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filosofia contemporânea carlos joão correia 2019-2020 1ºSemestre

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filosofia contemporânea

carlos joão correia2019-2020 1ºSemestre

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1. Segundo Ricoeur, a identidade pode ser pensada segundo dois modos radicalmente diferentes. Podemos pensá-la como o “mesmo” (idem, same) ou como o “próprio” (ipse, self).

2. Quando a pensamos como o “mesmo” podemos, por sua vez, querer dizer quatro coisas diferentes: a identidade numérica, a identidade como semelhança, a identidade como continuidade e a identidade como substância. Em ambos os casos, busca-se pela reidentificação do mesmo.

3. Quando a pensamos como “próprio” queremos expressar o sentimento de si que nós temos no presente, podendo, no entanto, ampliá-lo tanto para o passado como para o futuro. Para designar este novo sentido, Ricoeur designa-o como “ipseidade” (ipse), a identidade de si temporal.

4. Segundo o autor, por vezes confundimos os dois sentidos de identidade (“mesmo” e “próprio”; “mesmidade” e “ipseidade”) porque a manutenção de si temporal parece ser uma permanência substancial/numérica para lá do tempo. Ora, tanto a experiência do carácter (passado) como a fidelidade a si/promessa (futuro) exibem a experiência de si próprio em momentos temporais distintos e não tanto a preservação das mesmas propriedades. 5. Ricoeur confronta-se, em seguida, com as teses formuladas por Derek Parfit (Reasons andPersons), segundo as quais a identidade pessoal não é o que importa na acção moral visto que a ”identidade pessoal” é ambígua e, no essencial, indeterminável.

6. Para o provar, Parfit utiliza um conjunto de puzzling-cases: 1. teletransporte; 2. fissão dos hemisférios cerebrais; 3. linha geométrica bifurcada. Em todos estes casos, é impossível determinar se as novas entidades criadas são ou não as mesmas do que as originais. Conclui, assim, que a identidade pessoal não é o que importa.

7. Ricoeur confronta então os puzzling-cases com as narrativas de ficção da literatura. Nestas últimas, deparamo-nos frequentemente com situações nas quais há uma dissociação entre a identidade de si (ipseidade) e a identidade como mesmidade. A primeira revela-se na interrogação sobre o quem(quem fala? quem age? quem narra? quem é?) mesmo quando o sujeito nos diz, em situações de despojamento extremo, que não é “ninguém” (respondendo à questão, o que é?).

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"O mundo começou sem o ser humano e terminará sem ele. As instituições, oscostumes e os hábitos, que terei passado a minha vida a inventariar e acompreender, são uma florescência passageira de uma criação em relação à qualnão possuem nenhum sentido, senão, talvez, o de permitir a humanidadedesempenhar o seu papel. Longe de ser este o papel a conferir-lhe um lugarindependente, e de ser o esforço do homem - mesmo condenado - a opor-se em vãoa uma degradação universal, esse papel aparece, também, como uma máquina,talvez mais aperfeiçoada do que as outras, trabalhando para a desagregação deuma ordem original e precipitando uma matéria poderosamente organizada numainércia cada vez maior e que um dia será definitiva. (...) No entanto, existo. ...

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“...tal como o indivíduo não está só no grupo e cada sociedade não está só entre asoutras, o homem não está só no universo. Até a esse momento em que o arco-írisdas culturas humanas tiver acabado de se afundar no vazio cavado pelo nosso furor;enquanto estivermos presentes e existir um mundo - esta ligação que nos une aoinacessível permanecerá, mostrando o caminho inverso da nossa escravidão e quea contemplação - à falta de percorrê-lo - proporciona ao homem o único favor queele sabe merecer: suspender a marcha, reter o impulso que o obriga a colmatar asfendas abertas no muro da necessidade (...). Durante os breves intervalos em que anossa espécie suporta interromper a sua faina de colmeia, em captar a essência doque ela foi e continua a ser, aquém do pensamento e além da sociedade: nacontemplação de um mineral mais belo ...

