Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 3 – S. S. Mizrahi & D. Galetti

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Captulo 3 Nucldeos instÆveis e radioat- ividade 3 Nucldeos instÆveis e radioatividade 102 3.1 Introduªo ................................................ 102 3.2 Radionucldeos e sØries radioativas ............................ 103 3.3 Lei de decaimento exponencial ................................ 108 3.4 Decaimento multimodal ..................................... 110 3.5 Decaimento seqüencial ...................................... 114 3.5.1 Produªo de material radioativo ......................... 115 3.5.2 Equilbrio secular ..................................... 116 3.6 Unidades ................................................. 118 3.7 Abundncia isotpica e dataªo ............................... 120 3.8 Emissªo de uma partcula pesada .............................. 124 3.9 Emissªo de elØtrons, psitrons e neutrinos ....................... 125 3.10 Emissªo de raios e o processo de conversªo interna .............. 129 3.11 ApŒndice A: MØtodo de transformada de Laplace ................. 130 3.12 Problemas ................................................ 132 3.13 Bibliograa ............................................... 133 3.1 Introduªo A observaªo dos nucldeos naturais, ou mesmo aqueles produzidos em laboratrio, mostra que nem todos sªo estÆveis. Os nucldeos instÆveis ou radioativos, tambØm chamados radionucldeos, foram amplamente estudados e classicados, sendo tam- bØm apresentados na chamada tabela de nucldeos (veja as Figuras 1.4 e 1.5) jun- tamente com seus diversos modos de decaimentos seqüenciais atØ alcanarem algum nucldeo estÆvel. Em uma primeira abordagem, tipicamente fenomenolgica, podemos caracterizÆ-los sem intenªo imediata de descrever os processos de busca da estabili- dade de forma microscpica e completa. De fato, apresentaremos apenas descriıes 102 Mizrahi & Galetti

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Chapter 3 – Nuclídeos instáveis e radioatividade.Nuclear Physics and Subnuclear ParticlesA first course for undergraduate students.In Portuguese, by S. S. Mizrahi & D. Galetti.

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Capítulo 3

Nuclídeos instáveis e radioat-ividade

3 Nuclídeos instáveis e radioatividade 1023.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1023.2 Radionuclídeos e séries radioativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1033.3 Lei de decaimento exponencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1083.4 Decaimento multimodal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1103.5 Decaimento seqüencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114

3.5.1 Produção de material radioativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1153.5.2 Equilíbrio secular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116

3.6 Unidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1183.7 Abundância isotópica e datação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1203.8 Emissão de uma partícula pesada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1243.9 Emissão de elétrons, pósitrons e neutrinos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1253.10 Emissão de raios e o processo de conversão interna . . . . . . . . . . . . . . 1293.11 Apêndice A: Método de transformada de Laplace . . . . . . . . . . . . . . . . . 1303.12 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1323.13 Bibliogra�a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133

3.1 IntroduçãoA observação dos nuclídeos naturais, ou mesmo aqueles produzidos em laboratório,mostra que nem todos são estáveis. Os nuclídeos instáveis ou radioativos, tambémchamados radionuclídeos, foram amplamente estudados e classi�cados, sendo tam-bém apresentados na chamada tabela de nuclídeos (veja as Figuras 1.4 e 1.5) jun-tamente com seus diversos modos de decaimentos seqüenciais até alcançarem algumnuclídeo estável. Em uma primeira abordagem, tipicamente fenomenológica, podemoscaracterizá-los sem intenção imediata de descrever os processos de busca da estabili-dade de forma microscópica e completa. De fato, apresentaremos apenas descrições

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3.2 Radionuclídeos e séries radioativas 103

gerais daqueles processos de transmutação.Núcleos instáveis são aqueles que se desintegram ou se transformam1 depois de sua

formação. Em um certo intervalo de tempo após a sua criação, eles perdem sua iden-tidade transformando-se em outros núcleos de massas e/ou cargas diferentes; diz-setambém que sofrem uma transmutação. Cada espécie, ou nuclídeo, possui um tempocaracterístico próprio chamado tempo de meia-vida � que é o tempo aproximado queuma amostra inicial com N0 núcleos leva para reduzir-se à metade, ou seja, a outrametade tenha se transformado em outro ou outros nuclídeos. Por ser um processo prob-abililístico não há previsão de quando, individualmente, um núcleo irá decair, contudo,coletivamente cada radionuclídeo possui sua própria constante de decaimento (sendoinversamente proporcional ao tempo de meia-vida), que é probabilidade por unidade detempo de transformar-se em outros nuclídeos menos instáveis, com massas menores,que, por sua vez, também podem decair até alcançar um nuclídeo estável. Um decai-mento ocorre com a emissão de partículas massivas, dotadas de energia cinética, ou comemissão de radiação eletromagnética, os chamados raios . Basicamente, os decaimentoocorrem por emissão(a) de um núcleon ou um núcleo leve, por exemplo: próton, nêutron, dêuteron,

partícula �;(b) �� (elétron e antineutrino), �+ (pósitron e neutrino) e captura eletrônica2 (CE);(c) de raios � fótons de alta energia.Empiricamente, foi constatado que nos nuclídeos de massas leve e intermediária,

os mais instáveis decaem por emissão � para isóbaros mais estáveis; entretanto, paraos mais pesados � com mais massa � existe uma competição entre os decaimentos poremissão � e �. A maioria dos radionuclídeos catalogados é produzida arti�cialmentepor reações nucleares induzidas, ou com o bombardeio de núcleos por nêutrons, o queleva o novo nuclídeo a ser um emissor-�, ou emissor-�, ou ainda passar por um processode �ssão, cujos fragmentos serão, em sua maioria, radioativos.

3.2 Radionuclídeos e séries radioativasOs radionuclídeos naturais existentes na Terra têm duas origens: (1) há aqueles re-manescentes � ou residuais � que são a herança dos radionuclídeos primordiais que so-brevivem desde a formação da matéria (produzidos no interior de estrelas), cujos temposde meia-vida excedem o tempo decorrido desde a sua síntese3. (2) Existe também a pro-dução contínua de radionuclídeos, cuja causa são os raios cósmicos que bombardeiam

1Transformação tem aqui o sentido de o núcleo transmutar-se, decaindo por emissões �, �, ou , ou, maisraramente, por emissão de um núcleon ou um dêuteron; en�m, perder sua identidade original. O dicionárioHouaiss Física (de I. Roditi, Editora Objetiva) indica que os verbos decair e desintegrar-se podem ser usadoscom o mesmo sentido.

2A captura eletrônica é o processo de captura de um elétron da camada K do átomo pelo núcleo, AZX +

e�K �! AZ�1Y + �e. Este processo compete com a emissão �

+.3A maioria dos radionuclídeos primordiais decaiu nos últimos 4 bilhões de anos, tempo estimado para a

idade da Terra

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104 Capítulo 3. Nuclídeos instáveis e radioatividade

a Terra desde a sua formação. Os raios cósmicos são partículas que provêm tanto doSol como de fontes mais distantes, são constituídos essencialmente por nêutrons, pró-tons e partículas � que interagem com núcleos. Em particular, alguns interagem comnúcleos que compõem a atmosfera, produzindo assim continuamente radionuclídeosleves. Estes, por sua vez, podem decair emitindo nêutrons secundários que podem serabsorvidos por outros núcleos que se tornam radioativos. Exemplos típicos são: (i) otrítio (31H), que pode ser produzido pelos processos,

n+ 147 N �! T + 12

6 C;

n+ 168 O �! T + 14

7 N;

e que existe na natureza exclusivamente devido à segunda reação. (ii) O isótopo carbono-14 é produzido na atmosfera pela reação

n+ 147 N �! p+ 14

6 C;

e ele se se liga ao oxigênio para formar a molécula CO2, porém é encontrado em muitomaior abundância nos oceanos. Nos últimos 100 anos, a queima de combustíveis fós-seis em grande escala lançou na atmosfera grande quantidade de CO2, causando assimuma alteração no seu estado de equilíbrio natural com o meio ambiente, previamenteexistente.Os radionuclídeos naturais podem ser classi�cados em dois grupos:(a) aqueles remanescentes desde a síntese dos elementos e que não fazem parte de

alguma cadeia radioativa, ou seja, não apresentam uma cadeia de decaimentos sequen-ciais. São em número de 17 e seu tempo de meia-vida excede 5 bilhões de anos (tempoeste maior do que a idade do sistema solar); eles são apresentados na Tabela 3.1 e os

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3.2 Radionuclídeos e séries radioativas 105

núcleos para os quais decaem (núcleos-�lho) são estáveis.

