, perto do mais

alto cume do Olimpo coberto de neve. Ali estão seus coros alegres e sua bela morada. As Graças e

o Desejo têm sua morada perto delas [em meio aos festejos, suas bocas, numa graciosa melodia,

vão cantando as leis e glorificando os sábios princípios, comuns a todos os Imortais, lançando ao

vento sua encantadora voz.]

Descrição e Catálogo das Musas (65-79)

[65] As Musas iam do Hélicon para o Olimpo fazendo ecoar, encantadoramente, sua voz imortal; e

ao longe, ao som de seus cantos retumbava a terra negra; e sob seus pés, um som encantador se

elevava, enquanto iam assim para o palácio de Zeus, o deus que reina no Olimpo, senhor do

trovão e do raio de clarões sinistros. Poderoso triunfador de seu pai Cronos, ele repartiu

igualmente com os Imortais todas as coisas, a cada um dando uma atribuição, fixando-lhes as

prerrogativas. Assim cantavam as Musas, habitantes do Olimpo, as nove irmãs, filhas do grande

Page 87: FILOSOFIA FGV - Lições

Zeus – Clio, Euterpe, Tália, Melpômene, Terpsícore, Érato, Polímnia, Urânia e, enfim, Calíope a mais

importante de todas.

Musas, as inspiradoras dos reis citaristas e aedos (80-103)

[80] É Calíope quem justamente assiste aos reis que são respeitados pelo povo. Aqueles que as

filhas do grande Zeus honram, aquele dentre os reis descendentes dos deuses sobre quem se

detém o olhar delas, no dia em que vem ao mundo, elas vertem sobre sua língua um orvalho doce

e só escorrem de seus lábios palavras doces como o mel. Todo o povo tem os olhos sobre este rei

quando decide as demandas por sentenças cheias de justiça; sua linguagem infalível, sabe

apaziguar rápido, como é necessário, as mais ardentes querelas. Pois é nisso que se conhecem os

reis sábios, porque aos homens um dia lesados, eles sabem dar na ágora, uma desforra sem

combate, atraindo os corações com palavras apaziguadoras. Quando este rei se dirige ao tribunal,

fazem-lhe festa como a um deus, por sua cortesia, e ele brilha no meio da multidão que acorreu.

Para os humanos o dom das Musas é sagrado.

É pelas Musas e pelo arqueiro Apolo que há sobre a terra cantores e citaristas como, por

intermédio de Zeus, há reis. É feliz aquele que as Musas amam pois, dos lábios dele fluem cantos

suaves. Se um homem traz o luto em seu coração inexperiente à dor e sua alma definha no

desgosto, logo, que um cantor, servo das Musas, celebre os altos feitos dos homens de outrora ou

os deuses felizes, habitantes do Olimpo, rapidamente ele se esquece de seus descontentamentos

e de seus desgostos não se lembra mais. O presente das deusas desviam-no disso.

Invocação (104-115)

[104] Salve, filhas de Zeus, dai-me um canto maravilhoso e glorificai comigo a estirpe sagrada dos

imortais sempre vivos, que nascem de Gaia e de Urano ou da negra Noite, e também aqueles que

o Mar Salgado nutriu. Cantai também, Musas, como, com os deuses, nasceram primeiramente

Gaia, os Rios, o Mar (Ponto) imenso de furiosas ondas, as Estrelas brilhantes, o extenso Urano lá

em cima. Depois os que deles nasceram, os deuses autores de todos os benefícios, e como

dividiram suas riquezas, como entre si repartiram as honras, e como ocuparam logo o Olimpo de

mil caminhos. Inspirai-me essas coisas, ó Musas, habitantes do Olimpo, começando desde a

origem, e dizei-me quem foi o primeiro deles.

HESÍODO. Teogonia. Niteroi: EDUFF, 1986. Tradução e comentários: Ana Lúcia Silveira Siqueira e

Maria Therezinha Arêas Lyra, p.29-33. Grifo nosso]

Na história da filosofia, certamente, houve diversas apreciações do significado das histórias mitológicas.

Alguns filósofos criticaram o mito justamente por enfatizar a dimensão fantástica e não lógica do homem e projetaram uma subordinação do mitológico ao conhecimento racional

Esses filósofos pretendiam que o mito, uma vez racionalizado, pudesse estar mais próximo da filosofia e , com isso, ser mais valorizado e estar a serviço dos projetos de educação da racionalidade.

Um exemplo desse pensamento pode ser verificado no trecho a seguir, fragmento de um

manuscrito do séc. XVIII, de origem duvidosa (provavelmente de Hegel), e que é um marco por ser

a primeira formulação do que viria a se desenvolver como o idealismo alemão, após Kant e em

diálogo com sua obra. Schelling e Hegel consideraram diferentemente o valor da arte frente à

filosofia. Para o primeiro, a arte era a realização superior do espírito. Para Hegel, ela não era a

manifestação mais apropriada do absoluto, o que se daria na filosofia. Não aprofundaremos aqui o

estudo das concepções estéticas desses autores, mas o professor deve estar consciente de sua

existência e importância.

Falarei aqui pela primeira vez de uma ideia que, ao que sei, ainda não ocorreu a nenhum espírito

humano – temos de ter uma nova mitologia, mas essa mitologia tem de estar a serviço das Ideias,

tem de se tornar uma mitologia da Razão.

Page 88: FILOSOFIA FGV - Lições

Enquanto não tornarmos as ideias mitológicas, isto é, estéticas, elas não terão nenhum interesse

para o povo; e vice-versa, enquanto a mitologia não for racional, o filósofo terá de envergonhar-se

dela. Assim, ilustrados e não ilustrados precisarão, enfim, estender-se as mãos, a mitologia terá de

tornar-se filosófica e o povo racional, e a filosofia terá de tornar-se mitológica para tornar sensíveis

os filósofos. Então reinará eterna unidade entre nós. Nunca mais o olhar de desprezo, nunca mais

o cego tremor do povo diante de seus sábios e sacerdotes. Só então esperar-nos-á

uma igual cultura de todas as forças, em cada um assim como em todos os indivíduos. Nenhuma

força será mais reprimida. Então reinará universal liberdade e igualdade dos espíritos! Será preciso

que um espírito superior, enviado dos céus, funde entre nós essa nova religião; ela será a última

obra, a obra máxima da humanidade.

SCHELLING, Friedrich. Obras escolhidas. São Paulo: Nova Cultural, 1989. Coleção Os Pensadores,

p.43.O mito é retomado na obra Dialética do esclarecimento, de Adorno e Horkheimer, publicada em 1947, em confronto com a ideia de esclarecimento...

...entendido como iluminismo ou o processo do homem tornar-se racional, desenvolver seu juízo plenamente.Segundo os autores, o esclarecimento, que pretendia superar o mito, revelou-se uma outra forma de mito, de ilusão, capaz de causar violências talvez maiores do que aquelas atribuídas ao mito...

...como é o caso do sistema de extermínio de seres humanos perpetrado na Segunda Guerra Mundial.

Portanto, a promessa de liberdade e felicidade do esclarecimento tornou-se, ao contrário, o pior pesadelo de opressão e sofrimento para os homens.

Referência bibliográficaADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

O pensamento desses autores será retomado adiante ao tratarmos da ind´stria cultural.

Para o professor de filosofia, é interessante tentar propor uma leitura interdisciplinar com a sociologia, pois o mito foi muito estudado por pensadores da área das ciências sociais, como Durkheim, Malinowski, Bourdieu, Lévi-Strauss   e outros.

Alguns abordaram os mitos como produto de uma mentalidade pré-lógica, como Émile Durkheime, desse modo, aproximaram-se de muitas interpretações filosóficas ao longo da história.

Reside aí a importância do mito, não só de fundamentar mas também de retroalimentar as culturas, em qualquer período histórico, pois é o principal elemento responsável pela manutenção das tradições.

Para dar conta dessa função do mito, Lévi-Strauss designou-o com a expressão filosofia nativa, pois é a forma primeira de um povo expressar sua relação com o mundo e com a existência. 

Portanto, é possível pensar o mito hoje, em sociedades complexas como as nossas, onde, comumente, a palavra é associada a personalidades emblemáticas e históricas...

...e, muitas vezes, esse é o senso comum do qual partem os alunos nas salas de aula do ensino médio.

No entanto, outros valorizaram o mito pela importante função que ele desempenha nas sociedades, atribuindo a ele a justificação a posteriori dos elementos fundamentais da cultura do grupo. Ele [Lévi-Strauss] explica a função exercida pelo mito nas sociedades mais avançadas e as

características díspares que ele pode assumir nessas sociedades; nelas podem constituir Mito não

só as narrativas fabulosas, históricas ou pseudo-históricas, mas também figuras humanas (heróis,

Page 89: FILOSOFIA FGV - Lições

líderes, etc.), conceitos e noções abstratas (nação, liberdade, pátria, proletariado), ou projetos de

ação que nunca se realizarão.

 

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982, p. 646.

A arte expressa visões de mundo dominantes ou marginais em distintas épocas históricas e em diferentes culturas, coloca questões, ressalta comportamentos, evidencia práticas e valores, educa.

O papel da arte, sua importância, seus valores e funções sempre geraram muita reflexão e discussão na filosofia.

É inegável o quanto as representações na arte se relacionam com a natureza e também com o homem, seu grupo sociocultural, seus afetos.

A arte expressa visões de mundo dominantes ou marginais em distintas épocas históricas e em diferentes culturas, coloca questões, ressalta comportamentos, evidencia práticas e valores, educa.

A arte é capaz de expressar saberes filosóficos ontológicos – como vão afirmar alguns filósofos, referindo-se às tragédias.