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... que todas as nossas obras; no perfume mais sábio quetodos os nossos livros, respirado no âmago de um lírio ou nopiscar de olhos cheio de paciência e de serenidade e deperdão recíproco que um entendimento involuntário nospermite, por vezes, trocar com um gato.”Lévi-Strauss. Tristes Tropiques in Oeuvres. Paris: Gallimard [Pléiade]. 2008, 443-445. (trad.port.Lisboa: Ed.70, 1979, 408-410)

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Claude Lévi-Straussn. 28 de Novembro de 1908 em Bruxelas, filho de uma família francesa

Estudos em Direito e em Filosofia

Professor de Sociologia na Universidade de São Paulo[1935-1938]

Missões etnográficas no Mato Grosso/Amazónia [1935-39]

Mobilizado em França entre 1939-40; emigra para os Estados Unidos em 1941

Em Nova Iorque assiste aos cursos de Roman Jakobson [New School for Social Research]

Lecciona a cadeira de “Religiões Comparadas de Povos sem Escrita” em 1949 [EPHE]

Em 1959, torna-se Professor de Antropologia Social no Collège de France

Funda em 1961 com Émile Benveniste a revista L’Homme

Eleito em 1973 membro da Academia Francesa

m. 30 de Outubro de 2009 em Paris.

1908-2009

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La Vie familiale et sociale des Indiens Nambikwara. Paris: Société des américanistes. 1948.Les Structures élémentaires de la parenté. Paris: PUF, 1949/La Haye-Paris: Mouton. 1968.“Introduction à l'œuvre de Marcel Mauss”, in Marcel Mauss. Sociologie et anthropologie. Paris: PUF. 1950.Race et Histoire. Paris: UNESCO. 1952.Tristes Tropiques. Plon: Paris. 1955.Anthropologie structurale. 2 vols. Paris: Plon. 1958Le Totémisme aujourd'hui. Paris: PUF., 1962.La Pensée sauvage. Paris: Plon. 1962.Mythologiques. I : Le Cru et le cuit. Paris: Plon. 1964.Mythologiques. II : Du miel aux cendres. Paris: Plon. 1967.Mythologiques. III : L'Origine des manières de table. Paris: Plon. 1968.Mythologiques. IV : L'Homme nu. Paris: Plon. 1971.Anthropologie structurale II. Paris: Plon. 1973.La Voie des masques. Paris: Plon. 1979.Myth and Meaning, Londres: Routledge & Kegan Paul. 1978.Le Regard éloigné. Paris: Plon. 1983.La Potière jalouse. Paris: Plon. 1985.Histoire de Lynx. Paris: Pocket. 1991. Regarder écouter lire. Paris: Plon. 1993. Saudades do Brasil. Paris: Plon. 1994. L'Anthropologie face aux problèmes du monde moderne. Paris: Le Seuil. 2011.L’Autre Face de la lune. Écrits sur le Japon. Paris: Le Seuil. 2011.Nous sommes tous des cannibales, Paris: Seuil, 2013.

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“A minha mãe contou-me que, quando eu tinha cerca de doisanos e era obviamente incapaz de ler, afirmei que era defacto capaz de o fazer. E, quando me perguntaram porquê,disse que, ao olhar para as tabuletas das lojas – por exemploboulanger (padeiro) ou boucher (talho) –, era capaz deentender qualquer coisa porque aquilo que era obviamentesemelhante dum ponto de vista gráfico não poderia ter naescrita outro significado senão «bou», a primeira sílabacomum a boulanger e a boucher. É provável que não hajamuito mais que isto na abordagem estruturalista; é a buscade invariantes ou de elementos invariantes entre diferençassuperficiais.”Lévi-Strauss. Myth and Meaning. New York: Schocken Books. 19792, 8 (trad.port. Lx: Ed.70. 1979, 20).

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“Como adolescente, gastei grande parte do meu tempo livredesenhando fatos e cenários para a ópera. Aqui também oproblema é exactamente o mesmo – tentar exprimir numalinguagem, isto é, na linguagem das artes gráficas e da pintura,algo que também existe na música e no libretto; ou seja, tentarexprimir a propriedade invariante de um variado e complexoconjunto de códigos (o código musical, o código literário, o códigoartístico). O problema é descobrir aquilo que é comum a todos. Éum problema, poder-se-ia dizer, de tradução, de traduzir o queestá expresso numa linguagem – ou num código, se se preferir,mas linguagem é suficiente – numa expressão de uma linguagemdiferente.”Lévi-Strauss. Myth and Meaning. New York: Schocken Books. 19792, 8-9 (trad.port. Lx: Ed.70. 1979, 20-21).

