Filosofia Medieval

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    DOI:10.4025/5cih.pphuem.2222

    A Filosofia Medieval como produto das relaes intermitentes entre Ocidente e Oriente Gabriel Ferreira de Almeida Paizani

    Resumo: A filosofia medieval tradicionalmente carrega uma srie de problemas, preconceitos e incompreenses. Durante muito tempo, essa filosofia foi intencionalmente esquecida, os muitos sculos entre a Antiguidade e a Modernidade eram percebidos como um momento de obras cansativas e improdutivas. Atualmente, configura-se uma nova realidade, mas algumas questes ainda exigem esclarecimento, como a relevncia da interao entre o Ocidente e o Oriente para essa filosofia. A Idade Mdia confunde-se com a noo de Ocidente cristo, assim, o que no ocidental e cristo posto margem, considerado um componente sem muita legitimidade. A histria da filosofia medieval escrita, muitas vezes, do ponto de vista do cristianismo ocidental, levando a acreditar na unidade de um perodo do qual desejamos redescobrir as tenses e dissonncias. Contudo, filosoficamente, o mundo medieval no possui centro, no s porque o mundo medieval ocidental tem uma pluralidade de centros, mas, sobretudo, porque h muitos mundos medievais. Diversos pensadores medievais estavam ligados instituies de ensino, polticas e religiosas, contudo, no necessariamente limitavam-se a buscar somente o conhecimento disponvel nesses crculos, um conhecimento necessariamente restrito e consentido. Os verdadeiros intelectuais, os que trabalhavam com a palavra e com a mente, que no viviam de rendimentos da terra nem eram obrigado a trabalhar com as mos e, de uma forma ou de outra, tinha conscincia de sua diferena em relao aos outros setores da sociedade, buscavam tudo o que alimentasse esse desejo pela cincia, extrapolavam o que era proposto em seus meios, procurando material proveniente de todos os locais, inclusive, e principalmente, do Oriente. Aproveitando as ferramentas oferecidas, principalmente, por Alain de Libera e Miguel Asn Palacios, desejo reiterar e discutir como a filosofia medieval engloba conceitos percebidos como opostos, ainda mais no medievo, como Ocidente e Oriente ou ento cristo e muulmano, mas que, para uma parte de intelectuais medievais, representavam categorias muito mais fludas e que, eram muito limitadoras para os que buscavam uma discusso verdadeiramente filosfica. A proposta desse estudo est centrada na compreenso dessa circulao do pensamento filosfico, sobretudo na Idade Mdia Tardia. Assim, o pano de fundo da histria da filosofia medieval envolve todo o Mediterrneo. A histria da filosofia medieval no a histria da filosofia crist. a histria da filosofia pag e dos trs monotesmos. a histria de povos diferentes e lnguas diversas, uma histria de famlias, de alianas e heranas, de capturas e furtos, de violncias e trguas. Palavras-chave: Filosofia Medieval; Idade Mdia Tardia; Intelectual.

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    Quando discutimos sobre filosofia medieval, nunca demais recordar que ela nunca se limitou ao ocidente medieval. Contudo, a histria da filosofia medieval escrita, muitas vezes, do ponto de vista do cristianismo ocidental. Com isso, problemas e objetos so fixados, gerando a crena em uma unidade inexistente, em que as tenses e dissonncias, sempre alvo do historiador, so deixadas de lado. Por isso, Alain de Libera assevera que filosoficamente, o mundo medieval no tem centro. No s porque o mundo medieval ocidental tem uma pluralidade de centros, mas, sobretudo porque h muitos mundos medievais. A Bagd do sculo III da Hgira e a Aix do sculo IX da Era Crist so contemporneas, sem estar no mesmo tempo, no mesmo mundo, na mesma histria.1

    Fixar o pano de fundo da histria da filosofia medieval significa esticar todo o pano de lado a lado do mediterrneo: do Ocidente ao Oriente e do Oriente ao Ocidente, do Sul ao Norte e do Norte ao Sul. A histria da filosofia medieval no a histria da filosofia crist. a histria da filosofia pag e dos trs monotesmos dos quais foi instrumento dcil ou indcil, parceira ou concorrente. a histria de povos diferentes e lnguas diversas, uma histria de famlias, de alianas e heranas, de capturas e furtos, de violncias e trguas.2

