F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L....

57
c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸ ao. O Electromagnetismo ´ e a parte da F´ ısica que se ocupa das interac¸ oes entre part´ ıculas carregadas. A estrutura da mat´ eria e muitos processos biol´ ogicos ao determinados por este tipo de interac¸ oes. A nossa sociedade est´ a tamb´ em muito dependente das propriedades das cargas em movimento: sem electri- cidade, quase nada funciona! Michael Faraday (1791-1867), um f´ ısico auto- didacta, que come¸ cou por ser encadernador e aprendeu muito lendo os livros que lhe davam para encadernar, foi contratado para a Royal Institution, em Londres, para descobrir maneiras de obter vidros mais perfeitos. Na altura, os m´ etodos de fabrica¸ ao do vidro conduziam a vidros com bolhas de ar e outras imperfei¸ oes que tornavam dif´ ıcil a aplica¸ ao a lentes. Mas aquilo que Michael Faraday gostava realmente de investigar, e que no princ´ ıpio s´ o con- seguia fazer nas horas vagas, era o electromagnetismo. As suas investiga¸ oes permitiram perceber a liga¸ ao ´ ıntima que existe entre o campo el´ ectrico e o campo magn´ etico, pelo que ele deve ser considerado o fundador do electro- magnetismo. As aplica¸ oes do electromagnetismo na sociedade actual n˜ ao podem ser subestimadas, por exemplo, as correntes el´ ectricas s˜ ao fundamentais para fazer funcionar o cada vez maior n´ umero de m´ aquinas que temos em casa. Mas a atrac¸ ao e repuls˜ ao entre corpos carregados tˆ em muitas outras aplica¸ oes industriais, como nas fotocopiadoras e impressoras. 2 Carga el´ ectrica. a os Gregos antigos sabiam que se se esfregasse um peda¸ co de ˆ ambar, este levantaria pedacinhos de palha. a uns 200 anos tornou-se claro que h´ a dois tipos de cargas, a que se convencionou chamar positivas e negativas. As designa¸ oes “positiva” e “negativa” e os sinais das cargas foram escolhidos arbitrariamente por Benjamin Franklin (1706-1790).

Transcript of F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L....

Page 1: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1

Fısica Geral II - Electromagnetismo

1 Introducao.

O Electromagnetismo e a parte da Fısica que se ocupa das interaccoes entrepartıculas carregadas. A estrutura da materia e muitos processos biologicossao determinados por este tipo de interaccoes. A nossa sociedade esta tambemmuito dependente das propriedades das cargas em movimento: sem electri-cidade, quase nada funciona! Michael Faraday (1791-1867), um fısico auto-didacta, que comecou por ser encadernador e aprendeu muito lendo os livrosque lhe davam para encadernar, foi contratado para a Royal Institution, emLondres, para descobrir maneiras de obter vidros mais perfeitos. Na altura,os metodos de fabricacao do vidro conduziam a vidros com bolhas de ar eoutras imperfeicoes que tornavam difıcil a aplicacao a lentes. Mas aquilo queMichael Faraday gostava realmente de investigar, e que no princıpio so con-seguia fazer nas horas vagas, era o electromagnetismo. As suas investigacoespermitiram perceber a ligacao ıntima que existe entre o campo electrico e ocampo magnetico, pelo que ele deve ser considerado o fundador do electro-magnetismo.

As aplicacoes do electromagnetismo na sociedade actual nao podem sersubestimadas, por exemplo, as correntes electricas sao fundamentais parafazer funcionar o cada vez maior numero de maquinas que temos em casa.Mas a atraccao e repulsao entre corpos carregados tem muitas outras aplicacoesindustriais, como nas fotocopiadoras e impressoras.

2 Carga electrica.

Ja os Gregos antigos sabiam que se se esfregasse um pedaco de ambar, estelevantaria pedacinhos de palha. Ha uns 200 anos tornou-se claro que hadois tipos de cargas, a que se convencionou chamar positivas e negativas. Asdesignacoes “positiva” e “negativa” e os sinais das cargas foram escolhidosarbitrariamente por Benjamin Franklin (1706-1790).

Page 2: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 2

Na epoca de Franklin pensava-se que a corrente electrica era um fluxocontınuo. Ainda no princıpio do seculo vinte muitos cientistas nao acredi-tavam na hipotese atomica. Agora sabemos que a materia e discreta, que efeita de atomos, e tambem que a carga electrica e quantificada e nao vem emquantidades menores que um electrao. As correntes que alimentam objectoscomo uma lampada, envolvem 1019 destas cargas elementares e por isso ocaracter quantificado da carga electrica nao tem grande importancia para adescricao do seu funcionamento. Por outro lado, nos sistemas biologicos, osprocessos que envolvem transferencia de carga sao quase sempre em termosde quantidades pequenas, ou de ioes que passam de um lado para outro deuma membrana, ou de electroes que sao transferidos de uma molecula paraoutra.

Enquanto o electrao e a menor quantidade de carga negativa, o protaoconstitui carga positiva elementar e a materia e neutra porque e formadapor numeros iguais de electroes e protoes. Por exemplo, os atomos sao for-mados por nucleos, os quais sao positivos porque sao formados por protoese partıculas nao carregadas, chamadas neutroes, a volta dos quais orbitamelectroes. O conjunto do nucleo com os electroes a volta e neutro. O atomode hidrogenio e o unico que nao inclui neutroes, sendo formado por um protaoe um electrao.

A carga electrica constitui uma grandeza fısica com uma natureza propriae nao e redutıvel as grandezas mecanicas (massa, espaco e tempo) ou ter-modinamicas (temperatura, pressao, etc). A sua unidade no sistema SI eo coulomb. Por razoes que tem a ver com a precisao das medidas (e maisfacil medir uma corrente do que medir cargas elementares), a unidade decarga define-se a partir da unidade de corrente, o ampere: 1 coulomb e aquantidade de carga que e transferida atraves de uma seccao de um fio numsegundo quando nele flui uma corrente de 1 ampere. Em coulomb, a cargade um electrao e:

e = −1.602 × 10−19 C (1)

3 Condutores e isoladores.

Nalguns materiais, como os metais, a agua da torneira e o corpo humano,parte da carga negativa pode mover-se mais ou menos livremente. Chamamos

Page 3: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 3

a estes materiais condutores. Noutros materiais, como o vidro, a agua des-tilada e o plastico, nenhuma carga se pode mover livremente. Chamamos aestes materiais nao condutores ou isoladores.

Nos condutores, como o cobre, acontece o seguinte. Quando os atomos decobre se ligam para formar uma fase solida, alguns dos electroes das ultimascamadas, que estao menos ligados ao nucleo, libertam-se dos atomos de quefazem parte e deslocam-se livremente pelo solido. Estes electroes chamam-se electroes de conducao. Um nao condutor tem muito poucos ou nenhumdestes electroes.

Semicondutores, como o silıcio e o germanio, sao materiais que tem pro-priedades condutoras intermedias entre os condutores e os isoladores. Amicroelectronica, que e usada nos computadores que tanto mudaram a vidanas ultimas decadas, e baseada nos semicondutores.

Ha tambem outros materiais, chamados supercondutores, que nao ofere-cem qualquer resistencia a passagem da corrente. Os condutores, de maneirageral, apresentam resistencia a corrente electrica. Esta resistencia e devidaa agitacao constante em que se encontram os atomos de qualquer material,a temperatura finita. Nos supercondutores a corrente electrica flui sem re-sistencia nenhuma. As correntes nos condutores subsistem apenas enquantoeles estao ligados a uma bateria. A bateria fornece energia de forma cons-tante, a qual e necessaria para compensar a perda de energia permanente,devida a resistencia. Nos supercondutores, depois de gerarmos uma corrente,ela mantem-se indefinidamente, mesmo na ausencia de qualquer bateria. Taismateriais sao muito cobicados porque precisam de muito pouca energia paratrabalharem.

A supercondutividade foi descoberta por Heike Kammerling Onnes (1853-1926), quando este estudava a variacao da resistencia do mercurio solido coma temperatura. Ele esperava que a medida que a temperatura fosse diminuin-do, a resistencia aumentasse, porque pensava que o movimento dos electroesdeveria diminuir com a temperatura. Foi uma grande surpresa quando eleverificou, que em vez de aumentar, abaixo de 4.2 K, a resistencia se tornavanula (ou melhor, nao detectavel). O problema continua a ser que e preciso ar-refecer os materiais a temperaturas muito baixas para obter supercondutores.Nos ultimos anos foi possıvel obter outros materiais que sao supercondutores

Page 4: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 4

a temperaturas mais altas (50-150 K, 160 K a 106 atmosferas) mas o que sepretende realmente sao materiais supercondutores a temperatura ambiente.

4 Conservacao da carga.

Podemos carregar um objecto de vidro esfregando-o com um pedaco de seda.O objecto de vidro fica carregado positivamente, enquanto a seda fica car-regada negativamente. Isto acontece porque houve electroes que fluiram dovidro para a seda. Ou seja, a carga nao pode ser criada, so pode ser trans-ferida de uma regiao para outra. Este e mais um princıpio de conservacao,o Princıpio de Conservacao da Carga Electrica, que foi proposto primeira-mente por Franklin e que tem sido essencialmente provado como verdadeiro,tanto em processos macroscopicos, como em processos microscopicos, queenvolvem atomos, nucleos e partıculas elementares.

Por exemplo, no declınio radioactivo, quando o Uranio-238 decai para oTorio-234, por emissao α (ou seja, por emissao de um nucleo de Helio):

23892 U ⇒234

90 Th +42 He.

Se nos contarmos o numero de protoes antes e depois desta reaccao nucleartemos: o atomo de Uranio, com um numero atomico Z=92, tem 92 protoes.A partıcula α emitida tem Z=2, e um atomo de Helio ionizado, com 2 protoese o nucleo filho, constituıdo pelo atomo de Torio, com um numero atomicoZ=90, e formado por 90 protoes. Assim, a carga total dos nucleos depois dodecaımento continua a ser 92 protoes.

Um caso que a partida pode parecer violar o princıpio de conservacaoda carga e a criacao e aniquilacao de partıculas. Voces ja devem ter ouvidofalar da antimateria. Cada partıcula elementar tem a sua correspondenteantipartıcula. Assim, o electrao tem uma antipartıcula, que e o positrao. Opositrao tem uma massa igual a do electrao, e em tudo igual ao electrao,menos na carga, que e igual em modulo, mas de sinal diferente. Quando umapartıcula choca com a sua antipartıcula, pode acontecer que elas se aniquilemuma a outra, levando a criacao de energia:

e− + e+ ⇒ γ

Page 5: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 5

Pode a primeira vista parecer que este processo viola o princıpio da con-servacao de carga, porque no inıcio do processo temos duas partıculas car-regadas e no fim temos so energia. Mas se contarmos a carga total antese depois do processo, no princıpio temos uma carga total nula e no fimtemos a mesma coisa, pelo que a carga total se conservou neste processo. Aeste processo chama-se aniquilacao. Existe tambem o processo inverso emque um fotao (radiacao electromagnetica) de alta energia, ao atravessar amateria, cria um par electrao-positrao. Estes processos chamam-se processosde criacao de pares electrao-positrao. Eles podem-se observar numa camarade bolhas, porque as partıculas carregadas ionizam a materia por onde pas-sam e as regioes ionizadas agem como nucleos para a condensacao da agua.

5 Forca de Coulomb.

Um princıpio fundamental e tambem que cargas de sinal contrario se atraeme cargas de sinal igual repelem-se. A lei que descreve a forca de interaccaoentre partıculas carregadas em repouso chama-se lei de Coulomb, em honrado fısico frances Charles Augustin de Coulomb (1736-1806) que fez um estudointensivo dessas forcas em 1785, usando uma balanca de torsao semelhantea usada por Henry Cavendish (1731-1810) no estudo da forca gravitacional.O resultado e que a forca que a carga q1 exerce sobre a carga q2 e dada por:

~FE = Kq1 q2

r212

~e12 (2)

onde r12 e a separacao entre as cargas, ~e12 e um vector unitario (versor)que indica a direccao da carga 1 para a carga 2 e K e chamada a constanteelectrostatica. O ponto de aplicacao desta forca e na carga 2, mas a forca edevida a presenca da carga 1.

A forca electrostatica entre duas cargas (2) e analoga a forca gravita-cional, se as cargas forem substituıdas pelas massas e K for substituıda pelaconstante gravitacional. A constante K escreve-se tambem como:

K =1

4 π ε0

= 8.99 × 109 Nm2/C2 (3)

onde ε0 e a permitividade electrica do vacuo:

ε0 = 8.85× 10−12 C2/Nm2. (4)

Page 6: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 6

A permitividade electrica do ar e aproximadamente igual a do vacuo.Quando as partıculas se encontram noutro meio, fica:

K =1

4 π ε(5)

onde ε e a permitividade electrica desse meio.

Aplicacao.

Consideremos dois ioes de sodio no ar a distancia de 100 A. Qual a forca deinteraccao entre eles? Ja estudamos duas possibilidades: a forca gravitacionale agora a forca electrica. Vamos calcular estas duas forcas. A forca (deatraccao) gravitacional entre dois ioes de sodio e:

FG = Gm2

Na

r2= 6.67 × 10−11 (22.99 × 1.66× 10−27)2

(100 × 10−10)2≈ 10−42 N (6)

Por outro lado usando (2) determinamos que a forca (de repulsao) electricae:

FE = 8.99 × 109 (1.602 × 10−19)2

(100 × 10−10)2≈ 10−12N (7)

Ou seja, vemos que a forca electrica entre dois ioes sodio e 30 ordens degrandeza maior que a forca gravitacional. Por isso, as forcas gravitacionaisentre objectos carregados podem-se desprezar. Por outro lado, quando con-sideramos massas macroscopicas, como a Terra, a Lua ou o Sol, que saoglobalmente neutras, sao as forcas gravitacionais que prevalecem e os seusmovimentos sao regulados pelas forcas gravitacionais. Assim, enquanto a es-trutura da materia e regulada pelas forcas electricas, a estrutura do Universoe regulada pelas forcas gravitacionais.