A seguir buscaremos refletir sobre alguns valores e funções atribuídos à arte pela reflexão filosófica.

É interessante observar o quanto essas reflexões se cruzam com a política, com a ética, com a teoria do conhecimento e mesmo com a ontologia.

...) é para isso que serve a arte, é para incomodar mesmo. Esse é o papel da arte, ela nos coloca

diante de determinadas coisas que já conhecemos, mas que, por seu intermédio, revemos e

reconhecemos.

 

FARIAS, Agnaldo. A arte e sua relação com o espaço público. In: Portal da Educação

Pública[http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educação_artistica/0002. html]. Acesso em

19/12/2009.

O homem já se pintou para mimetizar a natureza.

Os europeus estranharam os homens nativos da América, que, com seus corpo pintados, pareciam transformar-se até mesmo em outras espécies.

Muitas vezes, agiam à semelhança do lagarto, que adapta sua aparência ao local em que está, com a finalidade de disfarçar-se e, assim, proteger-se.

Os homens também usam e usaram sua criatividade para, por meio da arte, mimetizando, potencializar suas forças ou sua astúcia, à semelhança de um leão, de uma cobra, de uma raposa.

Desse modo, também, mimetizavam o próximo sobrenatural, personificando-o e aproximando-se dos mistérios da existência.

Um exemplo disso é a função das festas rituais nas comunidades humanas, desde sempre.

Page 90: FILOSOFIA FGV - Lições

Platão entendia a arte, principalmente, como imitação.

Ele associava a arte, em uma perspectiva negativa, a sua teoria do conhecimento.

Se, para ele, tudo o que pertence à esfera da aparência é cópia dos modelos perfeitos presentes no intelecto, ou seja, das ideias...

...a arte, uma vez que imita a natureza e a vida, seria mera cópia do que já é cópia. 

Enquanto cópia da cópia, a arte estaria três graus distante da verdade, pois sequer seria cópia das formas perfeitas.

Portanto, quando um pintor ou um escultor imita a forma de uma mesa, por exemplo, não busca seu modelo no intelecto, mas na vida prática, na mesa produzida pelo marceneiro.

Apenas pretende provocar no espectador a percepção sensível de que aquilo é uma mesa. A mesa do cenógrafo pode ser feita até mesmo de isopor!

Referência bibliográficaPLATÃO. A República. Livro X. São Paulo: Atenaeditora, s/d.

Não imita com a preocupação de que a função da mesa...

...seu material ou durabilidade sejam respeitados.

O texto que segue mostra os argumentos de Platão para criticar a arte e entendê-la como nociva em sua função educativa. A função da arte, para ele, seria confundir as pessoas, distanciando-as, por intermédio das imagens, do verdadeiro conhecimento, que é puramente racional e não sensível...

Sócrates – Entre todas as razões que me levam a crer que o plano de nosso Estado é tão perfeito

quanto possível, nenhuma sobreleva o que estabelecemos sobre a poesia.

Glauco – O que estabelecemos?

Sócrates – Não admitir a parte puramente imitativa da poesia. Agora que já deixamos nitidamente

traçada a distinção que existe entre as partes da alma, me parece mais claro que nunca se deve

dar acolhida a essa espécie de poesia.

Glauco – Como entendes isso?

Sócrates – Vou dize-te em confiança, na certeza de que não irás delatar-me aos poetas e trágicos

nem aos outros imitadores. Parece-me que esse gênero de poesia é veneno para os que o ouvem,

quando não prevenidos com seu antídoto, que consiste em saber dar o justo valor a tais coisas.

Glauco – Que é que te leva a falar assim?

Sócrates – É o que te vou dizer, posto que sinta a língua como travada de certa ternura e respeito

que desde menino sinto para com Homero. Porque de Homero se pode dizer que é o precursor e o

mestre de todos os poetas trágicos. Como, porém, meu respeito à verdade é maior que o que devo

aos homens, cumpre-me explicar meu pensamento.

Glauco – Muito bem.

Sócrates – Escutai-me, pois; ou melhor, responde-me.

Glauco – Interroga.

Sócrates – Sabes dizer-me o que é em geral a imitação? Porque eu, por mim, mal chego a lhe

compreender a natureza?

Glauco – E achas, então, que eu é que hei de compreendê-la melhor?

Sócrates – Não seria de admirar. Porque sucede, às vezes, que os de vista curta percebem os

objetos primeiro que os de olhos perspícuos.

Glauco – Isso acontece, decerto. Jamais, porém, ousarei dizer em tua presença meu parecer sobre

o assunto. Por isso te rogo que olhes e veja por ti mesmo.

Page 91: FILOSOFIA FGV - Lições

Sócrates – Estás de acordo em que procedamos, nestas indagações, segundo nosso método

ordinário? Consiste este, como sabes, em abraçar uma ideia geral, uma multidão de seres que

subsistem à parte, aos quais abrangemos sob o mesmo nome. Não entendes assim?

Glauco – Entendo.

Sócrates – Tomemos então uma das muitas espécies de seres. Por exemplo: há uma multidão de

leitos e mesas.

Glauco – Sem dúvida.Sócrates – Todos porém abrangidos sob duas ideias apenas: a de leito e a de mesa.Glauco – Sim.Sócrates – Também costumamos dizer que o artífice que faz um ou outro destes móveis, trabalha segundo a ideia que tem na cabeça quando produz uma destas mesas ou destes leitos que servem para nosso uso. O mesmo se dirá dos outros móveis. Porque, certamente, não é a própria ideia do móvel, o que o artífice fabrica. Poderia ser?Glauco – Certo que não.Sócrates – Vê agora que nome convém dar ao artífice que eu que vou mencionar.Glauco – Qual?Sócrates – O que faz sozinho tudo o que os outros artífices fazem separadamente.Glauco – Bem hábil artífice, decerto, e mui digno de admiração, há de ser esse tal.Sócrates – Pois ainda vais admirá-lo mais, que eu não disse tudo. Não só este artífice tem o talento de fazer todas as obras de arte, mas também faz todas as obras da natureza, as plantas, os animais, em suma tudo o que existe, e ainda, enfim, se faz a si mesmo. E ainda não é tudo: faz a terra, o céu, os deuses, tudo o que há em cima dos céus e embaixo da terra.Glauco – É, de todo o ponto, artífice admirável!Sócrates – Tens ar de quem duvida. Mas reponde-me. Crês que não há absolutamente semelhante artífice, e que isto só se pode fazer em certo sentido e não em outro! Não percebes que tu mesmo seria, de certo modo, capaz de fazer tudo isso?Glauco – Mas, por favor, de que modo? Sócrates – Não é difícil: faz-se até com freqüência e em muito pouco tempo. Queres a prova imediata? Toma de um espelho e volta-o em todas as direções: farás, num ápice, o sol, todos os corpos celestes, a terra, a ti mesmo, os outros animais, as plantas, as obras, tudo enfim o que dissemos.Glauco – Sim, farei tudo isso, decerto, mas só na aparência; nada, porém, de verdadeiro e real.Sócrates – Muito bem. Entras perfeitamente no meu modo de pensar. O pintor é aparentemente um artista desta espécie. Não?Glauco – Sem dúvida.Sócrates – Dir-me-ás, talvez, que nada há de real em tudo quanto ele faz. No entanto, o pintor também, de certo modo, faz um leito.Glauco – Sim: um leito aparente.Sócrates – E, quanto ao carpinteiro, não acabas de dizer que não faz a própria ideia, qua chamamos a essência do leito, senão um certo leito particular?Glauco – É o que eu disse.Sócrates – Se pois não faz a própria essência do leito, nada faz de real, mas somente uma coisa que representa o que, verdadeiramente é: e, se alguém sustentasse que a obra do carpinteiro ou de qualquer outro artífice tem existência real e perfeita, arriscar-se-ia a não dizer a verdade. Glauco – É este, pelo menos, o parecer dos que cogitam de tais questões.Sócrates – Não admira, pois que de tais obras não se tire muita luz para o conhecimento da verdade.Glauco – Certo, não admira.Sócrates – Queres agora que, a respeito do que acabamos de dizer, examinemos que ideia se deve formar do imitador desta espécie de obras?Glauco – Sim, se te apraz fazê-lo.Sócrates – Há, pois, três espécies de leito: uma, que está na alma, e cujo autor, em minha opinião, se pode dizer que é Deus. A que outro ser, de fato, se poderia atribuir?Glauco – A nenhum.Sócrates – A segunda espécie é a que faz o carpinteiro. A terceira a que é da competência do pintor; não é assim?Glauco – Certamente.

Sócrates – Assim, pois, o pintor, o carpinteiro e Deus são os três artífices que ocupam o primeiro

lugar da feitura destas três espécies de leitos. Quanto a Deus, ou por haver assim querido ou

Page 92: FILOSOFIA FGV - Lições

porque, de necessidade, tivesse de fazer apenas um leito essencial, certo é que não faz senão

uma essência, que é o leito propriamente dito: nunca produziu, nem produzirá jamais, nem dois

nem muitos leitos.

(...) Querendo ser verdadeiramente autor, não de tal leito particular – o que o teria confundido com

o carpinteiro – mas do leito verdadeiramente existente, produziu Deus o leito que é um por sua

natureza.

Glauco – Deve ter sido assim.

Sócrates – Convém que demos a Deus o nome de autor do leito ou algum outro semelhante? Que

te parece?

Glauco – É este, decerto, o título que o convém, porquanto fez por natureza a essência do leito e

de todas as outras coisas.

Sócrates – E o carpinteiro, como lhe chamaremos? Artífice do leito?

