Fisiologia comparada USP 2010

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Material criado pelo Curso de Inverno da USP com o título "Tópicos em Anatomia Comparada". www.euquerobiologia.com.br biologia, curso de biologia, biólogo, curso, biologia curso, eu quero biologia

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Comissão Organizadora

Amanda de Moraes Narcizo Camila Helena de Souza Queiroz Camila Lopes Petrilli Cláudia Emanuele Carvalho de Sousa Diego Jose Belato y Orts Felipe Viegas Rodrigues Kelly Dhayane Abrantes Lima Leopoldo Francisco Barletta Marchelli Marco Antônio Pires Camilo Lapa Maria Nathália de Carvalho Magalhães Moraes Marina Marçola Pereira de Freitas Tatiana Hideko Kawamoto

Coordenador: Prof. Dr. Márcio Reis Custódio

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa” http://www.ib.usp.br/cursodeinverno

Realização

Patrocínio

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Apresentação

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. i

APRESENTAÇÃO

A idéia da criação do Curso de Inverno: Tópicos em Fisiologia Comparativa surgiu

em 2002, quando alunos da pós-graduação do Departamento de Fisiologia Geral do Instituto

de Biociências da Universidade de São Paulo – USP, ansiavam a criação de um espaço que

possibilitasse alternativas de aprendizado complementar. Naquele momento de inquietude e

vontade discente, a decisão foi de empenho em realizar um curso no período de férias e

oferecê-lo a graduandos e recém-graduados que almejassem ingressar na pós-graduação

em Fisiologia, ou mesmo para aqueles que se interessassem pelo tema de uma forma geral.

Além disso, na última década, percebemos uma preocupação crescente em

descentralizar o desenvolvimento concentrado na região Sudeste do país e atingir áreas

mais carentes tanto em pesquisa quanto em desenvolvimento humano. Em defesa deste

conjunto de idéias e ações que a Comissão Organizadora do Curso de Inverno busca

sempre ampliar o alcance do curso, colaborando cada vez mais efetivamente na construção

de um país com menos desigualdades.

Sendo assim, o curso é voltado para alunos originários das diversas áreas do

conhecimento que tenham interesse em Ciências Fisiológicas, mais especificamente em

Fisiologia Comparativa. Seu principal objetivo é promover discussões de conhecimentos

fundamentais para uma boa formação em Fisiologia, assim como proporcionar uma vivência

no dia-a-dia da pesquisa do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências - USP.

Este livro visa complementar os conteúdos discutidos em sala de aula,

proporcionando uma fonte adicional de consulta para os participantes. O livro é composto de

nove unidades que abrangem os mais variados temas dentro da Fisiologia Comparativa, os

quais apresentam desde teorias básicas até as mais novas discussões da atualidade.

Desejamos uma boa leitura a todos!

Comissão Organizadora VII Curso de Inverno: Tópicos em Fisiologia Comparativa

Universidade de São Paulo 5 a 23 de Julho de 2010

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Mapa Conceitual

Pág. ii VII Curso de Inverno - IB/USP

MAPA CONCEITUAL

Na tentativa de sempre melhorar a qualidade das aulas e a comunicação dos pós-

graduandos, a edição 2010 do “Curso de Inverno: Tópicos em Fisiologia Comparativa” foi

organizado em módulos conforme delineamento sugerido por um mapa conceitual, o qual

mostra a interligação entre os diversos assuntos da Fisiologia e aponta as relações

existentes entre os temas que serão abordados no decorrer do curso. Assim sendo, a partir

dele, os módulos deste ano foram criados de acordo com as proximidades de cada

tema. Desta maneira, podemos oferecer aos alunos participantes uma base mais sólida e

coesa a cerca da Fisiologia Comparativa, e ao mesmo tempo transmitiremos uma boa noção

da diversidade de temas abordados no Departamento de Fisiologia.

Mapa Conceitual mostrando as interligações existentes nos mais diversos temas abordados no Departamento de Fisiologia Geral do Instituto de Biociências da USP, os quais serão apresentados durante as aulas no Curso de Inverno: Tópicos em Fisiologia Comparativa 2010.

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Sumário

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. iii

SUMÁRIO

Unidade 1 Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

Capítulo 1 O que é ciência e como praticá-la pág. 03

Capítulo 2 Formulando perguntas em fisiologia comparativa pág. 09

Capítulo 3 Evitando confundir-nos: aspectos fundamentais do desenho

experimental e a estatística inferencial pág. 13

Capítulo 4 O Fim da Picada: Comunicando Ciência pág. 17

Glossário pág. 21

Bibliografia pág. 22

Unidade 2 Sinalização Celular

Capítulo 5 Comunicação celular: entendendo a ritmicidade endógena pág. 23

Capítulo 6 Fisiologia celular do plasmodium durante a fase assexuada pág. 41

Capítulo 7 RNAi: ouvindo a voz do silêncio pág. 49

Bibliografia pág. 66

Unidade 3 Neurociências

Capítulo 8 História da neurociência pág. 79

Capítulo 9 Princípios básicos em fisiologia neural pág. 89

Capítulo 10 Fisiologia sensorial pág. 103

Capítulo 11 Neurofisiologia da visão pág. 115

Capítulo 12 Causa e função pág. 121

Capítulo 13 Percepção pág. 127

Capítulo 14 Memória e seus aspectos evolutivos pág. 139

Capítulo 15 Navegação espacial pág. 153

Capítulo 16 Neurobiologia das emoções pág. 163

Capítulo 17 Neurofisiologia da linguagem pág. 179

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Sumário

Pág. iv VII Curso de Inverno - IB/USP

Capítulo 18 Neurofisiologia da música pág. 187

Bibliografia pág. 194

Unidade 4 Metabolismo

Capítulo 19 Metabolismo e Temperatura: Conceitos e Implicações pág. 205

Capítulo 20 Medindo a chama da vida pág. 217

Capítulo 21 Ectotermia: um acesso de baixo custo à vida pág. 235

Capítulo 22 Termorregulação em endotérmicos: febre e anapirexia. “Ana” o quê?

pág. 247

Capítulo 23 Metabolismo energético em câmera lenta: mecanismos de depressão

metabólica sazonal pág. 257

Capítulo 24 Custos e benefícios da reprodução: papel dos lipídios pág. 269

Capítulo 25 A ecofisiologia no cenário das mudanças climáticas globais pág. 279

Bibliografia pág. 286

Unidade 5 Neuroendocrinologia Comparada

Lista de abreviações pág. 301

Capítulo 26 Neuroendocrinologia comparada: análise comparativa entre o encéfalo

e a hipófise de peixes e mamíferos pág.305

Capítulo 27 Neuroendocrinologia comparada: o encéfalo e a hipófise de anfíbios,

répteis e aves pág. 323

Capítulo 28 Sistema neuroimunoendócrino pág. 337

Bibliografia pág. 348

Unidade 6 Ecotoxicologia Aquática

Capítulo 29 Metal não essencial: o cádmio e seus efeitos pág. 361

Capítulo 30 Transporte de Metais Essenciais em Organismos Aquáticos: o cobre e

o zinco pág. 371

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Sumário

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. v

Capítulo 31 Efeitos da toxicidade de metais no metabolismo de organismos

aquáticos pág. 381

Capítulo 32 Alterações neuroendócrinas resultantes da exposição a metais

pág. 395

Bibliografia pág. 407

Unidade 7 Fisiologia Comparada de Invertebrados Marinhos: Trocas Gasosas,

Digestão e Sistema Imune

Capítulo 33 Trocas gasosas em invertebrados marinhos pág. 427

Capítulo 34 Adquirindo energia: formas de alimentação e digestão em inverte-

brados marinhos pág. 435

Capítulo 35 Sistema Imune de Invertebrados marinhos: mecanismos, funções e

similaridades pág. 455

Bibliografia pág. 467

Unidade 8 Fundamentos de Toxinologia

Capítulo 36 Co-evolução entre peçonhas e seus alvos pág. 473

Capítulo 37 Produtos naturais e sua função como defesa química pág. 483

Capítulo 38 Invertebrados marinhos: toxinas e seus mecanismos de ação pág. 493

Capítulo 39 Lepidópteros: aspectos biológicos e toxinológicos pág. 501

Capítulo 40 Raias – biologia e envenenamento pág. 511

Capítulo 41 Serpentes peçonhentas do Brasil: biologia, fisiologia e epidemiologia

pág. 519

Bibliografia pág. 535

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Sumário

Pág. vi VII Curso de Inverno - IB/USP

Unidade 9 Quantificação e Análise de Dados

Capítulo 42 Quantificação de Fenômenos Fisiológicos pág. 547

Bibliografia pág. 564

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Unidade 1

Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

Coordenador: Agustín Camacho Guerrero

Laboratório de Herpetologia

[email protected]

Este capítulo tem três objetivos. A) Apresentar aos leitores os principais métodos usados

para gerar conhecimento científico, B) Mostrar como a fisiologia comparativa pode valer-se

de dois destes métodos: o método indutivo e o hipotético-dedutivo, C) Revisar o processo de

geração de conhecimento, desde o levantamento de perguntas científicas até a

comunicação dos resultados de um projeto de pesquisa, passando por apresentar as bases

do desenho experimental e a análise estatística. O fim último deste texto e as aulas

associadas é que os alunos tenham uma visão básica e estruturada do método científico.

Com esta visão, espero que lhes seja mais fácil aprender no futuro sobre temas mais

específicos (desenho experimental, estatística, comunicação da ciência, etc). No final do

capítulo, existe um glossário que define termos importantes em negrito. Os termos estão na

ordem em que são encontrados durante a leitura, para facilitar uma consulta inmediata.

Por que ler este texto?

Infelizmente, muitos cursos em biologia colocam as disciplinas de método científico como

optativas, em lugar de inserir este tipo de preparo, ao menos nas disciplinas obrigatórias da

grade curricular. Deste modo, muitos alunos não têm um preparo mínimo para planejar,

executar projetos científicos, nem comunicar os resultados obtidos. Como conseqüência, os

primeiros trabalhos de um aluno perdem em qualidade, diminuindo também suas

possibilidades de obter bolsas no futuro. Este capítulo pretende mostrar alguns conceitos

básicos e dicas para auxiliar aos alunos nos seus primeiros encontros com o trabalho de

pesquisador. Durante as aulas relacionadas a este módulo veremos estes conceitos da

forma mais didática possível, mas neste capítulo tem informações e dicas úteis que não

serão explicadas na aula.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 2 Julho/2010

Todos os capítulos revisados pelos profs Dr. Pedro Ribeiro e Dr. Pedro Luis Bernardo da Rocha

Capítulo 1 O que é ciência e como praticá-la pág. 03 Agustín Camacho Guerrero

Capítulo 2 Formulando perguntas em fisiologia comparativa pág. 09

Agustín Camacho Guerrero

Capítulo 3 Evitando confundir-nos: aspectos fundamentais do desenho

experimental e a estatística inferencial pág. 13

Agustín Camacho Guerrero

Capítulo 4 O Fim da Picada: Comunicando Ciência pág. 17

Agustín Camacho Guerrero

Glossário pág. 21

Bibliografia pág. 22

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

Julho/2010 Pág. 3

O que é ciência e como praticá-la.

Agustín Camacho Guerrero Laboratório de Herpetologia

[email protected]

O que é ciência?

Uma bonita forma de começar a preparar-nos é conhecer a etimologia da palavra

que definirá nosso trabalho, talvez pelo resto das nossas vidas. A palavra ciência provém do

latim “scientia” proveniente do verbo “scire = saber”, este está relacionado com o verbo,

também latim, “scindo = dividir”. Existem várias definições de ciência, mais ou menos

completas, seja com ênfase nos seus objetivos ou nos métodos que usam. Uma definição

bastante completa é:

“1. The systematic observation of natural events and conditions in order to discover

facts about them and to formulate laws and principles based on these facts. 2. The

organized body of knowledge that is derived from such observations and that can be verified

or tested by further investigation. 3. Any specific branch of this general body of knowledge,

such as biology, physics, geology or astronomy.” Academic Press Dictionary of Science &

Technology.

Neste módulo, seguiremos uma visão de ciência como busca e comunicação de

conhecimento, o mais confiável possível, sobre a natureza.

Métodos conceituais de obtenção do conhecimento.

Desde séculos antes de Cristo, filósofos, empiristas e estatísticos, tais como

Aristóteles, Bacon, Bayes, Fisher, Popper, Underwood e Jaynes, vêm aprimorando os

métodos conceituais de obter conhecimento do mundo natural, de forma a obter mais

conhecimento e com maior confiabilidade. Assumo que um passo necessário para sermos

bons cientistas passa por conhecer os diferentes modos de obtenção de conhecimento. A

continuação, lhe introduzirei aos métodos mais conhecidos e utilizados. Deste modo, espero

justificar um esquema unificado de obtenção de conhecimento que lhe facilite a assimilação

de conceitos apresentados em futuros cursos de estatística e delineamento experimental.

Vamos lá:

No século IV a. c., Aristóteles definiu o raciocínio demonstrativo, ou lógica

aristotélica, em seis obras conhecidas coletivamente como Organon. De acordo com

Aristóteles, existem termos gerais (Ex. os homens) e termos particulares (Ex. Socrates) que

se referem a subconjuntos dos termos gerais. Segundo este método, estes elementos

podem ser identificados e, relacionando estes através de construções lógicas (silogismos),

é possível derivar conhecimento novo e necessariamente certo (inferências). Nestas

construções, a combinação de dois ou mais enunciados verdadeiros (Ex. todos os homens

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 4 Julho/2010

são primatas; Sócrates é um homem) permitem inferir um novo conhecimento, também

verdadeiro (então Sócrates é um primata). O sistema lógico inventado por Aristóteles, nos

permite até hoje combinar observações consideradas certas para fazer crescer nosso

conhecimento. Porém, Aristóteles não criou um sistema formal para a determinação da

veracidade ou generalidade dos termos, fazendo com que esta determinação fosse, durante

muito tempo, feita com base no conhecimento prévio e subjetivo dos naturalistas.

Em 1620, Francis Bacon rompeu com a tradição da lógica aristotélica propondo

evitar que prévias doutrinas intercedam nas nossas observações. Para Bacon, só era

possível aumentar nosso conhecimento através da experimentação e das observações. O

conhecimento gerado permitiria, segundo ele, explicar de forma cautelosa, situações

relativamente similares. Produzir explicações sobre grupos de casos gerais com base no

que sabemos de casos particulares é definido por ele como indução. Para Bacon, este

conhecimento deveria gerar novos experimentos e ser testado em diversas situações. Ele

defendia que os cientistas deveriam ser céticos acima de tudo, e não aceitar explicações

que não possam ser verificadas pela observação e experiência. Bacon, entretanto, não

clarificou quantas nem como deviam ser feitas as observações para assumir um

conhecimento como certo.

Em 1670, Bayes elaborou um método lógico de atribuir uma probabilidade a

afirmações geradas por indução. Este método é conhecido como lógica probabilística

indutiva. Assume que a probabilidade de uma hipótese ser verdadeira pode ser calculada

multiplicando: A) nossa expectativa de que a hipótese seja certa, expressada em forma de

probabilidade prévia, vezes B) um valor de verossimilhança (likelihood) obtido a partir de

novas observações (Bayes 1763). Desta forma, a probabilidade bayesiana fornece uma

medida de quanto é razoável acreditar em uma hipótese usando toda a informação de que

dispomos (Jaynes 2003). Um problema com este método é que as probabilidades prévias

podem mudar subjetivamente com o pesquisador, e isto afeta ao resultado final. Outro

problema é exposto na continuação.

Karl Popper (1934) enunciou o Método hipotético-dedutivo, chamado também

probabilismo ou falsificacionismo. Segundo este método, não é possível derivar

probabilidades para asserções geradas por indução (Popper 1959) (ex. o simples fato de

que todos os corvos que vi até agora são pretos, não permite calcular a probabilidade de

que o próximo corvo que eu veja será preto, pois não conheço quantos corvos existem no

mundo). Para Popper, o conhecimento deve estar justificado de forma lógica. Deste modo,

ele defende que só podemos justificar de forma lógica a crença em uma teoria, em quanto

previsões derivadas logicamente desta estejam sobrevivendo a testes com base em

observações. Segundo este autor, a validade de uma teoria pode ser testada de quatro

formas diferentes: 1) Determinando se as conclusões de uma teoria contradizem-se entre

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

Julho/2010 Pág. 5

elas (Para este autor, você pode considerar “conclusões de uma teoria” sinônimo de

previsões, predições ou hipóteses). 2) Verificando a estrutura lógica da teoria, para

determinar se esta é empírica ou é uma tautologia; 3) Comparando com outras teorias

para saber se o fato de superar nossos testes suporia um avanço científico; 4) Testar

empiricamente as conclusões. Para testar as conclusões, Popper propõe testar aquelas que

vão mais de contra com a teoria e que possam ser mais severamente testadas. Um dos

problemas principais apontados a este método é que não gera crescimento da certeza

relativa nas diferentes teorias, por considerar-se que sempre existirão infinitas possíveis

teorias competindo para explicar cada fenômeno.

Outros autores tem defendido o uso da verificação para aumentar nossa certeza

sobre teorias (Ex. Sober 1999 e Lloyd 1987, citados por Lewin-koh et al. 2004). Apesar do

problema lógico apontado por Popper, vários autores baseiam-se no procedimento de

“verossemelhança máxima” popularizado por Fischer (Aldrich 1997) para defender que a

verificação de certas hipóteses em várias instâncias (ex. uma relação entre taxa de

ventilação e percentagem de O2 no fluxo sanguíneo dos pulmões foi observada em vários

vertebrados) permite obter confiança objetivamente mensurável sobre predições feitas para

novas observações (Ex. relação entre a taxa de ventilação e percentagem de O2 no torrente

sanguíneo de um novo vertebrado que ventila). A representação matemática destas

relações é comumente chamada de modelagem. Onde os modelos podem ser

considerados representações matemáticas que descrevem ou relacionam variáveis.

Em geral, podemos observar que os métodos de obtenção de conhecimento desde

Bacon valem se de concepções que representam o que pensamos do mundo real (Ex.

teorias, modelos, hipóteses) e seu contraste com observações do mesmo (também

representadas em forma de variáveis, amostras, etc). Na literatura, podemos encontrar uma

diversidade de significados para estes conceitos em função do autor e a área da ciência

(Suppes 1960). Pessoalmente, opino que para que grupos de conceitos sejam úteis e mais

facilmente ensináveis estes devem ter significados específicos e estar relacionados entre

eles de forma lógica. Por isto, neste capítulo combinei a relação entre modelo e teoria

proposta por Suppes (1960) e a relação entre modelo e hipótese proposta por Underwood

(1997). Desta forma estes conceitos ficam hierárquica e logicamente relacionados, e seus

significados são aceitáveis desde os diferentes modos de obtenção de conhecimento

(compare com Jaynes 2003, durante sua apresentação de raciocínio plausível, uma

abordagem verificacionista da obtenção de evidência). Assim, é possível inserir-los num

processo unificado de obtenção de conhecimento científico que combina teoria e

observação. O mapa de conceitos na figura 1 representa tais relações.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 6 Julho/2010

Sistemas biológicos

Teorias

Modelos

Hipóteses(=predições)

Variáveis

dos que se derivam

relacionam oudescrevem

representados porcompostas

por

explicam

predizem valoressob determinadas

circunstancias

Figura 1 - Relações lógicas entre conceitos centrais ao processo de obtenção de

conhecimento. Mapa de conceitos baseado nas propostas de Suppes (1960) e Underwood

(1997).

O que é Fisiologia Comparativa?

Em 1950, Prosser listou alguns objetivos da fisiologia comparativa como disciplina.

Estes foram:

1) Descrever como os organismos obtêm seus requerimentos no ambiente onde moram.

2) Prover bases fisiológicas para entender a ecologia.

3) Chamar a atenção sobre animais particularmente bons para estudar processos

fisiológicos.

4) Encontrar generalizações derivadas do uso de distintas espécies animais em estudos

fisiológicos.

Um campo com grande desenvolvimento da fisiologia comparativa é a fisiologia

evolutiva, que busca entender a evolução dos parâmetros fisiológicos (Garland & Carter

1994). Uma vez que as técnicas moleculares têm acelerado nosso conhecimento das

relações filogenéticas entre as espécies, muitos cientistas tentam desvendar processos

evolutivos através da comparação de características em linhagens de espécies com

filogenias conhecidas (Wiens, 2008).

Este campo da fisiologia comparativa nos proporciona um exemplo de como dois ou

mais métodos de obtenção do conhecimento podem ser combinados (Fig. 2). Imagine que

queremos saber se, em lagartos, morar em hábitats abertos provoca um aumento da taxa

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

Julho/2010 Pág. 7

metabólica com relação a morar em florestas. Para isto, poderíamos comparar espécies de

área aberta com espécies de floresta. Assim, poderíamos obter que espécies de áreas

abertas têm uma maior taxa metabólica (Fig. 2, esquerda). Entretanto, as espécies são

elementos que apresentam relações filogenéticas. Imagine que estas fossem representadas

pelo gráfico A, veríamos que as espécies de área florestada pertencem à linhagem da

esquerda e as de área aberta à linhagem da direita. Poderíamos ter certeza que é o tipo de

hábitat quem faz aumentar a taxa metabólica? Teríamos mais certeza se nossa hipótese

fosse representada por B?

taxa

met

aból

ica

floresta área aberta

sp1

sp2

sp3

sp4

sp5

sp6

sp7

sp8

sp5 sp6 sp7 sp8sp1 sp2 sp3 sp4

sp5 sp1 sp7 sp2sp6 sp2 sp8 sp4

B

A

Figura 2. Comparação hipotética da taxa metabólica entre espécies de lagartos de áreas de floresta e de área aberta. Os cladogramas A e B mostram diferentes relações filogenéticas entre as espécies comparadas. Sob a hipótese de parentesco A, as espécies de cada tratamento são aparentadas, implicando em que a taxa metabólica mais baixa pode ser devida a viver em floresta ou a ser simplesmente uma característica compartilhada do grupo. Sob a hipótese de parentesco B, a menor taxa metabólica não pode mais ser explicada pelo parentesco, pois em todos os pares de espécies mais aparentadas a que mora na mata tem a taxa metabólica mais baixa que a que mora em um hábitat aberto.

Hoje em dia, métodos indutivos (análise bayesiana) e verificacionistas (análise da

verossimilhança máxima) estão entre os mais usados para escolher dentre hipóteses de

relações filogenéticas (Amorim 2002). Por outro lado, tanto métodos falsificacionistas

(Ex.Teste de Fisher) quanto verificacionistas nos permitiriam testar de maneira objetiva se a

taxa metabólica aumenta em função do tipo de habitat, com base em amostras da taxa

metabólica das espécies referidas. Deste modo, os produtos dos diferentes métodos de

obter conhecimento podem ser combinados dentro de uma disciplina científica. Por

exemplo, na fisiologia comparativa. Você concorda com esta forma de proceder, ou opina

que só podemos confiar em um modo de obtenção de conhecimento? Aqui não é possível

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 8 Julho/2010

estender-se mais sobre este assunto, mas lhe recomendo que consulte Sober (2008) antes

de decidir-se.

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

Julho/2010 Pág. 9

Formulando perguntas em fisiologia comparativa

Agustín Camacho Guerrero Laboratório de Herpetologia

[email protected]

Buscando trabalho: como levantar uma pergunta a responder.

Centremo-nos agora sobre o seu trabalho: fazer ciência. Você sempre deverá

começar com uma pergunta que, para ter certeza de que vale a pena respondê-la, deverá

ter surgido do conhecimento do estado da arte da disciplina de interesse. Quando

realizamos perguntas baseadas sobre conhecimento levantando por outros pesquisadores,

as chances de gerar um maior avanço científico se multiplicam. “Levante-se sobre os

ombros dos gigantes” diria Issac Newton. É necessário pensar duas vezes antes descrever

um aspecto da fisiologia de uma espécie ou grupo de espécies sob o pretexto único de que

“nunca foi estudado”. Isto pode estar escondendo o problema de que não sabemos o que é

mais relevante saber sobre nosso objeto de estudo (Peters, 1987).

Existem várias ferramentas em internet e nas bibliotecas para encontrar este

conhecimento (Web of Science, Biological Abstracts, Zoological Records, Google

Acadêmico etc.). Através destas ferramentes podemos procurar artigos ou livros que falem

sobre nosso tema de interesse. É importante uma cuidadosa seleção de palavras chave,

para encontrar o grupo de artigos que tratam o tema de nosso interesse (uma opção: use os

conceitos relacionados na sua hipótese de estudo). Uma vez conseguidas algumas

referências devemos procurar o material. Nas universidades públicas brasileiras o portal de

periódicos da CAPES garante acesso a vários jornais científicos on-line. Em são Paulo, a

Fapesp ainda fornece acesso ao site Jstor, com artigos mais antigos. “O sistema COMUT de

bibliotecas brasileiras permite, mediante prévio pagamento, a solicitação de xérox ou

arquivos ”.PDF” de quaisquer artigos ou separatas que se encontrem numa biblioteca

brasileira. Por último, você pode pedir diretamente ao autor ou conseguir na internet do seu

site pessoal, ou site do laboratório onde trabalha. Exija da sua universidade maior acesso a

revistas científicas e participe da solicitação de livros na biblioteca da sua unidade! Em

seguida, leia organizadamente o material bibliográfico e busque mais entre as referências

bibliográficas destes trabalhos. As perguntas podem surgir como hipóteses que refutam as

previsões centrais da teoria comumente aceita sobre um determinado tema, ou bem como a

necessidade de dados sobre aspectos fisiológicos de determinadas espécies ou grupos que

a complementam.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 10 Julho/2010

Como ser objetivo: Transformação da

pergunta em um gráfico

Uma vez que tenhamos uma pergunta e

confiamos em que esta tem relevância suficiente

para investir o esforço necessário, deveremos

formulá-la da maneira mais clara possível. Isto é

fundamental para: A) determinar o que queremos

medir exatamente, desenhar nossas observações

de modo a evitar que estas nos confundam; B)

fazer testes estatísticos que nos permitam

calcular, de maneira objetiva, confiança sobre a

resposta indicada pelas nossas observações e C)

determinar se os custos para responder esta

pergunta são altos demais como para tentar

responde-la. Uma pergunta clara é aquela que

pode ser expressa como uma previsão, ou

hipótese, Ex. “a testosterona estimula o

comportamento agressivo na piranha?” ou “a taxa

de crescimento dos girinos é mais alta em presença de Iodo na água?” Um indício de que a

pergunta está bastante clara é que você pode ver nos dois exemplos, é que podemos

transformar a pergunta em hipótese só tirando o ponto de interrogação.

Levantar uma pergunta clara sobre o mundo implica necessariamente que possamos

representá-la em um gráfico cartesiano (Magnusson e Mourão, 2004) (ou tal vez em uns

poucos, caso responder sua pergunta precise de algumas sub-perguntas). Fazer uma

representação gráfica dos nossos objetivos ajuda a esclarecer quais os tipos de variáveis

devemos e podemos medir. Ainda, ao facilitar a exposição dos nossos objetivos e resultados

esperados a outras pessoas (Cleveland, 1984), permite que as outras pessoas realizem

sugestões ou críticas mais importantes antes de começar todo o trabalho (Magnusson e

Mourão, 2004).

Os eixos do gráfico devem representar as partes de nossa pergunta. Os fatores ou

variáveis independentes serão representados sempre no eixo horizontal e as variáveis

dependentes ou de interesse são representadas sempre no eixo vertical (Cleveland,

1984).

Agora estamos em condições de decidir se usaremos variáveis contínuas ou

categóricas para representar nossos fatores e variáveis de interesse. Variáveis contínuas

representam características da natureza atribuindo-lhes números reais, enquanto que

variáveis categóricas dividem estas variáveis sob critérios subjetivos para representá-las

4. Desenhodas observaçõesque respondem à pergunta

Quadro 1.  Esquema básico do processo de  trabalho científico.

1.Leitura e observaçõesprévias

2. Identificação da lacuna de conhecimento

3. Emissão da pergunta cuja 

resposta preenchea lacuna

5. Execução e análise das observações

7. Interpretação

8. Comunicação de resultados e conclusões.

Page 21: Fisiologia comparada USP 2010

Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

Julho/2010 Pág. 11

(etiquetas, categorias). Entre os exemplos mais comuns de variáveis contínuas estão:

comprimento de onda, peso, comprimento, concentração, etc. como variáveis categóricas

podemos citar cores, sexo, tratamento. As variáveis contínuas proporcionam mais

informação, enquanto as categóricas são mais simples de entender e manejar. O melhor

tipo de variável vai depender essencialmente da sua pergunta e dos recursos disponíveis.

Os tipos de variáveis escolhidas determinarão o tipo de gráfico utilizado. Entre os

gráficos mais informativos e fáceis de entender estão os gráficos de nuvens de pontos,

gráficos de dispersão, ou scatter plots (Magnusson e Mourão, 2004). Podemos encontrar

dois tipos básicos, o primeiro tem variáveis categóricas no eixo horizontal, o segundo usa

variáveis contínuas no eixo horizontal (Fig. 3).

O CHUMBO NA ÁGUA INFLUENCIA A TAXA METABÓLICA DOS GIRINOS?

muitochumbo

poucochumbo

concentração de

chumbo na águaA B

taxa

me

tab

ólic

a

taxa

me

tab

ólic

a

Figura 3. Exemplos de gráficos de dispersão. A) gráfico com fator categórico. B) Gráfico com

fator contínuo (modificado de Magnusson e Mourão, 2004).

Como mostra a Fig. 3, quando categorizamos variáveis podemos perder informação

(Magnusson e Mourão, 2004). Se na pergunta anterior o pesquisador tivesse escolhido

comparar duas concentrações de chumbo, não teria detectado o efeito do chumbo sobre o

crescimento dos girinos, mesmo quando realmente existe uma relação entre as variáveis.

Por outro lado, as categorias podem ser mais didáticas e fáceis de manejar. Por isto é

necessário estar seguro sobre qual informação se quer obter para decidir sobre que tipo de

variável usar.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 12 Julho/2010

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

Julho/2010 Pág. 13

Evitando confundir-nos: aspectos fundamentais do desenho

experimental e a estatística inferencial.

Agustín Camacho Guerrero Laboratório de Herpetologia

[email protected]

Agora que já sabemos qual é nossa pergunta e como representá-la, deveremos

realizar observações que a respondam. Entretanto, um dos maiores problemas para

responder perguntas sobre sistemas naturais é que estes são afetados por múltiplos fatores.

Estes são fatores cujo efeito se mistura com o do nosso fator de estudo, de maneira que

pode ser impossível saber se a variação observada na variável dependente é derivada de

nosso fator ou destes fatores (Hurlbert, 1984). Por exemplo, um experimentador poderia

determinar que a secreção de saliva é controlada pela presença de alimentos na boca, uma

vez depositados alimentos na boca de um animal e medindo variações no volume de saliva.

Entretanto, se ele não tiver o cuidado de administrar alimentos sem que o animal os veja ou

os cheire, a secreção de saliva poderia ser provocada pela visão ou cheiro destes antes que

pela sua presença na boca do animal. Para um cientista, é crucial aprender a enxergar e

evitar fatores que confundam suas conclusões de maneira não desejada ou oculta. O

desenho experimental representa nossa decisão de quantas observações necessitamos e

como as distribuímos para evitar que fatores de confusão, influenciem em nossa resposta

(Quinn e Keogh, 2002).

Erros cometidos durante o desenho amostral podem fazer com que o efeito de

fatores inadvertidos seja indistinguível do efeito dos teus fatores de estudo. Para evitar

confusões ao comunicar-se com colaboradores durante a fase de planejamento é

conveniente aprender claramente os seguintes conceitos: Unidade amostral, repetição ou

réplica: elas são cada uma das observações que gera uma resposta a sua pergunta (são os

pontos nos gráficos); Universo amostral: é aquela parte da natureza sobre a qual se quer

obter informações por meio de observações e a qual se aplicam nossas conclusões.

O que significa testar uma hipótese?

Como vimos antes, para avançar em ciência derivamos hipóteses a partir de modelos

considerados válidos cuja rejeição/aceitação com base em observações implicaria no

refinamento ou rejeição das teorias que possuímos sobre o mundo. Testar uma hipótese é

mesmo isto: contrastar os valores das nossas observações com os valores que

esperaríamos para ela (No falsificacionismo, compararíamos com os valores esperados

caso nossa hipótese não fosse correta. No verificacionismo, compararíamos as observações

com diferentes possibilidades teoricamente justificadas).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Frequentemente, queremos realizar algum de dois tipos de testes: A) se os valores

de nossa variável de interesse estão relacionados com uma ou mais variáveis

independentes (fatores), ou B) Se os valores de nossa variável de interesse feitas em duas

ou mais situações diferentes (tratamentos) são iguais ou diferentes (Fig.4).

variaçãoprovocada pelo fator

ruído

fator

variáveldependente

tratamento1

tratamento2

ruído

variaçãoprovocada pelo fator

A B

variáveldependente

Figura 4. “Scatter-plots” mostrando a distribuição da variação em dois tipos básicos de análise: A)

análise da relação entre duas variáveis e B) comparação do efeito de dois tratamentos sobre uma

variável.

Você pode estar-se perguntando: “para que toda esta complicação?” A resposta é a

seguinte: como normalmente só conseguimos observar uma parte da variação de nosso

sistema de estudo, é possível que o resultado de nosso experimento seja esperado pelo

acaso. Os testes estatísticos nos permitem estimar o quanto é seguro aceitar a resposta a

nossa pergunta (= houve/não houve relação; houve /não houve diferença, que hipótese

suporta melhor os dados), em função de como a variabilidade está partilhada nos dados que

representam nossas observações.

Uma forma comum de fazer isto é distribuir-se a variação encontrada em tal conjunto

de dados em variação provocada por um fator (efeito) e a variação não devida a este fator

(ruído) (Fig. 4). Neste caso, a finalidade de um experimento é avaliar se a variação

provocada pelo fator é, uma vez isolados possíveis fatores de confusão, maior do que o

ruído. Associado a este tipo de experimento, um teste falsificacionista compararia a

distribuição de freqüências observadas com a distribuição de freqüência teórica (=hipótese):

esperada no caso de que o ruído seja maior que o efeito. Um teste verificacionista

compararia a distribuição de freqüências observadas com as distribuições de freqüências

teóricas para os dois casos possíveis: que o efeito seja maior ou vice-versa.

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

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Repetição, pseudorepetição e confiança.

Lembra do problema no final do capítulo 1? Quando um fator altera os valores de

nossas repetições, de modo que faz com que seu valor esteja relacionado, as repetições

são chamadas de pseudorepetições. Aumentar o número de repetições nos permite

aumentar nossa confiança no resultado, mas isso não acontece com as pseudorepetições,

apesar de que aumentar o número de pseudorepetições pode nos dar uma falsa sensação

de confiança.

Para entender a relação entre fatores de confusão, confiança e pseudorepetição, leia

o seguinte exemplo: Imagine que você quer ir “bonito(a)” a uma festa. Em que caso você se

sentiria com maior confiança sobre as opiniões: depois de perguntar a sua mãe? Depois de

perguntar a sua mãe, avós e tias? Depois de perguntar a um(a) colega, ou depois de

perguntar a várias meninas não muito próximas? Como pode ter deduzido, perguntar a suas

avós e tias depois de perguntar a sua mãe não vai trazer tanta confiança, pois é provável

que vão dizer que você está muito bonito(a). Na opinião de cada uma delas está embutido o

fator de confusão “parentesco” (que, vamos lá, é importante neste caso!). Agora, se você

pergunta a um(a) colega, e sua resposta é que você está “muito bonito(a)”, você poderia

ainda pensar que “ele(a) quer te agradar”. Finalmente, se a resposta deste(a) colega)

concordar com a de outros(as) colegas não relacionados(as) com ele(a), sua confiança em

que você está bonito(a) aumentará muito! Cair na pseudorepetição é acreditar que

repetições aumentaram nossa confiança sobre a resposta a nossa pergunta quando estas,

na realidade, estão relacionadas por um fator de confusão. Busque sempre respostas

independentes para suas perguntas!

Provocam pseudorepetição aqueles fatores que não fazem parte do estudo e que

fazem com que os valores de nossas observações não sejam independentes entre eles.

Tipos gerais de pseudo-repetição incluem: espacial= as observações tem valores

relacionados por causa da sua posição no espaço, temporal= quando o fator que relaciona

os valores das observações é o tempo, filogenética= provocada por relações de origem

comum entre as observações e técnica= quando é um elemento do equipamento ou

procedimento experimental que está relacionando os valores obtidos nas observações.

Obtenha informações mais detalhadas e mais exemplos em Hulbert (1984) e Magnusson e

Mourão (2004).

Existem outros aspectos do desenho de um experimento. Por exemplo, decidir

quantas observações serão necessárias, se estas serão dispostas aleatória ou

sistematicamente, e como serão feitos os controles. Explicar isto está fora do tempo

disponível para este módulo, mas todos estes passos são críticos para o sucesso do seu

trabalho. Lhe recomendo que leia a maior quantidade de literatura possível sobre desenho

experimental e estatística antes de começar a coletar seus dados. Comece pela tabela de

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Magnusson e Mourão (2004), pag. 4. Parafraseando a Peters (1987): Não fazer isto “porque

você não teve tempo” facilmente acabará em que todo o esforço e dinheiro público investido

não sirvam para nada.

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

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O Fim da Picada: Comunicando Ciência.

Agustín Camacho Guerrero Laboratório de Herpetologia

[email protected]

Pense por um segundo no momento no qual você terminará seu experimento. Foi um

caminho árduo: você teve que ler vários artigos que não entendia bem ou com os quais nem

concordava para levantar uma pergunta não respondida até agora. Passou tempo lendo,

pensando e discutindo o projeto com outras pessoas que, às vezes, não lhe entendiam bem.

Suas idéias sofreram críticas, você teve que esperar longas burocracias (licenças,

solicitação de fundos) e repetir seu experimento várias vezes, resolvendo inúmeros

problemas (animais que morrem antes de obter os dados, infra-estrutura falha, falta dinheiro,

segurança, etc.). Conseguiu imaginar? Com certeza você vai lembrar-se deste parágrafo

depois do seu mestrado...

Bom, se você não tem cuidado no que vem agora, tudo isso pode não ter servido de

nada. A valia dos cientistas se mede grandemente a través da qualidade e quantidade de

artigos científicos que publicam. Para isto, uma grande dose de experiência é necessária.

Recomendo que você a procure em seu orientador e lendo artigos nas revistas onde

pretendam publicar. Assim mesmo, busque textos (Ex. referências neste capítulo, manuais

de redação de jornais científicos) e faça cursos especializados no tema. A continuação,

veremos algumas dicas básicas para estruturar textos científicos. Estas dicas estão

baseadas no livro de Peters (1984), e você deve dominá-las desde o começo.

Repassaremos aqui as partes de um relatório de pesquisa, as relações lógicas entre elas e

alguns elementos básicos que devem conter.

Partes e estrutura de um relatório de pesquisa.

Um relatório de pesquisa deve ser tão claro, preciso e curto quanto seja possível.

Basicamente, consta de 7 partes: título, resumo, introdução, material e métodos, resultados,

discussão, agradecimentos e referências. Veja dicas úteis sobre o título, agradecimentos e

referências na tabela 1. Iremos nos estender mais nas seções de resumo, introdução,

material e métodos, resultados e discussão.

O resumo se compõe normalmente de um parágrafo que demonstra a relevância e

os objetivos do estudo, e explica de forma sucinta os métodos empregados e os principais

resultados e conclusões.

Dentro da introdução devem ficar claros: A) o problema que vamos abordar e sua

relevância B) o estado da arte sobre o problema, mostrando a lacuna de conhecimento que

pretendemos preencher e porque precisa ser preenchida e C) as decorrências dos possíveis

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resultados de nosso trabalho. Por último, os objetivos devem aparecer da forma mais clara

possível. Concretamente, em forma de hipótese a ser testada.

O “material e métodos” deve conter uma explicação clara dos métodos empregados

para alcançar o objetivo declarado no fim da introdução. Desta forma, as técnicas, o

desenho experimental e as análises devem aparecer explicados e justificados de forma que

os leitores sejam capazes de: A) entender como alcançam o objetivo escolhido B) Repeti-lo

C) perceber possíveis fraquezas no delineamento. Se evitarmos mostrar claramente nosso

desenho experimental pode ser que rejeitem nosso relatório na revista que o queremos

publicar. Pior ainda, podemos enganar aos nossos leitores.

A seção de “resultados” deve dar toda a informação necessária para responder

nossa pergunta inicial e que outros possam avaliar se a respondemos mesmo ou não. Isto

implica em descrever as observações feitas, estabelecendo as relações que foram

estatisticamente significativas e as que não foram. Os dados, quando numerosos, devem

ser apresentados em forma de tabelas. Os gráficos devem expor a parte mais importante

dos nossos resultados (nossa pergunta e as observações que a respondem) e informar

sempre o número de repetições. Se nos nossos resultados, os gráficos não representam as

partes de nossa pergunta, a evidência gerada para respondê-la parecerá fraca a vista dos

outros (Magnusson, 1966). Tanto tabelas quanto gráficos devem ter uma legenda curta e

auto-explicativa, e serem numerados, de forma que possam ser referidos no texto. Dados

apresentados em tabelas e gráficos devem ser explicados também no texto, mas evitando

redundância.

Na discussão, devemos expor como nossos resultados se relacionam com a

hipótese que pretendíamos testar, reconhecendo as fraquezas que puderem comprometer

os resultados. Em seguida, mostrar a consistência (ou inconsistência) dos nossos resultados

com os resultados de outros trabalhos levantados na introdução, mostrando quais as

implicações dos nossos resultados sobre a lacuna de conhecimento levantada. Por último,

este é o lugar onde se deve apontar, curtamente, futuros experimentos ou hipóteses

testáveis que permitam avançar no entendimento do problema abordado.

Se o relatório tem vários objetivos, estes devem seguir a mesma ordem na

introdução, material e métodos, resultados e discussão. A fim de facilitar a interpretação do

leitor. Veja uma lista de verificação básica para identificar problemas em seu relatório de

pesquisa (Tab.1).

Busque críticas, seja crítico e ajude à ciência progredir.

Einstein dizia que se você não consegue explicar seu trabalho a seu avô, é porque

você não entende bem o que está fazendo. Agora, eu digo a você que, explicando

corretamente para ele, até seu avô poderia fazer críticas imprevistas e acertadas sobre o

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

Julho/2010 Pág. 19

seu trabalho. A comunidade científica deve ajudar-se a través de visão crítica e sentido

construtivo.

Lembre-se que em ciência, tratamos com assuntos que, via de regra, são

complicados. Isto faz com que todos nós cometamos erros. Para evitar erros em seu

experimento, a melhor saída é apresentar seu projeto a pessoas com visão crítica. Se estas

pessoas conseguem entendê-lo perfeitamente, poderão julgar se foram convencidas ou não

pelos seus argumentos. Encontrar falhas nos aspectos do desenvolvimento lógico do

trabalho de um colega pode ser de grande ajuda para ele, antes que invista grande esforço

e dinheiro em um projeto mal planejado. Assim mesmo, podemos evitar que um trabalho

confunda a comunidade científica através da geração de evidências ou argumentos que

permita mostrar que este está errado.

Considerações finais.

Terminou este capítulo que pretendia mostrar-lhe um pouquinho do que vem pela

frente. A melhor forma de enfrentar os próximos anos de preparação é você que deve

planejar. A lista de referências que segue é uma seleção da literatura que fez muita

diferença na minha própria formação (alguma delas chegou um pouco tarde). Espero que

lhe ajude.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Tabela 1: Lista de verificação na redação de um relatório de pesquisa.

No título

O titulo representa os elementos da sua pergunta? E o universo de estudo?

Na introdução:

A lacuna de conhecimento está clara?

Esta se deriva logicamente do estado da arte da disciplina?

Os objetivos buscam preencher esta lacuna?

Os conceitos mantêm o significado ao longo do texto?

Os objetivos buscam testar ou verificar uma hipótese?

Nos métodos:

Há pontos importantes para julgar a validade do trabalho que não foram explicados?

Está claro para que serve cada seção dos métodos?

As medidas realizadas e os procedimentos adotados estão claramente justificados?

No caso de várias hipóteses, as análises estão redigidas na mesma ordem que os

objetivos?

Nos resultados:

Um gráfico de dispersão representa a resposta a nossa pergunta principal?

O número de observações está claro no gráfico?

Existe redundância entre a informação mostrada no texto e os dados apresentados nos

gráficos e/ou tabelas?

No caso de vários objetivos, os resultados foram apresentados na mesma ordem que as

análises dos métodos?

Os dados mostrados permitem julgar se as análises foram feitas corretamente?

Na discussão

Foram discutidos problemas que possam ter interferido na resposta?

Os resultados de estudos comparados com o nosso são mesmo comparáveis?

As conclusões e sugestões derivam logicamente dos resultados?

Mostraram-se novas hipóteses para avançar no entendimento do tema abordado?

Nos reconhecimentos

As pessoas/organizações que prestaram a ajuda ou licenças mais fundamentais estão

presentes?

Nas referências

Todas as citações, e só as que estão no texto, aparecem na seção referencias?

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

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Glossário

Etimologia: parte da gramática que estuda da história ou origem das palavras.

Lei científica: relação tão demonstrada empiricamente que é assumido que sempre vai ser

observada em determinadas condições.

Princípio científico: pode ser considerado sinônimo de lei científica

Epistemológico: relativo ao estudo do funcionamento da ciência.

Silogismos: arranjos de três proposições lógicas onde a última se deduz necessariamente

das duas anteriores

Inferência: conclusão, seja esta tomada sobre uma população, a partir de uma amostra da

mesma, ou bem tomada a partir da combinação lógica de duas premissas verdadeiras (Ex:

Se as premissas de que todos os homens tem coração e que Sócrates é um homem são

verdadeiras, então podemos inferir que Sócrates tem coração)

Casos gerais e particulares: Para Aristóteles e Bacon, são duas categorias que mostram

generalidade de aplicação de um conceito.

Indução: Raciocínio ou forma de conhecimento pelo qual passamos do particular ao

universal, do especial ao geral, do conhecimento dos fatos ao conhecimento das leis.

Probabilidade prévia: estimação subjetiva da probabilidade de um evento, prévia a um

experimento.

Verossimilhança: Dado um conjunto de dados observados, a verossimilhança valoriza a

plausibilidade de um descritor hipotético deste conjunto, sobre outro possível descritor.

verossimilhança é proporcional à probabilidade de observar os dados sendo um

determinado descritor verdadeiro.

Teoria: explicação sobre um fenômeno. Para Popper, deve ser um conjunto de enunciados.

Diferencia-se de lei porque a teoria não precisa ter sido demonstrada amplamente com

dados empíricos.

Conclusões, previsões, predições ou hipóteses: uma proposição aceitável do ponto de

vista de uma teoria ou um modelo, mas ainda não conferida.

Modelo: tem variados significados dependendo do contexto, porém a maioria pode ser

considerada como “representação simplificada”. Dentro do processo de geração de

conhecimento um modelo pode ser considerado como uma representação de relações entre

variáveis acorde com a teoria da que forma parte tal modelo.

Teoria empírica: Segundo Popper, aquela teoria que pode ser testada.

Tautologia: uma afirmação lógica onde as premissas são iguais à conclusão.

(ex. estes animais não são aquáticos, logo eles não moram na água)

Filogenia: representação de relações de parentesco entre espécies ou grupos de espécies.

Caráter ancestral: característica considerada original para um grupo de espécies.

Teste: prova, ensaio, exame.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Tratamento: aqui tratado como manipulação.

Fatores ou variáveis independentes: elemento ou circunstância que contribui a produzir

um estado em uma variável influenciada por ele.

Variáveis dependentes ou de interesse: variável cuja variação estamos interessados em

explicar, sendo influenciada pelos fatores.

Efeito: influencia de um elemento sobre outro.

Ruído: variação não devida ao fator.

Pseudorepetições: observações cujos valores estão afetados por um fator de confusão.

Bibliografia

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Page 33: Fisiologia comparada USP 2010

Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

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Page 34: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 24 Julho/2010

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Unidade 2

Sinalização Celular

Maria Nathália de Carvalho Magalhães Moraes

Laboratório de Fisiologia Comparativa da Pigmentação

[email protected]

A sobrevivência dos organismos multicelulares depende de uma rede

elaborada de comunicação inter e intracelular, que coordena o crescimento, a

diferenciação e o metabolismo das células em diversos tecidos e órgãos. Neste

módulo, serão abordados os aspectos da evolução da multicelularidade e os

mecanismos básicos da transdução de sinais, bem como a contextualização desses

mecanismos dentro de patologias, como é o caso da malária. Além disso, será

apresentada a técnica do RNAi (RNA de interferência) como ferramenta de estudo

para a fisiologia, com destaque para as vias de transdução do sinal em diversos

modelos.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Capítulo 5 Comunicação celular: entendendo a ritmicidade endógena pág. 27

Maria Nathália C. Magalhães Moraes

Revisado por Dra Ana Maria de Lauro Castrucci

Capítulo 6 Fisiologia Celular do Plasmodium durante a fase assexuada

pág. 41

Laura Nogueira da Cruz

Revisado por Dra. Célia R. S. Garcia

Capítulo 7 RNAi: ouvindo a voz do silêncio pág. 49

Maísa Costa

Revisado por Dr. Daniel Carneiro Carrettiero

Bibliografia pág. 66

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Sinalização Celular

Julho/2010 Pág. 27

Comunicação Celular: Entendendo a Ritmicidade Endógena

Maria Nathália de Carvalho Magalhães Moraes Laboratório de Fisiologia Comparativa da Pigmentação

[email protected]

Evolução da Multicelularidade

O grande passo obtido através da evolução da unicelularidade para a

pluricelularidade certamente foi a capacidade de comunicação entre as células, por meio da

evolução a partir de uma única célula, a qual desempenhava todas as funções necessárias

para o organismo, para um conjunto de células especializadas proporcionando interações

entre elas (Ben-Shlomo e col., 2003). Os ancestrais dos organismos multicelulares seriam

simples agregados de seres unicelulares, que formavam estruturas designadas colônias.

Inicialmente todas as células da colônia desempenhavam a mesma função. Contudo, ao

longo do tempo algumas das células da colônia especializaram-se em determinadas

funções. A diferenciação celular, relacionada com a função especifica acentuou-se no

decorrer da evolução, originando os verdadeiros seres multicelulares. Neste processo foram

surgindo diferentes tipos de células, que mais tarde originaram tecidos, os quais levaram ao

aparecimento de órgãos. A especialização celular permitiu uma melhor utilização da energia,

levando a uma diminuição da taxa metabólica, além de uma maior independência em

relação ao ambiente.

Para que as células pudessem sincronizar as tarefas e perceber informações do

ambiente, foi necessária a especialização de células para percepção do ambiente

(receptores sensoriais), centros integradores dessas informações (sistema nervoso) e

efetuadores de ajustes homeostáticos (sistema muscular, endócrino e exócrino) (Isoldi e

Castrucci, 2007).

Para garantir o sucesso e a diversificação da vida, foi necessário o aparecimento de

estruturas de ligação e principalmente de comunicação entre as diferentes células. Nos

organismos multicelulares, a manutenção da homeostase é dependente de um

processamento continuo de informações através de uma complexa rede de células. Além

disso, para que o organismo responda a constantes mudanças do ambiente, sinais

intracelulares devem ser transduzidos, ampliados e finalmente convertidos para uma

resposta fisiológica adequada (Pires-da-Silva e Sommer, 2003). Muitos hormônios,

neurotransmissores, quimiocinas, mediadores locais e estímulos sensoriais exercem seus

efeitos sobre as células através de ligação a diferentes classes de receptores. Esses

transdutores altamente especializados são capazes de modular a sinalização de várias vias

que levam a diversas respostas biológicas (Cabrera-Vera e col., 2003). A maioria das

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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famílias de receptores evoluiu com o advento da multicelularidade e com a necessidade de

um comportamento coordenado do organismo (Ben-Shlomo e col., 2003).

Alvos para ação dos mensageiros químicos

Os mensageiros químicos intercelulares devem atingir células alvo, que possam

interpretar os sinais. Para que as células interpretem esses sinais devem apresentar

elementos que reconheçam esses mensageiros, os chamados receptores, que mudam sua

conformação quando os mensageiros se ligam a eles. A ligação mensageiro-receptor inicia

uma cascata de sinalização que irá evocar a participação de diversos segundos

mensageiros, ativando múltiplas vias de sinalização. Cada classe de receptor ativa

segundos mensageiros específicos, os quais amplificam o sinal e desencadeiam respostas

intracelulares específicas para o sinal inicial. Os princípios moleculares nos quais a

transdução do sinal se baseia são representados por associações específicas de proteínas

e sua fosforilação ou desfosforilação, onde a fosforilação de alvos protéicos leva geralmente

a mudanças imediatas em sua configuração e atividade. Deste modo, o balanço entre

fosforilação e desfosforilação é determinante para a transdução do sinal intracelular. Ainda,

os receptores podem evocar tipos diferentes de efeitos celulares. Alguns deles são muito

rápidos em escala de milissegundos, enquanto os efeitos produzidos por hormônios

esteróides, por exemplo, ocorrem dentro de algumas horas ou dias (Fig. 1) (Rang e Dale,

2007).

Os mensageiros químicos extracelulares podem ser classificados de acordo com a

distância que percorrerão do local de sua síntese até a célula alvo, bem como o tipo de

inter-relação entre a célula produtora e a célula alvo. Os sinalizadores secretados pela

própria célula produtora e que atuam em células adjacentes próximas são chamados de

parácrinos, enquanto os sinalizadores que atuam na própria célula produtora são

conhecidos como autócrinos, além dos sinalizadores que são lançados na corrente

sanguínea, cuja célula alvo encontra-se distante, os quais são chamados de hormônios. Os

sinalizadores parácrinos produzidos por células nervosas são denominados

neurotransmissores, os quais são lançados na região entre neurônios, entre neurônios e

fibra muscular ou entre neurônios e glândula exócrina ou endócrina; essa região é

conhecida como fenda sináptica. Os ligantes podem ainda ser classificados quanto à sua

solubilidade, em hidrossolúveis e lipossolúveis. Os hidrossolúveis são incapazes de

atravessar a membrana celular, e dessa forma, devem ser reconhecidos por receptores

localizados na membrana. Já os compostos lipossolúveis apresentam alta afinidade química

pela membrana podendo, portanto, atravessar a membrana e atuar dentro das células,

chegando muitas vezes ao núcleo, dessa forma sendo reconhecidos por receptores

intracelulares (Isoldi e Castrucci, 2007).

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Sinalização Celular

Julho/2010 Pág. 29

Figura 1 – Relação receptor e tempo de ação. Adaptado de Rang e Dale, 2007

Interação molécula-receptor

Existe uma diferença importante entre agonistas e antagonistas. Agonistas e

antagonistas são poderosas ferramentas que permitem a caracterização de estruturas e

funções de subtipos de receptores (Squire e col, 2003). Os agonistas ativam os receptores,

enquanto os antagonistas podem se combinar com os mesmos sítios, porém sem causar

ativação desse receptor, e dessa forma bloqueando o efeito dos agonistas. A ocupação de

um receptor por uma molécula de um ligante pode ou não resultar na ativação desse

receptor. A ativação do receptor ocorre através da ligação da molécula de tal modo que

desencadeie uma resposta tecidual. A ligação e ativação representam duas etapas distintas

da geração de uma resposta mediada por um receptor, que é iniciada por um agonista. A

tendência de um ligante se ligar aos receptores é dada através de sua afinidade. Os ligantes

com alta potência geralmente apresentam alta afinidade pelos receptores e,

consequentemente, ocupam uma porcentagem significativa dos receptores, mesmo em

baixas concentrações (Rang e Dale, 2007).

Tipos de receptores

Segundo a estrutura molecular e a natureza do mecanismo de transmissão, os

receptores são agrupados em quatro superfamílias, a saber: (1) superfamília tipo 1 -

receptores-canal (ou ionotrópicos), receptores de membrana que formam o próprio canal

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 30 Julho/2010

iônico; (2) superfamília tipo 2 - receptores acoplados à proteína G (GPCRs ou 7-TM ou

metabotrópicos), receptores de membrana acoplados a sistemas efetores intracelulares por

meio de proteína G; (3) superfamília tipo 3 – receptores enzimáticos, receptores de

membrana com domínio intracelular de proteína quinase (em geral, tirosina quinase,

fosfatase e outras) e (4) superfamília tipo 4 - receptores reguladores da transcrição de genes

(ou receptores nucleares ou receptores intracelulares), receptores solúveis no citosol (Fig.

2).

Figura 2 - Tipos de famílias de receptores

Superfamília tipo 1: receptores-canal

Os íons são incapazes de penetrar na bicamada lipídica da membrana celular, e só

podem atravessá-la com a ajuda de proteínas transmembrânicas na forma de canais ou

transportadoras. Os receptores do tipo canal são compostos por 4 ou 5 subunidades (α, β, γ,

δ) combinadas para formar um canal iônico através da membrana (Fig. 3). Cada subunidade

consiste de 4 segmentos transmembrana (TM) referidos como TM1-TM4. Na ausência de

um neurotransmissor, esses canais iônicos permanecem em estado fechado e são

impermeáveis aos íons. A ligação do neurotransmissor induz uma rápida mudança

conformacional que abre o canal, permitindo o fluxo dos íons (Fig. 4). As mudanças na

corrente da membrana resultante da ligação do ligante ao canal ionotrópico são geralmente

mensuradas numa escala de milissegundos. O fluxo iônico cessa quando o transmissor se

dissocia do receptor ou quando o receptor se torna dessensibilizado (Squire e col., 2003). O

primeiro receptor dessa família a ser clonado, foi o receptor nicotínico da acetilcolina

(nAchR), o qual é usado como modelo para o estudo da estrutura dos receptores

ionotrópicos. Sua estrutura pentamérica (2α, β, γ, δ) possui dois sítios de ligação à

acetilcolina, cada um na interface das duas subunidades α. Para que o receptor seja

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Sinalização Celular

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ativado, duas moléculas de acetilcolina devem se ligar a esses sítios e, dessa forma, o canal

se abre quase que instantaneamente, permitindo a passagem de íons (Rang e Dale, 2007).

Os canais controlados por voltagem abrem-se quando a membrana celular é

despolarizada. Essa abertura (ativação) induzida pela despolarização da membrana é de

curta duração, mesmo quando a despolarização é mantida. Os canais mais importantes

nesse grupo são os canais seletivos para sódio, potássio e cálcio.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             

Figura 3 – Estrutura do receptor canal. Figura 4 - Esquema de abertura do canal.

Retirado de Squire e col., 2003. Retirado de Squire e col., 2003.

Os canais controlados por ligantes são ativados através da ligação de um

mensageiro químico extracelular a um sítio na molécula do canal. Os receptores desse tipo

controlam os eventos sinápticos mais rápidos do sistema nervoso. A maior parte dos

neurotransmissores excitatórios, como acetilcolina, glutamato, ácido gama-amino butírico

(GABA) e ATP agem dessa maneira e causam aumento na permeabilidade ao Na+ e K+.

Alguns canais controlados por ligantes respondem a sinais intracelulares e não

extracelulares, tais como: (i) canais de potássio ativados por cálcio, se abrem,

hiperpolarizando a célula, quando ocorre um aumento da [Ca2+]i; (ii) canais de potássio

sensíveis a ATP, se abrem quando a concentração intracelular de ATP cai. Esses canais

são distintos daqueles que medeiam os efeitos excitatórios de ATP extracelular; (iii) existem

ainda outros canais que respondem a ligantes intracelulares, como canais de potássio

sensíveis a diacilglicerol, cujas funções ainda não estão bem esclarecidas. Dependendo do

íon para o qual o canal é seletivo a alteração no potencial de repouso da célula poderá atuar

de forma diferente, podendo levar à despolarização celular, como é o caso de alguns

subtipos de receptores de acetilcolina e glutamato, que são canais de sódio ou cálcio; ou

dificultando uma eventual resposta de despolarização a um estimulo excitatório, como é o

caso de GABA e glicina, que são canais de cloro (Squire e col., 2003).

Os receptores canais de glutamato são responsáveis pelo fenômeno de potenciação

de longo termo (LTP), plasticidade sináptica e neurodegeneração. O influxo de íons através

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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do canal aberto é conseqüência da liberação de glutamato do neurônio pré-sináptico e da

despolarização da membrana do neurônio pós-sináptico, essa mudança de voltagem da

membrana expele íons Mg2+ que estavam bloqueando o canal, fazendo com que este

permita o influxo de cálcio e a geração de oxido nítrico e/ou espécies reativas de oxigênio

(Kloda e col., 2007).

Superfamília tipo 2: receptores acoplados a proteínas G

Os receptores da família tipo 2 são de origem antiga, sendo os primeiros receptores

a emergirem entre os organismos unicelulares. O papel central desses receptores em

organismos multicelulares é refletido por suas divergentes estruturas e funções. A ligação do

mensageiro ao receptor acoplado a proteína G (GPCRs) induz uma mudança

conformacional no receptor, o qual recruta e ativa diferentes proteínas G, as quais

estimulam a geração de adenosina 3’,5’ monofosfato (AMPc), fosfoinositídeos, diacilglicerol e

outros segundos mensageiros. Em termo, esses segundos mensageiros disparam eventos

como ativação de cascatas cinéticas e fosforilação de fatores citosólicos e transcrição de

fatores nucleares (Brivanlou e Darnell, 2002). Os estímulos extracelulares que ativam os

GPCRs incluem luz, íons, nucleotídeos, lipídeos, esteróides, aminoácidos modificados,

peptídeos e hormônios glicoprotéicos (Ben-Shlomo e col., 2003)

Estrutura da proteína G

A interação de hormônios, neurotransmissores ou glicoproteínas com os receptores

7TM na superfície da célula induz uma mudança conformacional do receptor que ativa a

proteína G – composta das subunidades α, β, γ – no interior da célula. No estágio inativo

GDP liga-se à subunidade Gα. (Fig. 5). Quando a proteína G é ativada, o GDP é liberado, e

o GTP liga-se à subunidade Gα e assim ocorre a dissociação do complexo Gα-GTP do

complexo Gβγ. Dessa forma tanto Gα-GTP quanto Gβγ encontram-se livres para ativar seus

efetores, como por exemplo canais iônicos ou enzimas (Pierce e col., 2002). A duração do

sinal é determinada pela taxa de hidrólise do GTP da subunidade Gα e subseqüente

reassociação de Gα-GDP com Gβγ (Hamm, 1998). A cinética da ativação da proteína G

através dos GPCRs tem sido descrita recentemente. Baseado em observações de que a

atividade GTPásica de proteínas G isoladas é mais baixa do que sob condições fisiológicas,

postulou-se a existência de mecanismos que aceleram a atividade GTPásica. Vários

efetores tem sido apontados como promotores da atividade GTPásica da subunidade α da

proteína G. Recentemente, uma família de proteínas chamadas “reguladoras da sinalização

da proteína G” (proteína RGS), capaz de aumentar a atividade GTPásica da subunidade α

da proteína G foi identificada (Wettschureck e Offermanns, 2005).