6 O Princıpio de sobreposicao.

Se tivermos nao uma, mas varias cargas electricas, podemos calcular as forcasque elas exercem umas sobre as outras considerando que elas interagem se-paradamente, duas a duas. Assim, a forca electrica que actua sobre a cargaq, devida a presenca das cargas q1, q2, q3, q4, etc, e a soma das forcas ~F1, ~F2,~F3, ~F4, etc:

~Ftot = ~F1 + ~F2 + ~F3 + ~F4 + · · · (8)

Page 7: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 7

onde, para cada uma das forcas, ~Fi, se aplica a expressao da forca de Coulomb(2). A equacao acima traduz o chamado Princıpio de sobreposicao das forcaselectricas e diz-nos que a forca total resulta da sobreposicao linear das forcasindividuais, devidas a cada uma das cargas. As forcas sao vectores e portantoesta soma e uma soma vectorial, ou seja, o modulo da soma nao e, em geral,igual a soma dos modulos de cada uma das forcas.

7 O campo electrico

Quando se aproximam duas cargas e elas interagem pela forca de Coulomb(2), como e que elas sabem da existencia uma da outra, nao estando em con-tacto directo? Esta mesma questao ja tinha sido considerada por Newton aoestudar a forca gravitacional, a qual pode interagir atraves de vastas regioesde espaco vazio. Tao longe, que um objecto pode comecar a sentir o efeitodessa forca muito antes de poder ver o objecto que a cria. E a chamadaaccao a distancia, que e explicada em termos da existencia de um campocriado pelas cargas. O conceito de campo e um conceito misterioso do pontode vista fısico porque significa que o efeito das cargas nao fica confinadoao local onde elas se encontram ou ao volume que ocupam, como no casodos choques mecanicos entre partıculas, mas estende-se por toda a regiao doespaco a volta delas. Mas, embora do ponto de vista fısico nao seja muitofacil perceber como e que isto acontece, do ponto de vista matematico haformalismos bem definidos para descrever campos e as suas propriedades.

Ja vimos uns exemplos de campo, por exemplo, a pressao. Numa sala,a pressao tem um certo valor medio. Isso quer dizer que podemos tomar asvarias regioes dessa sala e atribuir-lhes um valor para a pressao. No casodessa sala, essa pressao e aproximadamente igual em todos os pontos. Doponto de vista matematico, o volume ocupado por essa sala e um campo depressoes uniforme. Na atmosfera terrestre, ou seja, numa camada esfericaa certa distancia da superfıcie terrestre, a pressao nao e igual em todos ospontos. Sao estes gradientes de pressao que geram os ventos e contribuempara as variacoes climatologicas. A este conjunto de pontos, cada um dosquais com certo valor da pressao, chama-se um campo de pressoes. Como apressao e um escalar, o campo das pressoes e um campo escalar.

Page 8: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 8

Da mesma forma, o campo electrico criado por uma carga e o conjuntode valores que o campo electrico assume na regiao do espaco a volta dessacarga. Como o campo electrico e um vector, em cada ponto do espaco vaiestar definido um vector que e o valor do campo electrico nesse ponto. Pode-mos entender a accao a distancia implicita na forca electrostatica entre duascargas (2) da forma seguinte: dizemos que uma carga, q1, cria um campoelectrico no espaco. Esse campo representa uma especie de zona de influenciacriada pela carga q1. Quando se insere uma outra carga, q2, nesse campo,o campo vai exercer sobre a carga q2 uma forca que, em qualquer ponto docampo, e inversamente proporcional ao quadrado da distancia entre as duas.Este campo e o campo electrico criado pela carga q1. Dizemos que q1 e afonte do campo. O campo electrico no ponto P2, ~E, onde se encontra a cargaq2, define-se como a forca electrica por unidade de carga:

~E =~FE

q2

(9)

7.1 Linhas equipotenciais e linhas de campo.

Como se faz a visualizacao de um campo electrico? Quando assistem aosboletins meteorologicos voces veem representacoes graficas do campo dapressao atmosferica. Os mapas mostram as chamadas linhas equipotenciaisda pressao, que se obtem ligando os pontos que estao todos a mesma pressao.Quando completo, esse mapa mostra as regioes onde a pressao e alta e onde apressao e baixa. Podemos desenhar estes mapas porque a pressao varia semgrandes descontinuidades de ponto para ponto. Em geral, a forca electrica eo campo electrico variam tambem de forma contınua de ponto para ponto.Mas ha uma diferenca fundamental entre o campo das pressoes e o campoelectrico: a pressao e uma quantidade escalar e o campo electrico e umaquantidade vectorial. No caso do campo electrico, ou da forca, nao so temosuma intensidade em cada ponto, mas tambem um sentido e uma direccao.Faraday, que introduziu a ideia de campos para descrever as interaccoes entrepartıculas carregadas no seculo 19, pensava no espaco a volta de um corpocarregado como cheio das chamadas linhas de forca. Agora preferimos falarde linhas de campo. Como contruımos as linhas de campo?

Suponhamos que queremos representar a forca electrica devida a uma

Page 9: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 9

carga negativa −Q medindo essa forca com uma carga de prova1. Como acarga de prova e positiva, a carga de prova e atraıda pela carga que cria ocampo. As linhas de forca sao radiais, dirigindo-se todas para o local onde seencontra a carga. No caso de uma carga positiva, as linhas de forca tem aindaa mesma direccao radial, mas tem um sentido inverso, dirigindo-se para forada carga. Como se pode ver pela definicao de campo electrico (9), as linhasde campo sao colineares com as linhas de forca e como a carga de prova epositiva, tem tambem a mesma direccao (ver Figura 1). A direccao destaslinhas e igual a da forca em cada ponto (ver figura 1).

Figure 1: Linhas de forca ou linhas de campo (a) a volta de uma carganegativa e (b) a volta de uma carga positiva. A densidade das linhas diminuicom o quadrado da distancia a carga fonte.

Para cargas isoladas, as linhas de forca prolongam-se ate ao infinito ouvem do infinito. Mas como a materia e neutra, nao ha cargas isoladas, peloque as linhas de campo tem um princıpio e um fim. Consideremos o caso emque temos dois objectos, um carregado positivamente e outro carregado ne-gativamente. Para esta configuracao de cargas as linhas de campo sao comomostra a figura 2: nascem na carga positiva e acabam na carga negativa.Esta observacao e valida nao so para a configuracao da figura 2 como paraqualquer outra configuracao. De modo geral, se as linhas de campo foremrectilınias a sua direccao e a direccao do campo em cada ponto. Se as linhas

1Uma carga de prova e uma carga hipotetica, pontual, sempre positiva, que e suficien-temente pequena para nao alterar o campo.

Page 10: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 10

forem curvas, a tangente as curvas em cada ponto da a direccao do campoelectrico nesse ponto. A intensidade do campo numa regiao e proporcionalao numero de linhas de campo numa area perpendicular a direccao das linhasde campo.

Figure 2: As linhas do campo electrico comecam na carga positiva e terminamna carga negativa.

Os campos electricos estao longe de ser uma abstraccao matematica: epossıvel visualiza-los usando limalha de ferro ou ate sementes. Quando sub-metidas a um campo electrico, as cargas positivas vao sofrer uma forca numsentido e as cargas negativas vao sofrer uma forca em sentido contrario. Porcausa desta separacao de cargas a semente fica com um lado positivo e ooutro negativo. A este processo chama-se polarizacao. Uma vez polarizadas,as partıculas alinham-se segundo a direccao do campo e tornam visıveis as lin-has de campo. A figura 3 mostra as linhas de campo para varias distribuicoesde carga.

7.2 Campo Electrico de uma carga pontual.

O campo electrico criado por uma carga pontual, q1, no ponto 2, pode obter-se colocando uma carga de prova, q2, nesse ponto e medindo a forca deCoulomb que a carga q1 exerce sobre a carga q2. Da expressao (2) e daexpressao do campo electrico (9), fica:

~E = Kq1

r212

~e12 (10)

Page 11: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 11

Figure 3: Linhas do campo electrico em torno de (a) duas cargas de sinaligual, (b) duas cargas de sinal oposto, (c) um anel carregado (note que ocampo dentro do anel e nulo), (d) um condutor carregado de forma arbitraria,(e) uma placa carregada e (f) um par de placas de carga igual, distribuidauniformemente e sinal contrario.

temos assim o campo electrico, no ponto P2, criado por uma carga, q1, situadano ponto P1. Do princıpio de sobreposicao para as forcas electrostaticas pode-

Page 12: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 12

mos deduzir o princıpio de sobreposicao para os campos electricos. Sendo ~E1,~E2, ~E3, · · ·, ~En, os campos criados por n cargas diferentes, separadamente,o campo total, ~E criado por essa distribuicao de cargas e:

~E = ~E1 + ~E2 + ~E3 + · · ·+ ~En (11)

7.3 Campo criado por um dipolo.

Uma das distribuicoes de carga mais simples em que podemos pensar e aformada por uma carga positiva e uma carga negativa, iguais em modulo.Chamamos dipolo a esta configuracao e ao campo electrico criado por elachamamos campo dipolar. Podemos calcular o campo dipolar usando oprincıpio de sobreposicao e calculando primeiro os campos electricos cria-dos pela carga positiva e negativa, separadamente. Para isso consideremosum ponto P a uma distancia z do centro do dipolo (carga negativa abaixoda carga positiva, z e a distancia ao centro do dipolo, r e a distancia a cargapositiva). Assim temos:

~E = ~E+ + ~E− = Kq

r2~j −K

q

(r + d)2~j = Kq

(1

(z − d2)2− 1

(z + d2)2

)~j (12)

ou

~E = Kq

z2

(1− d

2z

)−2

−(

1 +d

2z

)−2~j (13)

Considerando o desenvolvimento em serie de McLaurin:

f(x) = f(0) + f ′(0) x +1

2f ′′(0) x2 + · · · (14)

para a funcoes (1± x)−2, onde x = d2z

, temos:

f(0) = 1 ; f ′(x) = ∓2 (1± x)−3 ; f ′′(x) = +2× 3 (1± x)−4

ou seja,f ′(0) = ∓2 ; f ′′(0) = +6

fica:

(1± d

2z)−2 = 1∓ d

z+ 3

(d

2z

)2

+ · · · (15)

Page 13: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 13

e temos, ate a terceira potencia de d2z

:

(1− d

2z

)−2

−(

1 +d

2z

)−2

= 2d

z(16)

o que, substituıdo na expressao (13), fica:

~E = Kq

z2

2 d

z~j = 2 K

q d~j

z3=

1

2πε0

~p

z3(17)

O vector ~p = q d~j e o momento electrico dipolar. Trata-se de um vector quese dirige da carga negativa para a carga positiva e que tem a direccao do eixodo dipolo. O campo electrico criado pelo dipolo ou campo electrico dipolar eproporcional a intensidade do momento electrico dipolar, ou seja, ao produtode q por d. Se a dimensao do dipolo aumentar de um certo factor e a cargadiminuir do mesmo factor, o campo dipolar nao se altera.

A expressao (17) tem varias limitacoes, ja que foi deduzida para pontosno eixo do dipolo e suficientemente afastados dele para o desenvolvimentoem serie de Taylor ser valido. Mas pode-se provar que o campo electricode um dipolo e inversamente proporcional ao cubo da distancia, em todosos pontos, onde a distancia e a distancia ao centro do dipolo. Notar que ocampo criado por uma carga varia proporcionalmente ao inverso do quadradoda distancia e portanto decresce muito mais devagar que o campo dipolar.A grandes distancias, um dipolo parece um conjunto de duas cargas iguaisem modulo e de sinal diferente que quase coincidem. Os campos criados porelas sao quase iguais e opostos, mas nao se cancelam completamente.

8 Campo de uma distribuicao contınua de

cargas.

Ja dissemos que as cargas electricas nao ocorrem em quantidades menoresque a carga de um electrao. Mas, em certas distribuicoes, que envolvemum grande numero de cargas, podemos ignorar o caracter descontınuo dadistribuicao e trata-la como se fosse contınua. As distribuicoes contınuas saodescritas por funcoes densidade de carga. Vamos ver como se calculam oscampos electricos criados por distribuicoes contınuas.

Page 14: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 14

8.1 Campo electrico de um anel carregado.

No caso de uma distribuicao de carga ao longo de um condutor unidimen-sional podemos definir a carga por unidade de comprimento, λ = q/L, ondeq e carga total do condutor e L o seu comprimento. Consideremos uma dis-tribuicao de carga contınua, positiva e uniforme, num anel fino de raio R.Qual e o campo electrico num ponto P ao longo do eixo do anel e a distanciaz do plano do anel? Nao podemos aplicar a lei (10) directamente porque naotemos so uma carga. Mas podemos dividir o anel em elementos diferenciaistao pequenos que eles se comportem como cargas pontuais e aplicar (10) acada um deles. Vemos que para cada elemento do anel existe um elementodirectamente oposto (a 180 graus) que cria um campo igual em modulo mascom uma projeccao sobre o plano contraria. Assim, por simetria, podemosconcluir que as componentes do campo no plano do anel se anulam e que aunica componente nao nula do campo vai ser segundo o eixo do anel. Sendoλ a densidade de carga num elemento do anel, a carga desse elemento e:

d q = λ d s (18)

Podemos considerar este elemento de carga como uma carga pontual e aplicarao campo por ele criado a expressao (10):

d ~E =1

4 π ε0

dq

r2(cos θ ~k + sin θ ~er) =

1

4 π ε0

λ d s

r2(cos θ ~k + sin θ ~er) (19)

onde ~k e o versor do eixo do anel (assumindo que o sentido positivo e paracima) e ~er e o versor que indica a direccao radial no plano do anel. Como vi-mos, as componentes do campo electrico perpendiculares ao eixo do anel paraelementos directamente opostos, anulam-se mutuamente pelo que a unicacomponente nao nula e segundo o eixo do anel. O modulo dessa componentee:

| ~E| =∣∣∣∣∫

aneld ~E

∣∣∣∣ = ∫anel/2

2 |d ~E| =∫ πR

02

1

4 π ε0

λ cos θ

r2d s (20)

(Notemos que em geral o modulo do integral nao e igual ao integral domodulo, tal como o modulo de uma soma de vectores nao e igual a soma dosmodulos de cada um deles. Mas como neste caso todos os vectores tem amesma direccao e sentido, o modulo da soma (o modulo do integral) e iguala soma dos modulos (o integral do modulo)).