Glauco – Sim, sem dúvida?

Sócrates – E do pintor, que diremos? Que é artífice ou autor? 

Glauco – Nem um nem outro.

Sócrates – Que é ele, então, com referência ao leito?

Glauco – O único nome que se lhe pode razoavelmente dar é o de imitador da coisa de que outros

são artífices. 

Sócrates – Muito bem, diremos, pois, imitador o que dá a luz uma produção afastada da verdade

por três graus. Assim, quem compõem tragédias, na sua qualidade de imitador, está três graus

afastado da verdade. E o mesmo sucede com os outros imitadores. Agora que estamos de acordo

sobre a ideia que se deve fazer do imitador, responde-me a outra questão. Tem o pintor por objeto

de sua imitação o que, na natureza, é um em cada espécie, ou, antes, trabalha sobre as obras de

arte?

Glauco – Imita as obras de arte. 

Sócrates – Tais como são ou tais como parecem? Explica-me este ponto.

Glauco – Que queres dizer?

Sócrates – Apenas isto: um leito é sempre o mesmo, quer se olhe de frente, quer se olhe de soslaio

ou de qualquer maneira; mas, embora sendo o mesmo, parece-nos diferente. O mesmo se dá com

os outros objetos.

Glauco – Sim, a aparência é diferente, embora o objeto seja o mesmo.

Sócrates – Reflete agora sobre o que te vou dizer. Qual é o objeto da pintura? O de representar o

que é, tal qual é, ou o que parece, tal qual parece? É imitação da aparência ou da realidade?

Glauco – Da aparência.

Sócrates – Logo, a arte de imitar está muito distante do verdadeiro; e a razão porque faz tantas

coisas é que não toma senão uma pequena parte de cada uma, e esta mesmo não passa de

simulacro ou fantasma. Um pintor, por exemplo, representa-nos um sapateiro, um carpinteiro ou

qualquer outro artesão, sem ter nenhum conhecimento de suas respectivas artes. Isso não

impede, se é bom pintor, de iludir às crianças e aos ignorantes, mostrando-lhes de longe um

carpinteiro por ele pintado e que tomem por imitação da verdade.

Fonte:

PLATÃO. A República. Livro X. São Paulo: Atena editora, s/dPoesia é imitação. Com essa frase, Aristóteles inicia seu livro Poética, onde desenvolve seus estudos sobre arte.

Para os gregos antigos, a arte era, basicamente, imitação – e este é o termo comumente usado para traduzir a palavra grega mímesis.

Da mesma forma, para Aristóteles, todo artista seria um imitador, e as artes poderiam ser classificadas, por exemplo, segundo os critérios escolhidos para efetuar a imitação.

Para o filósofo discípulo de Platão, do qual parece ter herdado o uso da palavra grega mímesis, mas não seu valor, o fato de a arte imitar é justamente o que permite a ela exercer sua função mais importante – educar.

Ao ressaltar aspectos da vida humana – em sua relação com a natureza ou com o grupo cultural –, a arte seleciona-os, amplia-os e torna evidente, mesmo para o homem comum, problemas e valores.

Page 93: FILOSOFIA FGV - Lições

Nas representações do que aconteceu bem como do que poderia ter acontecido ou do que poderá vir a acontecer, o principal seria manter a verossimilhança.

Sinopse

Pedro (MOURA) é um ator e diretor de teatro, que se apaixona por Ana (SABATELLA), também atriz, ao contracenar com ela a peça Tristão e Isolda. O namoro deles é afetado pelo posterior sucesso dela na TV, impulsionado pela empresária Fernanda (BELTRÃO). Além disso, ao gravar um especial de TV, Ana conhece Orlando (BRICHTA), um ator por quem se apaixona.

Ficha técnica

ROMANCE. Direção: Guel Arantes. Intérpretes: Wagner Moura; Letícia Sabatella; Andréa Beltrão;

Vladimir Brichta. Brasil: Natasha Filmes / Miravista / Globo Filmes, 2008. 100 min., son., color.

A epopeia, a tragédia, assim como a poesia ditirâmbica (...) todas são, em geral, imitações.

Diferem, porém, umas das outras, por três aspectos: ou porque imitam por meios diversos, ou

porque imitam objetos diversos, ou porque imitam por modos diversos e não da mesma maneira.

Pois tal como há os que imitam muitas coisas, exprimindo-se com cores e figuras (por arte ou por

costume), assim acontece nas sobreditas artes: na verdade, todas elas imitam com o ritmo, a

linguagem e a harmonia, usando estes elementos separada ou conjuntamente.

ARISTÓTELES. A poética. São Paulo: Abril Cultural, 1979, 1447 a. (Os Pensadores).

Não é ofício de poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia acontecer,

quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade. Por efeito não diferem o

historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa (...) diferem, sim, em que diz um as coisas

que sucederam e outro as que poderiam suceder. Por isso a poesia é algo de mais filosófico e mais

sério do que a história, pois refere aquela principalmente o universal, e esta o particular.

Por referir-se ao universal entendo eu atribuir a um indivíduo de determinada natureza

pensamentos e ações que, por liame de necessidade e verossimilhança, convém a tal natureza; e

ao universal, assim entendido, visa a poesia, ainda que dê nomes às suas personagens.

ARISTÓTELES. A poética. São Paulo: Abril Cultural, 1979, 1451b. (Os Pensadores).

No sentido aristotélico, a arte, por meio da educação, adquire grande função política, pois contribui para a formação do cidadão tal como se espera que ele deva ser e atuar na cidade.

Não é à toa que os festivais teatrais na Grécia antiga eram momentos políticos importantes, quando tudo mais parava...

...e todos, a despeito de suas diferenças materiais, encontravam-se nos anfiteatros, onde, durante horas, encenavam-se tragédias, dramas satíricos, comédias.

O que era bastante semelhante a nosso carnaval, com o samba no Rio de Janeiro, o maracatu em Pernambuco e tantas outras formas de manifestação.Portanto, parece expurgar de si o peso da desigualdade e da exploração, das vicissitudes naturais ou sociais, apaziguando sua ira, conseguindo manter uma certa coesão no cotidiano das cidades.

O pobre vira príncipe por algumas horas ou dias...

...por meio da imitação na aparência e mesmo nos trejeitos...

...buscando sempre não a cópia, mas a verossimilhança.

No emblemático livro A Poética, Aristóteles   discorre sobre a finalidade específica da tragédia no âmbito político...

...apresentar casos que suscitem no espectador, por identificação com as personagens, o terror e a piedade.Por meio de um processo de catarse, esses sentimentos seriam vivenciados e purificados.

Page 94: FILOSOFIA FGV - Lições

Portanto, dariam lugar ao apaziguamento...

...preparando os homens para tolerar, mais facilmente, aquelas situações quando acontecerem na vida, e não na arte.

Referência bibliográficaARISTÓTELES. A poética. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

É pois a tragédia imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em

linguagem ornamentada (....) [imitação que se efetua] não por narrativa, mas mediante atores, e

que, suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções. (...) A

composição das tragédias mais belas não é simples, mas complexa, e além disso deve imitar

casos que suscitam o terror e a piedade (porque tal é o próprio fim desta imitação) (....) a piedade

tem lugar a respeito do que é infeliz sem o merecer, e o terror, a respeito do nosso semelhante

desditoso, pelo que, fora este caso, o que acontece não parecerá terrível nem digno de

compaixão. (....) É pois necessário que um mito bem estruturado seja antes simples do que duplo,

como alguns pretendem; que nele se não passe da infelicidade para a felicidade, mas, pelo

contrário, da dita para a desdita; (...)

O terror e a piedade podem surgir por efeito do espetáculo cênico, mas também podem derivar da

íntima conexão dos atos, e este é o procedimento preferível e o mais digno do poeta. Porque o

mito deve ser composto de tal maneira que quem ouvir as coisas que vão acontecendo, ainda que

nada veja, só pelos sucessos trema e se apiede.

ARISTÓTELES. A poética. São Paulo: Abril Cultural, 1979, 1452 b -1453 a). (Os Pensadores).

Por essa capacidade de distinção dos meios adequados para atingir seus fins, o livro de Aristóteles foi tomado como um conjunto de preceitos sobre o modo correto de se construir uma tragédia, em seus aspectos dramático, literário e cênico.

Se a teoria pode oferecer preceitos e regras à criação, essa é uma questão que será discutida também na obra de Kant, com uma perspectiva distinta da leitura preceptiva da Poética...

...referimo-nos à ênfase no caráter preceptivo do texto, constituindo um conjunto de regras para a produção da obra de arte.

 

Referência bibliográficaARISTÓTELES. A poética. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

Além de discorrer sobre a finalidade, Aristóteles também se debruça sobre os procedimentos próprios da tragédia, que definem o modo de construção das obras.

Muitos filósofos foram além da função da arte como imitação da vida e da natureza e pensaram-na, em sua relação com a natureza, como sendo capaz de complementá-la, criando artifícios que facilitem ou mesmo possibilitem a vida humana.

Nesse sentido, as tragédias gregas são concebidas como verdadeiros documentos filosóficos.

Esses documentos de caráter ontológico trazem uma sabedoria metafísica sobre...

...o engendramento da vida, sobre a relação entre ser e perecer, entre efemeridade e permanência...

...tentando, até mesmo, amenizar a ferida da existência...

...a inevitável mortalidade através do tempo inexorável!.