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Sinalização Celular

Julho/2010 Pág. 33

Classicamente, as proteínas G são divididas em quatro famílias baseadas na

similaridade de suas subunidades α: Gαi/0, Gαs, Gαq e Gα12/13 (fig. 7) (Cabrera-Vera e col.,

2003; Pierce e col., 2002). Cada família consiste de vários membros que frequentemente

mostram padrões de expressão específicos. Membros de uma família são estruturalmente

similares e frequentemente compartilham algumas de suas propriedades funcionais.

Figura 5 - Mecanismo de ação do receptor acoplado a proteína G. A interação do ligante exógeno

com o receptor de membrana promove a ativação do receptor e sua interação com a proteína G

intracelular. O acoplamento do receptor a proteína G faz com que ocorra uma mudança de GDP para

GTP na subunidade Gα. Gα-GTP então se dissocia do complexo Gβγ e do receptor. Ambas

subunidades estão livres para modular a atividade de uma grande variedade de efetores

intracelulares. O sinal é finalizado quando a γ-fosfatase do GTP é removida pela intrínseca atividade

GTPásica da subunidade Gα, levando a ligação do GDP a Gα. A reassociação de GDP com Gα

completa o ciclo.

Após ativação do receptor acoplado a proteína Gs, adenililciclase (AC) é ativada pela

subunidade α da proteína Gs passando a sintetizar AMPc, como representado na figura 6

(Isoldi e Castrucci, 2008). Existem 9 tipos de adenililciclases conhecidas em mamíferos, as

quais podem ser ativadas pelo complexo cálcio/calmodulina, outras inibidas por baixas

concentrações de cálcio ou por calcineurina (uma proteína fosfatase dependente de ca2+) ou

pela fosforilação de proteínas quinases II dependentes de Ca2+/calmodulina (CAMK II). Em

alguns casos, a subunidade α da proteína G inibe a adenililciclase (Gi), promovendo assim

uma diminuição dos níveis de AMPc, ou pode ainda ligar-se a canais modulando-os e dessa

forma não exercendo função reguladora sobre adenililciclase (Schwartz, 2001). Para estudar

as funções das proteínas Gi tem sido muito utilizada uma toxina extraída do Clostridium

botulinum (toxina de pertússis ou PTX) a qual é capaz de ribosilar ADP dessas proteínas

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tornando-as incapaz de interagir com o receptor. Dessa forma o tratamento com PTX resulta

em um desacoplamento do receptor com a proteína Gi (Wettschureck e Offermanns, 2005).

Figura 6 – Representação esquemática da via de sinalização intracelular envolvendo

adenililciclase.

Depois de formado, o AMPc liga-se a proteínas quinases dependentes de AMPc

(PKAs). Na sua forma inativa, a PKA é formada por duas subunidades reguladoras (R), e

duas subunidades catalíticas (C). Ativação da PKA ocorre através da ligação do AMPc nas

subunidades (R), e subsequente liberação da subunidade (C). Após ativação, PKA pode

atuar em diferentes substratos e desencadear uma variedade de respostas. Na ausência de

AMPc, a subunidade (C) volta a inibir a PKA pela reassociação com a subunidade (R). As

subunidades C livres são capazes de fosforilar o fator de transcrição CREB, levando a célula

a um aumento da transcrição de genes específicos. CREB liga-se a regiões do gene que

contêm um elemento de resposta ao AMPc (CRE) e sob fosforilação inicia a cascata de

expressão de genes (Schwartz, 2001).

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Sinalização Celular

Julho/2010 Pág. 35

Figura 7 - Representação esquemática da cascata de sinalização evocada por proteínas G. As

setas em vermelho representam inibição de um componente da via, e as setas em verde a ativação.

A subunidade Giα inibe adenililciclase, promovendo a diminuição de AMPc. A subunidade Gsα ao

contrario de Giα promove aumento do concentração de AMPc. A subunidade Gqα ativa a produção de

DAG e IP3, e dessa forma IP3 atua em receptores do reticulo promovendo liberação do cálcio.

A família da proteína Gq é uma das mais bem caracterizadas entre as proteínas G

(ver fig. 8). Quando a proteína Gq é estimulada, promove a ativação da enzima fosfolipase

Cβ (PLCβ). Uma vez ativada, a PLCβ promove a catálise do fosfolipídio de membrana 4,5-

bisfosfato de fosfatidilinositol, gerando 1,4,5-trisfosfato de inositol (IP3) e diacilglicerol

(DAG). IP3 difunde-se da membrana para o interior da célula, onde se ligará aos receptores

de IP3 (IP3R), que são canais de cálcio existentes na membrana do reticulo endoplasmático

ou sarcoplasmático. Essa ligação promove a abertura desses canais de cálcio e a

conseqüente liberação dos estoques desse íon para o citoplasma. Em muitos tipos

celulares, a liberação de cálcio dos estoques intracelulares induz a abertura de canais de

cálcio da membrana celular, promovendo assim um influxo de cálcio do meio extracelular

para o interior da célula. O DAG permanece na membrana podendo promover ativação da

proteína quinase C (PKC) desencadeando assim uma cascata de fosforilação, ou ainda,

podendo ser clivado, gerando ácido araquidônico, o qual dá inicio à via de síntese de

eicosanóides como as prostaglandinas (Isoldi e Castrucci, 2007).

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Figura 8 – Representação esquemática da via de sinalização intracelular envolvendo a

participação da fosfolipase C.

Existe ainda uma superfamília de proteínas G, referidas como proteínas G

monoméricas (são formadas somente pela subunidade α), ou Ras. Essas proteínas Ras

estão envolvidas em uma variedade de processos celulares, incluindo proliferação,

diferenciação, migração, maturação e apoptose. A ativação de Ras sob estimulação de

GPCRs e receptores de fatores de crescimento é regulada pela mudança do fator

nucleotídeo de guanina, o qual estimula uma mudança na atividade de GDP/GTP resultando

na ligação do GTP em seu estado ativo à proteína (Schaafsma e col., 2008). As proteínas

Ras processam sinais vindos de receptores tirosina quinase e GPCRs, para o interior das

células, afetando a transcrição gênica (Schenk e Snaar-Jakelska, 1999).

Superfamília do tipo 3: receptores enzimáticos

São encontrados quatro receptores com diferentes domínios enzimáticos: tirosina

quinase, serina/treonina quinase, tirosina fosfatase, guanililciclase. Os receptores do tipo

serina/treonina apresentam como ligante o fator de crescimento transformante beta (TGFβ).

Esses receptores se apresentam em dois sub-tipos, os receptores do tipo I e II, os quais são

classificados de acordo com suas propriedades estruturais e funcionais. O domínio

citoplasmático do receptor tipo II é constitutivamente ativo e este fosforila o receptor tipo I

em resíduos serina e treonina em resposta à ligação do mensageiro extracelular. O receptor

tipo I ativado tradicionalmente fosforila proteínas SMAD citoplasmáticas, dessa forma

ativando a transdução do sinal para o núcleo. As proteínas SMAD ligam-se ao DNA

reprimindo ou estimulando a transcrição de genes e, desse modo, essa cascata de

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Sinalização Celular

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sinalização de TGF-β pode representar um papel chave na patogênese de várias doenças

incluindo o câncer (Wright e col., 2009).

As proteínas tirosina quinase foram identificadas em 1980 como as maiores

representantes no câncer resultando na investigação desses receptores como alvos

terapêuticos. (Levitzki, 2003). Receptores tirosina quinase (RTK) são glicoproteínas

transmembrânicas que são ativados pela ligação de ligantes cognatos e transduzem o sinal

extracelular para o citoplasma através da fosforilação do resíduo de tirosina no próprio

receptor (autofosforilação) (Hubbard e Till, 2000). Os RTKs ativam numerosas vias de

sinalização dentro da célula, levando a proliferação, diferenciação, migração, ou mudanças

metabólicas. A família dos RTKs inclui os receptores de insulina e muitos fatores de

crescimento, tais como fator de crescimento epidérmico (EGF), fator de crescimento de

fibroblasto (FGF), fator de crescimento derivado de plaqueta (PDGF), fator de crescimento

endotelial vascular (VEGF). Os RTKs consistem de uma porção extracelular que se liga aos

ligantes polipeptídicos, uma hélice transmembrânica e uma porção citoplasmática que

possui tirosina quinase com atividade catalítica (Fig. 9). A grande maioria de RTKs é

monomérica e dimeriza-se na presença do ligante. A ativação do receptor pelo ligante leva à

ativação da porção quinásica do receptor, resultando em autofosforilação e fosforilação de

substratos SHC, o que culmina com a ativação da proteína G monomérica Ras. Nas vias de

sinalização de receptores monoméricos, a cascata de MAP quinases (MAPK) é recrutada,

resultando na ativação de fatores de transcrição como CREB, c-Fos e Elk-1, envolvidos na

transcrição de genes relacionados à proliferação celular. Em adição aos RTKs, existe uma

ampla família de tirosina quinases citosólicas não receptoras (NRTKs), as quais incluem Src,

Janus Kinases (Jaks), Ab1 (Fig 10). Os NRTKs são componentes das cascatas de

sinalização disparadas por RTKs e por outros receptores de superfície como receptores

acoplados a proteína G e receptores do sistema imunológico (Hubbard e Till, 2000).

Em contrapartida, os receptores tirosina fosfatase, quando ativados por ligantes,

desfosforilam proteínas celulares. Esses receptores têm sido implicados na angiogênese e

na adesão celular (Isoldi e Castrucci, 2007).

Os receptores guanililciclases (GC) são ativados por um hormônio peptídico

denominado peptídeo atrial natriurético (ANP), o qual possui um importante papel na

regulação da homeostase cardiovascular, através da manutenção da pressão arterial. As

ações dos peptídeos natriuréticos são mediadas por sua ligação a três tipos de receptores.

Os receptores NPR A e B (receptor peptídico natriurético A e B) são guanililciclases que

aumentam a concentração intracelular de GMPc e ativam proteínas quinases dependentes

de GMPc. A ativação dos receptores NPRC resulta na inibição da atividade da adenililciclase

(Woodard e Rosado, 2008)

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Figura 9 – Receptores tirosina quinase. Via de sinalização envolvendo a participação das MAP

quinase.

Figura 10 – Via de sinalização dos receptores tirosina quinase, envolvendo a participação das

tirosinas quinases citosólicas.

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Sinalização Celular

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Superfamília do tipo 4: receptores reguladores da transcrição de genes

A família de receptores reguladores da transcrição de genes ou receptores nucleares

(NR) compreende fatores de transcrição de uma grande família de genes, incluindo

receptores de hormônio da tireóide (TH), esteróides, retinóides, vitamina D, colesterol entre

outros. Os receptores nucleares são bem difundidos e representam importante papel no

desenvolvimento, metabolismo, homeostase e doenças (Togash e col., 2005). A ativação

dos receptores nucleares ocorre através de ligantes lipofílicos, fosforilação e interação com

outras proteínas. Estes podem ativar ou reprimir genes alvos pela ligação direta ao elemento

responsivo ao DNA como homo- ou hetero-dímeros ou pela ligação de outras classes de

fatores de transcrição ligados ao DNA. Essa atividade tem sido relacionada à formação de

complexos com moléculas que parecem servir como co-ativadoras ou co-repressoras,

causando modificação local da estrutura da cromatina para regular a expressão desses

genes alvo (Hart, 2002).

Os receptores nucleares representam uma classe evolutiva altamente conservada de

fatores de transcrição em mamíferos, e podem ser classificados de acordo com o tipo de

hormônio que se liga a eles. Desse modo os receptores são divididos em: esteróides

(glicocorticóides, mineralocorticóides, andrógenos e estrógeno), derivados de esteróides

(vitamina D3), não esteróides (hormônios da tireóide, retinóides, prostaglandinas) e

receptores para os quais não foi encontrado ainda um ligante específico (receptores órfãos).

A diferente classificação é baseada no modo de ligação ao elemento responsivo ao DNA, e

assim são classificados dentro de quatro grupos, dependendo de sua habilidade para se

ligar à sequência de DNA e dimerizar: (1) os receptores esteróides são associados com a

proteína de choque térmico (“shock heat” hsps). A ligação do hormônio leva a mudança

conformacional, dissociação da proteína hsps e ligação a sequências do DNA como homo-

dímeros. Deste modo o papel do hormônio é induzir a ligação ao DNA; (2) a segunda classe

representa os receptores tais como hormônios da tireóide, retinóides, prostaglandinas e

vitamina D3. Membros dessa classe são ligados ao DNA na ausência do hormônio. A

ligação do ligante ao receptor leva a mudança conformacional do domínio de ligação ao

hormônio e conseqüente ativação transcricional. Os receptores dessa classe são

predominantemente ligados ao DNA como hetero-dímeros; (3) os receptores órfãos que

podem se ligar ao DNA como formas monoméricas; (4) ou como dímeros (Tenbaum e

Baniahmad, 1997).

Em geral, os receptores nucleares possuem em comum três domínios: um variável

domínio amino-terminal de ligação ao promotor, um domínio de ligação ao DNA altamente

conservado (DBD), e um domínio c-terminal menos conservado, de ligação ao ligante (LBD),

como apresentado na figura 11 (Ribeiro e col., 1995). O motivo de ligação ao DNA é

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essencial para o reconhecimento do elemento responsivo pelo receptor. O motivo de ligação

consiste de 66 aminoácidos contendo dois motivos em dedos de zinco. Quatro resíduos de

cisteína altamente conservados são requeridos para coordenar a ligação dos íons Zn2+

(Ribeiro e col., 1995; Tenbaum e Baniahmad, 1997). O LBD confere especificidade na

ligação ao ligante e possui um número de funções reguladas por essa ligação. Essas

funções incluem a liberação do receptor do complexo hsps, translocação para o núcleo,

homodimerização, heterodimerizção e ativação transcricional (Ribeiro e col., 1995).

Figura 11 – Estrutura dos receptores nucleares. O esquema apresenta os diferentes domínios dos

receptores nucleares. Modificado de Rang e Dale, 2007.

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Sinalização Celular

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Fisiologia Celular do Plasmodium durante a fase assexuada

Laura Nogueira da Cruz Laboratório de Fisiologia Celular e Molecular do Plasmodium

[email protected]

Malária

Malária é uma das mais importantes infecções por protozoários no mundo causando

morte de mais de 2 milhões de pessoas anualmente (Who, 2005). A Africa subsaariana

concentra 90% dos casos, no entanto mais de 40% da população mundial está sob risco da

doença, principalmente os habitantes das regiões tropicais e subtropicais do globo (Fig. 1)

onde ocorre a distribuição geográfica do mosquito do gênero Anopheles (A. darling, no Brasil

e A. gambiae, na África), que transmite as espécies infectantes humanas P. falciparum, P.

malariae, P. vivax e P. ovale, sendo as três primeiras espécies encontradas no Brasil.

P. falciparum é o parasita que mais causa morte por malária no mundo ocorrendo em

maior incidência na África. No Brasil, a maioria dos casos é de P. vivax (Who, 2005).

É importante lembrar que a malária pode ser muito mais antiga que a humanidade e

existem quase 100 espécies de plasmódios, 22 dos quais infectam macacos e 50 parasitam

aves ou répteis (que tiveram seu apogeu nos períodos Permiano e Triássico, quando os

insetos hematófagos já existiam).

Plasmódios de roedores e aves são freqüentemente utilizados, no laboratório, como

modelos experimentais. Entender a complexa biologia do parasita é fundamental para o

desenho de novas e mais eficientes drogas e desenvolver novas estratégias para combater

a epidemia.

Figura 1: Potencial mundial de transmissão de malária.

(Fonte : http://en.wikipedia.org/wiki/File:Malaria_geographic_distribution_2003.png)

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Combate à malária

Nos últimos cinqüenta anos muitas pesquisas foram realizadas fomentando o

desenvolvimento de drogas sintéticas antimalaricas. A mais importante dessas foi a

cloroquina que possui baixa toxicidade, baixo custo e necessidade de ser aplicada apenas

uma vez por semana. Atualmente, no entanto, um grande problema no combate à malária

deve-se ao aumento da resistência dos parasitas a cloroquina, derivados de cloroquina e a

grande maioria de antimaláricos introduzidos (Olliaro e col., 1996). Para inibir o

aparecimento de resistência a WHO recomenda que o tratamento utilize pelo menos o

combinado de 2 anti-maláricos.

A incidência da malária, no Brasil, por exemplo, aumentou cerca de 10 vezes nos

últimos 30 anos, sendo que hoje 99% desses casos ocorrem na Amazônia Legal (FNS,

2002), área endêmica do país, composta pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas,

Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Nos Estados fora da

Amazônia Legal, o risco de transmissão local é pequeno ou inexistente e a quase totalidade

dos casos de malária registrada é importada da Amazônia Legal ou de outros países,

principalmente da África

Limitações da quimioterapia no controle da malária demonstram a necessidade de

novas drogas, preferencialmente contra novos alvos (McKerrow e col., 1993; Rosenthal,

1998), pois apesar de todas as pesquisas e informações adicionais o número de casos de

malária vem aumentando e uma vacina eficiente provavelmente não estará disponível no

futuro próximo (Hoffman, 1996). Além disso, os esforços para controlar o mosquito

Anopheles tiveram pouco sucesso (Alonso, 1991).

Atualmente o que pode ser feito são medidas de profilaxias para pessoas que se

dirigem a áreas de maior transmissão. O regime profilático consiste em prescrição médica

dos medicamentos antimaláricos de acordo com as espécies de Plasmodium predominantes,

grau de risco da infecção da área de destino, perfil de resistência ás drogas e avaliação dos

efeitos colaterais associados ao uso das mesmas (Farias, 2005)

A quimioprofilaxia deve ser iniciada uma semana antes da viagem, para avaliação

dos efeitos colaterais, e prolongada por quatro semanas após a saída da área endêmica, a

fim de sustentar a ausência dos parasitas na corrente sangüínea, mesmo após a sua

transição pelo estágio hepático, período de incubação que pode levar á formação de formas

latentes do parasita, responsáveis por recaídas. Contudo, apesar das medidas preventivas,

febre no período de dois meses após o curso da quimioprofilaxia ainda pode ser originada

pela infecção. Outro propósito da profilaxia se estender por um tempo depois da visita a área

de risco é para evitar que se importe doença para a origem do viajante.

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Sinalização Celular

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Trabalhos recentes mostram que o controle com telas mosquiteiras impregnadas com

inseticida ajuda no combate da malaria. (Chouaibou e col., 2006). A malaria caiu na década

de 50 pelo esforço combinado da cloroquina e do DTT, que combatia o mosquito!

Ciclo de vida

O Plasmodium é um parasita eucarioto unicelular, de vida intracelular obrigatória, que

mede 1,6 X 1,0 uM e pertence ao filo Apicomplexa. Possui um ciclo de vida caracterizado

pela sucessão de várias formas especializadas de desenvolvimento

Em vertebrados, a infecção se inicia pela picada do mosquito Anopheles, fêmea, que

retira 3 a 4 microlitros de sangue, enquanto injeta saliva contendo alguns esporozoitos. Uma

vez na corrente sanguínea, os esporozoitos invadem os hepatócitos e se desenvolvem para

o estágio assexuado de merozoito. Durante este período a infecção é assintomática e cada

esporozoito forma 30,000 merozoitos. Estes são liberados diretamente na corrente

sangüínea e invadem os eritrócitos (Sturn e col., 2006). Na corrente sangüínea amadurecem

passando pelos estágios de anel, trofozoito e esquizonte. Por um processo ainda

desconhecido, alguns merozoitos não invadem os eritrócitos e se diferenciam em

gametócitos, a forma infectante do mosquito (Garcia, 2001).

Para o fechamento do ciclo, o mosquito – onde ocorre o ciclo sexual do parasita -

terá que picar o vertebrado que tem gametocitos presentes na circulação. Estes, após o

ciclo no mosquito formarão os esporozoitos que migrarão até a glândula salivar e serão

transmitidos ao hospedeiro vertebrado (Fig. 2).

Figura 2: Ciclo de vida da malária (Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Malaria).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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O ciclo intraeritrocítico é, portanto, o responsável por toda manifestação clínica na

malária, sendo na ruptura do eritrócito infectado e conseqüente liberação do parasita para

infecção de novas células que ocorrem febre e tremedeira, típicas da doença (Hawking,

1970). Dependendo da espécie de parasita, estes sintomas ocorrem em intervalos distintos –

3 ou 4 dias para P. falciparum e P. vivax, respectivamente (Garcia, e col., 2001) (Tab. 1).

Função da melatonina

A transição do estágio intraeritrocítico, bem como o processo de invasão in vivo e a

produção de gametócitos são processos altamente sincronizados (Garcia, 2001) e na

maioria mamíferos estudados seguem ciclos múltiplos de 24h (Tab. 1)

Tabela 1- Período do ciclo intraeritrocítio de diversas

espécies de Plasmodium (Modificado de Garcia, e col., 2001).

Parasita Hospedeiro vertebrado Período do ciclo

intraeritrocítico

P. knowlesi primata 24h

P. cathemerium pássaro 24h

P. vinckei roedor 24h

P. chabaudi roedor 24h

P. berghei roedor 24h

P. yoelii roedor 18h

P. gallinaceum galinha 36h

P. falciparm homem 48h

P. vivax Homem 48h

P. cynomolgi Primata 48h

P. coatneyi Primata 48h

P. malariae Homem 72h

P. inui Pássaro 72h

P. brasilianum Primata 72h

No caso do desenvolvimento intraeritrocítico do Plasmodium, os processos de divisão

celular e expressão gênica específicas de cada estágio são de extrema importância. Foi

demonstrado por Hotta e col., (2000) que o hormônio melatonina é capaz de sincronizar o

desenvolvimento do Plasmodium in vivo e in vitro. Quando se mantém parasitas em cultura,

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Sinalização Celular

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a sincronia é perdida, um dos fenômenos que sugeriram que o hospedeiro tem papel

fundamental no estabelecimento do ritmo. (Hotta e col., 2000).

A melatonina tem um largo espectro de atuação (vertebrados, plantas e protozoários)

podendo ser sintetizada em vários tecidos, porém sua síntese rítmica é confinada

primariamente à glândula pineal. Este hormônio é sintetizado a partir de serotonina, que está

presente em grande quantidade na glândula pineal.

É interessante observar ainda que os precursores da melatonina, que são devirados

do triptofano, têm o mesmo efeito da melatonina tanto no ciclo celular do Plasmodium quanto

na mobilização de Ca2+ de estoques intracelulares (Beraldo e col., 2005).

Hotta e col., (2000) consideram que a melatonina é capaz de ativar a cascata da

fosfolipase C que, por sua vez, ativa a via de inositol 1,4,5-triposfato (IP3) e libera Ca2+ do

retículo endoplasmático (RE), nos estágios trofozoitos do Plasmodium.

Homeostasia e sinalização por cálcio

Variações na concentração de cálcio intracelular exercem papel fundamental em

muitos processos biológicos de células eucarióticas, como organização do citoesqueleto,

divisão e diferenciação celular (Berridge, 2003).

As células eucarióticas possuem mecanismos para manter a homeostasia de Ca2+

estes incluem uma bomba de cálcio na membrana plasmática, no retículo endoplasmático

além de trocadores em organelas intracelulares e na membrana plasmática (Passos e

Garcia, 1997; Garcia e col., 1998).

Especificamente, para o parasita da malária foi demonstrado a existência de 2

compartimentos de Ca2+: um é o clássico retículo endoplasmatico (Passos and Garcia, 1997,

Varoti e col., 2003) e o outro é um compartimento ácido (Garcia e col., 1998, Varotti e col.,

2003).

Sabe-se que para Plasmodium falciparum o Ca2+ extracelular é indispensável no

processo de invasão do eritrócito pelo parasita e estudos fisiológicos mostram envolvimento

da sinalização de Ca2+ no processo de maturação do parasita. (Garcia, 1999, Gazarini e col.,

2003).

Como qualquer célula eucariótica, o citoplasma do eritrócito possui baixa

concentração de cálcio (menor que 100 nM ), sendo que o ambiente extracelular encontrado

pela maior parte das células eucarióticas situa-se ao redor de 1 mM. A ausência de Ca2+

extracelular é normalmente incompatível com as funções normais da célula e sua

sobrevivência.

Dentro deste contexto, nosso laboratório demonstrou que o parasita resolve o

problema de pouco Ca2+ no meio em que sobrevive, através da invaginação da membrana

citoplasmática do eritrócito, pois no momento da infecção forma o vacúolo parasitóforo (VP)

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e inverte a polaridade da Ca2+ ATPase da membrana (bombeando ativamente Ca2+ para o

interior do VP). Desta forma pode manter o ambiente de alta concentração de Ca2+

necessário ao desenvolvimento do parasita (Gazarini e col., 2003).

Enzimas proteolíticas

Enzimas proteolíticas possuem um importante papel no ciclo de vida de todos os

protozoários medicamente importantes como leshmania, toxoplasma, giardia e plasmodium

(Rosenthal,1999).

Várias proteases de protozoários foram identificadas e caracterizadas sendo

utilizadas pelos protozoários em diferentes funções tais como: invasão de células e tecidos

do hospedeiro, degradação de mediadores da resposta imune e hidrólise de proteínas para

suprir necessidades nutricionais do parasita (Rosenthal,1999).

As proteases podem ser classificadas em quatro classes (Neurath 1989; Barrett,

1994), sendo três delas (serine, cisteina e aspartil proteases), assim denominadas pela

existência de sítio de aminoácido chave e a metaloprotease , pela necessidade do íon

metálico para catálise.

Sabe-se ainda que para a invasão dos eritrócitos por merozoitos e ruptura pelos

esquizontes maduros, são necessárias proteases do parasita, pois durante estes eventos

proteínas do citoesqueleto do eritrócito precisam ser hidrolizadas e algumas proteínas do

parasita são proteolicamente processadas (Klemba, 2002).

Outra importante função das proteases inclui a degradação da hemoglobina que é

utilizada como uma fonte de amino ácido livre pelo parasita (Scheibel e Sherman, 1988).

O conteúdo da hemoglobina em eritrócitos infectados diminui 25-75% durante o ciclo

de vida do parasita eritrocítico (Ball e col., 1948; Groman, 1951; Roth e col., 1986), a

concentração de aminoácido livre é maior nos eritrócitos infectados do que nos não

infectados e a composição dos aminoácidos de eritrócitos infectados é semelhante à

composição de aminoácidos da hemoglobina.

Peptídeos fluorescente para determinar atividade de proteases

Recentemente foram desenvolvidos peptídeos sintéticos, com seqüências específicas

de aminoácido capazes de penetrar na célula e emitir fluorescência quando clivado pela

protease (Fig. 3). Dependendo da especificidade da seqüência peptídica e das proteases

pode-se então determinar atividades e funções proteolíticas.

Em estudos realizados com P. chabaudi utilizou-se este quelante interno

fluorescente de peptídeos (IQF) e microscopia confocal para demonstrar-se que

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Sinalização Celular

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melatonina induz atividade das thiol protease em uma forma cálcio-dependente

(Farias et al, 2005).

Estas proteases estão localizadas predominantemente no citoplasma do

parasita e sua atividade pode também ser induzida por agentes que aumentam o

cálcio citosolico como tapsigardina (inibidor específico da Ca2+ ATPase do retículo

endoplasmático), nigericina (ionóforo K+/H+) e ionomicina (ionóforo Ca2+/H+) (Farias

et al, 2005).

Figura 3: Representação esquemática do mecanismo de funcionamento dos

substratos quelante interno fluorescente de peptídeos (IQF).(Modificado de Carmona

et al, 2009).

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RNAi: ouvindo a voz do silêncio

Maísa Costa Laboratório de Neurotransmissão e Regulação da Pressão Arterial

[email protected]

Introdução

O termo “silenciamento gênico” refere-se a uma série de mecanismos por meio dos

quais a expressão de um ou mais genes é regulada negativamente. O silenciamento é

considerado uma modificação epigenética. Modificações epigenéticas na expressão gênica

são características herdáveis que não podem ser explicadas por alterações na seqüência de

DNA, e que podem resultar na repressão (silenciamento gênico) ou ativação (ativação

gênica) da expressão do gene (Vaucheret e col., 2001). Até o final da década de 1980,

somente modificações na estrutura da cromatina ou de proteínas eram classificadas como

epigenéticas (Lewin, 1998). Entretanto, durante a década de 1990, um grande número de

fenômenos de silenciamento gênico que ocorriam em nível transcricional e pós-

transcricional foram descritos em plantas, fungos, animais e protozoários, introduzindo o

conceito de silenciamento de RNA (RNA silencing) (Baulcombe, 2000; Matzke e col., 2001).

Logo após os primeiros estudos com plantas transgênicas resistentes a vírus (Lindbo

& Dougherty, 1992), percebeu-se que o silenciamento de RNA representava um sistema

ancestral de defesa contra vírus e retrotransposons (Lindbo e col., 1993b). Atualmente,

sabe-se que este constitui também um mecanismo eficiente de regulação gênica, que atua

principalmente no controle de genes envolvidos no desenvolvimento do organismo e na

manutenção da integridade do genoma (Denli & Hannon, 2003). O componente unificador

dos diferentes processos de silenciamento de RNA já estudados em diversos organismos é

o RNA de fita dupla (dsRNA). A presença desse tipo de molécula pode induzir a degradação

de RNAs mensageiros (mRNA) homólogos, um processo conhecido como silenciamento

gênico pós-transcricional (posttranscriptional gene silencing, PTGS) em plantas e RNA-

interferência (RNA interference, RNAi) em animais. Componentes da maquinaria de PTGS e

RNAi também estão envolvidos no processamento e funcionamento de microRNAs, uma

classe de pequenos RNAs com função regulatória, que foram originalmente identificados

como responsáveis pela repressão da tradução em Chaenorhabditis elegans (Hutvagner e

col., 2000). Descobertas recentes sugerem que o silenciamento de RNA está envolvido

em vários tipos de modificações genômicas e de cromatina, incluindo metilação do DNA

genômico (Wassenegger e col., 1994), formação de heterocromatina (Kennerdell e col.,

2002) e eliminação de DNA (Mochizuki e Gorovsky, 2004a). Estas descobertas indicam que

os mecanismos de silenciamento de RNA controlam a expressão a nível transcricional e

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pós-transcricional, e que a maquinaria de silenciamento pode operar nos compartimentos

nuclear e citoplasmático.

Apesar de algumas diferenças nos mecanismos, similaridades evidentes sugerem

que o silenciamento de RNA constitui um sistema conservado entre diferentes organismos.

A clonagem e caracterização de diversos genes que codificam componentes do sistema em

Arabidopsis thaliana, C. elegans, Drosophila melanogaster, Neurospora crassa,

Schizosaccharomyces pombe, Tetrahymena thermophila, camundongos e humanos,

apóiam essa hipótese (Denli & Hannon, 2003). Entretanto, o mecanismo apresenta

particularidades em cada um desses organismos, conforme verificado pela identificação de

componentes específicos ou que não estão presentes em todos eles.

Histórico

O fenômeno, atualmente denominado silenciamento de RNA, foi observado pela

primeira vez em plantas transgênicas por dois grupos independentes de pesquisadores

(Napoli e col., 1990; Van Der Krol e col., 1990). Estes pesquisadores tinham como objetivo

criar petúnias transgênicas, cujas flores apresentassem uma coloração mais intensa. A

estratégia escolhida consistia em superexpressar o gene que codifica a chalcone sintase

(CHS), uma enzima chave na biossíntese de antocianinas. Para isso foi introduzida uma

cópia extra do gene Chs sob controle do promotor 35S do Cauliflower mosaic virus (CaMV).

Entretanto, ao contrário do esperado, as diferentes linhagens transgênicas obtidas possuíam

padrões distintos de variegação floral, incluindo linhagens que apresentavam flores

totalmente brancas, ou seja, sem pigmento. A análise molecular das linhagens transgênicas

comprovou que a introdução da cópia extra havia efetivamente bloqueado a biossíntese de

antocianinas, inibindo, simultaneamente, a expressão do gene endógeno pré-existente e da

cópia introduzida. A inibição da pigmentação das flores foi diretamente correlacionada com

uma redução específica no acúmulo de mRNA do gene Chs. O fenômeno foi denominado

co-supressão, pois a introdução de um transgene levou ao silenciamento simultâneo do

próprio transgene e do gene endógeno homólogo (Napoli e col., 1990; Van Der Krol e col.,

1990). Fenômeno semelhante foi relatado no fungo N. crassa, no qual foi denominado

quelling (Cogoni e col., 1996; Romano & Macino, 1992), e em animais (Drosophila e C.

elegans), nos quais foi denominado RNAi (Fire e col., 1998).

Alguns anos após a descrição da co-supressão, um fenômeno semelhante foi

observado por pesquisadores que tentavam engenheirar plantas transgênicas resistentes a

vírus. Plantas de tabaco foram transformadas com o gene que codifica a proteína capsidial

do potyvírus Tobacco etch virus (TEV) (Goodwin e col., 1996; Lindbo e Dougherty, 1992;

Lindbo e col., 1993b) ou a replicase do potexvírus Potato X virus (PVX) (Mueller e col.,

1995). Em ambos os casos, esperava-se que o excesso de proteína viral afetaria a

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Sinalização Celular

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replicação do vírus, interrompendo o seu ciclo de infecção. A princípio, observou-se que

algumas linhagens transgênicas apresentavam-se resistentes e outras não. Curiosamente,

as linhagens resistentes eram aquelas cujas plantas não produziam, ou produziam em

pequena quantidade, os RNA mensageiros (mRNAs) e as proteínas virais, enquanto nas

linhagens suscetíveis as plantas expressavam grande quantidade de mRNA e proteína

transgênicos (Goodwin e col., 1996; Mueller e col., 1995). A análise da taxa de transcrição

dos transgenes em plantas resistentes e suscetíveis comprovou que a introdução dos

transgenes virais conferia resistência por meio do silenciamento gênico postranscricional de

seqüências homólogas (Mueller e col., 1995).

A replicação de vírus com genoma de RNA também pode disparar eficientemente o

mecanismo de silenciamento. A indução de PTGS por vírus foi confirmada com a

observação de que genes endógenos ou transgenes eram silenciados após a infecção com

vírus recombinantes contendo parte da seqüência do gene ou transgene. O mecanismo de

indução de silenciamento por meio da replicação de vírus foi denominado virus-induced

gene silencing (VIGS) (Kjemtrup e col., 1998; Kumagai e col., 1995; Ratcliff e col., 2001;

Ruiz e col., 1998).

A primeira evidência direta de que dsRNA pode levar ao silenciamento foi obtida em

C. elegans. Utilizando a técnica de expressão de moléculas anti-senso para inibir a

expressão gênica, foi demonstrado que moléculas com polaridade senso eram tão eficientes

para a inibição quanto moléculas com polaridade anti-senso (Guo & Kemphues, 1995). O

paradoxo foi resolvido quando se demonstrou que o dsRNA é o indutor de silenciamento, e

que o silenciamento nos experimentos com moléculas senso fita simples era devido à

presença de uma pequena quantidade de dsRNA contaminante nas preparações in vitro de

RNA fita simples (Fire e col., 1998; Montgomery e Fire, 1998).

A especificidade do mecanismo de silenciamento de RNA foi explicada com a

identificação de pequenos RNAs de 21-25 nucleotídeos (nt), de orientação senso e anti-

senso, que apresentavam homologia com o RNA silenciado e que estão associados ao

processo (Hamilton e Baulcombe, 1999).

Esses pequenos RNAs, atualmente denominados small interfering RNAs (siRNAs),

foram primeiramente observados em plantas, sob diferentes sistemas de indução de

silenciamento (introdução de um transgene com homologia a um gene endógeno, introdução

de um transgene sem homologia com gene endógeno, e VIGS) (Hamilton e Baulcombe,

1999). Além de explicar a especificidade do sistema, o acúmulo de siRNAs em ambas as

orientações sugeriu que a formação de dsRNA ocorre antes da degradação do mRNA.

Estudos adicionais em Drosophila demonstraram que os siRNAs são resultado da clivagem

de dsRNA injetado na célula, e que servem como “guia” para direcionar a degradação de

mRNAs homólogos (Bernstein e col., 2001; Zamore e col., 2000). Oligonucleotídeos

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sintéticos de 21 a 25 nt foram suficientes para induzir RNAi in vitro (Elbashir e col., 2001a) e

in vivo (Elbashir e col., 2001b), na ausência de dsRNA.

A geração dos siRNAs a partir de dsRNA foi elucidada em trabalhos com

Drosophila, onde uma ribonuclease do tipo RNAse III (endonuclease com afinidade por

dsRNA) foi parcialmente purificada em associação a fragmentos de RNA de

aproximadamente 25 nt, cuja seqüência correspondia à de dsRNA de indivíduos nos quais

RNAi encontrava-se ativo (Hammond e col., 2000). Essa RNAse III, denominada “Dicer”,

produz siRNAs a partir de moléculas relativamente curtas de dsRNA (aprox. 250 nt) em um

processo dependente de ATP, e os siRNAs servem como guia para a degradação de

mRNAs homólogos em um complexo ribonucleoprotéico denominado RISC (RNA induced

silencing complex) (Bernstein e col., 2001; Hammond e col., 2000). A enzima Dicer é

conservada evolutivamente, com homólogos presentes em fungos, plantas e animais

superiores. A conservação funcional desta família de proteínas e seu requerimento para

RNAi veio com a demonstração de que Dicer de humanos também cliva dsRNAs em siRNAs

(Bernstein e col., 2001) e que mutantes de C. elegans em ortólogos a Dicer (DCR-1) não

ativam o sistema de RNAi induzido por dsRNA (Grishok e col., 2001; Ketting e col., 2001;

Knight e Bass, 2001).

A caracterização do complexo RISC foi iniciada em Drosophila com a identificação

da proteína AGO2, pertencente à família de proteínas Argonauta (Hammond e col., 2001).

AGO2 foi co-purificada com o RISC e co-imunoprecipitada com Dicer. Estudos

subseqüentes demonstraram que proteínas Argonauta também são componentes do RISC

em mamíferos, fungos, nematóides, protozoários e plantas (Carmell e Hannon, 2004;

Martinez e col., 2002). Recentemente, foi demonstrado que AGO2 de humanos possui

atividade de RNase III, consistindo provavelmente na proteína Slicer, que media a clivagem

do mRNA alvo após sua associação ao siRNA no complexo RISC (Liu e col., 2004; Meister

e col., 2004; Okamura e col., 2004). A existência de um fator difusível dominante envolvido

na sinalização sistêmica do silenciamento foi demonstrada inicialmente em N. crassa

(Cogoni e col., 1996). Heterocárions contendo núcleos apresentando genes silenciados e

não silenciados exibiam o fenótipo silenciado. Analogamente, em C. elegans, RNAi pode

ser disparado em todo o organismo injetando-se dsRNA na cavidade bucal ou por meio da

ingestão de bactérias expressando dsRNA (Timmons e col., 2001). Este fator é dominante,

pois em cruzamentos entre indivíduos silenciados ou não, toda a progênie é silenciada

(Grishok e col., 2001). Em plantas, PTGS foi transmitido com 100 % de eficiência a partir de

porta-enxertos silenciados a enxertos não silenciados contendo o transgene homólogo, mas

não a enxertos que não possuíam o transgene homólogo, indicando que o sinal é específico

em termos de seqüência (Palauqui e col., 1997). A natureza deste sinal sistêmico ainda não

está totalmente esclarecida. Inicialmente foi proposto que, devido à especificidade de

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Sinalização Celular

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seqüência, este fator seria pelo menos em parte, um RNA (Vaucheret e Fagard, 2001).

Recentemente, a análise bioquímica de extrato de floema de abóbora levou à caracterização

de uma proteína que se liga seletivamente a pequenos RNAs de fita simples (Cucurbita

maxima phloem small RNA binding protein 1 - CmPSRP1). Estudos de microinjeção

forneceram evidências de que CmPRSP1 pode mediar o movimento de pequenos RNAs de

25 nt fita simples, mas não de moléculas de RNA fita dupla, apoiando a hipótese de que o

sinal sistêmico contém uma proteína de ligação a pequenos RNAs (mas não

necessariamente siRNAs) (Yoo e col., 2004).

Evidências sobre o envolvimento da maquinaria de RNAi/PTGS no desenvolvimento

de diferentes organismos vieram com a descoberta de uma nova classe de pequenos RNAs,

os micro RNAs (miRNAs). Inicialmente, foi demonstrado que o gene Lin-4, conhecido por

controlar o tempo de desenvolvimento do estágio larval de C. elegans, não codificava

nenhuma proteína, e sim um par de pequenos RNAs, um com aproximadamente 22 nt e o

outro com 16 nt (Lee e col., 1993). Estes pequenos RNAs eram complementares a várias

regiões da região 3’ não-traduzida (3’NTR) do gene Lin-14, propondo-se que eles mediam a

repressão de Lin-14 por pareamento na região 3’NTR, inibindo o processo de tradução. Sete

anos depois da descoberta de Lin-4, foi descoberto um segundo gene, Let-7, que também

codifica um pequeno RNA de 22 nt envolvido no desenvolvimento de C. elegans (Reinhart e

col., 2000; Slack e col., 2000). Devido ao papel de ambos no controle do desenvolvimento,

foram denominados de small temporal RNAs (stRNAs) (Pasquinelli e col., 2000). Pouco

tempo depois foram clonados diversos genes que codificam pequenos RNAs em

Drosophila, C. elegans, Arabidopsis e humanos (Lagos- Quintana e col., 2001; Lau e col.,

2001; Lee e Ambros, 2001; Llave e col., 2002b). Os produtos destes genes eram

estruturalmente semelhantes aos stRNAs lin-4 e let-7: possuíam aproximadamente 22 nt e

eram potencialmente processados por Dicer a partir de um precursor com capacidade de

adquirir estrutura secundária em forma de grampo. Entretanto, em plantas, diferente dos

stRNAs lin-4 e let-7, eles não interferem com o processo de tradução. Nos casos em que o

alvo desses pequenos RNAs já foi identificado, comprovou-se que ocorre pareamento entre

o pequeno RNA e a região codificadora do mRNA alvo, e que esse pareamento gera uma

região de dsRNA que é clivada pelo complexo RISC (Grishok e col., 2001). O termo

“microRNA” (miRNA) foi introduzido para se referir a todos os pequenos RNAs originados a

partir de um transcrito endógeno processados por uma RNase III tipo Dicer (Hutvagner e

col., 2001). Atualmente, acredita-se que os miRNAs possuem papel fundamental na

regulação gênica pós-transcricional, com papel em processos como a proliferação celular,

apoptose, sinalização e diferenciação. A primeira evidência de que dsRNA pode induzir

alterações na cromatina foi a observação de que a infecção de plantas por viróides levava à

metilação de seqüências endógenas que possuíam homologia com o genoma do viróide

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(Wassenegger e col., 1994). A esta observação seguiu-se a descoberta de que dsRNA

apresentando seqüências homólogas a regiões promotoras era capaz de induzir

silenciamento gênico, neste caso em nível transcricional, por meio da metilação desta

seqüência (Mette e col., 2000). A ligação entre RNAi e remodelamento da cromatina veio

com a descoberta das proteínas polycomb, cromoproteínas relacionadas com a repressão

transcricional por favorecer a formação de heterocromatina, e com a formação de estruturas

fechadas de cromatina que criam padrões estáveis e herdáveis de expressão gênica

envolvidas em RNAi em C. elegans e Drosophila (Akhtar e col., 2000; Tabara e col., 1999).

Uma relação mais direta entre RNAi e silenciamento transcricional veio com trabalhos em S.

pombe, onde foi demonstrado que as proteínas homólogas a Dicer e Argonauta são

requeridas para o silenciamento de regiões centroméricas (Volpe e col., 2002). No início de

2004, foi purificado um complexo induzido por RNA requerido para o início da formação de

heterocromatina em S. pombe, denominado RITS (RNA-induced initiation of transcriptional

gene silencing). O complexo RITS inclui a proteína Argonauta AGO1 e pequenos RNAs

homólogos a regiões centroméricas processados pela Dicer. Sua existência sugere que

RNAi é um mecanismo que atua tanto em nível transcricional como pós-transcricional

(Verdel e col., 2004).

O mecanismo do silenciamento de RNA

Estudos genéticos demonstraram a existência de três vias de silenciamento de RNA

(Xie e col., 2004) (Fig. 1). Estudos com proteínas supressoras de silenciamento codificadas

por vírus demonstraram que estas vias podem se sobrepor em alguns pontos (Dunoyer e

col., 2002). A primeira via é a de silenciamento citoplasmático via siRNAs, que está

envolvida na degradação de RNA viral interferindo, ou mesmo bloqueando, o ciclo de

infecção. O dsRNA pode originar-se da transcrição de um gene endógeno, de um transgene,

ou de um intermediário da replicação de vírus com genoma de RNA. Em vírus com genoma

de DNA, dsRNA pode ser formado por meio do anelamento de transcritos sobrepostos

complementares (Baulcombe, 2004). A segunda via é a de silenciamento de mRNAs

endógenos via miRNAs. Os miRNAs regulam a expressão gênica negativamente por meio

do pareamento de bases específicos a mRNAs alvo, resultando na clivagem do mRNA ou

na repressão de sua tradução (Baulcombe, 2004). A terceira via é nuclear e está associada

à metilação de DNA e à formação de heterocromatina. Uma importante função para esta via

é provavelmente proteger o indivíduo de desorganizações genômicas causadas por

transposons (Baulcombe, 2004).

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Sinalização Celular

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Figura 1- Modelo para o silenciamento de RNA, indicando as três vias atualmente conhecidas.

A. Silenciamento pós-transcricional de genes endógenos ou transgenes via siRNas. Uma molécula de

dsRNA pode ser gerada a partir da transcrição de um transgene senso, de um transgene anti-senso

ou de um transgene em repetição invertida. O dsRNA é provavelmente transportado para o

citoplasma, onde é degradado pela enzima DCL-2 (em plantas), gerando os siRNAs. Os siRNAs são

incorporados ao complexo RISC, que irá degradar os mRNAs citoplasmáticos que possuam

identidade com a seqüência do siRNA. Os vírus ativam essa via produzindo dsRNA durante sua

replicação. B. Silenciamento pós-transcricional de genes endógenos via miRNAs. Os miRNAs são

transcritos a partir de genes que produzem um RNA precursor com estrutura secundária em forma de

grampo. A enzima DCL-1 (em plantas) processa o precursor no núcleo, gerando o miRNA. O miRNA

é transportado para o citoplasma e incorporado ao complexo RISC. C. Silenciamento transcricional

via siRNAs. Essa via é ativada por meio de dsRNA produzido após a transcrição de transposons ou

de seqüências endógenas arranjadas na forma de repetições diretas. O dsRNA é processado pela

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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enzima DCL-3 (em plantas), e os siRNAs resultantes são incorporados ao complexo RITS. Esse

complexo atua no DNA genômico, resultando na metilação de seqüências homólogas ao siRNA ou na

formação de heterocromatina. (Modificado de Zerbini e col., 2005).

As três vias do silenciamento de RNA requerem grupos de proteínas relacionas em

plantas, fungos, animais e protozoários, sugerindo a existência de um mecanismo ancestral

comum a estes organismos e às três vias, embora com diferenças significativas (Zamore,

2002). Estudos genéticos e bioquímicos demonstraram que o silenciamento de RNA é um

processo gradual com pelo menos quatro etapas: iniciação, amplificação, sinalização

sistêmica e manutenção. Na etapa de iniciação, o dsRNA é processado em siRNAs com

aproximadamente 21-24 nt. Esta clivagem requer ATP e é mediada por Dicer em

Drosophila, DCR1 em C. elegans e DICER-LIKE 1 (DCL1) em Arabidopsis (Bernstein e

col., 2001; Knight e Bass, 2001; Schauer e col., 2002). Dicer possui um domínio de RNA

helicase na região amino-terminal, um domínio central PAZ (Piwi, Argonaute e Zwilli) de

ligação a RNA, dois domínios catalíticos, um ou dois domínios de ligação a dsRNA e um

domínio de função desconhecida (Carmell e Hannon, 2004).

O modelo para a clivagem de dsRNA mediada por Dicer propõe que a enzima atua

como um dímero antiparalelo, formando dois centros catalíticos que geram os siRNAs de 22

nt (Blaszczyk e col., 2001). S. pombe, C. elegans e vertebrados possuem somente uma

Dicer, envolvida nas vias de silenciamento mediadas por siRNAs e miRNAs (Bernstein e

col., 2001; Grishok e col., 2001; Hutvagner e col., 2001; Ketting e col., 2001; Knight e Bass,

2001; Volpe e col., 2002). Em Drosophila, foram identificados dois parálogos de Dicer que

atuam em pontos diferentes do mecanismo: Dicer1 é requerida para o processamento dos

precursores de miRNAs, enquanto Dicer2 está envolvida no processamento de dsRNAs

longos (Lee e col., 2004c).

Em Arabidopsis, a família gênica que codifica proteínas homólogas a Dicer possui

quatro membros. DCL1 processa os precursores de miRNAs (Park e col., 2002; Xie e col.,

2004). DCL2 é provavelmente requerida para a produção de siRNAs derivados de vírus,

embora o mutante dcl2 tenha apresentado somente uma redução transiente nos níveis de

siRNAs em plantas infectadas com o Turnip crinkle virus, dentre vários vírus testados (Xie e

col., 2004). Experimentos adicionais serão necessários para comprovar o papel de DCL2.

DCL3 produz siRNAs derivados de retroelementos e de transposons e é requerida para o

silenciamento de cromatina. Os siRNAs resultantes do processamento via DCL3 estão

associados a transposons e são um pouco mais longos (24 nt) do que os siRNAs resultantes

do processamento mediado por DCL1 (21 nt) (Hamilton e col., 2002; Xie e col., 2004). Até o

presente, ainda não foi estabelecida a função de DCL4.

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Sinalização Celular

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O siRNA de fita dupla derivado do processamento de dsRNA por Dicer se associa à

proteína R2D2, que contém domínios de ligação a dsRNA (Liu e col., 2003). A função de

R2D2 é discriminar qual das duas fitas do siRNA será incorporada ao RISC (Tomari e col.,

2004). A fita incorporada será aquela cujo terminal 5’ se anela com menor energia específica

ao terminal 3’ da fita complementar. O RISC direciona a clivagem seqüênciaespecífica de

mRNAs complementares (Hutvagner e Zamore, 2002). Todos os complexos RISC já

caracterizados possuem pelo menos uma proteína da família Argonauta (Hammond e col.,

2001; Hutvagner e Zamore, 2002; Martinez e col., 2002; Mourelatos e col., 2002; Verdel e

col., 2004). A família de proteínas Argonauta consiste no maior grupo de proteínas

especificamente envolvidas no silenciamento de RNA. O número de parálogos identificados

em diferentes organismos varia de um em S. pombe (Verdel e col., 2004) a mais de vinte

em C. elegans (Carmell e col., 2002; Grishok e col., 2001). Em Arabidopsis foram

identificados dez membros (Morel e col., 2002), em Drosophila foram identificados cinco

(Williams e Rubin, 2002) e em humanos oito membros (Sasaki e col., 2003). Em humanos

foi demonstrado que o domínio Piwi presente em Dicer media interações proteína-proteína

entre proteínas Argonauta e Dicer, o que poderia facilitar a incorporação dos siRNAs ao

RISC (Doi e col., 2003; Pham e col., 2004). Diversas evidências sugerem que as diferentes

proteínas Argonauta não são funcionalmente redundantes em um determinado organismo.

Análises genéticas em Arabidopsis demonstraram que AGO1 está envolvida nas vias de

silenciamento mediadas por siRNAs e miRNAs (Fagard e col., 2000; Kidner e Martienssen,

2003), enquanto AGO4 está envolvida em direcionar modificações na cromatina (Zilberman

e col., 2003).

O complexo RISC possui atividade catalítica que cliva especificamente o mRNA alvo

sem afetar o siRNA guia. A subunidade catalítica é denominada Slicer, e foi demonstrado

que mutações em AGO2 de mamíferos inibem a capacidade de clivagem do RISC,

indicando que AGO2 é a própria proteína Slicer (Liu e col., 2004).

Funções biológicas associadas ao silenciamento de RNA

A primeira função biológica proposta para o silenciamento de RNA foi estabelecida

em plantas durante estudos sobre a resistência derivada do patógeno. A observação de que

plantas recuperadas de uma primeira infecção viral tornavam-se resistentes à reinfecção

pelo mesmo vírus, devido à ativação e manutenção do silenciamento, levou à hipótese de

que o silenciamento de RNA seria uma resposta adaptativa de defesa contra vírus (Al-Kaff e

col., 1998; Covey e col., 1997). Evidências adicionais foram obtidas com a observação de

que plantas mutantes defectivas para o silenciamento são hipersensíveis à infecção por

alguns vírus (Morel e col., 2002), e pela descoberta de proteínas virais com capacidade de

suprimir o silenciamento em plantas (Anandalakshmi e col., 1998; Brigneti e col., 1998;

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Kasschau e Carrington, 1998) e animais (Li e col., 2002). Além da defesa contra infecção

por vírus, o silenciamento de RNA também está envolvido na proteção contra a transposição

de DNA. Em C. elegans e Chlamydomonas reinhardtii, indivíduos com mutações em

componentes da via de RNAi apresentam uma taxa mais elevada de transposição (Ketting e

col., 1999). Outro indicativo dessa função foi a detecção de siRNAs derivados de

retrotransposons em Trypanossoma brunei, indicando que o intermediário de dsRNA

produzido durante o ciclo de transposição pode ser processado pela enzima Dicer (Djikeng e

col., 2001). A função do silenciamento de RNA na defesa contra vírus e transposons levou à

sugestão de que o mecanismo funcionaria como um “sistema imune” do genoma. De forma

análoga ao sistema imunológico presente em aves e mamíferos, o silenciamento de RNA é

específico contra elementos exógenos, a resposta pode ser amplificada e desencadeia uma

resposta massiva contra um invasor (nesse caso, uma molécula de ácido nucléico)

(Plasterk, 2002).

Apesar da falta de evidências diretas, outra função proposta para o mecanismo é a

de remoção de RNAs aberrantes não funcionais do núcleo ou do conjunto de mRNAs

celulares (Tijsterman e col., 2002).

O papel do silenciamento de RNA foi consideravelmente ampliado com a descoberta

dos miRNAs, estabelecendo-se o envolvimento do mecanismo na regulação pós-

transcricional de genes endógenos. Atuando de forma análoga aos siRNAs, os miRNAs são

processados pela Dicer (Lee e col., 2003b) e estão associados ao RISC (Martinez e col.,

2002), anelando-se ao mRNA alvo e formando uma região de dsRNA, o que leva à

degradação do mRNA e conseqüente regulação negativa da expressão gênica. A maioria

dos miRNAs já identificados em plantas possui como alvo mRNAs que codificam fatores de

transcrição, particularmente aqueles envolvidos na regulação de genes que controlam o

desenvolvimento (Kasschau e col., 2003; Rhoades e col., 2002). Em animais, os mRNAs

controlados por miRNAs estão envolvidos em uma ampla gama de processos biológicos,

incluindo o controle da apoptose (Brennecke e col., 2003), o metabolismo de lipídeos (Xu e

col., 2003), a supressão de tumores e a resistência a estresses oxidativos (Lewis e col.,

2003).

Descobertas recentes sugerem que o silenciamento de RNA está envolvido na

formação da cromatina e/ou reorganização genômica, incluindo a formação de

heterocromatina em S. pombe e a eliminação de grandes fragmentos de DNA do genoma

de Tetrahymena thermophila (Hall e col., 2002; Taverna e col., 2002; Volpe e col., 2002).

Caráter sistêmico do silenciamento de RNA

Uma característica marcante do silenciamento de RNA é seu caráter sistêmico. As

primeiras suspeitas sobre a existência de um “fator difusível” vieram da observação de que

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Sinalização Celular

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heterocárions de N. crassa contendo núcleos silenciados e não silenciados apresentavam o

fenótipo silenciado (Cogoni e col., 1996). Estudos adicionais em plantas (Palauqui e col.,

1997), C. elegans (Fire e col., 1998) e Drosophila (Dzitoyeva e col., 2001) demonstraram

que o silenciamento não é restrito às células iniciais, sugerindo a existência de um sinal

sistêmico que é propagado a partir da célula onde o mecanismo foi inicialmente ativado e

que ativa o mecanismo em tecidos distantes.

A existência do sinal sistêmico foi claramente demonstrada em experimentos de

enxertia entre plantas transgênicas silenciadas e não silenciadas (Palauqui e col., 1997).

Nesses ensaios foram utilizados três transgenes distintos: os genes endógenos Nia e Nii,

que codificam respectivamente as enzimas nitrato redutase e nitrito redutase, e o gene

exógeno uidA, que codifica a enzima β-glucuronidase (GUS). O silenciamento foi sempre

transmitido de porta-enxertos silenciados para enxertos não silenciados que expressavam o

mesmo transgene, mas não para enxertos expressando transgenes distintos. Os mesmos

resultados foram obtidos nos três sistemas, indicando que o sinal sistêmico não é uma

característica específica de um gene em particular. Em todos os casos o silenciamento do

enxerto foi específico, ou seja, as seqüências silenciadas foram as mesmas que

encontravam-se silenciadas no porta-enxerto. Esta especificidade de seqüência sugere que

o sinal sistêmico possui um ácido nucléico em sua composição. A transmissão do

silenciamento também ocorreu quando porta-enxertos silenciados foram fisicamente

separados do enxerto por um segmento de caule de 30 cm de planta não-transformada,

indicando a propagação a longa distância do sinal.

A propagação sistêmica do silenciamento também foi demonstrada em ensaios onde

plantas transgênicas de Nicotiana benthamiana não silenciadas para GFP foram

silenciadas pela introdução de uma segunda cópia do transgene. Nestes experimentos,

folhas de N. benthamiana não silenciadas foram agroinoculadas (Voinnet e Baulcombe,

1997) ou bombardeadas com uma cópia extra de GFP (Voinnet e col., 1998). O

silenciamento foi inicialmente detectado nos tecidos inoculados/bombardeados, e

subseqüentemente nas folhas superiores (não inoculadas) da planta.

Observações semelhantes foram realizadas em C. elegans. A expressão de GFP foi

silenciada em células da linhagem germinativa e em células somáticas alimentando-se

indivíduos com dsRNA homólogo a GFP ou cultivando-se indivíduos em solução contendo

bactérias expressando dsRNA (Timmons e Fire, 1998; Timmons e col., 2001).

O mecanismo pelo qual o silenciamento é propagado a partir da célula inicialmente

silenciada ainda não é totalmente compreendido. Estudos em C. elegans identificaram um

gene requerido para o transporte do sinal sistêmico entre tecidos, porém totalmente

dispensável para iniciar ou manter o silenciamento. Este gene, denominado Sid1 (systemic

RNA interference deficient), codifica uma proteína transmembrana que se localiza na

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periferia celular (Winston e col., 2002). Para determinar a função da proteína SID1, os

autores utilizaram células S2 de Drosophila, capazes de ativar normalmente o mecanismo

de silenciamento, porém incapazes de propagar o silenciamento sistemicamente. Estas

células foram transformadas com dois plasmídeos, o primeiro codificando luciferase e o

segundo codificando formas funcionais ou não funcionais de SID1. As células foram imersas

em uma solução contendo diferentes concentrações de dsRNA homólogo a luciferase por 48

horas e a atividade de luciferase foi medida. As células que expressavam SID1 funcional

apresentaram uma taxa de silenciamento 105 vezes maior de as células transfectadas com

plasmídeos expressando SID1 não funcional, mesmo na presença de altas concentrações

de dsRNA. Esse resultado indica que SID1 facilita o transporte de dsRNA para o interior da

célula. Além disso, foi demonstrado que o transporte de dsRNA mediado por SID1 não é

sensível a baixas concentrações de ATP e baixas temperaturas, sugerindo que ocorre de

forma passiva (Feinberg e Hunter, 2003). O transporte passivo poderia ocorrer nos dois

sentidos, ou seja, SID1 pode ser responsável pela saída do sinal sistêmico da célula

inicialmente silenciada.

Em plantas, acredita-se que o sinal sistêmico seja capaz de se mover célula-a-célula

via plasmodesmas (Himber e col., 2003; Lucas e col., 2001) e a longa distância via floema

(Klahre e col., 2002; Mallory e col., 2003). Entretanto, não se sabe de que forma (ativa ou

passiva) o transporte ocorre.

Uma hipótese atrativa é a de que os siRNAs fazem parte do sinal sistêmico, pois eles

possuem comprimento longo o suficiente para garantir a especificidade, estão

consistentemente associados ao silenciamento e são pequenos o suficiente para

movimentar-se célula-a-célula via plasmodesmas, além de serem suficientes para induzir o

silenciamento de RNA em Drosophila, C. elegans, e em células de mamíferos (Mlotshwa e

col., 2002). Entretanto, existem duas evidências contrárias à hipótese de que os siRNAs

estejam associados ao sinal sistêmico. Estudos com HC-Pro, uma proteína viral supressora

de silenciamento, demonstraram que em plantas onde o silenciamento foi suprimido por HC-

Pro não ocorre acúmulo de siRNAs, entretanto a capacidade de produzir ou enviar o sinal

sistêmico não é afetada (Mallory e col., 2001). Além disso, em C. elegans, indivíduos

mutantes no gene Rde-4, essencial para que o silenciamento ocorra, produzem siRNAs de

forma deficiente, porém o silenciamento sistêmico não é afetado (Parrish e col., 2000).

Trabalhos de caracterização de siRNAs produzidos durante o silenciamento de RNA

demonstraram a existência de duas classes de siRNAs em plantas transgênicas silenciadas

para GFP: uma classe de siRNAs “longos” (24-26 nt) e outra de siRNAs “curtos” (21-22 nt).