Page 15: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 15

A funcao integranda e constante ao longo do perımetro da circunferenciapelo que a podemos passar para fora do integral e fica:

| ~E| = 1

4 π ε0

2 λ cos θ

r2

∫ πR

0d s =

1

4 π ε0

λ cos θ

r22πR (21)

Como podemos escrever cos θ = z/r e r =√

R2 + z2, obtemos finalmente:

| ~E| = λR

2ε0

z

(z2 + R2)3/2=

1

4 π ε0

q z

(z2 + R2)3/2(22)

onde q = λ 2πR e a carga total no anel. Se a carga no anel for negativa, emvez de ser positiva, o modulo do campo e a direccao do campo sao os mesmosmas o sentido e contrario e o campo aponta para o anel, em vez de apontarpara fora do anel.

Num ponto do eixo que esteja suficientemente longe do centro do anelz >> R e a expressao do campo fica:

| ~E| = 1

4 π ε0

q

z2(23)

o que quer dizer que a grande distancias o anel de carga cria um campoidentico ao de uma carga pontual com a mesma carga. Isso e natural porquea grande distancia, um anel e indistinguıvel de uma carga pontual.

No centro do anel, para z = 0, concluımos que o campo e nulo. Tambempodemos concluir isto da simetria do problema, visto que no centro do anel,so as componentes radiais criadas por cada elemento sao nao nulas, mas elasanulam-se aos pares.

8.2 Campo electrico de um disco carregado.

Consideremos um disco de raio R carregado positivamente e seja σ = Q/A acarga por unidade de area, ou densidade superficial de carga. A carga totaldo disco pode escrever-se:

q =∫area

σ dS (24)

Qual o campo electrico num ponto, P , situado a distancia, z, do eixo dodisco? Podemos usar o resultado obtido antes e considerar o disco como

Page 16: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 16

um conjunto de aneis concentricos, de raio variavel. A carga num elementodiferencial de area e:

dq = σ dS (25)

Escrevendo o elemento diferencial de area como dS = 2πr dr e substituindoa carga total no anel por dq, o campo electrico d ~E criado por este elementode carga superfıcial e:

d ~E =1

4 π ε0

dq z

(z2 + r2)3/2~k =

1

4 π ε0

σ 2πr zdr

(z2 + r2)3/2~k =

σz

4ε0

2r dr

(z2 + r2)3/2~k (26)

Nesta expressao a variavel ao longo da qual queremos integrar e r, o raio doanel, que vai variar de 0 a R, por forma a gerar o disco. O campo electricogerado por cada um dos aneis e segundo o eixo dos zz e, se a carga no anelfor positiva, e segundo o sentido positivo desse eixo. Assim, podemos maisuma vez calcular o modulo do campo electrico total a partir do integral domodulo:

| ~E| =∫|d ~E| = σz

4ε0

∫ R

0

2r

(z2 + r2)3/2dr (27)

Para fazer esta integracao queremos uma primitiva da funcao integranda. Efacil ver que:

P

[2r

(z2 + r2)3/2

]=

−2

(z2 + r2)1/2(28)

O campo electrico ao longo do eixo do disco fica:

| ~E| = −2σz

4ε0

[1

(z2 + r2)1/2

]R

0

= − σz

2ε0

(1√

z2 + R2− 1

z

)=

σ

2ε0

(1− z√

z2 + R2

)(29)

Se fizermos R ⇒∞ mantendo z finito, o segundo termo de entre parentesistende para zero e o campo electrico fica:

| ~E| = σ

2ε0

(30)

que corresponde ao campo criado por uma superfıcie plana infinita com umadistribuicao uniforme de carga. Devemos notar que este campo nao dependeda coordenada z, e igual em todos os pontos do espaco. Nao parece muitorealista, mas uma superfıcie plana infinita tambem nao e muito realista. Masa expressao e tambem valida para campos gerados por superfıcies planas fini-tas, em pontos que estejam suficientemente longe das extremidades.

Page 17: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 17

9 Movimento de cargas em campos electricos.

9.1 Forca de Lorentz.

Na seccao anterior vimos como se pode obter o campo electrico gerado porvarios tipos de distribuicao de carga. Resta-nos ver o que acontece a umapartıcula carregada quando esta sujeita a um campo electrico.

A expressao (9) permite-nos tambem escrever a forca electrica que actua

numa carga, q, que esta sob a accao de um campo electrico, ~E, sob a formaseguinte:

~FE = q ~E (31)

que e conhecida como a forca de Lorentz, em honra do fısico holandes, Hen-rik Antoon Lorentz (1853-1928). Aqui o campo electrico nao e o campogerado pela carga q mas sim o campo sofrido pela carga q. Para distinguir,chamamos muitas vezes ao campo ~E em (31) o campo externo ou campoaplicado. Esta formula e geral e aplica-se a todos campos, quer eles sejamgerados por uma carga pontual e tenham a forma dada pela lei de Coulomb(10), quer sejam criados por outras distribuicoes de carga. Assim, uma vezdeterminada a expressao matematica de um campo podemos usar a equacao(31) para calcular a forca que vai actuar sobre uma partıcula carregada nessecampo. Uma vez tendo a forca, podemos usar a segunda lei de Newton paradescrever o movimento dessa partıcula carregada. Vamos ver um exemplo.

9.2 O tubo de raios catodicos.

O osciloscopio e um instrumento electronico usado para fazer medicoes elec-tricas. A sua componente principal e o tubo de raios catodicos, que tambempodemos encontrar numa televisao ou num monitor de um computador. Otubo de raios catodicos e um tubo de vacuo em que os electroes sao aceleradose deflectidos sob a accao de campos electricos. Um feixe de electroes e pro-duzido por um conjunto chamado canhao de electroes situado na parte maisfina do tubo. Este conjunto inclui um aquecedor, um electrodo negativa-mente carregado (catodo) e um electrodo positivamente carregado (anodo).O aquecedor e aquecido atraves de uma corrente electrica e, por sua vez,aquece o catodo. Quando a temperatura do catodo e suficientemente grande,este emite electroes. Estes electroes sao colimados pelo anodo, que tem, para

Page 18: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 18

isso, um orifıcio no centro. Assim se forma um feixe de electroes que, ao in-cidir no ecran fluorescente, produz um ponto luminoso. O feixe de electroespode ser deflectido quando passa por dois pares de placas, um vertical, outrohorizontal. Estas placas criam um campo electrico vertical ou horizontal.Quando um electrao passa por entre as placas e estas estao carregadas, elevai ser deflectido devido a forca de Lorentz. Por causa da fluorescencia, noecran podemos ver a trajectoria do electrao devida a forca aplicada. Ou seja,variando o campo electrico entre as placas horizontal e vertical, podemosvariar a posicao do feixe no ecran. Os sinais que se medem no osciloscopiofazem variar os campos electricos das placas. Se a variacao do campo dasplacas for suficientemente rapida, podemos desenhar curvas no ecran.

10 Fluxo de um campo.

Ja vimos como se obtem expressoes para o campo electrico de varias dis-tribuicoes de carga usando essencialmente a lei de Coulomb. Agora vamosver como se podem obter expressoes para o campo electrico gerado por dis-tribuicoes de carga com um elevado grau de simetria. Nestes casos podemosusar a chamada Lei de Gauss. Antes de falarmos da lei de Gauss, temos quedefinir um conceito aplicavel a qualquer campo vectorial: o conceito de fluxo.Vejamos, por exemplo, como definimos o fluxo de ar atraves de um plano. Omovimento do ar e representado por um campo de velocidades, ou seja, cadaregiao do ar move-se com uma certa velocidade. Chama-se fluxo do campode velocidades atraves da superfıcie S a quantidade Fv:

Fv = ~v · ~S (32)

onde ~S e o vector area, definido como um vector de intensidade igual a areae cuja direccao e normal ao plano. Quando ~S e colinear com ~v, o fluxo fica:

Fv = vS =LS

t=

V

t(33)

o que mostra que o fluxo do campo da velocidade corresponde ao volumeque passa atraves da area S por unidade de tempo. Mas e tambem o fluxodo campo de velocidades atraves da area S. Esta outra definicao e extensivaa qualquer campo vectorial. O fluxo desse campo vectorial atraves de umasuperfıcie e assim a quantidade desse campo que intercepta essa superfıcie.De modo geral, os campos nao sao uniformes, ou seja, o valor do vector

Page 19: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 19

nao e igual para todos os pontos da superfıcie, e o fluxo e calculado comoa soma dos fluxos infinitesimais atraves de elementos de area infinitesimais.Para o campo electrico definimos o fluxo do campo electrico atraves de umasuperfıcie S, Fe, como:

Fe =∫

~E · d~S (34)

onde o integral e feito ao longo da superfıcie S.

10.1 Lei de Gauss.

O comportamento do campo electromagnetico e descrito pelas equacoes deMaxwell. Estas equacoes exprimem, numa forma local, as relacoes entreo campo electrico e o campo magnetico e as respectivas fontes. Sao dasequacoes mais gerais que ja tem sido propostas, descrevem um numero imensode situacoes fısicas e conduziram a previsao da existencia das ondas elec-tromagneticas, a identificacao da luz como uma onda electromagnetica e aconsequente unificacao da optica com o electromagnetismo.

A lei de Gauss e equivalente a uma das equacoes de Maxwell que relacionao campo electrico com as cargas electricas que o geram e diz-nos que o fluxodo campo electrico atraves de uma superfıcie (conceptual) e proporcional aquantidade de carga contida no volume delimitado por essa superfıcie:

Fe =∫

~E · d~S =q

ε0

(35)

onde o integral e feito sobre uma superfıcie fechada que delimita a carga to-tal, q. Temos pois que a quantidade de campo electrico que intercepta essasuperfıcie e igual a carga total contida na superfıcie.

Devemos notar que estas superfıcies nao tem que ser reais, em muitasaplicacoes sao conceptuais e podemos escolhe-las como quisermos. Em e-xemplos veremos que a forma mais conveniente e escolher superfıcies quetem a mesma simetria da distribuicao de carga.

Consideremos as quatro superfıcies na figura 4. A superfıcie 1 contem noseu interior apenas carga positiva. Na superfıcie 1, o campo electrico temum sentido para fora da superfıcie em todos os elementos de area pelo que,se medıssemos o fluxo do campo electrico atraves desta superfıcie, ele seria

Page 20: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 20

Figure 4: Fluxo do campo electrico atraves de quatro superfıcies de Gauss.(Figura 25-5, p. 684, Halliday, Resnick and Walker).

positivo (a funcao integranda e positiva em toda a superfıcie), o que esta deacordo com a lei de Gauss. Ou seja, a carga electrica contida no volume de-limitado por esta superfıcie e positiva. A superfıcie 2 contem no seu interiorapenas carga negativa. Na superfıcie 2, o campo electrico tem um sentidopara dentro em todos os pontos. O fluxo do campo electrico atraves destasuperfıcie e negativo (a funcao integranda e negativa em todos os elementosde area). A superfıcie 3 nao contem qualquer carga e vemos que o fluxo totalque passa atraves dela e nulo, porque as mesmas linhas do campo electricoque entram, tornam a sair. Finalmente, a superfıcie 4 inclui ambas as cargas,a positiva e a negativa. A carga total nela contida e nula, pelo que, pela leide Gauss, o fluxo total do campo electrico atraves da superfıcie 4 deve sernulo. Vemos que, por causa da carga positiva, ha linhas de campo do campoelectrico que saem atraves da superfıcie 4 e, por causa da carga negativa,ha linhas de campo electrico que entram. E ha outras linhas que entram e

Page 21: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 21

saem, como acontece na superfıcie 3. Se fossemos avaliar tudo de uma formaquantitativa precisa verıamos que o numero de linhas de campo que saem dasuperfıcie 4 e igual ao numero de linhas que entra nessa superfıcie. Como aintensidade do campo electrico e proporcional ao numero de linhas de campo,o fluxo do campo electrico que entra na superfıcie 4 e igual ao fluxo do campoelectrico que sai dessa superfıcie.

Podemos usar a lei de Coulomb e a lei de Gauss para calcular campospara diversas distribuicoes de carga. Fisicamente, na lei de Coulomb, asfontes sao as cargas, enquanto na lei de Gauss o campo electrico esta empe de igualdade com a carga: o primeiro gera a segunda e vice versa. Naverdade, para cargas estacionarias, ou que se movem lentamente, as duas leissao equivalentes. Se as cargas se movem rapidamente, as linhas de campo saocomprimidas num plano perpendicular a direccao do movimento e perdem asimetria esferica. Nesse caso, a lei de Coulomb deixa de ser valida, mas a leide Gauss continua a ser. Ou seja, a lei de Gauss e mais geral que a lei deCoulomb.