    Como afirma Libera: No fundo, a viso de Idade Mdia confunde-se com o que chamado de Ocidente cristo, ela est nele centrada, e o que no , simultaneamente ocidental e cristo posto margem, considerado apndice extico, sem legitimidade prpria. Assim rejeitam-se: o que cristo, mas no ocidental, quer dizer, os cristos do Oriente (confundidos numa mesma massa obscura, se no condenada); o que ocidental, mas no cristo, ou seja, os rabes e os judeus. Portanto, duas oposies Oriente-Ocidente sobrepem-se em nossa percepo da Idade Mdia: de um lado, a oposio entre as duas Romas imperiais, os dois Imprios, as duas romanidades; de outro, a oposio entre as duas Igrejas, entre os dois cristianismos, o ocidental e o oriental. O fenmeno tem duas conseqncias perversas: a dificuldade em admitir os cristos orientais e a igual dificuldade em admitir os ocidentais no-cristos. Dessa forma, a Idade Mdia confiscada em proveito de um s grupo: os ocidentais cristos ou cristos ocidentais.3

    A proposta acima definida busca uma percepo mais completa e tambm mais realista da filosofia medieval. A sua composio nunca seria possvel se enclausurada somente no Ocidente ou Oriente, a especificidade dessa filosofia sua amplitude. O hbito de negar isso, sem dvida, durante muito tempo estava ligado a esses preconceitos denunciados por Libera, preconceitos nem sempre muito discutidos ou expostos, levando muitas vezes a um enaltecimento somente da filosofia crist em detrimento de todas as outras.

    Segundo Luis Alberto de Boni, A histria dos estudos de Filosofia Medieval no to longa, e pode ser relativamente bem datada. O Renascimento, a Reforma e o Iluminismo voltaram-se conscientemente contra a Idade Mdia, o Iluminismo, principalmente, partiu de um preconceito: era necessrio deixar de lado tudo o que foi escrito como Filosofia, entre a Antiguidade e os tempos modernos. Desse modo, seria clebre o dito de que entre o fim da Academia por Justiniano (529) e o Discurso sobre o Mtodo de Descartes (1637), existiria um vazio de mais mil anos. Assim, Boni recorda que por mais que essa afirmao soe estranha para o leitor moderno, foi no esprito dela que se fundou o Curso de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas na USP, na dcada de 30. Partindo de um esquema que previa um salto por sobre a Idade Mdia, passava-se de Proclo a Descartes com naturalidade. Foi necessria a passagem de meio sculo para que se criasse a cadeira de Filosofia Medieval nessa instituio.4

    Para compreender esse fenmeno, voltemos para a Idade Mdia Tardia. O pensamento escolstico, depois de 1350, perdeu muito de seu vigor, visto que pensadores como Alberto Magno, Toms de Aquino, Mestre Eckhart, Dante Alighieri e Marslio de Pdua, que encheram o sculo que medeia entre 1250 e 1350, no encontraram discpulos com a mesma disposio, sendo que muitos tornaram-se meros repetidores. Segundo Boni:

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    Era de esperar que o Renascimento pedisse ares novos tambm Filosofia, embora deva-se admitir que, com relao a essa, ele foi muito contundente nas crticas, mas pauprrimo em novas idias. J a Reforma, defrontando-se com a via moderna, pregava um retorno Palavra divina, relegando como querelas de um pensamento decadente o que provinha dos debates acadmicos da poca. O Iluminismo, por sua vez, principalmente o francs, marcadamente anti-eclesistico, buscava uma filosofia das luzes, que ignorasse o mundo de trevas que o precedera.5

    De sua parte, a Filosofia Escolstica, com o passar dos sculos, perdeu muito de sua fora, mesmo no interior da Igreja, na medida em que as novas teorias da Fsica, bem como o Racionalismo, o Empirismo, o Sensismo e outras correntes filosficas passavam a ocupar um espao sempre maior nos manuais eclesisticos. O que dela sobreviveu nas escolas catlicas no foi tanto como Filosofia, mas como repetio ou opo por partido, como os tomistas e scotistas. Desse modo, por muitos anos, pensou-se mesmo que a Filosofia Moderna surgiu quase que de si mesma, sem dever nada aos sculos que a precederam. Somente h pouco tempo que estudiosos dedicaram-se a um estudo histrico-gentico, com a inteno de descobrir a dvida do pensamento moderno em relao ao medievo. Contudo, durante cerca de 400 anos, acreditou-se que a Idade Mdia era um estgio definitivamente superado na histria da humanidade.6

    Como lembra Josep-Ignasi Saranyana em seu manual A Filosofia Medieval: [...] o iluminismo teve uma concepo muito negativa da filosofia medieval, isto , da filosofia desses sculos mdios. [...] Hegel, por exemplo, na Introduo s suas Lies sobre a Histria da Filosofia, pronunciadas pela ltima vez em 1831, pensava que s possvel distinguir a rigor, duas pocas da histria da filosofia: a filosofia grega e a filosofia germnica. [...] O mundo grego desenvolveu o pensamento at chegar idia; o mundo cristo-germnico, pelo contrrio, concebe o pensamento como esprito.7