Curiosamente, os siRNAs derivados de retroelementos endógenos são exclusivamente da

classe dos siRNAs longos. Os siRNAs longos são dispensáveis para a clivagem seqüência-

específica do mRNA alvo, entretanto estão correlacionados com o silenciamento sistêmico e

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com a metilação de DNA. Essas observações sugerem que os siRNAs curtos estão

envolvidos no processo de incorporação ao RISC e clivagem dos mRNAs alvos, enquanto

os siRNAs longos estariam envolvidos na sinalização sistêmica e na etapa nuclear de

metilação do DNA (Hamilton e col., 2002). Entretanto, essa hipótese ainda não foi

comprovada, e, dessa forma, a natureza precisa do sinal sistêmico permanece

desconhecida.

Um estudo detalhado do extrato de floema de plantas de abóbora (Cucurbita

maxima) demonstrou a presença de uma população de pequenos RNAs provavelmente

envolvidos no processo de sinalização sistêmica, pois uma análise comparativa de

seqüência identificou possíveis alvos destes pequenos RNAs. Experimentos realizados com

plantas transgênicas silenciadas e infectadas por vírus confirmaram a presença de siRNAs

derivados do transgene ou do vírus no extrato do floema. Uma análise bioquímica desse

extrato levou à identificação de uma proteína que se liga seletivamente a pequenos RNAs

de fita simples, denominada CmPSRP1 (C. maxima Phloem Small RNA Binding Protein 1),

sugerindo que esta proteína é parte da maquinaria envolvida no silenciamento sistêmico

(Yoo e col., 2004).

MicroRNAs

MicroRNAs (miRNAs) constituem uma classe de pequenos RNAs de 21-24 nt

envolvidos na regulação da expressão gênica em eucariotos. A presença de miRNAs já foi

detectada em S. pombe, Drosophila, camundongos, humanos e plantas (Lagos- Quintana

e col., 2003; Lee e Ambros, 2001; Llave e col., 2002b).

Os miRNAs atuam de forma análoga aos siRNAs regulando negativamente mRNAs

alvos, porém diferenciam-se destes pela origem e pela natureza do mRNA alvo. Os siRNAs

são derivados do próprio mRNA alvo transcrito a partir de um transgene, vírus, transposon

ou gene endógeno. Os miRNAs são processados a partir de transcritos endógenos que não

codificam proteínas e possuem como alvo mRNAs endógenos.

O número de genes que codificam miRNAs está estimado em 0,5-1% do número

total de genes do genoma em questão. C. elegans e Drosophila possuem

aproximadamente 100 a 140 genes que codificam miRNAs, enquanto seres humanos

possuem de 200 a 255. Pelo menos 0,2 % do genoma de Arabidopsis codifica miRNAs.

Esta representatividade relativa é comparável à de outras famílias gênicas envolvidas na

regulação gênica como, por exemplo, a de fatores de transcrição que se ligam a DNA

(Nakahara e Carthew, 2004). A maioria dos genes que codificam miRNAs são conservados

entre espécies relacionadas e aproximadamente 30 % são altamente conservados, com

ortólogos em vertebrados e invertebrados, sugerindo uma conservação evolutiva com base

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em sua função biológica. Embora miRNAs estejam presentes em plantas e animais, ainda

não foram descritos miRNAs ortólogos nos dois reinos (Bartel, 2004).

A maioria dos genes que codifica miRNAs se localiza em regiões intergênicas,

sugerindo que são transcritos a partir de unidades transcricionais independentes (Lau e col.,

2001; Lee e Ambros, 2001). Inicialmente acreditava-se que os miRNAs eram transcritos pela

RNA polimerase III, pois ela transcreve a maioria dos pequenos RNAs como os tRNAs e o

snRNA U6. Entretanto, diversas evidências indicam que os miRNAs não são transcritos pela

RNApol III. Os transcritos que geram miRNAs são um pouco mais longos do que os demais

RNAs transcritos pela enzima, e possuem seqüência internas com mais de quatro uracilas

seguidas, o que seria o sinal de término da transcrição para a RNApol III (Lee e col., 2002).

Além disso, um grande número de transcritos quiméricos contendo miRNAs e transcritos

adjacentes têm sido encontrado em bibliotecas de EST, e muitos destes ESTs possuem

cauda poli A e são ocasionalmente processados, sugerindo que são transcritos pela RNA

polimerase II (Smalheiser, 2003). Por fim, a inserção de elementos enhancer que

respondem à RNApol II em Drosophila induz a expressão do miRNA Bantam (Brennecke e

col., 2003). De fato, foi demonstrado que os transcritos primários (nucleares) que geram os

miRNAs (denominados pri-miRNAs) possuem estrutura de capa na extremidade 5’ e cauda

poli-A na extremidade 3’, características de transcritos de genes da classe II. Além disso, o

tratamento de células humanas com α-amanitina a concentrações que inibem a RNApol II

suprime o acúmulo de pri-miRNAs, e ensaios de imunoprecipitação de cromatina

demonstraram que a RNApol II está fisicamente associada ao promotor de alguns miRNAs

(Lee e col., 2004b).

Aproximadamente um quarto dos genes que codificam miRNAs em Drosophila

estão localizados em introns, preferencialmente na mesma orientação do mRNA, sugerindo

que são transcritos a partir do promotor do gene e processados a partir dos introns, de

forma análoga a diversos snRNAs (Aravin e col., 2003). O alvo desses miRNAs é o próprio

mRNA processado, o que sugere um cenário regulatório onde a expressão coordenada do

miRNA e de seu mRNA alvo é desejada (Lim e col., 2003a). Outros miRNAs estão

agrupados no genoma em um arranjo e padrão de expressão que produz um pri-miRNA

“policistrônico”, capaz de gerar vários miRNAs distintos após a finalização do

processamento (Fig. 2) (Lau e col., 2001). Apesar da maioria dos genes que codificam

miRNAs em plantas, C. elegans e humanos estar organizada de forma isolada (Lim e col.,

2003a; Lim e col., 2003b), mais da metade desses genes em Drosophila está organizada

em agrupamentos (Aravin e col., 2003).

Embora a presença de miRNAs em plantas e animais sugira que esta classe de

RNAs não codificantes está envolvida na regulação da expressão gênica desde pelo menos

o último ancestral comum destas linhagens (Reinhart e col., 2002), existem algumas

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Sinalização Celular

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diferenças importantes na biogênese e no modo de ação entre os miRNAs de plantas e

animais. A estrutura em forma de grampo predita para o pri-miRNA em plantas é muito mais

variável em comprimento e tipicamente mais longa do que em animais (Reinhart e col.,

2002). Além disso, plantas requerem uma complementaridade perfeita entre o miRNA e o

mRNA alvo, em contraste com miRNAs em animais que são imprecisamente

complementares ao alvo (Hutvagner e Zamore, 2002). A comparação entre alvos de

miRNAs em plantas e animais indica três diferenças adicionais. Os sítios de

complementaridade dos miRNAs de plantas estão localizados sempre na região codificadora

do mRNA alvo, enquanto que em animais podem se localizar na região codificadora ou,

preferencialmente, na região 3’ não traduzida. Além disso, em plantas existe apenas um

sítio de complementaridade entre determinado miRNA e seu mRNA alvo, enquanto que em

animais podem existir sítios múltiplos de complementaridade (Reinhart e col., 2000;

Rhoades e col., 2002; Slack e col., 2000). Por fim, os miRNAs de plantas atuam

predominantemente degradando o mRNA alvo (Carrington e Ambros, 2003), com uma única

exceção conhecida até o presente, o miRNA172, que regula a expressão do gene

APETALA2 em Arabidopsis reprimindo a tradução sem afetar a estabilidade do mRNA

(Aukerman e Sakai, 2003; Chen, 2004). O oposto é observado com os miRNAs de animais,

que predominantemente reprimem a tradução de seus mRNAs alvos sem afetar sua

estabilidade (Olsen e Ambros, 1999). Somado à ausência de conservação entre os genes

que codificam miRNAs em plantas e animais, estas diferenças sugerem que esses genes

evoluíram independentemente após a divergência dos dois reinos (Bartel, 2004).

O modelo atual para a biogênese de miRNAs em animais (Fig. 2) propõe que a

maturação dos miRNAs ocorre em duas etapas. A primeira etapa consiste na clivagem

nuclear do pri-miRNA, que libera um intermediário com estrutura secundária em forma de

grampo com aproximadamente 60-70 nt, denominado pre-miRNA (precursor miRNA) (Lee e

col., 2002). Esta clivagem é realizada pela RNase III Drosha, que cliva ambas as fitas do pri-

miRNA em sítios próximos à base da estrutura em forma de grampo, gerando um premiRNA

com um fosfato em sua extremidade 5’ e 2 nucleotídeos protundentes na extremidade 3’

(Lee e col., 2003b). O pre-miRNA é transportado de forma ativa do núcleo para o citoplasma

pelo complexo Ran-GTP/Exportina-5 (Lund e col., 2004; Yi e col., 2003). A clivagem nuclear

define a extremidade 5’ do miRNA, que é a mesma do pre-miRNA. A extremidade 3’ é

processada no citoplasma pela enzima Dicer (Hutvagner e Zamore, 2002; Ketting e col.,

2001). Nesta etapa, a Dicer atua de forma idêntica à clivagem de dsRNA no processo de

silenciamento de RNA. Inicialmente ocorre o reconhecimento da região de fita dupla do pre-

miRNA, provavelmente por afinidade da enzima com o fosfato 5’ e os 2 nt protundentes na

extremidade 3’. Em seguida ocorre a clivagem, liberando um miRNA de fita dupla com

aproximadamente 21-25 pares de bases, contendo fosfatos nas extremidades 5’ e dois

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nucleotídeos protundentes nas extremidades 3’ (Hutvagner e Zamore, 2002). De acordo

com este modelo, a especificidade da primeira clivagem determina a posição correta da

segunda clivagem do pre-miRNA, definindo assim ambas as extremidades do miRNA (Lee e

col., 2003b).

Figura 2. Processos nucleares e citoplasmáticos envolvidos na biogênese de microRNAs

(miRNAs) em plantas e animais. Os miRNAs são transcritos, em ambos tipos de organismos, a

partir de genes que produzem um RNA precursor com estrutura secundária em forma de grampo,

denominado pri-miRNA. Em plantas, o pri-miRNA é processado pela enzima DCL-1 no núcleo,

gerando um intermediário com aproximadamente 60-70 nt denominado pre-miRNA. O pre-miRNA é

subseqüentemente processado, provavelmente pela mesma enzima, gerando o miRNA. Em animais,

o pri-miRNA é processado no núcleo pela enzima Drosha, gerando o premiRNA. O pre-miRNA é

transportado de forma ativa do núcleo para o citoplasma pelo complexo Ran-GTP/Exportina-5. No

citoplasma, o pre-miRNA é processado pela enzima Dicer, gerando o miRNA. Em plantas e animais,

o miRNA citoplasmático é incorporado ao complexo RISC, que irá degradas os mRNAs endógenos

que apresentam homologia com a seqüência do miRNA. Em plantas, os miRNA também atuam no

núcleo, via incorporação a um complexo RISC nuclear. (Modificado de Zerbini e col., 2005).

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Sinalização Celular

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Em plantas o processamento parece ser um pouco diferente. Não são detectados

pre-miRNAs, mesmo em plantas mutantes para DCL1, a proteína homóloga à Dicer

envolvida na biogênese de miRNAs (Reinhart e col., 2002). A localização nuclear de DCL1

sugere esta realiza o papel funcional de Drosha (Papp e col., 2003). DCL1 (ou outra enzima

ainda não identificada) realiza também a segunda clivagem, correspondente à clivagem

citoplasmática em animais, antes da exportação para o citoplasma. O acoplamento da

primeira e segunda clivagens no núcleo pode explicar a ausência de pre-miRNAs em níveis

detectáveis em plantas (Bartel, 2004). Não existem dados conclusivos sobre o transporte do

miRNA de fita dupla do núcleo para o citoplasma em plantas. Um ortólogo à exportina-5

denominado HST1 (Hasty 1) foi identificado em Arabidopsis, sugerindo que esta proteína

está envolvida no transporte núcleo/citoplasma. Embora o processamento de miRNAs não

tenha sido testado em mutantes hst1, estas plantas apresentam alterações morfogenéticas

e redução no acúmulo de alguns miRNAs, sugerindo que a via biossintética dos miRNAs é

afetada (Bollman e col., 2003).

Após o transporte núcleo/citoplasma, o modo de ação dos miRNAs é bastante

semelhante às etapas do silenciamento de RNA mediado por siRNAs. Os miRNAs foram

inicialmente encontrados em associação com um complexo ribonucleoprotéico denominado

miRNP (miRNA ribonuclein complex), que em humanos inclui a proteína Argonauta eIF2C2,

a helicase GEMIN3 e GEMIN4 (Martinez e col., 2002; Mourelatos e col., 2002). O miRNA let-

7 de humanos se associa a eIF2C2 e é capaz de guiar a clivagem sítio-específica de um

RNA alvo artificial 100 % complementar ao Mirna (Hutvagner e Zamore, 2002). Desta forma,

sugeriu-se que o complexo miRNP corresponde ao RISC, que direciona a clivagem de

mRNAs no mecanismo de silenciamento de RNA (Hutvagner e Zamore, 2002).

Somente uma das fitas do miRNA de fita dupla é incorporada ao RISC. Quando isso

ocorre, a outra fita é degradada. Estudos para determinar qual das fitas é incorporada no

RISC mostraram que a fita incorporada é aquela que possui o terminal 5’ com pareamento

de bases mais instável (Schwarz e col., 2002).

Em plantas, o acúmulo de miRNAs é dependente dos genes Hen1 e de Hyl1, além

de Dcl1. A proteínas HEN1 e HYL1 possuem sinal de localização nuclear, sugerindo que

elas atuam em uma etapa nuclear da biogênese de miRNAs (Park e col., 2002). HEN1 é

uma dsRNA metilase (Anantharaman e col., 2002) e HYL1 se liga especificamente a dsRNA

(Lu e Fedoroff, 2000), portanto podem estar envolvidas em marcar e direcionar os miRNAs

de fita dupla que devem ser incorporados ao RISC.

Uma vez incorporado ao RISC, o miRNA vai direcionar a clivagem específica de

mRNAs complementares ou reprimir sua tradução (Zeng e Cullen, 2002). Em plantas, a

grande maioria dos miRNAs cujos alvos já foram identificados atuam via clivagem específica

(Rhoades e col., 2002). Em animais, a maioria dos miRNAs possui complementaridade a

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vários sítios na região 3’ não traduzida de mRNAs alvos e acredita-se que atuam inibindo a

tradução. Entretanto, foi demonstrado que o miRNA mir-196 direciona a clivagem do seu

mRNA alvo, Hoxb8, em camundongos (Yekta e col., 2004).

Quando o miRNA direciona a clivagem, esta ocorre precisamente da mesma forma

que a clivagem direcionada por siRNAs, ou seja, entre o décimo e o décimo primeiro

nucleotídeo pareado do miRNA (Hutvagner e Zamore, 2002). Após a clivagem do mRNA

alvo, o miRNA permanece intacto e pode direcionar o reconhecimento e a clivagem de outro

mRNA alvo (Hutvagner e Zamore, 2002).

Existe atualmente um grande número de miRNAs identificados em plantas e animais

(Rhoades e Bartel, 2004; Llave e col., 2002b; Rhoades e col., 2002). Em vários casos, os

alvos desses miRNAs foram identificados e comprovados por meio de análises

computacionais (Rhoades e col., 2002). Entretanto, a validação definitiva de um mRNA alvo

requer estudos nos quais sua suposta seqüência de reconhecimento seja alterada de modo

a impedir o anelamento do miRNA, verificando-se um subseqüente aumento na

concentração do mRNA alvo (Baulcombe, 2004). A identificação dos mRNAs alvos dessa

forma demonstrou que os miRNAs estão predominantemente envolvidos na regulação de

genes relacionados ao desenvolvimento de órgãos e tecidos, incluindo diversos fatores de

transcrição (Bartel, 2004). Alguns exemplos incluem o miRNA-JAW, que regula a expressão

do fator de transcrição TCP envolvido na morfogênese de folhas (Palatnik e col., 2003), o

miRNA159, que regula a expressão do fator de transcrição MYB33 envolvido no balanço de

reguladores de crescimento (Palatnik e col., 2003), o miRNA 165/166 que regula a

expressão de três fatores de transcrição da classe envolvidos na diferenciação das faces

adaxial e abaxial de folhas (Emery e col., 2003), o miRNA172, que regula a expressão do

fator de transcrição APETALA2 envolvido na morfogênese floral (Aukerman e Sakai, 2003;

Chen, 2004), e o miRNA164, que regula a expressão de vários fatores de transcrição da

classe NAC, envolvidos em diversos aspectos da diferenciação de órgãos vegetativos e

reprodutivos (Mallory e col., 2004). Além disso, a expressão de genes relacionados com a

própria maquinaria do silenciamento de RNA, como AGO1 (Vaucheret e col., 2004) e DCL-1

(Xie e col., 2003) é regulada por miRNAs.

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Page 87: Fisiologia comparada USP 2010

Unidade 3

Neurociências

¹Leopoldo Barletta Marchelli [email protected]

²Breno Teixeira Santos [email protected]

¹Felipe Viegas Rodrigues [email protected]

¹Laboratório de Neurociência e Comportamento

²Laboratório de Fisiologia Teórica

O entendimento atual sobre origem, funcionamento e capacidade do sistema

nervoso é resultado do esforço de múltiplas áreas do conhecimento, denominadas

genericamente por neurociências. Esta ampla área inclui disciplinas como

neuroanatomia (estudo da estrutura do sistema nervoso), neurofisiologia (estudo do

funcionamento de células nervosas e conjuntos de células nervosas),

neuropsicologia (estudo dos processos cognitivos e suas relações com anatomia e

fisiologia) e até mesmo a engenharia (modelagem analítica e computacional de

versões simplificadas de células neurais, chegando a simulação de redes de

milhares de neurônios).

Baseado no conhecimento de todas essas disciplinas, apresentaremos as

neurociências desde seus primórdios até o conhecimento atual. Abordaremos as

principais funções cognitivas no estudo das neurociências como atenção,

percepção, ação, memória e emoção, empregando o conceito de modularidade do

funcionamento do sistema nervoso. Também abordaremos modelos de processos

biofísicos e métodos de análise quanti/qualitativa da dinâmica neural, mas utilizando

os conhecimentos da engenharia, que busca obter estruturas teóricas básicas que

delineiam o funcionamento global desses sistemas.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 78 Julho/2010

Capítulo 8 História da neurociência pág. 79

Camile Maria Costa Corrêa

Revisado por Dr. Gilberto Fernando Xavier

Capítulo 9 Princípios básicos em fisiologia neural pág. 89

Renata Pereira Lima

Revisado por Dr. Gilberto Fernando Xavier

Capítulo 10 Fisiologia sensorial pág. 103

Felipe Viegas Rodrigues

Revisado por Andreas Betz e Daiane Gil Franco

Capítulo 11 Neurofisiologia da visão pág. 115

Antônio Carlos da Silva

Revisado por Dr. Carlos Arturo Navas

Capítulo 12 Causa e função pág. 121

Dr. Pedro Leite Ribeiro

Capítulo 13 Percepção pág. 127

Felipe Viegas Rodrigues

Revisado por Arnaldo Cheixas-Dias

Capítulo 14 Memória e seus aspectos evolutivos pág. 139

Leopoldo Barletta Marchelli

Capítulo 15 Navegação espacial pág. 153

Cyrus Villas-Boas

Capítulo 16 Neurobiologia das emoções pág. 163

Bárbara Onishi

Capítulo 17 Neurofisiologia da linguagem pág. 179

Rodrigo Collino

Revisado por Dr. Gilberto Fernando Xavier

Capítulo 18 Neurofisiologia da música pág. 187

Felipe Viegas Rodrigues

Revisado por: Dr. Pedro Leite Ribeiro

Dr.Leonardo Henrique R. G.de Lima

Bibliografia pág. 194

Page 89: Fisiologia comparada USP 2010

Neurociências

Julho/2010 Pág. 79

História da Neurociência

Camile Maria Costa Corrêa Laboratório de Neurociência e Comportamento

[email protected]

Introdução

Como pensamos? Como interpretamos a nossa realidade? De que forma situamo-

nos no mundo e desenvolvemos nossa identidade, nossas relações, crenças e loucuras?

Como nos emocionamos, sonhamos e experienciamos consciência? Como foi possível

desenvolvermos filosofia, ciência e artes? Haveria uma chave para entender os mistérios da

vida mental?

Atualmente, nosso conhecimento entende o cérebro como órgão responsável pelo

comportamento e pelas faculdades mentais. Também aprendemos que fenômenos

eletroquímicos são os responsáveis pelo funcionamento do sistema nervoso. No entanto,

esses conhecimentos são relativamente recentes e durante muitos séculos as crenças sobre

a maneira de funcionar do cérebro foram radicalmente diferentes das professadas hoje.

Investigar o tratamento histórico dessas questões permite vislumbrar de que

maneiras a humanidade vem formulando perguntas fundamentais sobre os aspectos daquilo

que tradicionalmente identificamos como mente: sua existência, essência, localização,

estrutura e função. Todos os passos, dos mais intuitivos aos mais rigorosos do ponto de

vista experimental, constituem juntos os alicerces do conhecimento que hoje relacionamos à

neurociência.

A mente nas antigas civilizações

Sabe-se que as civilizações antigas exerciam uma produção cultural muito rica. Há

registros de povos primitivos que praticavam religiões e acreditavam em entidades tais como

alma e espírito. Interessantemente, além de estarem presentes no domínio do corpo, elas

permeavam a própria natureza.

Entretanto, essas culturas não contavam com o que hoje se conhece sobre fisiologia,

fazendo com que as tentativas de localização da mente soassem simplesmente ilógicas,

uma vez que as pistas das sedes para os fenômenos mentais eram intuídas a partir de

observações cotidianas. Havia evidências de que a mente poderia estar dentro da cabeça

ao perceber, por exemplo, que um trauma nessa região poderia causar alterações

substanciais da percepção e do comportamento.

Uma evidência da aposta nessa localização são os achados dos rituais de

trepanação. A trepanação é uma técnica cirúrgica de abertura de uma ou mais fendas no

crânio, com o provável intuito de afastar maus espíritos. Povos antigos, como os maias,

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 80 Julho/2010

(2000 a.C. – 900 d.C.) realizavam esse tipo de procedimento em pessoas acordadas,

provavelmente acreditando que espíritos maus existentes no interior da cabeça seriam os

responsáveis por patologias tais como epilepsia e o estado de coma e, uma vez feitas essas

aberturas, os espíritos poderiam escapar, o que promoveria a recuperação e cura. Crânios

com perfurações feitas em vida foram encontrados em sítios que datam de até 10.000 anos.

Pela cicatrização, há indícios de que as pessoas sobreviviam a esse procedimento.

Ora, alguns casos de coma eram devidos a um aumento da pressão intracraniana e essa

cirurgia realmente promove alívio da hipertensão intracraniana podendo, em alguns casos,

ter até valor terapêutico. Cadáveres dessa forma foram encontrados em quase todas as

civilizações do mundo e, mesmo povos modernos, como os da Oceania, ainda praticam

essa laboriosa e arriscada cirurgia.

Uma segunda questão tão intrigante quanto a localização diz respeito à forma como

mente e corpo viriam a se influenciar. Se uma mente existe e se ela está no corpo, qual o

mecanismo de interação dessa mente com esse corpo?

Um outro indício, documental, de que há muito se associava o cérebro à mente é o

Papiro Cirúrgico de Edwin Smith, americano que adquiriu a relíquia em 1862. Considerada o

tratado científico mais antigo conhecido, foi escrito no Egito e data, embora não haja

consenso, de 1600 a.C. Lá estão descritos 30 casos de referências diretas ao cérebro.

Descrições anatômicas, traumatológicas e clínicas, com detalhes sobre o que acontecia com

um trauma de guerra, provocando epilepsia, convulsões, paralisia, problemas sensoriais e

até alteração do sistema nervoso autônomo nas pessoas que haviam sido vítimas dessas

lesões.

Abordagens Filosóficas Pioneiras

Foi na Antigüidade Grega, com o florescimento intelectual em Atenas, por volta de

400-300 anos a.C., que começou a surgir o pensamento sistematizado sobre algumas

perguntas relativas à mente. (Consenza, 2002).

Na cultura ocidental, Alcmaeon de Crotona (século V a.C.) foi possivelmente o

primeiro a localizar no cérebro a sede das sensações. Para ele, os nervos ópticos, que

seriam ocos, levariam a informação ao cérebro, onde cada modalidade sensorial teria seu

próprio território de localização.

Ainda no século V a.C., Demócrito, Diógenes, Platão e Teófrasto punham no cérebro

o comando das atividades corporais. Também entre os gregos, Herófilo (335-280 a.C.), que

dissecou e escreveu sobre o cérebro, foi o primeiro a descrever suas cavidades, os

ventrículos cerebrais, associando-os às funções mentais. Essa idéia, como veremos, teve

enorme importância na “neurofisiologia” dos séculos que se seguiram.

Os filósofos gregos Alcaemeon e Demócrito acreditavam que a sede da mente era o

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 81

cérebro. Para eles, a constituição interna dos nervos era oca e seriam estas as estruturas

responsáveis por transmitir uma espécie de fluido vital, chamado espírito animal, base da

mente, da alma e até da alma imortal.

Na filosofia ocidental dois nomes entraram em intenso debate. Hipócrates - o pai da

medicina - e Aristóteles, pai das ciências do conhecimento natural, cujas idéias foram

propagadas até a idade moderna.

Hipócrates (460-379 a.C.) acreditava que o cérebro era a sede da mente, dos

sentimentos e das emoções; ele seria a estrutura responsável pelos sonhos, terrores

noturnos e problemas mentais. "Deveria ser sabido que ele é a fonte do nosso prazer,

alegria, riso e diversão, assim como nosso pesar, dor, ansiedade e lágrimas, e nenhum

outro que não o cérebro. Na época não havia conhecimento sistematizado sobre a anatomia

cerebral, pois não se praticavam dissecações. As declarações hipocráticas eram, portanto,

fruto de intuições filosóficas baseadas na observação clínica de que o cérebro seria a sede

de tudo o que hoje se acredita que seja (juízo, emoções, sentimentos etc.)

Porém, esse conhecimento dos hipocráticos sofreu uma regressão com Aristóteles,

(384 a.C. - 322 a.C)., para quem a sede dos referidos fenômenos estava no coração. Seus

argumentos eram simples: o coração hospeda a razão por ser quente e ativo, enquanto o

cérebro serve para resfriar o sangue, por ser frio e inerte. Ora, quando se experiencia uma

emoção forte, ela é sentida no coração, pela ativação simpática. Diz-se que o coração está

pesado, que se gosta de alguém “de coração” ou até mesmo que se sabe algo de cor; do

latim, decorado. Acreditava-se, inclusive, que até a memória estaria no coração.

Na época, associou-se erradamente o efeito à causa, quer dizer, a emoção está no

cérebro, a sua expressão está no coração. Porém, Aristóteles não era experimentador, era

um filósofo, pensava essencialmente de acordo com a lógica.

O médico romano Galeno (130-200) foi importante na história da neurociência

porque foi o primeiro a refutar o que disse Aristóteles. Para aquele, não haveria sentido em

afirmar que o cérebro tivesse a função de esfriar as paixões do coração. Pela dissecação de

animais ele destinou muita atenção às meninges e às cavidades encefálicas (contrastantes

com a massa, amorfa, cerebral) fazendo com que se buscasse relacionar os ventrículos com

a mente.

Os ventrículos pareciam ser estruturas-chave na procura pela sede da mente por

serem espaços destacados, cheios de líquidos, e, uma vez que ainda era forte a idéia vinda

dos gregos de que a mente seria intermediada pelo espírito animal, várias pistas indicavam

que aqueles ventrículos cheios de fluido fossem a sua sede.

Esse conceito de Galeno foi apropriado durante toda a Idade Média pela ciência

médica. Acreditava-se, por especulação puramente teórica, que havia três células dos

ventrículos no cérebro. A primeira célula (anterior) seria responsável pela sensação e

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 82 Julho/2010

percepção (nervos ligando os órgãos dos sentidos ao ventrículo 1). A segunda célula seria a

responsável pelo juízo, pensamento e razão (ventrículos laterais; faculdades nobres, fluido

resfriado e o refugo seria filtrado pelo sangue). Já a terceira seria a responsável pela

memória, e utilizada pelos outros dois ventrículos para o funcionamento cerebral. Leonardo

da Vinci, grande anatomista, também fez desenhos dos ventrículos cerebrais.

Até aqui, tem-se uma teoria da mente que, embora não se baseasse na fisiologia,

não deixava de apresentar uma certa consistência interna. A idéia dos fluidos vigeu durante

muitos séculos.

Foi apenas a partir da Renascença que houve mudanças mais pronunciadas, pelo

conhecimento mais detalhado sobre a anatomia do cérebro. (Consenza, 2002). O

anatomista Vesalius, (1514-1564) escreveu o livro “Da Estrutura do Corpo Humano” em que

ele, através das dissecções que realizava em seres humanos e em outros animais, notou

que estes (inclusive asnos e jumentos) também tinham ventrículos. Observou-se que o

espaço ventricular nos homens e em outros primatas era praticamente do mesmo tamanho,

ao contrário do restante do cérebro que, no homem, mostrava diferenças. Dessa forma,

seria lógico pensar que os aspectos intelectuais superiores, tão peculiares a nós, estariam

não nos ventrículos, mas em outras partes do cérebro.

Contudo, continuou-se a acreditar que os ventrículos cerebrais eram um local de

armazenamento dos espíritos animais, de onde eles partiriam para, através dos nervos,

atingir os órgãos sensoriais ou de movimento. Assim, a teoria da localização ventricular

perdurou por muito tempo.

Descartes e o mecanicismo

No século XVII, o filósofo, matemático e naturalista René Descartes (1596-1650)

especulava sobre a natureza do sistema nervoso, sobre de que maneira ele funcionaria

como a base da mente. Ele propôs o mecanismo da ação reflexa, fenômeno que ocorre

quando, ao encostar-se num estímulo nocivo, como o fogo, retira-se o membro de forma

rápida e involuntária.

Descartes propôs que o estímulo, ao atingir o pé, seria transmitido pelos nervos até o

cérebro, sendo que essa transmissão seria conduzida de forma hidráulica. Assim, o

aquecimento provocaria um aumento do fluxo do fluido (espírito animal) para o cérebro, que

iria aos ventrículos, até a glândula pineal, (reguladora desse fluxo), voltando até o nervo

motor, de forma a inchar o músculo tal qual um fole que promoveria, finalmente, o

movimento do membro. (Consenza, 2002).

Note-se que o modelo físico do cérebro na época era hidráulico, seguindo a

tecnologia disponível na época. Descartes comparou as fontes do jardim de Versailles, da

realeza francesa, cujos mecanismos eram hidráulicos, com a própria complexidade do

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 83

sistema nervoso.

Descartes fez uma série de desenhos, puramente especulativos, mostrando a

estrutura fibrosa do cérebro humano; e ele especulava que a glândula pineal regulava o

fluxo do espírito animal dentro do cérebro como se fosse uma válvula. Há desenhos do

encéfalo inflado e desinflado; correspondendo ao estado de vigília e de sono. Ele

argumentava que os fluxos iriam se acumulando durante o dia e inchando o cérebro e, à

noite, a pineal (válvula) entrava em funcionamento e isso promovia o sono.

Nessa época almejava-se chegar ao conhecimento pela via da razão pura, da

dialética, do exame da lógica das palavras e do conhecimento, em detrimento da

experimentação.

O início dos experimentos

Em fins do século XVIII (1780, 1790) inaugurou-se realmente a era científica. Na

física, com Galileu Galilei, e na ciência biológica com outros dois italianos: Luigi Galvani e

Alessandro Volta. Esses dois cientistas foram pioneiros no estudo experimental do sistema

nervoso.

A seguir são elencados quatro conceitos que, nos séculos XVIII e XIX, permearam o

início da era científica em neurociência (Consenza, 2002).

1. A eletricidade animal: a idéia de que “espíritos animais” percorriam os nervos, cuja

origem remonta ao pensamento grego, permaneceu corrente até o Século XVIII,

quando ficou demonstrada a natureza elétrica na condução nervosa, destacando-se

para isso o trabalho de Luigi Galvani;

2. A localização de áreas cerebrais: o conhecimento de que determinadas partes do

cérebro apresentam diferentes funções. Têm início as tentativas de aliar forma e

função para mapear faculdades cerebrais: ações motoras, percepções sensoriais

etc.;

3. A doutrina neuronal: uma especialização da doutrina celular. Cientistas descobriram

através do microscópio que as células não eram somente elementos estruturais, mas

os elementos funcionais de todos os organismos.

4. A teoria da Evolução: a partir da segunda metade do século XIX até hoje se firma

como o conceito mais revolucionário nas ciências biológicas; foi proposto por Charles

Darwin, cientista e naturalista inglês.

No final do século XVIII, Luigi Galvani (1737-1798) notou que, ao amarrar as pernas

de um sapo a uma grade metálica, submetendo-as a uma descarga, as pernas se

contraíam. Na época, os modelos físicos também estavam em transformação. Uma hipótese

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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seria a de que a eletricidade pudesse ser o fluido animal, a base do espírito vital. Aliado a

essa descoberta, o magnetismo fez com que o paradigma hidráulico fosse banido da

neurociência, que gradativamente passou a adotar o modelo elétrico. Galvani fez uma série

de experimentos elegantes, demonstrando que a origem da eletricidade não era externa,

mas interna, do próprio tecido animal. A partir daí foram conduzidos os estudos sobre as

propriedades de comunicação no sistema nervoso.

Os conceitos fundamentais sobre o papel do tecido cerebral para as funções

nervosas também se desenvolveram no século XIX. Theodor Schwann (1810-1882), que

descreveu a bainha de mielina, foi quem primeiro propôs que todo o corpo seria formado por

células. Sua teoria teve ampla aceitação para todos os tecidos, com exceção do sistema

nervoso, em relação ao qual se acreditava que as células eram contínuas, formando um

grande sincício. Somente com a descoberta das técnicas de impregnação das estruturas

nervosas pela prata (método de Golgi) foi possível uma observação mais acurada,

resultando nos trabalhos de Santiago Ramón y Cajal (1852-1934) que, já em 1889,

argumentava que as células nervosas eram elementos isolados. Em 1891 Wilhelm von

Waldeyer (1836-1921) cunhou o termo “neurônio” para designar a unidade anatômica e

funcional do sistema nervoso.(Consenza, 2002).

Finalmente veio a descoberta, por Charles Scott Sherrington (1857-1952), dos

espaços existentes nas junções entre células nervosas ou entre estas e as células

musculares. Sherrington chamou essas estruturas de “sinapses”.

Frenologia e a localização cerebral

O médico alemão Franz Gall (1758-1828) propôs que o cérebro seria composto de

muitos sub-órgãos particulares, cada um deles relacionado ou responsável por uma

determinada faculdade mental. Ele propôs que o desenvolvimento relativo das faculdades

mentais em um indivíduo levaria a um crescimento ou desenvolvimento de sub-órgãos

responsáveis por eles. Assim, a forma externa do crânio refletiria a forma interna do cérebro,

cuja observação poderia ser usada para diagnosticar faculdades mentais. (Sabbatini, 1997).

Embora não fosse experimentador, Gall propôs esse modelo em boa fé, por

observações feitas em centenas de crânios de pessoas normais, sentenciados, doentes

mentais etc. Apesar de ter proposto uma teoria sem fundamentação científica, teve o mérito

de chamar a atenção da ciência para o localizacionismo, para o fato de que haveria um

mapeamento das funções cerebrais em relação à sua estrutura.

Esse movimento levou a uma série de estudos baseados em informações clínicas,

principalmente pela incidência de tumores ou de lesões em seres humanos, que tornava

possível correlacionar alterações estruturais a disfunções comportamentais.

O médico francês Pierre Broca mostrou que havia no cérebro uma área responsável

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Neurociências

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pela linguagem falada. Ele estudou um paciente afásico (capaz de emitir somente o som de

uma palavra) e, quando da morte desse paciente, pela realização de necrópsia, foi

descoberta uma lesão, originada pela sífilis, numa área muito pequena, restrita ao

hemisfério esquerdo. Chegou-se à conclusão de que aquela área era a responsável

exclusiva da elaboração da linguagem. Essa idéia foi a primeira comprovação científica de

que tal mapeamento pudesse realmente existir.

Novos Paradigmas

Na esteira de transformações, toda a ciência sofreu o impacto da revolução

paradigmática proposta por Darwin, pesquisador que violou conceitos profundos na época;

até então Deus teria criado o ser humano de maneira exclusiva, à parte do Reino Animal,

sendo que não fazíamos parte dessa cadeia por sermos nobres, superiores. Darwin mostrou

que éramos parte desse ambiente em evolução e, mais ainda, que à medida que os

organismos têm necessidade de se adaptar às mudanças no ambiente, eles desenvolvem

tecidos (cerebrais e não cerebrais) para se adaptar àquela circunstância. A existência de

vários fenômenos naturais, inclusive o papel do sistema nervoso, passa a ser considerada

resultado da evolução pela seleção natural.

Ainda um conceito fundamental na época é o de homeostase. Claude Bernard, um

fisiologista francês da segunda metade do século, propôs um conceito do meio interno: a

estabilidade, a temperatura corporal, a quantidade de determinados elementos sangüíneos,

fluidos corporais ou intracelulares, tudo deve se manter constante para que seja possível a

vida. Assim, os organismos desenvolveram formas extremamente sofisticadas (hormonais e

neurais) de manter esse equilíbrio interno a despeito de mudanças no ambiente. O cérebro,

o sistema endócrino, o sistema imune, funcionavam como isoladores do organismo em

relação ao ambiente, a exemplo do processo regulatório da homeotermia.

De forma análoga os próprios fenômenos mentais fariam igualmente parte dos

mecanismos de homeostasia, indicando que até os comportamentos sofisticados como os

das faculdades da mente humana fossem vistos como resultados da evolução, como táticas

selecionadas para manter o equilíbrio. Por exemplo, no frio, os mecanismos bioquímicos

promotores da homeotermia podem não ser suficientes, o que nos leva a desenvolver

roupas, casas, ou migrar para clima mais quente (utilização de faculdades mentais).

Finalmente a doutrina neuronal foi proposta/adaptada por dois cientistas: Ramón y

Cajal (espanhol) e Camilo Golgi (italiano), que estudaram com grande detalhe a estrutura

microscópica interna do sistema nervoso e descobriram que essas células pareciam se

comunicar entre si através de processos fibrosos (axônios e dendritos) e que não havia

continuidade entre elas. O conceito de sinapse foi desenvolvido posteriormente, como visto,

por Sherrington.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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O começo da psicologia experimental

A partir dessa época assistiu-se ao surgimento dos primeiros estudos de

aprendizagem e memória; o conceito de reflexo condicionado, que foi elaborado por Ivan

Pavlov, seria produto do funcionamento neuronal. Ele e Eric Kandel receberam o prêmio

Nobel, este último por sua contribuição para desvendar os mecanismos e as bases celulares

e moleculares do aprendizado. A partir daí vivemos uma revolução das técnicas advindas do

conhecimento acumulado. Esse saber teve repercussões práticas, como o surgimento da

psiquiatria científica e a mudança conceitual que passou a considerar as doenças como

disfunções do cérebro e o conseqüente uso de conhecimentos psicológicos e fisiológicos na

terapia. Os sintomas não eram mais devidos à possessão ou falta de caráter, mas

atribuíveis a desordens biológicas.

Jean Marie Charcot, psiquiatra francês, juntamente com Pinel, foram responsáveis

pelas mudanças de atitude com relação à doença mental. Charcot é conhecido pelo estudo

dos fenômenos histéricos, vistos não mais como falhas de caráter de mulheres que

apresentavam essa neurose, mas como fruto de fenômenos biológicos subjacentes.

O estudo da histeria influenciou o médico vienense Sigmund Freud, criador da

psicanálise, que também procurou dar um embasamento neurológico à teoria.

O desenvolvimento de medicamentos e de cirurgias foram marcantes na história da

neurociência, como a lobotomia pré-frontal, uma técnica cirúrgica utilizada por décadas,

muitas vezes sem motivo, desenvolvida pelo médico português Egaz Moniz (prêmio Nobel

da década de 40) para tratamento de pacientes psicóticos. Já na década de 50 investiu-se

na terapia medicamentosa, a intervenção química como alternativa de tratamento seguro e

efetivo das psicoses, fazendo com que o conhecimento gerado pelas pesquisas se

traduzisse também em intervenções sociais.

O Futuro da pesquisa do cérebro.

Entender o que nos faz humanos recruta, há milênios, desde idéias místicas,

passando pelo conhecimento filosófico, e modernamente contando também com as

metodologias científicas. O avanço dessas pesquisas alimenta a visão que a humanidade

faz sobre a sua própria vida mental.

Ao propormos uma divisão didática das idéias no tempo, percebemos que é possível

agrupar a evolução do conceito sobre estrutura e funcionamento do sistema nervoso. A

história é sempre um recurso precioso para o estudo do movimento das idéias. Olhando

retroativamente, assistimos ao surgimento de uma determinada proposição, medimos seu

impacto imediato ou tardio, seu declínio, seu retorno em outro tempo sob condições

diferentes ou sua rejeição definitiva pela falta de evidências. (Kristensen et al. 2001)

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Neurociências

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A mente é uma definição que tenta resgatar a essência do ser humano. A essência

de uma pessoa emerge da existência de funções mentais que nos permitem pensar e

perceber, amar e odiar, aprender e lembrar, resolver problemas, comunicar, criar e destruir

civilizações. Essas expressões são intrinsecamente relacionadas ao funcionamento

cerebral. Além disso, sem o cérebro, a mente não pode existir; sem a manifestação do

comportamento, a mente não pode ser expressa.

A evolução humana é notável na medida em que foi marcada por vários pontos de

viragem cultural. Exemplos disso foram as peculiares descobertas do fogo, do abrigo, das

ferramentas, da linguagem, que exigia uma combinação de fatores genéticos e mudanças

culturais. Com o surgimento da consciência, incluindo um sentido de si mesmo e uma

sensação de continuidade com o passado e futuro, o homem começou a olhar sobre seus

próprios ombros e a questionar acerca das suas próprias origens. Quem sou? De onde vim?

Para onde vou?

As revoluções científicas transformam nossa visão de mundo. Ironicamente, apesar

do conhecimento detalhado de quase tudo no universo, em todas as escalas imagináveis (o

sistema solar, galáxias distantes, os buracos negros, os átomos, moléculas, a teoria das

cordas, DNA, hereditariedade, os mecanismos da vida etc.), ainda não sabemos quase nada

sobre o órgão que fez todas essas descobertas. O conhecimento das funções do cérebro

permanece tão primitivo como o nosso conhecimento do resto do corpo humano um ou dois

séculos atrás. Como podemos propor a consciência ambiental, a higiene do meio, o

equilíbrio do ambiente; se não cultivamos a nossa própria vida interior"?

Apesar do acúmulo de grandes quantidades de conhecimento sobre o cérebro (cerca

de 10.000 documentos são apresentados a cada ano na Sociedade para reuniões de

Neurociência), mesmo as perguntas mais básicas sobre nossas mentes permanecem sem

resposta. O que é a vontade? Quem é o “eu”? Como explicar o sentimento de uma única

pessoa que perdura no tempo e no espaço? O que é a consciência? (Ramachandram,

2003).

Apesar de vislumbrarmos as correntes de pensamentos, percebemos que, ao longo

do tempo, a integração entre as idéias pode ser árida. A ciência da mente depende da

conversa integrada entre experimentos controlados e o esforço teórico, articulados

criticamente. O entendimento atual sobre origem, funcionamento e capacidade do sistema

nervoso é resultado do esforço de múltiplas áreas do conhecimento, denominadas

genericamente por neurociências.

A neurociência cognitiva assume o conceito de modularidade do funcionamento do

sistema nervoso, investigando funções como percepção, atenção, memória, emoção, ação

etc, por essa ser considerada uma estratégia de abordagem coerente, além de didática.

“Não mais estamos restritos a inferir sobre as funções mentais simplesmente a partir da

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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observação comportamental. Como resultado, a neurociência durante as próximas décadas

pode desenvolver os instrumentos necessários para testar o mais profundo de todos os

mistérios biológicos – as bases biológicas da mente e da consciência”. (Kandel, 2003).

Portanto, ao elaborar as perguntas devidas, realizando os experimentos devidos,

pode-se começar a responder a estas perguntas que, até agora, continuam a ser a

preocupação dos filósofos. Ao entendermos a natureza humana baseada no entendimento

de nós mesmos, não sobram limites a serem alcançados. Sabemos muito pouco sobre o

cérebro, por isso temos de manter uma mente aberta e estar preparados para surpresas.

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 89

Princípios básicos em fisiologia neural

Renata Pereira Lima Laboratório de Neurociência e Comportamento

[email protected]

No sistema nervoso, neurônios nunca funcionam isolados; eles estão organizados

em circuitos que processam tipos específicos de informações. O sistema nervoso parece

organizado em grupos de circuitos, i.e., módulos, cujas funções servem a um propósito

comportamental específico. Desta maneira, sistemas sensoriais como a visão ou audição

adquirem e processam informações a partir do ambiente, o sistema motor permite que o

organismo responda a tais informações através da geração de ações. Há, entretanto, um

grande número de células e circuitos que estão entre estas mais ou menos bem definidas

aferências e eferências. Eles são coletivamente referidos como sistemas de associação e

são responsáveis pelas mais complexas funções.

Além destas amplas distinções, os neurocientistas têm convencionalmente dividido o

sistema nervoso dos vertebrados, sob o ponto de vista anatômico, em componentes centrais

e periféricos (Fig. 1). O sistema nervoso central (SNC) compreende o encéfalo e a medula

espinal. O sistema nervoso periférico (SNP) inclui fibras de neurônios que conectam os

receptores sensoriais na superfície do corpo ao SNC e a porção motora, que consiste em

axônios de nervos motores que conectam o encéfalo e a medula espinal aos músculos

esquelético, viscerais, cardíaco e glândulas.

Embora o arranjo dos circuitos que compõem

estes sistemas varie grandemente de acordo com

suas funções, algumas características são comuns

entre eles. As conexões sinápticas que definem um

circuito são tipicamente realizadas numa densa malha

de dendritos e terminais axonais. A direção do fluxo

de informação em um circuito particular é essencial

para se entender sua função. Células nervosas que

transmitem informações em direção ao sistema

nervoso central são chamadas de neurônios

aferentes; já as que transmitem informações para fora do encéfalo e da medula espinal (ou

Figura 1. Arranjo anatômico do sistema nervoso em

humanos. Em azul o sistema nervoso central (SNC)

e em amarelo, o sistema nervoso periférico (SNP)

(retirado de Bear, 1996).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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para fora do circuito em questão), são chamadas de neurônios eferentes. Células nervosas

que participam somente no aspecto local do circuito são chamadas de interneurônios. Estas

três classes – neurônios aferentes, neurônios eferentes e os interneurônios – são os

constituintes básicos de todos os circuitos neurais.

De modo geral, podemos classificar os circuitos como:

Convergentes: aqueles nos quais um grupo de neurônios recebe uma aferência

(entrada) de um neurônio pré-sináptico e o circuito tende a se tornar concentrado.

Para demonstrar este tipo de circuito, imagine que tenhamos os neurônios A, B e C e

que cada um deles possua uma entrada diferente. Estes neurônios se projetam para

um neurônio D e este se projeta para outro neurônio E, realizando uma eferência

(saída). Circuitos convergentes são responsáveis, por exemplo, pela interpretação

dos estímulos sensoriais (Fig. 2, à esquerda).

Divergentes: são os circuitos que funcionam de maneira oposta aos circuitos

convergentes. Em vez de concentrar as aferências, estas se projetam

separadamente para diferentes neurônios. No caso do circuito divergente, o neurônio

A possui uma aferência e se projeta para os neurônios B, C e D. A característica

básica de um circuito divergente é o fato de que um único neurônio iniciará respostas

de maneira crescente em outros neurônios. Tais circuitos são encontrados nos

sistema motores e sensoriais (Fig. 2, centro).

Reverberantes: o sinal de aferência é transmitido ao longo de uma série de

neurônios e cada um destes fará sinapses com neurônios de uma porção da via

previamente percorrida. O impulso reverbera sendo enviado ao longo do circuito

continuamente até que um neurônio seja inibido. Então, uma aferência no neurônio A

se projeta para o neurônio B, que se projeta para o neurônio C e então para o D e

este se projeta de volta para o neurônio A (ou para o B) e o ciclo se repete até que

um neurônio (que pode ser tanto A, quanto B, C ou D) seja inibido. Circuitos

reverberantes estão envolvidos no ciclo de sono-vigília, atividades motoras,

memórias de longa duração, etc (Fig. 2, à direita).

Figura 2. Esquema representativo dos modelos de circuitos. À esquerda, o modelo de circuitos

convergentes, no centro o modelo divergente e o reverberante à direita.

Além disto, circuitos podem funcionar paralela ou serialmente. No funcionamento

paralelo, sinais aferentes são processados em vias distintas e as informações são

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Neurociências

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analisadas de maneira analítica concomitantemente no tempo. Por exemplo, o sistema

visual funciona em vias paralelas que processam a informação neural de forma simultânea e

integrada. Sinais representando cores, movimento, forma e localização, por exemplo, são

processados simultaneamente em diferentes regiões do encéfalo. Atividades concomitantes

(e sincronizadas) nas vias visuais dorsal e ventral (que são anatomicamente distintas) são

responsáveis pela percepção unitária da imagem. No funcionamento serial, os resultados

dos processamentos de um circuito são necessários para que o próximo circuito possa

contribuir para o processamento total. Isto é, um neurônio estimula outro neurônio, que por

sua vez estimula outro neurônio e assim por diante. Um exemplo clássico de processamento

serial é o arco reflexo, em que há produz uma reação involuntária rápida, na maioria das

vezes inconsciente, que protege o organismo. Tal reação é originada a partir de um estímulo

externo que gera uma resposta antes mesmo do indivíduo tomar conhecimento da

existência do estímulo periférico e, conseqüentemente, antes deste poder comandá-la

voluntariamente. Muitos reflexos motores são controlados por neurônios localizados na

substância cinzenta da medula espinhal e do tronco encefálico (bulbo, ponte e

mesencéfalo), independentemente da vontade, como por exemplo:

• a retirada imediata da mão de uma panela muito quente;

• extensão da perna após a percussão e estiramento do tendão patelar;

• fechamento da pupila com o aumento da intensidade luminosa;

• aumento da secreção gástrica com a chegada do alimento no estômago.

Desta maneira, o ato reflexo é um mecanismo que gera uma reposta involuntária do

organismo a um determinado estímulo (dor, estiramento, aumento da intensidade luminosa,

variações da pressão arterial etc). Ocorrendo um estímulo, a fibra sensitiva de um nervo

aferente (ou sensitivo) transmite-o até a medula espinhal passando pela raiz posterior, ou ao

tronco encefálico, por meio de um nervo craniano. Na medula ou no tronco encefálico o

neurônio aferente comunica-se com o eferente diretamente ou por meio de interneurônios

associativos, gerando, no neurônio motor, a atividade que leva à ação. Os axônios eferentes

que levam essa ordem da medula (pela raiz anterior) ou do tronco encefálico (por um nervo

craniano) constituem as fibras eferentes motoras ou vegetativas que levam a informação ao

órgão efetor (músculo estriado esquelético, glândula, músculo liso ou músculo cardíaco)

que, por sua vez, executará a resposta ao estímulo inicial.

É importante ressaltar que o processamento serial é a maneira mais simples por

meio da qual um circuito pode funcionar. Este tipo de processamento está envolvido nas

respostas mais simples e estereotipadas. Durante o processamento de funções mais

complexas, de modo geral, os circuitos envolvidos, além de processar informações de modo

serial, funcionam concomitantemente em paralelo com outros circuitos de maneira

sincronizada.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Construção de Circuitos e sua Modificação pela Experiência

A construção da circuitaria do sistema nervoso envolve processos ontogenéticos

associados à interação do sistema com o ambiente. Assim, fatores químicos liberados por

determinados neurônios em diferentes estágios do desenvolvimento ontogenético atraem

projeções de outros neurônios intrinsecamente; paralelamente, essas projeções e conexões

entre neurônios podem originar-se também em associação com a estimulação

proporcionada pelo ambiente e/ou pela atividade de certos conjuntos de neurônios. Assim,

os padrões macroscópicos básicos das conexões no sistema nervoso estabelecidas

filogeneticamente podem ser microscopicamente alterados por padrões de atividade

neuronal (isto é, experiência), modificando a circuitaria sináptica do encéfalo. A atividade

neuronal gerada em decorrência de interações com o ambiente pré e pós-natal influencia a

estrutura e a função do sistema nervoso, além da construção de sua circuitaria.

A história de interação de um indivíduo com o ambiente, i.e., sua experiência

acumulada, molda os circuitos neurais, determinando seu comportamento. Em alguns

casos, as experiências funcionam primariamente como gatilhos que ativam alguns

comportamentos inatos. Mais freqüentemente, entretanto, experiências desenvolvidas em

períodos específicos no início da vida (referidos como períodos críticos) determinam um

repertório comportamental no indivíduo adulto. Estes períodos críticos influenciam

comportamentos diversos incluindo laços maternais, preferências sexuais e aquisição de

linguagem, entre outros.

Embora seja possível identificar conseqüências comportamentais de determinados

estímulos que foram apresentados em períodos críticos para determinadas funções, suas

bases biológicas ainda não estão completamente esclarecidas. Talvez o exemplo mais bem

investigado relacione-se ao período crítico no estabelecimento da visão. Alguns estudos

mostraram que a experiência é traduzida em padrões distintos de atividade neuronal que

influenciam a função e a conectividade dos neurônios relevantes. No sistema visual (e em

outros sistemas também) a competição entre aferências com diferentes padrões de

atividade é um determinante importante na consolidação dos padrões de conectividade. Em

um axônio aferente, padrões de atividade correlatos tendem a estabilizar as conexões.

Quando padrões normais de atividade são rompidos (experimentalmente, em animais, ou

patologicamente, em humanos) durante um período critico na infância, a conectividade no

córtex visual é alterada, assim como a função visual. Se não é feita a manutenção destes

padrões até o final do período critico, estas alterações estruturais da circuitaria nervosa

dificilmente se restabelecem posteriormente.

A conectividade nervosa estabelecida ao longo do desenvolvimento normal

possibilita ao encéfalo armazenar vasta quantidade de informações que refletem a

experiência específica daquele individuo. Como esperado, a construção dessa

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Neurociências

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conectividade que tanto influencia o desenvolvimento do sistema nervoso gera alterações

maiores nos estágios iniciais de desenvolvimento. Assim, em um animal adulto, o sistema

nervoso se torna gradativamente mais refratário a lições da experiência e os mecanismos

celulares que medeiam as alterações da conectividade neuronal se tornam menos plásticos.

Integração entre Circuitos I: o Modelo de Redes

O conceito de que no córtex cerebral há domínios discretos dedicados mais ou

menos exclusivamente a algumas funções cognitivas, tais como discriminação visual,

linguagem, atenção espacial, reconhecimento de face, retenção de memória, memória

operacional, etc., tem sido questionado devido à falta de evidências conclusivas que o

apóiem. Em seu lugar, modelos de redes neurais têm sido apresentados como uma

alternativa mais coerente com as evidências disponíveis sobre seu funcionamento.

Em 1949, Donald Hebb hipotetizou uma forma de plasticidade sináptica

proporcionada por uma continuidade temporal das atividades pré e pós-sinápticas. Além de

acreditar que as conexões sinápticas eram as bases das associações mentais, ele foi além

do simples conexionismo dos behavioristas. Primeiro, ele argumentou que uma associação

não poderia ser localizada numa simples sinapse. Ao contrário, os neurônios estariam

agrupados em “assembléias de células” e esta associação era distribuída nas suas

conexões sinápticas. Segundo, Hebb rejeitou a noção de que a relação estímulo-reposta

poderia ser explicada somente por um simples arco reflexo conectando neurônios sensoriais

a neurônios motores. Assim, era necessário postular “um mecanismo central que explicasse

o atraso existente entre o estímulo e a resposta que é tão característico do pensamento”

(Hebb, 1949). Seguindo as idéias do neurofisiologista Lorente de Nó, Hebb acreditava que a

estimulação sensorial poderia iniciar padrões de atividade neural que eram mantidas

centralmente pela circulação em loops de feedbacks sinápticos. Tal “atividade reverberante”

torna estes padrões possíveis para as respostas que são subseqüentes aos estímulos

posteriores ao atraso. Em resumo, Hebb hipotetizou um “mecanismo com fundamentos

duplos” da memória. A atividade neural reverberante era o fundamento da memória de curta

duração, enquanto as conexões sinápticas eram o fundamento da memória de longa

duração. Desta maneira, Hebb propôs que: “A persistência ou repetição de uma atividade

reverberante tende a induzir mudanças celulares permanentes que promovem estabilidade

no sistema” (Hebb, 1949, pág. XVII).

Esta proposição pode ser precisamente colocada da seguinte forma: quando um

axônio da célula A repetidamente ou persistentemente dispara, alguns processos de

crescimento ou mudanças metabólicas acontecem em uma ou em ambas as células (A ou

B) de tal modo que a eficiência de A, uma das células que estão agindo sob B, é

aumentada.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 94 Julho/2010

Além disto, Hebb hipotetiza uma função específica para esta “sinapse hebbiana”: a

conversão da memória de curta duração em memória de longa duração pela estabilização

de padrões de atividade reverberante. Uma vez que este padrão de atividade foi

armazenado nas conexões sinápticas, ele pode ser resgatado repetidamente a partir da

excitação de neurônios sensoriais ou a partir de outros padrões de atividade reverberante.

A hipótese de Hebb foi verificada décadas depois com a descoberta da potenciação

de longa duração, LTP (do inglês, long-term potentiation) (Fig. 3). A LTP é um estreitamento

da conexão entre dois neurônios que resulta de uma estimulação simultânea de ambos e

pode ser induzida experimentalmente aplicando-se uma seqüência de pequenos estímulos

de alta freqüência na célula nervosa. Este estreitamento pode durar de minutos a horas (in

vitro) ou de horas a dias ou meses (in vivo).

Figura 3. Modelo representativo do funcionamento da Potenciação de Longa-Duração (LTP). Os

receptores NMDA (vermelho) constituem a maquinaria molecular da aprendizagem. O

neurotransmissor é libertado durante atividade basal e durante a indução de LTP (topo, à esquerda).

A expressão de LTP pode dever-se à presença de mais receptores AMPA (receptores em amarelo, à

esquerda, abaixo) ou à presença de receptores AMPA mais eficientes (à direita, abaixo) (disponível

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 95

em www.braincampaign.org - 09/06/2009).

Pela eficiência aumentada da transmissão sináptica, a LTP aumenta a habilidade de

dois neurônios, um pré-sináptico e outro pós-sináptico, de comunicarem-se através da

sinapse. O mecanismo preciso para este aumento da transmissão ainda não é bem

estabelecido, em partes porque a LTP é controlada por múltiplos mecanismos que variam de

acordo com a região em que acontecem, a idade do animal em questão e espécie.

Entretanto, nas formas de LTP mais compreendidas, a melhora desta comunicação é

predominantemente feita através do aumento da sensibilidade das células pós-sinápticas

em receber sinais das células pré-sinápticas. Estes sinais, na forma de moléculas de

neurotransmissores, são recebidos por receptores presentes na superfície da célula pós-

sináptica. Este aumento de sensibilidade é devido não somente ao aumento da atividade

dos receptores já existentes na superfície, mas também por um aumento do número destes

receptores.

Interessantemente, a LTP compartilha muitas características com a memória de

longa duração, o que faz dela uma candidata muito atrativa como um mecanismo celular do

aprendizado. Por exemplo, a LTP e a memória de longa duração dependem da síntese de

novas proteínas, possuem propriedades associativas e podem durar potencialmente vários

meses. A LTP também pode responder por vários tipos de aprendizado, desde o

relativamente simples condicionamento clássico presente em todos os animais, até

respostas mais complexas, como a cognição observada em humanos.

De acordo com essa concepção, a alteração estrutural leva ao armazenamento da

informação podendo explicar o fenômeno da memória. Este modelo postula que todas as

representações cognitivas consistem em redes de neurônios cuja atividade foi associada

pela experiência (estímulos repetidos). Nesse contexto, pode-se assumir que memórias

filogenéticas correspondem a redes que se consolidaram ao longo das gerações e não

necessitam de experiência individual para serem funcionais, embora possam ser

aprimoradas pela experiência individual.

Se considerarmos que um neurônio tipicamente recebe informações de cerca de 104

neurônios e, por sua vez, projeta-se para outros 104 neurônios e, que o encéfalo humano

contém pelo menos 1011 neurônios, isto significa dizer que pelo menos 1019 conexões

sinápticas são formadas no cérebro. Entretanto, a complexidade de seu funcionamento é

evidentemente maior, em particular quando se considera os arranjos seqüenciais pelos

quais uma informação pode viajar ao longo de seqüências de neurônios. Quanto mais

freqüentes as exposições a estímulos relevantes, mais fortes tornam-se essas conexões.

Como conseqüência, a informação tende a ser arquivada de maneira relacional. Isso

permite entender porque a recordação envolve, usualmente, categorias. Por exemplo, ao

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 96 Julho/2010

pedirmos para uma pessoa listar todos os animais de que se recorda, não raro a lista

conterá animais agrupados por categorias de similaridade, ou seja, quadrúpedes, aves,

animais aquáticos, invertebrados etc. O mesmo ocorre em relação a alimentos; a

recordação também será categórica (frutas, verduras, legumes, carnes etc.). Isso ocorre

porque o aumento de atividade eletrofisiológica em determinados circuitos neurais (que

levam à recordação de uma dada informação) tende a estimular a atividade em circuitos

relacionados. Assim, quando aprendemos que determinado estímulo se refere a um

determinado conceito, estamos na verdade fazendo associações com conceitos que já

conhecemos (associando nós de uma rede com outros). Então, quando visualizamos a

imagem de uma maçã caindo, integramos todas as informações disponíveis (cor, forma,

contexto, movimento) com os circuitos já consolidados previamente e que em algum

momento foram associados ao conceito “maçã”. O mesmo vale para uma outra modalidade

de estímulo, ou seja, um som específico que atribuímos como característico de um

determinado animal, o cheiro de uma comida que está intimamente ligado com o seu sabor

etc.