Vamos mostrar como se pode deduzir a lei de Coulomb a partir da lei deGauss. Consideremos uma carga pontual q positiva e uma superfıcie esfericaimaginaria centrada na posicao da carga. O vector d~S e perpendicular asuperfıcie em cada ponto e tem um sentido para fora da esfera. (A normala superfıcie num ponto tem a mesma direccao que o gradiente, portantoe dirigida segundo o sentido crescente das superfıcies equipotenciais). Poroutro lado, o campo electrico e tambem perpendicular a superfıcie, dirigidopara fora e em modulo igual em todos os pontos. Isto resulta da simetriaesferica: se rodarmos a distribuicao de carga em torno de qualquer eixoque passe pelo centro da esfera obtemos uma distribuicao de carga em tudoidentica a original. Se a distribuicao e a mesma, entao o campo produzidopor ela deve ser o mesmo. Mas o campo entretanto rodou tambem. A unicaforma do campo ser o mesmo e se os vectores rodados sao iguais aos naorodados: campos perpendiculares em cada ponto, dirigidos para fora e iguaisem modulo. A lei de Gauss permite-nos entao encontrar a expressao docampo electrico em funcao da distancia. Temos:∫

~E · d ~A =∫| ~E| dA =

q

ε0

(36)

Usando o facto de | ~E| ser constante na superfıcie da esfera, podemos passar

Page 22: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 22

| ~E| para fora do integral. Fica:

| ~E|∫

dA = | ~E| 4πr2 =q

ε0

⇒ | ~E| = 1

4πε0

q

r2(37)

onde a ultima expressao e a lei de Coulomb.

A escolha da superfıcie imaginaria teve tres efeitos:

1. O produto interno do campo electrico pelo vector area e simplesmenteo produto dos modulos de cada um destes vectores.

2. Pudemos usar a simetria da distribuicao e a da superfıcie para concluirque o modulo do campo electrico e igual em todos os pontos da esferae passar este modulo para fora do integral.

3. A integracao sobre a superfıcie reduziu-se ao calculo da superfıcie daesfera, ou seja, pudemos evitar a integracao da projeccao do campoelectrico sobre a superfıcie.

A escolha da superfıcie imaginaria e totalmente arbitraria e o resultadonao depende dessa escolha. Mas as integracoes sao muito mais difıceis de fazerse as superfıcies nao tiverem a mesma simetria que a distribuicao. Noutrasdistribuicoes de carga procuramos escolher superfıcies de forma a que pos-samos usar aquelas consequencias.

10.2 Distribuicao de carga num condutor isolado.

Num condutor isolado, ou em equilıbrio electrostatico, nao ha corrente. Istoquer dizer que o campo electrico dentro do condutor e nulo. Mas se o campoelectrico dentro do condutor e nulo, entao o fluxo do campo electrico, atravesde qualquer superfıcie contida no condutor, e nulo. Se o fluxo atraves de qual-quer superfıcie contida no condutor e nulo, pela lei de Gauss, a carga dentrodo condutor e tambem nula. Assim, podemos concluir que a carga de umcondutor isolado, ou em equilıbrio electrostatico, se encontra a superfıcie.Poder-se-ia pensar que uma distribuicao de carga a superfıcie do condutordeveria gerar um campo electrico dentro do condutor. Se nos considerarmosas diferentes regioes a superfıcie do condutor cada uma delas gera um campoelectrico. Mas as diferentes cargas nas diferentes regioes geram campos que

Page 23: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 23

se anulam uns aos outros, em todos os pontos. Ou seja, o vector soma docampo electrico devido a todos os elementos de carga e nulo.

Podemos usar a lei de Gauss para determinar o campo electrico na regiaoimediatamente fora do condutor. Para isso usamos uma superfıcie imaginariacom a forma de um cilindro, centrado num elemento de carga da superfıcie,com uma area suficientemente pequena para podermos ignorar a curvatura.Um dos lados do cilindro fica dentro do condutor e o outro sai para o ladode fora do condutor. O campo electrico na superfıcie e perpendicular asuperfıcie. Se nao fosse, entao existiria uma componente nao nula do camposegundo a superfıcie e esse campo produziria uma corrente no condutor.Quando as cargas estao em equilıbrio, nao ha corrente e o campo electricosegundo a superfıcie e nulo. Assim o fluxo do campo electrico atraves docilindro so tem contribuicoes nao nulas atraves da tampa exterior (visto queo campo electrico dentro do condutor e nulo). O fluxo atraves da tampa

exterior e ~E · ~A = E A e pela lei de Gauss, esse fluxo e proporcional aquantidade de carga dentro do cilindro, σA. Temos entao:

E A =q

ε0

=σA

ε0

⇒ E =σ

ε0

(38)

(Esta expressao pode parecer contraditoria com a expressao (30) do campode uma superfıcie infinita carregada. A diferenca e que uma superfıcie in-finita tem campo nao nulo dos dois lados, enquanto que a superfıcie de umcondutor tem um lado (o exterior) em que o campo nao e nulo, e o outro, ointerior, em que o campo e nulo.)

Concluımos que o campo electrico numa regiao imediatamente fora docondutor e proporcional a quantidade de carga superficial nessa regiao docondutor. Se o condutor for esferico, a distribuicao de carga e uniforme eesta densidade de carga superficial e igual em todos os pontos. Mas a formulaacima e valida seja qual for a forma do condutor e mesmo que a densidadede carga superficial nao seja constante.

10.3 Campo electrico de um fio carregado.

Consideremos um fio infinitamente longo carregado, com uma distribuicao decarga por unidade de comprimento λ. Qual o campo electrico a uma certa

Page 24: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 24

distancia r do fio?

Escolhemos uma superfıcie imaginaria com a mesma simetria do fio, istoe, uma simetria cilındrica. Qual a direccao do campo ao longo deste cilindro? Imaginemos que rodavamos o fio em torno do seu eixo ou de maneira a tro-carmos as suas extremidades: o sistema continuava exactamente na mesma eo campo electrico criado pelo sistema continuava tambem na mesma. Assim,o campo criado pelo fio so pode ser radial, se tivesse outras componentes,estas seriam alteradas por aquelas operacoes de simetria. Alem de radial, ocampo deve tambem ser igual em modulo ao longo do cilindro, isto e, naopode variar com a direccao, se nao, ao rodar o cilindro, o campo gerado pelofio seria diferente do campo gerado pelo fio antes da rotacao. O fluxo docampo electrico atraves do cilindro resume-se ao fluxo atraves da parede docilindro (como o campo electrico e perpendicular as tampas, o fluxo atravesdas tampas e zero). Temos:

Fe =∫

~E · d~S =∫

E dS = E∫

dS = E 2πr h (39)

e a carga contida no cilindro e q = λh. Pela lei de Gauss, o campo electricocriado pelo fio carregado e:

E 2πr h =λh

ε0

⇒ E =1

2πε0

λ

r(40)

Esta e a expressao do modulo do campo electrico de um fio carregadoinfinitamente longo a uma distancia r. A direccao do campo e radial e o seusentido e para fora se a carga do fio for positiva e para dentro se a cargado fio for negativa. Esta expressao e tambem valida para o campo electricode um fio finito, desde que seja suficientemente longe das extremidades do fio.

Aplicacao.Podemos aplicar a expressao (40) a descarga electrica de um raio duranteuma trovoada. O raio e precedido de um estagio invisıvel durante o qualuma coluna de electroes se forma entre as nuvens e o chao. Estes electroesficam livres devido a ionizacao das moleculas de ar dentro da coluna. Adistribuicao de carga dentro da coluna e tipicamente de −1 × 10−3 C/m.Quando a coluna atinge o chao, os electroes dentro dela sao rapidamentedespejados para o solo. Esta corrente gera muitas colisoes entre os electroes eo ar dentro da coluna, da qual resultam as emissoes de luz do raio. Assumindo

Page 25: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 25

que as moleculas de ar se ionizam quando o campo electrico e superior a3 × 106 N/C, qual o raio da coluna? Apesar da coluna nao ser rectilınia,nem infinitamente longa, numa primeira aproximacao, podemos considera-lacomo uma linha direita carregada e usar (40) para descrever o campo criadopor ela. (Uma vez que a carga contida na coluna e negativa, o campo electricocriado pela coluna tem um sentido para dentro). A superfıcie da coluna temde corresponder a um raio r para o qual a intensidade do campo electrico epelo menos 3 × 106 N/C, porque as moleculas de ar aı se ionizam enquantoas que estao a distancias maiores nao o fazem. Resolvendo (40) em relacaoao raio r temos:

r =λ

2πε0 E=

1× 10−3C/m

(2π)(8.85× 10−12C2/N ·m2)(3× 106N/C)= 6 m

Aquele valor diz-nos alguma coisa sobre a distancia a que e preciso estar deum raio para se estar a salvo. O raio da parte luminosa e mais pequeno,talvez de 0.5 m. Mas apesar do raio da coluna ser 6 m, nao pense que estaa salvo se estiver a uma distancia ligeiramente maior que essa do ponto deimpacto. Os electroes que sao despejados no solo criam correntes no solo, eestas correntes tambem sao mortais!

10.4 Campos electricos de superfıcies planas carrega-das.

Consideremos um plano infinito carregado. Podemos concluir que o campoelectrico tem uma direccao radial rodando o plano em torno de um eixoperpendicular ao plano e vendo que a distribuicao de carga nao varia, peloque o campo electrico por ela criado tambem nao pode variar. Tomemoscomo superfıcie imaginaria um cilindro que atravessa o plano de um lado aooutro. O fluxo do campo electrico e apenas atraves das tampas. Pela lei deGauss temos: ∫

~E · d~S =∫

E dS = (EA + EA) = σA (41)

onde os dois termos correspondem ao fluxo do campo atraves das duas tam-pas. Concluımos que o campo electrico criado pelo plano carregado e:

E =σ

2ε0

(42)

que e a expressao que ja tınhamos obtido a partir do disco carregado (30).

Page 26: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 26

10.5 Campo electrico de uma camada esferica.

Seja uma camada esferica carregada uniformemente e uma superfıcie ima-ginaria de raio inferior ao da camada esferica. Dentro desta superfıcie naoha qualquer carga pelo que segundo a lei de Gauss o campo electrico dentroda camada esferica carregada e nulo.

Consideremos uma superfıcie esferica conceptual de raio superior ao dacamada esferica. Pela simetria da distribuicao de carga podemos concluirque o campo e puramente radial. Pela lei de Gauss temos:∫

~E · d~S =∫| ~E|dS = | ~E|

∫dS = | ~E|(4πr2) =

q

ε0

(43)

pelo que o campo electrico fora da camada esferica e:

~E =1

4πε0

q

r2~er (44)

igual ao de uma carga pontual com o mesmo valor e centrada no mesmoponto.

11 Potencial electrico.

O trabalho realizado pela forca electrica para levar uma carga q de um pontopara outro numa regiao onde existe um campo electrico pela expressao queestudaram na Mecanica:

dW = ~F · ~dr (45)

Usando a expressao da forca de Lorentz (31) e integrando entre um pontoinicial, i, e um ponto final, f , esse trabalho fica:

Wif = q∫ f

i

~E · ~dr (46)

Tal como na Mecanica o trabalho realizado pela forca da gravidade sobreuma partıcula e o simetrico da variacao da energial potencial (gravıtica), otrabalho realizado pela forca electrica sobre uma partıcula carregada e iguala menos a variacao da energia potencial (electrica) da partıcula:

Wif = −∆EP = − [ EP (f)− EP (i) ] (47)

Page 27: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 27

Considerando o campo electrico criado por uma carga pontual, (10), podemoscalcular o trabalho de levar uma carga, q1, de um ponto, i, a distancia ri dessacarga pontual, ate um ponto, f , a uma distancia rf dessa carga:

Wif = K q1 q∫ rf

ri

1

r2= −

(K

q1 q

rf

−Kq1 q

ri

)(48)

Donde podemos deduzir que a energia potencial da carga q1, no campo criadopela carga q, a distancia r da carga q, e, a menos de uma constante:

EP = Kq1 q

r(49)

A energia potencial de uma carga, q1, num campo, depende do valor da carga,como se pode ver pela expressao (49). E possıvel definir uma grandeza quenao depende do valor da carga, chamada potencial electrico, Φ:

Φ =EP

q1

(50)

O potencial electrico e pois a energia potencial por unidade de carga. Nosistema SI, a unidade do potencial electrico e o joule por coulomb. A estaunidade chama-se tambem volt. 1 volt representa pois a diferenca de poten-cial entre dois pontos quando o trabalho de levar uma carga de 1 C entreesses dois pontos e igual a 1 J:

1 V = 1 J/C. (51)

Ao contrario do campo electrico, o potencial electrico e uma grandeza es-calar. Ja vamos ver qual a relacao entre os dois.

A expressao (49) estava definida a menos de uma constante de integracao,pelo que o potencial electrico (50) esta tambem definido a menos de umaconstante aditiva. Normalmente medimos diferencas de potencial em relacaoa terra, que convencionamos estar a um potencial zero. Nos processos fısicosa quantidade que importa considerar e a diferenca de potencial entre doispontos. Por exemplo, nas nossas casas, a diferenca de potencial entre doisfios electricos e normalmente 220 V, enquanto uma pilha pode fornecer umadiferenca de potencial igual a 1.5 V.

Page 28: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 28

Uma outra unidade de energia que se usa para descrever processos micros-copicos e o electrao-volt. Esta unidade corresponde ao trabalho necessariopara transportar um electrao entre dois pontos com uma diferenca de poten-cial de 1 V:

1 eV = e × 1V = (1.602 × 10−19C) × (1V) = 1.602 × 10−19J (52)

Os processos atomicos e moleculares, por exemplo as reaccoes quımicas,envolvem trocas de energia da ordem do eV. Os raios X, que resultam detransicoes de nıveis electronicos mais profundos do que aqueles que partici-pam nas reaccoes quımicas, tem energias de 103 eV (keV). As reaccoes nu-cleares envolvem energias de 106 eV (MeV) e as interaccoes entre partıculaselementares, como as que se produzem nos aceleradores de partıculas, en-volvem energias de 109 eV (GeV). Apesar de ser uma energia consideravelpara uma so partıcula, 1 GeV representa uma quantidade pequena em termosmacroscopicos, sendo “apenas” 1.6×10−10 J. Um meteorito de 0.1 g que caiana Terra a uma velocidade de 50 km/s tem uma energia aproximada de 8 x1014 GeV! Neste caso, faz mais sentido escrever a sua energia em J (12.5 x105 J).