RN Modo T1=2 (anos) Abund. isot. (%)4019K ��; CE 1; 277� 109 0; 01175023V ��; CE 1; 5� 1017 0; 25008737Rb �� 4; 75� 1010 27; 8411348 Cd �� 7; 7� 1015 12; 2211549 In �� 4; 4� 1014 95; 7112352 Te CE > 1; 3� 1013 0; 90813857 La ��; CE 1; 05� 1011 0; 09014460 Nd � 2; 38� 1015 23; 8014762 Sm � 1; 06� 1011 15; 014862 Sm � 7� 1015 11; 315264 Gd � 1; 1� 1014 0; 2017671 Lu �� 3; 78� 1010 2; 5917472 Hf � 2; 0� 1015 0; 162180m73 Ta �+; CE > 1; 2� 1015 0; 01218775 Re �� 4; 3� 1010 62; 618676 Os � 2; 0� 1015 1; 5819078 Pt � 6; 5� 1011 0; 01

Tabela 3.1. Radionuclídeosprimordiais isolados, i.e.,sem cadeia de decaimentossequenciais, com seus modosde decaimento, tempos demeia-vida e abundânciasisotópicas. O decaimento �+

compete com a capturaeletrônica (CE).

(b) Todo radionuclídeo com Z > 83 é membro de uma de três longas cadeias dedecaimento, conhecidas como séries radioativas naturais. Nestas, os nuclídeos decaempor emissão � ou �+, e em cada série o número bariônico pode ser escrito da forma4n+k, onde n é um número inteiro e k = 0; 1; 2; 3. As séries que ocorrem na naturezasão denotadas como: 4n (a série do tório-232), 4n+ 2 (a série do urânio-238) e 4n+ 3(a série do urânio-235 ou actínio); os nomes tório e urânio são devidos ao fato de quesão esses os nuclídeos em que se iniciam os decaimentos sucessivos. Nas Figuras 3.1,3.2 e 3.3 estão apresentadas, respectivamente, a série 4n+2, quando os decaimentos seiniciam no 238U (T1=2 = 4; 47 � 109 a) e terminam no nuclídeo estável 206Pb, a série4n com início no 232Th (T1=2 = 1; 41� 1010 a) e término no nuclídeo estável 208Pb, ea série 4n+ 3 com início no 235U (T1=2 = 0; 7� 109 a) e término no nuclídeo estável207Pb; deve-se notar que todas as séries radioativas terminam em isótopos estáveis dochumbo.Atualmente, a série de decaimentos 4n+ 1 não é observada na natureza, entretanto

ela já deve ter existido quando o elemento que encabeça a série, o neptúnio-237, foiproduzido juntamente com os demais elementos pesados, durante o processo de nucle-ossíntese, e estava presente na formação do sistema solar. O desaparecimento destasérie ocorreu porque o elemento de vida mais longa, o 23793 Np, tem meia-vida de ape-nas 2; 17 � 106 anos, que é um tempo muito menor do que a idade da Terra; assim, osradionuclídeos intermediários não existem mais por terem decaído nos nuclídeos maisestáveis. Contudo, essa série pôde ser "ressucitada", i.e., produzida arti�cialmente e ob-servada, graças à existência dos reatores nucleares, nos quais produziu-se o nuclídeo

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106 Capítulo 3. Nuclídeos instáveis e radioatividade

Figura 3.1: A série do urânio se inicia no 238U e termina no chumbo-206, um nuclídeo estável. Odeslocamento de duas casas à esquerda em diagonal indica um decaimento �, uma casa à direita,um decaimento ��. No eixo das ordenadas está representado o número de nêutrons e na abcissa,o número de prótons. Os decaimentos podem ocorrer por emissão �� ou �, em quatro casos osdois processos competem entre si, como pode ser visto nos radionuclídeos 218Po, 218At, 214Bie 210Bi.

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3.2 Radionuclídeos e séries radioativas 107

Figura 3.2: A série do tório se inicia no 232Th e termina no chumbo-208, um nuclídeo estável. Odeslocamento de duas casas à esquerda em diagonal indica um decaimento �, uma casa à direita,um decaimento ��. No eixo das ordenadas está representado o número de nêutrons e na abcissa,o número de prótons. Os decaimentos podem ocorrer por emissão �� ou �, em dois casos osprocessos competem entre si.

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108 Capítulo 3. Nuclídeos instáveis e radioatividade

Figura 3.3: A série do urânio-235 (por vezes chamada série do actínio) se inicia no 235U e ter-mina no chumbo-207, um nuclídeo estável. O deslocamento de duas casas à esquerda em diago-nal indica um decaimento �, uma casa à direita, um decaimento ��. No eixo das ordenadas estárepresentado o número de nêutrons e na abcissa, o número de prótons. Os decaimentos podemocorrer por emissão �� ou �, em vários casos os dois processos competem entre si.

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3.3 Lei de decaimento exponencial 109

24194 Pu � que praticamente não existe na natureza � que decai, por emissão �, para o23793 Np, que então dá início à série de decaimentos, como mostrado na Figura 3.4.

3.3 Lei de decaimento exponencialA formalização dos processos de decaimento pode ser feita de maneira direta. Consid-eremos inicialmente que � seja a taxa de decaimento ou probabilidade por unidade detempo da desintegração de um núcleo. Se, no tempo t = 0, uma amostra é compostapor N0 núcleos radioativos, em um tempo posterior t teremos

N0 = N(t) +Nd(t), (3.1)

onde N(t) é o número de núcleos que ainda guardam sua identidade (que não se trans-formaram) e Nd(t) é o número de núcleos que sofreram desintegração. Pode-se estab-elecer uma equação fundamental para a descrição do decaimento radioativo admitindo-se que a taxa de variação do número de núcleos originais, �N , deve ser igual à taxa deprodução dos novos núcleos4, isto é,

�N(t) =dNd(t)

dt; (3.2)

ou�N(t) = �dN(t)

dt: (3.3)

A solução,N(t) = N0e

��t; (3.4)fornece o número de núcleos originais que ainda mantêm sua identidade em função dotempo, é chamada lei do decaimento radioativo e é devida a Rutherford. De�nindo otempo de vida-média como � = ��1, temos

N(t) = N0e�t=� : (3.5)

Desta forma, � é o tempo necessário para que uma amostra contendo inicialmente N0núcleos radioativos se reduza a N0=e ' 0; 368 N0 núcleos.Note que p(t) = e�t=� é a probabilidade de que um núcleo não se desintegrou ou

que ainda mantém sua identidade, desde sua formação no tempo t = 0 até um tempoposterior t; complementarmente, q(t) = 1 � e�t=� é a probabilidade de que o núcleoirá decair desde sua formação até o tempo t.Uma outra medida de tempo de redução de uma amostra por desintegração nuclear

é o tempo de meia-vida T1=2, que é o tempo necessário para que uma amostra de N0núcleos se reduza à metade, ou seja,

N(t) = N02�t=T1=2 ; (3.6)

4Considera-se que � não varia com o tempo, outrossim, uma constante dependente do tempo seria umindicador de que nos processos fundamentais as forças nucleares variam com o tempo.

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110 Capítulo 3. Nuclídeos instáveis e radioatividade

Figura 3.4: A série arti�cial neptúnio inicia-se no 237Np e termina no bismuto-209 - um nu-clídeo estável - diferentemente das outras séries que terminam em isótopos do chumbo. O deslo-camento de duas casas à esquerda em diagonal indica um decaimento �, uma casa à direita, umdecaimento ��.

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3.4 Decaimento multimodal 111

o que permite estabeler uma relação entre os dois tempos característicos

T1=2 = � ln 2 ' 0:693� ; (3.7)ou, em termos da constante de decaimento,

T1=2 =ln 2

�� 0; 693

�:

A atividade ou intensidade da emissão radioativa A(t) representa o número de de-caimentos por unidade de tempo; para um amostra contendo N(t) núcleos é de�nidacomo

A(t) = �dN(t)dt

;

sendo proporcional ao número de núcleos radioativos da amostra, no tempo t,

A(t) = �N(t): (3.8)A atividade segue a mesma lei do decaimento radioativo, i.e., se um grama de umaamostra de um material, ou de uma substância, possui em sua composição uma certapercentagem de um radionuclídeo com tempo de meia-vida T1=2, e a amostra apre-senta uma atividade A0 = �N0 em um momento t = 0, com o decorrer do tempo eladiminuirá como A (t) = A02�t=T1=2 .