Integração entre Circuitos II: Ação e Percepção

Todas as formas de comportamento adaptativo requerem o processamento de um

fluxo de informação sensorial e sua transdução em uma série de ações direcionadas a um

objetivo. Desde a mais primitiva espécie animal, todo o processo é regulado por feedbacks

externos (ambiente) e internos (Fig.4). Esse padrão de funcionamento torna o organismo

apto a forragear, fugir de predadores, lutar e reproduzir-se.

Figura 4. Uma das finalidades da percepção é permitir uma interação com o ambiente. Interações

podem incluir andar de um lugar para outro, pegar um objeto, conversar com uma pessoa ou dirigir

um carro. De modo circular, tais ações afetam diretamente nossa percepção do mundo. Esta

interdependência entre ação e percepção é ilustrada pelo “Ciclo Percepção-Ação” da figura acima. A

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 97

visão que temos na integração sensório-motora é que em vários aspectos do comportamento, ações

motoras e processos sensoriais estão conectados inseparavelmente e, desta forma, precisam ser

estudados juntos.

O sistema nervoso evoluiu, sobretudo nos mamíferos, de tal forma que uma grande

complexidade estrutural e funcional foi alcançada não tanto pelas vias aferentes,

responsáveis por canalizar as informações sensoriais, ou pelas vias eferentes, responsáveis

por emitir as respostas motoras, mas por circuitos neurais que intermedeiam essas vias de

entrada e saída. Os complexos circuitos neurais que se localizam entre as vias sensoriais e

motoras são os principais responsáveis pela riqueza, flexibilidade e plasticidade de

comportamentos observados. Isso se manifesta na enorme diversidade de estímulos que

podem ser reconhecidos pelos sistemas sensoriais, na multiplicidade de graus de liberdade

com que ações são organizadas pelos sistemas motores e, sobretudo, pela rica e plástica

relação que se estabelece entre esses dois conjuntos.

A progressiva elaboração dos circuitos neurais pode ser entendida como uma

conseqüência da seleção de ações mais vantajosas (organizadas por circuitos “pré-

motores”) em resposta à identificação seletiva de estímulos específicos (realizada por

circuitos “perceptivos”), provavelmente pressionada por fatores ambientais. Podemos supor

então que, ao tornar-se cada vez mais complexo, o funcionamento dos circuitos neurais que

organizam a integração sensório-motora expressa aquilo que chamamos de “percepção”,

“atenção”, “aprendizado”, “memória”, “ação” e, por fim, “consciência”. Esses rótulos estão

longe, em sua maioria, de uma definição completa e consensual. Eles são, mais

provavelmente, o resultado das limitações que ainda temos em compreender a essência do

funcionamento do sistema nervoso, não se constituindo em entidades separadas e

independentes da função neural.

Desta forma, se considerarmos que a percepção do mundo, onde “perceber” algo,

derivado do latim, significa “apoderar-se” dele, logo veremos que não há percepção sem que

alguma forma de atenção esteja em jogo. E é só por meio da percepção atenta que temos

de um estímulo que sentimos, de um evento que presenciamos ou de uma resposta que

emitimos, que poderemos mais tarde nos lembrar desse objeto, desse evento ou dessa

resposta, resgatando uma memória arquivada por meio de um processo de aprendizado. E,

de forma um tanto óbvia, todo trabalho investido em se “apoderar” do mundo, “arquivá-lo” e

“resgatá-lo”, seria inútil e sem sentido se não usássemos essa informação na organização e

emissão de uma ação sobre o mundo, com ele interagindo de forma contínua e coerente,

permitindo nossa permanência nesse mesmo mundo, apesar de seus constantes desafios.

Percepção envolve Ação

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Perceber algo geralmente requer alguma ação por parte de quem esta percebendo.

Freqüentemente temos que olhar (direcionar os olhos) para ver, fazendo uma varredura

visual do ambiente até que o objeto de desejo seja encontrado. Da mesma forma, para um

som ser audível, temos que direcionar nossos ouvidos em sua direção. Quando tocamos um

objeto, ele é mais facilmente identificado se for explorado pelos nossos dedos.

Todos estes exemplos demonstram que a percepção é um processo ativo que

funciona para direcionar e otimizar o comportamento através do seu refinamento. Além

disso, uma vez que um objeto tenha sido percebido, podemos decidir se iremos nos

aproximar ou nos afastar. Ao ouvir um barulho podemos responder a ele ou ficar quieto. Ao

identificar um objeto pelo toque podemos descartá-lo ou mantê-lo conosco. Em cada um

destes casos nosso comportamento depende do que é percebido.

A orientação da percepção por meio de uma ação induz uma distinção interessante

entre os vários sentidos que tem a ver com a proximidade do observador em relação ao

objeto percebido. Tocar e saborear algo requer um contato direto entre o observador e a

fonte de estimulação. Cheirar também é um certo contato com a fonte de estímulação;

substâncias químicas voláteis são diluídas conforme a distância da fonte aumenta; desta

forma, o cheirar funciona mais eficientemente para substâncias que estão próximas. Em

contraste, ver e ouvir,não dependem tanto deste contato. Os olhos e os ouvidos podem

capturar a informação originária de fontes remotas, neste sentido eles funcionam como um

radar. Eles permitem que o indivíduo faça contato perceptual com um objeto que não está

próximo, eles estendem a percepção para um mundo além dos limites dos dedos e do nariz.

Estes dois sentidos substituem o deslocamento até a fonte de estímulo, permitindo que o

indivíduo explore a vizinhança.

Organização e Hierarquia no Ciclo Percepção-Ação

Em todo o sistema nervoso central, o processamento de seqüências de ações

guiadas sensorialmente segue um fluxo a partir de estruturas geralmente posteriores

(sensórias), em direção a estruturas anteriores (motoras), com feedbacks em todos os

níveis. Assim, no nível cortical, a informação flui de maneira circular ao longo de uma série

de áreas hierarquicamente organizadas e entre conexões que constituem o ciclo percepção-

ação (Fig. 5).

Ações automáticas e/ou muito freqüentes em resposta a estímulos sensoriais são

integradas em níveis mais inferiores do ciclo, nas áreas sensoriais da hierarquia (perceptiva)

e em áreas motoras da hierarquia (executiva). Comportamentos mais complexos, guiados

por estímulos também mais complexos e distantes no tempo, requerem uma integração em

níveis corticais mais superiores de ambas as hierarquias (perceptuais e executivas),

basicamente áreas superiores de associação sensorial e córtex frontal anterior.

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 99

Figura 5. O substrato cortical do ciclo percepção-ação. Em azul está representado o lado da

percepção no ciclo e em vermelho o lado da ação. Os retângulos vazios representam áreas

intermediárias ou subáreas do córtex. As setas representam vias anatomicamente identificadas em

macacos e ressaltam a conectividade recíproca entre os córtices posterior e anterior (retirado de

Fuster, 2006).

Para garantir as interações entre as duas hierarquias corticais, longas fibras cortico-

corticais conectam recíproca e topologicamente as áreas da hierarquia perceptual com as

áreas equivalentes executivas. Assim, áreas pré-motoras se conectam com áreas sensoriais

associativas relativamente inferiores (áreas inferiores de ambas as hierarquias), enquanto

áreas frontais anteriores se conectam com áreas associativas superiores do córtex posterior

(áreas superiores). Do mesmo modo, há evidências anatômicas de conexões ordenadas

descendentes do córtex frontal anterior ao córtex pré-motor e deste para o córtex motor. Em

cada estágio deste processo em cascata na hierarquia executiva, a próxima ação de uma

seqüência é determinada por dois tipos de influências: 1) o processamento dos aspectos

globais da seqüência nas áreas frontais superiores e 2) os sinais sensoriais que estão

ocorrendo naquele momento. A ativação progressiva de áreas frontais inferiores que

processam a ação é cumulativa. Da mesma forma, as entradas sensoriais associativas do

córtex posterior são progressivamente mais concretas e mais dependentes de um contexto

espacial e temporal imediato. Sinais que necessitam ser processados em um contexto

temporal mais amplo (episódico) requerem ações que dependem de uma integração

temporal em graus mais elevados. Estes sinais são processados no córtex posterior e

concomitantemente nas áreas superiores do córtex frontal anterior (rostral). Em ambos os

córtices, os sinais são integrados simultaneamente com as informações prévias (as regras

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Pág. 100 Julho/2010

de uma determinada tarefa e as instruções eventualmente dadas) antes mesmo de serem

enviados para o processamento em estágios inferiores da hierarquia frontal. Sendo assim, o

córtex frontal anterior integra as mais elaboradas associações da informação sensorial que

estão armazenadas em redes dos córtices sensoriais e motores.

Se considerarmos que a execução de uma ação não se limita, em geral, a uma única

oportunidade, temos uma grande vantagem ao construirmos representações perceptivas do

mundo e guardá-las na memória, podendo usar essa informação em uma próxima

oportunidade em que ações semelhantes sejam requeridas. Esse aprendizado permite um

refinamento a longo prazo de nossas ações, fornecendo subsídios para ações mais

complexas, mais integrativas e de maior alcance adaptativo.

O Sistema de Neurônios Espelho

Quando temos que explicar uma ação humana, a neurociência tem duas abordagens

maiores: a sensório-motora e a ideomotora. Na abordagem sensório-motora, tudo começa

com uma estimulação, e as ações são consideradas uma conseqüência desta estimulação.

De modo inverso, na abordagem ideomotora, tudo começa com uma intenção, e as ações

são consideradas como o meio de realizar estas intenções, isto é, as ações são vistas como

o meio para determinados fins que seguem a intenção.

Assim como vimos acima, existe uma sobreposição e uma dependência entre as

percepções e as ações, tanto nos seus sistemas quanto nas respostas comportamentais.

Desde modo, fica difícil imaginar que nossas ações sejam meras escravas de nossas

percepções.

Em uma situação em que uma pessoa observa as ações de outra pessoa, a

abordagem ideomotora oferece uma predição muito consistente. Considerando o fato de

sermos seres sociais, nós humanos passamos boa parte do nosso tempo observando as

outras pessoas, tentando entender o que elas estão fazendo e por que. Esta “comunicação

primitiva” é essencial para estratégias de sobrevivência e sociabilidade do indivíduo.

Contudo, como reconhecemos e entendemos as intenções das outras pessoas? Quais as

bases neurofisiológicas desta habilidade? A recente descoberta de neurônios espelho tem

inspirado uma série de estudos em busca destas respostas.

O reconhecimento de uma ação foi inicialmente concebido como baseado apenas no

sistema visual (abordagem sensório-motora); isto é, numa análise dos componentes visuais

da ação específica, do agente envolvido, do objeto ao qual a ação é direcionada e do

contexto no qual ela está inserida. Assim, a interação de todos estes elementos identificados

visualmente permitiria ao observador reconhecer e entender uma ação feita por outra

pessoa. Uma hipótese alternativa admite que a observação de uma ação estimularia uma

“representação motora interna” que envolveria as mesmas estruturas neurais envolvidas na

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Neurociências

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execução da ação observada; de acordo com esta concepção, embora nenhum movimento

efetivo seja executado, a representação motora evocada pela observação permitiria o

reconhecimento do significado do que é visto. Com a descoberta de que há ativação de

neurônios na região do córtex pré-motor durante a observação de ações, os assim

denominados “neurônios espelho”, e considerando que esta hipótese não exclui a

possibilidade de que outro processo cognitivo, baseado na descrição do objeto e do

movimento, possa participar desta função, esta hipótese motora vem ganhando cada vez

mais adeptos. Todavia, tem sido proposto que os neurônios espelho formam um sistema

que combina observação e execução – percepção e ação.

Neurônios espelho são um grupo particular de neurônios cuja atividade aumenta

durante a execução de uma ação motora particular ou da observação da mesma ação

desempenhada por outro indivíduo. Sua descoberta ocorreu durante experimentos com

macacos envolvendo o controle motor de ações desempenhadas com as mãos, como por

exemplo, pegar/manipular um objeto ou alimento. Os descobridores destes neurônios, entre

eles Giacomo Rizzolatti, implantaram eletrodos no córtex frontal inferior de macacos (área

F5) e registraram a atividade dos neurônios individualmente enquanto os animais

alcançavam pedaços de alimentos. Eles observaram que alguns destes neurônios (situados

no setor superior da área F5), disparavam não somente quando o macaco pegava o

alimento, como também quando ele observava outro indivíduo (macaco ou humano)

desempenhando esta ação, como se a mesma tivesse sido “refletida” no seu córtex motor

(Fig. 6). Estudos posteriores mostraram que pelo menos 10% dos neurônios envolvidos no

controle motor de ações desempenhadas com as mãos são “neurônios espelho”.

Estes estudos mostram que além do reconhecimento da ação motora por meio de

informações visuais, o sistema de neurônios espelho lida com informações mais abstratas, a

fim de reconhecer o objetivo final da ação. Esta resposta, baseada também em outras

modalidades, isto é, auditiva, sugere que a atividade espelho depende da riqueza das

experiências próprias do observador e de ações presentes em seu repertório motor

(memória de planos motores). Entretanto, aparentemente, o reconhecimento do objetivo

final de uma ação baseado em exposição prévia do observador só parece possível se

houver dicas suficientes no ambiente acerca da intenção desse outro indivíduo. Isto é, uma

ação implica em um agente e um objetivo. Conseqüentemente, o reconhecimento de uma

ação implica no reconhecimento de um objetivo e, em outra perspectiva, o entendimento da

intenção do agente: “João vê Maria pegando uma maça”. Vendo sua mão movimentando-se

em direção à maça, ele reconhece o que Maria fará (pegará algo), e também reconhece que

Maria quer pegar uma maça, isto é, o estímulo é ligado à intenção do agente.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Desta maneira, o sistema de neurônios espelho oferece um modelo de integração

entre percepção e ação bastante interessante. Através do reconhecimento de ações e, não

apenas pelo sistema sensorial, mas também no próprio sistema motor do observador, ocorre

uma integração online das informações recebidas do ambiente - a ação observada sendo

executada por outra pessoa - e também entre informações presentes no sistema nervoso do

observador - representação motora da ação observada.

Figura 6. Experimento feito com macacos em

que ele executa uma ação (pegar o amendoim)

e também observa esta mesma ação sendo

feita pelo experimentador. À direita está um

esquema que exemplifica a atividade dos

neurônios espelho nas duas situações (retirado

de Rizzolatti,1996).

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 103

Fisiologia Sensorial

Felipe Viegas Rodrigues Laboratório de Neurociência e Comportamento

[email protected]

Introdução

O sistema nervoso de qualquer organismo pode ser modelado em sua forma mais

simples como um sistema que possui entrada de dados (células receptoras), nenhum ou

algum processamento do sinal (interneurônios) e um sistema de saída (células efetoras)

(Fig. 1).

Figura 1 – Modelo simplificado do arranjo de um Sistema Nervoso.

O arranjo mais simples possível é chamado arcorreflexo, em que uma única célula

recebe o estímulo em um ponto do organismo e diretamente atua como uma célula efetora.

Esse arranjo já permite uma série de respostas comportamentais úteis à sobrevivência.

Eventualmente, modificou-se para um arranjo com duas células: uma receptora e outra

efetora, formando um arcorreflexo monossináptico (e.g. reflexo patelar). Ressalta-se que a

comunicação entre as duas células já poderia representar uma forma de modulação do sinal

e, portanto, flexibilizar o comportamento (Eckert, 1983).

Há ainda o arcorreflexo polissináptico, com pelo menos um interneurônio entre as

células receptora e efetora. A existência do interneurônio nessa interface deu origem aos

gânglios – acúmulos de corpos celulares no organismo. Em última instância, nosso cérebro

é um gânglio (ou um grande conjunto deles). O mais complexo que se tem conhecimento.

A rede neural mais simples em organismos vivos é aquela encontrada nos

Celenterados. O arranjo das células nervosas é difuso, com cruzamentos desordenados de

axônios, e sem preferência de direção do estímulo conduzido. Em alguns Celenterados há

um início de organização em direção a arcos-reflexo monossinápticos, que é presente em

todos os outros organismos multicelulares (com tecido verdadeiro). Apesar disso, os arcos-

reflexo polissinápticos são mais comuns.

As células receptoras, de agora em diante chamadas receptores sensoriais, são

responsáveis por transduzir (isto é, transformar uma forma de energia em outra) o estímulo

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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ambiental em um sinal elétrico que possa ser processado pelo encéfalo. Os receptores

tendem a ser muito específicos e, em conjunto com o arranjo no qual estão dispostos em um

órgão no animal, respondem preferencialmente a um tipo de estímulo.

A luz parece ser a melhor forma de energia para se localizar e locomover no espaço

– seu desenvolvimento se deu independentemente em diversos grupos animais. Ela tem

excelentes propriedades direcionais e a maior velocidade de deslocamento conhecida,

sendo muito fiel para retratar mudanças no ambiente; portanto, útil a presas e predadores.

Por outro lado, animais com hábitos noturnos tiveram favorecimento de outros

sistemas sensoriais, como, por exemplo, a ecolocalização de morcegos. Aqueles que

dependem do sistema visual têm mecanismos de compensação das condições mínimas de

luz. Gatos possuem um tecido refletivo na retina (chamado Tapetum lucidum), que faz com

que a luz passe duas vezes por ela. Outros mamíferos, como os Tarsius, têm globos

oculares extremamente grandes.

É importante ressaltar que não há sistemas mais ou menos evoluídos, mas apenas

aqueles mais adequados para um determinado ambiente. Nesse sentido, há animais que

tem visão e audição pobres, sendo dependentes dos sentidos químicos para encontrarem

presas (e.g.: cobras). Olfato e gustação parecem extremamente adaptativos para algumas

funções, pois persistem em diversos grupos.

Visão

A faixa de luz visível pelos animais compreende-se do infravermelho até o

ultravioleta (Fig. 2).

O fato de nos mais diversos organismos a faixa de energia eletromagnética captada

ser tão restrita deve-se aos comprimentos de onda acima (comprimento de onda maior) do

vermelho não carregarem energia suficiente para um efeito apreciável e aqueles abaixo do

violeta carregarem muita energia, a ponto de serem danosos para os tecidos (raios

ultravioleta A e B são danosos à pele).

Mecanismo de transdução

Mesmo alguns organismos unicelulares apresentam resposta à luz – uma simples

fototaxia (movimento em direção à luz). Mas mais do que gerar uma resposta intracelular

Figura 2 – Faixa de luz visível (em destaque) utilizada pelos receptores dos organismos vivos. Comprimento de onda em nanômetros. Modificado de Carlson (2004).

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 105

pela estimulação luminosa, para que possamos enxergar, precisamos formar uma imagem

representativa do ambiente que nos rodeia. Isso só é possível nos organismos

multicelulares e na presença de olhos – órgãos especializados para captação de luz – os

quais surgiram independentemente em diversos grupos animais.

Apesar das diferenças no formato e no funcionamento, o mecanismo básico envolve

a captação da luz e a estimulação de fotorreceptores específicos. A molécula fundamental

para esse processo é uma combinação entre opsina (uma proteína) e um carotenóide. Todo

fotorreceptor possui essa combinação em suas membranas. A combinação mais

encontrada, tanto em vertebrados como em invertebrados, é entre opsina e Retinal (uma

molécula derivada da Vitamina A).

Essas moléculas se encontram em abundância nas dobras de membrana do receptor

(uma a cada 5 nm em alguns receptores) e mudam sua conformação com a estimulação

luminosa, provocando uma cascata bioquímica no interior da célula. Em última instância, há

uma alteração da atividade eletrofisiológica do receptor, que é transmitida até o Sistema

Nervoso Central (SNC).

Os invertebrados mais bem estudados com respeito

ao sistema visual são os insetos. Eles possuem olhos

compostos por unidades individuais chamadas omatídeos,

cada qual com um receptor sensorial. Este é formado por

um dendrito central de uma célula chamada excêntrica,

rodeado por 6 a 12 células retinulares, as quais enviam

uma densa profusão de microvilos em direção ao dendrito

da célula excêntrica, formando o rabdômero (Fig.3).

A formação de imagem nesse tipo de olho se dá

pela composição das diversas partes do campo visual

captadas pelos diversos omatídeos, formando um

mosaico. A quantidade de pigmentos visuais é bastante

variável, com alguns crustáceos apresentando até oito

diferentes pigmentos em seu sistema visual (Cronin, 2006).

Os vertebrados reúnem todos os receptores em um

mesmo local (a retina, Fig. 4A), abrigados por uma câmara com entrada de luz controlada e

intermediada por uma lente, um arranjo que permite a projeção de uma imagem invertida

sobre a retina. A maioria dos grupos possui dois tipos de receptores: cones e bastonetes

(Fig. 4B). Poucas generalizações podem ser feitas quanto ao envolvimento desses

receptores na visão de cores e outras propriedades de uma imagem (e.g. brilho), dado que

as variações entre os grupos são grandes. O comprimento de onda que será absorvido em

cada receptor é também bastante variável. A maioria dos primatas possui na retina dois

Figura 3 – Representação de umomatídeo do olho composto deinvertebrado. Modificado deEckert (1983).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 106 Julho/2010

tipos de cones (cada um com um pigmento) mais bastonetes (Casagrande e col., 2006).

Alguns têm três tipos de cones, incluindo os humanos, e todos os primatas têm os cones

concentrados na porção central da retina (fóvea), uma depressão formada pelo afastamento

das camadas celulares superiores (Fig. 4B).

A fóvea é o ponto de maior acuidade visual, sendo processado por quase 50% do

córtex visual primário (V1) (Fig. 5), ainda que responda por menos de 1% do campo visual.

Essa discrepância de valores é resultado da extrema fidelidade com a qual as imagens

desse ponto do campo visual são tratadas. Conforme se afasta do centro da retina em

direção à periferia, menos cones e mais bastonetes são encontrados, com virtualmente

nenhum cone nas regiões mais periféricas, o inverso do centro da fóvea.

Os bastonetes são mais sensíveis à luz do que os cones (podendo responder a

apenas um fóton – o equivalente à luz de uma vela a 1 km de distância). Eles são

extremamente importantes para a detecção de bordas e movimento. Semelhantemente, é

pela maior acuidade visual dessas células que tendemos a enxergar imagens acinzentadas

(ou simplesmente sem cor) em condições de pouca luz, como em um quarto escuro. A

percepção de cores através dos cones se dá pela interação da estimulação dos três tipos de

pigmento a todo instante, constituindo todas as tonalidades de cores que enxergamos.

Neurônios com axônios longos, as células ganglionares (Fig. 4B), formam o nervo

óptico que transmite a alteração da atividade eletrofisiológica resultante da estimulação dos

fotorreceptores em direção ao V1 (Fig. 5).

Esse caminho, porém, não é direto. Há um cruzamento de parte das fibras que se

dirigem ao SNC (Fig. 6). As células ganglionares do hemicampo temporal em ambos os

lados não se cruzam e seguem ipsilateralmente. As fibras do hemicampo nasal se cruzam

no quiasma óptico e seguem para o lado contralateral. Dessa forma, toda a estimulação do

lado direito irá para o córtex esquerdo e vice-versa.

Figura 4 – (A) Olho em câmara de vertebrados.

(B) Detalhe da fóvea no centro da retina,

evidenciando algumas camadas celulares da

retina. Modificado de Lent (2006).

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 107

Figura 5 - Córtex visual primário (V1), em vermelho, no córtex occipital do homem, do gato e do rato. Encéfalos fora de escala. Modificado de Bear e col. (1996).

Note que há uma extensa área de sobreposição dos campos esquerdo e direito (Fig.

6). É ela quem permite a visão binocular, responsável pela visão em profundidade e criada

pela proximidade entre os dois globos oculares (voltados, portanto, para um mesmo lado da

cabeça), algo constante em animais carnívoros. Herbívoros, por outro lado, tem os olhos em

lados opostos da cabeça, o que reduz sensivelmente a visão binocular, mas potencializa a

visão em todas as direções, permitindo que esses animais percebam a aproximação de

predadores independentemente do local para o qual eles estejam direcionados.

Após o cruzamento no quiasma óptico, todas as fibras passarão pelo Tálamo, mais

especificamente pelo Núcleo Geniculado Lateral (NGL). Esse núcleo tem seis regiões

citoarquitetônicas muito bem definidas nos primatas. As duas camadas mais inferiores

possuem neurônios com corpos celulares grandes e trazem as informações vindas dos

bastonetes: é a camada magnocelular. As outras quatro camadas, chamadas

parvocelulares, têm neurônios com corpo celulares pequenos e trazem informações vindas

dos cones com pigmentos sensíveis à luz vermelha e verde. Entremeado nessas camadas,

há células chamadas koniocelulares que trazem informações dos cones sensíveis ao azul.

Após o estímulo passar pelo NGL, ele se dirige à V1, no córtex occipital, que tem um

mapa retinotópico, isto é, tem uma região cortical para cada região na retina atendida por

uma célula ganglionar. Lembrando que a região compreendida pela fóvea corresponde a

Figura 6 – Cruzamento das fibras do nervo óptico e hemicampos contemplados em cada hemisfério cerebral. Modificado de Bear e col. (1996).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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quase 50% de V1, fica claro que a fidelidade entre célula ganglionar e receptor sensorial

deve ser altíssima na fóvea (ou pelo menos na fóvea central – algo como 1:1) e que esse

número deve ser bem reduzido nas regiões periféricas da retina, com cada vez mais células

receptoras para cada célula ganglionar. Esse fato introduz o conceito de Campo Receptivo:

a área da retina para qual uma célula ganglionar responde é maior quanto mais nos

afastamos do centro da retina.

Audição

A cóclea é uma estrutura tubular enrolada sobre si mesmo com três câmaras

internas chamadas escalas, preenchidas por líquidos de composições específicas (Fig. 7)

(Carlson, 2005).

O sistema auditivo humano está limitado a perceber freqüências entre 20 Hz e

20.000 Hz, devido a características implícitas à cóclea, mais especificamente, à membrana

basilar dentro dela (Fig. 8), que não vibra com sons fora dessa faixa de frequências.

Diferentemente da visão, o intervalo de frequências captado por outros animais não é

semelhante. Infra-sons (freqüências abaixo de 20 Hz) são utilizados por tigres e elefantes

como forma de comunicação, podendo ser feita a quilômetros de distância. No outro

extremo, morcegos têm faixa de audição começando em 10.000 Hz e indo até cerca de

120.000 Hz. Os superagudos, freqüências acima de 10.000 Hz, têm comportamento

extremamente direcional e reflexivo, características que se tornam ainda mais exacerbadas

nos ultra-sons, freqüências acima de 20.000 Hz. Emitindo sons acima de 50.000 Hz, os

morcegos podem perfeitamente voar no escuro total, conseguindo desviar dos obstáculos

presentes em seu caminho. Eles utilizam-se do que chamamos de sonar: um mecanismo de

ecolocalização baseado na percepção da posição de objetos no espaço pela geração de um

som e recaptura do mesmo após reflexão.

Mecanismo de transdução

A energia sonora no ambiente chega até ao tímpano pelo canal auditivo, parte da

Figura 7 - Representação do sistema auditivo humano. Modificado de Bear e col. (1996).

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 109

orelha externa (Fig. 7). Essa energia, com todas as suas características de frequência e

intensidade, é transmitida pelo tímpano aos ossículos da orelha média (martelo, bigorna e

estribo), que farão a transmissão para a janela oval na cóclea, integrantes da orelha interna.

A interação existente entre os três ossículos causa uma amplificação de até 1,6x na energia

sonora que recebemos e a diferença de área entre o tímpano e a janela oval outra de 20x,

resultando em um ganho em amplitude de 32x aproximadamente.

A vibração transmitida à janela oval é então transferida para os líquidos internos da

cóclea e para a membrana basilar. Como a cóclea é um tubo inextensível, a Janela

Redonda funciona como uma válvula de escape, permitindo a movimentação dos líquidos

internos e vibração nas membranas.

Diferentes regiões da membrana basilar são mais sensíveis a freqüências distintas.

Sons agudos – altas freqüências – são melhores percebidos no início dela. Sons médios, no

meio, e sons graves – baixas freqüências – no final da cóclea. Tais constatações não

significam que um som fará com que só aquela região vibre. Pelo contrário, todo som

causará vibração por toda a membrana basilar, mas ela será muito pequena fora do ponto

de ressonância, não alterando a atividade eletrofisiológica em outros pontos da membrana.

O órgão de Corti é o responsável pela transdução da energia sonora em impulsos

nervosos. Nele se encontram os receptores sensoriais (mecanorreceptores) que iniciam a

despolarização que será conduzida ao córtex cerebral, inicialmente pelo nervo coclear (Fig.

8).

A membrana tectorial no órgão de Corti é uma estrutura rígida e fixa. A vibração da

membrana basilar acaba causando o deslocamento de todo esse órgão; os cílios dos

mecanorreceptores, no entanto, não se deslocam por estarem imersos e fixos na membrana

tectorial, movimentando-se em relação à célula e causando abertura ou fechamento de

canais pelo estiramento da membrana celular e influxo de potássio e cálcio. Isso resultará

em despolarização ou hiperpolarização dos receptores e a mensagem transmitida pelos

neurônios bipolares que integram o nervo coclear será maior ou menor freqüência de

disparos.

Figura 8 – Representação esquemática do órgão de Corti. Modificado de Bear e col. (1996).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 110 Julho/2010

As fibras nervosas que saem da cóclea fazem

algumas sinapses no trajeto até o Córtex Auditivo

Primário (A1), a mais importante delas no Núcleo

Geniculado Medial (NGM) onde todas fazem sinapse

(Fig. 9).

Todas as fibras que saem do NGM chegam até

A1, formando um mapa tonotópico da membrana

basilar da cóclea com frequências graves mais

anteriores e as agudas mais posteriores. Esse arranjo

permite o que é chamado “Princípio de Localização”:

uma determinada população de neurônios de A1 com

sua atividade alterada indica fielmente uma

determinada frequência de vibração na membrana

basilar (Lent, 2006).

Sistema Vestibular

Associado às estruturas que permitem a

audição, todos os vertebrados contam também com o

sistema vestibular, com o qual podem perceber

fenômenos de aceleração e postura corporal.

Raramente mencionado, esse sistema deve ser

considerado um sexto sentido dos organismos, tendo

íntima relação com o sistema motor, permitindo correções posturais reflexas a estimulações

bruscas e estabilização do olho durante a movimentação corporal (Graf, 2006).

O sistema é composto na maioria dos vertebrados por três canais semicirculares

para percepção de acelerações angulares (rotações) e os otólitos (sáculo e utrículo), para

acelerações lineares (Graf, 2006) (Fig. 10). A presença de três canais semicirculares surge

nos gnastomados, pela adição do canal horizontal, ausente nos agnatas.

Figura 10 – Órgãos do equilíbrio no ouvido humano. Modificado de Bear e col. (1996).

Figura 9 – Trajeto percorrido pelosimpulsos nervosos provenientes dacóclea até o córtex auditivo primáriono cérebro. Modificado de Lent (2006).

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 111

Os canais são completamente preenchidos por líquido e contém uma dilatação

(ampola) com células ciliadas (mecanorreceptores) associadas a uma estrutura gelatinosa

(cúpula). Os movimentos de rotação do organismo causam o deslocamento do líquido em

relação ao canal, resultando em movimentação da cúpula e despolarização ou

hiperpolarização das células ciliadas, como na cóclea.

A maioria das projeções do nervo vestibular vai para um núcleo homônimo na

medula; outras seguem diretamente para o cerebelo. Interessantemente, algumas projeções

vão para os núcleos dos nervos cranianos que controlam o movimento ocular (nervos

cranianos III, IV e VI). Essas projeções permitem o reflexo vestíbulo-ocular que corrige o

movimento dos olhos enquanto andamos ou simplesmente movimentamos a cabeça,

permitindo a formação de imagens estáveis na retina. Pessoas com lesão no nervo

vestibular têm sérias dificuldades em enxergar enquanto se deslocam (Carlson, 2005).

Somestesia

O sistema somatossensorial permite perceber estímulos na pele através de uma

diversidade de receptores sensoriais especializados: modificações nas terminações de

neurônios unipolares que alteram sua atividade eletrofisiológica pela pressão, temperatura

ou dor. Esses neurônios fazem conexões diretas com neurônios motores para permitir

reflexos e evitar eventuais danos à pele (em última instância, ao organismo) – um

arcorreflexo monossináptico como o reflexo patelar.

As vibrissas de ratos e camundongos são também um órgão tátil, utilizado para se

localizarem no ambiente e mais importantes do que os olhos, já que estes têm hábitos

noturnos. Os estímulos somestésicos também são levados ao córtex cerebral via tálamo,

formando um mapa somatotópico do organismo. Assim como na visão, algumas regiões são

mais privilegiadas do que outras, como a ponta dos dedos, lábios e língua tendo os menores

campos receptivos do sistema (e, portanto, as maiores áreas de processamento). O córtex

somatossensorial faz parte do lobo parietal do cérebro humano, no giro pós-central (Fig. 5).

Sentidos químicos

Olfação

As conexões neurais da via olfativa até o córtex sugerem que esse é um dos

sistemas sensoriais mais antigos dos animais. É o único sistema que faz conexões diretas

com o córtex cerebral (córtex olfatório), embora outras conexões neurais conduzam os

estímulos recebidos também ao tálamo, além de conexões com o lobo frontal do neocórtex

e o sistema límbico. São as conexões com o lobo frontal que provavelmente nos permitem

ter consciência dos cheiros ao nosso redor e as conexões com o sistema límbico, os

comportamentos ligados à homeostase e às emoções (Lent, 2006).

O sistema olfativo é um bom exemplo de como o sistema sensorial mais importante a

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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uma espécie dependerá das pressões seletivas. Cachorros não são capazes de enxergar

em cores como nós enxergamos; por outro lado, são detentores de um olfato apuradíssimo,

frequentemente sendo vistos farejando o chão atrás de algo que lhes interessa. Treinados,

são hoje largamente utilizados para encontrar drogas em bagagens e pessoas soterradas

em terremotos, sendo melhores que os humanos fazendo tais buscas visualmente.

Tubarões também são fantásticos na detecção de odores, podendo perceber uma gota de

sangue em dezenas de litros de água. O caso mais surpreendente, porém, é o das

mariposas: os machos de algumas espécies são capazes de detectar concentrações de

apenas uma molécula do feromônio de atração sexual da fêmea para até 1017 moléculas de

ar. Isso se traduz em conseguir perceber uma fêmea a milhas de distância.

Feromônios são moléculas intraespecíficas que servem à comunicação entre

gêneros – resultando, em última instância, no acasalamento – e também à demarcação de

território entre indivíduos. Fatos como a coincidência do ciclo menstrual entre mulheres que

moram juntas (Weller e Weller, 1995), o reconhecimento do próprio odor em relação ao de

outros indivíduos (Porter e col., 1986 apud Martins e col., 2005) e a preferência por odores

do sexo oposto (Martins, 2005) trazem indícios fortes de que esse mecanismo também

exista em humanos. Alguns desses exemplos nos mostram que nem sempre precisamos

estar conscientes de um estímulo para responder ao mesmo.

Gustação

A gustação está presente na maioria dos vertebrados e depende de receptores

específicos na língua, que detectam cinco qualidades: amargor, acidez, doçura, salinidade e

umami. Há claras razões adaptativas para a seleção de tais receptores. Curiosamente,

felinos não possuem receptores para doçura (Carlson, 2005).

Os animais tendem a ingerir rapidamente tudo o que é doce ou salgado; doçura

indica presença de açúcares, claramente um alimento. Já receptores para sal, indicam a

presença de cloreto de sódio, extremamente importante para o equilíbrio eletroquímico do

organismo. Por outro lado, substâncias amargas ou azedas serão evitadas. Acidez é um

indicativo de decomposição, resultado da ação bacteriana. Já o amargor é um excelente

indicativo da presença de alcalóides potencialmente venenosos produzidos por plantas.

Umami é um sabor relacionado à presença de glutamato monossódico, substância

naturalmente presente em carnes, queijos e alguns vegetais. Um sexto tipo de receptor

poderia também detectar a presença de ácidos-graxos nos alimentos; de fato, trabalhos

recentes indicam respostas celulares causadas pela presença de ácidos-graxos específicos

(Gilbertson e col., 1997 apud Carlson, 2005).

As vias neurais da gustação se dão através do núcleo posteromedial ventral do

tálamo para a base do córtex frontal e para o córtex insular. Outras projeções se dão para a

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Neurociências

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amígdala e hipotálamo. Sugere-se que a via hipotalâmica sirva para mediar efeitos

reforçadores de sabores doces e salgados.

Outros sentidos

O repertório de estimulações físicas que servem à orientação não se limita àquelas

que podemos perceber. Insetos conseguem se guiar pelo Sol mesmo quando há nuvens no

céu impedindo luz direta. Isso é possível pelo arranjo dos microvilos no rabdômero do

omatídeo (Fig. 3), formando um ângulo de 90° uns com os outros. A estimulação pela luz é

até seis vezes maior nos microvilos que estão paralelos à orientação do vetor de polarização

da luz.

Alguns peixes têm células eletrorreceptoras que são modificações de células ciliadas

da linha lateral. Essas células podem captar correntes elétricas produzidas por tecidos

ativos de outros peixes próximos (e.g., coração) mesmo que eles estejam enterrados sob a

areia do fundo do lago ou oceano, um mecanismo frequentemente utilizado por

elasmobrânquios. Outros peixes são capazes de produzir uma corrente elétrica fraca,

através de uma série de despolarizações sincronizadas das células de seu órgão elétrico. A

corrente gerada flui da parte posterior para a anterior do peixe e qualquer material próximo

que tenha uma condutividade diferente daquela da água causará uma alteração no campo

elétrico, sendo detectado.

A própria linha lateral de peixes e anfíbios é um órgão sensorial. Ela está ausente

nos grupos superiores de vertebrados e é extremamente adaptativa ao ambiente em que

esses organismos vivem. Por outro lado, o mecanismo receptor presente ao longo da linha

lateral é uma célula ciliada como aquela descrita para os órgãos de audição e equilíbrio,

sendo homólogo entre todos os grupos (Graf, 2006). Mais do que isso, as interrelações com

outros mecanorreceptores podem ser traçadas até o nemátoda Caenorhabiditis elegans,

passando pelas drosófilas e apontando para um desenvolvimento evolutivamente precoce

desses receptores (Graf, 2006).

Termorreceptores são extremamente importantes tanto em mamíferos, que precisam

manter sua temperatura regulada, quanto em outros animais que dependem desse tipo de

receptor para capturar presas. Cobras dos gêneros Crotalus e Sistrurus têm

termorreceptores com altíssima sensibilidade, sendo capazes de detectar aumentos de

temperatura tão pequenos quanto 0,002 °C, isto é, detectar um camundongo distante 40 cm

se ele estiver 10°C acima da temperatura ambiente.

O campo magnético terrestre também parece ser um estímulo utilizado por alguns

animais para orientação e deslocamentos de longa distância; entre eles: aves migratórias,

pombos-correio (uma variação do pombo-comum) e as tartarugas-marinhas. Há críticas à

existência da magnetorrecepção, mas os experimentos que a refutam parecem apenas

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falhar em detectá-la e não invalidam a existência do mecanismo. Além disso, de fato, tais

animais possuem partículas de magnetita inervadas na região do osso etmóide (crânio)

(Freake e col., 2006). Eckert (1983) relata evidências de que ele possa existir em

salamandras, enguias e até mesmo bactérias.

Conclusões

Os mecanismos sensoriais empregados pelos organismos são os mais diversos

possíveis e produto das pressões seletivas que um ambiente pode gerar. Não há melhores

órgãos e sistemas, mas apenas aqueles mais bem adaptados. A comparação entre grupos

revela que algumas soluções são muito semelhantes, ainda que elas sejam análogas entre

espécies. Estímulos como a luz, disponível na superfície terrestre globalmente, tornaram

possível o desenvolvimento independente de órgãos receptores nos mais diversos grupos.

É provável que outras formas de percepção de estímulos existam. A forma como

percebemos o mundo também não é, necessariamente, a forma como outros animais com

órgãos análogos ou mesmo homólogos o percebem, dado que a área cortical dedicada a um

determinado sistema pode variar imensamente (Catania, 2006). Em última instância,

qualquer observação comportamental merece uma postura cautelosa na busca de quais

estímulos estão moldando um determinado comportamento.

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 115

Neurofisiologia da visão

Antônio Carlos da Silva Laboratório de Ecofisiologia Evolutiva

[email protected]

Introdução

Desde a formação da Terra há bilhões de anos atrás a luz, provavelmente, tem

exercido uma potente força de seleção sobre os organismos vivos. Os milhares de

amanheceres e pores-do-sol desde o início da vida têm levado a evolução dos olhos que

usam a luz para visão e outros fins, incluindo a navegação e noção de tempo. Um pássaro

em uma manhã de primavera ouvindo o canto de outros machos competidores em busca de

uma fêmea para acasalar, um lagarto do deserto buscando abrigo do sol escaldante, ou

uma águia em seu vôo em busca de uma presa - em todos os exemplos, estes animais

precisam de uma acurada informação sobre o que ocorre ao seu redor para decidirem o que

fazer em seguida. A sua decisão poderá ser apropriada somente se a informação oferecida

pelo meio ambiente for corretamente codificada e transformada em sinais que possam ser

processados pelo sistema nervoso central.

Origens evolutivos

No caso da “visão”, embora os olhos apresentem uma variedade de formas,

tamanhos, desenhos ópticos e localização corporal, todos eles fornecem informações

similares a respeito de ondas e intensidade de suas fontes. Logicamente, os olhos podem

ter uma origem monofilética, ou seja, de um único ancestral comum, ou podem ter uma

origem polifilética, surgido mais de uma vez durante a evolução.

Estudos filogenéticos relevaram que olhos evoluíram independentemente em

diferentes grupos sistemáticos, o que nos leva a tentar compreender quais as soluções

encontradas por cada grupo de animais durante o processo de evolução no qual resulta

essa enorme diversidade ( Halder, 1995; Salviani-Plawen e Mayr, 1977).

Estas estruturas (ex. ocelos, olhos compostos, olhos em câmara) que

asseguraram aos organismos “captarem estímulos luminosos”, nos levam a relembrar

Darwin em “como a seleção natural... pode produzir um órgão tão maravilhoso como o olho”

(Darwin, 1859). Os olhos são suscetíveis de coletar o sinal luminoso e focar com lentes em

células fotorreceptoras especializadas para converter fótons em sinais neurais. Existem

alguns olhos sem pupila ou lentes (Nautilus), mas, por definição, todos os olhos requerem

células especializadas para fototransdução.

Três filos emergem do período Cambriano com olhos funcionais: Mollusca,

Arthropoda e Chordata. Estas linhagens produziram essencialmente oito soluções ópticas

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para coletar e focar a luz. (Fig.1). Duas dessas soluções aparecem em Chordata, e uma

delas é nominalmente usada como gradiente para um indíce de refração para produção de

lentes.

Figura 1 – Tipos de olhos. Modificado de Fernald, 2000.

Fotorreceptores

As unidades básicas do olho, as células fotorreceptoras, podem ser divididas em

duas grandes classes, uma ciliar (conjunto de cílios sensíveis a luz) e um tipo microvilar

(rabdomérico) o qual é constituído por um conjunto de células receptoras de luz, paralelas

umas às outras, o exemplo mais comum é em olhos compostos de insetos que são

formados por omatídeos (um pequeno sensor que distingue a claridade da escuridão) e este

é formado de uma lente e um rabdoma (Halder, 1995).

A estrutura ancestral que poderia ser chamada de precursora do olho – “foto-olho” –

não tem bem esclarecido o seu surgimento na árvore evolutiva. Alguns pesquisadores

argumentam que o foto-olho poderia ter surgido como duas pequenas estruturas compostas

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 117

por células fotorreceptoras e um pigmento celular, como observado em pequenas larvas

ciliadas no poliqueta trocóforo (Fig. 2) (Gehring and Ikeo, 1999; Pichaud and Desplan,

2002).

Em sua origem, o olho simples (ex. protozoário Euglena possui pequenas vesículas

sensíveis a luz “eyes spot”) poderia ter realizado alguma forma primitiva de visão a qual teria

a função de detectar a direção da luz para fototaxia e, além disso, poderia ter uma forma

primitiva de relógio circadiano, que permitisse a oscilação do animal entre ciclos de claro e

escuro (Gehring e Rosbash, 2003).

Especializado, este órgão fotorreceptor primitivo providencia uma discreta

informação à célula dermal sensível a luz. A localização de fotorreceptores em pequenas

vesículas ou bolsas com pigmentos sensíveis a luz proporciona informação adicional como

observado em Euglena, existem células sensíveis a luz no citoplasma que contém um

pigmento vermelho-alaranjado responsável por essa percepção da luz.

Alguns estudos sugerem que o olho do tipo ciliar é comum a vertebrados e o do tipo

microvilar mais predominante em invertebrados (Land,1992; Fernald, 2000). Entretanto

novas descobertas relacionando o gene “controlador principal” - homeobox, genes

estruturais responsáveis por determinar qual a posição de determinadas estruturas dentro

do organismo - têm revelado um terreno comum aos olhos de praticamente todos os animais

multicelulares (Arendt, 2003).

Durante a evolução do olho, tipos adicionais de células foram surgindo entre elas

células dermais fotossensíveis. Aquelas que compõem as estruturas sensíveis à luz

atingiram sua diversidade máxima na estrutura “olho em câmara” de vertebrados e

cefalópodes, assim como nos olhos compostos de artrópodes (Arendt e Wittbrodt.,2001).

Figura 2 – Foto ilustrativa (D. Arendt), Duas células - olho larval e protótipo pigmento-taça com olho fotoreceptores microvilares em Platynereis dumerilii (Polychaeta, Annelida, Lophotrochozoa). Ultra-estrutura larval 24 h (canto superior esquerdo), (canto superior direito) adulto (72 h) e (estrutura maior abaixo) olhos totalmente crescidos. Em amarelo: células fotoreceptoras microvilar; verde: células de pigmento.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Todos os fotorreceptores sensíveis à luz utilizam um pigmento derivado da vitamina

A e este pigmento está vinculado a uma proteína chamada Opsina. A informação luminosa

ativa a opsina e causa uma mudança na conformação do pigmento fotossensível, o qual

permite que a opsina se ligue a uma proteína G – uma molécula comum e versátil usado em

muitos sinais de transdução por cascata intracelular. Estas semelhanças sugerem que todos

os olhos têm um antepassado evolutivo comum (Arendt, 2001).

Nos vertebrados, a pax6 – importante fator de transcrição no desenvolvimento de

tecidos específicos – é exigida para a formação de praticamente todos os tipos de células da

retina (Marquardt, 2001). Em Drosophila a pax6 é necessária para a formação de todo o

disco dos olhos (Jang, 2003).

Fotorreceptores microvilares são encontrados nos olhos compostos de artrópodes.

Eles aumentam as suas superfícies apicais em numerosas dobras, nas quais a célula

parece ter um achatamento, com a composição de cerdas finas e cerdas membranosas,

apesar de a própria célula poder assumir muitas formas em espécies diferentes. A

Transdução do sinal em fotorreceptores microvilares envolve ativação de fosfolipase C

(PLC) e do inositol tri-fosfato (IP3). Um exemplo de como se dá a formação de imagem pode

ser observado na Fig. 3 (Arendt, 2003; Arendt e Wittbrodt, 2001).

Figura 3 – Representação da formação da imagem no (A) olho composto e no (B) olho em câmara.

olho composto

olho de vertebrados

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Neurociências

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Fotorreceptores ciliares são comuns em vertebrados. Sua característica é um

aumento da área superficial na membrana celular externa, uma modificação do cílio. A

membrana ciliar é expandida e empacotada em dobras profundas de modo que a região de

receptores da célula se parece com uma pilha de discos. Os fotorreceptores ciliares usam

uma via diferente de sinalização, ativam uma fosfodiesterase (PDE) que muda a

concentração de GMP cíclico na célula. Tanto o IP3 e o PDE existem em todos os animais,

a diferença está na via que é utilizada nos diferentes fotorreceptores (Arendt e Wittbrodt,

2001).

Conclusão

As diferenças fundamentais de morfologia, desenvolvimento e estrutura dos

fotorreceptores de diversos tipos de olhos encontrados no reino animal sugerem que os

olhos surgiram independentemente pelo menos 40 vezes, especialmente ao compararmos

as camadas da célula da retina que compõem o olho em câmara dos vertebrados

(ganglionar, plexiforme interna, nuclear interna, plexiforme externa, nuclear externa, externa,

epitélio pigmentar) (Fig. 4 do capítulo anterior). Os sistemas de transdução, por outro lado,

são muito parecidos, desempenhando operações de detecção, amplificação e transmissão

(Randall,1997).

As evidências aqui levantadas nos mostram que existem relações importantes entre

as estruturas básicas dos fotorreceptores e nos levam a refletir sobre o processo de

evolução, onde cada grupo animal enfrentando pressões seletivas nos mais variados

ambientes desenvolveu uma grande diversidade de tipos de olhos, cada um com sua

peculiaridade, atendendo a condições necessárias a sobrevivência do indivíduo e,

conseqüentemente, da espécie.

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Neurociências

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Causa e Função

Pedro Leite Ribeiro Laboratório de Ecofisiologia Evolutiva

[email protected]

Apoiado numa trama de galhinhos de uma trepadeira, a uns 15 cm do solo, um ninho

de tico-tico abriga um só filhote, na primeira semana de vida. Está sossegado, talvez

dormindo, protegido do sol de verão pela folhagem acima. De repente, bem rápida, chega a

tico-tico e habilmente pousa na beirada do ninho. Ato contínuo, o filhote se ergue, pescoço

esticado para cima, o bico escancarado. A fêmea, agitada ou apressada, mete o bico goela

adentro do pidão, retira-o e, girando o corpo, voa para trás, na direção de onde chegou. Não

ficou nem um instante para descansar do sol dardejante de verão. Alguns minutos depois,

ela chega de novo: mais uma refeição. Mais alguns minutos e a cena se repete. No entanto,

ela não vai à exaustão total, e acaba descansando um pouco. O macho não apareceu por ali

(Robert et al., 1961).

A um metro dali, uns 15 cm abaixo da superfície do solo, enclausurada na câmara

que construiu, uma saúva fêmea, conhecida popularmente pelos nomes de içá e tanajura,

põe mais um ovo de alimentação. Não é um ovo normal, do qual eclode uma larva. É bem

maior e é mole, em contraste com a casca dura dos ovos de procriação. Dobrando-se

ventralmente, leva as mandíbulas até a abertura de seu ovipositor, de onde o ovo vem

saindo, pinça-o com precisão, desdobra-se e o coloca delicadamente na boca de uma das

várias larvas que estão todas juntas. Segura-o ali enquanto a larva vai sorvendo sua

refeição (Autuori, 1940).

Bem mais longe, uma outra fêmea, uma mulher, engata a primeira marcha em seu

carro e parte para o shopping center. Na lista que leva na bolsa estão anotados vários itens,

incluindo fraldas, mamadeira, chupetas, leite em pó e um carrinho de bebê. Enquanto dirige,

ela pensa na lista, e faz cálculos de dinheiro. Fica preocupada e percebe que vai ter de

pagar com o cartão de crédito. Ao pensar em cada item, aparece em sua mente a imagem

de um bebê: ela sorri.

Os esforços desmedidos que tantas fêmeas - e também alguns machos, de aves e

outras classes de animais - fazem em favor de suas crias, em evidente desfavor de sua

própria sobrevivência, recebem uma explicação simples da teoria da evolução. Elas estão

cuidando da sobrevivência de seus genes. Foram selecionadas. Se as fêmeas de tico-tico

ficassem descansando na sombra, evitando as fadigas da busca de comida para seus

filhotes, seu dispêndio de energia seria muito menor e correriam menos riscos; porém,

perderiam a prole. Seu cálculo da relação entre custos e benefícios não se completa no

balanço energético de seus próprios organismos; ele inclui a descendência como parte

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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decisiva da equação. Abandonando o ninho, as tico-ticos estariam melhor, precisariam de

menos alimentos para si mesmas, mas não transmitiriam esse comportamento a qualquer

descendente. O cálculo da formiga é um pouco diferente, mas essencialmente o mesmo.

Fazendo o enorme esforço da fundação de um formigueiro, jejuando durante meses,

vivendo de reservas, inclusive absorvendo seus músculos alares, ela não está trocando uma

vida mais fácil pela procriação. Ela é incapaz de sair da câmara subterrânea onde se

encerrou e buscar comida na superfície. E se não construísse a câmara, ficaria

perambulando pelo solo até ser morta ou morrer de inanição (Autuori, 1942, 1941). Sua

única chance de viver depende de conseguir que suas filhas dêem início a um novo

formigueiro. A tico-tico teria uma ou duas novas oportunidades na mesma estação e outras

mais no ano seguinte. Assim como fêmeas férteis dão origem a fêmeas férteis enquanto

fêmeas estéreis não dão origem a nada, mães extremadas dão origem a mães extremadas,

enquanto mães omissas não dão origem a ninguém; são pontos terminais de linhagens. A

função do ovário e de todo o conjunto de órgãos e processos que resultam na produção dos

ovos completa-se com o comportamento reprodutivo. A função de um órgão só se completa

com o comportamento que o usa.

O estudo funcional do comportamento é a busca de suas conseqüências para a

sobrevivência e para a reprodução. É no exame do contexto adaptativo e dos efeitos do

comportamento que podemos descobrir suas funções. Entendido o organismo como um

sistema que está configurado para manter-se e reproduzir-se, com a manutenção

subordinada à reprodução, é no entendimento do papel de cada comportamento que se dá o

estudo funcional. Pois são estas, as funções, o alvo direto das pressões seletivas ao longo

do processo de seleção natural. É comum que os estudantes de Psicologia e Biologia

sintam certo mal-estar com o conceito de função por causa de sua proximidade com as

idéias de meta, fim, finalidade, propósito e objetivo. Trata-se de um desconforto filosófico,

em face do justo receio de adotar uma visão teleológica da evolução, como se o futuro

pudesse determinar o passado. Tal inquietude, no entanto, decorre de um exame superficial

do conceito de função. É claro que é uma tolice rematada conceber a evolução como um

desígnio divino, algo como a realização de um projeto ou o desdobramento de um plano de

alguma forma presente desde sempre. Uma das muitas notáveis propriedades da mente

humana é a sua habilidade de decifrar as intenções por trás do comportamento alheio. Essa

faculdade, tão adaptativa nas relações sociais, facilmente transborda de seu uso funcional

levando-nos à ilusão de perceber intencionalidade e consciência onde elas não existem.

Programando engenhosamente a movimentação de alguns pequenos círculos numa tela de

computador, o leitor poderá demonstrar a um observador sua tendência a interpretar a

movimentação como se houvesse um enredo de fugas e perseguições. Ora, ao aprender

que o estudo científico não pode deixar-se contaminar ingenuamente pela subjetividade, o

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 123

estudante pode hesitar quando se depara com o conceito de função. Contudo, é preciso

entender que a Ciência pode adotar termos de uso corrente sem trazer suas conotações e

implicações. A descoberta de que o canto do tico-tico tem a função de proteger seu território

e seduzir as fêmeas não significa que ele tenha de seu comportamento a mesma

consciência que tem um ser humano em situações análogas. Assim como não há erro

conceitual em descrever as peças de um automóvel dizendo qual é o objetivo de cada uma

delas, ou dizer que um robô procura e usa a tomada para recarregar, ou com o objetivo de

recarregar sua bateria, assim também não há teleologia em reconhecer que a evolução

criou organismos dotados de recursos que dão conta de sua manutenção e reprodução

agindo como se estivessem sendo controlados pelas conseqüências de suas ações.

O controle de suas ações, no entanto, aquilo que os leva a fazer o que fazem a cada

momento, constitui um outro tipo de fenômeno, que devemos chamar de causas do

comportamento. O que leva a içá a fazer cada um de seus movimentos são os estímulos do

ambiente e de seu próprio corpo, seus hormônios e as programações de seu sistema

nervoso. Portanto, a pergunta "por que a içá alimenta as larvas?" tem duas respostas, uma

funcional e outra causal. A observação de que as larvas de formigas são inertes, incapazes

de se alimentarem sozinhas, terá valor no plano funcional. Já a indagação "será que as

larvas dão algum sinal de suas necessidades, ou a produção de ovos de alimentação

obedece a um programa que independe do estado das larvas?" cabe no plano causal.

Investigar se a quantidade de testosterona afeta a freqüência ou a intensidade do canto do

tico-tico é um estudo causal. Já o efeito do canto sobre a preservação do território é uma

questão funcional. Note-se que esse mesmo canto deve também ser entendido como

estímulo que atinge os ouvidos dos machos rivais. Examinado dessa forma, em busca de

como ele controla as ações dos rivais, por exemplo, fazendo-os mais ou menos agressivos,

o canto está dentro de um estudo causal. Essa aparência de que funções se desenvolveram

“para resolver determinados problemas” está relacionada ao fato de que o ambiente

funciona de forma relativamente regular, possibilitando a seleção de programas genéticos,

moldados ao longo de uma prolongada história adaptativa; embora presentemente gerem a

sensação de finalidade na sua construção, podem ser explicados como fruto do acaso

submetido à seleção, portanto, obra da adaptação.

Niko Tinbergen, prêmio Nobel de 1973, organizou o estudo do comportamento em

quatro tipos de resposta à pergunta por quê. A resposta causal, que tem, na maioria das

vezes, o seu entendimento feito através de estudos de fisiologia, a funcional, cujo estudo é

normalmente associado a questões relacionadas com ecologia, e mais duas que não serão

aqui examinadas. Filogênese: por que esta espécie tem esse comportamento? Como

evoluiu? Como se comportavam seus ancestrais? Quais foram as pressões seletivas que o

moldaram? Ontogênese: o repertório comportamental de uma espécie não surge todo no

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 124 Julho/2010

recém-nascido. Como se dá seu desenvolvimento? Por que tal comportamento aparece em

tal idade? Qual é o papel do aprendizado?

O entendimento da diferença entre causa e função serve bem para evitar confusões

conceituais. O esclarecimento da função de um comportamento não resolve o problema

causal, mas é útil para gerar hipóteses sobre os fatores que atuam sobre ele. Existem

mariposas que subitamente, em pleno vôo, deixam-se cair como se tivessem sido

mortalmente feridas. Alguns segundos depois, antes de atingirem o solo, elas recobram seu

vôo normal. A descoberta de que a função desse comportamento é protegê-la do ataque de

morcegos leva-nos a buscar algum órgão receptor do ultra-som usado pelos morcegos em

seu sistema de ecolocação.

Em condições normais, no ambiente natural, os fatores causais e as funções têm um

entrosamento admirável. A receptividade sexual acontece quando o organismo está pronto

para a reprodução, apetites específicos quando ocorrem carências específicas, a sede

quando falta água, e assim por diante. Sim, esse entrosamento torna-se admirável quando

se apreende bem a noção de que uma função não produz por si só o comportamento

correspondente. Não é óbvio que a falta de água leve o animal a beber. Entre a falta de

água nos tecidos e as atividades de procurá-la e ingeri-la, é necessária a ação de fatores

causais adequados, a começar pelo reconhecimento correto do objeto, ou seja, o animal

deve engolir água e não areia ou flores. E deve tomá-la e não atacá-la com mordidas. A

compreensão da diferença entre causa e função tem a virtude de problematizar o

comportamento.

Em condições anormais, seja no ambiente natural seja no laboratório, causas e

funções podem desencontrar-se, revelando de forma dramática como é notável o

entrosamento normal. Lesões do hipotálamo lateral tornam os ratos inapetentes a ponto de

morrerem de inanição com comida abundante ao seu alcance. As vítimas humanas de

anorexia entendem bem a diferença entre precisar de comida e ter fome. Drosófilas

mutantes sem asas movem as patas traseiras como se as estivessem limpando. Alguns

cães domésticos dão uma volta em torno do lugar onde estão prestes a deitar-se para

dormir. Há pelo menos um caso bem documentado de cópula entre um chimpanzé e uma

fêmea babuína. E temos também que estar preparados para encontrar comportamentos cuja

função principal não é sua única função, como a sexualidade dos bonobos que, em

condições normais no ambiente natural, inclui rotineiramente relações entre machos, entre

fêmeas e entre adultos e jovens impúberes. Há alguns casos documentados de adoção

interespecífica (Otoni et al., no prelo). No comportamento lúdico, tão comum em mamíferos,

mas presente também em aves, os jovens fazem coisas de adultos, fora tanto do contexto

funcional como do causal.

Assim como nossa capacidade empática pode induzir-nos ao erro de antropomorfizar

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 125

o comportamento animal, os animais também têm seus transbordamentos motivacionais.

Tais exceções não devem ofuscar o extraordinário ajuste entre causas e funções sem o qual

não haveria manutenção nem reprodução.

Dias antes daquela ensolarada manhã em que a tico-tico cuidava de buscar comida,

ela vinha sendo furtivamente observada por uma fêmea de chupim. Se a percebesse, a tico-

tico talvez tivesse ido embora, abandonando o ninho, para fazer outro em lugar mais seguro.

Não a viu, e a chupim conseguiu botar um ovo junto aos seus. Por predação ou furados pela

chupim, os ovos perderam-se todos, menos um, o da chupim. Foi vã toda a dedicação da

tico-tico. Explorando o sistema causal da hospedeira, a chupim logrou desvirtuar a função

do comportamento da tico-tico, em seu benefício. O parasitismo comportamental é uma lição

fascinante acerca dos modos como o comportamento é controlado. A tico-tico vai continuar

a cuidar do chupim como se fosse seu filho até sua independência, mas terá novas chances

nos anos seguintes (Buzzetti, 2004).

A içá que alimentava as larvas com ordem e precisão perdera a pequena porção de

fungo que pegou do ninho onde nasceu e trouxe na bolsa infrabucal. Essa pelotinha de

fungo era essencial. Ela ia depositá-la com todo o cuidado no chão da câmara, e depois

meticulosamente alimentá-la com suas fezes e fazê-la prosperar. Sem esse jardim de fungo,

seu esforço é vão. Ela continuará a alimentar as larvas, que se tornarão pupas e depois

obreiras que vão cavar um túnel para cima e procurar alimento na superfície. Porém, sem

fungo, o alimento será inútil e mãe e filhas não vão durar muito. Mesmo tendo perdido o

fungo, a içá continuou a responder aos estímulos presentes. Não existe nenhuma

possibilidade de a seleção natural operar e cancelar essa inércia comportamental.

O bebê cuja lembrança fez sorrir a mulher que ia ao shopping center preocupada

com a despesa não é seu filho. É filho de uma amiga, mãe solteira, que está sem dinheiro.