Da definicao de potencial electrico (50), e da energia potencial de umacarga num campo criado por uma carga pontual (49), deduzimos que o po-tencial electrico de uma carga pontual, q, a uma distancia r da carga e:

Φ = Kq

r(53)

Chamamos superfıcies equipotenciais as superfıcies constituıdas pelos pontosque tem todos o mesmo potencial. No caso do potencial electrico de umacarga pontual, as superfıcies equipotenciais sao esfericas e estao centradas noponto onde se encontra a carga. Vemos tambem que as linhas equipotenciaissao, em cada ponto, perpendiculares a direccao do campo electrico nesseponto. Isto e verdade para o campo criado por uma carga pontual e tambempara qualquer outro campo. Ha uma razao matematica para este facto. Dasdefinicoes de trabalho electrico (46) e de potencial electrico (50), deduzimos:

Φf − Φi = −∫ f

i

~E · ~dr (54)

Para uma variacao infinitesimal do potencial dΦ temos:

dΦ = ~E · ~dr (55)

Page 29: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 29

Considerando um campo electrico geral:

~E = Ex~i + Ey

~j + Ez~k (56)

e um caminho geral ~dr:

~dr = dx~i + dy~j + dz ~k (57)

Substituindo em (55) fica:

dΦ = −(Ex dx + Ey dy + Ez dz) (58)

Como dΦ(x, y, z) = ∂Φ∂x

dx + ∂Φ∂y

dy + ∂Φ∂z

dz deduzimos que:

Ex = −∂Φ

∂xEy = −∂Φ

∂yEz = −∂Φ

∂z(59)

Estas igualdades podem tambem escrever-se de forma mais condensada como:

~E = −~∇Φ (60)

onde ~∇Φ e o chamado gradiente do potencial electrico. O gradiente e umaespecie de extensao da derivada de uma funcao. Quando temos uma funcaode varias variaveis, em cada ponto existe um numero infinito de derivadas,porque, em cada ponto, podemos considerar um numero infinito de direccoes.O gradiente indica a direccao em que a derivada de uma funcao e maxima.Ou seja, indica a direccao em que a funcao tem uma variacao maxima. Con-siderando as superfıcies equipotenciais, quanto mais proximas estas forem,tanto maior e a variacao da funcao para a mesma variacao dos argumen-tos. Assim, o gradiente e segundo a direccao em que a distancia entre assuperfıcies equipotenciais e menor. Essa distancia e segundo a perpendicularas superfıcies equipotenciais em cada ponto. Desta forma qualitativa se veque o gradiente e perpendicular as superfıcies equipotenciais em cada ponto.Como o campo electrico e, em modulo, igual ao gradiente do potencial, aslinhas do campo electrico sao perpendiculares as linhas equipotenciais do po-tencial electrico. Devemos notar que um gradiente positivo aponta a direccaoem que a funcao aumenta. O campo electrico e o simetrico do gradiente, peloque tem a mesma direccao que o gradiente, mas tem um sentido contrario.

Page 30: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 30

Aplicacao.No modelo do atomo de hidrogenio de Bohr, o electrao move-se numa orbitacircular com um raio 0.53 A. Qual o campo electrico e o potencial electricona posicao onde se encontra o electrao? Usando (10) temos:

E = Kq2

r2=

(9 × 109Nm2/C2) × (1.6 × 10−19 C)

(0.53 × 10−10 m)2= 5.1 × 1011 V/m

(61)o que e um campo muito grande. Para comparar, as faıscas no ar sao causadaspor campos da ordem de 3 x 106 V/m. Por outro lado, usando (53) o potencialelectrico vem dado por:

Φ = Kq2

r=

(9 × 109Nm2/C2) × (1.6 × 10−19 C)

0.53 × 10−10 m= 27 V (62)

Para comparar, a diferenca de potencial entre os terminais de uma bateriade automovel e 12 V. Enquanto o campo tem uma dependencia no quadradodo inverso da distancia e e muito grande quando as distancias sao pequenas,o potencial electrico tem uma dependencia no inverso da distancia e e muitomais pequeno.

11.1 Potencial de um grupo de cargas pontuais.

Uma consequencia da relacao entre o campo electrico e o potencial (60) eque o princıpio de sobreposicao que se aplica ao campo electrico se aplicatambem ao potencial electrico. Ou seja, se tivermos N campos electricos ~Ei,cada um dos quais resulta de um potencial Φi:

~E1 = −~∇Φ1 , ~E2 = −~∇Φ2 , ~E2 = −~∇Φ2 , · · · , ~EN = −~∇ΦN , (63)

o campo electrico resultante, ~E, e:

~E =N∑

i=1

~Ei = −N∑

i=1

~∇Φi = −~∇Φ (64)

porque o gradiente e um operador linear e portanto a soma dos gradientes eigual ao gradiente da soma e onde Φ corresponde a sobreposicao linear dosN potenciais:

Φ =N∑

i=1

Φi (65)

Page 31: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 31

Usando o princıpio de sobreposicao, podemos calcular os campos e po-tenciais devidos a distribuicoes de carga. Por exemplo, ja vimos antes opotencial electrico gerado por uma carga q, (53). Usando (65), o potencialelectrico, num ponto P, criado por uma distribuicao de cargas pontuais, qi,e:

Φ = KN∑

i=1

qi

ri

(66)

onde ri e a distancia da carga qi ao ponto P.

Nas subseccoes seguintes vamos ver outras aplicacoes do princıpio de so-breposicao.

11.2 Potencial Electrico de um dipolo.

As moleculas sao, de forma geral, electricamente neutras o que quer dizer queas suas cargas electricas negativas sao em mesmo numero que as suas cargaselectricas positivas. Muitas vezes, as suas distribuicoes de carga podem serrepresentadas por pares de cargas, uma positiva, Q, e outra negativa, −Q,separadas por uma distancia, d. Ja vimos que esta configuracao de carga sechama dipolo electrico e que o produto da carga Q pela distancia d, e o modulodo momento dipolar, |~p| = Qd. A direccao do dipolo e a recta que une os pon-tos onde estao as duas cargas e o seu sentido e da carga negativa para a cargapositiva. Por exemplo, a molecula de agua tem um excesso de carga negativano atomo de oxigenio e um excesso de carga positiva nos atomos de hidrogenioe um momento dipolar p = 6.17 × 10−30 C m, orientado do oxigenio parao ponto central entre os dois atomos de hidrogenio. Noutros casos, os dipo-los electricos podem ter um tamanho macroscopico. Devido a complexosfenomenos de polarizacao e despolarizacao das suas celulas, podemos, emprimeira aproximacao, considerar o coracao como um dipolo electrico cujaintensidade e direccao varia ao longo do perıodo de batimento. Um electro-cardiograma mede a variacao da intensidade do campo criado por esse dipolo.

Usando o princıpio de sobreposicao podemos calcular o potencial electricoe o campo electrico de um dipolo. Consideremos duas cargas, +q e −q, adistancia d uma da outra e calculemos o potencial electrico criado por elasnum ponto, A, a uma distancia r muito maior que d. Aplicando a cada carga

Page 32: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 32

a expressao (53), o potencial electrico total no ponto A e:

Φ = Φ+ + Φ− = K q

(1

r+

− 1

r−

)(67)

Desenvolvendo (67) fica:

Φ = K q

(r− − r+

r− r+

)≈ K

~p · ~rr3

(68)

onde se usaram as relacoes matematicas seguintes:

r >> d (69)

r− − r+ ≈ d sin θ (70)

r− r+ ≈ r2 (71)

~p = q d ~ey (72)

~ey ·~r

r= sin θ (73)

A expressao (68) e o potencial electrico criado por um dipolo a uma distanciagrande quando comparada com o tamanho, d, do dipolo. Usando (60) de-duzimos a formula seguinte para o campo criado por um dipolo:

~E = K1

r3

(3(~p · ~r)~r

r2− ~p

)(74)

Aqui, calculamos o campo electrico a partir do respectivo potencial electrico.

11.3 Potencial de uma distribuicao contınua de cargas.

Podemos usar a expressao do potencial de uma carga pontual (53) e oprincıpio de sobreposicao para calcular o potencial de uma distribuicao contınuade cargas:

dΦ =1

4πε0

dq

r⇒ Φ =

∫dΦ =

1

4πε0

∫ dq

r(75)

onde o integral e feito sobre a regiao onde se encontra a carga.

Ja vimos antes o campo electrico criado por um disco uniformementecarregado num ponto ao longo do eixo. Neste caso, podemos considerarcomo um elemento de carga dq, a carga num anel de raio r:

dq = σ (2πr)dr (76)

Page 33: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 33

onde σ e a densidade de carga por unidade de superfıcie. Substituindo (76)em (75) fica:

Φ =1

4πε0

∫ R

0

σ (2πr)√z2 + r2

dr =σ

2ε0

∫ R

0

r dr√z2 + r2

2ε0

(√

z2 + R2 − |z|) (77)

Usando as expressoes 59) ou(60) podemos calcular o campo electrico apartir da expressao do potencial electrico. No caso de um disco carregado,como o potencial ao longo do eixo do disco, que deduzimos acima, so dependede uma coordenada, a coordenada z, so vamos ter uma componente para ocampo electrico, e e:

Ez = −∂Φ

∂z= − σ

2ε0

d

dz[(z2 + R2)1/2 − z] =

σ

2ε0

(1− z√

z2 + R2

)(78)

resultado que coincide com o encontrado antes, ao calcular o campo electricode um disco carregado (29), directamente a partir da lei de Coulomb. Destaforma, ja usamos tres maneiras para calcular campos electricos: a primeirafoi usando a lei de Coulomb, a segunda foi a lei de Gauss, que e especialmenteadequada a distribuicoes de carga com elevado grau de simetria e a terceirae esta que vimos agora, a partir da expressao do potencial.

11.4 Condensadores.

A um par de superfıcies condutoras separadas por um meio isolador chama-seum condensador. Um condensador pode ser carregado quando se ligam assuas placas a uma bateria que gera uma diferenca de potencial entre elas.Uma bateria e um instrumento com dois terminais: um terminal positivo,chamado anodo, e um terminal negativo, chamado catodo. Para carregar ocondensador nos ligamos o anodo a uma placa do condensador e o catodoa outra placa por meio de um fio condutor. Este fio e a placa que lhe estaligada tornam-se extensoes do terminal da bateria ao qual estao ligados. As-sim, carga negativa acumula-se na placa que esta ligada ao terminal negativoe carga positiva acumula-se na placa ligada ao terminal positivo. Esta acu-mulacao de carga continua ate que a diferenca de potencial entre as placasseja igual a diferenca de potencial da bateria. Esta e a condicao de equilıbrioelectrico estatico (ou seja, na ausencia de corrente electrica). No equilıbrio,a quantidade de carga positiva, Q, na placa positiva e igual a quantidadede carga negativa na outra placa. Seja σ a densidade superficial de carga

Page 34: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 34

nas placas. Vimos que o campo electrico fora da superfıcie de um condutorplano e | ~E| = σ/ε0. Este campo e constante excepto junto as extremidadesda placa. Vamos ignorar estes efeitos das extremidades. A diferenca depotencial entre a placa positiva e a placa negativa e:

∆Φ = Φ+ − Φ− = −∫

~E · ~dr (79)

onde o integral e feito de um ponto da placa negativa para um ponto da placapositiva. O integral (79) e mais facil de calcular quando a recta que une esses

dois pontos e perpendicular as placas. Nesse caso ( ~E e ~dr fazem um angulode 180o):

∆Φ = | ~E|∫ d

0dr = | ~E|d =

σ

ε0

d (80)

A carga total, Q, nas placas e:

Q =∫

Sσ dS = σ A ⇒ σ =

Q

A(81)

onde A e a area das placas. Substituindo (81) em (80) fica:

∆Φ =Q

A

d

ε0

(82)

o que tambem se pode escrever:

Q = C ∆Φ (83)

Quanto maior a diferenca de potencial, ∆Φ, da bateria, tanto maior a cargaque se acumula. C, a constante de proporcionalidade, chama-se a capacidadedo condensador e e dada por:

C =ε0 A

d=

A

4 π K d(84)

Quanto maior for a area das placas tanto maior e a quantidade de cargaQ que se acumula, ou seja, tanto maior a capacidade do condensador. Poroutro lado, quanto menor for a distancia entre as placas, tanto maior o campoelectrico entre as placas, | ~E| = ∆Φ/d, e tanto menor a quantidade de cargasque se acumula, para a mesma diferenca de potencial.

A unidade de capacidade e o coulomb por volt, que tambem se designapor farad, em honra de Michael Faraday, um grande fısico ingles que fez con-tribuicoes fundamentais para o estudo dos fenomenos electromagneticos.

Page 35: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 35

12 Corrente Electrica.

Chama-se corrente electrica ao movimento de cargas de uma posicao paraoutra. As partıculas que constituem as correntes electricas nas celulas saomuitas vezes ioes, mas nos meios materiais solidos as correntes sao devidasa movimentos de electroes. Como os nucleos dos atomos tem massas quesao entre 2,000 e 100,000 vezes maiores que a massa dos electroes, os nucleosmantem-se relativamente estacionarios e sao os movimentos dos electroes queproduzem correntes electricas. Quando dizemos que uma placa de um con-densador e carregada positivamente se ligada ao terminal positivo de umabateria, isso e devido a um fluxo de electroes da placa do condensador para oterminal da bateria. Para que um material seja condutor e preciso que tenhaelectroes livres. Na ausencia de campo electrico estes electroes deslocam-secom igual probabilidade em todas as direccoes e a corrente media em qual-quer direccao e nula. Quando as extremidades de um condutor sao ligadas auma bateria, estabelece-se um campo electrico e gera-se uma corrente atravesdo condutor. Como a forca que age sobre os electroes e ~F = e ~E e a cargado electrao e negativa, gera-se um movimento de electroes com a direccaocontraria a do campo electrico aplicado. Mas, por convencao, considera-secomo o sentido positivo da corrente o do movimento correspondente de car-gas positivas, que e igual ao do campo electrico. Assim, nos condutores, ascorrentes sao devidas a movimentos de electroes, mas o sentido positivo dacorrente e contrario ao sentido do movimento dos electroes. Quando ligamosuma bateria, o sentido positivo da corrente e do terminal positivo da bateriapara o terminal negativo da bateria, mesmo que o que esteja a acontecer sejaum fluxo de electroes do terminal negativo para o terminal positivo. Quandofalamos em corrente ou fluxo de corrente referimo-nos a corrente convencionalque tem a mesma direccao que as linhas de campo.