  Schelling afirmou que a sabedoria metafísica presente nas tragédias só poderia ser expressa por meio da arte, pois a

Page 95: FILOSOFIA FGV - Lições

arte se aproxima do absoluto – da unidade, da coisa-em-si – no modo do pertencimento...Friedrich Nietzsche afirmou que essa sabedoria metafísica da relação entre o princípio de individuação, expresso no próprio ser humano, e a totalidade, o uno-originário atemporal, seria capaz de aniquilar o ser humano, se absorvida com a clareza própria à razão.

Por isso, ela só poderia se expressar por meio do artifício humano da arte que mostra e esconde, faz sentir, mas sem esclarecer totalmente.

Portanto, a arte é concebida muito mais como expressão do que como imitação – mesmo com as nuances de significado que essa palavra pode adquirir.Não é à toa que a arte contemporânea visa romper com os cânones da arte como imitação da vida e da natureza

Referência bibliográficaNIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. São Paulo: Cia das Letras, 1992.

SCHELLING, Friedrich. Obras escolhidas. São Paulo: Nova Cultural, 1989. Coleção Os Pensadores.

...modo esse que nem o conhecimento racional com toda sua filosofia consegue atingir.

A arte concebida como substituto da vida, a arte concebida como o meio de colocar o homem em

estado de

equilíbrio com o meio circundante.

FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1973, p.11.

A existência e o mundo aparecem justificados somente como fenômeno estético: nesse sentido

precisamente o mito trágico nos deve convencer de que mesmo o feio e o desarmônico são um

jogo artístico que a vontade, na perene plenitude de seu prazer, joga consigo própria(....) Pois o

fato de que na vida as coisas se passem realmente de maneira tão trágica seria o que menos

explicaria a gênese de uma forma artística, se, ao invés, a arte não for apenas imitação da

realidade natural, mas precisamente um suplemento metafísico dessa realidade natural, colocada

junto dela a fim de superá-la.

NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. São Paulo: Cia das

Letras, 1992, p.141

Perguntamo-nos então se a arte contemporânea, educando para a contínua ruptura dos modelos e

dos esquemas – escolhendo para modelo e esquema a efemeridade dos modelos e dos esquemas

e a necessidade de seu revezamento, não somente de obra para obra, mas dentro de uma mesma

obra – não poderia representar um instrumento pedagógico com funções libertadoras; e nesse

caso seu discurso iria além do nível do gosto e das estruturas estéticas, para inserir-se num

contexto mais amplo, e indicar ao homem moderno uma possibilidade de recuperação e

autonomia.

ECO, Umberto apud TORNAGHI, Maria. Reflexões sobre arte, museus de arte e aprendizagem de

arte. In: Portal da Educação Pública – Governo do Rio de Janeiro.

[http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educacao_artistica/0010.html] Acesso em

02/03/2009].Kant pode, talvez, ser inserido no grupo de filósofos que concebe a arte não como imitação, mas como expressão.

Se pensarmos na necessidade da originalidade para a criação do gênio, cujo talento, dom natural, dá regras à arte, notaremos uma perspectiva diferente de uma mera imitação para a criação artística.

Por volta do século XVIII, com o desenvolvimento da estética, desenvolve-se também uma outra noção do artista como autor e como criador.

Essas questões estão ligadas ao processo da autonomia da estética, que ocorre nesse período.

Em Kant, a autonomia aparece como a compreensão do juízo de gosto como um juízo estético, que tem seus próprios princípios – conformidade a fins –, distinto dos juízos de conhecimento, dos juízos práticos ou dos juízos sobre o agradável.

Page 96: FILOSOFIA FGV - Lições

Julgar algo belo é, portanto, proceder segundo regras próprias do juízo estético, o que não se reduz a um juízo de conhecimento nem a um juíxo moral ou a um juíxo sobre o caráter agradável do que é julgado.

O belo constitui seu próprio campo, autônomo.

Kant   estuda o juízo estético e outras questões ligadas à arte em alguns textos, dos quais destacaremos aqui aCrítica da faculdade de julgar, publicado em 1790.

Essa obra completa a trilogia crítica iniciada com a Crítica da razão pura e a Crítica da razão prática.Nessa crítica, entre outros problemas, Kant trata da validade do juízo estético e chega à conclusão de que o belo é o que apraz universalmente sem conceito...

...uma conclusão paradoxal, já que um juízo universal sem um conceito é algo que demanda um esclarecimento sofisticado.

Ao apresentar essa conclusão, Kant reconhece o caráter problemático da universalidade do belo e, ao mesmo tempo, não permite que este se reduza ou ao bom ou ao agradável.

É possível que a obra Crítica da faculdade de julgar seja menos estudade do que as outras duas e, talvez, também esteja sujeita a mais divergências de interpretação.

Contudo, essa obra aborda temas importantes para a estética, que permitem suscitar boas discussões em sala de aula.

Sua análise dos juízos do belo na Analítica do belo mostra que eles não se coadunam com as

explicações subjetivas ou objetivas de beleza. Os juízos de belo são definidos negativamente em

CJ, de acordo com a tábua de categorias como: (qualidade) aquilo que apraz sem interesse

algum (§5); (quantidade) aquilo que apraz universalmente sem um conceito (§9); (relação) a forma

da finalidade num objeto... percebida nele independentemente da representação de um fim; e

(modalidade) aquilo que, sem conceito, é o objeto de umasatisfação necessária (§22). Em cada

caso, Kant distingue o belo das explicações dominantes de beleza que se apoiavam numa base de

perfeição ou de um sentido. Ele apresenta a natureza da beleza ou em termos da negação da

sensibilidade e do conceito, ou em termos de formulações paradoxais, como a de conformidade a

um fim sem um fim.

CAYGILL, Howard. Dicionário Kant. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p.46.

Kant afirma ser Crítica da faculdade de julgar a obra que completa a tarefa crítica...

...descobrindo e descortinando uma outra faculdade do pensamento, a do juízo, mediadora do entendimento e da razão.

Kant exprime a necessidade da terceira crítica ao deparar-se com o abismo deixado entre as outras duas obras – entre o que a natureza é e o que a razão diz que deve ser, não há uma ponte, uma ligação dada, que torne o acordo necessário.

O questionamento sobre os fins, da natureza e do homem, sobre sua existência objetiva, sobre sua possibilidade de realização, sobre sua necessidade subjetiva mostra-se em relação com a questão estética.

A faculdade do juízo necessita de uma crítica própria para ela, pois o pensamento não se reduz ao conhecimento e à razão.Se a natureza não for conforme a fins, como a ação moral poderá realizar-se neste mundo?

O suprassensível e a natureza permanecerão separados por um abismo insuperável?

Page 97: FILOSOFIA FGV - Lições

O juízo é a faculdade de pensar o particular contido no universal.

Quando se trata de abarcar um particular com um universal já dado, como no caso dos juízos de conhecimento, em que as categorias são dadas a priori...

...o juízo é determinante e impõe a necessidade e a universalidade, a verdade de suas afirmações.

Contudo, há casos de um particular para o qual não há um universal já dado, e, nesses casos, a regra colocada por esse particular tem de ser encontrada a partir dele.Esse é o juízo reflexivo, que deve buscar a regra – universal – colocada por um particular, mas não previamente conhecida.

Esse juízo não pode impor a verdade de suas afirmações, como faz o juízo determinante, mas procede por analogia e é o tipo de juízo envolvido nos ajuizamentos estéticos e teleológicos.

Podemos pensar nele como a capacidade de refletir, como uma forma de conceituar a reflexão humana, em um sentido mais preciso do que apenas dizer pensar sobre algo ou mesmo debruçar-se sobre algo novamente.

Se o universal é dado, o juízo é determinate; mas, se o universal não é dado, e apenas nos deparamos com o particular, o juíxo é relfexionante.

A faculdade do juízo revela-se uma faculdade mais geral do que o entendimento e a razão, que envolvem juízos determinantes, ainda que distintos entre si.

Ao pensar a questão dos fins, articuladas com o juízo estético e o teleológico, o estudo da faculdade do juízo completa a concepção ampla de pensamento para Kant...

...o que envolve, além dessa faculdade superior, também o entendimento e a razão.Referências bibliográficas

ARENDT, H. Lições sobre a filosofia política de Kant. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.

__________. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Cia das Letras, 1999

Essa amplitude da faculdade do juízo e a capacidade de reflexão foram retomadas por Hannah Arendt e delas foram retiradas conseqüências políticas.

Na Dialética da faculdade de juízo estético, Kant   reflete sobre a antinomia do gosto, que surge da oposição de ditos populares como cada um tem seu gosto e gosto não se discute.

Ou seja, ao fazer uma distinção entre discussão e disputa, mostra como faz sentido a discussão do gosto, embora não devamos nutrir uma expectativa muito grande em relação a ela, isto é...

...não devemos nutrir uma expectativa de conhecimento, em que podemos disputar, em que podemos provar, definitivamente, uma tese a partir de conceitos determinados.

Contudo, a discussão também tem valor para o homem, ao ser o exercício do juízo reflexionante, como é o juízo do belo.

Ao contrário do senso comum, Kant afirma que gosto se discute, embora não se dispute.

A faculdade do juízo em geral é a faculdade de pensar o particular como contido no universal. No caso de este (a regra, o princípio, a lei) ser dado, a faculdade do juízo, que nele subsume o particular, é determinante (o mesmo acontece se ela, enquanto faculdade de juízo transcendental, indica a priori as condições de acordo com as quais apenas naquele universal é possível subsumir). Porém, se só o particular for dado, para o qual ela deve encontrar o universal, então a faculdade do juízo é simplesmente reflexiva.

KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Introdução, IV. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993.

Page 98: FILOSOFIA FGV - Lições

Há diversas outras discussões interessantes na Crítica da faculdade do juízo estético, a primeira parte da Crítica da faculdade do juízo.