O filho foi planejado. Ela tinha um bom emprego. Não queria casar-se e procurou um

homem com o único fim de ter o filho. Perdeu o emprego e sua vida ficou complicada. A

amiga, solidária, está feliz de poder ajudar. A complexidade do comportamento humano é

um desafio para a análise de causas e funções. O comportamento da mulher que presenteia

não parece ser um excesso de cuidados maternais. Lembra mais os comportamentos

altruístas de fortalecimento de vínculos interpessoais, comuns em animais sociais. Já o

comportamento da mãe, ao planejar o filho, parece inverter ou fundir a relação entre causa e

função. Diferentemente de qualquer outro animal, ela conhece a relação entre a cópula e a

gravidez e entre esta e o nascimento de uma criança. Mesmo que tivesse aversão ao ato

sexual, ela poderia lançar mão da inseminação artificial. O filho, neste caso imaginário

específico, não é a conseqüência desconhecida ou desconsiderada da atividade sexual.

Isso foi assim, na pré-história, antes de nossos ancestrais descobrirem a relação entre sexo

e procriação. No caso que estamos examinando, a reprodução, que normalmente reside no

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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plano funcional, é uma causa dos comportamentos da mãe. Pode-se fazer uma analogia

com o comportamento de busca de algo perdido, que muitos animais são capazes de fazer.

Uma fêmea que se perca de seu filhote e saia a procurá-lo também constitui um caso em

que a distinção entre causa e função fica reduzida ou anulada. A memória e a capacidade

cognitiva permitem que um animal se comporte em relação a um objeto do qual não recebe

qualquer estimulação. O comportamento nesse caso tem a função de encontrar o objeto que

é também parte de suas causas.

Em nós, humanos, a cultura trouxe alterações importantes tanto ao plano causal quanto ao

funcional. Ela não destruiu os sistemas que operavam antes de sua origem. Ela os

transformou em algo que ainda não conseguimos entender. Curiosamente, a cultura criou os

recursos que nos permitem organizar o pensamento científico e com ele progredir no

entendimento do que fazem os outros animais, mas não se revela facilmente a si mesma. As

próprias causas e funções de seu desenvolvimento constituem um desafio difícil que ainda é

objeto de debate entre os que se dedicam a elucidá-las. Com métodos de observação e

experimentação cada vez mais refinados, biólogos e psicólogos vêm progredindo de modo

acelerado no estudo do comportamento animal e humano. A pergunta "Por que esse animal

está se comportando desse modo?" recebe respostas cada vez mais amplas e

convincentes. Quando trocamos animal por ser humano nessa indagação, as respostas são

mais hesitantes, porém o progresso é indiscutível, e as próximas décadas deverão

proporcionar descobertas fascinantes (Lorenz, 1981).

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Neurociências

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Percepção

Felipe Viegas Rodrigues Laboratório de Neurociência e Comportamento

[email protected]

Percepção é um função do sistema nervoso central que depende do entendimento

dos sistemas sensoriais, mas vai além destes. Entender percepção é entender não somente

como percebemos alguma coisa (seja vendo, ouvindo ou sentindo estímulos), mas também

por que percebemos e quais as implicações para com outros aspectos da cognição, como a

memória ou a atenção. Falar em percepção é falar sobre os córtices associativos.

Esse campo de estudo lida com dois problemas: (1) como todos os aspectos de

um estímulo sensorial são entendidos e processados (cor, forma, movimento para visão;

intensidade, timbre, altura para audição, por exemplo) e (2) qual a relação com outras

funções da cognição, especialmente atenção e memória.

Uma das principais diferenças entre a percepção e as sensações é a constância

perceptual. Tome por exemplo a Fig. 1. Não importa qual a posição do carro mostrado na

figura, sabemos que se trata do mesmo carro, apesar das quatro imagens serem distintas e

provocarem estimulações diferentes nas porções iniciais do sistema visual. O mesmo

princípio é verdadeiro para a percepção de uma mesma nota musical tocada por

instrumentos diferentes. Embora as frequências produzidas por eles sejam diferentes, com

alterações dos harmônicos que compõem o som resultante (dando a cada instrumento seu

timbre), a percepção de uma determinada nota é mantida.

A constância perceptual só é possível pela integração da informação sensorial

com a informação de outras regiões encefálicas, inclusive (ou talvez principalmente) das

memórias adquiridas ao longo da vida. Esse mecanismo depende, portanto, de aprendizado

e ele é possivelmente uma

particularidade da espécie humana.

Experimente colocar um capacete de

ciclismo (que cobre apenas a parte

superior da cabeça) e aparecer

diante do seu cachorro. Ele

seguramente o estranhará. Por outro

lado, o reconhecerá pelo cheiro e

voz, o que o fará parar de hesitar

após algum tempo. Humanos são

únicos em sua capacidade de

abstração, capazes de ver um tronco

Figura 1 – A imagem na retina é imensamente diferentepara os quatro desenhos. Ainda assim, perceptualmentelogo nos damos conta de que se trata do mesmo carro.Retirado de Gazzaniga, Ivry e Mangun (2006).

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cortado em uma floresta e imediatamente pensar: “Que bom! Um banco para descansar!”.

O interesse pelos mecanismos de percepção veio a partir de casos clínicos de

lesões cerebrais, em geral por acidentes vasculares cerebrais (AVC), em que os pacientes

tiveram comprometimento da percepção. Tais pessoas se tornaram incapazes de

reconhecer objetos ou pessoas que antes lhes eram muito familiares. Uma investigação

minuciosa evidencia que tais pessoas podem descrever em detalhes o que lhes é pedido, o

que descarta problemas de memória. Mais do que isso, a estimulação por outra modalidade

sensorial resulta em imediata identificação do objeto ou pessoa em questão, levando ao

entendimento de que o problema é perceptual e, em geral, associado a apenas uma

modalidade sensorial. Ao conjunto de sintomas de incapacidade de percepção é dado o

nome agnosia.

Vias perceptuais

As lesões cerebrais que levam a problemas de percepção frequentemente são

aquelas que ocorrem em áreas dos córtices parietal posterior, temporal inferior ou face

lateral do córtex occipital. Essas regiões encontram-se na confluência das áreas sensoriais

e, como já mencionado, são parte dos chamados córtices associativos, pois recebem

aferências corticais das regiões sensoriais e integram aferências múltiplas para

desempenhar funções cognitivas supramodais e comportamentais específicas. Algumas

dessas regiões são neoformações em primatas e elas constituem a maior parte do córtex

cerebral, particularmente no caso da espécie humana (Preuss, 2006).

Visão

O sistema visual é a modalidade mais estudada de todos os sistemas sensoriais

conhecidos. No capítulo sobre fisiologia sensorial foi possível entender como se dá o

processo de transdução do estímulo luminoso em sinal elétrico e como essa informação é

levada até o córtex. Vamos elucidar agora como essa informação é manipulada e integrada

com informações de outras regiões corticais para, de fato, entender como percebemos.

A informação que chega até o córtex visual não para em V1, pelo contrário, essa

informação continua avançando por diferentes regiões, adentrando os córtices temporal

inferior e parietal posterior, passando por populações de neurônios especializadas no

processamento de características específicas de um estímulo visual. Uma particularidade

desse sistema sequencial é que a cada conjunto de sinapses que são realizadas a partir de

V1, mais fibras vão convergindo na rede neural. Com esse arranjo, quanto mais adiante na

sequência esteja uma população de neurônios, mais específica é sua função no

processamento visual: enquanto aquelas no início da cadeia de processamento disparam

para simples estímulos em forma de barra (com populações específicas para as diversas

angulações possíveis dessa barra), há neurônios mais adiante nessa cadeia que só

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 129

dispararão para combinações

dessas barras ou se o estímulo

em questão tiver

características de um móvel

(Fig. 2).

Apesar do arranjo sequencial,

as evidências atuais apontam

para um processamento em

paralelo dessas diversas

regiões. Casos clínicos de

pacientes que tiveram um AVC

em regiões muito específicas

do encéfalo (nos córtices

associativos) revelam a perda

de percepção de algum

componente da visão, como

movimento ou cor, mas não de

outras características, mesmo

que estas sejam processadas

mais adiante na sequência de

processamento visual. O maior

tempo de reação para

detecção de um estímulo visual quando mais de uma característica precisa ser analisada

em um teste perceptual (cor e forma, por exemplo) também reforça a ideia do

processamento em paralelo. Se apenas uma das características for necessária para a

detecção do estímulo, independente de qual delas, o tempo de reação é menor.

Na Fig. 3 pode ser vista uma representação das diferentes regiões de

processamento visual e o papel de cada uma delas na construção de um percepto visual.

Vale ressaltar que o arranjo existente nos permite definir uma via dorsal e outra ventral de

processamento. Através da via dorsal, podemos entender “onde” vemos um objeto, já que

essa via nos trás informações sobre movimento e posição espacial de um objeto. Já a via

ventral nos traz informações de “o quê” vemos, permitindo identificar características como

cor e forma de um objeto.

Figura 2 – Estrutura sequencial na organização dos córtices associativos do SNC. Quanto mais adiante na sequência, mais complexo é o estímulo para qual a população de neurônios irá responder. Modificado de Lent, 2006.

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Figura 3 – Vias paralelas de processamento do estímulo visual: via dorsal (córtex parietal posterior), para processamento de informações sobre localização espacial e movimento, e uma via ventral (córtex temporal inferior), para processamento de informações como cor e forma do objeto em questão. Retirado de Kandel e col. (2000).

Evidências clínicas, mais uma vez, não deixam dúvidas de que essas vias

colaboram de forma independente para a percepção de um objeto qualquer. Um paciente

com lesão em regiões da via ventral poderá afirmar não existir uma caneta (objeto) sobre

uma mesa diante dele. Apesar disso, se ele for instruído a imaginar um objeto sobre a mesa

e demonstrar como seria o movimento para pegar esse objeto, esse indivíduo faria o

movimento correto e até mesmo poderia pegar a caneta. A ativação de todas as regiões

corticais é necessária para que possamos ter a “correta” percepção de um objeto à nossa

frente; o uso de aspas justifica-se porque, falando-se em percepção, simplesmente não há

“correto”, mas sim uma experiência pessoal que é fortemente influenciada pelas nossas

memórias, emoções e a atenção deslocada a um dado estímulo do ambiente. Falaremos

mais sobre isso nos tópicos seguintes.

Audição

O sistema auditório e seus córtices associativos adjacentes têm sido mais bem

estudados nos últimos anos. Novos experimentos têm trazido evidências de que o

processamento de diferentes características do som também ocorre em diferentes regiões

corticais. Semelhantemente ao sistema visual, existem duas vias de saída para os córtices

associativos: uma anteroventral, relacionada à percepção de características do som como

timbre e tonalidade; e outra posterodorsal para a percepção de características espaciais e

localização do estímulo.

De fato, Bendor e Wang (2005) encontraram no córtex auditivo de saguis-comuns

(na região anteroventral) neurônios capazes de perceber tons, isto é, que disparam para

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Neurociências

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uma determinada frequência e também para seus múltiplos. Essa relação entre frequências

é exatamente aquela encontrada entre duas oitavas musicais. Essa população de neurônios

provavelmente existe também em outras espécies de primatas, incluindo os humanos. É

possivelmente pelo disparo desses neurônios que identificamos as notas semelhantes entre

dois instrumentos musicais diferentes. Como no carro da Figura 1, é a constância perceptual

para estímulos sonoros.

Por outro lado (ou, melhor dizendo, por outra via...), morcegos são um exemplo

brilhante do funcionamento da via posterodorsal e a capacidade de localização por

estímulos sonoros. Acredita-se que eles sejam capazes de estabelecer um mapa do

ambiente por onde se locomovem tão preciso quanto aquele que estabelecemos pela

estimulação visual. Tentar imaginar algo como isso é quase impossível, mas, novamente,

isto é apenas um reflexo da forma como percebemos o mundo. Seria como tentar imaginar

como um cego (de nascença) percebe o mundo. Embora você provavelmente tenha

pensado em fechar seus olhos e prestar atenção aos sons, cheiros e pressões (táteis) ao

seu redor, isto não é o que um cego percebe do mundo. Para ele a estimulação visual nunca

existiu, logo, perceber o mundo não é “ver” uma imagem preta e atentar às outras

sensações. Para ele, são apenas as outras sensações.

Há casos bem documentados de pessoas que conseguiram desenvolver a

capacidade de se ecolocalizar (como os morcegos) para se locomover. Essas pessoas

parecem criar mapas rudimentares do ambiente, precisos o suficiente para se locomoverem

sem maiores problemas.

Memórias atentas ao contexto

Em diversos mamíferos, após um estímulo percorrer todos os circuitos

necessários à sua percepção (ainda que de forma inconsciente), invariavelmente ele

chegará à região anterior do lobo frontal (ou estruturas homólogas). Essa região está

envolvida com memória operacional e atenção, especialmente no caso de primatas (e

possivelmente em outros mamíferos), e é onde o estímulo será integrado com memórias

passadas e, se o estímulo tiver maior relevância para o organismo (ou simplesmente se for

um estímulo muito forte – como um ruído muito alto), ganhará maior processamento neural

destes circuitos, resultando em um fenômeno que chamamos comumente de atenção.

É interessante notar que a definição de qual estímulo receberá atenção em um

dado momento também dependerá do contexto em que se encontra uma pessoa. Imagine-

se na sua rotina diária no colégio alguns anos atrás. Você consegue se lembrar com que

facilidade você percebia o sinal da sua escola soar perto do horário de ir embora? Ou

mesmo quantos “alarmes-falsos” você tinha durante essa espera? Da mesma forma,

círculos vermelhos não devem significar nada para você neste exato momento, mas eles

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terão muita importância quando estiver dirigindo para algum lugar. Essas diferenças sutis

naquilo que percebemos são produto de ativação de circuitos de atenção e das memórias

que acumulamos ao longo da vida.

Ilusões e hemisférios cerebrais

Ter memórias significa aprender sobre o ambiente que nos rodeia. Quando essas

memórias são integradas com nossa percepção, não é raro que tenhamos uma visão

distorcida daquilo que está diante de nós. Tome por exemplo a Fig. 4A. Qual das duas

barras horizontais é maior? À primeira vista, todos dirão que a barra superior é maior.

Apenas alguns, após uma análise mais cuidadosa, dirão que ambas tem o mesmo tamanho.

Isso não significa que falhamos em enxergar. Apenas nos deixamos levar pelo aprendizado

que tivemos em toda nossa vida: ao longo dos anos,

vemos que linhas de mesmo tamanho parecem menores

quanto mais distantes elas estão de nós. As barras

convergentes na Fig. 4 criam a ilusão de algo que se

distancia. Assim, percebemos as barras paralelas como

sendo de diferentes tamanhos. Olhe a Fig. 4B e isso

ficará ainda mais claro.

(A) (B)

Nosso treino para perceber formas geométricas nos faz enxergá-las até mesmo

onde elas não existem. A Fig. 5 sugere o formato de um triângulo, mas sem todas as suas

bordas esperadas, de fato. A figura é conhecida como Triângulo de Kanisa. Algumas

pessoas chegam a dizer que ele é mais branco que as áreas em volta! A explicação direta é

que nos acostumamos a enxergar com mais luz algo que está em primeiro plano.

As ilusões de óptica não se resumem apenas a fenômenos mnemônicos (que

dizem respeito à memória). Há também efeitos causados pelos próprios receptores

sensoriais. Você provavelmente já se deparou com imagens como as que estão na Fig. 6. A

estimulação de um determinado receptor retiniano para cor por um período prolongado leva

à percepção da cor complementar correspondente, o que faz com que, ao olhar para um

Figura 4 – Ilusão de Ponzo. As linhas paralelas em (A) parecem ter diferentes tamanhos, apesar de serem iguais. Em (B) uma possível explicação biológica para esse efeito.

Figura 5 – Triângulo de Kanisa.

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Neurociências

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fundo neutro (branco, preto ou qualquer tom de cinza), perceba-se cores trocadas na

imagem.

Figura 6 – Efeito de pós-imagem. Uma ilusão criada pelos receptores sensoriais quando superestimulados por uma determinada cor. Olhe fixamente por cerca de 30 segundos para qualquer um dos pontos pretos nas imagens e, em seguida, para uma parede branca. O que você vê?

Essa questão torna-se extremamente importante quando pensamos em contraste.

A percepção de uma cor em um determinado momento é influenciada não somente pela cor

em si, mas pelas cores em volta da mesma. Quão diferentes são as cores dos quadrados

“A” e “B” na Fig. 7? A resposta correta é: nada diferentes! Não há modificações! Isso

acontece porque as cores ao redor da cor atentada influenciam a percepção da mesma.

Figura 7 - Os quadrados “A” e “B” da figura são diferentes na cor? Não! Os quadrados não são diferentes!

De forma mais ampla, somos influenciados por diferenças entre nossos

hemisférios cerebrais. Apesar de estes trabalharem sempre em conjunto, com

ativações bilaterais, diferenças sutis na ativação refletem certas dominâncias inter-

hemisféricas que podem também resultar em diferenças na percepção. Testes com

pacientes que sofreram um AVC e estudos com animais lesionados sugerem que o

hemisfério esquerdo se encarrega primordialmente da percepção de detalhes de

uma imagem, enquanto que o hemisfério direito se encarrega das características

globais. Veja na Fig. 8 como estes pacientes desempenham em um teste simples de

cópia de uma figura. Essas diferenças manifestam-se também na percepção de

figuras com conteúdo ambíguo. O que você percebe à primeira vista na Fig. 9?

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Figura 8 – Desempenho de pacientes com hemisférios cerebrais paralisados em um teste de cópia de figura. Pacientes que tem apenas o hemisfério esquerdo funcionante, percebem os detalhes das imagens originais, mas perdem a forma global. Por outro lado, pacientes com apenas o hemisfério direito funcionante percebem a forma global, mas não se dão conta dos detalhes. Retirado de Lent, 2006.

Sinestesia

A sinestesia é um caso muito específico de percepção em que uma

determinada modalidade sensorial gera a

percepção de outra modalidade. Um dos

eventos mais frequentes é a percepção

secundária de cores após a estimulação

primária por um grafema, seja um número ou

uma letra (ou até mesmo palavras). A

percepção induzida pelo estímulo primário é

sempre muito específica e unidirecional (a

estimulação pelo percepto induzido não gera

a percepção do estímulo indutor pareado,

isto é, se a palavra “casa” induz a percepção

da cor amarela, o contrário não acontecerá).

Um sinesteta pode repetir mais de centenas

de pares de percepções com pouco ou

nenhum erro.

Frequentemente a percepção induzida é a de cores, seja por grafemas,

como dito acima, ou por sons (palavras em geral); mas há relatos bem

Figura 9 – O que você vê nesse quadro?

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Neurociências

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documentados de palavras gerando percepção de gostos, gostos gerando formas,

cheiros para cores e, mais curiosamente, música (ou intervalos tonais ou

simplesmente tons) para cores ou formas. As percepções secundárias de gostos e

também cheiros são menos comuns, embora exista pelo menos um caso bem

documentado de percepção secundária de gostos induzida por intervalos tonais

(musicais). A mesma pessoa reporta possuir o caso mais comum de sinestesia entre

tonalidades musicais e cores.

A investigação sobre o fenômeno é ainda muito recente e algumas

perguntas básicas sobre o assunto só agora começaram a ser respondidas. Em

relação aos mecanismos neurais que possibilitam a sinestesia, duas proposições

foram feitas: alterações estruturais e alterações funcionais. A Fig. 10 apresenta um

resumo dos modelos de mecanismos possíveis.

Figura 10 - Modelos de Sinestesia. Os modelos diferem na rota proposta de ativação cruzada (direta ou indireta) entre as regiões indutora e concorrente e nas diferenças subjacentes ao sinesteta (estruturais ou funcionais). Regiões em amarelo estão ativas (começando pela região indutora) e, em azul, inativas. Conexões excitatórias são mostradas como flechas e inibitórias como pontas em traço. Linhas pontilhadas representam conexões presentes estruturalmente, mas funcionalmente inativas. Modificado de Bargary e Mitchell (2008).

As evidências de casos clínicos e fenomenologia da sinestesia apontam

mais fortemente para alterações estruturais na conectividade cerebral, com ligações

anormais entre as regiões indutora e induzida no cérebro de sinestetas (Bargary e

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Mitchell, 2008). Vale ressaltar que diferentes possuidores de uma mesma sinestesia

(tons para cores, por exemplo) podem reportar associações diferentes para a cor

induzida. Se um deles disser que um dó maior é azul, o outro poderá dizer: “Isto está

errado!”. Não se sabe por que a indução de cores é muito mais frequente que a

indução de outras percepções.

Diferenças na manifestação da sinestesia ainda levaram à sugestão de

uma classificação em dois tipos de sinestetas: (1) de ordem baixa e (2) de ordem

alta (Ramachandran e Hubbard, 2003). Essa divisão leva em consideração o estágio

de processamento em que ocorre o fenômeno perceptual. Sinestetas de ordem

baixa tendem a ter o efeito de indução apenas com estímulos muito específicos, por

exemplo: números escritos na língua de origem. Já os sinestetas de ordem alta têm

o efeito de indução toda vez que o conceito que um determinado indutor sugere está

presente. Tomando por base o exemplo anterior, nos sinestetas de ordem alta

mesmo algarismos escritos em números romanos (que nada mais são do que letras)

poderiam gerar a percepção induzida.

A incidência da sinestesia na população mundial é de algo entre 1% e 4%

(Simner e colaboradores, 2006), um valor bem diferente dos 0,05% anteriormente

sugeridos. Estudos em primatas dão indícios de que essas conexões “anormais”

estão naturalmente presentes no organismo durante a fase fetal e o período de

lactância, mas após esse período essa hiperconectividade de regiões sensoriais

tende a ser removida do cérebro. Isto ainda não fora comprovado em recém-

nascidos humanos, mas observações comportamentais levam à sugestão de que há

uma “confusão sinestésica” nas primeiras semanas de vida. A plena maturação

perceptual e a segregação dos sentidos viriam apenas após alguns poucos meses

de vida, portanto. De qualquer forma, não ouse afirmar que um sinesteta tem

sentidos menos maduros ou perguntar a ele “como é viver assim?”. A resposta

sempre presente após essa pergunta é: “Como você vive assim?!”.

Concluir é um problema

Uma das maiores questões ainda não respondidas com respeito à

percepção é como geramos um percepto único das estimulações constantes à

nossa frente se aspectos diferentes de um estímulo são processados em regiões

distintas do córtex cerebral (e.g. cor, forma, movimento, etc., no caso da visão). É o

chamado binding problem.

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 137

Uma das possíveis explicações para a forma como geramos um percepto é

a de que, pelo sequenciamento de neurônios no encéfalo, com cada vez mais

neurônios se juntando em um próximo neurônio (e, consequentemente,

complexando o estímulo processado), ao final do processamento, invariavelmente

todas as informações sobre o estímulo estariam ali reunidas. A quantidade de

regiões envolvidas e a divisão do processamento em duas vias (dorsal e ventral),

porém, não favorece essa explicação.

Parece mais plausível aos pesquisadores que o encéfalo forme um

percepto único pela sincronização do disparo dos neurônios das diferentes regiões

corticais, ainda que cada uma delas esteja envolvida no processamento de distintos

aspectos de um estímulo apresentado. Essa explicação, porém, ainda carece de

comprovações.

O estudo de casos de sinestesia tem trazido algumas colaborações para

aquilo que entendemos sobre percepção. Alguns sinestetas relatam a percepção de

cores estranhas, diferentes de qualquer cor que eles já tenham visto em algum

objeto ou lugar. Um deles chegou a chamar essas percepções sinestésicas de

“cores marcianas”. Ramachandran e Hubbard (2003) atribuem essas cores

estranhas à ligação cruzada (ou direta) de um córtex sensorial para outro, o que

“desviaria” o processamento de estágios iniciais da percepção de cores. Segundo os

autores, isso sugere que a experiência subjetiva da percepção de cores depende

não só do processamento final, mas de todo o padrão de atividade neural que leva à

formação de um percepto, incluindo as fases iniciais do processo.

Estando certa ou não a sugestão dada por Ramachandran e Hubbard (2003), fica

claro que ainda precisamos entender muito sobre os mecanismos pelos quais

simplesmente percebemos o mundo que está ao nosso redor. Ou talvez um dia

tenhamos a certeza de que, desde sempre, apenas representamos internamente o

que é percebido externamente. Pelo menos é isso que os estudos sobre atenção e

memória sugerem cada vez mais fortemente.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Neurociências

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Memória e seus aspectos evolutivos

Leopoldo Barletta Marchelli Laboratório de Neurociência e Comportamento

[email protected]

Das propriedades que emergem da organização e funcionamento do sistema

nervoso, a memória é tida como um dos resultados mais fascinantes. O que demonstra a

presença de memória em um organismo é a capacidade que ele tem de alterar seu

comportamento em virtude de experiências anteriores. Essa propriedade manifesta-se em

humanos de diferentes maneiras, por exemplo, na execução habilidosa de uma ação

motora, no relato de uma experiência de infância, na lembrança de locais específicos e

pessoas conhecidas, aprendizagem de conceitos, ou no próprio uso da linguagem e suas

regras.

A grande capacidade de interagir com o meio e armazenar informações provenientes

dele, permite que determinados organismos eventualmente aprendam sobre informações e

regras ambientais relevantes (altamente informativas). Isso ocorre na medida em que o

sistema nervoso reage a estímulos e às suas contingências espaciais (onde) e temporais

(quando). Ainda sim, o sistema nervoso é capaz de detectar relações entre esses eventos e

suas respostas, num processo de aprendizagem que tem como conseqüência a

transformação de sua própria estrutura e funcionamento. Com o acúmulo de informações

sobre experiências anteriores, organismos portadores de sistemas de memória passam a

detectar regularidades e de certa forma prever o ambiente. Desta forma, podem relacionar

grandes quantidades de informações passadas e presentes e selecionar quais receberão

um processamento preferencial por meio do direcionamento da atenção.

O fato de um organismo portar sistemas capazes de armazenar e processar

determinadas informações confere a ele considerável vantagem adaptativa. Em função de

experiências prévias podem flexibilizar o controle de seus comportamentos e gerar

respostas mais adequadas às demandas ambientais. Isso lhes garante um repertório de

soluções para os mais diversos problemas que a sobrevivência impõe

Aspectos evolutivos e comportamentais

Aos olhos da teoria proposta por Charles Darwin em 1859, sistemas biológicos são

tidos como produtos da evolução por seleção natural, que pode favorecer o

desenvolvimento de um sistema mais adaptado. Há de se ressaltar que todo o processo

evolução das espécies, ocorre de maneira constante, lenta e gradual.

Além de a seleção atuar sobre estruturas e mecanismos, ela age também

selecionando comportamentos. Por exemplo, se um ambiente é relativamente simples e

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 140 Julho/2010

possui certa regularidade, a seleção natural pode favorecer indivíduos que sejam capazes

de gerar “previsões” de tal ambiente e responder de maneira antecipatória. Neste caso

esses indivíduos estariam então mais aptos para tal ambiente. Se, no entanto, a

complexidade de tal ambiente aumentar, a imprevisibilidade pode tornar-se um problema.

Indivíduos que tiverem um sistema mais flexível, capaz de obter e armazenar o máximo de

informações relevantes sobre o ambiente, estarão mais aptos a reagirem prontamente a

estímulos ambientais. Assim sendo, serão capazes de solucionarem problemas de maneira

antecipatória quando um padrão regular puder ser identificado.

O comportamento antecipatório baseia-se na combinação de informações temporais

e espaciais. A habilidade de adquirir e armazenar tais conhecimentos pode favorecer a

previsão de eventos e suas conseqüências que necessariamente determinam uma ação

(resposta a esse evento). Uma vez gerada a previsão de um evento, artifícios antecipatórios

possibilitam que planos de ação sejam elaborados antes mesmo da ocorrência desse

evento. Em outras palavras, além de planejar uma ação antes de sua execução, fazendo

uso de processos antecipatórios, o individuo pode responder a um estímulo de maneira

antecipada. Do ponto de vista evolutivo, isso pode ser altamente vantajoso, pois isso

possibilita avaliar consequências futuras de ações correntes, sem comprometer de algum

modo a integridade do sistema no desempenho da ação.

A evolução do sistema nervoso, sobretudo dos processos de memória, parece estar

relacionada com a idéia do desenvolvimento de sistemas seletivos capazes de lidar com

diferentes demandas ambientais que surgem ao longo vida do individuo. Tais demandas

sugerem a existência de diferentes sistemas de memória, que podem ser caracterizados

como especializações adaptativas que lidam com problemas específicos do animal no seu

ambiente. Eventualmente adaptações que servem para a resolução de um dado problema,

podem não ser tão efetivas assim para outros problemas também presentes no ambiente.

No entanto, o surgimento de diferentes sistemas de memória, com regras de operações

essencialmente diferentes, faz com que indivíduos possam lidar com uma grande variedade

de problemas.

Indivíduos capazes de identificar estímulos, prever o ambiente e gerar as

“inferências” e respostas mais adequadas, se beneficiarão; estarão mais aptos para

determinado ambiente. Portanto, a resolução de problemas e a emissão de comportamentos

antecipatórios, ações essas baseadas em experiências anteriores, conferem ao repertório

comportamental do organismo alto valor adaptativo. Uma vez que a emissão de

determinados comportamentos diante de algumas situações traz ganhos adaptativos,

parece razoável considerar que a memória seja um dos resultados de maior sucesso ao

longo da evolução biológica.

Suporte aos sistemas de memória

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 141

O funcionamento dos sistemas de memória implica no armazenamento de uma

quantidade substancial de informações sobre o ambiente, sobre suas regularidades e sobre

os efeitos de ações anteriores. Essas informações ficam inteiramente armazenadas no

sistema nervoso do indivíduo. Assim, os sistemas de memória são claramente dependentes

da estrutura e do funcionamento do sistema nervoso, que por sua vez, possui bilhões de

neurônios, células nervosas capazes de conduzir impulsos elétricos e processar

informações. Além disso, as conexões entre os neurônios podem estar arranjadas de

diversas maneiras para formar circuitos definidos. Levando em consideração tais

possibilidades de combinação, é possível imaginar a complexidade dos substratos que

armazenam informações no sistema nervoso.

Basicamente o processamento neuronal recebe a informação, avalia e passar o sinal

a outros neurônios. Uma mensagem passa de um neurônio para outro através de sinapses.

Cada neurônio envia projeções para milhares de outros neurônios e, por sua vez, recebe

projeções de outros milhares de neurônios. Por essa projeções passam sinais que ativam o

sistema de diferentes maneiras. Quando muitos sinais sinápticos de entrada são

transformados em um único sinal de saída, temos um processo de computação neural.

Alguns desses sinais de saída podem provocar aumento da ativação de algumas vias e uma

diminuição em outras, deste modo, sinais de entrada combinam-se de maneira a gerar

informações muito mais elaboradas do que uma simples somação de sinais. É nesse

momento que ocorre modulação do processamento de informações.

Conectadas aos neurônios, há células especializadas para a recepção de

informações ambientais (receptores sensoriais), que transformam diferentes formas de

energia (e.g. luz, som, odores etc.) em potenciais elétricos, isto é, estímulos de diversas

naturezas que se transformam em sinais elétricos, influenciando assim tanto a atividade

elétrica quanto a química dos neurônios. Essas informações sensoriais, sob a forma de

impulsos elétricos, são transmitidas por circuitos definidos do sistema nervoso, havendo

circuitos neurais dedicados ao processamento preferencial de informações de cada uma das

modalidades sensoriais, e outros circuitos responsáveis pela integração de informações de

diferentes modalidades sensoriais.

Aspectos fisiológicos da memória

Pressupõe-se que a atividade eletrofisiológica, gerada por atividade espontânea,

estímulos ambientais e respostas a esses estímulos, desencadeie processos que levam à

alteração da conectividade entre células nervosas, alterando a transmissão de impulsos

elétricos por esses circuitos neurais. Todas essas modificações provocadas em elementos

constituintes do sistema nervoso caracterizam (representam) assim o armazenamento de

informações, as memórias. Uma decorrência lógica dessa suposição é que seja possível

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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detectar a ocorrência de alterações bioquímicas associadas à alteração da conectividade

nervosa relacionada ao processo de formação de memórias.

O conhecimento atual sobre memória é resultado do trabalho de inúmeros

personagens. Gold e colaboradores (1970) expuseram ratos a uma câmara clara conectada,

por uma porta tipo guilhotina, a uma câmara escura cujo assoalho é constituído de barras

metálicas eletrificáveis. Os ratos rapidamente entram na câmara escura; após entrarem

nessa câmara, levam um choque nas patas. Em uma etapa de teste, realizada 24 horas

depois, os animais inseridos na câmara clara não entram na câmara escura (ver a barra

vermelha da Fig. 1). Animais de um grupo controle, que não receberam choque nas patas

no dia anterior, entram rapidamente na câmara escura (ver barra verde da Fig. 1). Em

experimentos adicionais, depois do treinamento com choque nas patas, foram aplicadas

correntes elétricas no sistema nervoso dos animais com diferentes intervalos de tempo entre

o choque na pata e o choque eletroconvulsivo (ver Fig. 1 - esquerda). Observa-se que

quanto menor o intervalo de tempo entre o choque nas patas e o choque no sistema

nervoso, maior é o prejuízo de memória aversiva sobre o ambiente escuro. À medida que

esse intervalo de tempo aumenta, menor é o efeito, como se o choque eletroconvulsivo

perdesse sua efetividade para evitar sua consolidação. (ver Fig. 1 – direita: barras de cor

laranja).

Figura 1 – Experimento de Gold e colaboradores (1970). A organização temporal dos eventos

(esquerda) e os resultados (direita): o tempo que os ratos submetidos aos diferentes tratamentos

demoraram para entrar na câmara escura – quanto menor o intervalo de tempo entre o choque nas

patas e o choque eletroconvulsivo menor é a lembrança do evento aversivo. Modificado de Pavão

(2009), Xavier (2004) e Gold (1970).

Outro experimento que trata de questões fisiológicas sobre a memória foi feito por

Shashoua (síntese publicada em 1985). O experimentador prendeu um flutuador nas

nadadeiras peitorais de peixinhos dourados para fazer com que os animais ficassem em

posição desconfortável. Após longo esforço de cerca de 3 horas, alguns peixes voltaram à

posição normal, apesar do flutuador (Fig. 2, treino inicial representado pela curva verde). Se

Intervalo de tempo entre choque naspatas e choque eletroconvulsivo (S).

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Neurociências

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o flutuador for removido e recolocado três dias depois, os animais realizam a tarefa mais

rapidamente; i.e., os peixes retornam à posição normal em apenas 15 minutos, o que indica

que eles aprenderam e retiveram a solução desse desafio (Fig. 2, curva azul) (para detalhes

sobre esses experimentos, ver Helene e Xavier, 2007). Em outro teste, Shashoua (1985)

injetou valina marcada com hidrogênio radioativo (valina-H*) no ventrículo encefálico de

animais que ficaram por 4h com o flutuador, e valina marcada com carbono radioativo

(valina-C*) no ventrículo de animais que não foram treinados. Os encéfalos dos animais dos

dois grupos foram homogeneizados conjuntamente e as proteínas foram separadas por

peso molecular. A maioria das proteínas presentes estava marcada tanto com valina-H*

quando com valina-C*; porém, algumas delas estavam mais marcadas com valina-H*,

indicando que elas foram incorporadas no cérebro dos animais que aprenderam a tarefa;

essas proteínas foram denominadas ependiminas. Num terceiro teste, as ependiminas

foram isoladas e injetadas em coelhos para produção de anticorpos específicos contra as

ependiminas. Então, os anticorpos foram injetados no ventrículo encefálico de peixes que

tinham acabado de aprender a tarefa de nadar com o flutuador; no teste de memória

realizado 3 dias depois, esses peixes demoraram cerca de 3h para voltar à posição normal

(Fig. 2, curva vermelha). Ou seja, esses animais comportaram-se como se nunca tivessem

sido submetidos ao treinamento. Atualmente, as ependiminas são denominadas “moléculas

de adesão celular” e estão diretamente relacionadas com o fortalecimento e formação de

sinapses.

Figura 2 – Experimentos de Shashoua (1985) envolvendo aprendizagem em peixes dourados.

Flutuadores foram presos aos animais, que em ficavam em posição desconfortável (esquerda,

acima). com treino de cerca de 180 minutos, ficavam em posição confortável (esquerda, abaixo) –

curva verde. Em segundo momento, 3 dias depois, os flutuadores foram recolocados, e os animais

demoraram cerca de 15 minutos para ficar na posição confortável, indicando que aprenderam essa

habilidade – curva azul. Animais treinados tratados com anticorpos para proteínas envolvidas com a

alteração de circuitos neurais apresentam desempenho similar a animais não tratados – os traços de

memória foram apagados pelo tratamento. Modificado de Pavão (2009), Xavier (2004) e Shashoua

(1985).

Em conjunto, os resultados obtidos a partir de experimentos envolvendo choques

eletroconvulsivos e síntese de proteínas sugerem que há dois processos envolvidos na

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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manutenção da memória. Um deles, mais instável, é prejudicado pelo choque eletro-

convulsivo, estando relacionado ao padrão de atividade eletrofisiológica dos neurônios

(frequência de disparos, por exemplo). O outro, associado com produção de proteínas,

parece envolver alterações estruturais nas sinapses, gerando circuitos alterados no sistema

nervoso.

Posteriormente ao experimento de Shashoua, muitos trabalhos com proteínas

associadas aos processos de arquivamento de informação ao nível celular vêm sendo

desenvolvidos. Muitas moléculas subjacentes à formação de memória já foram descobertas.

Isso tem trazido importantes informações acerca das diferentes etapas e modalidades do

processo de formação de memórias em nível celular, inclusive o envolvimento dessas

proteínas na alteração plástica do sistema nervoso.

Plasticidade neural

O sistema nervoso possui a capacidade de se modificar estruturalmente e

funcionalmente em decorrência de estímulos que de algum modo incidem sobre ele. Tal

fenômeno denomina-se neuroplasticidade ou, simplesmente, plasticidade. Inerente ao

funcionamento do sistema nervoso, a neuroplasticidade é uma característica marcante e

constante da função neural. Muito dos processos cognitivos depende de tal propriedade.

Parece haver dois tipos básicos de plasticidade sináptica, uma de curta duração e a

outra de longa duração. A plasticidade sináptica de curta duração pode ser induzida

rapidamente; parece não requerer síntese proteica e mantém-se por, no máximo, algumas

horas. Esse tipo de plasticidade reflete alterações na força de sinapses pré-existentes, pela

modificação de proteínas pré e pós-sinápticas. Diferentemente, a plasticidade sináptica de

longa duração (que parece ter sido a modalidade principal investigada nos estudos de

Shashoua) dura dias, meses ou anos, envolve processos de transcrição gênica e síntese de

novas proteínas; esse tipo de plasticidade sináptica parece envolver a remodelação de

sinapses existentes ou a formação de novas sinapses.

Com base nessas e em outras características do sistema nervoso apresentadas até

aqui, percebe-se que além de aumentar a capacidade de comunicação entre as diversas

populações de neurônios, sua estrutura e funcionamento possibilitam a formação de

memórias em decorrência de experiências vividas. As diferentes modalidades de

arquivamento parecem envolver alguns tipos de alterações no sistema: (1) alterações

transitórias na atividade eletrofisiológica (taxa de disparos) de populações de neurônios, que

estariam ligadas ao arquivamento por curtos períodos de tempo; (2) alteração na facilidade

com que a atividade eletrofisiológica é transmitida entre neurônios, relacionada com o

arquivamento por períodos intermediários de tempo (que pode durar de minutos até meses);

(3) alterações estruturais permanentes na conectividade neuronal que levam à formação de

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Neurociências

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circuitos neurais, ou redes nervosas, cuja atividade representaria informações mantidas por

um longo período de tempo, anos ou até mesmo uma vida inteira.

Aquisição e manutenção da memória

Donald Hebb (1949) baseou-se na plasticidade sináptica para afirmar que a

transmissão de informações entre dois neurônios deveria ser facilitada e tornar-se estável

quando ocorresse sincronia entre os disparos do primeiro e do segundo neurônio. Sendo

assim, a transmissão de mensagens entre os neurônios poderia ser regulada: não seria um

fenômeno rígido e imutável, mas sim algo modulável de acordo com as circunstâncias.

Um importante elemento descrito inicialmente no hipocampo que atua na alteração

de sinapses (portanto, na formação de memórias) é o fenômeno denominado potenciação

de longa duração (LTP). Aparentemente, o hipocampo (e outras estruturas do lobo temporal

medial) está envolvido em um processo de ativação repetitiva de circuitos envolvidos na

representação da informação que determina alteração estrutural desses circuitos. Em outras

palavras, estimulações breves e de alta freqüência em uma via excitatória que vai ao

hipocampo produz um aumento de longa duração na intensidade das sinapses estimuladas.

Trata-se de uma plasticidade sináptica específica que ocorre entre um neurônio pré e um

neurônio pós-sináptico, assim como Hebb havia proposto. Acredita-se que a LTP seja um

importante mecanismo envolvido no armazenamento de informações cuja natureza é

essencialmente associativa. Tal mecanismo pode envolver a interação entre diferentes

sinapses de um mesmo neurônio, permitindo que uma sinapse fraca se fortaleça pelo

disparo concomitante com uma sinapse forte, tornando-as associadas. Sendo assim, a LTP

é fundamental para o arquivamento de informações sobre eventos experienciados, pois gera

uma facilitação na comunicação sináptica. Esse processo parece essencial para a retenção

de informações sobre “o que” ocorreu, mas não sobre “como” desempenhar uma tarefa

perceptomotora.

Com o aumento na frequência de disparos das sinapses produzidas em decorrência

de estímulos ambientais, ocorrem alterações na eficiência sináptica dos neurônios

recrutados, de maneira a intensificar a comunicação dessas células. Uma vez que a

comunicação sináptica seja facilitada, qualquer referência ao estímulo inicial já causa um

disparo das células envolvidas. Com estímulos muito pequenos pode-se desencadear um

processo efetivo de ativação neural.

Estímulos ambientais e experiências geram atividade eletrofisiológica em conjuntos

de neurônios. Como vimos, essa atividade pode levar à formação de novas sinapses ou à

alteração das sinapses já existentes, o que permite estabelecer circuitos neurais envolvendo

populações de neurônios cuja atividade, correspondente àquela gerada durante a

experiência original, representa a experiência adquirida.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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A recordação de informações representadas internamente se dá pela ativação

eletrofisiológica de populações de neurônios corticais. Isso decorre tanto estímulos que de

alguma forma estão relacionados à experiência original, como por um ato de vontade para

recordar aquela experiência. É curioso notar que os sistemas de memória permitem

identificar estímulos muito específicos e responder a eles, mesmo quando estes não são

apresentados em sua totalidade. Uma vez ativos, esses circuitos podem estabelecer novas

conexões com outros circuitos ativos, ou contar com a adição de novos elementos em

decorrência de novas experiências.

Quanto mais frequentes as exposições a estímulos relevantes, mais fortes tornam-se

as conexões. Como consequência, a informação tende a ser arquivada de maneira

relacional. Isso permite entender porque a recordação envolve, usualmente, categorias. Tal

fato ocorre porque o aumento de atividade eletrofisiológica em determinados circuitos

neurais (que levam à recordação de uma dada informação) tende a estimular a atividade em

circuitos relacionados.

É importante ressaltar que os mesmos circuitos neurais associados à atenção,

percepção, ação e outros processos cognitivos, são os que se alteram para a formação de

memórias de diferentes tipos. Isso significa que, quando esses circuitos forem

posteriormente mobilizados, o processamento das informações será diferente em relação às

experiências anteriores, dado que o circuito vem sendo alterado a cada uma delas. Assim

sendo, a percepção e as habilidades se alteram ao longo da história de vida. Além disso,

estão profundamente associadas com os processos de memória.

Redes neurais e memória

Praticamente todas as regiões do sistema nervoso estão envolvidas de alguma

forma no arquivamento de memórias de um tipo ou de outro. Em primatas, costuma-se

atribuir uma grande importância ao neocórtex (a porção filogeneticamente mais recente do

córtex) no arquivamento de informações. Esse tecido envolve sistemas de processamento

modalmente específicos e sistemas de integração de informações de diferentes

modalidades (denominados polimodais e supramodais).

A maioria das experiências humanas inclui diferentes modalidades sensoriais,

organizadas no tempo e espaço. Por exemplo: a partir de uma estimulação perceptual

específica, o sistema nervoso mobilizaria um grupo de neurônios para representar o evento,

por meio de sua atividade e conexões, produzindo uma espécie de "rede" de interconexões

que se mantém em contínua reconstrução ao longo da vida. A formação de uma memória

sobre esse evento envolveria o fortalecimento das conexões entre as células dedicadas a

essa percepção, resultando num grupamento celular cujas conexões seriam mais eficientes.

Depois do desaparecimento do estímulo gerador da atividade, "nós" da rede, quando

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 147

ativados, excitariam ou inibiriam outros nós numa rica e complexa rede de conexões, de

forma que representações seriam mantidas enquanto houvesse reverberação da atividade

nervosa correspondente ao estímulo inicial.

Nessa rede, uma dada população de nós disparando, provavelmente com níveis de

atividade diferentes em várias regiões nervosas, representa uma determinada informação,

enquanto a malha representa as ligações associativas das relações entre os nós; essas

ligações podem variar em intensidade. Nesse sentido, um mesmo nó pode estar envolvido

em representações distintas, já que a informação é representada pelo conjunto de disparos

dos nós a ela relacionados e não por um nó individual. Isso nos sugere que processos de

memória estariam baseados em um funcionamento sistêmico de determinadas populações

de neurônios.

Hebb (1949) propõe algumas previsões sobre o funcionamento da memória. Por

exemplo, parece plausível pensar que estimulações parciais correspondentes à experiência

original sejam capazes de regenerar a atividade em toda a rede, contribuindo para a

lembrança completa da experiência original. Além disso, se dois eventos forem pareados no

tempo supõe-se que haja a formação de redes tais que a estimulação da atividade do

primeiro evento gera o padrão de atividade eletrofisiológica associada ao segundo evento,

levando à sua previsão.

Figura 3 - Esquema representativo de redes neurais de Hebb. Os pontos pretos são os neurônios e

as linhas são as conexões. A rede tem uma organização inicial como representado em (A); ao

receber um estímulo, é ativada (B); esse estímulo pode ser apresentado repetidas vezes, ou pode ter

reverberado nessa rede, de modo que as conexões entre os neurônios são fortalecidas (C e D);

então, um estímulo mais fraco ou mesmo incompleto, mas que mantenha algumas das características

do inicial (D) é capaz de ativar a rede fortalecida (E). Modificado de Bear, 2002, e de Helene e Xavier,

2007.

O autor sugere que haveria apenas três aspectos centrais que determinariam o

funcionamento de um sistema neuronal: (1) a conexão entre neurônios é mais eficaz quanto

maior for o grau de relação entre as porções pré e pós-sináptica; (2) grupos de neurônios

que tendem a disparar conjuntamente irão formar agrupamentos celulares cuja atividade se

mantém expressa mesmo após o fim do estímulo que gerou a atividade e; (3) cognição

deriva da atividade sequencial destes agrupamentos celulares facilitados.

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Modularidade e os diferentes processos de memória

A noção de que os sistemas de memória compõem um conjunto de habilidades

mediadas por diferentes módulos do sistema nervoso, que funcionam de forma

independente, porém cooperativa, parece atualmente bem difundida. Essa idéia parte do

pressuposto de que a organização cognitiva se dá de forma modular, representada por

sistemas paralelos de processamento de diferentes informações. Este conceito de

modularidade de funções tem embasado investigações acerca dos processos de memória.

Segundo essa ideia, o processamento de informações nesses módulos acontece de forma

paralela e distribuída, possibilitando que um grande número de unidades de processamento

influencie outras em qualquer momento no tempo, e que grande quantidade de informações

seja processada concomitantemente.

Muitas das evidências relevantes para o desenvolvimento de modelos de memória -

correlações entre funções e módulos do sistema nervoso – derivaram de correlatos

anatomofuncionais, isto é, estudos envolvendo dificuldades de memória em pacientes com

danos cerebrais identificáveis. A partir de então foi possível chegar a definições de memória

e modelos baseados na dupla dissociação entre memória de curta e longa duração.

Inclusive os conceitos de dissociações entre os sistemas particulares da memória de longa

duração foram também amplamente desenvolvidos.

Um estudo que muito contribuiu para o desenvolvimento e formalização dos modelos

de memória foi o caso do paciente H.M., descrito por Scoville e Milner (1957). Na ocasião, o

paciente sofria de epilepsia intratável. O foco epiléptico, que se situava no lobo temporal

medial (bilateralmente), foi removido cirurgicamente; isso resultou na remoção dos 2/3

anteriores do hipocampo e da amígdala, além de outras porções corticais. Após a remoção

das estruturas, H.M. apresentou um quadro de amnésia anterógrada (era incapaz de formar

novas memórias) e também retrógrada (eventos ocorridos pouco antes da cirurgia); porém,

neste último caso a amnésia era temporalmente graduada. O prejuízo cognitivo de H.M.

estava restrito à aquisição de memórias de longa duração; suas capacidades perceptuais se

mantiveram, assim como seu QI, sua personalidade e a memória de curta duração.

Mesmo apresentando alguns prejuízos de memória, H.M. ainda conseguia adquirir e

reter diversas informações. Por exemplo, aprendeu a ler palavras invertidas, como se

apresentadas por meio de um espelho e também novas habilidades motoras e cognitivas

(ver Helene e Xavier, 2007). O paciente apresentava um bom desempenho nessas tarefas.

Curiosamente, quando consultado sobre seu treinamento prévio, ele alegava nunca ter feito

isso.

Como dito anteriormente, o hipocampo atua em um processo de ativação repetitiva

de circuitos envolvidos na representação da informação, uma espécie de reverberação da

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Neurociências

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atividade neural que resulta no arquivamento de informação. Essa reverberação seria

essencial para o arquivamento das informações sobre “o que” ocorreu, mas não sobre

“como” desempenhar uma tarefa perceptomotora. Trazendo esse conceito para o caso do

paciente H.M, pode-se dizer que, embora o paciente seja capaz de adquirir uma habilidade

motora, ele não é capaz de se recordar “que” já a praticou. Em suma, a natureza da

informação “saber que” é diferente da natureza da informação sobre “saber como” (ver

Helene e Xavier, 2007).

Curiosamente, pacientes com doença de Parkinson (caracterizada por disfunções

em estruturas nervosas denominadas gânglios da base) possuem um quadro oposto ao dos

amnésicos (que, como visto, têm lesão no lobo temporal medial). Os pacientes com

disfunções nos gânglios da base exibem dificuldades na aquisição de habilidades motoras e

cognitivas, ao mesmo tempo em que são perfeitamente capazes de descrever verbalmente

as experiências vivenciadas nessas situações de teste. Neste contexto, pacientes

parkinsonianos exibem, por exemplo, prejuízo na aprendizagem da habilidade de leitura de

palavras invertidas.

Duplas dissociações, caracterizadas pelo prejuízo de desempenho em algumas

tarefas concomitantemente ao desempenho normal em outras tarefas, são apontadas como

evidência da existência de sistemas de memória distintos no sistema nervoso. Resultados

de estudos como do paciente H.M. e pacientes parkinsonianos sugerem a existência de

módulos de memória cujo funcionamento seria relativamente independente, embora possam

cooperar entre si.

Modelos de memória

Baseados em estudos envolvendo duplas dissociações, Cohen (1984) e Squire e

Zola-Morgan (1991) propuseram uma distinção para os sistemas de memória de longa

duração segundo a qual haveria uma memória declarativa (ou explícita), usualmente

prejudicada em pacientes amnésicos e preservada em pacientes cerebelares ou com

disfunções nos gânglios da base, e uma memória de procedimentos (ou implícita),

usualmente preservada nos pacientes amnésicos, mas prejudicada nos pacientes

cerebelares ou com danos nos gânglios da base (Fig. 4). Em outras palavras, memórias que

atualmente são denominadas memórias implícitas correspondem ao “saber como” (o que faz

bastante sentido, pois é muito difícil declarar como se anda de bicicleta) e “saber que” são

denominadas memórias explícitas.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Figura 4 – Esquema da dupla-dissociação entre funções e áreas envolvendo os sistemas

de memória de longa duração. (modificado de Helene e Xavier, 2007).

Memória de longa duração

A memória de longa duração se refere à retenção de informações por prolongados

períodos de tempo. Sendo assim, ela pode ser dividida em dois tipos (ou módulos): memória

explícita e memória implícita (Fig. 5). Tanto no caso das memórias explícitas como no caso

das implícitas, o arquivamento de informações envolveria alterações sinápticas, como já

descritas; porém, em cada caso, elas ocorreriam em diferentes regiões do sistema nervoso

com diferentes regras de funcionamento.

A memória explícita (ou declarativa) caracteriza a retenção de experiências sobre

fatos e eventos passados e é passível de relato verbal, ou seja, possui um acesso

consciente. Além disso, o arquivamento de informações pode se dar por associações

arbitrárias que podem formar-se mesmo após uma única experiência.

A memória implícita (ou de procedimentos) se expressa pelo desempenho habilidoso

das atividades previamente treinadas. Sua aquisição é gradual e dependente de treino,

ocorre de forma cumulativa. O conhecimento contido neste tipo de memória manifesta-se

pela ativação das estruturas nervosas envolvidas no processo de aquisição.

MEMÓRIA DE LONGO PRAZO

SABER QUE

SABER

COMO

Paciente H.M - amnésico PREJUÍZO

Paciente H.M - amnésico PRESERVADO

Paciente c/ doença de Parkinson - PRESERVADO

Paciente c/ doença de Parkinson - PREJUÍZO

Í

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 151

Figura 5 - Taxonomia dos sistemas de memória de longa duração.

Modificado de Helene e Xavier, 2007.

Memória operacional

Baddeley e Hitch (1974) conceberam um modelo de memória denominado "memória

operacional". Tal modelo refere-se a um arquivamento temporário e gerenciamento de

informações para o desempenho de uma diversidade de tarefas cognitivas. Segundo os

autores, memória operacional compreende um sistema de controle de atenção, a central

executiva, auxiliado por dois sistemas de suporte responsáveis pelo arquivamento

temporário e manipulação de informações, um de natureza vísuo-espacial e outro de

natureza fonológica.

Posteriormente, para lidar com a associação entre as informações mantidas nesses

sistemas de apoio e promover sua integração com informações da memória de longa

duração, Baddeley inseriu um quarto componente no modelo, denominado de retentor

episódico, que corresponderia a um sistema de capacidade limitada no qual a informação

evocada da memória declarativa tornar-se-ia consciente. A central executiva proporcionaria

a conexão entre os sistemas de suporte e a memória de longa duração e seria o

responsável pela seleção de estratégias e planos; sua atividade estaria relacionada ao

funcionamento do lobo frontal, que teria a função de supervisionar informações a serem

codificadas, armazenadas e evocadas concomitantemente ao seu ingresso no sistema (Fig.

6).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Figura 6 - Modelo de memória operacional: três componentes propostos inicialmente por Baddeley e Hitch (1974). A área central executiva se refere ao componente de gerencia-mento atencional (a central executiva), enquanto as áreas laterais da figura representam as alças de manutenção de informações por curto período de tempo (adaptado de Baddeley, 1982).

Ainda sim, a memória operacional estaria ligada ao desempenho de uma grande

variedade de funções cognitivas, incluindo raciocínio lógico, resolução de problemas,

imagética (relacionado ao treinamento imaginativo) e compreensão de linguagem.

Considerações finais

Em conclusão, a evolução filogenética teria atuado na seleção de sistemas neurais

capazes de modificar-se gradualmente pelo desempenho de ações repetitivas (o exemplo

mais típico seria o caso de habilidades motoras e perceptuais) de sistemas capazes de

arquivar informações depois de uma única experiência, e de sistemas capazes de reter

informações temporariamente, enquanto úteis. É provável que a seleção desses sistemas,

com propriedades distintas, esteja relacionada ao fato de que memórias são especializações

adaptativas que proporcionam vantagens seletivas para a solução de determinados tipos de

problema; as propriedades que tornam um sistema eficiente para a solução de determinados

tipos de problema (e.g., aquisição após uma única experiência de treino) o tornam

incompatíveis com a solução de um problema de natureza diversa (e.g., aquisição de

conhecimento pela mudança cumulativa e gradual de experiências). Assim, do ponto de

vista evolutivo, a organização do sistema nervoso, inclusive dos diferentes módulos de

memória, teria derivado da interação do organismo com demandas ambientais específicas,

resultando em especializações adaptativas que permitem ao organismo lidar com problemas

específicos.

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 153

Navegação Espacial

Cyrus Villas-Boas Laboratório de Neurociência e Comportamento

[email protected]

O debate sobre o hipocampo

O hipocampo é uma das estruturas cerebrais mais estudadas na Neurociência.

Ramón y Cajal (1968) data seus estudos como tendo começado em 1888 e cita os estudos

de Schaffer em 1892 como tendo sido um marco em sua vida científica.

Anatomicamente organizado em camadas, o hipocampo é claramente identificável

como sendo diferente do córtex (Ramón y Cajal, 1968; Witter e col., 1989) (Fig. 1).

Figura 1 – corte coronal do encéfalo de rato corado com cresil violeta, mostrando o giro denteado (DG) e o hipocampo (CA1 e CA3). Adaptado de Paxinos e Watson (2004).

No rato, o hipocampo se localiza logo abaixo do córtex parietal, o que torna sua parte

dorsal facilmente acessível por eletrodos e cânulas de infusão de drogas. Dois aspectos

chave levaram o hipocampo a ser uma das estruturas mais estudadas da Neurociência:

1. Em ratos. Quando o animal se move livremente, as células piramidais do

hipocampo apresentam uma correlação com o local em que o animal se encontra (O’Keefe e

Dostrovsky, 1971). Essas células são chamadas de células de localização (place cells) e

apresentam atividade em uma parte específica do ambiente, como veremos a seguir em

detalhes. Centenas, se não milhares de experimentos, já analisaram a influência de

diversos tipos de manipulações nas place cells.

2. Em primatas. Lesões do hipocampo e áreas corticais adjacentes em primatas

(particularmente em humanos) causam uma profunda amnésia anterógrada, ou seja, a

perda da capacidade de formar novas memórias a partir do momento em que houve a lesão

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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(Scoville e Milner, 1957; Cohen e Eichenbaum, 1993). Entre os anos de 1953, quando fez

uma operação experimental no lobo temporal, e 2008, ano de sua morte, o paciente H.M.

não conseguia se lembrar (formar memórias do tipo declarativa) de nada o que havia

acontecido, nem mesmo dos nomes dos médicos que encontrava diariamente (Cohen e

Eichenbaum, 1993).

Cada um desses efeitos observados no hipocampo vieram a formar uma teoria: (1)

que o hipocampo guarda um mapa cognitivo do ambiente utilizado para navegação (O’Keefe

e Nadel, 1978) (Fig. 2), e (2) que o hipocampo guarda memórias de eventos (do tipo

episódicas) temporariamente até seu armazenamento no córtex (Cohen e Eichenbaum,

1993).

Figura 2. – Esquema de representação do mapa cognitivo no rato. Adaptado de Eichenbaum (1999).

Tipos de navegação

Vamos começar nossa discussão sobre navegação espacial com a tarefa mais

tradicional: o labirinto aquático de Morris (1981) (Fig. 3). Esse teste consiste de uma piscina

cheia de água morna misturada com leite ou outra substância que torne a água opaca. Em

algum lugar da piscina há uma plataforma na qual o rato pode subir para sair da água. Há

várias versões desse teste, que incluem a plataforma visível ou, outras vezes, com uma

pista que indica onde a plataforma está. Devido à sua simplicidade, esse teste é uma das

ferramentas mais utilizadas para estudos de navegação e memória espacial. O labirinto de

Morris é usado, entre outros, para estudos de lesões, infusões de drogas ou, em outras

vezes, versões modificadas são utilizadas para o registro unitário da atividade neuronal de

place cells, como veremos mais adiante.

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Neurociências

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Figura 3 – Labirinto aquático de Morris. O círculo indica a plataforma escondida ou não. O gráfico mostra o tempo despendido no labirinto para que o animal encontre a plataforma. O teste probe-memory não contém plataforma e o probe-sensorimotor é um teste de habilidade motora. Adaptado de Rodriguiz e Wetsel (2006).

Há cinco possíveis estratégias que o animal pode utilizar para navegar no ambiente

e, nesse caso, encontrar a plataforma escondida (O’Keefe e Nadel, 1978; Whishaw e

Mittleman, 1986). São elas:

Navegação randômica. Se o animal não tem informação prévia de onde a

plataforma está, ele deve explorar o ambiente de forma randômica, aleatória.

Navegação táxica. O animal pode achar uma pista em uma direção na qual

possa sempre nadar.

Navegação práxica. O animal pode executar um programa motor constante. Se,

por exemplo, o animal inicia cada tentativa no mesmo local e a patforma também

está no mesmo local, ele pode simplesmente utilizar-se desse tipo de navegação

para chegar à plataforma.

Navegação por rota. O animal pode aprender a associar uma direção a uma

pista encontrada. Diz-se que a navegação por rota é uma junção das

navegações táxica e práxica.

Navegação por local. O animal pode aprender a localização da plataforma

baseado em um conjunto de pistas. Ele pode aprender um mapa no qual a

localização da plataforma é conhecida.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Outros modelos foram propostos, porém são todos parecidos no que diz respeito às

funções dos sistemas, ou seja, alguns modelos são simplesmente a fusão de dois ou mais

tipos de navegação supracitados.

Gallistel (1990) propõe um modelo no qual dois componentes são utilizados para que

o animal se localize no ambiente: Piloting e Dead Reckoning. O piloting é um processo pelo

qual o animal determina sua posição através de pistas externas, enquanto o dead reckoning

é um mecanismo que utiliza pistas internas, como direção de movimento e velocidade, para

atualizar a representação de acordo com essas pistas. Dessa forma, esse sistema permite

que sejam usadas pistas internas e externas. Pistas externas são identificadas e usadas

para traçar um mapa de acordo com algum conhecimento do ambiente, porém sem

perceber a posição; as pistas internas permitem que o animal calcule sua posição em um

tempo t de acordo com uma posição conhecida em t-to sem precisar de conhecimento sobre

o ambiente.

Qual é o papel do hipocampo na navegação espacial?