    O Isl, depois de conquistar os pases asiticos que faziam fronteira com a pennsula arbica, estender-se rapidamente no norte de frica, em Espanha e no sul da Frana e da Itlia, sem excluir da sua dominao algumas ilhas mediterrneas, como as Baleares e a Siclia. O contato das duas civilizaes, a crist e a islmica se estabelece rapidamente, por meio de suas fronteiras orientais e ocidentais, atravs de canais constantes, normais e nada escondidos.8

    Sem contar a relao estabelecida pela guerra, a qual influencia seu mtuo conhecimento dos povos beligerantes bem ntida, o comrcio terrestre e, sobretudo aquele martimo no tardaram a fortalecer estreitas e continuas relaes econmicas entre cristos e muulmanos. A partir do sculo VIII de nossa era, ou seja, do sculo primeiro da Hgira, por mais de trezentos anos se estabeleceu um ativssimo comrcio entre os muulmanos do Oriente e os pases russos, escandinavos, germanos e anglo-saxnicos, por meio de regulares expedies que, partindo do Cspio, atravessavam a Rssia, e, seguindo o curso do rio Volga, chegavam ao golfo da Finlndia, para passar dali atravs do Bltico at a Dinamarca, as ilhas britnicas e a Islndia. As enormes quantidades de moedas rabes encontradas nas escavaes feitas nos vrios pontos dessa extensa zona comercial so um testemunho irrefutvel da importncia e da continuidade desse primeiro canal de comunicao, precedente ao sculo XI. Mais tarde os comrcios mudam o itinerrio para seguir uma outra estrada, no menos frequentada: navios venezianos e genoveses, assim como muulmanos, percorriam em cada direo do Mediterrneo e alimentavam o intercmbio dos produtos da Europa crist com aqueles dos pases islmicos do norte de frica, da Espanha, da Sria e at mesmo do Extremo Oriente; populosas colnias de mercadores italianos estabeleciam-se pacificamente nos portos da Berberia e em outros pontos do litoral mediterrneo, dominados pelos muulmanos; sem qualquer hesitao comerciantes, exploradores e aventureiros de uma e outra religio navegavam juntos no alto dos navios italianos, da costa espanhola e marroquina at aquelas do Egito e da Sria. Beniamino di Tudela, durante o sculo XII, deixou em seu Itinerario um

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    testemunho digno de f de tais estreitas e ativas relaes comerciais entre cristos e muulmanos, descrevendo os mercados de Montpellier, Constantinopla e Alexandria.9

    Segundo Miguel Asn Palacios, ao estmulo econmico se unia o ideal religioso. As peregrinaes aos Lugares Santos da Palestina, provisoriamente suspensas pelas primeiras conquistas do Isl, so logo retomadas: um nmero no exguo de eclesisticos e de laicos, provenientes de todos os pases cristos da Europa, incluso os mais distantes, empreenderam durante o sculo VIII contnuas peregrinaes a Jerusalm, vivendo por anos inteiros em meio a populaes muulmanas. O protetorado franco sobre as igrejas crists do Oriente, substituindo com a fora e o prestgio de Carlos Magno a dbil autoridade dos imperadores bizantinos, devolve com segurana essas peregrinaes atravs de acordos diplomticos e as sustenta por meio da fundao de albergues, monastrios e baslicas na Terra Santa. Durante os sculos IX, X e XI as peregrinaes se fazem muito mais freqentes e deixam de ser individuais para tornarem-se coletivas, chegando a alar o carter de uma verdadeira migrao em massa: multides de nobres e populares guiados por religiosos atravessaram a Europa de suas regies ocidentais, a Normandia especialmente, para ir para a Palestina; algumas dessas peregrinaes alcanaram a extraordinria cifra de doze mil peregrinos e constituram j quase o anncio das Cruzadas.10

    No necessrio insistir sobre a ntima e duradoura comunicao que se estabelece entre o Isl e a Europa crist, durante os sculos XII e XIII devido a influncia daquelas novas expedies, cujo carter de conquista. Segundo Asn Palacios, os historiadores especialistas nas Cruzadas colocaram em relevo os rastros, sempre mais evidentes, da atrao exercida nas Cruzadas pela cultura oriental, com a qual viveu em permanente contato. Esses estados cristos que, com a fora das armas, fundaram j na primeira Cruzada, o equivalente a uma verdadeira colnia europeia no corao do Isl entre o Eufrate e o Egito. Uma parte no pequena da organizao administrativa, da alfndega, do exrcito e at mesmo os costumes, as comidas e as vestimentas dos orientais foram adotados pelos prncipes francos, mas tambm pelos cavaleiros que nas Cruzadas sucessivas chegavam na Sria de todas as regies da Europa, at mesmo dos pases escandinavos.11

    Os repetidos fracassos das Cruzadas com a inteno de destruir o Isl produziu, como consequncia e reao, a ideia de uma conquista pacfica da alma por meio da predicao e da catequese. No sculo XIII se trava com o Isl um novo nexo de comunicao espiritual, mediante as misses dos frades franciscanos e dominicanos, que, para levarem a um trmino feliz suas tentativas de converses, deviam empreender o estudo profundo da lngua e da literatura religiosa dos seus catecmenos e estabilizarem-se em meio a eles por longos anos.12

    A todos esses caminhos gerais de estreita comunicao entre o Isl e a Europa crist necessrio acrescentar outros mais interessantes e de maior relevo, como o contato entre essas duas civilizaes na Siclia e na Espanha.