Vimos que os atomos de uma substancia a temperatura finita se encon-tram num permanente estado de agitacao. Os electroes livres de um condutorencontram-se tambem em permanente estado de agitacao. Se nos conside-rarmos um plano qualquer num condutor, atraves desse plano passam cons-tantemente electroes de conducao. Apesar disso, na ausencia de campos naoobservamos nenhuma corrente porque, em media, o numero de electroes quepassam num sentido e igual ao numero de electroes que passam em sentidocontrario. Mas, se aplicarmos um campo, por exemplo, ligando uma bate-ria, vai haver uma forca que favorece um dos sentidos, pelo que havera mais

Page 36: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 36

electroes a fluir num sentido do que no sentido contrario e geramos uma cor-rente. A corrente I que passa num condutor define-se como a quantidade decarga que passa atraves de uma seccao do condutor por unidade de tempo:

I =dq

dt(85)

Sabendo o valor da corrente que circula num condutor nos podemos calculara quantidade de carga que passa atraves da seccao de um condutor numintervalo de tempo de 0 a t por integracao de (85):

q =∫

dq =∫ t

0I dt (86)

onde a corrente I(t) pode, ou nao, ser constante no tempo. Quando a correntee constante no tempo diz-se estacionaria. Neste caso, a conservacao da cargaimplica que a quantidade de carga que passa atraves de qualquer seccaoque atravessa o condutor completamente e igual seja qual for a orientacaodessa seccao , ou a sua localizacao. Para as correntes estacionarias, por cadaelectrao que entra no condutor tem que haver um electrao que sai. Esteprincıpio de conservacao tambem implica que se temos um fio electrico quese bifurca, a corrente que flui no fio antes da bifurcacao tem de ser igual asoma das correntes que circulam em cada um dos fios a seguir a bifurcacao :

I0 = I1 + I2 (87)

No sistema internacional, a unidade de corrente e o ampere e temos que1 ampere e a corrente que transporta uma carga de 1 coulomb por segundo.A definicao da unidade de corrente, independente da unidade de carga, faz-se a partir das forcas magneticas entre fios condutores, como veremos maisadiante.

Chama-se forca electromotriz, ou f.e.m., a qualquer agente capaz de geraruma corrente electrica. Um agente obvio e o potencial electrico. Mas as cor-rentes electricas podem tambem ser geradas por efeitos mecanicos, termicos equımicos. Por exemplo, as baterias possuem uma f.e.m. gerada por reaccoesquımicas e as f.e.m dos geradores electricos sao devidas a rotacao mecanicade circuitos. Em todos estes casos, energia sob forma nao electrica e trans-formada em energia electrica. Embora inclua a palavra ‘forca’, a f.e.m. naoe uma forca: a sua unidade e o volt. Dizemos que a f.e.m. de uma pilha e1.5 V ou que a f.e.m. de um gerador sao 400 V.

Page 37: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 37

12.1 Densidade de corrente.

Em termos matematicos, a corrente electrica pode ser descrita pelo campovectorial da densidade de corrente, ~J . O vector ~J tem a mesma direccao esentido que o campo electrico e o seu modulo e igual a intensidade de correntepor unidade de area:

| ~J | = I

A(88)

De modo geral, para qualquer superfıcie, seja ela plana ou nao, podemoscalcular a corrente, I, como o fluxo da densidade de corrente, ~J , atravesdessa superfıcie:

I =∫

~J · d~S (89)

onde d~S e vector diferencial de area, o qual, como ja vimos antes, se definecomo um vector de modulo igual a um elemento de area e de direccao per-pendicular a superfıcie em cada ponto.

A intensidade de corrente, I, e uma grandeza macroscopica. Como serelaciona I com as grandezas microscopicas associadas ao movimento dascargas? Consideremos uma corrente que resulta de um fluxo de carga comuma velocidade constante, ~vd. Sendo n o numero de cargas por unidadede volume, a quantidade de carga, ∆q, que passa num volume, AL, de umcondutor, num intervalo de tempo ∆t = L/|~vd| e:

∆q = (n A L) e (90)

A corrente atraves da superfıcie A e:

I =∆q

∆t=

n A L e

L/|~vd|= n A e |~vd| (91)

Usando (88) obtemos:

| ~J | = n e |~vd| (92)

ou, sob forma vectorial:~J = n e~vd (93)

Como, por convencao, a carga que se desloca e sempre positiva, o vectordensidade de corrente e colinear com o vector velocidade de deriva, ~vd, e este,por sua vez, e colinear com o vector campo electrico.

Page 38: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 38

Aplicacao.Os electroes de um condutor estao em agitacao permanente e podemos cal-

cular esta velocidade devida a agitacao termica atraves da formula√

3 kB Tme

,

o que conduz a velocidades da ordem dos 105 m/s. Mas esta agitacaotermica nao produz qualquer corrente, porque os movimentos sao igualmenteprovaveis em todas as direccoes. Vamos ver que a velocidade de deriva emuito mais baixa. Consideremos um fio de cobre com um diametro de 1.8mm e no qual flui uma corrente electrica de 1.3 A. O modulo do vector den-sidade de corrente e I/A, onde A e a area do fio, A = πr2 = π(0.9×10−3)2 =2.54× 10−6m2, pelo que o modulo da densidade de corrente e:

| ~J | = I

A=

1.3 A

2.54× 10−6m2= 5.1× 105 A/m2

No cobre ha praticamente 1 electrao de conducao por cada atomo. O numerode electroes de conducao por unidade de volume e pois o mesmo que o numerode atomos por unidade de volume. A densidade do cobre (massa por unidadede volume) a dividir pela massa molar e o numero de moles de atomos decobre por unidade de volume e isso, a multiplicar pelo numero de Avogadro,e o numero de atomos de cobre por unidade de volume e, portanto, tambemo numero de electroes por unidade de volume, n:

n =ρ

MNA =

(9.0× 103 kg/m3) (6.023× 1023mol−1)

64× 10−3 kg/mol= 8.47× 1028 elec/m3

A velocidade de deriva e entao :

|~vd| =| ~J |n e

=5.1× 105 A/m2

(8.47× 1028 elec/m3) (1.6× 10−19 C/elec)= 3.8× 10−5 m/s

= 14 cm/h

Ou seja, a velocidade de deriva e 10 ordens de grandeza mais pequena quea velocidade de agitacao termica. Se cada um de nos fosse um electrao, nomeio de uma corrente electrica, nao veria corrente nenhuma. Tudo o que ve-ria seriam muitos electroes, deslocando-se a velocidades enormes, em todos os

Page 39: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 39

sentidos. As correntes electricas sao o que sobra quando se subtrai todo esteruıdo. Entao vemos que, subjacentes, ha correntes com velocidades muitomenores. Mas sao essas correntes que fazem funcionar os aparelhos electricos.

Podemos perguntar como e que, sendo a corrente tao lenta, as luzes deuma sala se acendem tao rapidamente quando se liga o interruptor? E queuma coisa e a velocidade de corrente e outra e a velocidade com que a mu-danca do campo electrico se propaga atraves do fio. Esta velocidade e quaseigual a velocidade de propagacao da luz no vacuo (∼300,000 km/s). Porisso, electroes ao longo de todo o fio comecam a movimentar-se quase todosao mesmo tempo. O mesmo acontece quando se abre a torneira de umamangueira. Se a mangueira estiver cheia de agua, a mudanca de pressaotransmite-se ao longo da agua a velocidade do som, pelo que a agua comecaa sair quase a seguir a abertura da torneira, embora a velocidade com que aagua sai da torneira seja muito mais lenta.

12.2 A Lei de Ohm.

Para campos electricos que nao sao muito intensos temos que o vector den-sidade de corrente e proporcional ao campo electrico:

~J = σ ~E =~E

ρ(94)

onde σ e a condutividade do condutor e ρ = 1σ

= | ~E|/| ~J | e a resistividadedo condutor (nao confundir com a densidade de um material que tambemrepresentamos pela mesma letra). Quando o campo electrico e constante, apartir de (54) temos que:

∆Φ = Φ+ − Φ− = −∫ r+

r−~E · d~r = | ~E|L (95)

(porque ~E e d~r fazem um angulo de 180o) e onde L = |r+ − r−|. Assim, omodulo do campo electrico neste caso e:

| ~E| = ∆Φ

L(96)

Usando (88) fica:

ρ =| ~E|| ~J |

=∆ΦLIA

=∆Φ

L

A

I(97)

Page 40: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 40

ou∆Φ = R I (98)

que e a lei de Ohm na sua forma mais conhecida e onde R, a resistencia docondutor, e:

R = ρL

A(99)

A resistencia de um condutor estima-se medindo a corrente que passa entredois pontos onde se aplicou uma diferenca de potencial dada, ∆Φ. A unidadeda resistencia no sistema internacional e o ohm, onde 1 ohm corresponde a1 volt por ampere.

Nos ciruitos electricos ha elementos cuja unica funcao e introduzirem umacerta resistencia. A esses elementos chama-se tambem resistencias. Para umadada diferenca de potencial, quanto maior for a resistencia de um condutor,tanto menor e a corrente. Por isso, o nome esta bem escolhido. Enquantoa resistencia depende da forma do condutor, a resistividade so depende domaterial de que o condutor e feito.

12.3 Efeitos da corrente electrica no corpo humano.

Muitas das funcoes do corpo humano sao mediadas por correntes electricas.A contraccao muscular, incluindo a respiracao e os batimentos cardıacos, saocontrolados por correntes electricas. O processamento de informacao pelocerebro tambem e feito por correntes electricas. Por isso, correntes electricasgeradas por causas externas podem causar danos ou mesmo ser fatais. Acorrente que entra no corpo depende da d.d.p, ∆Φ, aplicada e da resistenciado corpo. Para corrente contınua ou de baixa frequencia a resistencia docorpo e essencialmente a da pele (a corrente nao penetra muito no organismo).A resistencia da pele e muito maior se a pele estiver seca. Por exemplo, aresistencia entre duas extremidades, por exemplo, uma mao e um pe, e 105Ωse a pele estiver seca nos pontos de contacto, mas pode ser apenas 1 % destevalor se a pele estiver molhada. Assim, as correntes maximas que podemgeradas no corpo humano por uma maquina electrica domestica sao, no casoda pele estar seca:

I =220 V

105 Ω= 2.2 mA (100)

Page 41: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 41

e no caso da pele estar molhada:

I =220 V

1500 Ω= 147 mA (101)

Enquanto uma corrente de 1 mA quase nao se nota, uma de 147 mA podeser fatal, se nao for imediatamente interrompida e seguida de tratamento.

13 O Campo Magnetico.

Ja ha mais de 2,000 anos que se sabe que certas pedras (ımanes) tem a par-ticularidade de se atraırem umas as outras e de atraırem pequenos pedacosde ferro. Estas pedras encontram-se numa regiao chamada Magnesia, daTurquia, e sao por isso conhecidas por magnetes. Quando suspensas livre-mente, elas orientam-se sempre segundo a direccao norte-sul da Terra e forampor isso usadas como bussulas na navegacao.

Os magnetes oferecem-nos um ponto de referencia para definirmos di-reccoes quando queremos descrever efeitos magneticos. A extremidade deum magnete que procure o Norte geografico chama-se o polo N do magnete.De modo analogo, a extremidade que procura o Sul geografico chama-se opolo S do magnete. Polos de sinal contrario atraem-se e polos de sinal igualrepelem-se, tal como sucede com as cargas electricas. Do ponto de vista dassuas propriedades magneticas, a Terra comporta-se como se fosse um grandemagnete cujo polo sul esta virado para o Norte geografico e vice-versa (verfigura 5). Por isso, o polo N de uma bussula e atraıdo pelo polo S do campomagnetico terrestre.

Os magnetes possuem a propriedade curiosa de, quando divididos ao meio,nunca se separarem os dois polos e de gerarem sempre dois magnetes, cadaum com o seu polo N e polo S orientados da mesma maneira que no magneteinicial. Esta impossibilidade de separacao dos polos magneticos constituiuma diferenca fundamental em relacao ao campo electrico, para o qual sepodem isolar cargas positivas e negativas. As interaccoes magneticas po-dem descrever-se tambem atraves da accao de um campo, chamado o campomagnetico. Tal como as fontes do campo electrico sao as cargas positivas enegativas, as fontes do campo magnetico sao os dipolos magneticos. (Veremostambem como as cargas electricas em movimento geram campos magneticos).

Page 42: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 42

Figure 5: O campo magnetico terrestre e como o de um enorme magnetecujo polo S esta localizado perto do norte geografico.

Os campos magneticos podem representar-se tambem atraves das suas linhasde campo. Vimos que as linhas de campo do campo electrico comecam nascargas positivas e terminam nas cargas negativas. Para o campo magnetico,a ausencia de polos isolados (cargas magneticasou monopolos magneticos)tem como consequencia que as linhas do seu campo nao tem princıpio, nemfim. Na regiao exterior ao magnete, convenciona-se que a orientacao das lin-has do campo magnetico e igual ao de um magnete nessa posicao, ou seja,as linhas vao do polo N para o polo S, (ver figura 6) e, ou vem do infinito e

Page 43: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 43

vao para o infinito, ou se fecham sobre elas proprias.