Para navegar em um ambiente familiar, o animal deve usar uma representação

consistente da posição de tempos em tempos. Para tanto, há um mecanismo fisiológico que

é capaz de, utilizando-se das pistas externas e internas, gerar um mapa coerente do

ambiente no qual o animal se encontra. As evidências sugerem que as place cells no

hipocampo são muito bem adaptadas para lidar com esse tipo de informação.

Potenciais de ação disparados por células piramidais do CA3 e CA1 do hipocampo,

além de células do giro denteado e córtex entorrinal mostram que há atividade fisiológica

relacionada ao local em que o animal se encontra em determinado ambiente. Os locais onde

as place cells apresentam atividade são chamados de place fields (Fig. 4).

Estudos em humanos mostram que o fluxo sanguíneo aumenta no hipocampo

durante uma tarefa de localização espacial, tanto no ambiente real como em ambiente

virtual (Ghaem e col., 1997; Maguire e col. 1998) e que lesões nessa região causam déficit

severo em tarefas de navegação, possivelmente devido à perda extensiva de place cells.

Essas células foram extensivamente estudadas em ratos (Olton et. al, 1978;

McNaughton e col., 1983; Eichenbaum e col., 1990; Wiener, 1996) e foram também

encontradas em macacos (Ono e col., 1993; Nishijo e col. 1997; Matsumura e col., 1999) e

humanos (Ekstrom e col., 1994). Devido à grande correlação entre as taxas de disparo das

place cells e as variáveis espaciais, diversos trabalhos foram feitos com a finalidade de

explorar como essas mudanças podem interferir na atividade dessas células.

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 157

Figura 4 – Em cima, atividade neuronal em spikes/s de uma place cell enquanto um macaco se movimenta num espaço virtual. VR(W), VR e VR(N) são diferentes tamanhos de ambientes similares. VR(W) e VR têm pistas distais iguais, porém em posições diferentes. VR(N) é um ambiente similar a VR, porem com menor tamanho. mesmas posições. Embaixo, as rotas que os animais faziam para passar pelos pontos demarcados. Adaptado de Hori e col. (2005).

As propriedades principais das place cells são:

Quando as pistas distais são movidas, place fields também se movem

proporcionalmente (Hori e col. 2005).

Continuam a mostrar claros place fields quando uma pista é removida (Hori e col.,

2005; Furuya e col., 2007).

Continuam a mostrar place fields menores no escuro (Markus e col., 1994).

Apresentam diferentes place fields em diferentes ambientes (Hori e col., 2005;

Furuya e col., 2007) (Fig. 4, Fig. 5).

Apresentam direcionalidade quando o animal navega em espaços pequenos e

conhecidos, mas são não-direcionais quando o animal navega randomicamente.

Estudos mais recentes realizados com macacos mostram que, apesar de estruturas

homólogas não terem necessariamente as mesmas propriedades em diferentes espécies,

no caso do hipocampo parece haver alguma similaridade nas funções relacionadas à

navegação. No entanto, os estudos com place cells em macacos são geralmente realizados

quando o animal se encontra preso a uma cadeira para macacos e, dessa forma, imóveis

(Hori e col., 2005; Furuya e col., 2007). Em outros estudos, o animal é colocado em uma

Spikes/s

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cadeira móvel (Ono e col., 1991), mas muitas vezes esse paradigma é substituído por uma

forma de navegação espacial virtual similar a um water maze, no qual o animal controla um

joystick para se movimentar no ambiente (Furuya e col., 2007). Nesse paradigma, no

entanto, são as pistas que se movem em relação ao animal, e não o contrario. Porém,

mesmo nesses experimentos pode-se ver uma clara atividade diferencial das place cells de

acordo com o local em que o animal se encontra no ambiente virtual.

Maguire e col. (2000) estudaram as propriedades espaciais do hipocampo em

taxistas em Londres. Foi verificado que os taxistas, em relação ao grupo controle de não-

taxistas, apresentavam maior atividade no hipocampo, além de uma parte posterior

aumentada em relação à do grupo controle.

Figura 5 – Atividade neuronal diferencial em 3 ambientes diferentes, porém com características similares. Em A., as pistas distais estão localizadas mais afastadas de onde o animal se movimenta. Em B., as pistas encontram-se próximas e em C., o ambiente todo é reduzido, mantendo-se as proporções de B. Adaptado de Hori e col. (2005).

Outros sistemas de navegação espacial

Além do hipocampo, há outros sistemas que parecem influenciar no processo de

navegação espacial, tanto em ratos, quanto em primatas. Ambos os animais utilizam-se de

múltiplos mapas simultaneamente para se localizarem. No entanto, esses sistemas não

parecem ser suficientes para que haja uma navegação eficaz.

Head direction cells

Um dos sistemas que pode auxiliar a navegação é o de direção da cabeça (head

direction system). Células com suas taxas de disparo refletindo a direção da cabeça foram

descobertas em diversas estruturas do encéfalo do rato: pós-subículo (PoS; Ranck, 1984),

núcleo anterior talâmico (ATN; Taube, 1995), núcleo mamilar lateral (LMN; Leonhard e col.,

1996), núcleo lateral dorsal do tálamo (LDN; Mizumori e Wiliams, 1993) e, em menor

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Neurociências

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quantidade, nos córtices parietal posterior e cingulado (PPC e PCC; McNaughton e col.,

1994).

As head direction cells apresentam uma única direção preferida de ativação, na qual

sua atividade é máxima, diminuindo à medida em que o animal move a cabeça

progressivamente para longe desse ponto. As taxas de disparo dessas células não são

correlacionadas ao ângulo entre a cabeça e o corpo, mas sim à orientação da cabeça em

relação ao ambiente. Como a direção preferida de ativação não se altera, a célula não pode

codificar informações egocêntricas em relação a uma pista, mas sim informações

alocêntricas em relação a uma direção de referência. As head direction cells geralmente são

sensíveis à rotação de pistas distais (Taube, 1995), evidenciado pela alteração simultânea

de duas ou mais células registradas simultaneamente.

Alguns autores propõem uma forma de se interpretar as head direction cells como

estando dispostas em um círculo, ou seja, em um arranjo de 360º. Cada região, ou cada

população de células, agiria de forma a integrar a informação advinda das head direction

cells vizinhas, sendo, dessa forma, esquematizadas em um anel de ativações. Esse sistema

seria auxiliado por células intermediárias que recebem informações do sistema vestibular

(Fig. 6).

Muitas das áreas que contêm as head direction cells estão anatomicamente

conectadas. O núcleo anterior dorsal do tálamo (AD) e o PoS estão diretamente conectados;

PoS envia uma projeção ao LMN, que, por sua vez, se projeta para o AD. O LDN também se

conecta com o PoS. O PPC recebe projeções do LDN e manda projeções para o PoS e para

o córtex cingulado, enquanto o PCC se conecta diretamente com o ATN e PoS.

Grid cells

Como uma interface entre o hipocampo e o neocórtex, o córtex entorrinal apresenta

também alguma atividade relacionada a memória e a localização. Estudos recentes

mostram que o córtex entorrinal medial também apresenta neurônios com atividade

relacionada a posicionamento (Fyhn e col., 2004). Essas células, denominadas grid cells,

são assim chamadas por apresentarem um padrão de ativação independente de pistas do

ambiente. Sua ativação se dá em diversos lugares do mesmo ambiente, diferentemente das

place cells, seguindo um padrão triangular, ou seja, a célula dispara quando a posição do

animal coincide com vértices de um grid triangular periódico que cobre toda a superfície do

ambiente, com células diferentes tendo coordenadas de ativação diferentes ao longo do grid

(McNaughton e col., 2006).

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Figura 6 – Modelo unidimensional de integração de sinal de acordo com a direção da cabeça do rato e a sua velocidade angular. a. Head direction cells arranjadas em círculo, para fins didáticos, de acordo com sua posição preferencial de disparo. Cada célula se conecta com as adjacentes. A influência de uma célua sobre a outra decresce como uma função da distância (linhas vermelhas e cinza), cores quentes representando maior taxa de disparos. b. A rotação nos sentidos horário ou anti-horário pode ser detectada por um grupo intermediário de células que recebe informações tantodo sistema vestibular quanto da orientação da cabeça por células imediatamente superiores a elas. Na ausência de movimento, as células das outras camadas estariam com ativação abaixo do limiar. Adaptado de McNaughton e col, 2006.

Figura 7 - Modelo de integração de rotas. Adaptado de McNaughton e col. (2006).

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Neurociências

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O sistema de grid cells, por ser menos específico do que o sistema de place cells, é

tido como uma etapa anteiror à formação dos place fields no hipocampo propriamente dito,

como se a informação final fosse passada ao hipocampo para a representação do ambiente.

Dessa forma, acredita-se que o córtex entorrinal medial seja, junto com o sistema de head

direction, um dos componentes principais para o processo de integração de rotas (dead

reckoning), que é definida como a habilidade de retornar a um local de origem mesmo após

ter feito um caminho tortuoso ou mesmo no escuro (Redish, 1997) (Fig. 7). Esse sistema

não depende do uso de pistas externas do ambiente. No entanto, sabe-se que esse sistema

acumula erros e imprecisões durante uma trajetória feita do escuro ou sob baixas condições

de visibilidade. Os vários componentes desse sistema seriam utilizados para atualizar essas

coordenadas antes de passar a informação para o hipocampo, onde a integração e

utilização de pistas distais seria utilizada (Einevol e col., 2006) (Fig. 8).

A importância evolutiva da memória episódica e da navegação espacial

Como vimos, é muito difícil, ou quase impossível, dissociar navegação espacial de

memória episódica, sendo a primeira apenas uma parte da segunda. Os resultados desses

estudos mostram que o hipocampo deve ter uma função importante na formação de

memórias do tipo episódica. A codificação de informações a respeito de lugares, certamente

essencial para os processos evolutivos dos animais, é muito bem atribuída ao hipocampo

nos vertebrados. Outra importante função atribuída a essa estrutura é a de codificar

informação de como se chegar a lugares desejados, essencial para vários processos como

busca de alimento, encontro de parceiros sexuais, localização dos melhores abrigos, etc. Da

mesma forma, o conhecimento, ou a memória, de melhores épocas do ano para migração,

onde se proteger do frio no inverno ou onde conseguir alimento nas estações que o

precedem, em qual flor ou em qual horário conseguir mais néctar, entre outras questões

adaptativas, são relacionadas ao hipocampo através dos processos de formação de

memória episódica.

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Figura 8 – Modelo para a formação de place fields. (A) conexão entre grid cells do córtex entorrinal medial e place cells do hipocampo. Todas as place cells que contém um place field naquele ambiente recebem informação das grid cells com ativação similar. Place cells com campos de ativação menores (verde) recebem projeções da parte dorsal do córtex entorrinal, enquanto place cells com campos maiores (amarelo) são inervadas por células mais ventrais do cortex entorrinal. Interneurônios (vermelho) auxiliam na inibição e controle do sinal. As cores dentro dos place fields simbolizam as taxas de disparo. Cores quentes indicam altas taxas. (B) Os grids são construídos de acordo com três funções sinusóides com 120º de diferença entre eles. Adaptado de Einevoll (2006).

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Neurociências

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Neurobiologia das Emoções

Bárbara Onishi Laboratório de Neurociência e Comportamento

[email protected]

O que é emoção?

Medo, raiva, alegria, vergonha, tristeza e frustração são todos exemplos de

emoções. De forma geral, emoção se refere a um estado mental associado a alterações

fisiológicas e comportamentais eliciado por um evento externo ou interno de significância

para o organismo.

Uma das primeiras teorias sobre as emoções foi a levantada pelo psicólogo William

James em 1884, em um artigo intitulado O que é a Emoção?. James sustentou a idéia de

que as emoções são o resultado da percepção das alterações fisiológicas disparadas por

eventos significativos. Por exemplo, ao nos defrontarmos com uma serpente numa mata

apresentamos uma resposta de fuga, que é acompanhada por diversas alterações

fisiológicas tal como aumento da pressão sanguínea e dos batimentos cardíacos, contração

de diferentes músculos, aumento da sudorese, etc. Para James, essas sensações são as

emoções. Se essas sensações pudessem ser eliminadas, as emoções não ocorreriam. Ou

seja, segundo James, sentimos medo porque fugimos e não fujimos porque sentimos medo.

A teoria de James ganhou destaque até meados de 1920, quando foi questionada

pelos estudos do fisiologista Walter Cannon. Cannon sugeriu que as reações fisiológicas

resultantes de emoções distintas podiam ser as mesmas. Por exemplo, alterações

fisiológicas como aumento dos batimentos cardíacos e da sudorese e inibição da digestão

estão presentes tanto num estado de medo quanto num estado de raiva. Portanto, se a

teoria de James estivesse correta, duas emoções diferentes não poderiam estar associadas

às mesmas reações fisiológicas. Ademais, Cannon observou que as alterações fisiológicas

ocorrem, em geral, mais lentamente que as sensações de um estado emocional, i.e., em

geral, sentimos as emoções antes mesmo de as mudanças fisiológicas a elas associadas

ocorrerem. Estudos posteriores demonstraram que Cannon estava errado ao afirmar que o

medo e a raiva compartilham as mesmas reações fisiológicas.

Com o surgimento do pensamento behaviorista, por volta de 1910, o estudo da

mente e, por conseguinte, o estudo das emoções, começou a ser considerado como não-

científico. De fato, emoção era um típico exemplo dado pelos behavioristas de um tópico

obscuro que deveria ser rejeitado pela comunidade científica.

Por volta de 1950, a revolução cognitivista retomou a concepção de mente e surgiu,

então, a ciência da cognição. Estudos sobre os mecanismos das emoções foram, então,

retomados. Pesquisadores como Magda Arnold, Caroll Izard, Jaak Panksepp, Paul Ekman,

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 164 Julho/2010

Jeffrey Gray, Antonio Damasio, Richard Davidson, Edmund Rolls, entre outros contribuíram

e têm contribuído com formulações teóricas sobre os mecanismos das emoções, mas a

questão central levantada por James, O que é a Emoção?, ainda não tem uma resposta

consensual.

Por exemplo, Rolls e Gray propõem que emoções são estados eliciados por

recompensas e punições. Quando um organismo emite respostas para a obtenção de um

dado estímulo, nos referimos a este estímulo como recompensa. Quando, por outro lado,

um organismo emite respostas de esquiva a um dado estímulo, nos referimos a este

estímulo como punição. A codificação de um estímulo como recompensa ou punição seria

um mecanismo do sistema nervoso na interface entre a percepção do estímulo e a produção

de comportamentos e respostas autonômicas frente a ele. Esse mecanismo de atribuição de

valor a estímulos do meio ambiente teria um valor adaptativo numa perspectiva evolutiva:

respostas que garantem a obtenção de recompensas ou respostas que garantem a esquiva

e eliminação de punições tendem a aumentar a chance de sobrevivência e o sucesso

reprodutivo do indivíduo.

Paul Rozin apresenta uma visão um tanto diferente, que não privilegia as respostas

de aproximação e esquiva na definição de emoção. Para ele, emoções seriam estados

mentais positivos ou negativos associados com alterações fisiológicas e comportamentais

eliciados por estímulos com significância para o indivíduo. Segundo essa concepção, um

organismo trabalha para manter ou aumentar um estado emocional positivo, e por outro

lado, trabalha para reduzir, eliminar ou evitar um estado emocional negativo. Um bom

exemplo que ilustra a diferença entre as visões “positivo-negativo” e “aproximação-esquiva”

é a raiva, que apesar de ser um estado emocional negativo, está associada com uma

resposta de aproximação, e não de esquiva.

Apesar das fortes evidências contra a teoria de James, i.e., contra o papel das

reações fisiológicas na produção das emoções, Damasio recentemente propôs uma

hipótese bastante parecida com a teoria de James: a hipótese dos marcadores somáticos.

Esse autor defende que depois que um estímulo com significância para um organismo é

percebido, uma reação fisiológica (marcador somático) ocorre, a qual resulta numa

sensação. Essa sensação é avaliada pelo organismo, contribuindo para a tomada de uma

decisão, i.e., para a escolha de uma resposta frente ao estímulo.

Esses foram alguns exemplos de hipóteses levantadas sobre os processos

subjacentes às emoções. Apesar das diferenças entre elas, parece haver um consenso de

que as emoções operam no sistema nervoso através de um mecanismo de atribuição de

valor, seja a estímulos do meio ambiente ou às próprias sensações inerentes ao estado

emocional. As emoções, de uma forma geral, são processos que facilitam a emissão de

respostas apropriadas a eventos significativos ambientais e internos. Por exemplo, reações

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Neurociências

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emocionais são críticas para a emissão de respostas tais como evitar predadores e outras

fontes de perigo, encontrar alimento e parceiros sexuais, apresentar cuidado parental, e

engajar em comportamentos sociais adequados. Assim, também é consenso que as

emoções são funções do sistema nervoso com alto valor adaptativo numa perspectiva

evolutiva, atuantes para a sobrevivência do indivíduo e da espécie.

Reações emocionais inatas e aprendidas

Ao estudar comparativamente as expressões emocionais em seres humanos e em

outros animais, particularmente as expressões corporais e faciais, Darwin observou

semelhanças nas expressões emocionais entre indivíduos de uma mesma espécie e entre

diferentes espécies de animais, o que o levou a propôr que muitas das expressões

emocionais de um organismo são inatas ou herdadas, i.e., não são aprendidas pelo

indivíduo. Darwin observou, por exemplo, que a ereção dos pêlos do corpo e os

comportamentos de urinar e defecar em situações de grande perigo são muito comuns entre

animais de diferentes espécies, como mostra a Fig. 1. Darwin descreveu uma série de

outros exemplos comuns entre animais de diferentes espécies, como o comportamento de

morder quando se está com raiva; a emissão de sons e a exibição de partes do corpo (como

garras, ereção dos pêlos, batimento das asas, etc) em condições de perigo como meio de

desencorajar o adversário de atacar; a emissão de sons, cheiros, posturas e exibição de

partes do corpo como sinal de receptividade sexual, entre muitos outros.

Darwin também observou que as expressões faciais mostram-se muito similares

entre seres humanos de todo o mundo, indicando que elas independem da origem racial e

da herança cultural do indivíduo. Também mostrou que mesmo indivíduos que não tiveram

oportunidade de aprender os movimentos faciais e corporais com outras pessoas, como

cegos de nascença e bebês muito novos, exibem normalmente expressões emocionais.

Estudos mais recentes mostraram, por exemplo, que as expressões faciais de seres

humanos produzidas por suas experiências gustatórias com diferentes sabores eliciaram

padrões de expressões faciais altamente similares entre adultos e recém-nascidos com

menos 16 horas de vida e que não haviam tido ainda sua primeira experiência alimentar

(Steiner & Glaser, 1995). Além disso, um estudo com diferentes espécies de primatas não-

humanos demonstrou que as expressões faciais eliciadas por diferentes sabores são

similares entre as espécies para cada categoria de sabor, indicando homologia no que se

refere aos processos subjacentes a essas expressões faciais entre grupos de primatas

relacionados.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Figura 1. Reações emocionais de animais de diferentes espécies perante situações de perigo.

Note a ereção dos pêlos no gato e no cão, e das penas na galinha. (A) gato assustado com um

cachorro; (B) galinha afastando um cão de sua ninhada; (C) cachorro aproximando-se de outro

cachorro com intenções hostis. Modificado a partir de Darwin (1872).

Uma função importante das expressões faciais e corporais é de comunicar emoções

a outros indivíduos. Elas funcionam como um sinal preditivo da tendência de um indivíduo a

se engajar em uma série de comportamentos em função das condições ambientais,

incluindo as sociais. E nesse contexto, as expressões faciais e o seu reconhecimento pelos

outros indivíduos do grupo exercem um papel chave na interação social. Gene Sackett

(1966), ao estudar as expressões faciais de macacos que não haviam tido qualquer contato

social prévio ao experimento, observou que esses macacos produziam expressões faciais e

respostas comportamentais diante de fotografias de coespecíficos com diferentes tipos de

expressão (e.g. expressão ameaçadora, de medo ou de alegria) similares a macacos que

faziam parte de um grupo social. Este estudo demonstrou que a experiência social não era

necessária para a produção de expressões faciais e comportamentos típicos de sua espécie

produzidos diante de expressões faciais de coespecíficos. Isso indica que existe um

componente inato tanto na produção de expressões faciais quanto no reconhecimento do

conteúdo emocional das expressões. Entretanto, quando os macacos isolados foram

inseridos em um grupo social, mostraram-se incapazes de reagir prontamente e

apropriadamente a expressões faciais e comportamentos de outros macacos numa

dinâmica social. A experiência social foi fundamental para os macacos previamente isolados

aprenderem sobre mensagens emocionais num contexto social complexo e reagir

apropriadamente a tais situações.

De fato, as emoções estão sujeitas a aprendizagem e memória. Isto é, os animais

são capazes de aprender a apresentar respostas emocionais a estímulos que outrora não

eliciavam respostas emocionais reflexas, e de se recordar do conteúdo aprendido. Essa

capacidade de aprendizagem e memória de natureza emocional resulta em flexibilidade na

emissão de respostas emocionais frente às mudanças do meio ambiente, o que tem alto

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 167

valor adaptativo.

John Watson demonstrou experimentalmente esse tipo de aprendizagem em 1920 –

o que veio a ser conhecido como o caso do pequeno Albert e o rato. Watson observou que

um som alto e estridente induzido por uma martelada numa haste de metal eliciava choro no

bebê Albert – o bebê apresentava um medo natural àquele tipo de som. Watson, em

seguida, colocou um rato albino diante do bebê e observou que Albert tentava tocar no rato,

não apresentando medo pelo animal. Imediatamente depois que o bebê tocou o rato, o

pesquisador produziu um som estridente próximo ao bebê. Depois de alguns pareamentos

entre o rato e o som, Watson observou que Albert passou a chorar na presença do rato. O

bebê passou a sentir medo pelo rato, algo que não sentia antes. Watson demonstrou

experimentalmente que reações emocionais são passíveis de aprendizado: indivíduos

podem aprender a emitir respostas emocionais a novos estímulos.

Ferramentas de estudo: abordagens comportamentais

O procedimento experimental utilizado por Watson foi inicialmente descrito pelo

fisiologista Ivan Pavlov, e em sua homenagem é conhecido por condicionamento Pavloviano

(Fig. 2). Ao estudar a resposta de salivação reflexa de cães, Pavlov observou que os

animais não somente salivavam na presença do alimento, mas também salivavam diante do

pote onde a comida seria apresentada, e até mesmo diante dos sons produzidos na sua

chegada ao laboratório – todos esses eram eventos que prediziam a liberação da comida

aos cães. Pavlov, então, elaborou um experimento no qual pareou o som de uma

campainha, que não eliciava a resposta de salivação nos cães, à apresentação de carne,

que por sua vez naturalmente eliciava a salivação. Depois de realizar esse pareamento 60

vezes, Pavlov apresentou aos cães o som da campainha na ausência da liberação da carne,

e mediu a quantidade de saliva produzida pelos animais. Ele observou que bastava o som

da campainha para os animais salivarem.

O condicionamento Pavloviano, também denominado condicionamento clássico, é

uma ferramenta comportamental comumente utilizada no estudo de aprendizagem

emocional em animais não-humanos e humanos, tanto envolvendo estímulos aversivos

(“negativos”), como no caso do experimento idealizado por Watson, quanto envolvendo

estímulos apetitivos (“positivos”), como no caso do experimento de Pavlov.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 168 Julho/2010

Figura 2. Procedimento de condicionamento Pavloviano. Modificado a

partir de Moreira & Medeiros (2007).

O medo aprendido (ou medo condicionado) tem sido uma das reações emocionais

mais amplamente estudadas pela neurociência. Sua investigação se faz comumente através

do procedimento de condicionamento clássico aversivo. Nesta situação, a apresentação de

um estímulo inicialmente neutro, por exemplo um estímulo sonoro, é pareado algumas

vezes a um evento aversivo, geralmente um choque nas patas do animal. O som passa a

eliciar respostas que tipicamente ocorrem na presença de perigo, como comportamentos

defensivos (e.g., respostas de congelamento), respostas autonômicas (e.g., mudança de

pressão arterial e batimentos cardíacos), respostas neuroendócrinas (e.g., liberação de

hormônios das glândulas adrenais e da pituitária), entre outras. Em geral, toma-se a

resposta de congelamento (ou “freezing”) como medida de medo condicionado em roedores.

Os comportamentos relacionados ao condicionamento Pavloviano são chamados de

comportamentos respondentes. Um comportamento respondente é aquele que é eliciado

por um evento significativo do ambiente (e.g., o choro do bebê Albert perante ao rato albino,

e o congelamento diante do estímulo sonoro condicionado), e prepara o organismo para

enfrentar o evento em questão. Diferentemente, quando um organismo emite um

comportamento para produzir uma consequência, chamamos este comportamento de

operante. Por exemplo, o choro de um bebê para obter a atenção de seus pais é um

comportamento operante: o bebê chora para a obtenção ou manutenção de um estímulo

que lhe causa reações emocionais positivas – a atenção de seus pais. A estímulos desta

natureza nos referimos como recompensas. A resposta de fuga de um animal para escapar

de um predador também é um comportamento operante; neste caso, o animal emite uma

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 169

resposta de esquiva a um estímulo que lhe causa reações emocionais negativas. A

estímulos desta natureza nos referimos como punições.

Condicionamento operante é a situação de aprendizado de um comportamento

operante, e é amplamente empregado no estudo das emoções. O procedimento de esquiva

passiva (ou inibitória) é um exemplo de condicionamento operante aversivo, no qual a

apresentação de um estímulo que produz uma reação emocional negativa aumenta a

probabilidade de o animal emitir uma resposta de esquiva a este estímulo. Nesta situação

comportamental, por exemplo, um rato é introduzido sobre uma estreita plataforma

localizada acima de um assoalho de metal. O rato mostra uma tendência natural de descer

da pequena plataforma para o assoalho da caixa. No entanto, toda vez que o rato toca o

assoalho, recebe um choque nas patas. O tempo que o animal leva para descer da

plataforma aumenta com o treino, indicando aprendizagem do condicionamento operante: o

animal aprende a emitir o comportamento de permanecer sobre a plataforma para se

esquivar de um perigo – o choque nas patas.

Condicionamentos operantes apetitivos também são amplamente empregados no

estudo das emoções. Neste caso, a apresentação de um estímulo que produz uma reação

emocional positiva aumenta a probabilidade de o animal emitir uma resposta para a

obtenção ou manutenção deste estímulo. Por exemplo, é comum a utilização de um

procedimento no qual um rato é treinado a pressionar uma barra no interior de uma caixa

para receber alimento. Outro exemplo é o procedimento de auto-estimulação elétrica. Neste

caso, a estimulação elétrica em determinadas regiões do encéfalo funciona como

recompensa, i.e., o organismo produz comportamentos para obter a estimulação.

O fenômeno de auto-estimulação elétrica tem sido usado como ferramenta para o

entendimento dos mecanismos de recompensa e punição no sistema nervoso. Em algumas

regiões do encéfalo, a estimulação elétrica pode mimetizar os efeitos de recompensas

naturais para um organismo, como os efeitos de comida para um animal com fome ou de

água para um animal com sede. Até mesmo alterações de humor, como sensações de bem-

estar ou de mal-estar relatadas por seres humanos, podem ser provocadas por estimulação

elétrica em determinadas áreas do encéfalo.

Não raro a técnica de apresentação de estímulos de natureza emocional, como por

exemplo figuras e palavras com conteúdo emocional, é empregada nas pesquisas sobre

emoções em seres humanos. Peter Lang e colaboradores (1995) criaram o Sistema

Internacional de Figuras Afetivas (IAPS, do inglês, International Affective Picture System)

que consiste em um conjunto de fotos de cenas de violência, de sexo, de cenas alegres ou

neutras, entre outras, que evocam diferentes respostas emocionais. Centenas de indivíduos

foram expostos a essas fotos e classificaram-nas quanto à valência e ao grau de alerta das

reações emocionais que elas evocavam. Essas cenas e as suas respectivas classificações

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têm sido utilizadas em numerosos estudos que empregam a ferramenta de produzir reações

emocionais em indíviduos. Algumas dessas cenas são mostradas na Fig. 3.

Figura 3. Algumas cenas do Sistema Internacional de Figuras Afetivas (IAPS - International

Affective Picture System). Modificado a partir de Lang et al. (1995).

Bases Neurais

Em 1878, o neurologista Paul Broca cunhou o termo “lobo límbico” para um conjunto

de estruturas nervosas localizadas ao redor do corpo caloso, incluindo o córtex cingulado, o

córtex na superfície medial do lobo temporal e o hipocampo, como mostra a Fig. 4.

Figura 4. Lobo límbico definido por Broca. Modificado a partir de Bear et al. (2002).

Mais tarde, em 1937, o neurologista James Papez propôs que as emoções seriam

processadas por uma rede de circuitos neurais no cérebro que incluia o hipotálamo, o

tálamo anterior, o córtex cingulado e o hipocampo (Fig. 5). Para Papez, a experiência

emocional seria determinada pela atividade do córtex cingulado, e a expressão emocional

pelo hipotálamo. Papez propôs que o córtex cingulado e o hipotálamo manteriam conexões

bidirecionais indiretas entre si através do hipocampo e do tálamo anterior, de modo que a

experiência emocional e a expressão emocional se relacionariam.

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Neurociências

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Figura 5. Circuito proposto por Papez. Modificado a partir de Bear et al. (2002).

No início da década de 1950, o fisiologista Paul MacLean referiu-se ao circuito

proposto por Papez como “circuito de Papez” e adicionou a ele a amígdala, o córtex

orbitofrontal e parte dos núcleos da base propondo um sistema mais ampliado responsável

pelas emoções no cérebro, que denominou “sistema límbico”, valendo-se do termo

inicialmente empregado por Broca. O conceito de sistema límbico como a parte emocional

do cérebro foi amplamente difundido e apesar da sua inconsistência, não é difícil nos

depararmos com esse termo até os dias atuais. Fortes evidências mostram o envolvimento

de algumas estruturas do sistema límbico em processamentos de ordem emocional, como a

amígdala e o hipotálamo. Por outro lado, as pesquisas têm mostrado que outras estruturas

do sistema límbico não desempenham papel importante neste tipo de processamento, como

por exemplo, o hipocampo. Ademais, a idéia de um sistema único responsável pelas

emoções no cérebro tem se mostrado inconsistente. Diferentemente, parece que diferentes

circuitos neurais amplamente distribuídos no sistema nervoso estão envolvidos com

diferentes situações emocionais ou aspectos do processamento emocional.

Algumas estruturas do sistema nervoso têm sido fortemente relacionadas às

emoções. Historicamente, a primeira sugestão de que a amígdala estaria envolvida na

produção de comportamentos emocionais surgiu a partir das observações de Klüver e Bucy

(1939). Esses autores mostraram que a ablação bilateral das porções anteriores do lobo

temporal de macacos produziu um conjunto de comportamentos, denominado síndrome de

Klüver-Bucy, cuja característica principal era o que os pesquisadores chamaram de cegueira

psíquica, que compreendia a aparente perda da reação emocional a estímulos sensoriais,

principalmente os visuais. Isto é, os animais podiam ver perfeitamente, mas os objetos

pareciam ter perdido o seu significado “psicológico”; por exemplo, os macacos lesados

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levavam à boca objetos não comestíveis, tentavam copular com indivíduos do mesmo sexo

ou de outras espécies, e perdiam o medo por cobras e pessoas. Mais tarde, outros estudos

tentaram determinar que regiões específicas do lobo temporal tinham maior relevância na

síndrome, e nesse sentido, o trabalho de Weiskrantz (1956) foi marcante por demonstrar

que a ablação bilateral da amígdala em macacos levou a uma série de mudanças

comportamentais que incluia mansidão, perda de responsividade emocional, exame

excessivo de objetos, consumo de itens alimentares previamente rejeitados e aproximação

de objetos previamente relacionados ao medo, que em muito se assemelhavam aos

comportamentos observados por Klüver e Bucy. Weiskrantz (1956) também reportou que a

ablação bilateral da amígdala em macacos resultou em prejuízo na aprendizagem da tarefa

de esquiva ativa, em que o animal deve produzir uma resposta operante (de esquiva) na

presença de um estímulo que sinaliza a pendência de um choque. Baseado nessas e em

outras observações, Weiskrantz (1956) foi um dos primeiros a sugerir que a amígdala seria

fundamental para que as representações de estímulos preditivos fossem associadas às

propriedades afetivas de estímulos biologicamente significativos – idéia que é sustentada

até hoje por numerosas evidências. Mais tarde, Jones e Mishkin (1972) sugeriram que

muitos dos sintomas da síndrome de Klüver-Bucy seriam decorrentes do prejuízo neste tipo

de aprendizagem (ver Rolls, 1992). Consistentes com esses achados e com essa

interpretação estão os relatos do envolvimento da amígdala no medo condicionado (descrito

acima), onde um estímulo (e.g., um som) prediz a ocorrência de um estímulo aversivo (e.g.

um choque). Humanos e animais não-humanos com danos na amígdala não aprendem a

apresentar medo diante do estímulo preditivo, diferente de indivíduos normais. De fato, do

ponto de vista hodológico, a amígdala encontra-se em condições de associar

representações sensoriais de um dado estímulo com as propriedades afetivas de um

estímulo significativo. Depois de processadas e associadas na amígdala, essas informações

podem modificar respostas autonômicas, endócrinas, somáticas e comportamentais por

meio das diferentes áreas de projeção da amígdala.

Estudos com seres humanos têm demonstrado que a amígdala exerce um papel

fundamental no reconhecimento de expressões faciais de medo. Este envolvimento da

amígdala se dá especialmente em se tratando de expressões faciais de medo, e não de

outros tipos. Por exemplo, se solicitarmos a um paciente com dano amigdalar classificar

uma expressão facial de medo numa escala de 1 (sem medo) a 6 (amedrontada), ele dirá 2

ou 3, ao passo que um indivíduo normal dirá 5 ou 6. O mesmo não ocorre para uma

expressão facial alegre: ambos os sujeitos classificarão essa expressão dentro da mesma

escala. Em seres humanos, a amígdala parece ser fundamental para a avaliação de

somente poucos tipos de expressões faciais, e não parece importante para produzir

expressões faciais apropriadamente. De fato, danos amigdalares em seres humanos

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Neurociências

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provocam fracos prejuízos na interação social, o que não ocorre em animais não-humanos.

Macacos com danos na amígdala, por exemplo, mostram graves prejuízos em responder a

estímulos sociais e, em geral, são isolados do convívio social pelos outros indivíduos do

grupo.

Outra estrutura nervosa que tem sido sistematicamente descrita como envolvida em

processamento emocional é o córtex orbitofrontal. Uma das primeiras evidências disso

surgiu do famoso caso Phineas Gage. Phineas Gage, aos 25 anos, era o contramestre de

uma equipe que trabalhava na construção de uma estrada de ferro. O trabalho de Phineas

Gage era preparar dinamites para a explosão das rochas do terreno. Em setembro de 1848,

um trágico acidente acometeu Gage. Uma explosão inesperada produzida por um erro no

preparo de uma dinamite fez com que uma barra de ferro penetrasse pela bochecha de

Gage saindo pelo topo frontal de sua cabeça. Gage se recuperou dos ferimentos produzidos

pelo acidente, mas mostrou mudanças acentuadas em seu comportamento e personalidade.

Antes do acidente ele era uma pessoa responsável e admirada pela eficiência, paciência e

bom gerenciamento em seu trabalho e vida pessoal. Depois, tornou-se irresponsável,

impaciente e grosseiro. Também não conseguia planejar ações para o futuro e executá-las;

logo se perdia em outros planejamentos, que sempre abandonava. No entanto, ele não

apresentava sinais de prejuízos de outras naturezas, tais como perda de inteligência,

deficiências motoras ou de percepção. Gage parece ter perdido a habilidade de controlar

suas respostas emocionais. Parece ter perdido também a habilidade de avaliar o significado

dos eventos e tomar decisões apropriadas diante deles. O resultado disso foi que Gage logo

foi demitido de seu emprego e seguiu uma vida sem direcionamento até sua morte, que se

deu 13 anos mais tarde, fruto de uma forte crise epiléptica. O crânio de Phineas Gage e a

barra de ferro que produziu o acidente foram preservados, e muitos anos mais tarde,

Damasio e colaboradores (1994) reconstruíram a lesão de Gage com técnicas de

neuroimagem confirmando o dano da porção ventromedial do córtex pré-frontal, como

mostra a Fig. 6.

A região acometida em Phineas Gage corresponde a uma parte do córtex

orbitofrontal. O córtex orbitofrontal equivale à porção mais ventral do córtex pré-frontal e

recebe este nome por estar posicionado imediatamente acima das órbitas. O córtex

orbitofrontal é particularmente bem desenvolvido em primatas, incluindo seres humanos, e

pouco desenvolvido em outros animais, tais como os roedores. Em seres humanos, lesão do

córtex orbitofrontal resulta em euforia, irresponsabilidade e perda de afeto. Essas alterações

se refletem na tendência a responder a determinados estímulos quando responder é

inapropriado. Esta característica é evidente também em primatas não-humanos e em

roedores com danos na mesma região. Por exemplo, macacos e ratos com lesão do córtex

orbitofrontal exibem desempenho prejudicado em um teste comportamental denominado

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tarefa de reversão. Nesta tarefa, o animal é inicialmente recompensado por escolher um

determinado objeto entre um conjunto de objetos diferentes. Em seguida, o reforçamento é

revertido, ou seja, a escolha de um outro objeto e não mais do primeiro é que passa a ser

recompensada. Animais com danos no córtex orbitofrontal continuam respondendo ao

primeiro objeto depois da reversão, diferentemente de animais normais, que alteram a sua

escolha para o objeto que passa a resultar em recompensa. De maneira similar, lesão do

córtex orbitofrontal também leva a prejuízo em tarefas de extinção, nas quais a escolha de

um objeto, que inicialmente era recompensada, passa a resultar em nenhuma recompensa.

Animais com lesão do córtex orbitofrontal continuam respondendo mesmo quando as

respostas não são mais reforçadas, diferentemente de animais normais, que param de

responder. Sugere-se que a atividade do córtex orbitofrontal facilitaria a mudança de

representações associativas antigas e a aquisição de novas associações pela amígdala

(Schoenbaum et al., 2007). De fato, essas estruturas mantêm densas conexões

bidirecionais entre si. Essas mudanças comportamentais resultantes de danos no córtex

orbitofrontal têm sido relacionadas com a incapacidade de tomar decisões apropriadas

observadas em seres humanos e outros animais com lesão nesta região.

Figura 6. O crânio de Phineas Gage e a reconstrução da imagem do seu encéfalo

trespassado pela barra de ferro. Modificado a partir de Gazzaniga et al. (2006).

O núcleo accumbens, por sua vez, está envolvido com os estados afetivos ligados a

recompensas prazerosas. Por exemplo, estudos eletrofisiológicos mostram que a ativação

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Neurociências

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de neurônios do núcleo accumbens se dá pela apresentação de estímulos prazerosos como

alimentos, oportunidade de contato sexual com outros indivíduos, e até mesmo drogas de

abuso como anfetamina, heroína e cocaína. A ativação dessa região também se dá por

estímulos reforçadores secundários, i.e., estímulos inicialmente neutros que passam a

predizer a ocorrência das recompensas naturais. Evidências sugerem que as projeções

dopaminérgicas para o núcleo accumbens estão envolvidas com a atribuição de valor de

incentivo a recompensas. Por valor de incentivo entende-se o quanto um organismo deseja

um determinado estímulo, ou seja, o quanto ele está disposto a trabalhar para obter aquele

estímulo. Isso é diferente de valor hedônico, que se refere a quanto um organismo gosta de

um determinado estímulo. A dopamina parece ser importante para o valor de incentivo, mas

não para o valor hedônico das recompensas. Por outro lado, os neurotransmissores

opióides parecem estar envolvidos com o valor hedônico. Por exemplo, a ativação de

receptores opióides no núcleo accumbens por injeção de morfina aumenta a habilidade de

uma solução adocicada eliciar reações afetivas positivas.

Dentre outras regiões importantes para o processamento emocional encontram-se,

por exemplo, o córtex cingulado, o hipotálamo lateral e estruturas do tronco encefálico. O

córtex cingulado está envolvido com as sensações e antecipações de dor. Um dos

tratamentos para dores intratáveis em seres humanos consiste na destruição do córtex

cingulado, que por razões ainda não claras, também auxilia no tratamento de depressão e

do transtorno obsessivo-compulsivo. Danos no hipotálamo lateral, por sua vez, eliminam

comportamentos motivados, como por exemplo o comportamento de se alimentar, de beber,

e o comportamento sexual. E consistentemente, a estimulação elétrica do hipotálamo lateral

elicia esses tipos de comportamentos, além do comportamento maternal, do ataque

predatório, do comportamento defensivo, entre outros. Finalmente, apesar de a visão

tradicional sobre as funções do tronco encefálico colocarem-no numa posição meramente

reflexiva, estudos recentes têm atribuído a ele importância para as experiências emocionais.

Por exemplo, a sensação de dor é modulada pela substância cinzenta periaquedutal,

enquanto que a sensação de prazer eliciada por um alimento é modulada pelo núcleo

parabraquial da ponte. O núcleo tegmental peduncolopontino tem se mostrado importante

para o valor reforçador de drogas de abuso como a morfina e a anfetamina. De fato, a

capacidade de reagir a estímulos significativos do ambiente, função primordial das emoções,

é tão fundamental para a sobrevivência e sucesso do indivíduo, que ela deve ter surgido

muito cedo na história evolutiva dos vertebrados, quando a organização do sistema nervoso

era dominada pelo tronco encefálico (Panksepp, 1998).

A relação das emoções com outras funções cognitivas

Conforme descrevemos acima, pacientes com lesão da amígdala se mostram

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prejudicados em apresentar respostas autonômicas de medo a um estímulo que prediz a

ocorrência de um estímulo aversivo. Por exemplo, a paciente S.P., com dano bilateral na

amígdala, foi apresentada à figura de um quadrado na tela de um computador por alguns

segundos, a qual se seguia imediatamente um choque fraco no seu pulso. Pessoas normais

mostram alterações na condutância da pele imediatamente após o recebimento do choque,

indicando reação aversiva ao choque, e também mostram alterações na condutância da

pele perante à figura do quadrado após alguns pareamentos, indicando o aprendizado do

condicionamento aversivo. Entretanto, a paciente S.R. apesar de mostrar alterações na

condutância da pele em resposta ao choque, não mostrou qualquer alteração diante do

quadrado, demonstrando que não foi capaz de aprender o condicionamento aversivo.

Apesar disso, a paciente foi capaz de relatar verbalmente que sabia que receberia um

choque tão logo o quadrado fosse apresentado na tela do computador. Claramente esses

dados demonstram uma dissociação entre o aprendizado explícito sobre um evento

emocional e o aprendizado implícito sobre a mesma situação. Como foi discutido em

capítulo anterior, o aprendizado explícito depende do funcionamento do hipocampo, e

consistentemente, pacientes com lesão hipocampal, quando testados na mesma tarefa,

apresentam alterações normais na condutância da pele perante ao quadrado, mas são

incapazes de relatar sobre a associação existente entre o quadrado e o choque no pulso.

De fato, as emoções têm um forte componente não declarativo ou inconsciente. O

significado emocional de estímulos pode ser processado inconscientemente. Em um

experimento clássico, Lazarus e McCleary (1951) reportaram a existência de reações

emocionais a estímulos percebidos subliminarmente, ou seja, sem conhecimento

consciente. Lazarus apresentou algumas letras na tela de um computador em períodos de

tempo muito curtos (da ordem de milisegundos), de forma que não pudessem ser

percebidas de forma consciente. Depois de alguns pareamentos de algumas letras com

choques elétricos, Lazarus evidenciou que os sujeitos exibiam respostas autonômicas

perante às letras condicionadas, mesmo sem nenhuma percepção consciente delas.

Num teste chamado impressão emocional subliminar, idealizado por Murphy e

Zajonc (1993), uma foto de um rosto com expressão sorridente ou furiosa era apresentada

subliminarmente a um sujeito na tela de um computador, seguida de um estímulo-alvo,

como por exemplo, um ideograma chinês. Zajonc evidenciou que quando os sujeitos eram

questionados sobre suas preferências aos estímulos-alvo, relatavam preferência aos

ideogramas associados às expressões sorridentes, e não às furiosas, indicando que os

estímulos-alvo adquiriram um significado emocional em função de uma reação emocional

ativada subliminarmente pelas expressões faciais percebidas inconscientemente.

Interessantemente, a impressão emocional se mostrou mais eficaz quando as expressões

faciais eram apresentadas de forma subliminar do que quando eram percebidas

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Neurociências

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conscientemente pelos sujeitos.

Estes estudos mostram que as emoções são particularmente sensíveis a estímulos

inconscientes. De fato, a percepção estritamente inconsciente de um estímulo e a sua

influência nas reações emocionais não são passíveis de questionamento, ao passo que a

percepção consciente de um estímulo possibilita algum controle sobre as reações

emocionais que ela gera ou influencia.

O significado emocional de um estímulo também pode ser aprendido

declarativamente, e não só por meio de um procedimento implícito, como o condicionamento

aversivo. Um exemplo é o fenômeno do medo instruído, no qual aprendemos a ter medo de

algo por aprendizagem declarativa, mesmo sem nunca termos experienciado de fato o

estímulo aversivo, ou seja, mesmo sem nunca termos sido condicionados aversivamente ao

dado estímulo. Por exemplo, somos capazes de aprender a ter medo de tocar uma tomada

porque fomos instruídos que podemos levar um choque elétrico se o fizermos, mesmo sem

nunca termos tocado sequer uma tomada e recebido choque. A amígdala também se mostra

importante neste tipo de aprendizagem emocional.

A interação das emoções com o sistema de memória declarativa também se dá de

uma outra maneira: as emoções podem intensificar nossas memórias declarativas. Isso fica

claro pelo fato de experiências emocionais serem melhor recordadas do que experiências

sem conteúdo emocional. Se nos propusermos a recordar alguns eventos que vivenciamos,

é mais provável que nos recordemos de eventos de cunho emocional, como o falecimento

de um ente querido, o primeiro namorado, etc. O processo de armazenamento de uma

memória envolve inicialmente a codificação da representação da memória do evento em

questão, seguido pela consolidação dessa memória, que é o processo pelo qual novas

memórias tornam-se mais permanentes e resistentes à perda. O estado de alerta produzido

por um evento emocional aumenta a atenção direcionada ao evento, o que faz melhorar a

codificação da representação dessa memória. Além disso, a atividade do hipocampo é

modulada pela amígdala melhorando o processo de consolidação da memória de um evento

emocional.

Numa perspectiva evolutiva, a melhora da memória para eventos significativos do

ambiente tem um alto valor adaptativo, pois garante que a informação sobre esses eventos

seja disponibilizada em ocasiões futuras, aumentando a probabilidade de sobrevivência e

sucesso do indivíduo.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Neurociências

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Neurofisiologia da Linguagem

Rodrigo Collino Laboratório de Neurociência e Comportamento

[email protected]

Introdução

Dentro das ciências cognitivas, o estudo da linguagem tem ganhado grande

atenção nas últimas décadas. É uma área que envolve diversos detalhes e grande

complexidade, dado o emprego de técnicas desenvolvidas apenas recentemente (a partir da

metade do séc. XX) em estudos neurocientíficos. Anteriormente a este período, as

conclusões de médicos acerca da neurofisiologia da linguagem eram abstraídas somente

através da análise da casos clínicos, advindos de acidentes que causassem danos a áreas

específicas do cérebro, e que acabavam por desenvolver sequelas de cunho linguístico – na

compreensão da fala, ou na produção de mesma, por exemplo. Retrocedendo mais ainda no

tempo, pensava-se na Grécia Antiga que o controle da linguagem estivesse concentrado

totalmente na língua do indivíduo. Assim, ao encontrar um indivíduo que, provavelmente

devido a um acidende vascular cerebral (AVC), apresentasse dificuldades na dicção, era

comum oferecer-lhe tratamento através de massagens em sua língua, na esperança de

recobrar-lhe a fala. Atualmente, estudiosos da neurociência contam com instrumentos

aguçados de avaliação da atividade cerebral, tais como fMRI, MEG, PET e ERP, a fim de

correlacionar características da linguagem e regiões cerebrais específicas e seus

respectivos padrões de ativação neuronal.

Neste capítulo, vamos explorar algumas das maravilhas da linguagem produzidas

pelo cérebro humano: o que a torna tão particular da espécie humana, sua lateralização e

modularidade cerebral, distúrbios ocasionados pela falha em alguns de seus mecanismos, e

como é possível o cérebro aprender e utilizar mais de uma língua para nossa comunicação.

A Linguagem é exclusiva do Homem?

Vivemos imersos neste complexo comportamento chamado linguagem; ouvimos,

falamos, lemos e escrevemos quase que instintivamente e inconscientemente, sem pensar

muito na ordem das palavras que emitimos, ou no som das sílabas que ouvimos. Bebês

nascem e, em questão de 1 ou 2 anos, já entendem muito de sua língua-mãe e não levam

muito mais tempo para se comunicarem fluentemente.

Antes objeto de estudo apenas de linguistas, hoje a Linguagem passa também ao

domínio de neurocientistas que procuram traçar sua ontogenia cerebral, e até mesmo

encontrar semelhanças entre a nossa comunicação e aquela usada por outros animais. De

certo, algumas espécies de animais se comunicam, como as aves, cães, lobos e primatas,

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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mas até que ponto esta forma de comunicação pode ser equiparada à nossa? Será que

alguma outra espécie poderia aprender a “linguagem dos homens”?

Neste sentido, vários experimentos têm sido realizados, especialmente com

chipanzés. Em um deles, tentou-se ensiná-los a aprender palavras em Inglês de elementos

presentes em seu ambiente, e esperar que falassem ou ao menos entendessem o que lhes

fora apresentado. Um dos resultados mais significativos deste experimento foi perceber que

tais primatas possuem um sistema fonador diferenciado do nosso, o que limita

enormemente a produção de nuances dos sons que podem ser emitidos pela espécie

humana, e também que conseguiam compreender apenas 400 palavras aos 2,5 anos. Em

outra tentativa de ensinar um chipanzé a comunicar-se, optou-se pela Linguagem de Sinais

(ASL), e chegou-se à seguinte conclusão: até os 4 anos de idade, o chipanzé havia

aprendido a sinalizar 160 palavras, e chegou até mesmo a produzir a composição “water

bird” ao ver um cisne em um lago. Pois bem, comparando-se com crianças de nossa

espécie, aos 4 anos de idade, elas já possuem um vocabulário de aproximadamente 3.000

palavras. Além disso, não é possível saber com certeza se a produção de “water bird” por

aquele chipanzé representava uma alegoria ao cisne ou se, simplesmente, eram duas

mensagens separadas – uma indicando a água em si, e a outra indicando o cisne.

De modo muito diferente, a espécie humana parece ter sido selecionada com esta

característica inata à linguagem: atualmente, no planeta, contam-se 10.000 idiomas e

dialetos dentre todos os povos da raça humana. Além disso, casos de indivíduos que

cresceram em total isolamento com a sociedade relatam o desenvolvimento de formas

próprias de comunicação. Por fim, há algumas características que diferem a comunicação

humana daquela encontrada em qualquer outra espécie animal. São elas:

criatividade: a capacidade de gerar novas associações de palavras – ou até

mesmo criar um novo dialeto;

forma: uso de fonemas e sílabas para compor palavras, e emprego de regras

sintáticas bem definidas para compor sentenças, tudo isso sem a necessidade de

intrução formal, mas da aprendizagem implícita – experienciada em nosso dia-dia;

conteúdo: não só as palavras, mas também gestos, expressões faciais e a

entonação utilizadas carregam significado na comunicação humana.

uso: a língua serve o propósito de meio de comunicação social e também para

identidade própria (expressa nossos pensamentos e emoções).

Assim, podemos dizer que nossa forma de comunicação é única e complexa

dentre os seres vivos de nosso planeta. Surgem também algumas questões, de discussão

atual no meio científico: esta capacidade única do ser humano reflete algum ajuste fino do

cérebro primata para o propósito específico da linguagem? Ou tal capacidade dever-se-ia ao

desenvolvimento de uma arquitetura neural completamente nova? Para melhor nos ajudar

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 181

na busca por respostas a estas perguntas, vamos agora olhar para dentro do centro da

linguagem: o cérebro humano.

Neuroanatomia da Linguagem

Todos os aspectos da linguagem são comandados pelo cérebro: a captação de

ondas sonoras provenientes da conversa entre duas pessoas é levada ao sistema nervoso

central pelo nosso sistema auditivo; a produção da fala, envolvendo a articulação dos lábios

e língua, também tem seu controle motor coordenado pelo cérebro; a leitura e a escrita, e

até mesmo nossa linguagem corporal, intermediados pelos sistemas visual e motor, são

orquestrados pelos 1,5 quilo de massa cinzenta que se encontra dentro de nossa caixa

craniana.

Cada uma destas funções linguísticas encontra-se sob responsabilidade de áreas

neuroanatômicas bem definidas e localizadas, que serão ilustradas na Fig. 1 e Tab. 1:

Tabela 1 - Relação de algumas estruturas cerebrais e seus respectivos papéis na linguagem.

Estrutura neuroanatômica Função controlada

Região temporo-superior posterior esquerda

Compreensão da fala e escrita

Região frontal inferior posterior esquerda Expressão oral e escrita

Córtex auditivo primário Percepção de sons

Região temporo-parietal esquerda Categorização de fonemas

Córtex estriado e pré-estriado Visualização de palavras

Córtex pré-frontal Iniciação e categorização de palavras

Tálamo Interface semântico-lexical

Percebemos, então, um fenomêno de lateralização cerebral no que se diz respeito

ao controle da linguagem, determinando o hemisfério esquerdo como dominante. De fato,

99% das pessoas destras e 70% dos canhotos desenvolvem tal característica. O hemisfério

Figura 1 – Principais áreas anatômicas do cérebro humano.

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direito também participa em características importantes da linguagem, tais como

compreensão de respostas não-verbais, leitura de números, letras e palavras curtas, e

conferir entonação, ritmo e prosódia à lingua falada. O centro de compreensão prosódica

também localiza-se no hemisfério direito (córtex posterior).

Hoje é possível “ver” o cérebro em funcionamento através de procedimentos como

PET e fMRI. Vários experimentos tem sido feito envolvendo linguagem e mapeamento

cerebral. Na Figura 2 estão representados resultados obtidos quando da ativação cerebral

em função de diferentes usos da linguagem:

Portanto, podemos prever que danos em determinada porção do tecido cerebral

podem afetar uma característica específica da linguagem. São diversas as disfunções

decorrentes de AVC, conhecidas como afasias (difunções na produção ou compreensão da

fala), alexias (disfunções na leitura) e agrafias (disfunções na escrita). As mais conhecidas

são as afasias de Broca, de Wernicke e de Condução.

A afasia de Broca afeta o conteúdo da expressão oral e escrita.Geralmente é

decorrente de lesões na região fronto-posterior esquerda, produzindo alterações no paciente

equivalentes a uma “fala telegráfica”: substantivos são usados apenas no singular, verbos

sem flexão, levando até mesmo a uma total quebra na sintaxe da frase (p.e., “Senhoras e

senhores, por favor dirijam-se à sala de jantar”, seria produzido por um destes pacientes

como “senhora, senhor, sala”). A afasia de Wernicke não prejudica a produção, mas sim a

compreensão da fala e da escrita. Devido a esta dificuldade de compreensão, sua fala fica

afetada por uma fluência em excesso, com abundância de palavras e frequentes trocas de

assunto dentro do mesmo trecho discursivo, produzindo uma espécie de “vazio” na fala.

Geralmente é resultado de lesões na região temporo-posterior superior esquerda. A afasia

de Condução ocorre quando o fascículo arqueado (região parietal esquerda), que interliga

as regiões de Broca e Wernicke, é rompido. Seus principais sintomas são dificuldades na

repetição de frases e palavras e na nomeação de objetos, e troca de letras durante a escrita.

Figura 2 – Níveis relativos de fluxo sanguíneorepresentado por cores. Vermelho indica osmaiores níveis, e níveis progressivamentemenores são indicados por laranja, amarelo,verde e azul. Retirado de Posner e Raichie, 1994.

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Neurociências

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Existem também disfunções da linguagem observadas por lesões no hemisfério

direito do cérebro: indivíduos que utilizam um único tom de voz na linguagem após lesão no

córtex frontal direito, e indivíduos que não conseguem realizar compreensão prosódica após

lesão no córtex posterior direito.

Há, ainda, aqueles distúrbio linguísticos sem lesões vasculares ou mecânicas

aparentes, apontando apenas para um componente genético. A dislexia, por exemplo,

envolve grandes dificuldades em processos fonêmicos, ocasionando atrasos no aprendizado

de leitura e grafia incorreta de palavras. Estudos recentes apontam para um possível

correlato anatômico da dislexia: indivíduos disléxicos apresentam tamanho levemente

reduzido do hemisfério esquerdo, com grupos de neurônios “mal-posicionados” no planum

temporale esquerdo – o que sugere um atraso na migração daquelas células durante o

desenvolvimento. Existe, ainda, uma dificuldade em processar estímulos sensoriais (visuais

ou auditivos) de forma rápida por parte de indivíduos disléxicos, quando comparados à

população normal.

O Cérebro Bilíngue

Comunicar-se, portanto, parece pertencer ao acervo biológico do homem, herdado

geneticamente de nossos ancestrais; em nossa espécie, há um instinto para o

desenvolvimento da linguagem – apesar dos possíveis problemas ou deficiências no

decorrer do percurso. E quanto à comunicação em duas línguas? Como está preparado o

nosso cérebro para aprender dois ou mais idiomas, e processá-los a nível neural? Existem

populações neurais específicas para cada idioma, ou que se complementam no

processamento de mais de um idioma? Aqui, devido à modularidade cerebral - já conhecida

não apenas para diferentes funções cognitivas do ser humano (como memória, motricidade,

visão, olfato), mas também para diferentes características linguísticas, temos novamente

que discernir entre as várias habilidades envolvidas também na comunicação bilíngue:

percepção de fonemas estrangeiros, aquisição de um léxico e de estruturas próprias da

língua em questão, articulação da fala e compreensão auditiva a uma velocidade adequada

para interação com nativos daquela língua, entre outras.

Experimentos em eletrofisiologia têm privilegiado as questões linguísticas que

envolvem aquisição e uso do léxico e da gramática em uma ou mais línguas (Perani &

Abutalebi, 2005), enquanto outros se propuseram a abordar a percepção fonêmica,

destacando-se entre estes Kuhl (2000), Stager & Werker (1997) e Rivera-Gaxola . (2001),

apontando para padrões de organização neural no córtex auditivo primário de crianças e

adultos.

A plasticidade neural particularmente em crianças é algo notável e aceito tanto

pela comunidade científica como pela sociedade leiga em geral, a qual percebe a facilidade

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e velocidade de aprendizado de novas tarefas – em especial, a aquisição de outro idioma.

Mehler e Christophe (2000) sugerem que recém-nascidos já discriminam entre dois idiomas

estrangeiros, ao passo que, curiosamente, bebês aos dois meses de idade não o fazem

mais. Isso parece indicar haver um período ótimo para esta percepção, após o qual ela

deixa de existir. Ainda assim, percebe-se que a facilidade em aprender uma outra língua (o

chamado período crítico) continua até aproximadamente quando se inicia a puberdade

(Stromsworld, 2000), caracterizando ao longo do desenvolvimento infantil algumas janelas

de oportunidade - períodos em que a aquisição de habilidades específicas seriam

favorecidas por fatores genéticos, hormonais e de plasticidade neural. Os primeiros estudos

utilizando-se de indivíduos bilíngues demonstraram que adultos que haviam aprendido duas

línguas simultaneamente na infância apresentaram uma região em comum para

processamento de ambas as línguas, ao passo que aqueles adultos que haviam aprendido

duas línguas em momentos distintos de sua vida apresentavam regiões corticais também

distintas quando utilizando cada um dos idiomas (Fig. 3):

Figura 3 – Resultados de fMRI mostrando centros de ativação da linguagem para a fala em dois idiomas, em dois indivíduos adultos, sendo o da esquerda uma situação de aprendizado tardio do idioma, e o da direita, de aprendizado simultâneo de duas línguas. Retirado de Kim , 1997.

Outro importante estudo neste campo provou que não somente a idade, mas

também o nível de proficiência (ou domínio) do idioma influi na representação cerebral.

Estudos com fMRI encontraram maior densidade de massa cinzenta na região temporo-

parietal esquerda do cérebro daquelas pessoas que haviam aprendido mais precocemente

duas línguas e que possuíam maior grau de proficiência. (Mechelli, 2004). Isto equivale a

dizer que quanto mais cedo alguém é exposto a um idioma estrangeiro, maior a quantidade

de conexões entre neurônios naquela região cerebral específica envolvida no

processamento daqueles idiomas.

De fato, tomado de um ponto de vista neurobiológico, nascemos prontos para

aprender qualquer idioma. Uma criança que nasce na Coréia vai aprender coreano tão bem

quanto uma criança que aprende italiano por ter nascido na Itália, embora estas duas

línguas possuam sotaques e alguns sons de vogais e consoantes próprios, diferentes entre

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Neurociências

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elas. Nosso cérebro, nos primeiros anos da infância, não faz distinção entre japonês e

inglês, português e alemão, ou quaisquer outras línguas entre si. É somente após alguns

meses de vida que nosso sistema nervoso central começa a privilegiar os sons mais

freqüentes ao nosso meio, e por consequência, a não mais reconhecer fonemas

estrangeiros que não fazem parte do sistema de sons a que a criança está sendo exposta

(Fig. 4). Daí vem a dificuldade que muitos adultos encontram em, primeiro, perceber

auditivamente e, depois, em pronunciar determinados fonemas estrangeiros – como nas

palavras bad e bed, em inglês, para os brasileiros, ou como nas palavras avô e avó, em

português, para os povos de língua espanhola.

Conclusão e Perspectivas

O campo da neurociência se abre cada vez mais para estudos da linguagem.

Processos que envolvem desde a aquisição de uma língua, passando pelo seu

processamento, distúrbios, anomalias, codificação gênica, representação mental, e

chegando até o fenômeno do bilinguismo, todos ainda reservam perguntas que têm ajudado

em nossa construção do conhecimento acerca desta fascinante área.