3.4 Decaimento multimodalO decaimento bimodal é um fenômeno bastante comum na desintegração nuclear � oumesmo no decaimento de partículas elementares �, signi�cando que um núcleo A

ZX(núcleo-pai) tem duas opções possíveis de decaimento. Diz-se, também, que há doiscanais de decaimento que competem entre si. Por exemplo, o 20684 Po pode decair tantopor emissão de partícula � para o núcleo de 20282 Pb como por decaimento �

+ para onúcleo 20683 Bi; cada rami�cação tem sua própria probabilidade por unidade de tempo outaxas parciais de transição �1 e �2. Esquematicamente, tem-se

20684 Po

%&

(�1) �! 20282 Pb (�; 5; 45%)

(�2) �! 20683 Bi (�

+; 94; 55%); (3.9)

os núcleos de 20282 Pb e 20683 Bi são chamados núcleos-�lhos. Cada modo tem a si associ-ada uma percentagem: estatisticamente, 5; 45% dos decaimentos ocorrem por emissão� e nos demais 94; 55% dos casos os decaimentos ocorrem por emissão �+. A somadas constantes de decaimento, �1 + �2, fornece a taxa de transição total. As razões derami�cação5 para os decaimentos são de�nidas então por

f1 =�1

�1 + �2= 0; 0545; f2 =

�2�1 + �2

= 0; 9455: (3.10)

5Branching ratio em inglês, é a fração de núcleos (ou partículas) de uma determinadas espécie, que decaempor um particular modo, com relação ao número total de núcleos (ou partículas) que decaem por todos ospossíveis modos.

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112 Capítulo 3. Nuclídeos instáveis e radioatividade

Assim, dada uma amostra de núcleos AZX , inicialmente com NX;0 núcleos radioativos,com o passar do tempo este número irá diminuir, sendo sua variação dada pela equação

dNXdt

= ��1NX � �2NX ; (3.11)

cuja solução éNX(t) = NX;0e

�(�1+�2)t;

de onde constata-se que � = (�1 + �2)�1 é o tempo de vida-média da amostra inicialno estado ou nível de energia em que se encontra. Pode-se também escrever

1

�=1

�1+1

�2;

sendo �1 e �2 as vidas-médias para cada canal de decaimento6.Se denotamos, de forma genérica, os núcleos-�lhos como A1

Z1Y e A2

Z2W , sua produção

é representada pelas equações

dNYdt

= �1NX edNWdt

= �2NX ; (3.12)

cujas soluções são respectivamente

NY (t) = f1NX;0

�1� e�(�1+�2)t

�(3.13)

eNW (t) = f2NX;0

�1� e�(�1+�2)t

�: (3.14)

Veri�ca-se que há conservação do número de núcleons no decorrer do tempo, isto é,NX(t) + NY (t) + NW (t) = NX;0, e, assintoticamente, o nuclídeo X deixa de ex-istir, transmutando-se no nuclídeo Y ou no W , com frações f1 e f2 do valor inicial:limt!1NX(t) = 0, limt!1NY (t) = f1NX;0, limt!1NW (t) = f2NX;0. Esta éuma forma de se estimar o tempo de meia-vida de um nuclídeo; no exemplo do 206Pbo tempo de meia-vida é T1=2 = 8; 8 d ou 7; 6� 105 s, e � = �1+�2 = 9; 12� 10�7 s.Generalizando para decaimentos multimodais, tem-se, da mesma forma, � =

Pi �i

e ��1 =P

i ��1i . Por exemplo, para um processo de decaimento trimodal temos

6429Cu

%�!&

(�1) �! 6428Ni(�

+; 17; 4%)

(�2) �! 6430Zn (�

�; 39; 0%)

(�3) �! 6428Ni (CE; 43; 6%);

(3.15)

onde o tempo de meia-vida do 6429Cu é T1=2 = 12; 7 h e ele pode decair tanto por

emissões �� quanto por captura eletrônica.

6As quantidades �i = ~=� i e � = ~=� são chamadas largura de linha parcial e largura de linha total,pois os níveis de energia dos núcleos que decaem não são bem de�nidos, tendo um intervalo de energia, oulargura, de ordem �, em torno do valor médio E, e para cada canal de�ne-se uma largura de linha �i.

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3.4 Decaimento multimodal 113

Na Figura 3.5 estão apresentados quatro decaimentos típicos de nuclídeos instáveis.Em 3.5-a o núcleo de 22689 Ac pode decair de três diferentes modos que competem entresi: (1) por captura eletrônica, 22689 Ac + e

� ! 22688 Ra + �e (p + e� ! n + �e), (2)

por decaimento � e (3) por decaimento ��, cada um com sua razão de rami�cação fi,como mostrado na Tabela 3.2. Por sua vez, o 226

88 Ra pode decair para o 22286 Rn, em

seu primeiro estado excitado ou para o estado fundamental. Se decair para o estadoexcitado, haverá um decaimento para o estado fundamental com emissão de um raio .

Decai. do 22689 Ac T1=2 = 29 h fi = �i=P

i �i

CE

22689 Ac + e

� ! 22688 Ra + �e

(p+ e� ! n+ �e)0; 17

� 22689 Ac! 222

87 Fr + � 6� 10�5�� 226

89 Ac! 22690 Th + e

� + ��e 0; 83

Decai. do 22688 Ra T1=2 = 1 600 a

22688 Ra! 222

86 Rn� + �

22286 Rn

� ! 22286 Rn + (T1=2 = 0; 3 ns)

0; 06

� 22688 Ra! 222

86 Rn + � 0; 94

Tabela 3.2. Decaimento multimodal do nuclídeo 22689 Ac, por captura eletrônica, por emissão �

e ��, com tempo de meia-vida de 29 horas. Nas últimas duas linhas está descrito o decaimento

bimodal do 22688 Ra, que pode decair tanto para o primeiro estado excitado do22286 Rn, como

para o seu estado fundamental por decaimento �.

Mesmo no caso de partículas subatômicas instáveis pode ocorrer o decaimento mul-timodal, como, por exemplo, com o méson K+, que é (como todos os mésons) umapartícula instável7. Ele tem uma vida-média �K+ = 1; 238 � 10�8 s, ou taxa total dedecaimento � = (�K+)

�1= 8; 078 � 107 s�1. De resultados de diversos experimen-

tos constata-se que o mésonK+ decai por seis diferentes modos, como visto na Tabela

7O sinal + é um lembrete de que o kaon carrega uma unidade de carga elétrica positiva. No modelo aquarks ele é constituído de um quark u e de um antiquark �s.

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114 Capítulo 3. Nuclídeos instáveis e radioatividade

nucleares

5:jpg

Figura 3.5: Alguns processos de decaimento. (a) O actínio-226 apresenta três processos de de-caimento: a CE, a emissão � e o decaimento �� competem entre si; (b) o zircônio-95 decai pordois decaimentos �� seqüenciais; (c) o césio-132 se transmuta por dois processos competitivos:decaimentos �� e �+; (d) o criptônio-73 decai inicialmente para o bromo-73 por decaimento�+ para diferentes níveis de baixa energia; do nível mais excitado ele decai para o selênio-72 poremissão de um próton.

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3.5 Decaimento seqüencial 115

3.3, com respectivas razões de rami�cação.

DecaimentosK+ �! fi �i � 10�7 = 8; 078 fi s�1�+ + �� 0; 635�+ + �0 0; 212�+ + �+ + �� 0; 056�+ + �0 + �0 0; 017�0 + �+ + �� 0; 032�0 + e+ + �e 0; 048

Tabela 3.3. Modos de decaimento do méson K+; fi são as razões de

rami�cação para cada modo.

Note-se que antes e depois do decaimento a carga elétrica total é a mesma, portantoela é uma quantidade conservada; isto vale em todas as reações e decaimentos, tanto emfísica nuclear como na física de partículas subatômicas e elementares. As partículas queaparecem como produto do decaimento são também partículas subatômicas.