    Por volta da metade do sculo IX os piratas normandos tinham iniciado as suas incurses armadas nas costas dos pases escandinavos at o litoral atlntico e mediterrneo. Frana, Galcia, a Espanha muulmana, o sul da Itlia, a Siclia, as ilhas Baleares foram muitas vezes alvo das suas piratarias e barbries. No incio limitavam-se somente a ocupar qualquer ponto da costa pelo tempo necessrio a apoderar-se do butim e a retornar aos seus navios; mas logo se apegaram s terras do sul e estabeleceram ali as suas residncias, mais ou menos definitivas. Assim, autnticas colnias do povo nrdico, dinamarqus, sueco, noruegus, ingls, breto e etc. entram em contato com as populaes muulmanas da Espanha e com aquelas da ilha da Siclia. Sobretudo nessa ilha as incurses normandas conquistam maiores trechos de permanncia, transformando-se em conquista no sculo XI: uma dinastia de reis normandos se estabelece e perdura, at o sculo XII, em um pas quase que completamente islamizado. A populao da ilha, durante esse logo perodo, foi um amlgama de raas, religies e lnguas. Em Palermo, a corte do rei normando Rogrio II era

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    formada de cristos e muulmanos, bilngues e trilngues, oscilando entre duas ou trs confisses religiosas, versados na literatura rabe e na cincia grega. Cavaleiros e soldados normandos, clrigos e nobres da Itlia e Frana, sbios e literatos muulmanos da Espanha, da frica e do Oriente, conviviam ao servio do rei, abaixo de uma organizao de palcio que, na realidade dos cargos e at mesmo das denominaes, era inspirado das cortes muulmanas. Desse modo, Asn Palacios afirma:

    Il re si abbigliava allorientale, con un fastoso mantello bordato di lettere cufiche, manteneva un harem secondo luso maometano e amava ripararsi con il parasole di gala, a imitazionedei califfi fatimidi dellEgito; il suo cuoco personale, il direttore della sua fabbrica di tappeti, la sua guardia privata, i suoi ministri, i suoi medici e i suoi astrologhi erano musulmani. Lo stesso re parlava e scriveva larabo, e il sigillo dei suoi diplomi, la cancelleria e le monete, come tutto il cerimoniale di corte, erano imitazioni del sigillo, delle monete e del cerimoniale delle corti islamiche. Persino le donne cristiane di Palermo avevano adottato le vesti, il velo e la lingua delle loro vicine musulmane. Unacademia delle scienze e dele lettere era attiva sotto la protezione del rei, il quale prendeva pure parte alle sua sedute; e in essa cooperavano geografi musulmani celebri como Idrisi lAfricano e poligrafi como lo spagnolo Abu Salt di Denia, medico, filosofo e poeta, accanto ad altri letterati e sapiente arabi, ebrei e greci dellisola.13

    O momento no qual a corte de Palermo parece em cada um de seus aspectos uma corte muulmana sob o longo reino de Frederico, rei da Siclia e imperador Germnico, na primeira metade do sculo XIII. Esse imperador filsofo, livre pensador e poliglota, como os seus predecessores, se cercou de muulmanos para suas tarefas de paz e para suas empresas blicas; em suas viagens na Terra Santa e atravs da Itlia se fazia acompanhar deles; ali tinha como mestres e colaboradores nos estudos, como cortesos, oficiais e ministros; por prprio deleite fazia vir da Espanha ou do Oriente bailarinos ou danarinos sarracenos; os seus dois harns, um na Siclia e outro na Itlia, eram vigiados por eunucos, segundo o costume oriental; escravos negros faziam ressoar trombetas de guerra no cortejo imperial; e at mesmo a tnica com a qual depois da morte foi sepultado ostentava uma inscrio rabe na borda dourada. Os papas e os outros reis cristos lamentavam publicamente o escndalo daquela corte cujo imperador, cristo somente no nome, representava a autoridade civil mais alta do medievo.14

    Durante a alta Idade Mdia, o destino do Isl escapa aos omadas e passa s mos dos abssidas. Instaladas por um tempo em Bagd, os abssidas so os instigadores de profundas mudanas culturais cuja estrutura e alimento se resumem em duas palavras kalam (teologia) e falsafa (filosofia). Segundo Alain de Libera, sem prejulgar acerca de seu estatuto, a fortiori sem afirmar que existam filsofos enquanto grupo social comparvel a seus homlogos gregos, pode-se dizer que, nesse mundo muulmano, a filosofia existe num sentido que, afinal de contas, a condiciona ainda hoje.15