Entre elas, a distinção das faculdades superiores da alma – ou do ânimo...

...o entendimento, a razão e a faculdade do juízo; o desenvolvimento da concepção de gosto, em dado momento identificado como sendo, propriamente, o senso comum, enquanto a faculdade de juízo seria o são-entendimento.Referência bibliográficaKANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. §46. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993.

Além disso, a obra também discorre sobre a questão da criação e do gênio.

Gênio é o talento (dom natural) que dá regra à arte. Já que o próprio talento enquanto faculdade

produtiva inata do artista pertence à natureza, também se poderia expressar assim: Gênio é a

inata disposição de ânimo (ingenium) pela qual a natureza dá a regra à arte.

KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. §46. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993.

Os fins da liberdade são realizados por intermédio da arte ou da produção do belo – também produzido pela natureza.

São eles ajuizados pelo livre jogo das faculdades.

Kant enfatiza a originalidade e o caráter indeterminado da regra colocada pela obra do gênio...

...e, portanto, a impossibilidade de a crítica da faculdade do juízo dar regras determinadas à arte.O estudo dessa concepção, de estrutura complexa, capaz de relacionar a questão da finalidade, do gosto, da criação, do belo, da forma, do sentimento de prazer e desprazer e o juízo, permite ao professor abordar diversos temas presentes no senso comum, de modo a problematizar, aprofundando e ampliando o pensamento dos estudantes

O gênio cria, mas é a natureza que cria por meio dle.

Por meio da criação livre do gênio, a natureza mostra sua conformidade a fins e, nesse sentido, a possibilidade de harmonia entre a finalidade natural e os fins da razão, o dever.

A produção pelo homem de obras de arte revela que o ato humano é capaz de realizar in concreto

fins que ele representa a si mesmo. Uma obra de arte implica a representação de um fim, dos

meios materiais para efetuá-lo, uma regra que ordena a produção. Mas de onde vem essa regra?

Ela é esse dom natural, inato, que se manifesta no gênio. O gênio inova, não imita nada; nisso ele

é expressão de uma liberdade criadora. Entretanto, o homem de gênio é submetido, em sua

invenção, a uma regra que ultrapassa a sua individualidade e que ele é incapaz de explicar. O

gênio que cria na ordem das belas-artes obedece, na realidade, a uma regra natural: O gênio é a

disposição inata do espírito (ingenium) pelo qual a natureza dá suas regras à arte' (CFJ §46). A obra

de gênio exprime que os fins da libertação são compatíveis com a ordem natural. É por isso que

sentimos prazer quando estamos na presença de uma obra genial: produção individual, ela é,

profundamente, manifestação do universal.

CRAMPE-CASNABET, Michèle. Kant: uma revolução filosófica. Rio de Janeiro: Zahar, 1994, p.87-88).

Parei em 3 Arte e Educação

Sugerimos que o professor esqueça a cartilha – o senso comum – e se pergunte o que é arte.

Page 99: FILOSOFIA FGV - Lições

Que pense, junto com o professor de artes, no que trazer da arte para a arte-educação e como fazê-lo.

Alguns filósofos levaram a arte e as experiências estéticas tão a sério, valorizaram-nas tão profundamente que as aproximaram da educação, criando propostas para um melhor desenvolvimento do ser humano.

Acreditavam que, para haver esse desenvolvimento e até mesmo para podermos superar os problemas sociais, seria indispensável que valorizássemos mais o processo educativo...Propuseram, assim, em diferentes épocas, modelos variados para atingirmos a formação ideal do homem, nos quais, muitas vezes, era indispensável a associação entre arte e cultura.

Essa associação geraria um maior cultivo da espécie homem, como afirmou o filósofo alemão do século XIX Friedrich Nietzsche...

...entendendo a cultura como o cultivo das características que identificam as pessoas em um determinado grupo, como um povo, por exemplo.Filósofos de diferentes épocas da história da filosofia se empenharam nesse empreendimento de unir arte, cultura e educação, valorizando, especialmente, a dimensão estética para a formação do indivíduo.

...e este só seria pleno com uma ênfase na cultura e na arte.

O ideal de formação do homem grego na Antiguidade era algo presente na cultura desse povo desde suas origens.  Homero, poeta grego responsável pelos primeiros registros escritos do mundo ocidental, intituladosIlíada e Odisseia, era o principal pilar de referência para a educação.

Ele foi o educador dos gregos por intermédio da narração que fez dos mitos e dos heróis desse povo.

A narração dessas ações exemplares visava expor um modelo de atuação a ser imitado pelas novas gerações em um processo de formação chamado pelos gregos de Paidéia.

Essa plavra, comumente traduzida por formação, tem o mesmo radical da plavra grega paidós, que significa criança, enfatizando a importância, para a cultura de um povo, da educação das novas gerações.

Sócrates   ficou conhecido por questionar e, com isso, estimular a educação dos jovens de sua época por meio da filosofia prática – o diálogo.

É possível ressaltar o quanto essa atividade filosófica socrática era performática...

...uma vez que as investigações não podiam prescindir da atuação de Sócrates e de seu interlocutor, bem como, constantemente, da presença do público.Devido a essa atividade, Sócrates foi condenado à morte pelos cidadãos de sua cidade, acusado de tentar corromper a juventude.

A educação sempre foi alvo de constantes reflexões filosóficas.

Platão, discípulo de  Sócrates , registrou toda sua reflexão filosófica no formato de diálogos, por influência do mestre e também por ter sido outrora um dramaturgo...

...profissão valorizada na Grécia Antiga.

Ao escrever uma de suas obras-primas, A República, em meio a seu projeto de detalhar como deveria ser a república ideal, Platão vai dar um espaço importante à educação.

Referência bibliográficaPLATÃO. A República. Livro X. São Paulo: Atenaeditora, s/d.

Para ele, a educação era o espaço privilegiado para a ascese do intelecto humano em direção às idéias eternas, às formas racionais e, por isso perfeitas, modelos de tudo o que existe.Segundo Platão, a educação adequada deveria propiciar a ascese...

Page 100: FILOSOFIA FGV - Lições

Para atingir esse objetivo, Platão traçou as bases da formação da juventude no seguinte tripé...

Nada que se restringisse à dimensão sensível do ser humano, à aparência, poderia ser valorizado no interior de sua filosofia essencialista, de sua teoria das Ideias.

Por isso, ele não vê com bons olhos a associação entre arte e educação, e diz que foi um grande equívoco dos gregos educarem-se com a poesia de Homero.Matemática...

Linguagem racional perfeita e universal, artifício humano.

Ginástica...

O corpo precisava estar são para não atrapalhar o processo de racionalização.

Música...

Somente em sua dimensão melódica, como uma educação para o aprendizado racional já que, afinal, suas bases são matemáticas, retirando, assim, a percussão, devido à dança e ao transe que ela incita.

Aristóteles, discípulo de Platão, no desenvolvimento de suas reflexões sobre a arte, associou o valor desta a sua capacidade intrínseca para a educação e a formação do caráter daqueles que dela usufruem.

A arte, para Aristóteles, baseia-se na ideia de mímesis, isto é, de uma imitação.Devido a isso, foi considerada por ele um veículo excelente para a realização do ideal grego dapaidéia, posto que, para ele, o ser humano aprende por imitação...

...o imitar é congênito no homem – e nisso difere dos outros viventes, pois, de todos, é ele o mais imitador, e, por imitação, aprende as primeiras noções –, e todos os homens se comprazem no imitado.Referência bibliográficaARISTÓTELES. A poética. 1448b. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores)

Paideia – O século IV é a época clássica da história da Paideia, se entendemos por esta o despertar

de um ideal consciente de educação e de cultura. É com razão que coincide com um século tão

problemático. É precisamente o estar acordado o que mais distingue o espírito grego daquele dos

outros povos, e é a consciência plenamente desperta com que os Gregos vivem a geral bancarrota

espiritual e moral do brilhante século V que lhes permite captar a essência da sua educação e da

sua cultura com aquela clareza interior que sempre induzirá o futuro a sentir-se, nisto, seu

discípulo.

JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.336.

No século XVIII, filósofos como Hölderlin, Hegel, Novalis, os irmãos Schlegel bem como Göethe e Schiller, além de outros, constituíram e valorizaram, como principal meio de formação do indivíduo, a ideia da Bildung.

A palavra de origem alemã significa formação e era usada para designar uma metodologia ideal para a formação da pessoa, valorizando a arte, a cultura, a história.

 

Na época, começava a haver um interesse maior em unificar estratégias educativas que antes estavam dispersas na figura dos preceptores...

...preocupação que gerou, mais tarde, a institucionalização de um sistema de ensino capaz de modelar a formação de toda a juventude.

Contudo, o ideal da Bildung só poderia ser atingido de modo singular, isto é, a partir da introjeção em cada indivíduo da necessidade de formar-se a si mesmo, tomando para si essa tarefa.

Page 101: FILOSOFIA FGV - Lições

A época de Göethe foi um momento importante da literatura, em que predominava o formato do romance de formação ou Bildungsroman, cujo objetivo era enfocar a formação, o educar-se a si mesmo, dos jovens.

Göethe escreveu, então, um livro que atingiu grande repercussão – Os anos de aprendizado de Wilhelm MeisterNesse romance, o escritor alemão detalhava os passos que um jovem de sua época deveria trilhar em seu processo de formação, associado ao amadurecimento moral, sexual e cognitivo. 

No livro, fica evidente o quanto essa formação estabelecia seus pilares na arte e na cultura, principalmente europeias...