3.5 Decaimento seqüencialChama-se decaimento seqüencial o processo pelo qual um núcleo sofre pelo menos doisdecaimentos sucessivos 1 �! 2 �! 3 �! � � � K, iniciando-se no radionuclídeo 1 eterminando no nuclídeo estávelK, como ocorre nas séries radioativas. As equações queregem as taxas de variação do número de núcleos de cada espécie são equações do tipoganhos-e-perdas, e são escritas como

8>>>>>>>>><>>>>>>>>>:

dN1

dt = ��1N1;

dN2

dt = ��2N2 + �1N1...dNK�1dt = ��K�1NK�1 + �K�2NK�2;

dNK

dt = �K�1NK�1;

(3.16)

onde N1(t) é o número de núcleos-pai, N2(t) é o número de núcleos do primeiro �lho,etc, respectivamente � elas são conhecidas como equações de Bateman. Supondo que,inicialmente, apenas o nuclídeo 1 existe em uma amostra, N1 (0) 6= 0, N2 (0) = � � � =NK (0) = 0, a solução dessas equações pode ser obtida usando, por exemplo, o métododa transformada de Laplace (veja o Apêndice A para os detalhes formais).Em uma amostra radioativa a atividade de um radionuclídeo k, Ak (t) = �kNk(t), é

a quantidade medível de referência, por ser o número de transmutações por unidade de

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116 Capítulo 3. Nuclídeos instáveis e radioatividade

tempo. Em particular, paraK = 3, as atividades dos radionuclídeos são escritas como

A1(t) = N1(0)�1e��1t;

A2(t) = N1(0)�1�2

(�2 � �1)�e��1t � e��2t

�(3.17)

e o número de átomos do nuclídeo estável aumenta com o passar do tempo como

N3(t) = N1(0)

"�2�1� e��1t

�� �1

�1� e��2t

��2 � �1

#: (3.18)

Assintoticamente (t ! 1), as atividades se anulam A1(1) = A2(1) = 0, restandoapenas o nuclídeo estável na amostra, N3(1) = N1(0).

3.5.1 Produção de material radioativo

Aqui vamos considerar o seguinte caso particular: uma amostra de uma substância quecontém um isótopo de um determinado elemento é exposta à ação de um �uxo con-stante de nêutrons. Ocorrerá que muitos núcleos desse isótopo absorverão um nêutrone poderão se tornar radioativos por emissão8 de raios �. Como exemplo, vamos consid-erar a reação

n+ 2311Na �! 24

11Na �! 2412Mg + e

� + ��e:Os núcleos do isótopo do sódio, 2311Na, são bombardeados com nêutrons produzidos emum reator nuclear operando a potência constante (o �uxo de nêutrons está estabilizado)e se transmutam no isótopo 24

11Na. Se a taxa de transmutação dos núcleos de 2311Nafor muito baixa, tal que, para um dado intervalo de tempo, possa ser desconsiderada emrelação ao tamanho da amostra (�0t� 1), a taxa de produção do isótopo 2411Na deve seressencialmente constante, não dependendo da quantidade de núcleos de 2311Na. Assim,a Eq. (3.5) para o número de núcleos de 2311Na pode ser escrita na forma aproximada

N23Na (t) = N23Na (0) e��0t ' N23Na (0) (1� �0t) (3.19)

para �0t� 1, portanto

N23Na (t)�N23Na (0) = �pt;onde p = �0N23Na (0). Podemos então escrever a equação para a taxa de transformaçãode núcleos de 23Na como

dN23Na

dt' �p: (3.20)

Contudo, os núcleos de 2411Na decaem por emissão � a uma taxa �, portanto a equaçãopara a taxa de produção de núcleos de 2411Na é

dN24Na

dt= p� �N24Na (3.21)

8Isso não ocorrerá se o nuclídeo for de�ciente em nêutrons, i.e., precise de mais nêutrons para ser maisestável.

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3.5 Decaimento seqüencial 117

com a condição inicial N24Na(0) = 0. A solução desta equação é

N24Na(t) =p

�1� e��t

�; (3.22)

e vê-se daí que, após um tempo t� ��1, a quantidade de núcleos de 2411Na estabiliza-seem N24Na = p=�. Assim, a atividade do nuclídeo 24Na é exatamente a constante p,A24Na = p.Agora pergunta-se: como variará o número de núcleos de 24

12Mg com o tempo,sabendo-se que inicialmente não havia nenhum? Deve-se observar que a taxa de pro-dução de N24Mg deve ser a mesma que a taxa de perda de núcleos de 2411Na, isto é,

dN24Mg

dt= �N24Na (3.23)

e, portanto, integrando-se esta equação obtém-se aquele número

N24Mg(t) = pt�p

�1� e��t

�: (3.24)

Note-se que para � � �0, assintoticamente N24Na ! p=� e N24Mg ! pt � p=�, ouseja, há um crescimento linear do número de núcleos de 24Mg, na mesma proporçãocom que os núcleos de N23Na (0) se desintegram, menos a quantidade �xa de núcleosde 24Na. Em resumo, o número de núcleos de 24Na se mantém constante e o númerode núcleos de 24Mg cresce com a mesma taxa com que os núcleos de 23Na perdem suaidentidade. Veja na Figura 3.6 as diferentes escalas de decaimentos radioativos para osisótopos 23Na

�e��0t

�e 24Na

�e��t

�, note-se que até um tempo t�a curva sólida pode

ser aproximada por uma linha reta como foi feito na Eq. (3.19).

3.5.2 Equilíbrio secular

Para uma série de decaimentos radioativos, onde o tempo de meia-vida do núcleo-paié muito maior que aqueles dos núcleos-�lhos, �1 � �2; �3;:::; �K , em uma amostraque não esteve sujeita a uma exposição radioativa (não perturbada), um equilibrio seestabelece entre as populações dos núcleos. Olhando para o conjunto de Eqs. (3.16),podemos escrever a atividade do núcleo-pai como uma quantidade essencialmente con-stante,A1(t) = �1N1 (t) � Ac, uma vez que a quantidade de núcleos não diminui apre-ciavelmente nos tempos de meias-vidas dos núcleos-�lhos. A equação para o primeironúcleo-�lho é escrita como

dN2dt

= ��2N2 +Ac,e o número de núcleos N2 não pode diminuir mais rapidamente do que a taxa de suaprodução, portanto a atividade desse núcleo-�lho é

A2 (t) = Ac�1� e��2t

�;

que não pode ser maior que Ac, de forma que em um tempo de observação su�cien-temente maior que (�2)�1, i.e., descartando o tempo transiente resulta, A2 (t) � Ac.

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118 Capítulo 3. Nuclídeos instáveis e radioatividade

Figura 3.6: As duas taxas de decaimento: a linha sólida é para o 23Na e a linha tracejada é parao 24Na. Os tempos considerados vão até o valor t�; a comparação entre as curvas justi�ca aaproximação feita na adoção de uma taxa de decaimento constante para o 23Na.

Procedendo da mesma forma para os sucessivos núcleos-�lhos, constatamos que, comrespeito às atividades, um equilíbrio se estabece entre todos os radionuclídeos da cadeia,eles �cam com o mesmo valor Ac,

Ac = �1N1 (t) = �2N2 (t) = � � � = �KNK (t) : (3.25)

Estas equações caracterizam o chamado equilíbrio secular.As equações (3.25) podem ser usadas para calcular o tempo de meia-vida de um

nuclídeo, se este for bastante longo. Por exemplo, um minério contém 23892 U e 22688 Ra

como núcleo-pai e núcleo-�lho, respectivamente, e que estão em equilíbrio secular.Sabe-se que a meia-vida do 226Ra é de 1 620 anos e que na amostra a razão entre onúmero de átomos é N226Ra=N238U = 1=(2; 75 � 106), portanto pelas Eqs. (3.25 )temos

�238U = �226Ra

�N226Ra

N238U

�;

ou

T1=2�23892 U

�= T1=2

�22688 Ra

� N238U

N226Ra

= 4; 46� 109 a:

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3.6 Unidades 119

3.6 UnidadesAs unidades de medida de radioatividade são separadas em duas categorias: aquelasespeci�cadas pela atividade da fonte emissora e aquelas ligadas aos efeitos da radiaçãosobre a matéria.Assim, no que se refere à primeira categoria, observamos que, entre as diversas

unidades de medida para quanti�car a radioatividade de um corpo material, vamos men-cionar duas, classi�cadas no SI9, que são as mais importantes no presente contexto: (i)o becquerel (Bq) e (ii) o curie (Ci). Ambas as unidades quanti�cam a atividade deuma fonte radioativa, com referência direta ao número de transformações nucleares porunidade de tempo. Assim, 1 Bq (unidades de s�1) corresponde a uma atividade média,associada a uma desintegração por segundo, enquanto que 1 Ci é o número de desin-tegrações de um grama do isótopo10 22686 Ra, em um segundo, ou seja 3; 7 � 1010 Bq[1, 2]. Por exemplo, sabe-se que, devido essencialmente aos isótopos 4019K e 146 C ex-istentes nos tecidos orgânicos, uma pessoa com massa corporal média de 70 kg emite,aproximadamente, uma radiação de 10�7 Ci = 3; 7�103 Bq. Ou então, 1 kg de tecidoorgânico irradia aproximadamente 53 Bq. Note que 1 Bq equivale a 2; 7 � 10�11 Ci(2; 7� 10�11 g de 22686 Ra).Para ilustrar essas de�nições iremos discutir, em uma abordagem reversa, a relação

entre a massa de um radionuclídeo e a sua atividade; ou seja, a determinação da massade um determinado radionuclídeo, necessária para construir uma fonte radioativa comuma atividade pré-estabelecida.Sabendo-se que o trítio (T ou 3H) tem uma meia-vida de 12; 6 anos, quantos gramas

serão necessários para produzir uma fonte com atividade de 1 Ci? Usando a expressãopara a atividade (3.8) e escrevendo � = ln 2=T1=2, tem-se

3; 7� 1010 Bq = ln 2

12; 6 a�NT (3.26)

onde NT é o número de átomos de trítio. Como um grama de trítio contém Na=3átomos (Na é o número de Avogadro), logo, dividindo os dois membros da Eq. (3.26)por Na=3, obtemos

3; 7� 1010 BqNa=3

=ln 2

12; 6 a��NTNa=3

�[g] :

Um cálculo direto fornece o valor procurado

NTNa=3

[g] =3; 7� 1010 s�1 � 12; 6 a(6; 02� 1023) =3 ln 2 = 1; 06� 10�4 g;

ou seja, cerca de 100 �g de trítio têm a mesma atividade que um grama de 22686 Ra.