    Em duas palavras: em Bagd, traduzem-se e explicam-se textos. Traduo e explicao duas prticas que, encontrando seu lugar em contextos religiosos e polticos precisos, supem seja uma tolerncia, seja uma verdadeira demanda social e poltica. Essa demanda existe.16

    A reforma de Carlos magno tinha uma dupla finalidade: religiosa e administrativa. Fecunda em suas realizaes parciais, ela permanecia modesta em sua visada de conjunto: tratava-se de ensinar a ler e a escrever uma elite clerical, de formar um corpo de funcionrios imperiais. No mesmo perodo, sob o califado de Harun al-Rachid, a poltica cultural dos abssidas diferente: mais brilhante, mais ambiciosa e mais evoluda. Duns Scotus viera da Irlanda para colaborar com os latinos a se reapropriarem do que sobrou da herana crist. Segundo Libera, mesmo se no faltavam problemas polticos no sentido prprio do termo, os califas abssidas no experimentavam as mesmas dificuldades culturais que Carlos Magno: a escola primitiva do Isl sabia muito bem recitar o Coro e os hadiths. No entanto, neste

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    mundo sem atraso nem desvantagem intelectuais que, a partir da segunda metade do sculo VIII da era crist, se passa a traduzir como em nenhum outro momento da Histria.17

    A herana assumida proporcional civilizao que a acolhe. Assim, no caso dos abssidas, cabe falar da grande herana humana. De fato, pesquisam-se as seis literaturas ento conhecidas hebraica, siraca, persa, hindu, latina e grega , e enviam-se misses para a busca de livros na Prsia, ndia e Constantinopla. O que se traduz? Tudo, ou quase tudo. O que significa, entre outros, os grandes textos filosficos gregos, especialmente os de Aristteles, e os textos cientficos, a alquimia e medicina. E na posse desses textos, eles so lidos, depois comentados; e, por repercusso, concebem-se outros a partir deles, inventa-se, inova-se, continua-se a herana humana. Em suma, h o que poderamos chamar hoje de uma vida intelectual.18

    Essa vida no representa um simples ornamento das cortes principescas, ela diz respeito a todo um pblico que aprecia instruir-se. As mesquitas so verdadeiros locais de pesquisa, as reunies privadas se multiplicam. Aberta em seu contedo, a cultura tambm o em seus vetores. Muitos tradutores no so muulmanos, figuram entre eles cristos nestorianos ou jacobitas. Assim, Libera afirma que:

    um fato: na poca em que o Ocidente latino anda com mania de saber e inquieto com sua identidade, o mundo abssida um mundo em que cristos como Hunayn (+877), Ishaq (+910) ou, mais tarde, Yahya ibn Adi (+974) traduzem e interpretam as obras cientficas da Antiguidade pag a pedido de califas muulmanos.19

    Contudo, deve-se evitar especular sobre uma abertura do Isl cincia e filosofia. Em primeiro lugar, porque sempre intil falar da natureza de uma religio; em segundo porque no se pode, sem cair no etnocentrismo, fazer da existncia da filosofia o nico critrio capaz de caracterizar uma mentalidade religiosa e as formas de vida social, jurdica, intelectual e espiritual que ela autoriza, suscita ou acompanha. Em troca, afigura-se legtimo a um historiador da cultura religiosa e das teologias insistir sobre o fato de que, durante a alta Idade Mdia, os latinos se esforam por manter sua cultura, enquanto, no mesmo momento, o mundo muulmano conserva, produz e desenvolve a sua e a de outros.20

    Inserido nessa discusso sobre a filosofia no Oriente e Ocidente, Libera recorda que em sua origem a filosofia grega, logo, seria to estrangeira para um muulmano de Bagd quanto o pode ser para um cristo de Aix-la-Chapelle. Todavia, desde muito cedo a falsafa parte integrante, seno do pensamento muulmano, ao menos do pensamento no mundo muulmano. Eis a duas coisas distintas e uma situao potencialmente conflituosa. Sempre de acordo com Libera, o paradoxo supremo da cultura europia da Idade Mdia que o drama da escolstica, atravs do qual se pretende defini-la, comea entre os rabes.21 Desse modo, os telogos do sculo XIII, como Alberto Magno ou Toms de Aquino, sabiam bem disso, pois se apropriaram dos argumentos teolgicos-filosficos rabes que eles liam na obra de um pensador judeu do sculo XII, o Guia dos indecisos de Moiss Maimnides.22

    Mais um paradoxo, que ganha ainda maior relevo se considerarmos o nvel das discusses. Durante a alta Idade Mdia, um telogo muulmano adversrio da filosofia no se ope a um fantasma ou a um subproduto. Tem diante dele todo o saber antigo e tudo o que os orientais fizeram dele. No o caso do telogo cristo.