Figure 6: Linhas de campo em torno de um dipolo magnetico e orientacaode um magnete.

13.1 Forca de Lorentz Magnetica.

Vimos que a forca que actua numa partıcula de carga q, que se encontre numcampo magnetico ~E, e ~FE = q ~E, (31). Experimentalmente, verifica-se queo campo magnetico nao exerce qualquer accao sobre uma carga em repouso

Page 44: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 44

e que a sua presenca so se faz sentir sobre as cargas em movimento. Assima forca que actua na partıcula de carga q que se desloca a uma velocidade ~vnum campo magnetico ~B e:

~FB = q ~v × ~B (102)

ou seja, a forca magnetica e um vector cuja intensidade e |~v| | ~B| sin θ, sendo

θ e o angulo que ~v faz com ~B, e a sua direccao e sentido sao dados pela regrada mao direita (ver abaixo). Sabendo a velocidade, direccao e sentido domovimento da carga e medindo a forca que actua sobre a partıcula e possıveldefinir completamente o vector campo magnetico. A direccao e sentido docampo magnetico assim definido coincide com a determinada pela posicao deum ımane no mesmo local.

A expressao (102) e chamada tambem a forca de Lorentz magnetica. Elaindica-nos que:

1. A forca magnetica e sempre perpendicular ao vector velocidade. Talcomo a aceleracao centrıpeta, a forca magnetica so muda a direccao davelocidade, e nao altera a intensidade da velocidade. Assim, a forcamagnetica deflecte as trajectorias das partıculas carregadas mas naoaltera a energia cinetica das partıculas.

2. A forca magnetica nao exerce qualquer accao em partıculas carregadasque se movam paralelamente (ou anti-paralelamente) ao campo magnetico.Isto porque em modulo, a forca de Lorentz e:

|~FB| = q |~v| | ~B| sin θ (103)

onde θ e o angulo que ~v faz com ~B. Do mesmo modo, vemos que a forcade Lorentz e maxima quando a partıcula se move perpendicularmenteao campo electrico. Nesse caso, em modulo, temos |~FB| = q |~v| | ~B|.

3. A intensidade da forca magnetica e proporcional a intensidade da cargae ao modulo da velocidade da partıcula.

4. A direccao da forca magnetica depende do sinal da carga: as cargaspositivas sao deflectidas em sentido contrario ao das cargas positivas. Adireccao e sentido da forca magnetica pode determinar-se pela regra damao direita: se a carga for positiva, colocando a mao de tal forma que os

Page 45: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 45

dedos se fechem no sentido da rotacao de ~v para ~B, a direccao e sentidoda forca sao a direccao e sentido apontados pelo polegar estendido. Sea carga for negativa, a direccao da forca magnetica e ainda a mesmamas o sentido e o oposto ao apontado pelo polegar.

Como se pode ver pela expressao (102) a unidade do campo magnetico nosistema SI e Newton/ [coulomb (m/s)]. Outra possibilidade e em funcao doampere e fica: N/[(C/s) m] = N/ (A m). A esta unidade chama-se tambem1 Tesla (T). Outra unidade tambem muito usada para o campo magnetico eo Gauss (G):

1 T = 104 G (104)

O campo magnetico responsavel pela orientacao dos magnetes a superfıcie daTerra tem uma intensidade de 1 G (10−4 T), enquanto o campo magneticoa superfıcie da Lua tem uma intensidade de 10−4 G (10−8 T). O campomagnetico em torno de um pequeno magnete e da ordem de 102 G (10−2 T).

13.2 Movimento de uma partıcula carregada num cam-po magnetico.

Consideremos uma partıcula de carga positiva que se desloca entre as pla-cas de um condensador e que entra com uma velocidade perpendicular aocampo electrico. Essa partıcula vai sofrer uma forca (electrica) de Lorentz(31) que tem a mesma direccao que o campo electrico entre as placas. Con-sideremos que o eixo dos y esta alinhado segundo o campo electrico e que avelocidade inicial da partıcula e segundo o eixo dos x. Entao a partıcula vaisofrer uma aceleracao segundo o eixo dos y, ou seja, vai ter um movimentouniformemente acelerado segundo o eixo dos y. Segundo o eixo dos x, o seumovimento vai ser uniforme (ver a figura 7). A partıcula vai desviar-se para aplaca negativa, num movimento uniformemente acelerado, ao mesmo tempoque progride num movimento uniforme ao longo das placas.

Consideremos um outro caso, em que uma partıcula de carga positiva,com uma velocidade inicial segundo o eixo dos x, entra numa regiao onde haum campo magnetico uniforme, alinhado segundo o eixo dos y (ver figura 7(b)). Neste caso, inicialmente, a forca de Lorentz vai ter um sentido positivodo eixo dos z. Esta forca vai originar uma componente da velocidade segundoo eixo dos z, ou seja, a direccao da velocidade vai variar. Mas, se a direccao da

Page 46: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 46

Figure 7: (a) Trajectoria de uma partıcula carregada positivamente numcampo electrico: a forca tem a mesma direccao do campo. (b) Movimento deuma partıcula carregada positivamente num campo magnetico: a trajectoriae circular. Se a velocidade inicial da partıcula for suficientemente pequena,o raio da trajectoria sera suficientemente pequeno para caber na regiao ondese encontra o campo magnetico.

velocidade muda, a direccao da forca tambem vai mudar. Em todos os pontos,temos que a direccao da forca e perpendicular a direccao da velocidade: ouseja, temos um movimento circular em torno de um eixo paralelo ao campomagnetico. Se a velocidade da partıcula for suficientemente pequena, e/ou ocampo magnetico for suficientemente intenso, pode ser possıvel fazer com quea partıcula continue numa orbita circular entre as duas placas. Desta forma,

Page 47: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 47

um campo magnetico pode servir para armazenar cargas. Matematicamente,sendo ac a aceleracao centrıpeta, temos:

FB = q v B = m ac = mv2

R⇒ R =

m v

q B(105)

Se o campo magnetico for suficientemente forte, o raio e suficientementepequeno para a trajectoria da partıcula ficar completamente contida dentroda regiao onde esta o campo magnetico. Nesse caso, a partıcula, uma veztendo entrado nessa regiao, ja nao consegue sair dela. A velocidade angulardo movimento, ω = v/R, e:

ω =q B

m(106)

e a frequencia do movimento, f , e:

f =ω

2π=

q B

2π m(107)

donde se deduz que o perıodo, T , e:

T =1

f=

2π m

q B(108)

Notemos que tanto o perıodo, como a frequencia, como a velocidade angular,nao dependem da velocidade da partıcula. As partıculas que se deslocama velocidades elevadas movem-se em circunferencias de raios maiores que aspartıculas que se movem a velocidades menores, mas todas as partıculas quepossuam a mesma razao de carga/massa levam o mesmo tempo a completaruma circunferencia.

Se uma partıcula tem uma velocidade inicial com uma componente naonula paralela ao campo magnetico, ao longo desta direccao o campo magneticonao exerce qualquer forca e essa componente da velocidade vai manter-seconstante. O movimento da partıcula pode entao decompor-se num movi-mento circular, que ten lugar num plano perpendicular a direccao do campomagnetico, com um movimento uniforme, ao longo da direccao do campomagnetico. Ou seja, o movimento da partıcula vai ser em espiral (vide figura8 (a)), sendo o eixo da espiral paralelo ao campo magnetico. Quando o campomagnetico nao e uniforme, o raio da circunferencia varia ao longo da espiral,sendo menor onde o campo e mais intenso (vide figura 8 (b)). Em pontos

Page 48: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 48

em que o campo e suficientemente intenso, a partıcula pode ser reflectida,ou seja, o sentido da sua velocidade pode inverter-se. Se uma partıcula forreflectida nas duas extremidades de uma trajectoria circular diz-se que estaapanhada numa garrafa magnetica. Partıculas como electroes e protoes, emi-tidas pelo Sol, sao apanhadas desta maneira pelo campo magnetico terrestre,formando os chamados Van Allen radiation belts, que produzem arcos bemacima da atmosfera terrestre, entre o polo Sul e polo Norte terrestres. Osprotoes e os electroes que constituem esses arcos oscilam entre os dois ex-tremos da garrafa magnetica num perıodo de segundos. Quando as emissoessolares sao particularmente intensas, o excesso de carga produz um campoelectrico adicional que contraria a reflexao na atmosfera. Os electroes em ex-cesso conseguem entao penetrar a atmosfera, colidindo com os seus atomose moleculas, excitando-os e fazendo-os emitir luz. E esta luz que constituia aurora, uma cortina de luz que se encontra a uma altitude de uns 100kilometros. Os atomos de oxigenio emitem luz verde e os atomos de azotoemitem luz cor de rosa, mas muitas vezes a intensidade nao e muito grande eapenas se ve luz branca. O espectaculo da aurora estende-se ao longo de umarco chamado a auroral oval. Este arco e muito extenso, mas a sua espes-sura e apenas 1 km porque as trajectorias dos electroes convergem a medidaque eles fazem a sua espiral descendente, uma vez que as linhas do campomagnetico nessa direccao sao convergentes.

Outra aplicacao do movimento de cargas electricas num campo magneticoe nos aparelhos que medem a velocidade do fluxo sanguıneo: um medidorelectromagnetico do fluxo. Dentro do sangue ha uma grande concentracaode cargas electricas sob a forma de ioes. O plasma sanguıneo tem uma con-centracao aproximada de 145 mM/l de ioes Na+ e 125 mM/l de ioes Cl−.Para simplificar, consideremos que ha um certo numero de ioes carregadosque se deslocam com uma velocidade, ~v, alinhada no sentido do eixo dosx. Aplicando a arteria um campo magnetico, ~B, no sentido do eixo dosy, as cargas positivas vao sofrer uma forca de Lorentz magnetica no sen-tido positivo do eixo dos z e as negativas vao sofrer uma forca oposta. Ocampo magnetico gera uma separacao de cargas. (Este efeito foi medido pelaprimeira vez em 1879, por um estudante chamado Edwin H. Hall, num fio decobre e e chamado o efeito Hall). Esta separacao de cargas, pelo seu lado,gera um campo electrico no sentido negativo do eixo dos z. O equilıbrio

Page 49: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 49

Figure 8: (a) Movimento de uma partıcula carregada com uma velocidade ~vque nao e perpendicular ao campo magnetico: a trajectoria e em espiral. (b)O mesmo que em (a) mas para um campo magnetico de intensidade variavel.

estabelece-se quando a forca total que actua nas cargas e nula:

FE = FB ⇒ q E = q v B (109)

Considerando a arteria como um condensador, e usando a relacao entre ocampo electrico e a d.d.p de um condensador (??) fica:

q∆Φ

d= q v B ⇒ v =

∆Φ

B d(110)

Medindo a diferenca de potencial (que se chama a diferenca de potencial deHall) que se estabelece entre os dois lados de uma arteria apos a aplicacaode um campo magnetico, podemos calcular a velocidade do fluxo sanguıneo.Na pratica, estas diferencas de potencial sao muito pequenas. Considerandouma arteria com 1 cm de diametro, e uma velocidade de v = 30 cm/s, numcampo magnetico de 1000 G, a diferenca de potencial e:

∆Φ = v B d = (0.30m/s) × (0.1 T) × (0.01 m) = 0.3 × mV (111)

Page 50: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 50

Um outro problema nesta aplicacao e que a acumulacao de cargas dentro daarteria vai gerar uma acumulacao de cargas de sinal contrario do lado de forada arteria. Para evitar isso, usam-se campos magneticos alternados, que mu-dam de sentido periodicamente. A frequencia com que o campo magneticomuda tem que ser suficientemente pequena para que possa haver acumulacaode cargas na parte interna da arteria, e suficientemente grande para que naohaja acumulacao na parte externa da arteria. Verificou-se que frequencias dealgumas centenas de Hz eram satisfatorias.

14 Forca magnetica sobre uma corrente elec-

trica.

Ja vimos que um campo magnetico exerce uma forca que sobre uma partıculaem movimento. Uma corrente e formada pelo movimento concertado demuitas partıculas, por isso um campo magnetico vai exercer uma forca sobreuma corrente. Sendo q = i ∆t a quantidade de carga que passa numa seccaode um fio num certo intervalo de tempo, a forca magnetica que um campo ~Bexerce sobre uma corrente I e:

FB = q ~v × ~B = I ∆t~v × ~B = I ~L× ~B (112)

onde ~L = ~v ∆t e um vector que define a direccao da corrente. Quando o fioonde a corrente circula nao e rectılineo, consideramos elementos desse fio quesejam suficientemente pequenos para podermos desprezar a curvatura e paracada um desses elementos ~dL temos uma forca magnetica diferencial, ~dFB:

~dFB = I ~dL× ~B (113)

A forca total que o campo magnetico, ~B, exerce sobre o fio, obtem-se in-tegrando (113) ao longo do fio. E preciso notar que nao ha correntes emelementos isolados de um fio. A corrente entra sempre de um lado e sai dooutro. As expressoes que derivamos aplicam-se nesses casos.

14.1 O motor de corrente contınua.

Consideremos um circuito rectangular atraves do qual flui uma corrente I eque esta imerso num campo magnetico uniforme ~B. Consideremos o caso em

Page 51: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 51

que o circuito se encontra numa posicao em que a normal ao plano do circuitofaz um angulo θ com o campo magnetico. Seja qual for o valor de θ, o ladomaior, de tamanho a e sempre perpendicular ao campo magnetico (esse ladoe sempre paralelo ao plano do magnete e esse plano e sempre perpendicularao campo magnetico). Por outro lado, os lados menores, de tamanho b, fazemum angulo 90 − θ com o campo magnetico. O modulo da forca magneticaexercida nos lados mais pequenos e pois:

|~F2| = |~F4| = I b | ~B| sin(90− θ) = Ib| ~B| cos θ (114)

Como os sentidos da corrente sao contrarios de um lado e do outro, os sen-tidos destas forcas sao opostos. A orientacao e a mesma, pelo que as forcasexercidas nos lados mais pequenos se anulam.