9Sistema Internacional de Unidades.10O rádio-226 tem uma meia-vida de 1 620 anos e decai só por emissão �.

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120 Capítulo 3. Nuclídeos instáveis e radioatividade

No caso do 238U (emissor �), que tem uma constante de decaimento � = 4; 88 �10�18 s�1, a massa necessária para 1 Ci de atividade é

N238U

Na=238[g] =

3; 7� 1010 s�1[(6; 02� 1023) =238] � 4; 88� 10�18 = 3; 00� 10

6 g;

ou seja, são necessárias cerca de três toneladas de 238U .Já no que diz respeito à segunda categoria de unidades, deve-se levar em conta o

efeito da radiação sobre meios materiais, lembrando o papel essencial da ionização, i.e.,da remoção de elétrons dos átomos e moléculas, com a conseqüente produção de íonspositivos. A grandeza física que expressa a ionização produzida por raios eX no ar éa exposição. Embora a unidade tradicional dessas grandeza seja o roentgen (R) � 1 R éde�nido como sendo a quantidade de radiação que produz a carga elétrica de 1 esu em1 cm3 de ar �, a unidade proposta pelo SI é o coulomb por quilograma (C=kg) de ar.Em condições normais de temperatura e pressão a relação entre essas unidades é

1 roentgen (� 1 R) = 1 esu=1 cm3 de ar = 2; 58� 10�4 C=kg de ar:Uma pessoa submetida a uma radiogra�a de abdómen �ca exposta, tipicamente, a 0; 15mC=kg.Para diferenciar dos efeitos da radiação no ar, há uma grandeza relacionada com a

quantidade de energia produzida pela passagem da radiação, ou de partículas, em umdado meio material. Tal grandeza é a dose absorvida e sua unidade tradicional é o rad

1 rad = 10�2 J=kg = 100 erg=g do material:

A unidade respectiva do SI é o gray (Gy), de�nida como

1 Gy = 1 J=kg do material = 100 rad:

Dado um material, há uma relação entre exposição e dose absorvida; para tecidos molesdo corpo, 1 R ' 1 rad: Para o ar 1 R ' 0:9 rad.Danos biológicos causados pela radiação não dependem somente da energia deposi-

tada mas também da natureza da radiação ionizante. Para se ter uma medida dos danos,que seja livre dessa dependência, criou-se uma grandeza física � a dose equivalente �obtida da dose absorvida multiplicando-se essa por um fator de qualidade, !R, que de-pende na natureza e da energia da radiação ou partícula ionizante. Essa grandeza temcomo unidades o rem (roentgen equivalent man)

1 rem = dose em rad � !Re, no SI, o sievert (Sv), sendo sua de�nição

1 Sv = dose em Gy � !R = 100 rem:Os valores do fator de qualidade são tabelados e varrem um intervalo de valores que vaide 1 (raios e X) a 20 (partículas �, fragmentos de �ssão, núcleos pesados). Veja asreferências [1, 2, 3]

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3.7 Abundância isotópica e datação 121

3.7 Abundância isotópica e dataçãoO conceito de abundância isotópica11, denotada como k, foi introduzido no capítulo1, subseção 1.3.1, refere-se à fração (em percentagem) de um dado isótopo em relação àquantidade total dos átomos de um determinado elemento presente em alguma amostra,em uma rocha na crosta terrestre ou em algum outro lugar do universo. Contudo, quantoà crosta terrestre, para alguns elementos a fração do isótopo não é a mesma em todasas rochas, mas irá depender da origem da amostra, ou seja, do local de onde foi ex-traída. Por exemplo, as abundâncias isotópicas dos isótopos estáveis do chumbo são 20882 Pb

= 52; 4%, 20782 Pb

= 22; 1%, 20682 Pb

= 24; 1%, e elas estão imutáveis desde aformação da Terra. Contudo, em certos minérios que contêm os elementos urânio outório, além do chumbo, as abundâncias isotópicas adquirem valores diferentes porqueos isótopos radioativos 238U e 232Th decaem produzindo, no �nal da cadeia, um dosisótopos estáveis do chumbo, 206Pb e 208Pb, respectivamente, causando assim aumentoda sua concentração, comparativamente ao minério que não contém urânio ou tório.Um dos aspectos interessantes, de cunho prático, do conhecimento da abundância

isotópica é que se pode usar a atividade dos radioisótopos para estimar a idade de certosminérios, rochas e mesmo de tecidos biológicos. Os decaimentos funcionam comorelógios nucleares que operam com taxa de variação constante. A seguir apresentamosdois exemplos emblemáticos.

Datação de tecidos biológicos com o isótopo 146 C O isótopo 146C é produzido na at-mosfera terrestre devido à absorção de um nêutron cósmico, ou um nêutron secundário,por um núcleo de 147N . O processo todo é representado pela reação

n + 147N �! p+ 14

6C & 147N + e� + ��e + 0; 156MeV .

(3.27)

Sendo radioativo, o núcleo de 146C decai por emissão �� no mesmo nuclídeo 147N e seu

tempo de meia-vida é de cerca de 5 730 anos. No processo de fotossíntese, as plantasincorporam o carbono por meio da absorção de CO2, o dióxido de carbono, constituído,principalmente, pelos dois isótopos estáveis, 126C (99%) e 136C (1%) e por uma ín�ma,mas não menos importante, fração do radioisótopo 146C (10�10 %, ou, um átomo doisótopo 146C para cerca de 1012 átomos de carbono). Apesar de decair, a concentraçãode 146C atinge um valor estável por ele estar sendo constantemente renovado nos teci-dos enquanto a planta estiver viva. Quanto aos animais, os herbívoros irão incorporarem seus tecidos o 146C na metabolização de plantas ingeridas, que também atingirá umaconcentração estável. Em seqüência, mesmo os animais exclusivamente carnívoros irãoincorporar o 146C em seu organismo quando forem se alimentar de animais herbívoros.Portanto, quase todas as plantas e os animais têm em seus tecidos orgânicos o isótopo146C. Apesar de sua contínua desintegração, também nos animais o estoque de 146C é

11 Às vezes é usado o termo abundância relativa de um isótopo.

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122 Capítulo 3. Nuclídeos instáveis e radioatividade

permanentemente renovado, permanecendo sua concentração constante enquanto con-tinuarem vivos e se alimentando regularmente. Porém, quando uma planta ou um animalmorre ou é carbonizado, em um certo tempo t0, a partir deste exato momento não hámais renovação de 146C e com o passar do tempo a fração deste radioisótopo, em relaçãoaos outros isótopos de carbono presentes nos tecidos mortos ou nos restos calcinados,irá decrescer. Este fato permite usar o 146C como um datador, pois o valor de seu tempode meia-vida está bem estabelecido.Se um grama de um dado tecido orgânico continha N0 átomos de 146C quando vivo,

decorridos 5 730 anos após a sua morte, serão encontrados aproximadamenteN0=2 áto-mos deste isótopo. A equação que permite calcular o número de átomos remanescentesé a (??), assim, conhecendo-se ou medindo-se inicialmente N0 e medindo-se posterior-mente N(t) infere-se o tempo decorrido desde que um material orgânico que contenhacarbono deixou de renovar seu estoque de 146 C,

t = T1=2 log2 (N (0) =N(t)) :

De forma prática, em uma dada amostra mede-se a razão do número de átomos decarbono-14 em relação a todos os átomos de carbono, N14C=NC = 1; 23� 10�12, esteé o valor padrão que se mantém constante nas últimas dezenas de milhares de anos.Logo o tempo calculado é

t = T1=2 log2

�N14C (0) =NCN14C(t)=NC

�; (3.28)

expresso em termos de quantidades medíveis. Entretanto, é mais conveniente medir aatividade especí�ca do 14C em uma amostra, que é a atividade por grama de carbonoA14C = A14C=g (C),