Podemos apontar como perspectivas para o futuro algumas linhas de estudo:

Interação entre linguagem e sistemas de memória;

Ontogenia, prevenção e reabilitação de afasias e dislexias;

Melhor compreensão do papel de estruturas subcorticais no processamento linguístico;

Organização do léxico de duas ou mais línguas na memória;

Neurofisiologia da aquisição e processamento de duas ou mais línguas em diferentes idades

e níveis de proficiência.

Figura 4 – Linha do tempo para percepção de sons da fala em bebês, de 0 a 12 meses de idade. Retirado de Kuhl, 2004.

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Neurociências

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Neurofisiologia da música

Felipe Viegas Rodrigues Laboratório de Neurociência e Comportamento

[email protected]

Introdução

A música é uma forma de arte e expressão humana presente mundialmente

(Hauser e McDermott, 2003; Gray e col., 2001; Tramo, 2001), irrestrito a gênero, classe

social, língua ou idade. Freqüentemente tratada apenas como uma manifestação cultural,

um alvo de pesquisa “não-essencial” (Zatorre, 2003), essa distribuição global gera indícios

de que a música é mais do que isso. Ainda assim, não há uma explicação clara e

consensual de suas vantagens adaptativas (Pinker, 1998).

A física por trás da música

A grande maioria dos sons encontrados na natureza, senão todos, assim como

notas musicais, são complexos, formados pela composição espectral de ondas senoidais

(isto é, por mais de uma freqüência). A composição de várias ondas produz um som muito

específico, que carrega uma “assinatura sônica” do corpo que a produz. É o seu timbre.

Se tal som tem período definido (chamado som musical) ele possuirá uma

freqüência fundamental, igual à freqüência da senoidal de menor comprimento de onda na

composição espectral. As outras ondas envolvidas naquela composição são chamadas de

harmônicos e são múltiplos da freqüência fundamental. É justamente a composição

espectral de seus harmônicos que dá a cada som seu timbre. A uma composição qualquer é

dado o nome série harmônica.

Notas musicais são uma classificação subjetiva de freqüências sonoras ao longo

do nosso espectro de audição. Elas estão baseadas em uma tonalidade, a qual é um

atributo perceptual do som, o que se contrapõe à freqüência, que é um atributo físico

(Bendor e Wang, 2006). É por isso que nem todos os povos utilizam o mesmo Sistema de

Afinação para compor suas notas musicais (ver Porres, 2007), isto é, diferentes culturas

utilizam em suas músicas diferentes instrumentos musicais com diferentes conjuntos de

notas musicais.

Apesar das diferenças interculturais, há algumas particularidades nos sistemas de

afinação; uma característica sempre presente, independente do sistema de afinação

utilizado é a repetição de notas ao longo do espectro de audição, isto é, por mais que

escutemos sons distintos, um mais grave e outro mais agudo, eles ainda soam muito

semelhantes (e são considerados a mesma nota musical). Portanto, ao longo do espectro de

audição, temos um determinado conjunto de notas (definido de acordo com o sistema de

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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afinação utilizado) se repetindo em intervalos regulares. A esse fenômeno dá-se o nome

oitavas musicais. É possível explicar neurofisiologicamente esse fenômeno.

Base dos mecanismos neurais da música em humanos

Além do arranjo já descrito no primeiro capítulo deste módulo, temos populações

de neurônios específicas para a percepção de freqüências fundamentais. Bendor e Wang

(2005), estudando o córtex de sagüis, encontraram em A1 neurônios capazes de disparar

potenciais de ação não apenas para um único som complexo, mas também para seus

múltiplos. Exemplificando: a mesma população de neurônios que dispara para sons com

freqüência fundamental de 440 Hz, dispara também para sons com fundamental em 110,

220, 880, 1.760, 3.520 Hz e etc. Uma dada população pode disparar inclusive na ausência

da freqüência fundamental, quando apenas os outros harmônicos da composição espectral

daquele som estão presentes.

Essa descoberta colabora para o entendimento de como o sistema nervoso

processa informações para a percepção de timbre, conceito, que apesar da extrema

relevância (bebês recém-nascidos são capazes de reconhecer o timbre da voz de suas

mães) (Trehub e Hannon, 2006), ainda não tinha o mecanismo fisiológico que o descrevia

completamente compreendido. É o disparo dessas populações de neurônios que permite

que nós associemos vozes diferentes (devido ao espectro de frequências específico das

cordas vocais de cada pessoa) como semelhantes, quando a fundamental envolvida é a

mesma: tais neurônios disparam para sinalizar essa fundamental.

Estes mecanismos perceptuais nos mostram dois fatos importantes: (1) a

percepção de tons musicais está na base do mecanismo fisiológico que propicia a audição

em humanos (e, provavelmente, também em outros organismos); (2) fazemos a

classificação de notas musicais de acordo com aquilo que nosso cérebro está apto a

perceber e não por pura subjetividade. Convencionamos chamar todo som com freqüência

fundamental de 440 Hz de “Lá”. Mas também assim chamamos seus múltiplos (as oitavas)

porque temos uma mesma população de neurônios disparando potenciais de ação para

todos eles, em última instância, fornecendo ao ouvinte a percepção de tais sons são iguais

em alturas diferentes.

Música para quê?

Os mecanismos anteriormente descritos, no entanto, não justificam por si só a

existência de música globalmente. Enfim, para que existe música? Há vantagens evolutivas

nela? Diversos autores já tentaram responder a essa pergunta (Gess, 2007; Masataka,

2007; Hauser e McDermott, 2003; Benítez-Bribiesca, 2001; Gray e col., 2001; Tramo, 2001;

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 189

Wright e col., 2000; Pinker, 1998; Clark, 1879, Darwin, 1874; para citar alguns) e não há

consenso nas respostas.

O autor Steven Pinker estabelece uma proposta bem abrangente, baseada em

seis pontos principais, para tentar responder à questão. Ele ousa dizer: “Eu suspeito que a

música seja um ‘bolo de queijo’ auditivo, uma confecção rara artesanalmente construída

para agradar os pontos sensíveis de pelo menos seis de nossas faculdades mentais”

(Pinker, 1998 - pág. 534). O primeiro aspecto levantado por Pinker é a própria fala. O autor

defende que a letra presente nas músicas faz com que ela ative circuitos neurais

“emprestados”, em particular, da prosódia. Achados mais recentes, relacionando música e

linguagem, serão apresentados mais adiante neste texto.

O segundo aspecto refere-se ao circuito neural relacionado à análise auditiva do

ambiente. Pinker compara a audição à visão, dizendo que assim como recebemos uma

série de estímulos luminosos que precisam ser diferenciados e separados (uma pessoa de

um fundo de árvores, por exemplo), precisamos distinguir os diversos estímulos sonoros que

nos são apresentados, por exemplo, separar um solista de uma orquestra, uma voz em um

ambiente cheio de ruídos, uma vocalização animal em meio a uma floresta cheia de ruídos.

O autor defende que nosso ouvido detecta cada freqüência e envia cada uma delas ao

sistema nervoso, que as associa, percebendo-as como um tom complexo.

“Presumivelmente o cérebro as associa para construir nossa percepção da realidade do

som” – pág. 535. Isto é, a interpretação em tons complexos provavelmente se dá pelo fato

de que sons naturais não ocorrem em freqüências puras, mas como tons complexos; logo, o

sistema nervoso associa novamente as diferentes freqüências que constituem um som

oriundo de um mesmo ponto no espaço e ao mesmo tempo porque são, em verdade, uma

mesma fonte sonora. Nesse sentido, “melodias são agradáveis ao ouvido pela mesma razão

que linhas simétricas, regulares, paralelas ou repetitivas são agradáveis aos olhos”. O

sistema nervoso, então, se utiliza desse circuito neural para fazer a interpretação das

melodias e harmonias presentes na música.

O terceiro aspecto defendido por Pinker é a emoção trazida pela música.

Baseando-se na sugestão de Darwin de que a música surgiu no homem devido às

chamadas de acasalamento de nossos ancestrais, o autor defende que uma série de

“chamadas emocionais” (como murmurar, chorar, rir, resmungar, gritar) tem um apelo

acústico próprio; “é provável que melodias evoquem fortes emoções porque sua estrutura

assemelha-se a chamadas emocionais de nossa espécie”. A música, então, traria diversos

sentimentos à tona semelhantemente a essas expressões emocionais. É interessante notar

que, segundo tal proposta de Darwin, a música poderia ser até anterior à fala.

Outro aspecto apontado por Pinker é a seleção de habitat. Fazendo mais uma

comparação entre o campo visual e auditivo, o autor ressalta que prestamos atenção a uma

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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série de características visuais que sinalizam segurança, insegurança ou mudança de

habitat, como vistas distantes, paisagens verdejantes, nuvens (que trazem chuva) ou pôr-

do-sol. Ele então escreve:

“Talvez nós também prestemos atenção a características do mundo

auditivo que sinalizem segurança, insegurança ou mudança de habitat. Trovões,

ventos, água correndo, pássaros cantando, rosnados, passos, corações e galhos

batendo, todos têm efeitos emocionais, presumivelmente porque eles revelam

eventos dignos de atenção no mundo” - pág. 537.

A música também interferiria com tais circuitos neurais, de tal forma que ela altera

nossas emoções e nossa noção de segurança ou insegurança.

O quinto aspecto ressaltado por Pinker é o controle motor. O ritmo é um

componente universal da música e até mesmo único em algumas culturas. Tal ritmicidade

que nos faz dançar, bater palmas, balançar, e acompanhar a música, certamente estimula

nosso sistema motor.

O último aspecto defendido pelo autor é um “algo a mais” sem explicação

conhecida e que ele coloca como sendo, possivelmente, desde um acidente do

funcionamento conjunto de diversos circuitos neurais até uma ressonância entre disparos

neuronais e ondas sonoras.

As sobreposições entre música e linguagem vão muito além do relatado por

Pinker (1998) em seu livro. Patel (2003a) faz uma revisão da sobreposição existente no

processamento da sintaxe. Música também possui sintaxe e circuitos neurais que fazem o

processamento dessa característica musical parecem ser os mesmos utilizados para a fala.

A evidência vem de ambos os processos gerarem um potencial evocado P600,

significativamente indistinto em amplitude e distribuição no escalpo, após a apresentação de

sentenças verbais ou seqüências de acordes musicais com incongruências de sintaxe

(baseadas em regras de estrutura verbal para os estímulos verbais e regras harmônicas

para os estímulos sonoros). O processamento sintático ocorre em regiões do lobo frontal

anterior.

Koelsch e col. (2004) testaram a capacidade da música para representar

significados. Eles apresentaram palavras aleatórias a voluntários após eles terem ouvido ou

uma frase ou um trecho musical (apenas instrumental). Um eletroencefalograma com

registro de potenciais evocados mostrou a expressão de um componente N400 para a

apresentação de palavras não relacionadas ao estímulo inicial, independente deste ser uma

frase ou um trecho musical, o qual não variou em latência, distribuição no escalpo, fontes

neurais e amplitude. O componente N400 já havia sido descrito em experimentos de

semântica, aparecendo após a apresentação de palavras não relacionadas com o contexto

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Neurociências

Julho/2010 Pág. 191

prévio. Diante dos resultados, os autores concluíram que “a música pode não apenas

influenciar o processamento de palavras, mas ela pode também pré-ativar representações

de conceitos, sejam eles abstratos ou concretos, independente do conteúdo emocional

desses conceitos”; em outras palavras, assim como a linguagem, a música pode facilitar a

compreensão de significados (em palavras e, provavelmente, também contextos).

Há ainda mais: paralelos entre a rítmica da linguagem e a da música (Patel,

2003b). A análise do ritmo da linguagem e da música em subcomponentes e a comparação

entre os domínios revelam que o agrupamento rítmico é semelhante na linguagem e na

música, mas não sua estrutura periódica (que é mais organizada na música). Novas

evidências ainda sugerem que a rítmica de linguagem de uma cultura deixa impressões na

sua rítmica musical. Isto é, diferenças na rítmica da linguagem refletem-se na rítmica

musical nas diferentes culturas. Esses achados reforçam a noção de que a música possui

tanto sintaxe quanto semântica e seja, possivelmente, como a linguagem, relativamente

inerente ao homem e não um simples produto da cultura. Novos estudos transculturais

permitirão afirmar se essas evidências se confirmam.

Fica claro, portanto, que a música tem estreitas e importantes relações com o

funcionamento de diversos circuitos neurais. Estes não foram selecionados por vantagens

adaptativas trazidas pela música, mas permitem, em última instância, sua criação e

percepção. A própria capacidade de discriminação de timbres seguramente não é produto

da necessidade de reconhecimento de diferentes instrumentos musicais. O reconhecimento

de sons complexos com freqüência fundamental definida é importante também para

diferenciar diferentes vocalizações de animais na natureza, além da própria comunicação

entre indivíduos; eles seriam uma boa indicação para distinguir as vocalizações de ruídos de

fundo (Zatorre, 2005). As tonalidades e o timbre certamente serviriam também à

identificação de vozes (lembrem-se dos bebês reconhecendo a voz da mãe). A percepção

de sons complexos evoluiu ao ponto de tornar a percepção de dois sons muito consonantes

como iguais, não só em humanos (Wright e col., 2000). Essa percepção, provavelmente deu

vantagem adaptativa aos seus possuidores. Qual ou quais vantagens é algo ainda incerto.

(Pinker, 1998).

Origens da musicalidade

Se de fato a música tem envolvimento com tantos circuitos neurais, essa

propriedade não pode ser uma exclusividade apenas da espécie humana, mas deve estar

presente no cérebro de outros animais também. A capacidade para interpretar música, de

uma forma diferente de outros sons quaisquer (também chamados sons não musicais) ou,

até mesmo, produzi-la, deve estar presente pelo menos em outras espécies de mamíferos.

O primeiro grupo lembrado quando se fala de música em animais, no entanto, são

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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os pássaros. Desde o século retrasado (Clark, 1879) tal grupo é investigado. As razões são

óbvias, percebidas por qualquer pessoa que já tenha entrado em contato com a natureza (e

escutado o som dos pássaros). Estudos recentes sobre o assunto (Baptista e keister, 2000)

apontam semelhanças entre a melodia do canto dos pássaros e as melodias produzidas

pelo homem. Segundo os autores, os pássaros “frequentemente usam as mesmas

variações rítmicas, relações tonais, permutações e combinações de notas que os

compositores humanos”. Detalhes presentes nas músicas produzidas pelo homem são

também notadas nas melodias usadas pelos pássaros, como inversões de intervalo,

relações harmônicas simples e retenção de uma determinada melodia com a troca de

registro (tonalidade) usado. O caso mais atípico e impressionante, talvez, seja da espécie

Probosciger aterrimus, a Cacatua-Negra, uma espécie de papagaio do extremo norte da

Austrália e Nova Guiné, que molda gravetos para que se assemelhem a baquetas (de

bateria) e batucam em diversos troncos até que achem um com ressonância agradável e,

então, o utilizam para produzir sons como parte de seu ritual de acasalamento.

Mas voltando aos mamíferos, Wright e col. (2000), trabalhando com macacos-

rhesus, mostraram que os mesmos são capazes de reconhecer como semelhantes melodias

idênticas tocadas em oitavas diferentes, mas não em tons diferentes. Ainda, tal

reconhecimento positivo aconteceu para melodias tonais, mas não para melodias atonais.

Estes resultados são consistentes com o achado de Bendor e Wang (2005), já descrito. O

experimento de Wright e colegas, porém, pode ter sido afetado pela exposição prévia dos

animais a música. Freqüentemente tais animais ficam em ambientes com televisões ligadas

para os mesmos (Hauser e McDermott, 2003), portanto, expostos a música e melodias

diversas.

É provável que o caso mais conhecido e consistente de musicalidade nos

mamíferos esteja nas baleias-jubarte (Megaptera novaeangliae). Há décadas que se

conhece o “canto” dessas baleias e estudos recentes (Payne, 2000) também apontam para

semelhanças estreitas com as regras de construção musical utilizadas pelo homem. A

despeito de poderem produzir sons sem ritmicidade ou tonalidade, as baleias optam por

produzir sons rítmicos, de forma semelhante a composições humanas e com tonalidade

definida. Mais do que isso:

- O canto produzido por elas é composto de fraseados de tamanho semelhante às

frases na música composta por homens e, assim como nós, elas exploram diversos

fraseados dentro de um mesmo tema antes de partir para um tema diferente. Da mesma

forma, são freqüentes composições que exploram um tema, partem para uma seção mais

elaborada e, depois, retornam ao tema inicial (semelhante ao nosso formato de composição:

estrofe – refrão – estrofe);

- O tamanho total de um canto (uma música?) assemelha-se ao tamanho médio

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Neurociências

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de músicas produzidas pelo homem, possivelmente pelo fato de que o tamanho de seu

córtex permite uma capacidade atencional semelhante à nossa;

- Ainda que elas tenham uma extensão tonal que alcança sete oitavas musicais,

as baleias preferem compor músicas com intervalo entre notas também semelhantes às

nossas composições (que raramente explora toda essa extensão em uma única

composição);

- Elementos percussivos são incorporados à música e intercalados com tons

puros numa taxa semelhante àquela encontrada em composições humanas;

- Algumas repetições encontradas são semelhantes a rimas, indicando que as

baleias possam usar desse artefato tanto quanto os humanos usam: um recurso mnemônico

para lembrar-se de composições complexas.

Tantos elementos comuns entre os sons musicais produzidos por essas diferentes

espécies apontam para o fato de que a música não possa ser apenas um produto cultural

humano. Nas palavras de Gray e col., 2001:

“O fato de que a música das baleias e dos homens tem tanto em comum, mesmo

com nossos caminhos evolucionários não tendo se cruzado em 60 milhões de

anos, sugere que a música deve ‘predar’ os humanos, ao invés de sermos os

inventores dela. Nós somos adeptos tardios do ambiente musical.” – pág. 53

Tais indícios de produção musical em outras espécies animais reforçam a idéia de

que as raízes da musicalidade devem residir em outros fatores que não a cultura humana.

Talvez uma conseqüência natural da interação entre as freqüências sonoras, que causa

sons mais ou menos desagradáveis ao encéfalo dependendo das freqüências envolvidas.

De fato, as notas utilizadas no sistema de afinação da música ocidental, e em grande parte

do mundo, são derivadas da Série Harmônica (ver

http://www.phy.mtu.edu/~suits/overtone.html para maiores detalhes), com as escalas

musicais sendo construídas com base nas interações entre notas de maior consonância.

Sons musicais chamados de dissonantes causam um fenômeno chamado batimento,

relatado como desagradável pela grande maioria das pessoas e que são freqüentemente

utilizados na música para gerar sensações de suspense e tensão. Ainda, sons dissonantes

apresentados a bebês de apenas quatro meses causam afastamento da fonte sonora,

expressões faciais fechadas e até choro, enquanto que sons consonantes os fazem virar-se

para a fonte sonora e freqüentemente sorrirem (Trainor e Heinmiller, 1998). Dado que

recém-nascidos não tem conhecimento algum de escalas musicais, é improvável que tais

respostas emocionais à música acontecem nestes da mesma forma que elas acontecem

nos adultos. É então plausível que a própria física da interação de freqüências induza a

percepção daquilo que é agradável ou desagradável e permita a produção ou

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reconhecimento de sons musicais mesmo em espécies que não o homem.

Apesar de tantas evidências, a falta de consenso entre pesquisadores sobre a

musicalidade em outras espécies animais permanece. As críticas são freqüentemente

embasadas no fato dos cantos serem essencialmente produzidos por machos, como parte

do ritual de acasalamento. Ainda assim, tal uso não invalida que elas sejam capazes de

produzir sons musicais e que a estrutura das “músicas” produzidas seja semelhante à

humana. Muito pelo contrário, a organização musical semelhante entre diferentes espécies

nos mostra que ela não é um acidente, mas uma propriedade específica do sistema nervoso

central, que caminha em estreitas relações com a comunicação intra-específica e a seleção

sexual.

É possível que a origem da musicalidade de humanos resida nestes mesmos mecanismos

(de seleção sexual), como apontado por Darwin. Mais provável ainda que sua existência se

apóie em diversos fatores e não apenas em um deles, uma propriedade emergente da

interação de diversos sistemas, como apontado por Pinker (1998). Independente dos

motivos pelos quais a música se originou no homem, seguramente os motivos pelos quais

ela permanece são outros (a não ser que ela já tenha se originado por esses outros motivos,

claro – improvável quando se compara com outros grupos). Na espécie humana, a música

adquire outros significados muito mais fortes como promover a coesão de grupo e a

interação social (podendo até possuir a mesma capacidade de abstração e atribuição de

significados que a linguagem, como apontado por Koelsch e col., 2004). Se há algo de

exclusivo entre homem e música, isso parece ser a produção e a apreciação da mesma por

puro prazer.

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Page 212: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 202 Julho/2010

Page 213: Fisiologia comparada USP 2010

Unidade 4

Metabolismo

Aline Dal’Olio Gomes

Lab. de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos

[email protected]

Entendemos como Metabolismo um conjunto de reações químicas que

mantém um organismo vivo. Os processos metabólicos variam ajustando as

respostas dos animais tanto às suas necessidades endógenas quanto às mudanças

ambientais. Sendo assim, este módulo irá abordar as variações do metabolismo

animal decorrentes de diferentes fatores bióticos e abióticos com especial ênfase em

metabolismo energético e temperatura: 1) abordagem geral das definições que

envolvem o metabolismo energético, seguida da apresentação de como os fatores

abióticos influenciam o metabolismo usando como exemplo a temperatura; 2)

técnicas de medida do metabolismo energético em diferentes condições fisiológicas,

com especial atenção à técnica de respirometria; 3) a influência do metabolismo nos

fenômenos comportamentais de vertebrados ectotérmicos frente às alterações da

temperatura ambiental; 4) regulação da temperatura e metabolismo dos animais

endotérmicos e ajustes da febre e queda regulada da temperatura corpórea

relacionada a depressão metabólica em vertebrados; 5) os fenômenos de depressão

metabólica e dormência sazonal apresentados por animais de diferentes grupos

como adaptação comportamental, fisiológica e bioquímica; 6) interação entre

metabolismo energético e reprodução, importância dos lipídios nesse processo e

como esses compostos podem variar em relação a dieta dos pais e às condições do

ambiente; 7) finalizamos o módulo procurando entender o efeito ecofisiológico da

temperatura no metabolismo e como este pode ajudar a estabelecer os limites

ambientais em vários processos fisiológicos dos indivíduos e, conseqüentemente, a

viabilidade das populações, comunidades e ecossistemas, podendo atuar de um

modo ativo na conservação ambiental.

Page 214: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 204 Julho/2010

Capítulo 19 Metabolismo e Temperatura: Conceitos e Implicações pág. 205

Carlos Eduardo Tolussi

Revisado pela Dra. Renata Guimarães Moreira

Capítulo 20 Medindo a chama da vida pág. 217

Tatiana Hideko Kawamoto

Revisado pela Dra. Silvia C. Ribeiro de Souza

Capítulo 21 Ectotermia: um acesso de baixo custo à vida pág. 235

Jessyca Michele Citadini

Revisado pela Dr. Carlos Arturo Navas

Capítulo 22 Termorregulação em endotérmicos: febre e anapirexia. “Ana” o quê?

pág. 247

Carolina da Silveira Scarpellini

Revisado pela Dra. Kênia Bícego

Capítulo 23 Metabolismo energético em câmera lenta: mecanismos de depressão

metabólica sazonal pág. 257

Lilian Cristina da Silveira

Revisado pela Dra. Silvia C. Ribeiro de Souza

Capítulo 24 Custos e benefícios da reprodução: papel dos lipídios pág. 269

Aline Dal’ Olio Gomes

Revisado pela Dra. Renata Guimarães Moreira

Capítulo 25 A ecofisiologia no cenário das mudanças climáticas globais pág. 279

Lye Otani

Revisado pela Dr. Carlos Arturo Navas

Bibliografia pág. 286

Page 215: Fisiologia comparada USP 2010

Metablismo

Julho/2010 Pág. 205

Metabolismo e Temperatura: Conceitos e Implicações

Carlos Eduardo Tolussi Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos

[email protected]

Metabolismo: conceitos e considerações gerais

O metabolismo é definido como o conjunto de transformações das moléculas

orgânicas catalisadas por enzimas nas células vivas; a soma do anabolismo e catabolismo.

As milhares de reações químicas catalisadas por enzimas nas células são organizadas

funcionalmente em muitas sequências de reações, na qual o produto da primeira reação se

torna o reagente da próxima (Nelson e Cox, 2005).

Dentre essas reações, algumas degradam nutrientes orgânicos em produtos finais

simples, extraindo energia química e a convertendo em uma forma útil para a célula; juntas

essas reações degradativas, produtoras de energia livre, são designadas como catabolismo

(Fig. 1). Outras vias começam com moléculas precursoras pequenas e são convertidas em

moléculas mais complexas e maiores, incluindo as proteínas e os ácidos nucléicos. Tais vias

biossintetizadoras, que invariavelmente requerem a adição de energia, são coletivamente

designadas de anabolismo (Fig. 1) (Nelson e Cox, 2005).

Na ausência de trabalho externo ou de armazenagem de energia química, toda

energia liberada durante os processos metabólicos é transformada em calor. Este fato

simples torna possível usar a produção de calor como índice de metabolismo energético

(taxa metabólica), desde que o organismo esteja em um estado térmico estável com o

ambiente (Randall e col., 2000).

Segundo Schmidt-Nielsen (2002), a taxa metabólica refere-se ao metabolismo de

energia por unidade de tempo, e pode ser medida em princípio por três métodos distintos.

1) Cálculo dos valores energéticos ingeridos e o valor de todos os excrementos

(principalmente fezes e urina). Esse método supõe que não haja alteração na

composição do organismo, portanto, ele não pode ser usado para os organismos

em crescimento ou aqueles que têm alguma alteração na quantidade de gordura

ou de outro material;

2) Cálculo através da produção de calor do organismo. Esse método fornece

informações sobre todo o combustível utilizado e, em princípio, é o método mais

preciso;

3) Cálculo da quantidade de oxigênio utilizada nos processos de oxidação, desde que

haja informações sobre as substâncias oxidadas (não havendo metabolismo

anaeróbio).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 206 Julho/2010

Figura 1– Esquema dos processos metabólicos, Anabolismo e

Catabolismo (Modificado de Nelson e Cox, 2005).

A taxa metabólica varia com o tipo e a intensidade dos processos que estão

ocorrendo. Esses processos incluem o crescimento e o preparo de tecidos; o trabalho

interno químico, osmótico, elétrico e mecânico; e o trabalho externo para a locomoção e

comunicação. Desta forma, a energia ingerida pode seguir diferentes caminhos, sendo que

uma parte desta será utilizada para realização de diferentes trabalhos como os descritos

acima e também liberada na forma de calor (Fig. 2) (Randall e col., 2000).

Para conhecer a taxa metabólica de um organismo, é necessário analisar

primeiramente a taxa metabólica basal ou padrão (TMB), que consiste na menor taxa

metabólica ou no mínimo de energia que o organismo necessita para viver (Hochachka e

Somero, 2002). Com a TMB é possível calcular o quanto da taxa metabólica deste

organismo foi alterada para realizar algum trabalho.

Page 217: Fisiologia comparada USP 2010

Metablismo

Julho/2010 Pág. 207

Figura 2– Caminho que a energia química dos alimentos segue nos

animais (Modificado de Randall e col., 2000).

Em mamíferos, para que a TMB seja validada deve ser levado em consideração as

seguintes condições:

a análise deve ser no estágio de desenvolvimento adulto;

o organismo não deve ingerir alimentos (geralmente sendo utilizada uma noite em

jejum para humanos);

as condições de temperatura devem ser “normais” para aquela espécie;

não deve haver condições estressantes;

o animal deve estar em repouso.

A TMB deve ser medida diretamente através da produção de calor, ou indiretamente

pela medição do consumo de oxigênio (VO2 - volume de oxigênio por Kg por minuto). É

possível também calcular a taxa metabólica de repouso (TMR), que é similar a TMB, mas

neste caso o organismo não precisa estar em jejum (Hochachka e Somero, 2002). As

técnicas para medidas do metabolismo energético serão abordados mais detalhadamente

no próximo capítulo.

É importante mencionar que a TMB é tecido especifico (Rolfe e Brown, 1997). Em

humanos, por exemplo, o relativo tamanho do fígado, trato gastrointestinal, rim, pulmão,

sistema nervoso, coração e músculos são 2; 2; 0,5; 0,9; 2; 0,4; e 42%, respectivamente, e a

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 208 Julho/2010

soma de todos estes tecidos representa 50% da massa total do organismo. Entretanto, a

contribuição de cada tecido na TMB é de 17; 10; 6; 4; 20; 11 e 25% respectivamente,

representando 90% da TMB em humanos (Hochachka e Somero, 2002).

Como foi dito acima, a TMB pode variar devido a diferentes fatores, entre eles a

temperatura. Por isso, é necessário medir o equivalente da taxa metabólica basal, na qual o

animal não está gastando energia metabólica adicional para se aquecer ou resfriar. Por essa

razão, a taxa metabólica padrão (TMP), é definida como o metabolismo do animal em

repouso em jejum em certa temperatura corporal. Para alguns ectotérmicos, a TMP

depende do histórico de sua temperatura prévia, em virtude da compensação metabólica ou

da aclimatação térmica (Randall e col., 2000).

Energia, Temperatura e Calor: conceitos e sua importância nos organismos

Conceitos

Serão apresentados abaixo os conceitos de energia e temperatura necessários para o

entendimento dos tópicos abordados neste capítulo:

a energia está relacionada à realização de trabalho, como a energia associada

ao movimento (energia cinética). Existem outras formas de energia como a

química provinda, por exemplo, através do ATP (Ferrano e Soares, 1998);

Para a compreensão de como a temperatura pode interferir nos processos

metabólicos é necessário compreender que, quando há um aumento da energia em uma

molécula, a movimentação dos seus átomos é elevada, fazendo com que as mesmas se

choquem com maior intensidade umas com as outras, tal processo é chamando de energia

cinética molecular (Ferrano e Soares, 1998).

temperatura é a grandeza que mede a intensidade da agitação térmica

(Ferrano e Soares, 1998);

calor é a energia em trânsito determinada pela diferença de temperatura entre

os sistemas envolvidos (Ferrano e Soares, 1998).

Endotermia e Ectotermia

A velocidade das reações químicas aumenta com a temperatura, devido a isso, a

atividade metabólica de um animal está relacionada diretamente com a sua temperatura

corporal: animais com temperaturas corporais baixas apresentam taxas metabólicas

reduzidas. Sendo assim, é possível utilizar a temperatura corporal, mais especificamente

sua estabilidade, nos organismos para classificar os processos termorregulatórios corporais

(Randall e col., 2000).

Page 219: Fisiologia comparada USP 2010

Metablismo

Julho/2010 Pág. 209

Animais expostos a variações de temperatura em laboratório, seja no ar ou na água,

que mantêm sua temperatura corporal acima da ambiental, regulando-a dentro de seus

limites fisiológicos através do controle da produção e da perda de calor, são denominados

homeotérmicos. Na maioria dos mamíferos, a faixa de temperatura corpórea central normal

é de 37°C e 38°C e para as aves esta temperatura é próxima de 40°C. Alguns outros

vertebrados conseguem controlar sua temperatura corporal desta maneira, embora tal

controle seja limitado a períodos de atividade ou crescimento rápido desses organismos. Ao

contrário disso, os pecilotérmicos são os animais nos quais a temperatura corporal tende a

flutuar mais ou menos com a temperatura do ambiente, quando expostos a temperaturas do

ar ou da água variadas experimentalmente (Randall e col., 2000).

Previamente os peixes, anfíbios, répteis e invertebrados foram considerados

pecilotérmicos e, aves e mamíferos homeotérmicos. Porém, com a progressão dos estudos

de campo observou-se que esta classificação não era apropriada, já que, dependendo do

ambiente em que o animal vive ou do seu comportamento a sua temperatura pode variar

(Randall e col., 2000).

Peixes que vivem em águas profundas, na qual as oscilações térmicas são dificilmente

mensuráveis, apresentam uma temperatura corporal constante e, portanto, deveriam ser

denominados homeotérmicos. Há também mamíferos que podem oscilar sua temperatura

em vários graus, podendo chegar até a 0°C em períodos como a hibernação (Schmidt-

Nielsen 2002).

Devido a estas inconsistências em relação a classificação descrita acima, foi

necessário a formação de uma outra nomenclatura baseada na “fonte corpórea” de calor,

sendo separados em: os que geram calor metabólico, endotérmicos; e os que não geram

calor, ectotérmicos (Randall e col., 2000). Endotérmicos são os animais que geram seu

próprio calor corporal. A sua produção se dá pelo subproduto do metabolismo, elevando

suas temperaturas corporais consideravelmente acima das temperaturas do ambiente. Os

maiores exemplos são as aves e os mamíferos. Ectotérmicos são os animais que produzem

calor metabólico em taxas comparativamente menores, normalmente muita baixas para

permitir a endotermia. Frequentemente, os ectotérmicos têm baixas taxas de produção de

calor metabólico e altas condutâncias térmicas, fazendo com que sejam pobremente

isolados (Randall e col., 2000). O mecanismo fisiológico e comportamental adotado pelos

diferentes vertebrados, ectotérmicos e endotérmicos, para o ajuste da temperatura corpórea

será apresentado nos próximos capítulos.

Um outro conceito a ser mencionado é o de heterotermia, que consiste na produção

de vários graus de calor endotérmico pelos animais. Contudo, eles geralmente não regulam

a temperatura corporal dentro de uma faixa estreita. Estes animais podem ser divididos em

dois grupos, os heterotérmicos regionais e os heterotérmicos temporais. Os

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 210 Julho/2010

heterotérmicos regionais são geralmente ectotérmicos que podem alcançar temperaturas

centrais elevadas, por meio da atividade muscular, enquanto seus tecidos periféricos se

aproximam da temperatura ambiente, como alguns tubarões, salmão e muitos insetos

voadores. Os heterotérmicos temporais constituem em uma grande categoria de animais

cujas temperaturas variam muito com o tempo. Os monotremados, como os équidnas, assim

como outros mamíferos e aves em torpor ou em hibernação são exemplos deste conceito

(Randall e col., 2000).

Metabolismo e Temperatura

Tecido adiposo marrom, UCPs e avUCP

Uma das formas utilizadas pelos mamíferos para produção de calor é através do uso

do tecido adiposo marrom (TAP). Este tecido é estritamente de mamíferos, tentativas de

encontrar órgãos que possuem uma grande geração de calor como o TAP em aves ou

outros animais não mamíferos não foram bem sucedidas. Entretanto, aspectos

fundamentais bioquímicos parecidos com o TAP foram encontrados difundidos nos

eucariotos, que certamente perderam um órgão de geração de calor especializado como o

TAP, mas eles são capazes de explorar alguns dos mecanismos bioquímicos usados pelo

TAP para a produção de calor (Hochachka e Somero, 2002).

O TAP é caracterizado pela alta densidade de triglicerídeos e uma grande

concentração de mitocôndrias, sendo esta última característica a que a diferencia do tecido

adiposo branco, que apresenta uma baixa quantidade dessa organela. Fisiológica e

bioquimicamente, o TAP é caracterizado por uma série de circuitos de regulação genética,

hormonal e neural que estão envolvidos na termorregulação dos mamíferos. Além disso,

existe uma inserção de proteínas desacopladoras (UCPs) na membrana interna da

mitocôndria, que media o influxo de prótons que não são ligados para a geração de ATP

(Hochachka e Somero, 2002). A família das proteínas UCPs (principalmente a UCP1) está

envolvida em uma parcial dissipação do gradiente eletroquímico de prótons da mitocôndria,

que desacoplaria a fosforilação oxidativa, fazendo com que haja a produção de calor (Collin

e col., 2005).

Como mencionado anteriormente, não foi observado um TAP ou um tecido

termogênico em outros animais (Toyomizu e col., 2002). Contudo, em pinguins foi

encontrado desacopladores em células musculares quando os animais eram expostos ao

frio (Skulache e Maslov, 1960; Skulache, 1963), sendo mediado pelos ácidos graxos

(Levechev, e col., 1965). Além disso, foi descoberto outra proteína, denominada avUCP, que

apresenta 70% dos aminoácidos idênticos as UCP2 e UCP3 de mamíferos. Demonstrou-se

Page 221: Fisiologia comparada USP 2010

Metablismo

Julho/2010 Pág. 211

que a expressão da avUCP foi aumentada quando os animais foram aclimatados ao frio

(Raimanbalt e col., 2001).

Tais resultados experimentais para aves e os já conhecidos estudos prévios para

mamíferos demonstram que a avUCP e a UCP1, respectivamente, são um dos

responsáveis pela regulação térmica desses grupos que os permitem serem classificados

como endototérmicos.

Efeitos da temperatura nas proteínas

Como já foi dito anteriormente, dentre um determinado limite, a temperatura causa

efeitos em vários processos fisiológicos, como no metabolismo, mais precisamente na ação

e no funcionamento das enzimas. A principal habilidade das enzimas é a diminuir a energia

de ativação, que é o mínimo de energia requerida para uma reação ocorrer (Hochachka e

Somero, 2002). A aplicação deste conceito será abordada com mais detalhes

posteriormente.

Os efeitos da temperatura sobre as taxas de atividade biológicas são quantificadas

pelo cálculo do coeficiente de temperatura ou Q10. Este cálculo mede o efeito que a

alteração de 10°C tem sobre uma determinada taxa de atividade biológica através da

equação (Hochachka e Somero, 2002):

Q10 = (k1/k2)10/(t1-t2)

Na qual, k1 e k2 são a taxa constante determinada pelo aumento e diminuição da

temperatura, t1 e t2 , respectivamente.

Como pode ser observado abaixo (Fig. 3), com um Q10 de 2 e em uma temperatura

inicial de 0°C, a taxa de consumo de oxigênio dobraria com um aumento de 10°C,

quadruplicaria em 20°C, aumentando constantemente e de forma regular com a elevação da

temperatura. Se o Q10 for de 3 o aumento seria 3, 9, 27 e assim por diante (Schmidt-Nielsen,

2002).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 212 Julho/2010

Figura 3 – Relação da temperatura e o consumo de oxigênio (Modificado de Schmidt-Nielsen, 2002).

Para muitos processos, como as taxas de respiração e metabólica, os valores de Q10

são próximos a 2, quando realizados testes em animais com uma taxa de temperatura

corpórea “normal”. Para temperaturas que apresentam efeitos letais, o Q10 apresenta valores

menores que 1, assim como para queda de temperatura o valor será menor que 2 também

(Hochachka e Somero, 2002).

A interferência da temperatura para que uma reação química ocorra, origina-se pelo

fato de que a reatividade das moléculas é tipicamente dependente da sua energia cinética.

Porém, isso é uma explicação parcial e qualitativa para os valores de Q10 observados nos

cálculos biológicos. Uma alteração da temperatura em 10°C acarreta em uma menor

mudança relativa na energia cinética das moléculas que integram o sistema, por exemplo,

para 25°C uma mudança de 10°C representa apenas uma alteração entorno de 3% da

média do nível de energia cinética (Hochachka e Somero, 2002). Isto é explicado pelo fato

de que a energia cinética das populações de moléculas segue uma função Maxwell-

Boltzmann. Essa função aborda que as partículas possuem um intervalo de diferentes

velocidades, e a velocidade de uma determinada partícula varia constantemente devido a

colisões com outras partículas (Fig. 4). No entanto, a fração de um número grande de

partículas, dentro de um determinado intervalo de velocidade é quase constante. Com isso,

é importante considerar não apenas a frequência do nível de energia que ocorre dentro da

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Metablismo

Julho/2010 Pág. 213

população, mas também, que a energia daquele sistema é maior que a média de energia

para que ocorra a reação, com isso podemos explicar porque os valores de Q10 ficam em

torno de 2 mesmo com a elevação de 10° da temperatura (Hochachka e Somero, 2002).

Figura 4–Relação da energia de uma molécula e a energia de ativação

(Modificado de Hochachka e Somero, 2002).

Dito isto, é importante mencionar a interferência da temperatura nos eventos

catalíticos das enzimas e para entendermos como se dá esta interferência é preciso

responder duas questões:

Porque as enzimas são capazes de direcionar as transformações químicas de

maneira tão rápida em temperaturas biológicas adequadas?

Porque que a temperatura é tão importante na atividade enzimática?

Estas duas questões estão ligadas diretamente com as mudanças da estrutura

tridimensional (conformação) da enzima (Hochachka e Somero, 2002). A questão da

velocidade da atividade catalítica das enzimas foi respondida graças aos métodos que

possibilitaram a caracterização da sua estrutura tridimensional. Isso permitiu desvendar as

mudanças conformacionais no ciclo de catálise, abrangendo a ligação do substrato na

enzima e o fim com a liberação do produto. Esses métodos mostraram a existência de

eventos complexos ocorrendo durante o processo catalítico e que são inadequadamente

representados pela descrição convencional das reações enzimáticas (Hochachka e Somero,

2002):

1) Enzima + substrato enzima – substrato

2) Complexo complexo ativado

3) enzima – produto complexo

4) enzima + produto

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 214 Julho/2010

Apesar do esquema de catálise enzimática estar de forma geral correto, há falhas na

sugestão do processo da estrutura da enzima durante o ciclo da catálise (Hochachka e

Somero, 2002). Os quatro degraus existentes de ativação com a notável capacidade da

enzima de alterar altas taxas das ligações covalentes no esquema acima demonstram que

após o substrato se ligar a enzima (degrau 1) há a formação e ativação de um complexo

(degrau 2). Os recentes estudos sobre o funcionamento das enzimas concluíram que o

principal evento que governa o ciclo da catálise não é a alteração nas ligações covalentes

dos reagentes (transformação do substrato em produto), mas sim as mudanças

conformacionais durante a ligação e liberação do substrato que alteram a barreira da

energia de ativação para formar ou quebrar as ligações covalentes dos substratos

(Hochachka e Somero, 2002) (Fig. 5).

Figura 5 - Ilustração do funcionamento das enzimas e transformação dos substratos em

produtos (Modificado de Hochachka e Somero, 2002).

Page 225: Fisiologia comparada USP 2010

Metablismo

Julho/2010 Pág. 215

É possível integrar os conceitos de energia mudando a conformação da molécula em

temperaturas biológicas normais, e é por isso que as enzimas podem reduzir a energia de

ativação. Desta forma, a alteração da temperatura pode alterar a conformação da enzima e

isto acarretaria na alteração do vácuo catalítico (local onde há a transformação de substrato

em produto), que gera uma alteração na formação ou na quebra das ligações covalentes

alterando a energia de ativação que pode resultar na diminuição da velocidade da reação

(Hochachka e Somero, 2002).

Os fatores mencionados acima ilustram a relação da temperatura com os processos

biológicos, principalmente o metabolismo, demonstrando a importância desse fator abiótico

nos organismos endotérmicos e mais fortemente nos ectotérrmicos, já que esses não

possuem mecanismos fisiológicos como as UCPs para controlar a sua temperatura corporal.

Com base nisso, nos capítulos posteriores serão apresentadas algumas técnicas utilizadas

para medir o metabolismo animal e os diferentes mecanismos utilizados por animais

ectotérmicos e endotérmicos no ajuste dos processos metabólicos frente as alterações

ambientais.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 216 Julho/2010

Page 227: Fisiologia comparada USP 2010

Metablismo

Julho/2010 Pág. 217

Medindo a chama da vida

Tatiana Hideko Kawamoto Laboratório de Ecofisiologia e Fisiologia Evolutiva

[email protected]

Este capítulo foi baseado no livro Measuring Metabolic Rates de John R.B. Lighton (2008).

Neste capítulo será apresentado um contexto histórico do desenvolvimento de técnicas

para medidas do metabolismo, mostrando os principais estudos de metabolismo e

temperatura que serviram de base para o que conhecemos hoje. Contudo, veremos que a

ciência não segue uma seqüência de eventos ordenada nem linear, e nem caminha

progressivamente da completa ignorância para o conhecimento completo da realidade.

Longe disso, as descobertas científicas e paradigmas geralmente percorrem um grande e

tortuoso percurso histórico. Para o desenvolvimento do conceito de metabolismo,

apresentado no capítulo anterior, não foi diferente do que o que ocorre na ciência em geral.

Entremeada com os trabalhos dos primeiros alquimistas, as primeiras medidas de

metabolismo demoraram cerca de 100 anos para serem feitas desde o surgimento das

primeiras idéias de metabolismo energético. O problema não era, a princípio, a medida de

metabolismo energético em si, mas a necessidade de desvendar o que era o fogo, o ar e a

vida. A seqüência de eventos históricos, simplificada para fins didáticos, apresenta três

relações chave entre: ar e vida, fogo e ar, e fogo e vida.

A conexão mais intuitiva é a relação entre ar e vida. Desde os primórdios da

humanidade sabemos que a vida é depende do ar. Leonardo da Vinci (1452–1519), em seu

Codex Atlanticus produzido entre os anos de 1478 a 1519, declarou sem maiores

explicações que “onde uma chama não pode arder, nenhum animal que respira pode viver”

(tradução livre). O grande desafio para desenvolvimento do conhecimento sobre a relação

entre ar e vida, no entanto, não era exatamente saber que a vida estava ligada à presença

de ar, mas sim, entender o que é o ar e como ele suporta a vida.

A composição do ar foi desvendada juntamente com a compreensão de alguns

aspectos sobre o fogo e o processo de combustão. Boa parte do conhecimento que temos

hoje sobre a matéria foi moldado pelas experimentações alquimistas, pré-método científico.

Em algumas das muitas tentativas de transformar outros metais em ouro, ou de encontrar o

elixir da longevidade, os alquimistas perceberam que, ao término da chama, a queima do

carvão deixava pouco ou nenhum resíduo. A partir daí, deduziram a existência de uma

substância vital presente no material a ser queimado que sustentava e era a própria chama.

Eis que entre 1703 e 1731 o protoquímico e médico alemão Georg Ernst Stahl

(1660–1734) propuseram o nome de flogisto para a tal substância. Segundo a teoria do

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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flogisto, a combustão cessava quando o ar ficava saturado dessa substância, ou o material

esgotava a sua quantidade de flogisto. Este era o caso da queima de metais, cuja

calcinação deixava para trás como resíduo o calx, o metal supostamente “deflogisticado”. O

calx quando combinado com carvão, teoricamente repleto de flogisto, voltava à sua forma

metálica anterior a calcinação, reforçando a teoria do flogisto.

Um pouco antes da ampla aceitação da teoria do flogisto, Robert Boyle realiza

experimentos mostrando que quando a pressão do ar ao redor de velas, pássaros e

camundongos diminui até certo nível, eles morrem, demonstrando que algo no ar mantinha

tanto a chama da vela quanto a vida dos animais testados. Neste contexto, o ar não podia

estar saturado de flogisto, já que o que se estava fazendo era liberar mais espaço para o

flogisto e, no caso dos animais, não havia chama para saturar o ar de flogisto. Boyle

também mostra que o metal calcinado não perde peso, contrário do que seria esperado pela

teoria, mas sim ganha peso, reforçando ainda mais as idéias contra o flogisto.

Mas é John Mayow (1643–1679) quem faz a pergunta chave: será que a combustão

e a vida são mantidas pela mesma substância? Ao colocar um camundongo em uma jarra

com a abertura voltada para uma vasilha com água (Fig. 1) ele observou o nível da água

subir até o momento que o animal morria. O nível da água sempre subia mais ou menos até

o mesmo nível. O camundongo estava claramente consumindo algo do ar. O mesmo

acontecia com a vela. Mayow havia inventado o primeiro respirômetro semi-quantitativo. Ele

ainda colocou a vela e o camundongo juntos, na mesma jarra, e observou que quando a

vela apagava, instantes depois o camundongo morria, sugerindo que ambos eram

sustentados pela mesma substância presente no ar, a qual chamou de “nitro-aereus”.

Incrivelmente, a partir dessas primeiras descobertas ele propôs que o nitro-aereus passava

pelos pulmões, depois para o sangue onde combinava com o combustível aí presente

aquecendo o animal. Propôs ainda que o mesmo acontecia na atividade muscular e no

coração. Essa substância era o que conhecemos hoje como oxigênio. Pouco tempo depois

de ganhar alguma notoriedade com essas descobertas e de se tornar membro da Royal

Society, John Mayow morre, encerrando abruptamente uma carreira científica que prometia

inúmeras descobertas mais.

O próximo pesquisador que coleciona descobertas que serviram de base para o

entendimento do metabolismo energético foi Joseph Priestley (1733–1804). Ele vivia ao lado

de uma cervejaria e, primeiro, descobriu que o gás resultante da fermentação da cevada

Figura 1 - Ilustração mostrando o equipamento usado por John

Mayow em seus experimentos de combustão e respiração.

Consiste em uma jarra de vidro virada com a abertura em um

recipiente repleto de água (Modificado de

http://en.wikipedia.org/wiki/File:Mayow).

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Metablismo

Julho/2010 Pág. 219

extingue o fogo. Percebeu, ainda, que o gás que não sustenta mais a chama, em parte

dissolve em água e é semelhante ao gás da fermentação da cevada. Além disso, ele

descobriu que ao jogar óleo de vitriol sobre giz ele conseguia produzir este mesmo gás que

ele chamou de “fixed-air”. Havia, uma terceira fração desse ar que sobrava após a chama se

apagar que não sustentava mais a chama e nem dissolvia em água. Prietley pensou ter

descoberto o flogisto. Hoje conhecemos essa substância como nitrogênio. Ele percebeu

ainda que parte do ar que sobrava na jarra após o camundongo morrer também era “fixed

air”. Propôs ainda que o “fixed air” seria retirado do ar pelas plantas permitindo que o ar

sustentasse a vida e a combustão novamente. O “fixed air” nada mais é que o nosso gás

carbônico. Priestley produziu, ainda, um outro gás ao aquecer óxido de mercúrio.

Incrivelmente, este gás sustentava a chama de velas de forma mais intensa e por mais

tempo do que o próprio ar. Neste momento ficamos tentados a antever o próximo passo e

dizer que Priestley descobre o oxigênio e derruba a teoria do flogisto. Entretanto, como dito

no início deste texto, a ciência percorre caminhos tortuosos e, por mais contraditório que

pareça, Priestley foi um dos mais ardorosos defensores do flogisto e interpretou todos os

seus incríveis resultados segundo este paradigma. De fato foi a partir desta perspectiva que

ele descreveu o experimento em que o óxido de mercúrio é aquecido, atribuindo

erroneamente o efeito ao processo de deflogisticamento do ar.

A teoria do flogisto só é derrubada após um acúmulo massivo de experimentos e

evidências produzidos por Antoine Lavoisier (1743–1794) e os anti-flogistianos que

estabeleceram que era mais parcimonioso assumir que o flogisto era um gás o qual

Lavoisier chamou de oxigênio. Apesar da controvérsia entre flogistianos e anti-flogistianos,

ambos aceitavam as similaridades entre o processo de combustão e a manutenção da vida

na presença de ar. Com os estudos de nutrição e taxa metabólica, Lavoisier juntou todos os

elementos necessários para solidificar o conceito de metabolismo energético como uma

combustão lenta dos alimentos realizada pelos organismos e tecidos vivos. O

desenvolvimento dos paradigmas, a partir de então, acompanharam o desenvolvimento

tecnológico dos equipamentos de medida. Deste modo, a seguir farei uma rápida descrição

das principais técnicas respirométricas: calorímetro de gelo, manômetros e respirometria

fechada, a coulorimetria e a respirometria aberta.

Calorímetro de gelo e primeiros conceitos

Antoine Lavoisier, Marie-Anne Paulze e Pierre-Simon Laplace realizam experimentos

que serão o estopim dos estudos de metabolismo e temperatura como conhecemos hoje. Ao

colocar uma cobaia dentro de uma gaiola de metal envolta por gelo (Fig. 2), medem,

indiretamente, o metabolismo através da transferência de energia (calor) da cobaia para o

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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gelo. Usando o conceito de calor latente1 proposto por Joseph Black e sabendo que o calor

latente de derretimento do gelo é 0.334kJ/g, calcularam pela primeira vez, através da

quantidade de água produzida por esse

derretimento, a energia perdida por um animal

ajustando o metabolismo para 0ºC. Chegaram

ao valor de 270kJ/h ou 75W de energia,

aproximadamente o mesmo que uma vela

queimando. Daí advém o nome de

calorimetria à técnica e de caloria à unidade

de medida que adotamos nos estudos de

metabolismo energético.

Dentre as muitas descobertas

científicas que o casal é responsável,

somente na área de metabolismo energético

eles realizaram uma série de medidas que

estabeleceram conceitos básicos que ainda

estão sendo desvendados nos dias de hoje.

Medindo humanos e animais estabeleceram

que o consumo de oxigênio aumenta com o

tamanho dos animais e com o exercício,

descobriram a termogênese induzida por

dieta, inventaram o método de calorimetria

indireta que mede a taxa metabólica através

do consumo de oxigênio e a calorimetria

direta (calorímetro de gelo). Contudo, o

trabalho intelectual do casal Antoine Lavoisier

e Marie-Anne Paulze é bruscamente

interrompido com o advento da Revolução

Francesa, momento em que ambos são

decapitados. Somente um século após a

morte do casal avanços em instrumentos

manométricos proporcionam novidades

técnicas no campo das medidas metabólicas.

1Energia absorvida por uma substância enquanto muda de estado, sem mudança de temperatura. Os mais comuns são o calor latente de fusão (estado sólido para líquido) e de ebulição (líquido para gasoso).

Figura 2 - Ilustração do primeiro calorímetro

de gelo usado em 1782 e 1783 por Antoine

Lavoisier, Marie-Anne Paulze e Pierre-

Simon Laplace para medir o calor envolvido

em diversos tipos de reações químicas,

baseados no conceito de calor latente de

Joseph Black. Além de inaugurar os

estudos da termoquímica, realizam a

primeira medida de metabolismo energético

ao medir um porquinho-da-índia no

calorímetro de gelo (Modificado de

http://en.wikipedia.org/wiki/File:Ice-

calorimeter.jpg.)

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Metablismo

Julho/2010 Pág. 221

Manômetros e a respirometria fechada

A respirometria fechada baseia-se em medidas indiretas para quantificar o consumo

de oxigênio através de mudanças de pressão e volume de ar presente dentro de um

recipiente hermeticamente fechado. A maneira mais simples de medir a pressão de gases é

usando manometria. As técnicas necessárias para realizar as primeiras medidas

manométricas já existiam na época de Lavoisier. Seu predecessor, Robert Boyle, já havia

estabelecido as bases do método científico aplicado à química tornando-se um marco

divisor de águas que separava o amadorismo e experimentalismo puro dos alquimistas do

que conhecemos hoje como química moderna ao publicar seu livro de 1661, The Skeptical

Chymist. Mais especificamente, Boyle havia descrito o comportamento dos gases em

relação à pressão e a temperatura, estabelecendo o que conhecemos até hoje como Lei de

Boyle. Em 1643, cerca de 20 anos antes, Evangelista Torricelli

inventa o primeiro manômetro usado para medir pressão

atmosférica (Fig. 3). Em 1661, Christian Huygens inventa o

manômetro em tubo-U, permitindo uma nova série de medidas

comparativas, já que no tubo em U (Fig. 4), a diferença na

altura da coluna de líquido é diretamente proporcional à

diferença de pressão em cada uma das aberturas do tubo,

conforme a fórmula:

Pa – Po = H.g.ρ

onde H é a diferença na altura do menisco do líquido, Pa é a

pressão medida, Po é a pressão de referência, g é a gravidade

e ρ é a densidade do líquido usado.

Assim, foram lançadas as bases para o desenvolvimento de

instrumentos que hoje em dia apresentam uma variedade

enorme, cada qual com as suas vantagens e suas

desvantagens: amplitude de pressão medida, sensibilidade,

dinâmica da resposta às mudanças de pressão e custo que

mudam muito de um instrumento para outro criando uma variedade enorme de

possibilidades de montagem de equipamentos.

Figura 3 - Esquema

mostrando o primeiro

manômetro inventado por

Evangelista Torricelli em

1643.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 222 Julho/2010

Apesar da tecnologia e o conhecimento sobre as

propriedades físico-químicas dos gases terem sido

estabelecidas no século XVII, é somente no início do

século XX que esse tipo de equipamento se populariza e

passa a ser amplamente usado em laboratórios de

pesquisa. Um esquema simplificado de um sistema

respirométrico fechado (Fig. 5) consiste em uma câmara

hermeticamente fechada, com um absorvedor de gás

carbônico colocado, de preferência, no fundo deste

recipiente separado do animal com uma tela de metal, já

que o absorvedor geralmente é composto por uma

substância química corrosiva (Ascarite II ou KOH). A

câmara ainda é ligada a um manômetro líquido que indica

a queda de pressão do ar que preenche a câmara

conforme o organismo consome o oxigênio, e uma seringa

de ar que ao injetar ar na câmara procura manter o

menisco do manômetro no mesmo nível, mantendo,

assim, o mesmo volume de ar durante todo o

experimento. Ao final do experimento, medimos o

consumo do animal através da diminuição total do volume

de ar causada pelo consumo de oxigênio do animal. O

que veremos a seguir são as principais variações deste

padrão básico de respirometria fechada.

Figura 5 - Esquema de um sistema simples de respirometria fechada. O sistema geralmente é

mantido em temperatura constante durante todo o experimento. O absorvedor pode ser Ascarite II

(Thomas Co.) ou KOH. O manômetro indica a mudança de pressão do ar que preenche a câmara

respirométrica, e a seringa permite que se injete ar para que o menisco volte para o nível inicial.

Figura 4- Esquema mostrando

o funcionamento de um

manômetro em tubo-U. Seu

funcionamento permite a

comparação entre pressões

de dois sistemas. Pressão

atmosférica versus recipiente

respirométrico, por exemplo.

Page 233: Fisiologia comparada USP 2010

Metablismo

Julho/2010 Pág. 223

Respirômetro de Volume Constante de Warburg

O Respirômetro de Volume Constante de Warburg foi amplamente usado por Otto

Warburg e colaboradores de Berlim e foi o primeiro descrito por Joseph Barcroft e John

Haldane em 1902. A câmara respirométrica é acoplada a um manômetro líquido em U e a

um braço lateral repleto de absorvedor de gás carbônico (Fig. 6). O manômetro em U aqui

possui como pressão de referência a própria pressão atmosférica, diferente do respirômetro

de Gilson, descrito mais adiante. É comum o uso do fluido de Brodie como o líquido do

manômetro (23g de cloreto de sódio, 5g de tauroglicocolato de sódio, 500mL de água).

Neste sistema o volume do recipiente onde fica o animal e a temperatura exata do

momento que foi determinado o volume precisam ser conhecidos para realizar os cálculos:

O2=h [( Vf [ 273.15 / T ] + Vq x b ) / P ] (consumo em µL O2)

onde h é a altura do menisco no manômetro, Vf é o volume de gás livre (mL) da câmara

somado ao volume de ar dentro do manômetro até a altura do menisco descontado o valor

do volume do animal medido, T é a temperatura em graus Celsius, Vq é o volume em mL de

todos os líquidos na câmara, b é a solubilidade do gás medido no líquido da câmara, e P é a

pressão atmosférica por mililitro do fluido manométrico (geralmente fluido de Brodie).

Este sistema respirométrico é extremamente difícil de ser usado e é muito instável. O

manômetro usa como a pressão de referência a pressão atmosférica que pode mudar com a

altitude ou com a condição climática (p.e. chuva), podendo incutir erro na medição. Outro

fator de instabilidade é a diluição dos gases do ar interno na câmara na solução aquosa de

KOH, o que pode alterar a medição também. Parte desses problemas foram solucionados

pelo sistema respirométrico de Gilson que veremos a seguir.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 224 Julho/2010

Figura 6 - Esquema simplificado de um respirômetro de Warburg. Note que a

pressão de referência do manômetro em U é a própria pressão atmosférica.

Respirômetro de Pressão Constante de Gilson

O respirômetro de Pressão Constante de Gilson (Gilson, 1963) é um sistema de

respirometria fechada semelhante ao Warburg, porém resolve o problema de alterações na

pressão atmosférica ao ligar uma das pontas do manômetro líquido em U a um

termobarômetro, que nada mais é do que outro frasco hermeticamente fechado com volume

e pressão de gás constantes. Para manter constantes a pressão e o volume do ar o sistema

todo é mantido em um banho térmico que mantém a temperatura. (Fig. 7). O volume é

mantido constante pela manutenção do menisco do manômetro sempre na mesma altura

através da injeção do mesmo volume de ar que já foi consumido pelo animal. A vantagem

do respirômetro de Gilson é que se trata de uma medida física direta, onde não precisamos

conhecer o volume da câmara onde está o organismo, diferente do sistema de Warburg em

que era necessário saber o volume de ar exato da situação inicial do sistema. Os passos a

serem seguidos são:

1. Coloque o animal na câmara;

2. Absorva qualquer CO2 produzido pelo animal;

3. Meça a mudança de pressão causada pelo consumo de O2;

4. Ajuste periodicamente o volume de ar para que a pressão se mantenha constante.

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Metablismo

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Cálculos:

O2=( µL x PB x 273.15 ) / ( 101.325 x T ) (consumo em µLO2)

onde µL é o volume de ar que diminuiu no sistema, PB é a pressão barométrica em

kilopascals e T é temperatura em Kelvin.

Figura 7 - Esquema simplificado de um respirômetro de Gilson. Note que

o termobarômetro é um frasco que contém um volume constante de ar.

Transformações para CPTP (Condições Padrão de Temperatura e Pressão):

microlitros/hora para microgramas/hora=>multiplique por 1.43;

microlitros/hora para micromoles/hora=>multiplique por 0.04464.

A aparente simplicidade deste sistema respirométrico à primeira vista, esconde uma

série de detalhes técnicos e de procedimento em que o experimentador precisa estar bem

treinado para conseguir um bom funcionamento do sistema. Por exemplo, o líquido que

mantém a pressão pode vazar sobre o organismo durante a montagem do sistema, o animal

pode entrar em contato com o absorvedor e sofrer injúria durante o registro do consumo de

oxigênio, além das limitações próprias da respirometria fechada listadas no final deste item.

Cálculo de Quociente Respiratório (QR)

Como já visto no Capítulo 19, a razão entre o que é produzido como CO2 e o que é

consumido de O2 pode ser usado para estabelecermos o substrato energético (carboidrato,

proteína ou lipídio) que está sendo usado pelo animal no momento da medida para obter

energia. Em uma condição em que o animal tem um QR de 1, ou seja, usa carboidratos

como substrato e o sistema respirométrico não possui absorvedor de CO2, o sistema não

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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apresenta mudança de volume inicial versus final. Parece que o animal não respira porque o

consumo de oxigênio compensa a produção de gás carbônico. Podemos usar esta

característica para obter o QR usando a fórmula:

QR = (MR-MRap)/MR

onde QR é o quociente respiratório, MR é o metabolismo medido com o absorvedor, MRap é

o metabolismo medido sem o absorvedor.