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“O estruturalismo, ou o que quer que se designe por este nome, temsido considerado como algo completamente novo e revolucionáriopara a época [anos 60]; ora, isto é, a meu ver, (…) falso. (..) A ciênciaapenas tem dois modos de procedimento: ou é reducionista ou éestruturalista. É reducionista quando descobre que é possível reduzirfenómenos muito complexos, num determinado nível, a fenómenosmais simples, noutros níveis. Por exemplo, há muitas coisas na vidaque podem ser reduzidas a processos físico-químicos, que explicamparcialmente essas coisas, mas não totalmente. E, quando somosconfrontados com fenómenos demasiado complexos para seremreduzidos a fenómenos de ordem inferior, só os podemos abordarestudando as suas relações internas, isto é, tentando compreender quetipo de sistema original formam no seu conjunto. Isto é precisamente oque tentámos fazer na Linguística, na Antropologia e em muitos outroscampos.”Lévi-Strauss. Myth and Meaning. New York: Schocken Books. 19792, 9-10 (trad.port. Lx: Ed.70. 1979, 21-22).

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“Segundo penso, é absolutamente impossível conceber o significado[meaning] sem ordem. Há uma coisa muito curiosa na semântica, éque a palavra «significado» é provavelmente, em toda a língua, apalavra cujo significado é mais difícil de encontrar. Que é quesignifica o termo «significar»? Parece-me que a única resposta quese pode dar é que «significar» significa a possibilidade de qualquertipo de informação ser traduzida numa linguagem diferente. Não merefiro a uma língua diferente, como o francês ou o alemão, mas adiferentes palavras num nível diferente. No fim de contas, estatradução é a que se espera de um dicionário (…) E porque não sepode substituir uma palavra por qualquer outra palavra, ou uma frasepor qualquer outra frase (arbitrárias), tem de haver regras detradução. Falar de regras e falar de significado é falar da mesmacoisa”Lévi-Strauss. Myth and Meaning. New York: Schocken Books. 19792, 12 (trad.port. Lx: Ed.70. 1979,24).

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“A maneira de pensar dos povos a que normalmente, e erradamente,chamamos «primitivos» – chamemos-lhes antes «povos sem escrita», porque,segundo penso, este é que é o factor discriminatório entre eles e nós – temsido interpretada de dois modos diferentes, ambos errados na minha opinião.O primeiro considera que tal pensamento é de qualidade mais grosseira doque o nosso, e na Antropologia contemporânea o exemplo que nos vemimediatamente à ideia é Malinowski. […] Contudo, Malinowski tinha asensação de que o pensamento do povo que estudava – e, de uma maneirageral, o pensamento de todas as populações sem escrita que eram o objectode estudo da Antropologia – era determinado inteiramente pelas necessidadesbásicas da vida. Se se souber que um povo, seja ele qual for, é determinadopelas necessidades mais simples da vida – encontrar subsistência, satisfazeras pulsões sexuais e assim por diante-, então está-se apto a explicar as suasinstituições sociais, as suas crenças, a sua mitologia, etc. Esta concepção,que se encontra muito difundida, tem geralmente, na Antropologia, adesignação de funcionalismo."Lévi-Strauss. Myth and Meaning. New York: Schocken Books. 19792, 15-16 (trad.port. Lx: Ed.70. 1979,29-30).

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“O outro modo de encarar o pensamento «primitivo» – em lugar desublinhar que é um tipo de pensamento inferior, como o faz aprimeira interpretação – afirma que é um tipo de pensamentofundamentalmente diferente do nosso. Esta abordagem à questãoconcretiza-se na obra de Lévy-Bruhl, que considerou que a diferençabásica entre o pensamento «primitivo» – ponho sempre a palavra«primitivo» entre aspas – e o pensamento moderno reside em que oprimeiro é completamente determinado pelas representaçõesmísticas e emocionais. Enquanto a concepção de Malinowski éutilitária, a de Lévy-Bruhl é uma concepção emocional ou afectiva.”Lévi-Strauss. Myth and Meaning. New York: Schocken Books. 19792, 16 (trad.port. Lx: Ed.70. 1979,30).