A14C =A14C

NCMC=�14CN14C

NCMC=

�Na ln 2

T1=2 12 g

��N14C

NC

�;

por ser uma quantidade proporcional à fração N14C=NC , onde MC é a massa de umátomo de carbono. Substituindo os valores das constantes,Na = 6; 022� 1023, T1=2 =1; 807 � 1011 s, a atividade especí�ca pode ser expressa em Bq por gramas ou em Cipor grama,

A14C =

�1; 925� 1011 Bq

g

��N14C

Nc

�=

�5; 20

Ci

g

��N14C

Nc

�(3.29)

= 6; 4pCi

g: (3.30)

(1 pCi, ou picocurie, equivale a 10�12 Ci). Portanto, a idade de um tecido ou de umaamostra de vegetal que sofreu carbonização é

t = T1=2 log2

�N14C (0) =NCN14C(t)=NC

�= T1=2 log2

�A14C (0)

A14C (t)

�; (3.31)

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3.7 Abundância isotópica e datação 123

ondeA14C (0) é a atividade especí�ca do material antes de haver ocorrido a interrupçãoda renovação contínua de 14C, e A14C (t) é a atividade especí�ca do material no mo-mento da medição.Um exemplo: qual é a idade de um pedaço de carvão � resíduo de lenha queimada

� encontrado em um sítio arquelógico, que apresenta uma atividade especí�ca de 1; 2pCi g�1?

t =5 730

ln 2ln

�6; 4

1; 2

�= 13 840 a.

Datação de rochas contendo os isótopos 87Rb (rubídio) e 87Sr (estrôncio) Sabe-seque o radionuclídeo 8737Rb tem fração isotópica 8737Rb = 0; 2784 (a fração isotópica éa abundância isotópica dividida por 100; aqui usamos a mesmo símbolo para ambas) edecai por emissão �� com um tempo de meia-vida bastante grande, T1=2 = 4; 75�1010a; assim, este isótopo sobrevive desde a formação do sistema solar e ainda está presentena crosta terrestre. Um núcleo de 8737Rb decai para o 8738Sr que é um nuclídeo estável

8737Rb �! 87

38Sr + e� + ��e:

Agora, nos minérios que contêm apenas o elemento estrôncio, as frações isotópicas são 87Sr = 0; 0700 e 86Sr = 0; 0986, mas nos minérios que contêm os isótopos dosdois elementos, Rb e Sr, a fração isotópica 87Sr será ligeiramente maior por causado decaimento do 8737Rb ! 87

38Sr (~ 87Sr = 0; 07 + "). O excesso " provém daqueledecaimento. Assim, nesses minérios a razão �2 = (0; 07 + ") =0; 0986 é maior doque naqueles que não contêm o Rb, �1 = 0; 07=0; 0986 = 0; 71. É justamente oconhecimento de �2 e �1 que permite então calcular a idade da formação de uma rochaque contenha os dois elementos, Rb e Sr.Pode-se então perguntar: qual é a relação que existe entre " e a idade da rocha?

Considerando que o núcleo de 8737Rb tem um único canal de decaimento, 8737Rb! 8738Sr,

este inicia-se logo a partir da formação da rocha (tempo t = 0) e o número de núcleosde cada nuclídeo da amostra variará com o tempo como

N87Rb(t) = N87Rb(0)e�t=�

eN87Sr(t) = N87Sr (0) + �N87Sr(t);

com�N87Sr(t) = N87Rb(0)

�1� e��t

�= N87Rb(t)

�e�t � 1

�; (3.32)

entãoN87Sr(t) = N87Sr (0) +N87Rb(t)

�e�t � 1

�; (3.33)

onde N87Sr (0) e N87Rb(0) são as quantidades iniciais de núcleos na amostra. A se-gunda igualdade na Eq. (3.32) representa uma relação entre o número de átomos de8738Sr e 8737Rb no tempo t, ou seja, no momento da medição e a Eq. (3.33) representa onúmero total de núcleos de 8738Sr, os já existentes mais aqueles provindos da transmu-tação, no tempo t. Com o decorrer do tempo, enquanto o número de núcleos do 8737Rb

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124 Capítulo 3. Nuclídeos instáveis e radioatividade

decresce, o número de núcleos de 8738Sr aumenta. Agora, as abundâncias isotópicas sãoexpressas em termos das quantidades medidas em amostras.a) Em uma amostra 1, que só contém estrôncio, escrevemos as frações isotópicas e

a razão entre as mesmas,

�1 = 87Sr 86Sr

; com 87Sr =N(1)87SrPiN

(1)iSr

e 86Sr =N86SrPiN

(1)iSr

;

e a somaP

i é feita sobre os dois isótopos do estrôncio.b) Em outra amostra 2, que contém estrôncio e rubídio, da mesma forma tem-se

�2 =~ 87Sr~ 86Sr

com ~ 87Sr (t) =N(2)87Sr(t)PiN

(2)iSr

; ~ 86Sr =N86SrPiN

(2)iSr

:

Assim, obtemos uma relação entre as frações

�2 (t) =N(2)87Sr(t)

N86Sr=N(1)87Sr +

�N87Sr(t)

N86Sr= �1 +

�N87Sr(t)

N86Sr

= �1 +�N(2)87Rb(t)=N86Sr

� �e�t � 1

�;

onde usamos a Eq. (3.33) para a amostra 2. Note que �2 (t) depende de quantidadesconstantes, �1, N86Sr e de outras que dependem do tempo, ou seja, do momento t emque é feita a medição; a presença do fator e�t, que contém o tempo de forma explícita,é crucial.Conhecendo-se o valor de �, medindo-se �1, �2 (t) e a razãoN

(2)87Rb (t)=N86Sr entre

o número de isótopos da amostra 2, obtém-se a idade t da rocha,

t = ��1 ln

"1 +

1

N(2)87Rb(t)=N86Sr

(�2 (t)� �1)#

=T1=2

ln 2ln

2666641 + 1

N(2)87Rb(t)=N86Sr| {z }

amostra 2

0B@N (2)87Sr(t)=N86Sr| {z }

amostra 2

�N (1)87Sr=N86Sr| {z }amostra 1

1CA377775 :

Um exemplo: se são medidas as razões N (2)87Sr(t)=N86Sr = 0; 80 e N

(2)87Rb(t)=N86Sr =

1; 48 na amostra 2, então calcula-se a idade da rocha

t =�6; 85� 1010

�ln

�1 +

0; 8� 0; 711; 48

�= 4; 04� 109 a.

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3.8 Emissão de uma partícula pesada 125

3.8 Emissão de uma partícula pesadaPara tratar o problema da emissão de uma partícula pesada por um núcleo, considera-se,em primeira aproximação, que os núcleons se movem no núcleo sob a ação de um poten-cial médio central e atrativo. A descrição do processo de emissão de partículas eletrica-mente carregadas (p, �, etc.), deve então levar em conta, além da força nuclear atrativa,também um potencial coulombiano, em razão da existência da carga elétrica nuclear.De forma geral, o potencial total (central) sentido por um próton ou por um nêutronpode ser visto na Figura 3.7,onde Eb corresponde à energia (negativa) de um núcleon

Figura 3.7: Forma da função energia potencial de um (a) próton ou uma partícula �, e (b) umnêutron, no campo de um núcleo.

ligado. Na Figura 3.7-a, E corresponde à energia de um próton livre que pode estar as-sociado ao núcleo por um tempo que varia entre 10�12 e 10�21s, tempo necessário paraatravessar o núcleo; a existência do máximo do potencial é devida à interação coulom-biana. Para tornar-se livre, o próton deverá atravessar a barreira de potencial por efeitotúnel, ou seja, manifestam-se suas propriedades ondulatórias. Na Figura 3.7-b, E é aenergia de um nêutron associado ao núcleo; neste caso não há barreira coulombiana. Nocapítulo 8 voltaremos a este assunto.