...a leitura da literatura clássica do mundo ocidental, a audição dos grandes compositores, o exame dos dramas, tragédias e comédias do teatro.O livro influenciou muito as novas gerações, constituindo-se como um modelo...

...e também um espelho dos valores de sua época.

Na perspectiv a de Goethe da Bildung, tornavam-se importantíssimas as viagens para a contemplação e fruição de obras urbanas e artísticas consagradas pela história...

...a arquitetura, as grandes obras públicas que registram, nas cidades, os percursos culturais, sociais, políticos.

Da mesma maneira, era importante a interação com outras línguas e povos, bem como a apreciação estética das belezas naturais.

Entretanto, seu maior ensinamento era que essa formação era algo que deveria ser, antes de tudo, desejado e perseguido por aquele que a buscava...

...só é possível formar-se a si mesmo.

Apresentamos aqui uma questão...

...o professor de filosofia, ao abordar o tema estética, tangenciará o ser arte-educador. 

 

A prática educativa da reflexão estética e o ensino das artes caminham juntos.

Na experiência estética do aluno, o fazer artístico, a contemplação e a reflexão são fazeres que se complementam.

Se pensarmos na história da arte, os alunos, em geral, têm pouco acesso a essas informações.

No máximo vão a exposições que têm muito espaço na mídia, como foi o caso das exposições de Monet ou Salvador Dalí, no Brasil.

Primeiro, é muitas vezes discutível o que vem efetivamente da obra desses mestres para essas exposições – não são as grandes obras.

Em segundo lugar, qual é a importância, para jovens e crianças que, depois de horas em uma fila, passarão rapidamente pelas salas de exposição, vendo obras de um artista de outro país, que viveu em uma outra época, em um outro contexto?

Sugerimos que o professor esqueça a cartilha – o senso comum – e se pergunte o que é arte.

Que pense, junto com o professor de artes, no que trazer da arte para a arte-educação e como fazê-lo.O importante para o professor é perceber o que é arte hoje e o que ela representou em cada período.

Que questões ela coloca. Ele não deve priorizar exposições que chamamos de blockbusters, e sim abrir-se para pensar em outras formas de arte, produzidas, às vezes, pelos próprios alunos...

...algumas mais folclóricas, como o maracatu, o congo, o samba.

Page 102: FILOSOFIA FGV - Lições

...outras mais urbanas, como orap, o grafite, o street dance – entre tantas outras manifestações artísticas.Esse é o problema.

Há 50 anos, arte era uma coisa, hoje é outra completamente diferente.

A arte coloca-nos questões, e não soluções.

Pode ser instigante pensar por que dado movimento aconteceu, e como isso se deu.

Talvez, falte ao professor e aos alunos ampliar o repertório de conhecimentos sobre a arte e frequentar mais espaços de fruição e contemplação das obras, em museus, galerias, teatros, festejos nas ruas.

Contudo, talvez, falte também lançar um olhar estético-filosófico sobre a cidade ou o bairro.

Um olhar diferente, mais atento e interessado, capaz de selecionar um fragmento do todo e admirá-lo, atribuindo-lhe uma história e um significado.Esse pode ser um exercício acessível em qualquer localidade, mesmo distante dos grandes centros.

A arte e sua relação com o espaço público

Hoje, dentro das mais diversas comunidades deste país, produzimos conhecimento sobre arte,

construímos escolas de arte e nos organizamos em grupos que atuam realizando exposições e

desenvolvendo uma imensa gama de atividades relacionadas com a arte. Todo esse processo

alimenta-se de um vasto conhecimento acumulado, uma série de práticas, conceitos e visões

acerca do que seja arte, do valor estético de determinadas produções artísticas, entre outros

aspectos que cuidamos em transmitir para os alunos. Porém, é curioso notar que aquilo que mais

interessa na arte não é o que já temos na conta de algo consolidado, mas, ao contrário, é o que ela

carrega e promove de incerteza, de estranhamento. No campo da arte, isso não só é natural, como

também é o motor dela mesma, e é um erro que isso não seja encarado desse modo!

Assim, na qualidade de professor, procuro o tempo todo transmitir ao aluno que as formulações

apresentadas são formulações, e não verdades absolutas. Alerto-os para o fato de que será

sempre preciso deixar espaço para outra leitura, aquela leitura que não possuo. Naturalmente, é

preciso também esclarecer que toda a produção artística, assim como qualquer objeto produzido

pelo homem, está inscrita na história. Portanto, também não é o caso de se pensar que não haja

objetividade possível no discurso sobre arte. É necessário que o aluno saiba da genealogia, por

exemplo, de uma obra qualquer que se resolva analisar, como também é fundamental que ele seja

informado do campo de referências teóricas utilizadas na abordagem dessa mesma obra. É dever

do professor, quando fala, comenta ou julga alguma coisa, apresentar o lugar teórico de onde ele

fala, comenta e julga. Dito de uma outra maneira, é dever do professor jamais esquecer aqueles

dois versos do Fernando Pessoa: O que em mim sente está pensando e Não sou eu quem

descrevo, eu sou a tela e oculta mão colore alguém em mim. Essa posição parece-me essencial

para a formação de alunos abertos a novas possibilidades e que se sintam à vontade para pensar

novas relações. (...)

O que importa é despertar o aluno para essa riqueza que o mundo tem e para a riqueza que pode

ter a relação dele com o mundo. Nesse sentido, a cidade é o maior exercício que temos. Na

cidade, há uma proliferação de matérias. É uma memória ao mesmo tempo individual e coletiva

porque os espaços falam de nós. (...)

A arte é, talvez, a última possibilidade deste mundo tão opaco. E está rigorosamente nas mãos de

quem trabalha com educação fazer com que os alunos que estão se formando percebam a

infinidade de coisas que compõem o mundo. Entendê-lo como sendo um elenco de imagens

gloriosas que a nossa expressão produziu é pouco. O mundo é mais do que isso. Se tivermos o

quadro, será perfeito, maravilhoso, mas uma fotocópia já serve. Temos – e podemos – conjugar

esse esforço em fazê-los saber a história da arte com uma visita àquilo que é próximo deles,

deixando e estimulando que dentro de cada um deles aflorem elementos como a evocação, a

imaginação, a nostalgia, a memória. Assim, quando você pedir para um aluno que olhe para o

Page 103: FILOSOFIA FGV - Lições

mundo, que escolha um fragmento daquilo que interessa da sua cidade e da sua experiência nela,

ele certamente irá eleger alguma coisa. O que é o mesmo que dizer que ele irá se escolher dentro

das coisas que, em última análise, existem porque fazem sentido para ele. Ele vai se reencontrar

no mundo.

O problema é que, quando estamos na cidade, temos objetivos. Vamos de um ponto a outro e não

percebemos o que há no meio do caminho. Essa é a diferença da arte com relação ao resto, assim

como da dança para a caminhada. Na caminhada, o objetivo é chegar a determinado ponto; na

dança, é o corpo por ele só, com tudo o que pode oferecer, é uma certa ociosidade. E é

fundamental para que você possa redescobrir o próprio corpo. (...) É esse livre pensar. É esse

saber desinteressado. É essa capacidade de se abstrair, de focar a atenção numa coisa que se

resolve ali mesmo. Não tem aquela razão pragmática de quem contempla o mundo com a intenção

de buscar algo que está além dele.

FARIAS, Agnaldo. A arte e sua relação com o espaço público. In: Portal da Educação

Pública[http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educação_artistica/0002.html]. Acesso em

19/12/2009

Industria Cultural

Nossa experiência e nossa vivência do mundo hoje em dia são profundamente marcadas pelas produções da indústria cultural, que produz uma infinidade de mercadorias de caráter cultural...

Para compreender bem o conceito de indústria cultural, devemos observar que ele foi elaborado, inicialmente, na obra Dialética do esclarecimento, de Max Horkheimer   e Theodor Adorno.

Esse livro, editado originalmente em 1947, é de grande importância na história da teoria crítica, como ficou conhecida a elaboração teórica desses autores.

Adorno e Horkheimer foram dois expoentes da chamada Escola de Frankfurt, uma reunião de diversos pesquisadores a partir do Instituto de Pesquisas Sociais.

Referência bibliográficaADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.É com base nessa obra, em especial no texto A indústria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas, que abordaremos o conceito de indústria cultural.

Nossa experiência e nossa vivência do mundo hoje em dia são profundamente marcadas pelas produções da indústria cultural, que produz uma infinidade de mercadorias de caráter cultural...

...livros, revistas, programas de televisão, cinema, rádio, música...É preciso entender os mecanismos da indústria cultural para compreender bem nosso tempo, e o modo como os estudantes – e nós, os professores – relacionamo-nos com a cultura.

Todos temos acesso a grandes quantidades de informação, que nos chegam por meio dos meios de comunicação, como televisão, jornais, revistas, internet...

No entanto, essa informação, muitas vezes, não cumpre a função de ampliar e aprofundar nossa visão do mundo, mas, ao contrário, distrai-nos e mantém-nos em uma mesma compreensão...

...ou em uma mesma incompreensão, em um estado de alienação.

Essas mercadorias estão voltadas para o entretenimento das grandes massas.

Se entendemos que a cultura tem o papel de elevar, de algum modo, a compreensão do homem, os produtos da indústria cultural, mesmo que diversifiquem – ao menos aparentemente – a quantidade de bens a que temos acesso, não necessariamente produzem uma diversidade efetiva de compreensões da realidade.

Page 104: FILOSOFIA FGV - Lições

De algum modo, todos voltam a reforçar um mesmo modo de vida...

...aquele em que predomina a forma da mercadoria, o valor da mercadoria.