    Durante o chamado Renascimento do sculo XII, duas figuras, dois adversrios irredutveis dominam a poca: um, defensor do velho ideal monstico, so Bernardo de Claraval; o outro, portador das novas tendncias, o lgico Pedro Abelardo. Os dois so cristos, os dois so telogos. Mas existe algo que os diferencia. Bernardo censura a Abelardo seu uso da dialtica, a lgica de Aristteles, na explicao que oferecia das Sagradas Escrituras e nos esclarecimentos que prope sobre as questes da f. Assim, Alain de Libera assevera: Bernardo brada tanto mais alto quanto critica o que no conhece. Como todo bom representante da tradio europeia originria, ele jamais leu realmente Aristteles e no quer

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    saber dos filsofos seno o que pode catar nos Padres da Igreja.23 Abelardo est melhor servido, contudo, o que leu foi somente uma pequena parte da lgica de Aristteles, dois opsculos colocados no incio do Organon De interpretatione e as Categorias , aos quais vem juntar-se um breve tratado de Porfrio sobre os universais, Isagoe, e algumas monografias de seu discpulo latino, Bocio.24

    Abelardo morre em 1142, condenado. Nessa poca, Al-Farabi (morto em 950), o segundo mestre depois de Aristteles, produziu uma obra enorme; Ibn Sina (Avicena, morto em 1037) realizou uma enciclopdia filosfica, o Livro da cura (Kitab al-Shifa) e um tratado de medicina, o Canon; o telogo Al-Gazali (morto em 1111) exps e refutou, entre outras coisas, o pensamento dos filsofos em dois livros fundamentais: as Opinies dos filsofos (Maqasid al-Falasifa) e a Refutao dos filsofos (Tahafut at-Falasifa); Ibn Ruxd (Averris) nasceu dezesseis anos depois: aquele que a Idade Mdia latina chamar o Comentador morrer em 1198, deixando atrs de si uma obra que, durante vrios sculos, ser o principal fermento da reflexo filosfica ocidental.25

    Libera lembra que esses representam somente o grupo mais conhecido. Para sermos mais completos, teramos ainda que mencionar todas as obras pseudo-aristotlicas de origem rabe que aumentaram significativamente os recursos cientficos da poca. Sobretudo, teramos de falar de todos os autores aos quais os ocidentais no tiveram um real acesso, de Ibn Bajja (Avempace) a Ibn Tofail (Abubcer), ou que eles, mais simplesmente, ignoraram, como Al-Amiri ou Abdalatife. Aps a apresentao dessa srie de pensadores do mundo muulmano, Alain de Libera afiana com aspereza: Intil insistir. Se avaliarmos uma cultura pela quantidade de obras que ela produz ou assimila, o mnimo que podemos dizer que, at o sculo XII, o Ocidente medieval filosoficamente subdesenvolvido. 26

    Para evitar uma compreenso errnea do que demonstra, como a apreenso de que deseja definir o pensamento muulmano a partir de um simples domnio das cincias profanas ou que est celebrando-o pela razo de ter primeiro acolhido, trabalho e compreendido a cincia grega melhor que seu homlogo cristo latino e que estaria cedendo fora do preconceito que tanto havia denunciado, Libera esclarece que o pensamento muulmano no redutvel ao pensamento filosfico no mundo muulmano. Todavia, o carter etnocntrico do preconceito em favor da filosofia no deve, uma vez reconhecido como tal, nos obrigar a colocar entre parnteses a existncia de uma filosofia no Isl. Afirmar que a razo grega, portanto exgena, e ficar nisto, ser muito imponderado e sumrio. Se devemos nos precaver de reduzir a vida intelectual do mundo rabe-muulmano a um mero trabalho de adaptao, como se o fato de ter sabido integrar o pensamento antigo fosse a norma exclusiva de um xito e o modelo imprescindvel de toda realizao, em suma, se devemos evitar rebaixar os rabes condio de eternos fornecedores um dia de aristotelismo; no outro, de petrleo , nem por isso devemos consentir s presses do esquecimento voluntrio.27

    O que Alain de Libera afirma que o desconhecimento do papel dos pensadores islmicos na histria da filosofia fornece um instrumento retrico forte para os defensores de uma histria intelectual puramente ocidental da razo. Assim, ntido que os rabes desempenharam um papel fundamental na formao da identidade intelectual da Europa. A simples probidade intelectual exige que a relao do Ocidente com a nao rabe passe tambm hoje pelo reconhecimento de uma herana esquecida.28

    Por fim, ao falar de filosofia medieval, fao algumas consideraes sobre quem era esse homem, estudioso da filosofia, o intelectual. A palavra intelectual, aplicada ao homem, no tinha significao na Idade Mdia, uma criao recente que remonta, no essencial, ao sculo XIX e ao caso Dreyfus. Mas para o historiador a expresso tem sua legitimidade medieval, em primeiro lugar na medida em que se pode identificar na Idade Mdia um tipo de homem ao qual o termo pode se aplicar e, em segundo, na medida em que possvel fazer corresponder a esse tipo um grupo de homens preciso: os profissionais do pensamento.