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126 Capítulo 3. Nuclídeos instáveis e radioatividade

3.9 Emissão de elétrons, pósitrons e neutrinosO decaimento � é caracterizado pela emissão, por núcleos, de léptons tais como elétrons(e�), pósitrons (e+), neutrinos (�e) e antineutrinos (��e), enquanto que a carga nucleartotal aumenta ou diminui de uma unidade, Z ! Z�1, e o número de massaA (númerobariônico) permanece inalterado. Por conseguinte, na realidade, ocorre uma transmu-tação e o decaimento � de um núcleo consiste, efetivamente, no decaimento � de umnúcleon, com a emissão de um elétron (pósitron) acompanhado de um antineutrino (neu-trino), que repartem entre si o excesso de energia do núcleo original. É importanteressaltar que os léptons não existem no núcleo antes de sua ejeção. Eles são criadosdurante o processo de interação fraca. Tipicamente, os processos são representadoscomo

�� : AZX �! A

Z+1Y + e� + ��e;=)

�n �! p+ e� + ��e

�(3.34)

e�+ : A

ZX �! AZ�1Y + e

+ + �e;=)�p �! n+ e+ + �e

�: (3.35)

Do ponto de vista histórico, é interessante apontar que, em 1914, Chadwick (omesmo que viria a descobrir o nêutron em 1932) percebeu que, diferentemente do queacontece com partículas � ou com os raios , o elétron emitido no decaimento � deum núcleo radioativo não emerge com uma energia cinética de�nida, mas apresentaum espectro contínuo, que vai de zero a um valor máximo especí�co do núcleo que oemite. Este fato contraria o princípio de conservação da energia, caso em que a ener-gia do elétron deve ser igual à diferença das energias inicial e �nal do núcleo que oemite, mantendo-se �xa para cada nuclídeo radioativo. Em 1927, C. D. Ellis e W. A.Wooster mediram a energia total produzida por uma amostra de 210Bi e constataramque, contra as expectativas, a energia por núcleo não era igual à energia máxima doselétrons emitidos, mas correspondia à energia média. Este resultado foi con�rmado porMeitner e W. Orthmann em 1930. Isto gerou uma crise na Física e, face ao inusi-tado da situação, ninguém menos do que Niels Bohr colocou em dúvida o princípio deconservação da energia no decaimento �. Contudo, uma solução menos radical foi pro-posta por Pauli em 1930, a qual ainda manteria o princípio de conservação da energia.Em uma carta enderaçada a amigos, ele conjecturou que no decaimento � uma outrapartícula � eletricamente neutra, e que não seria um raio � deveria estar sendo emitidaconcomitantemente com o elétron. Essa nova partícula compartilharia com o elétron aenergia liberada pelo núcleo instável, quando ainda �caria conservado também o mo-mentum linear. Tal partícula interagiria tão fracamente com a matéria que sua energiacinética não se converteria em calor, em quantidade apreciável, para ser detectada no ex-perimento de Ellis e Wooster. Portanto, seria uma partícula furtiva, de difícil detecção.Após a descoberta do nêutron essa partícula passou a se chamar neutrino, por sugestãode Fermi. Sua massa deveria ser muito pequena, quase nula (m� < 5� 10�4 me) e seuspin seria o mesmo que o do elétron, s� = 1=2.Embora os neutrinos sejam realmente de detecção muito rara, sua existência poderia

ser inferida indiretamente. Finalmente, um quarto de século após sua postulação, em

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3.9 Emissão de elétrons, pósitrons e neutrinos 127

1956, C. L. Cowan Jr. e F. Reines (PNF-1995) conseguiram comprovar sua existência,sendo que, de fato, a �zeram indiretamente. A experiência levada a efeito em um reatornuclear por ser uma fonte que produz nêutrons em profusão (originários dos processosde �ssão nuclear), e que decaem pela reação (3.34). A hipótese de Cowan e Reines foia seguinte: se a reação (3.34) for verdadeira, um �uxo intenso de antineutrinos seriaproduzido no reator, e isto favoreceria a ocorrência de reações inversas (captura porum próton) que, por sua vez, produziriam um �uxo de pósitrons que, estes sim, seriamdetectados

��e + p �! n+ e+:E assim foi o que de fato se veri�cou.Na cadeia de decaimentos � ocorre um fenômeno peculiar de decaimentos sequen-

ciais a partir de radionuclídeos diferentes e terminando em um mesmo nuclídeo estável,como já observado na seção 3.2 e ilustrado nos seguintes exemplos:

�� :

7732Ge �! 77

33As+ e� + ��e + 2; 75MeV

#7734Se+ e

� + ��e + 0; 68MeV(3.36)

e

�+ :

7736Kr �! 77

35Br + e+ + �e + 2; 89MeV

#7734Se+ e

+ + �e + 1; 36MeV:(3.37)

Daí segue que o nuclídeo 7733Se é o único com número de massa12 A = 77 estável. AFigura 3.8 exibe esses decaimentos � seqüênciais.Um outro processo relacionado com as transformações nos núcleos, chamado cap-

tura�K (que compete com o decaimento �+), consiste na captura pelo núcleo de umelétron da camada eletrônicaK (que é a mais próxima do núcleo, no sentido de que suafunção de onda é aquela que tem maior sobreposição com a do núcleo) e a emissão deum neutrino,

p+ e�K �! n+ �e; (3.38)como, por exemplo, nas reações

7735Br + e

�K �!

7734Se+ �e + 2; 37MeV (3.39)

e74Be+ e

�K �!

73Li+ �e + 0; 86MeV . (3.40)

O estado vacante do elétron capturado é preenchido por um elétron menos ligado, deuma camada �mais externa�. A energia liberada na transição se manifesta com a emis-são de um fóton (no comprimento de onda dos raios X), ou pela ejeção de um elétron,geralmente da camada eletrônica L, chamado elétron Auger13, fenômeno que tambémsurge no processo de conversão interna, como será discutido na seção seguinte.

12Ge (Germânio), Se (Selênio), As (Arsênio), Br (Bromo) e Kr (Criptônio).13O efeito Auger é um fenômeno no qual a emissão, ou captura pelo núcleo, de um elétron de um átomo

causa a emissão de um elétron secundário. Quando um elétron das camadas �mais internas� do átomo setorna livre (é ejetado) ou desaparece (capturado pelo núcleo) surge uma vacância; então, um elétron commenor energia de ligação irá ocupar o estado vacante, resultando assim em uma liberação de energia que será

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128 Capítulo 3. Nuclídeos instáveis e radioatividade

beta sequencial

8:jpg

Figura 3.8: Decaimentos �� e �+ seqüênciais.

Outro processo ainda, previsto teoricamente e que foi constatado experimentalmenteem 1987, é o decaimento �� duplo [4]. Formalmente, ele é representado pela reação

8234Se �! 82

36Kr + 2e� + 2��e + 3; 03MeV; (3.41)

e ilustrado pelo esquema da Figura 3.9. Diferentemente dos processos sequenciais(3.36) e (3.37), ele ocorre quando dois elétrons ou dois pósitrons são emitidos simul-taneamente em um processo direto AZ�1X �! A

Z+1Y . Um processo genérico é vistona Figura 3.10. Note-se que diferentemente do processo da Figura 3.8, na Figura 3.10o nuclídeo com número atômico Z0 deixa de ser o isóbaro mais estável, ele pode decairnos isóbaros vizinhos, Z0� 1, pelos processos competitivos �� e �+. Se o decaimentose der para o isóbaro Z0�1, por �+, então este sendo menos estável que o isóbaro maisestável Z0 + 1, decairá para este por decaimento �� duplo.

transferida a outro elétron, que também será ejetado do átomo. Este elétron secundário ejetado é chamadoelétron Auger. Historicamente, esse efeito foi descoberto em 1925 por Pierre Victor Auger ao fazer incidirraios X de alta energia para ionizar partículas de um gás em uma câmara de Wilson (vapor-supersaturado).Auger observou a emissão de fotoelétrons cujos traços (deixados na câmara de Wilson) eram independentesda freqüência dos raios X . Isto lhe sugeriu um mecanismo pelo qual a ionização seria causada por umaconversão interna de energia em uma transição sem radiação.

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3.9 Emissão de elétrons, pósitrons e neutrinos 129

Figura 3.9: Representação pictórica para o decaimento � duplo para o nuclídeo 8236Kr, que é es-tável.

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130 Capítulo 3. Nuclídeos instáveis e radioatividade

beta duplo

10:jpg

Figura 3.10: De forma genérica, vê-se os esquemas de decaimento �� simples e o decaimento�� duplo, AZ0�1X�!

AZ0+1

Y:

3.10 Emissão de raios e o processo de conversão internaA emissão de fótons nucleares, chamados raios , ocorre na transição entre níveis deenergia nucleares quando o núcleo passa de um nível mais excitado para um menosexcitado, sem perder sua identidade. Este processo será estudado mais detalhadamenteno capítulo 10.Há ainda um outro processo chamado conversão interna, que consiste na desexci-

tação de um núcleo, que efetua uma transição de um nível de energia maior para umde menor energia, sem emissão de um raio ; a energia liberada é depositada em umelétron das camadas mais próximas do núcleo, i.e., K, L,M ,... que então é ejetado doátomo.O processo de conversão interna não deve ser confundido com o similar efeito fo-

toelétrico, que também pode ocorrer com raios associados com a emissão de umelétron, quando um raio emitido pelo núcleo interage com um elétron, expelindo-o doátomo. Este efeito fotoelétrico também pode fazer com que um elétron com grande en-ergia cinética seja emitido de um átomo radioativo, no entanto, sem decaimento �, ouseja, sem que a interação fraca esteja envolvida.