O lazer se torna parte do sistema de administração total da vida no interesse do capital, e a atividade livre dos trabalhadores significa consumo e descanso para a volta ao trabalho no dia seguinte.

Os produtos da indústria cultural não proporcionam a transcendência prometida pela arte, mas promovem a integração no sistema produtivo dominado pela racionalidade técnica.

Esse sistema não promove a cultura, segundo os ideais da Antiguidade grega ou da Bildung, nem mesmo uma forma leve de cultura, o entretenimento...

...mas, segundo Adorno   eHorkheimer, é um sistema de não cultura, de não formação. 

Ou, segundo um dos textos de Adorno, constitui a semiformação, que pode ser entendida como a subordinação da produção espiritual aos ditames do capital.

Adorno e Horkheimer conseguem identificar, nos produtos da indústria cultural, características semelhantes às da produção de mercadorias industriais, tais como a padronização e a produção em massa.

Essas características denotam a perda de qualidade artística desses produtos.

Referência bibliográficaADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

Por enquanto, a técnica da indústria cultural levou apenas à padronização e à produção em série,

sacrificando o que fazia a diferença entre a lógica da obra e a do sistema social. Isso, porém, não

deve ser atribuído a nenhuma lei evolutiva da técnica enquanto tal, mas à sua função na economia

atual.

ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

1985, p. 114.Assim, cada detalhe é cuidado, sob o olhar atento dos diretores de produção, para que os produtos se adaptem às necessidades dos consumidores e vice-versa.

A indústria cultural produz sempre novos produtos, segundo fórmulas que já se mostraram bem-sucedidas.

Atua sobre a própria constituição cognitiva do sujeito, ao exercer funções que deveriam ser realizadas por este último, mas são dadas a ele como uma forma de capturá-lo.

Assim é que Adorno e Horkheimer   veem a atuação da indústria cultural sobre a constituição do conhecimento, substituindo a atividade da imaginação, conforme pensada por Kant, na produção de esquemas que permitam a elaboração dos juízos.

 

Referência bibliográficaADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

A necessidade de o produto encontrar um espaço no mercado faz com que sua criação esteja estritamente ligada a necessidades econômicas.

A função que o esquematismo kantiano ainda atribuía ao sujeito, a saber, referir de antemão a

multiplicidade sensível aos conceitos fundamentais, é tomada ao sujeito pela indústria. O

esquematismo é o primeiro serviço prestado por ela ao cliente. Na alma devia atuar um

Page 105: FILOSOFIA FGV - Lições

mecanismo secreto destinado a preparar os dados imediatos de modo a se ajustarem ao sistema

da razão pura. Mas o segredo está hoje decifrado. Muito embora o planejamento do mecanismo

pelos organizadores dos dados, isto é, pela indústria cultural, seja imposto a esta pelo peso da

sociedade que permanece irracional apesar de toda racionalização, essa tendência fatal é

transformada em sua passagem pelas agências do capital de modo a aparecer como o sábio

desígnio dessas agências. Para o consumidor, não há nada mais a classificar que não tenha sido

antecipado no esquematismo da produção.

ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

1985, p. 117. Grifo nosso.

O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural. A velha experiência do

espectador de cinema, que percebe a rua como um prolongamento do filme que acabou de ver,

porque este pretende ele próprio reproduzir rigorosamente o mundo da percepção cotidiana,

tornou-se a norma da produção. Quanto maior a perfeição com que suas técnicas duplicam os

objetos empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o

prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre no filme. Desde a súbita introdução do

filme sonoro, a reprodução mecânica pôs-se ao inteiro serviço desse projeto. A vida não deve

mais, tendencialmente, deixar-se distinguir do filme sonoro. Ultrapassando de longe o teatro de

ilusões, o filme não deixa mais à fantasia e ao pensamento dos espectadores nenhuma dimensão

na qual estes possam, sem perder o fio, passear e divagar no quadro da obra fílmica

permanecendo, no entanto, livres do controle de seus dados exatos, e é assim precisamente que o

filme adestra o espectador entregue a ele para se identificar imediatamente com a realidade.

Atualmente, a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural não precisa ser

reduzida a mecanismos psicológicos. Os próprios produtos – e entre eles em primeiro lugar o mais

característico, o filme sonoro – paralisam essas capacidades em virtude de sua própria

constituição objetiva. São feitos de tal forma que sua apreensão adequada exige, é verdade,

presteza, dom de observação, conhecimentos específicos, mas também de tal sorte que proíbem a

atividade intelectual do espectador, se ele não quiser perder os fatos que desfilam velozmente

diante de seus olhos.

ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

1985, p. 118 e 199. Grifo nosso

Apesar de se apresentar como cultura de massas, a indústria cultural, nem é propriamente cultura, nem é feita pelas massas.

Ao contrário, colabora na constituição de um sistema de administração total da vida, onde até o tempo livre, o tempo de lazer, é organizado em função das necessidades da produção.

Não é um sistema de cultura, nem é a criação de estilos, mas é a barbárie estilizada.

A imitação, que outrora foi pensada como a natureza da atividade artística, é transformada em algo absoluto.

A aparência de cultura torna-se seu oposto.

Page 106: FILOSOFIA FGV - Lições

(...) Eis por que o estilo da indústria cultural, que não tem mais de se pôr à prova em nenhum

material refratário, é ao mesmo tempo a negação do estilo. A reconciliação do universal e do

particular, da regra e da pretensão específica do objeto, que é a única coisa que pode dar

substância ao estilo, é vazia, porque não chega mais a haver uma tensão entre os pólos: os

extremos que se tocam passaram a uma turva identidade, o universal pode substituir o particular

e vice-versa.

(...) Os grandes artistas jamais foram aqueles que encarnaram o estilo da maneira mais íntegra e

mais perfeita, mas aqueles que acolheram o estilo em sua obra como uma atitude dura contra a

expressão caótica do sofrimento, como verdade negativa.

(...) O elemento graças ao qual a obra de arte transcende a realidade, de fato, é inseparável do

estilo. Contudo, ele não consiste na realização da harmonia – a unidade problemática da forma e

do conteúdo, do interior e do exterior, do indivíduo e da sociedade –, mas nos traços em que

aparece a discrepância, no necessário fracasso do esforço apaixonado em busca da identidade. Ao

invés de se expor a esse fracasso, no qual o estilo da grande obra de arte sempre se negou, a obra

medíocre sempre se ateve à semelhança com outras, isto é, ao sucedâneo da identidade. A

indústria cultural acaba por colocar a imitação como algo de absoluto. Reduzida ao estilo, ela trai

seu segredo, a obediência à hierarquia social. A barbárie estética consuma hoje a ameaça que

sempre pairou sobre as criações do espírito desde que foram reunidas e neutralizadas a título de

cultura. Falar em cultura sempre foi contrário à cultura. O denominador comum 'cultura' já contém

virtualmente o levantamento estatístico, a catalogação, a classificação que introduz a cultura no

domínio da administração.ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p. 122 e 123.

Um texto que deve ser lido junto com a Dialética do esclarecimento de Adorno e Horkheimer é o ensaio de Walter Benjamim, A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica.

Nesse ensaio, Benjamin relaciona o desenvolvimento da capacidade técnica de reprodução à perda da aura dos objetos artísticos...

...isto é, de seu caráter único, singular, seu valor de culto, relacionado a contextos religiosos e políticos.

Com as mudanças que instituíram as sociedades industriais, os objetos artísticos ganham autonomia...

...mas tornam-se também, pela reprodução técnica, cópias e reproduções acessíveis às massas, em alguma medida, significando um processo de extensão da cultura.

 

Referências bibliográficasADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In: ADORNO et al. Teoria da Cultura de

Page 107: FILOSOFIA FGV - Lições

massa. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 221-254.

 

No entanto, esse termo está sujeito a várias críticas, e muitos autores não o consideram adequado, por induzir a diversas confusões.

Por exemplo, diz-se que não podemos falarem pós-modernidade, quando, na verdade, viveríamos justamente o auge da modernidade.

Diz-se ainda que o prefixo pós- não tem nenhum significado substancial, indicando apenas um período posterior a outro, sem apresentar as características que o definem.

O livro de Perry Anderson, As origens da pós-modernidade, é uma instrutiva apresentação do desenrolar do debate sobre a pós-modernidade, com ênfase na contribuição de Fredric Jameson.

 

Referência bibliográficaANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

O termo pós-modernidade tem sido utilizado para caracterizar a condição cultural do capitalismo tardio.

Seguindo as investigações de Perry Anderson, consideramos...

...que determinadas condições, surgidas principalmente após a Segunda Guerra Mundial, definiram um novo ambiente cultural mundial, e...

...que essas condições devem ser consideradas para entendermos o mundo em que vivemos.

Essas condições estão vinculadas ao predomínio do capital sobre a cultura, o que mostra relação com a análise da indústria cultural realizada porAdorno e Horkheimer.

Referência bibliográficaANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

Contudo, como os fatos analisados situam-se em um tempo ainda posterior àqueles analisados pelos autores alimães, verificamos um aprofundamento das transformações tecnológicas e econômicas, com conseqüências sobre as artes, a cultura, o conhecimento e a própria subjetividade.

Perry Anderson destaca uma inovação tecnológica que pode ser vista como o grande marco de transformação da cultura...

Page 108: FILOSOFIA FGV - Lições

...a invenção e a expansão da televisão.

A televisão revelou-se uma fonte de poder antes inimaginável e consumou o estabelecimento de uma cultura das imagens mais poderosa e de influência mais ampla do que a cultura escrita.