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    Jacques Le Goff define o intelectual como um homem cujo ofcio escrever ou ensinar, e de preferncia as duas coisas a um s tempo, um homem que, profissionalmente, tem uma atividade de professor e de erudito.29

    Esse homem, dedicado ao conhecimento, podemos chamar de intelectual. Para uma definio mais precisa desse conceito, Mariateresa Brocchieri chama ateno para o fato que qualquer homem nascido entre 1000 e 1400 compreenderia os termos mulier, miles, urbanus, mercator e pauper, mas no compreenderia o significado da palavra intelectual intellectualis quando aplicada ao homem. Assim, para quem frequentava a escola, o homem era, sobretudo, racional (animal rationale), mas essa era a definio adequada a todo gnero humano, proveniente de Aristteles. O adjetivo intelectual era acompanhado por substantivos diversos, com algumas variantes de significado. A substncia intelectual era o esprito ou a alma, o conhecimento intelectual era o conhecimento que extrapolava os sentidos, o prazer intelectual era reservado aos eleitos, e diferente do prazer sensual e a virtude intelectual, diferente da virtude moral.30

    O moderno termo intelectual, que designa no uma qualidade, mas uma classe de pessoas, aparece muito tarde na Frana de finais do sculo XIX, no entanto, Brocchieri afirma que esse vocbulo to recente presta-se muito bem ao nosso objetivo, que caracterizar um tipo de homem que, nos sculos medievais, trabalhava com a palavra e com a mente, no vivia de rendimentos da terra nem era obrigado a trabalhar com as mos e, de uma forma ou de outra, tinha conscincia de sua diferena em relao aos outros setores da sociedade.31

    O homem medieval tinha algumas obsesses sociais e polticas, a saber, a hierarquia, autoridade e liberdade. Esses homens pensaram, agiram e viveram no quadro de determinados valores fundamentais que correspondiam vontade de Deus e s aspiraes dos homens. Quanto hierarquia, elemento principal para a estruturao da sociedade desse perodo, o dever do homem medieval era permanecer onde Deus o tinha colocado. Elevar-se era sinal de orgulho, baixar era um pecado vergonhoso.32 Era necessrio respeitar a organizao da sociedade pretendida por Deus, de acordo com o seu grau de cultura, sob uma forma erudita ou popular, o homem da Idade Mdia foi dionisiano, adotando uma concepo hierrquica de mundo. Dessa forma, no plano intelectual e mental, tambm teve de ser fiel s autoridades, no caso Ocidental, Bblia e aos Padres da Igreja. Em um primeiro momento, vale lembrar a importncia dos escritos. Mesmo em sociedades como a medieval, em que a maioria da populao era analfabeta e a palavra oral, frequentemente acompanhada de um gestual codificado, certamente essencial como suporte da comunicao, o escrito, sob diversas formas, como simples ligao ou anexo da oralidade e da memria ocupa um lugar considervel, ainda que difuso e muitas vezes imperceptvel. Sobretudo a partir dos sculos XII e XIII, contexto com o qual trabalhamos, quase nenhuma forma de vida religiosa, judiciria, administrativa, econmica, para no falar das relaes entre indivduos, as famlias ou grupos sociais, pde se manter sem o recurso, ao menos marginal, escrita latina ou verncula.33

    Esse intelectual era detentor de algumas caractersticas principais: era um cosmopolita que, graas ao seu conhecimento das lnguas, viajava com frequncia de uma escola ou de uma universidade para outra. Era um homem solteiro e, por isso, isento dos deveres conjugais e familiares, e, finalmente, era um homem de autoridade, de textos imperativos, sabendo contrapor, criticar e combinar o que l com a pesquisa racional.34

    Essa cultura erudita era tambm uma cultura elitista. Nesse sentido, Jacques Verger afirma que bem claro que as pessoas cultas representavam uma pequena minoria, antes de tudo, masculina, da populao. Sua cultura era composta por disciplinas bem precisas e de difcil acesso. Longos estudos eram quase sempre necessrios, bem como a custosa posse de livros.35 Fica evidente que os eruditos estudados eram detentores de algum tipo de privilgio. A ideia de um uso desinteressado dos saberes, de uma cultura geral que objetivasse o pleno

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    desabrochar da personalidade individual, era bastante estranha s concepes medievais de educao. A Idade Mdia era mais atenta s finalidades sociais desta ltima, aos usos prticos que poderiam ser fundados sobre os conhecimentos adquiridos. Os conhecimentos que os homens de saber possuam tinham sempre aplicaes prticas. Tais aplicaes geralmente no eram separveis, na mentalidade daquele tempo, da noo de servio.