Consideremos agora as forcas sobre os lados maiores do circuito. Comoos lados maiores sao perpendiculares ao campo magnetico, as duas forcas emmodulo tem o valor seguinte:

|~F1| = |~F3| = I a | ~B| (115)

e como a corrente flui em sentido contrarios em cada um deles, as forcasvao tambem ser em sentido contrario. Mas, neste caso, a linha de accao dasforcas e diferente da direccao das forcas, pelo que estas forcas vao dar origema um momento sobre o circuito, que vai fazer o circuito rodar em torno deum eixo que divide os lados menores ao meio. Por definicao de momento deuma forca, ~τ = ~r × ~F , o momento total devido as duas forcas e:

|τ | = |~r1 × ~F1 + ~r3 × ~F3| = 2|~r1 × ~F1| = 2

(b

2

) (I a | ~B|

)sin θ = I A | ~B| sin θ

(116)

onde o torque produzido pelas duas forcas e igual porque ~r1 = −~r2 e ~F1 =−~F2 e onde A e a area do circuito, A = a b. Este e o momento total da forcamagnetica sobre o circuito. Foi deduzido para um circuito com uma formaespecıfica, mas e valido para qualquer circuito que delimite a mesma area A.E, se em vez de um circuito, tivermos N circuitos, o momento que o campomagnetico induz em cada um deles e igual, pelo que o momento total nessecaso e:

|~τ | = (N I A) | ~B| sin θ (117)

Page 52: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 52

O momento e maximo quando θ = 90o, ou seja, quando o plano do circuitoe paralelo ao campo magnetico. A quantidade N I A caracteriza todas aspropriedades do circuito: o numero de espiras, a sua area e a corrente quepassa nas espiras. A equacao (117) diz-nos que um circuito fechado, noqual passa uma corrente, fica sujeito a um momento quando submetido aum campo magnetico. Este e o princıpio do funcionamento dos motoreselectricos, nos quais energia electrica, que gera a corrente, e convertida emenergia mecanica, a da rotacao do circuito e do tudo aquilo que a ele estiverligado.

15 Lei de Biot-Savart.

No inicio do seculo 19 pensou-se que a electricidade e o magnetismo eramfenomenos independentes. Mas, em 1820, o fısico dinamarques Hans Chris-tian Oersted (1777-1851) descobriu, por acidente, que uma corrente electricapode influenciar a orientacao de uma bussula. Isto acontece porque umacorrente electrica cria um campo magnetico local, que se sobrepoe ao campomagnetico terrestre, desviando a bussula da sua posicao normal.

A lei que descreve o campo magnetico criado por uma corrente, I, queflui num elemento de circuito, d~s, situado num ponto P, chama-se lei deBiot-Savart e diz o seguinte:

d ~B =(

µ0

)Id~s× ~r

r3(118)

onde ~s representa um elemento do circuito, dirigido no mesmo sentido quea corrente e ~r e o vector que descreve a posicao do ponto P em relacao aoelemento d~s. Notemos que o modulo do campo magnetico e inversamenteproporcional ao quadrado da distancia de um ponto ao fio, de forma semel-hante ao que sucede com o campo electrico. Aquela lei chama-se lei deBiot-Savart. Esta lei e o correspondente magnetico da lei de Coulomb. A leide Coulomb permite-nos calcular o campo electrico de uma carga pontual,ou seja, diz-nos que as fontes do campo electrico sao as cargas electricas. Alei de Biot-Savart permite-nos calcular o campo magnetico a partir de umadistribuicao de correntes. Diz-nos que uma das fontes do campo magneticosao as cargas em movimento.

Page 53: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 53

Aplicacoes.

Campo magnetico de um fio rectılineo.Vamos aplicar a lei de Biot-Savart ao campo magnetico criado por um fiocondutor. Consideremos que o fio se encontra colocado verticalmente, noplano do quadro e que a corrente corre debaixo para cima. Pela regra damao direita, o campo magnetico criado por qualquer elemento do fio, numponto, P , do plano do quadro, a direita do fio, e perpendicular ao plano doquadro e tem um sentido para dentro do plano do quadro. Por isso, podemoscalcular o modulo do campo magnetico total somando os modulos de todosos campos magneticos diferenciais:

| ~B| = |∫fio

d ~B| =∫fio|d ~B| = µ0 I

4 π

∫ +∞

−∞

sin θ|ds|r2

(119)

onde θ e o angulo que o elemento do fio, d~s, faz com o vector ~r, que liga esseelemento ao ponto P . Temos que:

tan (180− θ) =R

s⇒ s =

R

tan (180− θ)(120)

onde R e a distancia a que o ponto P se encontra do fio e portanto:

ds = − R

sin2 (180− θ)= − R

sin2 θdθ (121)

Por outro lado, temos tambem:

R

r= sin (180− θ) = sin θ ⇒ 1

r2=

sin2 θ

R2(122)

Substituindo (121) e (122) em (119) fica:

| ~B| = µ0 I

4 π

∫ θ2

θ1

sin θ

Rdθ =

µ0 I

4 π R[− cos θ]θ2

θ1=

µ0 I

4 π R(cos θ1 − cos θ2) (123)

Quando o fio e infinito θ1 = 0o e θ2 = 180o e o campo magnetico no ponto Pfica:

| ~B| = µ0 I

2 π R(124)

O modulo do campo magnetico num ponto P so depende da distancia doponto ao fio. As linhas do campo magnetico criado por um fio rectılineo

Page 54: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 54

sao pois circunferencias centradas no fio e o campo magnetico e tangentea essas circunferencias em cada ponto. Se nos fecharmos os dedos da maodireita na mesma direccao em que o campo magnetico roda ao longo dessacircunferencia, o polegar estendido aponta no sentido da corrente. Assim, sea corrente for para cima, as circunferencias devem ser percorridas no sentidocontrario ao dos ponteiros do relogio e vice versa.

Forca magnetica entre dois fios carregados.Consideremos dois fios condutores, a e b, paralelos, com correntes parale-las, Ia e Ib. Para calcular a forca que um fio exerce sobre o outro, con-sideramos primeiro o campo magnetico criado por um dos fios e o efeitodesse campo magnetico sobre o outro fio. Como vimos antes, o modulo docampo magnetico criado pelo fio a nos pontos onde se encontra o fio b e| ~Ba| = (µ0 Ia)/(2 π d), onde d e a distancia entre os dois fios. Fechando osdedos em torno do fio a de forma a que o polegar aponte no sentido da cor-rente no fio a vemos que o campo magnetico criado pelo fio a em b e dirigidopara baixo, nesse ponto. Podemos aplicar a lei (112) para calcular a forcamagnetica que este campo magnetico exerce sobre a corrente que corre no fiob. Como o campo magnetico e perpendicular ao fio, o modulo da forca e:

|~FB| = Ib L | ~Ba| =µ0 L Ia Ib

2 π d(125)

Pela regra da mao direita, vemos que a forca e perpendicular ao fio b (comoos fios sao paralelos e tambem perpendicular ao fio a) e dirigida no sentido dofio a. Ou seja, dois fios paralelos, com correntes no mesmo sentido, atraem-se.E facil mostrar que se as correntes forem antiparalelas, os fios repelem-se.

15.1 Lei de Ampere.

A lei de Ampere e o correspondente magnetico da lei de Gauss e diz-nos que:∮~B · d~s = µ0 I (126)

onde o integral de ~B · d~s e feito ao longo de um circuito fechado imaginario,tambem chamado circuito de Ampere e a corrente I e a corrente total atravesda superfıcie delimitada por esse circuito. O sentido do vector d~s e dado pelaregra seguinte: fechando os dedos da mao direita no sentido da integracao, opolegar aponta o sentido positivo da corrente. Se a corrente for em sentido

Page 55: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 55

contrario a esse, por definicao, o seu sentido e negativo.

Da mesma forma que usamos a lei de Gauss, que relaciona o fluxo docampo electrico atraves de uma superfıcie fechada com a carga total dentroda superfıcie, para calcular o campo electrico, podemos usar a lei de Amperepara calcular o campo magnetico, quando a distribuicao de correntes temuma simetria particular. Como exemplo, vamos aplicar a lei de Ampere aocampo magnetico criado por um fio rectilıneo. Consideremos um circuitoimaginario circular, centrado no fio. Como a distribuicao de correntes temsimetria cilındrica, concluımos que o campo magnetico tem a mesma intensi-dade em todos os pontos que se encontrem a mesma distancia do fio, ou seja,em pontos que se encontrem numa circunferencia centrada no fio. Supon-hamos que o campo magnetico tinha uma direccao radial. Este campo naoobedece a lei de Ampere porque ~B ·d~s = 0, e o lado direito de (126) seria nulomesmo quando a corrente nao e nula. Concluımos pois que a componente ra-dial do campo magnetico criado por uma corrente e nula. Se o campo tivesseuma direccao nao radial, poderia sempre ser decomposto numa direccao ra-dial e uma direccao tangente, mas ja sabemos que a direccao radial nao epossıvel. Por isso, concluımos que o campo magnetico criado por uma cor-rente e tangente a circunferencia em todos os pontos. Ha duas possibilidades:ou o campo magnetico e no sentido de d~s, ou e no sentido inverso. Vamossupor que e no mesmo sentido. Se esta opcao estiver errada, surgir-nos-a umsinal negativo no modulo. Aplicando o lado direito da lei de Ampere (126):∮

~B · d~s =∮| ~B| cos θ|d~s| = | ~B|

∮ds = | ~B| (2πr) (127)

Pela lei de Ampere, isto e igual a µo I e o modulo do campo magnetico fica:

| ~B| = µo I

2πr(128)

como ja tınhamos concluido pela lei de Biot-Savart.

15.2 Inducao Magnetica.

Ja vimos que correntes electricas geram campos magneticos. Agora vamosver o inverso: como os campos magneticos podem gerar correntes electricas.Consideremos um circuito electrico no qual nao circula nenhuma corrente eque se move num campo magnetico perpendicular ao plano do circuito. As

Page 56: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 56

cargas que estao em repouso no circuito, estarao em movimento em relacaoao campo magnetico e, pela lei de Lorentz, (102), vai exercer-se uma forcasobre elas, ou seja, vai-se gerar uma corrente. A este fenomeno chama-seinducao magnetica. Podemos dizer que a inducao magnetica produz umaf.e.m. e que essa f.e.m. tem o efeito de criar uma corrente. A intensidade daf.e.m. e funcao do campo magnetico atraves de um conceito de fluxo que javimos antes a proposito da lei de Gauss.

Consideremos um campo magnetico uniforme, ~B, e uma superfıcie plana,de area A. Chama-se fluxo magnetico, FB, a quantidade de campo magneticoque passa atraves da superfıcie:

FB =∫

~B · d~S (129)

onde o integral e feito sobre a superfıcie de area A. Quando o campo e normala superfıcie fica ~B · d~S = B dS, e se o campo e uniforme, podemos passa-lopara fora do integral (129) e fica:

FB = B∫

dS = B A (130)

Considerando o campo magnetico representado pelas suas linhas de campo,quanto maior for o numero de linhas por unidade de volume tanto maior aintensidade do campo e tanto maior o fluxo. No sistema SI, a unidade dofluxo magnetico e o weber (Wb), em honra do fısico alemao Wilhelm EduardWeber (1804-1891). O campo magnetico pode entao exprimir-se em Wb/m2,uma unidade a que chamamos T:

1 Wb/m2 = 1 T = 104 G (131)

A relacao matematica entre o valor da f.e.m. gerada por inducao e o campomagnetico foi determinada experimentalmente por Faraday e e:

∆Φ = −dFB

dt(132)

que nos diz que a f.e.m. gerada pelo movimento de um circuito num campomagnetico ~B e proporcional a taxa de variacao do fluxo do campo magneticoatraves da superfıcie delimitada pelo circuito. O sinal menos indica que af.e.m. gerada se opoe a causa que a gerou (lei de Lenz).

Page 57: F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao. · PDF filec L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 F´ısica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdu¸c˜ao.

c©L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 57

A lei de Faraday diz-nos que variar o fluxo magnetico atraves de umcircuito e equivalente a ligar esse circuito a uma bateria. A corrente no cir-cuito dura apenas enquanto durar a variacao do fluxo magnetico. O fluxomagnetico pode variar se campo magnetico variar, se o angulo que o campomagnetico faz com o plano do circuito variar, ou se a area do circuito variar.

Vemos assim que enquanto cargas que sao postas em movimento por umcampo electrico criam um campo magnetico, magnetes em movimento, oumais geralmente, uma variacao do campo magnetico gera um campo electrico.A inducao magnetica mostra pois a ligacao que existe entre os fenomenoselectricos e os fenomenos magneticos.

Aplicacao.Considere um circuito com uma area de 0.6 m2 e que consiste em 20 espiras.Seja R = 12 Ω a resistencia do circuito. Supondo que o campo magnetico ereduzido a uma taxa constante de 8000 G para 3000 G em 2 s, qual o valorda corrente que se gera no circuito? Podemos escrever a lei de Faraday como:

∆Φ = −20∆FB

∆t= −20 A

∆B

∆t(133)

porque neste caso a area e constante e o que esta a diminuir e a intensidadedo campo magnetico. A f.e.m. ∆Φ gerada por esta diminuicao e pois:

f.e.m. = −20 × (0.6 m2) × (0.8− 0.3) T

2 s= − 3 V (134)

Pela lei de Ohm, a intensidade da corrente que flui no circuito enquanto ocampo magnetico diminui e:

I =∆Φ

R=

3 V

12 Ω= 0.25 A (135)

Assim que o fluxo magnetico deixa de variar no circuito, esta corrente cessa.