Referência bibliográficaANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

Pela importância atual da televisão sobre a cultura, em especial sobre a cultura brasileira, pensamos que ela deve ser um dos temas de estudo do professor de filosofia.

A invenção que mudou tudo foi a televisão. Foi o primeiro avanço tecnológico de importância

histórica mundial no pós-guerra. Com a TV dava-se um salto qualitativo no poder das

comunicações de massa. O rádio já se revelara, nos anos de guerra e no período entre guerras, um

instrumento muito mais poderoso de conquista social do que a imprensa (...). A capacidade da

televisão de exigir a atenção do público é incomensuravelmente maior, porque não se trata

meramente de audiência: o olho é atingido antes de se aprumar o ouvido. O que o novo veículo

trouxe foi uma combinação de poder sequer sonhada: a contínua disponibilidade do rádio com um

equivalente ao monopólio perceptivo da palavra impressa, que exclui outras formas de atenção do

leitor. A saturação do imaginário é de outra ordem.

O verdadeiro momento de (...) ascendência [da TV] só veio com a chegada da televisão em cores,

que se generalizou no Ocidente no início dos anos 70, desencadeando uma crise na indústria

cinematográfica, que ainda sofre os efeitos nas bilheterias. Se há um isolado divisor de águas

tecnológico do pós-modernismo, ei-lo. Se compararmos o cenário que criou àquele do início do

século, a diferença pode ser captada de forma bem simples. Outrora, em júbilo ou alarmado, o

modernismo era tomado por imagens de máquinas; agora, o pós-modernismo é dominado por

máquinas de imagens. (...) as máquinas despejam uma torrente de imagens com cujo volume

nenhuma arte pode competir. O ambiente técnico decisivo do pós-moderno é constituído por

essascataratas de tagarelice visual. Desde os anos 70, a disseminação de instrumentos e

posicionamentos de segunda ordem em boa parte da prática estética só é compreensível em

termos dessa realidade primordial. Mas esta, claro, não é simplesmente uma onda de imagens,

mas também – e acima de tudo – de mensagens. (...) Os novos aparelhos (...) são máquinas de

perpétua emoção, transmitindo discursos que são ideologia emparedada, no sentido forte do

termo. A atmosfera intelectual do pós-modernismo, de doutrina mais do que arte, tira muito do

seu ímpeto da pressão dessa esfera. Porque o pós-moderno é também isto: um índice de mudança

crítica na relação entre tecnologia avançada e o imaginário popular.

ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p.104-105.

Além das diferentes formas de conceber a condição contemporânea, um aspecto que pode ser destacado é a questão da ascensão do consumidor e do declínio do cidadão.

Esse é um tema característico da política, mas, dada a importância dos meios estéticos, em particular a TV, na formação dos consumidores, nós o situamos aqui, a partir da contribuição de um sociólogo polonês de grande importância em nosso tempo, Zygmunt Bauman.

A discussão sobre pós-moderno e o mundo contemporâneo poderá ser feita, com proveito...

...de modo articulado com várias disciplinas, como história, geografia, sociologia.

A educação de um consumidor não é uma ação solitária ou uma realização definitiva. Começa

cedo, mas dura o resto da vida. O desenvolvimento das habilidades de consumidor talvez seja o

único exemplo bem-sucedido da tal educação continuada que teóricos da educação e aqueles que

a utilizam na prática defendem atualmente. As instituições responsáveis pela educação vitalícia do

consumidor são incontáveis e ubíquas – a começar pelo fluxo diário de comerciais na TV, nos

jornais, cartazes e outdoors, passando pelas pilhas de lustrosas revistastemáticas que competem

Page 109: FILOSOFIA FGV - Lições

para divulgar os estilos de vida das celebridades que lançam tendências, os grandes mestres das

artes consumistas, até chegar aos vociferantes especialistas/conselheiros que oferecem as mais

modernas receitas, respaldadas por meticulosas pesquisas e testadas em laboratório, com o

propósito de identificar e resolver os problemas da vida.

Fonte

BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005,

p.73

Unid. 5 Cenário Cultural

Para refletir um pouco mais sobre questões relacionadas ao conteúdo deste módulo, assista, a

seguir, a uma cena do filme O espelho tem duas faces.

Sinopse

Gregory Larkin (BRIDGES) é um professor de matemática extremamente introvertido e que ainda idolatra Candy (MACPHERSON), a antiga namorada que o trocou por outro. 

Rose Morgan (STREISAND) é uma professora de literatura muito comunicativa, que viu sua grande paixão, Alex (BROSNAN), casar-se com Claire (ROGERS), sua irmã. 

Ao ver o anúncio de Gregory em um correio sentimental, ela decide responder como se fosse apenas Rose, já que ambos pertencem a mesma universidade. Após alguns encontros, Gregory pede Rose em casamento, mas decidem ter uma união baseada apenas em suas preferências intelectuais e totalmente desprovida de sexo. 

No início, ela suporta tal situação. Com o tempo, entretanto, a relação entra em crise. Ela decide se produzir para conquistar realmente seu marido e ter um casamento de fato, e não apenas de direito.

   

 

Para refletir

Neste módulo, aprendemos sobre a estética. Vimos a relação existente arte, cultura e educação.

Na cena selecionada, vimos a explicação de uma professora sobre as modificações do conceito de amor por meio do tempo.

Ao assistir ao trecho do filme, procure refletir sobre...i. a influência da arte na idealização de conceitos;

ii. a relação entre a arte e a educação dos indivíduos.

 

Ficha técnica THE MIRROR has two faces = O ESPELHO tem duas faces. Direção: Barbara Streisand. Intérpretes: Barbara Streisand;

Jeff Bridges; Lauren Bacall; George Segal; Mimi Rogers; Pierce Brosnan; Brenda Vaccaro; Austin Pendleton; Elle Macpherson; Leslie Stefanson. Estados Unidos: Columbia Pictures Corporation/Phoenix Pictures/Barwood Films, 1996.

126 min., son., color.

Informações:  O Machete

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu na cidade do Rio de Janeiro – RJ – em 21 de junho de 1839.   

Foi cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista, crítico e ensaísta. 

Internacionalmente conhecido, Machado de Assis é considerado o maior autor da Literatura

Page 110: FILOSOFIA FGV - Lições

Brasileira, graças a romances como Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro, entre outros.

Para refletir

O machete narra a disputa de dois instrumentos – o machete e o violoncelo – no coração da comunidade e no coração da esposa de Inácio Ramos, o intérprete do violoncelo.

No trecho, vemos o violoncelo – instrumento considerado nobre pela arte – perde rapidamente espaço para o machete – uma espécie de rabeca –, mais humilde e de maior popularidade. Após a leitura do trecho, procure refletir sobre...

i. os diferentes conceitos de belo;ii. a relação do belo com as diferentes técnicas apresentadas pelo violoncelo e o machete;

iii. como a valoração do belo pode influenciar a vida dos homens.

Clique em   para acessar o texto em formato .doc.

 

FonteASSIS, Machado de. Luís Soares. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 28 jun. 2009.

Ainda hoje será esse o modelo ideal de beleza masculina?

Ver: Michelangelo. Em 1501. Escultura em mármore 517 cm. Florença, Itália.

Informações

Michelangelo Buonarroti (1475-1564) nasceu em Florença e, juntamente com Leonardo da Vinci, tornou tão famosa a arte italiana do Cinquecento. Ele era um exímio desenhista e tinha uma sólida técnica de pintura e escultura. 

Realizou suas próprias pesquisas de anatomia humana, dissecou cadáveres e desenhou com modelos, até que a figura humana deixou de ter para ele qualquer segredo. Aos trinta anos, ele era geralmente reconhecido como um dos mais notáveis mestres da época, igualando-se, de certa maneira, ao gênio de Leonardo. 

Para refletir

Michelangelo levou três anos para concluir esta escultura. O trabalho retrata o heroi bíblico com realismo anatômico do corpo nu e o predomínio das linhas curvas. É considerada uma das obras mais importantes do Renascimento. A obra permaneceu em frente ao Palazzo Vecchio, na Piazza Della Signoria até 1873, quando foi transferida para a Galleria dell’Accademia, em Florença, onde se encontra atualmente, cidade que, originalmente, encomendou a obra. 

Neste módulo, lemos sobre estética. Observando esta escultura de David, considerada um exemplo de beleza masculina, podemos refletir sobre...

i. as diferentes concepções de belo definidas pelos diferentes filósofos que refletiram sobre estética;ii. a visão de Platão ao fazer relação entre o belo, o amor e a retórica;

iii. a consequência da experiência estética para a autoconsciência do homem e sua relação com a liberdade.

 

Referência BibliográficaBUONARROTI, Michelangelo. David. 1501. Escultura em mármore. 517 cm. Florença, Itália.

Page 111: FILOSOFIA FGV - Lições

Na unidade 1 deste módulo, você encontrará algumas divertidas opções para testar seus conhecimentos sobre o conteúdo desenvolvido em toda a disciplina. São elas...

caça-palavras; palavras cruzadas;

forca;

criptograma.

A estrutura desses jogos é bem conhecida por todos. Você poderá escolher o jogo de sua preferência ou jogar todos eles... a opção é sua! Em cada um deles você encontrará perguntas – acompanhadas de gabaritos e comentários – por meio das quais você poderá se autoavaliar. 

Já na unidade 2, é hora de falarmos sério!!!! Sabemos que o novo – e a disciplina que você terminou de cursar enquadra-se em uma modalidade de ensino muito nova para todos nós, brasileiros – tem de estar sujeito à crítica... a sugestões... a redefinições. Por estarmos cientes desse processo, contamos com cada um de vocês para nos ajudar a avaliar nosso trabalho.