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3.11 Apêndice A: Método de transformada de Laplace 131

No processo de conversão interna, não há emissão de um raio , acontece que afunção de onda do elétron, digamos da camada eletrônicaK, se sobrepõe com a funçãode onda do núcleo, acoplando-se com o estado excitado. O elétron adquire sua energiacinética da desexcitação nuclear diretamente da transição, sem a necessidade que umraio seja produzido como etapa intermediária. A energia cinética do elétron emitidoé igual à energia de transição entre os dois níveis nucleares, menos a energia de ligaçãodo elétron no átomo. A maioria dos elétrons de conversão interna provém da camadaK. Em analogia ao processo de captura eletrônica (ou captura-K), depois de ser emi-tido, o elétron deixa um estado eletrônico vacante que é preenchido por um dos elétronspertencentes às camadas de menor energia de ligação. Devido à diferença de energiaentre os níveis atômicos, um raioX poderá ser emitido, ou então essa energia será trans-ferida a outro elétron da camada eletrônica que, por sua vez, será ejetado do átomo; talelétron (secundário) é um elétron Auger. O processo de conversão interna é favorecidoquando o hiato entre níveis de energia no núcleo é pequeno, sendo o único processo dedesexcitação para a transição 0+ ! 0+ (transição eletromagnética E0, quando o nú-cleo perde energia sem a necessidade de efetuar uma mudança no momento elétrico oumagnético).

3.11 Apêndice A: Método de transformada de LaplaceAqui apresentamos uma forma bastante sucinta do método de transformada de Laplace(TL), com a única �nalidade de mostrar como se chega às soluções (3.17) e (3.18). ATL de uma função f(t) de�nida como

~f (s) =

Z 1

0

f(t) e�stdt = Lf(t) (3.42)

e a expressão da TL da derivada de f(t) é obtida fazendo uma integração por partes em(3.42)

L�df(t)

dt

��

Z 1

0

df(t)

dte�stdt =

�f(t)e�st

�10+ s

Z 1

0

f(t) e�stdt

= �f (0) + s ~f (s) ; (3.43)

onde admitimos que a função f(t) satisfaz a condição de limite limt!1 [f(t)e�st] = 0.

Usando as de�nições (3.42) e (3.43) transformamos o conjunto de equações diferenciais(3.16) em um conjunto de equações algébricas,

�N1 (0) + s ~N1 (s) = ��1 ~N1 (s) ;�N2 (0) + s ~N2 (s) = ��2 ~N2 (s) + �1 ~N1 (s) ;�N3 (0) + s ~N3 (s) = ��3 ~N3 (s) + �2 ~N2 (s) ;

... :

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132 Capítulo 3. Nuclídeos instáveis e radioatividade

A título ilustrativo vamos considerar um conjunto de três equações apenas, admitindoque N2 (0) = N3 (0) = 0 como condições iniciais, as soluções deste conjunto deequações são

~N1 (s) = N1 (0)1

�1 + s

~N2 (s) = N1 (0)�1

(�1 + s) (�2 + s)(3.44)

~N3 (s) = N1 (0)�2�1

(�1 + s) (�2 + s) (�3 + s):

Para obter as expressões para Nk(t), basta efetuar, em cada uma das funções ~Nk (s), aTL inversa de (3.42) de�nida como (também conhecida como transformada de Mellin)

f(t) � L�1h~f (s)

i=

1

2�i

Z i1+c

�i1+c

~f (s) e�stds;

onde a integração deve ser feita no plano complexo usando o método de cálculo deresíduos. Entretanto, sem precisar entrar nos detalhes do formalismo, existe um pro-cedimento simples para o cálculo da TL inversa (simbolicamente L�1) para a formaespecí�ca das funções (3.44),

L�1�

1

(�1 + s) ::: (�k�1 + s) (�k + s)

�=

kXl=1

�(�l + s) e

��lt

(�1 + s) ::: (�l + s) ::: (�k�1 + s) (�k + s)

�s=��l

:

Assim, para k = 1; 2; 3 obtém-se

N1 (t) = N1 (0)L�1�

1

�1 + s

�= N1 (0) e

��1t;

N2 (t) = N1 (0)�1L�1�

1

(�1 + s) (�2 + s)

�= N1 (0)�1

�e��1t

(�2 � �1)+

e��2t

(�1 � �2)

�;

e

N3 (t) = N1 (0)�1�2L�1�

1

(�1 + s) (�2 + s) (�3 + s)

�= N1 (0)�1�2

�e��1t

(�2 � �1) (�3 � �1)+

e��2t

(�1 � �2) (�3 � �2)

+e��3t

(�1 � �3) (�2 � �3)

�:

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3.12 Problemas 133

No caso geral tem-se

Nk (t) = N1 (0)

k�1Yi=1

�i

!kXl=1

2666664(�l + s) e

��lt

kYi=1

(�i + s)

3777775s=��l

; k = 1; 2; � � � :

3.12 Problemas1. A vida média de um elemento radioativo (tempo médio que leva desde a sua formaçãoaté o seu decaimento) é de�nido como

� =

R 0N0t dN(t)R 0

N0dN(t)

;

onde N(t) é o número de núcleos que ainda não decaíram no tempo t. Empiricamente,veri�ca-se que N = N0e

��t é a lei para o decaimento de núcleos radioativos, então:(a) determine o valor de � ;(b) determine a lei para os núcleos desintegrados Nd(t).

2. Considere �(t) dependente do tempo na Eq. (3.3), obtenha a solução N(t).Suponha que �(t) = �0= (a+ bt) e analise o resultado.

3. (a) Se um nuclídeo existe no tempo t = 0, qual é a probabilidade de que ele decaianum intervalo de tempo �t, entre t e t + �t, se a taxa de decaimento é constante, �?Escreva esta expressão para tempos 0 < �t� � .(b) Como exemplo considere o núcleo de 23892 U que decai no 23490 Th por emissão de

uma partícula �. A vida média do 23892 U é � 4; 5� 109 anos. Se um núcleo de 23892 U foiformado há um milhão de anos, qual é probabilidade dele decair no próximo milhão deanos?

4. Obtenha as soluções (3.13) e (3.14).

5. Obtenha as Eq. (3.17) e (3.18). Discuta os possíveis casos, levando em conta arazão �1=�2.

6. Obtenha a solução (3.24).

7. Analise e esboce o grá�co da atividade dos radionuclídeos no decaimento ��

seqüencial9038Sr

T1=2 = 29;1 a�! 90

39YT1=2 = 64 h�! 90

40Zn (estável)

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134 Capítulo 3. Nuclídeos instáveis e radioatividade

8. Complete a terceira coluna da Tabela 3.3 calculando as constantes de decaimento.

9. Considere o processo de formação do isótopo carbono-14, Eq. (3.27). É veri�-cado que um grama de carbono recém extraído da atmosfera fornece, em média, 15; 0decaimentos por minuto.(a) Qual seria a proporção do isótopo carbono-14 relativamente ao elemento car-

bono?(b) Qual seria a contagem esperada de um grama de carbono extraído dos restos cal-

cinados de uma choupana de madeira cuja idade é estimada em 4 000 anos?

10. Em um experimento que usa 14 g de selênio contendo 97% do isótopo 8234Se,foram contados 35 eventos associados ao decaimento duplo-��,

8234Se �! 82

36Kr + 2e� + 2��e,

em um período de 7 960 horas. Supondo que a e�ciência do detetor seja de 6; 2%, es-time a vida-média desse decaimento.

11. Se um decaimento duplo-��, sem emissão de neutrinos, fosse possível na forma

8234Se �! 82

36Kr + 2e�,

qual seria a sua assinatura?

3.13 Bibliogra�a

[1] Okuno, E., 1988, Radiação: Efeitos, Riscos e Bene�cios, Ed. Harbra, São Paulo.

[2] Shultis J. K. e Law R. E., 2002, Fundamentals of Nuclear Science and Engineer-ing, Marcel Dekker Inc.

[3] Okuno E., Caldas I. e Chow C., 1986, Física para Ciências Biológicas e Biomédi-cas, Ed. Harbra, Brasil.

[4] Klimov, Nuclear Physics

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