    No que diz respeito ao Ocidente, o final da Idade Mdia viu, ao mesmo tempo, dois fenmenos alimentando-se um ao outro: a transformao da Igreja em uma monarquia administrativa centralizada e o nascimento dos Estados laicos modernos. No ficando satisfeita com o apoio dos grupos dominantes tradicionais, a saber, o clero e a nobreza, Igreja e Estado cada vez mais recorriam s novas categorias de servidores, cuja incondicional fidelidade se aliava a competncias tcnicas fundadas sobre o domnio do escrito e das disciplinas da cultura letrada. Essa promoo dos homens de saber naturalmente provocou o prprio crescimento de seu grupo e das instituies de ensino onde eles eram formados.36

    Sobre a relao entre o saber e o poder, Verger afirma que, primeira vista, as funes desses homens de saber eram relativamente tcnicas, correspondendo, em seu aspecto prtico, s disciplinas intelectuais anteriormente incorporadas. Mas de alguns desses pensadores esperava-se sempre que eles apresentassem por escrito, que eles julgassem, que eles administrassem. Os homens de saber redigiam cartas e ordenaes, pregavam e advogavam, dispensavam a justia, verificavam as contas ou administravam os assuntos temporais e espirituais das igrejas ou das monarquias.37

    Nas sociedades medievais, como em qualquer poca da histria, raros foram os poderes religiosos ou laicos, que no provaram a necessidade de acompanhar sua ao por certo esforo de legitimao ou justificao ideolgica. Todo tipo de meios podia ser colocado a servio da ideologia e das propagandas polticas: a arte, sob todas as suas formas, os rituais pblicos a literatura verncula, oral ou escrita, a histria. No que diz respeito Idade Mdia, foi principalmente a partir do sculo XII, que se desenvolveu a ideia de se recorrer tambm aos recursos da cultura erudita e, assim, de apelar para os homens de saber nesse esforo de produo ideolgica.

    1 LIBERA, Alain de. A filosofia Medieval. So Paulo: Loyola, 1998, p. 08.

    2 Ibid. p. 09.

    3 Ibid. p. 12.

    4 BONI, Luis Alberto De. Estudar Filosofia Medieval. In ______. Filosofia Medieval. Textos. Porto Alegre:

    EDIPUCRS, 2005. p. 8. 5 Ibid. p. 9.

    6 Ibid. pp. 10-1.

    7 SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval. Das origens patrsticas escolstica barroca. Trad.

    Fernando Salles.So Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Cincia Raimundo Llio (Ramon Llull), 2006. p. 27. 8 PALACIOS, Asn Miguel. Dante e LIslam. Volume I. Lescatologia islamica nella Divina Commedia. Parma:

    Nuova Patriche Editrice, 1994. p. 353. 9 Ibid. p. 353-4.

    10 Ibid. p. 354-5.

    11 Ibid. p. 355.

    12 Ibid.

    13 Ibid. pp. 356-7.

    14 Ibid. p. 357.

    15 LIBERA, Alain de. Pensar na Idade Mdia. Trad. Paulo Neves. So Paulo: Editora 34, 1999. p. 98.

    16 Ibid.

    17 Ibid. p. 99.

    18 Ibid. p. 99.

    19 Ibid.

    20 Ibid. p. 100.

    21 Ibid.

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    22 Ibid.

    23 Ibid.

    24 Ibid. p. 100-1.

    25 Ibid. p. 101.

    26 Ibid. p. 101.

    27 Ibid. p. 102.

    28 Ibid.

    29 LE GOFF, Jacques. Os intelectuais na Idade Mdia. Rio de Janeiro: Jos Olympo, 2003. p. 30.

    30BROCCHIERI, Mariateresa Fumagalli Beonio. O intelectual. In: LE GOFF, Jacques. O homem medieval. Lisboa: Editorial Presena, 1989. p. 125. 31Ibid. 32

    LE GOFF, Jacques (Org.).O homem medieval. Lisboa: Editorial Presena, 1989. p. 29. 33

    VERGER, Jacques. Cultura, ensino e sociedade no Ocidente nos sculos XII e XIII. Bauru, SP: EDUSC, 2001. p. 10. 34

    LE GOFF, Jacques. O homem medieval. Op. Cit. p. 21. 35

    VERGER, Jacques. Homens e saber na Idade Mdia. Bauru, SP: Edusc, 1999. p. 61. 36Ibid., p. 165. 37Ibid., p. 169.