Os valores de QR variam com o substrato energético que está sendo queimado e

pode ser uma medida interessante a ser realizada, de acordo com a pergunta sobre

metabolismo energético que se quer responder.

Limitações da respirometria fechada

A respirometria fechada foi muito importante no início do século XX e ainda hoje é

usada em condições específicas de medições de ensaios enzimáticos e de cultura de

tecidos. Contudo, a técnica está limitada a medições e condições físico-químicas muito

específicas para que as alterações no ar de dentro da câmara respirométrica sejam passível

de ser acompanhada. Essa limitação torna a técnica inapropriada para medir metabolismo

de organismos íntegros onde a medida não é estável. Isto acontece com animais que

funcionam como conformadores metabólicos (mudam o metabolismo conforme a

concentração de oxigênio), alterando o metabolismo de forma consistente. Este é o caso de

animais que produzem calor, por exemplo abelhas e insetos voadores em geral, que alteram

seus níveis de atividade ao longo do experimento, ou que respiram de forma intermitente,

como os artrópodes traqueados. A respirometria fechada não permite, também, medições

muito longas, que se estendam por dias, por exemplo. O aumento de gás carbônico, perda

de água, alimentação, produção de excretas e diminuição de oxigênio produzem alterações

metabólicas inconvenientes e impeditivas às medidas. Dentre as alterações listadas

anteriormente, as que causam efeitos metabólicos mais importantes são a diminuição

(hipóxia) e esgotamento do oxigênio (anóxia), e o progressivo aumento de gás carbônico

(hipercapnia). Outra limitação quanto ao seu uso, é a impossibilidade de acompanhar a

atividade do animal, o que incute imprecisão na medida de metabolismo energético. Para

pequenos artrópodes o efeito é pior porque estes tendem a aumentar a atividade como

resposta ao confinamento em recipientes pequenos. Ambas as técnicas a seguir aparecem

como soluções a alguns dos problemas da respirometria fechada que acabaram de ser

listados.

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Metablismo

Julho/2010 Pág. 227

Respirometria Coulométrica

A respirometria coulorimétrica foi descrita pela primeira vez por N. T. Werthessen em

1937. Ela baseia-se, como na respirometria fechada, no princípio de constância de volume

e pressão do gás encerrado em um recipiente respirométrico, associado à produção

eletrolítica de oxigênio. Esse sistema de grande precisão resolve o problema de alterações

nas condições do ar interno á câmara respirométrica, porém é pouco utilizada.

O funcionamento é simples: oar de uma câmara respirométrica fica ligado a um

recipiente que contém solução saturada de sulfato cúprico. Como na respirometria fechada,

o gás carbônico produzido pelo organismo medido é absorvido do ar por ascarite ou solução

de KOH. Conforme o volume de ar da câmara diminui, a solução de sulfato cúprico sobe e

encosta no anodo, fechando o circuito. Assim que a eletrólise vai liberando oxigênio,

restabelece a concentrações de oxigênio, o volume de ar da câmara aumenta e empurra a

solução de sulfato cúprico para baixo, desligando o circuito novamente (Fig. 8).

Usando o montante de eletricidade liberada ou consumida, medido em coulombs,

desta reação de eletrólise obtemos a produção de oxigênio em quantidades muito precisas.

Através da fórmula:

nLO2 = Q[Vm/(4F)]

onde Q é a carga de eletricidade, em coulombs, descarregada na solução saturada; Vm é o

volume molar de oxigênio em CPTP; e F é a constante de Faraday (96.485 coulombs /mol).

Figura 8 – Esquema simplificado de um sistema coulorimétrico. Todo o sistema é normalmente

mantido em temperatura constante. Conforme o organismo consome oxigênio, libera gás carbônico

que é retirado do ar pelo ascarite, diminuindo o volume de ar da câmara respirométrica. Isto permite

que o nível de solução de sulfato cúprico suba pelo tubo e atinja o anodo, iniciando a eletrólise. Com

o avançar da reação eletrolítica, o oxigênio produzido preenche a câmara respirométrica novamente

fazendo o nível de solução de sulfato cúprico baixar e desligar o sistema eletrolítico.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Respirometria de fluxo

O próximo avanço nas técnicas respirométricas não vem no sentido de facilitar as

medidas, muito pelo contrário, a grande desvantagem das técnicas de respirometria de fluxo

é a complexidade do equipamento. Enquanto a respirometria fechada é até certo ponto

intuitiva e passível de ser feita de modo artesanal, como descrito acima, a respirometria de

fluxo passa a se valer de equipamentos mais sofisticados e que exigem um conhecimento

técnico mais apurado para que sejam devidamente manejados e as medidas válidas sejam

obtidas. A seu favor, a respirometria de fluxo traz uma significativa expansão das fronteiras

do que é possível de ser medido e do que se pode conhecer do metabolismo dos

organismos, limites estes os quais ainda estamos explorando. Com o equipamento

adequado, montado de maneira eficiente, já podemos obter medidas de consumo de

oxigênio de uma única drosófila em tempo real (Lighton e Schilman, 2007).

Esta respirometria usa um sistema de fluxo criado por bombas de ar à vácuo

associado a analisadores de gases compostos de sensores de oxigênio e gás carbônico.

Enquanto a respirometria fechada baseia-se na medida de consumo de oxigênio, a

respirometria de fluxo permite o registro tanto do consumo de oxigênio quanto do gás

carbônico produzido, isoladamente ou associados no mesmo sistema respirométrico. Ela

tem expandido as possibilidades de medição de fenômenos fisiológicos mais dinâmicos e

ligados a ajustes dos organismos a diferentes contextos biológicos. Uma característica

marcante é a possibilidade de medidas dos animais executando atividades diferentes, com

grande precisão no registro de gasto energético. A respirometria de fluxo teve um impacto

direto na maneira como lidamos com a fisiologia. Seu uso na medicina, na melhoria do

desempenho de atletas, ou na veterinária, no desempenho de animais de corrida, já nos é

cotidiano. Toda a fisiologia do esporte, dos ajustes rápidos realizados pelo corpo durante os

diferentes tipos de práticas esportivas só puderam ser investigadas diante destes avanços

nas técnicas de respirometria, que permitiram obter medidas de gasto energético em tempo

real.

Se em um extremo temos a possibilidade de medir fenômenos fisiológicos mais

dinâmicos e de ajustes rápidos, no outro extremo temos a possibilidade de acompanhar

ajustes de animais diminutos e de baixo metabolismo. Papel de destaque no

desenvolvimento de novos equipamentos e técnicas encontra-se na figura de John R. B.

Lighton (Sable Systems International).

O enorme panorama de desenhos experimentais, de montagem dos equipamentos

(exemplo, Fig. 9) e mesmo de empresas que oferecem soluções para as diferentes

necessidades de pesquisadores e outros profissionais que usam respirometria, tornam o

assunto inesgotável e difícil de sintetizar de maneira satisfatória em um texto introdutório.

Sendo assim, o que irei explorar a seguir são algumas características necessárias para

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Metablismo

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guiar a escolha do tipo de medida mais adequado à pergunta que se deseja responder,

assim como as vantagens e desvantagens de cada tipo de medida. Para mais detalhes

técnicos, dicas de equipamentos e soluções para possíveis problemas, recomendo o livro

Measuring Metabolic Rates de John R. B. Lighton de 2008.

Figura 9 – Esquema de uma das maneiras de montar um sistema respirométrico de fluxo com

equipamento da Sable Systems International. 1. bomba de ar; 2. câmara para manter estabilidade de

pressão do ar; 3. fluxímetro; 4.controlador de umidade relativa do ar (UR%); 5. controlador de

abertura e fechamento das câmaras respirométricas; câmara respirométrica com animal; 7.

absorvedor de umidade do ar e gás carbônico; analisador de oxigênio; 9. programa que registra os

dados do analisador.

Linha de base: a linha de base é o patamar de referência sobre o qual o consumo de

oxigênio ou a produção de gás carbônico são comparados para se obter a medição. São as

quantidades iniciais dos gases presentes no ar, antes do animal alterar as proporções dos

gases no fluxo. Como a linha de base é o valor de referência a partir do qual se obtém a

medida, esta precisa estar bem estável e estabelecida antes do início do registro de uma

respirometria de fluxo.

Analisador de oxigênio: a quantidade de oxigênio no ar (cerca de 20,95%) faz com que a

medida possa ter uma grande amplitude e flutuabilidade de resposta. Uma boa medida de

consumo de oxigênio demanda um bom sensor de oxigênio, uma boa calibração e ajuste

dos sensores, uma boa estabilidade da composição do ar que entra no sistema e a

manutenção do equipamento em um lugar protegido, detalhes que fazem a refletem na

obtenção de uma medida válida ou não. Conhecer o equipamento também é importante já

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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que cada sensor responde de uma maneira às perturbações que ocorrem ao redor do

equipamento. Para alguns aparelhos que são sensíveis à vibração, por exemplo, colocar

uma bomba de ar vibrando na mesma mesa pode ser um desastre. Além disso, medir o

consumo de oxigênio demanda tempo e paciência, já que a instabilidade do sistema é uma

grande desvantagem a ser considerada, efeito especialmente sentido na medida de animais

muito pequenos e/ou de metabolismo baixo. A vantagem da medida de consumo de

oxigênio é a sua correspondência direta com o metabolismo energético do organismo (ver

Analisador de CO2).

Analisador de gás carbônico: a quantidade de gás carbônico no ar é muito menor do que

a de oxigênio e este pode ser retirado do ar com o uso de absorvedores, antes de entrar no

sistema. Isto nos permite criar uma linha de base de valores muito pequenos ou até mesmo

de zero CO2, a partir da qual qualquer quantidade de CO2 registrada terá vindo do animal

medido. Por ser uma medida mais estável, é a mais recomendada para a medição de

pequenos artrópodes. A desvantagem em se medir somente gás carbônico é a necessidade

em saber o QR do animal nas diferentes situações em que este está sendo medido, já que o

metabolismo obtido a partir do CO2 depende do QR para ser convertido em unidades de

energia, diferente do que ocorre com o O2. Outro possível problema é a possibilidade da não

correspondência direta com o metabolismo devido a efeitos de liberação massiva de CO2

por mudanças de pH no sangue.

Fluxo de ar: a escolha do fluxo de ar a ser usado depende do fenômeno a ser medido.

Animais com metabolismo alto pedem fluxos de ar alto, tanto para evitar hipóxia e

hipercapnia, em um sistema de lavagem de câmaras, ou mesmo em um sistema de

máscara, em que não há perigo de hipóxia e hipercapnia, para que a dinâmica do consumo

registrado acompanhe as mudanças metabólicas na mesma velocidade em que elas

acontecem. Se a captação da amostra de ar pela máscara acontece em uma velocidade

menor do que as mudanças que se deseja acompanhar do organismo, a lentidão do registro

passa a não captar o fenômeno. Por outro lado, animais que apresentam baixo metabolismo

e/ou pequeno tamanho corpóreo, imprimem baixas trocas gasosas, alterando pouco a

composição do ar que passa pelo sistema. Nestes casos, diminuir o fluxo permite que haja

alteração na composição do ar suficiente para que esta alteração seja sentida pelo sensor

presente no analisador. Porém, fluxos muito baixos causam uma defasagem entre a

atividade observada no animal e o registro do analisador, aspecto que precisa ser

considerado na hora de decidir o fluxo de ar usado.

Lavagem das câmaras respirométricas: o formato da câmara respirométrica tem

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Metablismo

Julho/2010 Pág. 231

influência direta neste tipo de medida devido ao fato do gás carbônico ser mais pesado que

os demais gases presentes no ar e tender a se depositar na parte inferior da câmara. Isto

cria, no melhor dos casos, defasagens de medidas e, no pior dos casos, alterações na

dinâmicas imprevisíveis na lavagem da câmara. Esta alteração na dinâmica de lavagem

pode criar registros no sensor que não tem relação direta com as trocas de gases realizadas

pelo animal medido, mas sim, com lavagens ineficientes, incompletas e irregulares das

câmaras respirométricas. Os melhores desenhos de câmaras respirométricas são câmaras

sem cantos e irregularidades onde o gás carbônico não tenha a possibilidade de ficar retido,

e de tamanho próximo ao tamanho do animal. Por outro lado, o formato e tamanho da

câmara tem impacto direto no comportamento do animal que está sendo confinado e

características do comportamento deste precisam ser considerados para que se evite

fatores de estresse quando não se quer medi-los. Por exemplo, de maneira geral, recintos

sem cantos ou sem irregularidades (exemplo extremo são recintos perfeitamente esféricos)

são altamente perturbadores e podem ser um fator de estresse para o animal, apesar de ser

o melhor formato de câmara sob o aspecto de lavagem.

Absorvedores de água: a presença de vapor de água no ar que passa pelos sensores dos

analisadores de gases altera a medida diminuindo o sinal, ou seja, o valor registrado é

menor do que o registrado por um fluxo de ar seco passando pelo sensor. Em animais que

realizam grandes volumes de trocas de gases, como mamíferos e aves, esse efeito é menor

não afetando de modo impeditivo o registro. Entretanto, quando lidamos com animais de

metabolismo mais baixo, como anfíbios, répteis e artrópodes, o vapor de água causa efeitos

significativos nas medidas. Para lidar com o vapor de água presente no fluxo de ar

normalmente usamos uma sustância que retira essa água do ar (p.e. sílica-gel, drierita ou

perclorato de magnésio).

Absorvedores de gás carbônico: o ponto no sistema onde o gás carbônico será retirado

da corrente de ar muda conforme a montagem do equipamento, como visto acima. Ele pode

ser usado para filtrar o ar inicial que entra no sistema. Se o analisador de oxigênio for o

equipamento escolhido para a medida, o ar precisa passar por um absorvedor de gás

carbônico antes de entrar no aparelho. As substâncias mais usadas em equipamentos

respirométricos são o Ascarite II, o KOH e cal sodada.

Manutenção de temperatura durante a medida: a manutenção de temperatura constante

durante as medidas hoje em dia é feito por câmaras climáticas que vão desde geladeiras

modificadas de modo a manter uma ou duas temperatura programadas, até salas

modificadas para esse mesmo fim. Estas câmaras climáticas permitem boa variedade de

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 232 Julho/2010

combinações de fatores abióticos que, em conjunto com a respirometria de fluxo, permite a

realização das medidas.

Respirometria de fluxo em medidas de respirometria fechada: ainda é bastante usada

para a medição de animais com baixo metabolismo e/ou muito pequenos. A estratégia

usada aqui é manter a câmara fechada por tempo suficiente para que a quantidade de

oxigênio caia e/ou a produção de gás carbonico seja alta o suficiente para ser detectado

pelo sensor do analisador. Após este período, o fluxo passa novamente pela câmara

respirométrica, renovando o ar dentro desta, permitindo que uma nova medida inicie na

sequência. O ar que sai da câmara é direcionado para os analisadores, podendo ou não

passar por um absorvedor de água e CO2 antes de entrar no analisador (para detalhes

técnicos consultar Lighton, 2008). O tipo de registro que esse procedimento gera está

esquematizado na Fig. 10.

Figura 10 - Ilustração de uma medida de consumo de oxigênio de respirometria fechada feita em um

sistema de fluxo de ar, mostrando a linha de base (pontilhado azul claro), a curva de lavagem da

câmara (linha contínua branca) e a área correspondente ao consumo de oxigênio do animal

(vermelho).

Respirometria de fluxo em medidas de respirometria aberta: é a medida ideal para

estudos de comportamentos e gasto energético em contextos biológicos com mudanças de

estado mais dinâmicas, como pode ser visto na Fig. 11. Sua utilização só não é mais ampla

devido a dificuldades em controlar possíveis problemas de lavagem de câmaras e

interferências na sensibilidade dos equipamentos, e seu uso ainda é limitado para animais

muito pequenos (p.e. pequenos artrópodes) e/ou de metabolismo muito baixo (p.e. anfíbios).

Nestes organismos a respirometria aberta usada mais apropriada é a de produção de CO2.

Apesar de já existir equipamentos capazes de realizar respirometria aberta até mesmo de

uma Drosophila sp. seu uso é restrito devido ao preço dos equipamentos capazes de

realizar estas medidas de forma válida.

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Metablismo

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Figura 11- Exemplo de registro de respirometria aberta de uma formiga forrageando. Produção de

CO2 da formiga antes de beber uma solução aquosa de açúcar 30% (flecha da esquerda), enquanto

estava bebendo (registro entre as flechas) e depois de beber (registro após flecha da direita)

(Modificado de Schilman e Roces, 2006).

Considerações finais

Muitas vezes pensamos que a fronteira do conhecimento científico está delimitada

pelo o que podemos realizar tecnologicamente em determinado momento histórico.

Contudo, a história da ciência e dos cientistas mostra que o mundo científico é feito também

de muita criatividade e ousadia em questionar velhos modelos. Neste contexto, é

emblemático o exemplo do embate de Priestley (representando os flogistianos) e o casal

Lavoisier (representando os anti-flogistianos). É inegável a qualidade de Priestley como

cientista e investigador de propriedades da matéria, porém, sua visão de mundo molda a

interpretação de seus resultados, e mesmo possuindo evidências suficientes para superar o

velho modelo flogistiano, molda a interpretação de seus resultados conforme o paradigma

vigente. Coube a Lavoisier mudar a forma de pensar sobre o ar, a vida e a combustão,

imprimindo uma longeva mudança de perspectiva ao mundo.

Todo este histórico permitiu o desenvolvimento das novas técnicas e dos novos

materiais disponíveis apresentados, como as câmaras respirométricas transparentes e

detectores de movimento, que possibilitaram a medição da determinação das relações

energéticas envolvidas em fenômenos fisiológicos e comportamentais mais dinâmicos.

Estas medidas têm sido carro-chefe de novidades recentes na fisiologia como a endotermia

de insetos, medidas precisas de gasto energético de organismos em estado reprodutivo,

auxiliando também na melhoria de técnicas de criação, medidas de desempenho animal

com implicações em interpretações evolutivas e ecológicas, entre outros. Alguns destes

processos fisiológicos e comportamentais que envolvem alterações no metabolismo

energético de animais ectotérmicos e endotérmicos são apresentados nos cap. seguintes.

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Metablismo

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Ectotermia: um acesso de baixo custo à vida

Jessyca Michele Citadini Laboratório de Ecofisiologia e Fisiologia Evolutiva

[email protected]

A temperatura ambiental é um dos fatores físicos mais importantes para

sobrevivência dos animais. Como discutido em capítulos anteriores, os animais ectotérmicos

possuem a temperatura do corpo variável de acordo com a temperatura do ambiente.

Contudo, em muitos desses organismos, a manutenção de uma temperatura corpórea

relativamente alta e estável eventualmente mais apropriada para as atividades metabólicas,

envolve de forma complexa, sinérgica e equilibrada, a fisiologia e o comportamento (Bogert,

1949; 1959).

Transferência de energia

Para que um corpo ou animal mantenha uma temperatura constante, a perda de energia

deve ser igual ao ganho. Uma compreensão dos mecanismos fisiológicos envolvidos nas

trocas de energia que afetam a temperatura dos animais requer o conhecimento de alguns

princípios físicos. Como já mencionado na presente unidade, o calor, por exemplo, é a

transferência de energia entre corpos que diferem em temperatura, e tal transferência

acontece via quatro diferentes formas que são: condução, convecção, irradiação e

evaporação (Schmidt-Nielsen e Duke,1996).

Condução

A condução ocorre entre corpos físicos que estão em contato entre si, sejam sólidos,

líquidos ou gases.

Convecção

A transferência de energia que ocorre em fluidos em geral e ocorre devido às

diferenças de densidade das partes envolvidas.

Radiação

A transferência de energia que ocorre na ausência de um contato direto com um

objeto - é dessa forma que todos os dias o Sol aquece a Terra.

Evaporação

Energia perdida através da água e o resultado é o resfriamento da superfície

corporal.

Os animais ectotérmicos, utilizam esses mecanismos na regulação da temperatura, por

exemplo: condução (seleção do substrato), a convecção (posições em relação ao sol), a

radiação (comportamento e pigmentação da pele) e a evaporação através do ofego (Fig.1).

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Figura 1 - Representação da troca de energia por condução, convecção, radiação e evaporação para

um réptil em um ambiente terrestre (De Heatwole e Taylor, 1987, Modificado de Withers, 1992).

Ectotérmicos

Vamos primeiramente examinar as relações termais de animais ectotérmicos

aquáticos. Os animais de hábitos noturnos geralmente não apresentam uma significativa

troca de energia com o meio, portanto, são termoconformadores, já os de hábitos diurnos

fazem a termorregulação por migrações verticais e horizontais. Em seguida, vamos

examinar os animais ectotérmicos terrestres, os de hábitos noturnos podem evitar

temperaturas extremas, são, portanto termoconformadores, já os diurnos termorregulam por

heliotermia e seleção de substrato (Withers, 1992). No final será abordada a influência da

temperatura sobre a locomoção de vertebrados terrestres e a influência da mesma nas

respostas comportamentais defensivas.

Ectotérmicos Aquáticos

A água tem uma condutividade relativamente baixa de energia e um calor específico

alto, e, por conseguinte leva um longo tempo, tanto para aquecer como para esfriar. Por

causa disto, rápidas flutuações de temperatura do ar fora da água se transformam em

pequenas e lentas mudanças dentro dela. O ar é rapidamente aquecido ou resfriado e

conseqüentemente foram entre os animais terrestres que se desenvolveram as maiores

adaptações a temperaturas extremas (Withers, 1992).

A dissipação de energia através das brânquias é tão eficaz para a maioria dos

animais aquáticos que a produção metabólica de energia não tem nenhum significado

térmico e a temperatura do corpo é semelhante à temperatura da água. Muitos animais

ectotérmicos aquáticos são capazes de termorregulação precisamente a uma temperatura

de preferência (Tpref). Esta regulação da temperatura de preferência é realizada através do

comportamento por uma água de temperatura adequada, ao invés da termorregulação por

meio fisiológico (Withers, 1992).

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Os anfíbios são um grupo particularmente interessante de animais ectotérmicos, pois

muitas espécies são de transição entre ambientes aquáticos e terrestres. Eles podem

apresentar uma temperatura corpórea (Tc) entre 0°C (por exemplo, uma salamandra

caminhando sobre um campo de neve) até mais de 40°C (um sapo se aquecendo). Como

seria de esperar, os anfíbios aquáticos tem uma Tc similar a temperatura do ar (Ta), mas

muitos podem selecionar uma temperatura de preferência, se existe um gradiente térmico

adequado na Ta. Por exemplo, muitos girinos selecionam a água mais quente ao redor das

bordas de um tanque e evitam o frio em água mais profunda (Brattström, 1970). Os girinos

de Hyla regilla expõem a superfície dorsal para que seja exposta à radiação solar.

Agrupamentos de girinos podem absorver radiação solar suficiente para aumentar a

temperatura da água local (Brattström, 1962).

Anfíbios terrestres possuem um potencial para aumentar a temperatura corpórea

escolhendo microclimas ou aquecendo através do sol, mas sua alta perda de água por

evaporação cutânea tende a diminuir a eficiência do aquecimento ao sol, no entanto,

quando hidratados são excelentes evitando o sobreaquecimento (Withers, 1992).

Ectotérmicos terrestres

Muitos ectotérmicos terrestres apresentam uma considerável capacidade para a

termorregulação comportamental e fisiológica. O ar tem baixa condutância e uma menor

capacidade de energia do que a água, desta forma é mais fácil para um ectotérmico

terrestre manter o gradiente termal entre Tc e Ta. A taxa de aquecimento ou resfriamento de

um objeto ou animal, em ambientes frios ou quentes é determinada pela temperatura

diferencial, pela propriedade da superfície e pela propriedade termal do meio (condutividade

e calor específico) (Withers, 1992).

Muitas variáveis afetam a condutância dos animais. A mais importante é o tamanho

corpóreo, presença de isolamento e a natureza do meio (ar ou água). A massa corporal é de

suma importância uma vez que a relação área de superfície/massa corpórea do animal

determina inércia termal, ou seja, a tendência a mudar a temperatura do corpo em

decorrência das mudanças na temperatura ambiente. Animais grandes têm uma menor área

superfície/massa que os pequenos animais, e desta forma resfriam ou aquecem mais

vagarosamente (Withers, 1992).

A inversa relação entre condutância termal e massa do corpo tem profundo

significado ecológico. Animais pequenos possuem considerável dificuldade para a

manutenção da temperatura, por exemplo, uma abelha que tem 20 gramas de massa irá

perder temperatura em um ambiente frio em poucos minutos. O isolamento térmico também

pode afetar a condutância, por exemplo, as abelhas que possui os pelos do corpo removido

têm uma maior condutividade que as abelhas que possuem os pêlos (May, 1976). Em

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animais geralmente o ganho é mais rápido do que a perda de energia, isto é particularmente

evidente em lagartos e crocodilianos. Existem também mudanças no batimento cardíaco

(mais rápido durante o aquecimento), desta forma os ajustes cardiovasculares e metabólicos

provavelmente facilitam o aquecimento e retardam o resfriamento (Fig.2) (Withers, 1992).

Figura 2- As iguanas marinhas de Galápagos aquecem e resfriam em velocidades diferentes. (A) No

ambiente terrestre a iguana ao tomar sol absorve energia dos raios de sol, ocorrendo a

vasodilatação dos vasos sanguíneos cutâneos e o batimento cardíaco torna-se mais rápido

(conforme registrado pelo Eletroencéfalograma – ECG), o que asseguram o aquecimento do sangue

e circulação eficiente. (B) A perda de energia sobre a água é retardada pela lentidão dos batimentos

cardíacos e pela vasoconstricção dos vasos sanguíneos cutâneos, que miniminizam o fluxo

sanguíneo para a pele (Modificado de Eckert, 1997).

Aquecimento nos insetos

A postura do corpo e a orientação das asas podem afetar significantemente a

temperatura do corpo de um inseto se aquecendo (Fig.3). As libélulas se aquecem em

temperaturas baixas do ar e regulam seu ganho através da radiação solar e dos ajustes

posturais. Diversas espécies se aquecem com as asas posicionadas para frente e para a

trás para reduzir a perda de energia. Muitas borboletas podem elevar a temperatura torácica

150C acima da temperatura do ar por ajustes posturais, embora algumas espécies usem

vias metabólicas para elevar a temperatura torácica (Withers, 1992).

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Metablismo

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Figura 3- Adaptações posturais da libélula para maximizar o ganho de energia (i) por heliotermia ou

(ii) para minimizar o ganho de energia (May,1976 – Modificado de Withers, 1992).

Coloração

A coloração tem importante efeito na termorregulação, pois 50% da energia radiante

vêm do sol e é no espectro visível. Conseqüentemente a refletância visual (cor) influencia no

ganho de energia. As superfícies pretas refletem menos energia radiante que as superfícies

brancas. Por exemplo, nos animais que apresentam coloração preta é esperado que

absorvam mais radiação e assim apresentem uma temperatura corpórea maior que os

animais de coloração branca (Fig.4) (Withers, 1992).

Figura 4- Temperatura no tórax (símbolos sólidos) e abdômen (símbolos abertos) de besouros do

deserto da Namíbia – Onymacris rugatipennis (élitra preta) e O. brincki ( élitra branca) em ambiente

de luz solar natural (De Henwood, 1975, modificado de Withers, 1992).

Aquecimento em répteis e anfíbios

A temperatura corpórea dos repteis é bastante variável, variando de poucos graus

até acima de 400C. Lagartos noturnos e algumas espécies de diurnos são

termoconformadores, com a temperatura corpórea similar a temperatura do ambiente.

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Pág. 240 Julho/2010

Lagartos noturnos não possuem nenhuma fonte de radiação solar (embora alguns aqueçam

durante o dia enquanto estão inativos), muitos lagartos que habitam as florestas não podem

se aquecer porque eles habitam ambientes sombreados. O lagarto tropical Anolis cristatellus

é um oportunista termal; ele é termoconformador em áreas sombreadas, mas é

termorregulador em áreas abertas. Alguns lagartos absorvem energia através do contato do

ventre com uma superfície ou substrato de energia, por exemplo, em rochas aquecidas.

Esses lagartos são chamados de tigmotermos porque seu maior ganho de energia é através

da condução em vez da radiação (Withers, 1992).

A maioria dos lagartos diurnos se aquece em luz solar e são chamados de

termorreguladores com temperatura de preferência do corpo de aproximadamente 35 a

40°C. Esses lagartos heliotérmicos manipulam a troca de energia através de vias

comportamentais e fisiológicas. Assim, o controle comportamental inclui: mudança na

orientação do corpo em relação ao sol, alterações do contorno do corpo, mudança na

coloração (componente fisiológico) e também o controle fisiológico através das alterações

na circulação periférica. Lagartos heliotérmicos têm uma estreita faixa de temperatura de

preferência, a faixa de tolerância termal é o intervalo de temperatura com o qual o animal

pode sobreviver sem comprometer o sistema fisiológico. A faixa de sobrevivência termal é

definida como a temperatura crítica mínima e a temperatura crítica máxima. A temperatura

“ótima” é um intervalo que seria o ideal para muitas funções bioquímicas e fisiológicas, com

um aumento chegando a um platô e depois decaindo em altas temperaturas, isso ocorre por

causa da instabilidade termal das estruturas e funções das proteínas, como já discutido em

capítulos anteriores (Withers, 1992).

Na caatinga brasileira os sapos Pleurodema diplolistris passam os 10 ou 11 meses

anuais de seca enterrados na areia sem água e sem alimento, quando a chuva chega, os

machos emergem cantando em uníssono e logo saltam para a lagoa mais próxima. Atraídas

pela cantoria, as fêmeas escolhem seus pares e liberam dezenas de óvulos. Em um ou no

máximo dois meses, quando as chuvas cessam e os rios desaparecem os sapos recém-

nascidos precisam estar completamente formados e prontos para se enterrarem na areia

(Carvalho e col., 2010).

Adaptações ao Frio

Muitos ectotérmicos estão bioquímica e fisiologicamente adaptados para sobreviver e

até mesmo funcionar normalmente em baixas temperaturas ambientais. Entretanto,

temperaturas que são frias o suficiente para congelar os tecidos do animal são

potencialmente letais e devem ser evitadas ou requerer adaptações específicas para a

sobrevivência. Muitos ectotérmicos simplesmente evitam condições congelantes por

migrações ou buscando por microclimas mais quentes, mas alguns ocasionalmente têm

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Metablismo

Julho/2010 Pág. 241

contato com temperaturas congelantes. Ectotérmicos aquáticos podem experimentar apenas

condições brandas de congelamento, desde que a água doce ou água do mar congele entre

00C a -20C. Ectotérmicos terrestres, ao contrário, são particularmente mais susceptíveis ao

congelamento porque a temperatura do ar pode cair abaixo de zero (-20 a -500C). Existe

uma variedade de estratégias que permitem aos animais ectotérmicos sobreviverem em

condições congelantes (Withers, 1992).

Estratégias anti-congelamento

Vários ectotérmicos, tais como os artrópodes polares e o peixe icefish, evitam se

congelar diminuindo o ponto de congelamento dos fluidos do seu corpo abaixo da

temperatura média do ambiente, ou permitindo que os fluidos super-resfriem abaixo do

ponto de congelamento normal (Withers, 1992).

Depressão osmótica do ponto de congelamento

A água doce congela a 00C. As soluções apresentam uma depressão do ponto de

congelamento, isso ocorre pela presença de moléculas de soluto. Os ectotérmicos podem

potencializar o congelamento pelo aumento da concentração osmótica de seus fluidos

corpóreos, desta forma o ponto de congelamento fica abaixo da temperatura ambiente. A

normal concentração dos fluidos corpóreos confere uma proteção muito limitada contra o

congelamento em água doce, pois o ponto de congelamento dos tecidos é geralmente entre

-0,60C a -0,7 0C. Os animais marinhos são mais propensos ao congelamento, pois seus

tecidos são geralmente não hiper-osmótico e, portanto, eles podem congelar a mesma ou a

temperatura maior que a água do mar, que seria de aproximadamente -1,86°C. Alguns

ectotérmicos acumulam altas concentrações de solutos específicos para diminuir o ponto de

congelamento entre 1 a 10°C. Esses solutos são açucares ou alcoóis de açúcar. Estes

compostos podem também apresentar um efeito crioprotetor – eles protegem a membrana e

as enzimas contra a desnaturação pelo frio e o ferimento provocado pelo gelo (Withers,

1992).

Super-resfriamento

Um animal pode ficar exposto a uma temperatura consideravelmente abaixo do ponto no

qual seus líquidos corpóreos possivelmente congelariam, todavia, permanecem super-

resfriados, a menos que a formação de gelo se inicie por meio da nucleação. Por exemplo,

se um pedaço de água congelada a −1,9° C for colocada próxima ao peixe, o estado de

super-resfriamento é destruído, e o peixe congela e morre. Desta forma, o super-

resfriamento será uma boa estratégia apenas quando o risco de entrar em contato com

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agentes nucleadores for muito baixo. Tal super-resfriamento é de fato de grande importância

para a sobrevivência de muitos animais. Durante uma noite ocasionalmente fria, por

exemplo, o super-resfriamento pode ser essencial para os animais intolerantes ao

congelamento que não conseguem buscar um refúgio mais quente. Répteis e anfíbios, cujos

fluidos corpóreos, se nucleados, começariam a congelar a -0,6°C foram super-resfriados até

-8°C, sem que congelassem (Lowe e col., 1971). Isso pode significar a diferença entre a vida

e a morte para um animal que fica inesperadamente exposto a uma noite muito fria, antes

de encontrar um esconderijo para proteção contra os rigores do inverno. (Schmidt-Nielsen e

Duke, 1996).

Um componente particularmente efetivo na redução do ponto de congelamento e

também do de super-resfriamento é o glicerol. O glicerol freqüentemente ocorre em alta

concentração em insetos hibernantes e é muito eficaz no aumento da tolerância ao frio

(Schmidt-Nielsen e Duke, 1996).

Proteínas anti-congelamento

A substância responsável pela redução no ponto de congelamento tornou-se

conhecida como uma substancia "anticongelativa". Ela foi originariamente identificada e sua

composição elucidada no sangue de um peixe antártico, Trematomus (DeVries, 1970). É

uma glicoproteína que atua impedindo a adição de moléculas de água à matriz de cristais de

gelo e, portanto, o seu desenvolvimento. O anticongelativo impede a adição de moléculas de

água ao cristal, pois se liga a superfície do mesmo e assim bloqueia o seu subseqüente

crescimento (DeVries, 1982).

Tolerância ao congelamento

Embora uma tolerância natural ao congelamento e a formação de gelo sejam

fundamentais para a sobrevivência de muitos insetos no inverno, somente alguns

vertebrados suportam a formação pronunciada de gelo. Os peixes parecem incapazes de

suportá-la e a maior parte dos vertebrados superiores não tolera o congelamento sob

condições naturais (Schmidt-Nielsen e Duke, 1996).

Exceções são encontradas entre alguns anfíbios que enfrentam o inverno no solo. A

rã, Hyla versicolor, apresenta um congelamento parcial e controlado, além disso, há toda

uma preparação para o inverno. Nesta estação esses animais apresentam 3% de glicerol

em seus fluidos corpóreos - possivelmente se o animal estivesse no verão ele seria muito

menos tolerante ao congelamento; mas, por outro lado, em rãs que não toleram o

congelamento, tais como a rã leopardo comum, Rana pipiens, o glicerol encontra-se

ausente. Essa rã suporta o inverno em um habitat aquático, ao passo que a rã no solo tem

contato com temperaturas que rapidamente declinam abaixo de zero. Outras rãs tolerantes

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Metablismo

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ao congelamento, como a rã madeira, Rana sylvatica, rapidamente elevam seus níveis

glicêmicos como resposta ao início da formação de gelo, e isso parece aumentar a

tolerância das mesmas ao congelamento (Storey e Storey, 1985).

Adaptações a ambientes quentes

Ectotérmicos expostos a temperaturas elevadas podem tentar regular a sua temperatura

corpórea abaixo da temperatura do ar, ou podem usar de adaptações bioquímicas de

tolerância para altas temperaturas corpóreas. A primeira estratégia da termorregulação só

pode ser conseguida através de resfriamento evaporativo, por conseguinte, não está

disponível para os animais aquáticos. A segunda estratégia é o aumento da temperatura

crítica máxima (TCM) (Withers, 1992).

Temperatura Crítica Máxima

O limite máximo térmico para as células vivas é o ponto de ebulição da água (100°C

à pressão atmosférica normal). Nenhum dos animais ou plantas é capaz de sobreviver a

temperaturas próximas do ponto de ebulição, mas algumas bactérias termofílicas podem se

desenvolver a temperaturas acima de 100°C (Brock, 1985)

Ao se discutir tolerância a temperaturas extremas, deve distinguir entre as quais um

organismo pode sobreviver e aquelas nas quais pode completar todo o seu ciclo de vida. A

temperatura letal, na qual ocorrem 50% de mortalidade, não pode ser determinada com

exatidão, pois o tempo de exposição é de grande importância. A maioria dos invertebrados e

vertebrados possui TCM acima de 30°C e alguns superam os 40°C, isto é geralmente

consistente com o grupo taxonômico, mas pode haver considerável variabilidade de acordo

com os habitats e com o ambiente termal (Schmidt-Nielsen e Duke, 1996).

Alguns fatores que contribuem para a morte por excesso de temperatura são os

seguintes (Schmidt-Nielsen e Duke, 1996):

- Desnaturação das proteínas, coagulação térmica;

- Inativação térmica das enzimas a um ritmo que supera o da formação;

- Suprimento inadequado de oxigênio;

-Efeitos de temperaturas diferentes (Q10) em reações metabólicas interdependentes;

- Efeitos da temperatura nas estruturas das membranas.

Resfriamento por evaporação

A evaporação dissipa a energia da água. Por conseguinte, a perda de água por

evaporação pode dissipar uma quantidade considerável de energia e baixar a temperatura

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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corpórea. O grau de resfriamento evaporativo depende da umidade relativa do ambiente e

da temperatura (Withers, 1992).

Alguns animais ectotérmicos possuem mecanismos para manter sua pele úmida

durante a evaporação. Por exemplo, alguns anfíbios espalham com as patas substâncias

lipídicas de glândulas dérmicas para prevenir a desidratação da pele, e um alto fluxo

sanguíneo cutâneo mantém o nível de hidratação da pele. Ectotérmicos terrestres tendem a

reduzir a evaporação cutânea para evitar a desidratação rápida. Por exemplo, alguns

animais terrestres relativamente impermeáveis são capazes de melhorar o resfriamento

evaporativo regulando a temperatura corpórea a altas temperaturas do ar para aumentar

significativamente sua perda de água cutânea ou respiratória (Withers, 1992).

O lagarto Dipsosaurus dissipa totalmente sua produção metabólica de energia pela

respiração ofegante a uma temperatura do ar (Ta) maior que 40ºC, embora não seja capaz

de reduzir significativamente a temperatura corpórea abaixo da Ta. O lagarto Sauromalus

pode reduzir a temperatura corpórea em aproximadamente 0,9ºC abaixo da temperatura do

ar e a temperatura do cérebro em cerca de 2,7ºC, através do ofego. As rãs Chiromantis e

Phyllomedusa têm significativamente menor perda de água por evaporação do que outros

sapos, conseqüentemente, a sua temperatura corpórea é semelhante à temperatura do ar.

Ambas Chiromantis e Phyllomedusa podem aumentar drasticamente a perda de água,

quando submetidas a altas temperaturas e precisamente regulam a temperatura corpórea

abaixo da temperatura do ar. A Chiromantis apresenta glândulas cutâneas mucosas para

elevar a perda de água da evaporação, enquanto a Phyllomedusa impermeabiliza a

epiderme com uma camada de cera (Withers, 1992).

Correlações ecológicas em ser ectotérmico

(1) São capazes de habitar áreas de grande estresse ambiental;

(2) Possuem tamanho corpóreo pequeno, o que faz com que tenham menor necessidade

energética;

(3) O corpo possui um formato (alongado, achatado dorso-ventralmente ou achatado

lateralmente) que aumenta a relação superfície/massa;

(4) A eficiência da conversão de energia assimilada em biomassa costuma ser mais

eficiente em ectotérmicos do que em endotérmicos;

(5) Permitem aos ectotérmicos acesso a nichos ecológicos não disponíveis aos

endotérmicos.

A influência da temperatura nos sistema locomotor dos vertebrados

ectotérmicos

Page 255: Fisiologia comparada USP 2010

Metablismo

Julho/2010 Pág. 245

O desempenho locomotor tem sido considerado um bom indicador quantitativo de

adequação biológica (fitness) em estudos sobre influência da temperatura no desempenho

comportamental de lagartos (Bennett 1980; Hertz e col., 1983; Huey e col., 1984) e

serpentes (Herckrotte,1967; Oliveira e Martins, 2002).

Além dos efeitos sobre a locomoção de vertebrados ectotérmicos, a temperatura

pode influenciar na magnitude e tipo das respostas comportamentais apresentadas.

Mudanças no comportamento defensivo, induzidas pela temperatura, têm sido reportadas

em vertebrados ectotérmicos tão diversos como lagartos (Rand, 1964; Hertz e col., 1982;

Crowley e Pietruszka, 1983), anfíbios anuros (Gomes e col., 2002), salamandras (Brodie Jr.

e col., 1991) e serpentes (Herckrotte, 1967; Arnold e Bennett, 1984; Schieffelin e Queiroz,

1991; Keogh e DeSerto, 1994; Mori e Burghardt, 2001).

Outros estudos com lagartos mostraram que algumas espécies mudam seus displays

defensivos com a temperatura ambiental (Hertz e col., 1982; Crowley e Pietruszka, 1983),

ou tornam-se mais agressivos e menos propensos á fuga quando a temperatura corpórea é

baixa (Hertz e col., 1982). Estudos com serpentes sugerem que também neste grupo há

modulação do comportamento defensivo induzido pela temperatura corpórea. Nos estudos

feitos por Arnold e Bennett (1984) foi observado que serpentes se tornam mais agressivas,

com maior exposição da cabeça e com maiores tentativas de bote, quando apresentam

baixas temperaturas corpóreas.

Considerações finais

Desta forma podemos observar que nos animais ectotérmicos, a maioria das

atividades fisiológicas são depende da temperatura do corpo, sendo que a mesma está

diretamente relacionada com a temperatura do ambiente. Muitos processos bioquímicos e

fisiológicos são a base do padrão comportamental e são dependentes da temperatura

(Bartholomew, 1982). Sabemos que vários fatores (abióticos e bióticos) podem influenciar

nos padrões de comportamentos nos animais. Entre os fatores abióticos, a temperatura

pode influenciar diretamente o seu metabolismo e conseqüentemente na sua atividade

(Lillywhite 1987). De acordo com Shine e col. (2000), a temperatura do corpo pode ser uma

das mais importantes influências no comportamento anti-predador em vertebrados

ectotérmicos, pois a temperatura irá determinar a habilidade do animal para detectar, repelir

ou escapar do predador.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 246 Julho/2010

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Metablismo

Julho/2010 Pág. 247

Termorregulação em endotérmicos:

febre e anapirexia. “Ana” o quê?

Carolina da Silveira Scarpellini Lab. de Fisiologia, Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal

UNESP/Jaboticabal [email protected]

Conforme visto no capítulo anterior, geralmente a Tc de ectotérmicos (peixes,

anfíbios, répteis e alguns invertebrados) varia conforme a temperatura ambiente. Entretanto,

a maioria das espécies endotérmicas – aves e mamíferos – praticamente não tem sua Tc

alterada diante de uma ampla faixa de flutuação da Ta (Bícego e col., 2007).

Os endotérmicos regulam a Tc por meio de mecanismos termorreguladores

autonômicos além daqueles comportamentais já apresentados também pelos ectotérmicos.

Os mecanismos autonômicos podem ser divididos em duas grandes categorias: os de

ganho e os de perda de energia térmica (Branco e col., 2005). Os mecanismos de ganho,

por sua vez, podem ser subdividos em: conservação e produção de energia térmica.

A conservação de energia térmica nos mamíferos ocorre principalmente por

vasoconstrição periférica e piloereção, enquanto que os mecanismos de produção de

energia térmica incluem aqueles resultantes do metabolismo basal, os dependentes e os

independentes de tremor da musculatura esquelética (Bícego e col., 2007). A produção de

energia térmica resultante do metabolismo basal constitui a conhecida “termogênese

obrigatória”, uma vez que todos os processos metabólicos de um organismo resultam na

liberação de energia sob a forma de calor. O tremor consiste em movimentos involuntários

da musculatura esquelética sem que haja alteração na posição do corpo. Assim, como não

há trabalho mecânico, praticamente toda a energia é liberada na forma de calor (Branco e

col., 2005). A produção de energia térmica independente de tremor pode ser originada no

músculo esquelético de aves (Bicudo e col., 2002) e no tecido adiposo marrom de

mamíferos placentários (humanos, ratos, morcegos,...). Este último, localizado próximo às

escápulas e aos rins, é de especial importância para os animais de pequeno tamanho,

recém-nascidos e aclimatados ao frio (Mackowiak, 1998; Branco e col., 2005).

Como já mencionado no capítulo 1, o tecido adiposo marrom é bastante

vascularizado e apresenta alta densidade de mitocôndrias. Neste tecido os ácidos graxos,

derivados da degradação dos triglicerídeos dos adipócitos, servem como substrato para

oxidação na mitocôndria. Nas mitocôndrias das células em geral, a oxidação dos substratos

resulta em um gradiente de prótons entre o espaço intermembrana e a matriz mitocondrial.

Os prótons retornam para a matriz mitocondrial através da enzima ATP sintase, resultando

na formação de ATP. Como já discutido anteriormente, a UCP1, também chamada

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 248 Julho/2010

Termogenina, é encontrada na membrana interna das mitocôndrias e providencia uma via

alternativa para o fluxo de prótons independente da ATP sintase, logo grande parte da

energia da oxidação dos ácidos graxos é dissipada como energia térmica, contribuindo para

o aquecimento dos animais (Fig. 1).

Por fim, os mecanismos de perda de energia térmica são basicamente: vasodilatação

periférica, sudorese (único meio de perder energia quando a Ta é maior que a Tc e é

extremamente importante para humanos, equinos e bovinos) e ofegação (importante para

cães, gatos, ovelhas e aves). A ofegação se dá pela inspiração do ar atmosférico através

das vias aéreas e a expiração através da abertura oral. A exposição da língua ao ar

favorece a evaporação da água da saliva e contrui para a dissipação da energia térmica

corpórea (Randall, 1997).

Os mecanismos comportamentais estão relacionados ao contato com superfícies

mais quentes ou mais frias ou à adoção de posturas corporais que facilitem ou evitem a

troca de energia térmica entre o animal e o ambiente, como visto também para ectotérmicos.

Um comportamento muito comum em ratos é espalhar saliva sobre os pêlos quando

expostos a um ambiente quente, o que promove uma perda evaporativa de energia térmica

nesses animais (Bícego e col., 2007).

No sistema nervoso central (SNC) de vertebrados há uma região chave no controle

dos mecanismos termorreguladores, principalmente autonômicos, denominada área pré-

Figura 1- Representação do fluxo de prótons entre o

espaço intermembrana e a matriz em uma mitocôndria.

A seta tracejada representa a via pela qual os íons

atravessam a membrana interna durante a síntese de

ATP. A seta contínua que atravessa a proteína

desacopladora (termogenina) indica o caminho dos

prótons durante a dissipação de energia térmica na

termôgenese sem tremor (Modificado de Nelson e col.,

2004).

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Metablismo

Julho/2010 Pág. 249

óptica do hipotálamo anterior (APO). A APO situa-se na transição entre o diencéfalo e o

telencéfalo (Fig. 2) e é considerada termossensível (pois detecta as alterações térmicas

locais), além de termointegradora, já que recebe informações térmicas de várias regiões do

organismo por meio dos termorreceptores cutâneos e/ou espinais. Ainda, a APO contém

neurônios sensíveis ao aumento de temperatura que, segundo o modelo proposto por

Hammel (1965) e modificado posteriormente por Boulant (2006), quando ativados pelos

termorreceptores cutâneos e espinais ou pela alteração local da temperatura, estimulam a

perda e inibem a produção de energia térmica levando à manutenção da Tc. Por outro lado,

quando esses neurônios são inibidos pela queda nas temperaturas ambiente e/ou local,

ocorre uma redução na perda e um aumento na produção de energia térmica com

consequente manutenção da Tc (Matsuda e col., 1992; Boulant, 1998; Bícego e col., 2007).

Estados térmicos

Os endotérmicos podem apresentar cinco estados térmicos: eutermia, hipertermia,

hipotermia, febre e anapirexia (Gordon, 2001). Quando o animal apresenta uma Tc

considerada típica para sua espécie, diz-se que ele está em eutermia. Para a manutenção

da eutermia, o animal pode ou não empregar energia além daquela já consumida pelo

metabolismo basal. Quando a eutermia é mantida apenas por meio do metabolismo basal,

isto é, quando nem os mecanismos de produção nem os de perda de energia térmica são

Figura 2- Esquema de um corte sagital do encéfalo humano mostrando a localização da APO.

(http://healthysleep.med.harvard.edu/_i/198.jpg).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 250 Julho/2010

· ·

ativados, diz-se que o animal está dentro da zona termoneutra (ZTN) ou zona de conforto

térmico da sua espécie. Dessa forma, ZTN é a faixa de Ta na qual não há gasto extra de

energia para que a eutermia seja mantida. Por exemplo, a Tc em eutermia para humanos é

aproximadamente 37ºC (lembrando que esse valor muda ao longo de 24 horas) e,

geralmente, a ZTN para humanos adultos nus, encontra-se entre 28 e 30ºC (Blatteis, 1998).

Assim, quando a Ta ultrapassa pouco o limite crítico inferior ou superior da ZTN, a energia

extra é empregada para manter a eutermia. Entretando, se a Ta aumenta ou reduz

extremamente, nem mesmo a ativação dos mecanismos de perda ou de produção de

energia térmica é suficiente para a manutenção da eutermia e a Tc acaba acompanhando

tais alterações, resultando nos estados de hiper ou hipotermia, respectivamente, que são

consequências de falhas do sistema termorregulador em manter a eutermia (Fig. 3).

Figura 3- Esquema de três estados térmicos: eutermia, hipotermia e hipertermia. A linha tracejada

representa as variações de VO2 em relação à Ta. A linha contínua representa as variações da Tc em

relação à Ta. VO2, consumo de O2; TCI, temperatura crítica inferior; TCS, temperatura crítica superior;

Tc: temperatura corporal.

Na hipertermia moderada, a vasodilatação não compromete a oferta de sangue para

outros tecidos porque há uma redistribuição do débito cardíaco. Essa redistribuição se dá

pela redução da perfusão para os tecidos não vitais ou para aqueles que recebem mais

sangue que o necessário considerando o metabolismo local. Porém, na hipertermia severa,

a vasodilatação pode ser tão intensa que conflita com os mecanismos de regulação da

pressão arterial causando o chamado heat stroke, ou choque térmico. A hipertermia severa

resulta em edema nos membros inferiores, tontura, exaustão, dor de cabeça, vômito e

diarréia (Branco e col., 2005). Já a hipotermia severa pode causar redução na velocidade de

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Metablismo

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condução dos impulsos nervosos culminando em comprometimento da coordenação

motora, amnésia, alucinação, decréscimo da frequência respiratória, dentre outros, podendo

levar o indivíduo ao coma.

Os outros estados térmicos (febre e anapirexia) referem-se a alterações reguladas

da Tc. Na febre, mecanismos de ganho de energia térmica são ativados induzindo o

aumento da Tc (Kluger, 1991) e, durante a anapirexia, mecanismos de perda de energia

térmica são ativados reduzindo a Tc (Gordon, 2001; Steiner e Branco, 2002). Note que os

mecanismos ativados durante a febre são opostos àqueles ativados durante a hipertermia.

O mesmo vale para os mecanismos ativados durante a anapirexia e a hipotermia.

Nesse contexto, há situações em que é mais vantajoso para o organismo um aumento ou

uma queda regulada da Tc do que a manutenção da eutermia. Veremos a seguir quais são

essas situações e porque, nestes casos, a febre ou a anapirexia são mais benéficas ao

organismo que a eutermia.

Febre

A febre, como mencionado anteriormente, é um aumento regulado da Tc, pois é

controlada por sinais encefálicos que ativam os mecanismos de ganho de energia térmica,

diferentemente do que ocorre na hipertermia que também é um aumento da Tc, porém

devido a falhas no sistema termorregulador. Para o desenvolvimento da febre em um

ambiente com Ta baixa, é necessária intensa produção de energia térmica além de redução

na sua perda, enquanto em um ambiente com Ta alta, apenas uma diminuição da perda de

energia térmica pode ser suficiente para elevar a Tc aos níveis febris. A hipertermia, por

outro lado, é mais dependente da Ta: em uma Ta baixa a hipertermia dificilmente ocorrerá.

Deve ser lembrado que valores de Tc muito altos e por muito tempo não são

benéficos, pois podem causar desidratação, delírio, lesões no encéfalo, convulsões, dentre

outros prejuízos. O aumento na produção de energia térmica, em decorrência do

desenvolvimento da febre, implica no aumento da taxa metabólica e isso pode representar

um perigo extra para indivíduos com substratos metabólicos limitados como recém-

nascidos, idosos e subnutridos. O limiar da Tc a partir do qual a febre é considerada

perigosa para a sobrevivência do indivíduo ainda é algo muito discutível entre os

pesquisadores: alguns consideram 39ºC, enquanto outros afirmam que febres de até 41ºC

não são perigosas para humanos (Branco e col., 2005).

A resposta febril é uma reação complexa, geralmente resultante do contato com

agentes inflamatórios ou infecciosos, chamados de pirogênios exógenos e tem sido descrita

em todos os grupos de vertebrados: mamíferos (Kluger, 1991), aves (D'Alecy e Kluger,1975;

Macari e col., 1993; Maloney e Gray, 1998), répteis (Hallman e col., 1990; Don e col., 1994),

anfíbios (Kluger, 1977; Bicego-Nahas e col., 2000) e peixes (Reynolds e col., 1976), além de

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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alguns invertebrados (Kluger, 1991). Como em ectotérmicos a Tc é muito semelhante à Ta e

a termorregulação se dá essencialmente por mecanismos comportamentais, como já

abordado, uma forma de inferir a Tc dos animais é mensurar a Ta selecionada pelos

animais. Dessa forma, quando os ectotérmicos infectados são colocados em um gradiente

térmico que possibilite a “escolha” da Ta mais confortável, eles direcionam-se e

permanecem no lado mais quente do gradiente, desenvolvendo assim a chamada febre

comportamental (Fig. 4).

A ampla ocorrência da febre sugere que ela surgiu há muito tempo na escala

filogenética e, que por ser conservada ao longo de tantos anos, deve conferir benefícios aos

organismos (Kluger, 1991; Kluger e col., 1998). De fato, muitos estudos apontam o aumento

da atividade do sistema imune (Fig. 5) e a queda na sobrevida dos agentes patogênicos

como alguns dos benefícios do aumento regulado da Tc (Kluger, 1991; Marnila e col., 1995;

Kluger e col., 1998).

Figura 4- Esquema de um gradiente térmico. O animal é colocado no centro do aparato e pode

direcionar-se para o local com temperatura mais confortável. No caso da febre, o animal

desloca-se para o lado com Ta mais alta.

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Metablismo

Julho/2010 Pág. 253

Após o contato do organismo com os pirogênios exógenos (geralmente

microorganismos invasores), estes são fagocitados por células do sistema imune. Os

fagócitos produzem citocinas (IL-1ß, IL-6, TNF-α, IFN-α) que atuam como pirogênios

endógenos e induzem a síntese e a liberação de prostaglandina (PG), principalmente a

PGE2 que atua na APO ativando os mecanismos de ganho e inibindo os de perda de

energia térmica (Kluger, 1991; Matsuda e col., 1992; Blatteis e Sehic, 1997a,b). Em

contrapartida, estudos demonstraram que em ratos há alguns pirogênios endógenos (MIP-1,

IL-6 e endotelina-1) que desencadeiam febre independente da liberação de PGE2

(Zampronio e col., 1994; Fabricio e col., 1998).

Acredita-se que a febre seja gerada por um balanço entre a ação dos pirogênios e

dos antipiréticos. Os antipiréticos são definidos como aqueles agentes que reduzem a

resposta febril, mas não alteram a Tc no estado de eutermia (Branco e col., 2005).

Por fim, os benefícios conferidos pela febre podem ser evidenciados (1) pelo

aumento da sobrevida de animais infectados e febris (mamíferos - inclusive humanos -,

lagartos, peixes e grilos) em comparação àqueles infectados não febris e (2) pelo aumento

da mortalidade de animais (lagartos e coelhos) infectados quando tratados com fármacos

antipiréticos (Branco e col., 2005).

Anapirexia

Anapirexia, segundo o “Glossário de termos para Fisiologia Térmica”, é uma

condição patológica na qual há um decréscimo regulado da Tc devido à ativação de

mecanismos de perda de energia térmica, diferentemente da hipotermia que ativa

mecanismos de ganho de energia. Essa nomenclatura (anapirexia), apesar de bem definida,

Figura 5- Efeito da Tc sobre a fagocitose (Modificado de Wenisch e col., 1996).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 254 Julho/2010

ainda gera alguns conflitos quanto ao seu uso (Romanovsky 2004), mas particularmente

neste capítulo estas divergências não serão levadas em conta.

O oxigênio (O2) é crucial para o metabolismo oxidativo e, consequentemente, para a

produção de energia na forma de ATP. Sendo assim, é evidente que um aporte adequado

de O2 é essencial para a sobrevivência dos animais e que um déficit de O2, mesmo que

localizado e passageiro, pode causar prejuízos irreversíveis (López-Barneo e col., 2001). No

entanto, alguns animais enfrentam condições de hipóxia (baixa pressão parcial de O2) ao

longo da vida, seja por exposição ambiental (tocas, altas atitudes, etc) ou por insuficiências

cardíacas, respiratórias e/ou metabólicas, traumatismos cranianos, acidentes vasculares

encefálicos, dentre outros (Bao e col., 1997; Reissmann e col., 2000; Gordon, 2001).

Então, como os animais sobrevivem a tais situações? Uma das respostas

adaptativas mais conhecidas parece ser a queda regulada da Tc, ou anapirexia, que é

observada ao longo de toda a escala filogenética dos vertebrados e em organismos

unicelulares, como é o caso do Paramecium caudatum (Steiner e Branco, 2002). Durante a

anapirexia, ocorre atenuação da hiperventilação e do débito cardíaco causados pela hipóxia

e inibição da termogênese, além de aumento na afinidade da hemoglobina pelo O2, o que

facilita a captação desse gás na superfície respiratória (Mortola e Gautier, 1995; Wood,

1995; Gautier, 1996; Barros e col., 2001; Steiner e Branco, 2002). Todas essas respostas

associadas à anapirexia conferem benefícios ao animal hipóxico, pois diminuem respostas

altamente custosas, contribuindo para uma depressão no metabolismo e facilitando a

captação de O2 nos pulmões. Dessa forma, um aumento na sobrevida de ratos,

camundongos, lagartos e até mesmo no Paramecium é observado quando tais organismos

são expostos à hipóxia e têm suas Tcs reduzidas (Artru e Michenfelder, 1981; Hicks e

Wood, 1985; Malvin e Wood, 1992; Wood, 1995; Wood e Stabenau, 1998). De modo

semelhante ao que ocorre na febre comportamental, a queda da Tc pode ser evidenciada

quando ectotérmicos hipóxicos são colocados em um gradiente de temperatura e

selecionam regiões mais frias do que selecionariam em situações de normóxia (Hicks e

Wood, 1985; Gordon e Fogelson, 1991; Malvin e Wood, 1992).

Com todos esses benefícios associados à queda da Tc, seria de se esperar que

reduzir a Tc de um paciente em situações nas quais o O2 constitui um fator limitante, como

em casos de hemorragia, anemia, isquemia, envenenamento, cirurgias cardíacas e traumas

cranianos, contribuiria para minimizar os efeitos da hipóxia, facilitando assim a recuperação

do indivíduo. De fato, isso vem sendo aplicado na clínica (Schwab e col., 1997; Holzer e col.,

1997, Gordon, 2001; Kline e col., 2004), entretanto, a forma usada para diminuir a Tc do

paciente é a hipotermia forçada que também proporciona benefícios, mas apresenta uma

desvantagem em relação à anapireixa, que é o aumento da resposta metabólica do paciente

Page 265: Fisiologia comparada USP 2010

Metablismo

Julho/2010 Pág. 255

por meio da ativação dos mecanismos de ganho de energia térmica, os quais são altamente

custosos e que não é desejável numa situação hipóxica (Gordon, 2001).

Apesar da vasta observação da anapirexia hipóxica nos vertebrados e no

Paramecium caudatum e da sua importância clínica, os mecanismos envolvidos nesta

resposta ainda são pouco conhecidos e apenas nas últimas décadas alguns de seus

mediadores/modularores foram descritos. Dentre estes estão a dopamina, a serotonina, o

óxido nítrico e os receptores opióides kappa atuando especificamente na APO induzindo a

queda da Tc (Steiner e col., 2002a; Gargaglioni e col., 2005; Scarpellini e col., 2009). Por

outro lado, os receptores mi e delta, também na APO, estão envolvidos no retorno da Tc ao

estado eutérmico após o término da hipóxia (Scarpellini e col., 2009). Ainda, a adenosina e o

monóxido de carbono (Barros e Branco, 2000; Paro e col., 2001) parecem atuar em alguma

outra região no SNC para induzir e inibir, respectivamente, a anapirexia. Como pode ser

notado, a anapirexia parece ser resultado de um balanço entre agentes indutores e

inibidores da queda da Tc, assim como acontece na febre.

Steiner e col. (2002a) propuseram um modelo para a indução da anapirexia

dependente dos sistemas intracelulares de segundos mensageiros, GMP cíclico (GMPc) e

AMP cíclico (AMPc). O modelo sugere que os agentes indutores da anapirexia (óxido

nítrico, serotonina, dopamina e talvez os agonistas endógenos dos receptores opióides

kappa) atuem nos neurônios sensíveis ao aumento de temperatura da APO, aumentando os

níveis intracelulares de GMPc e AMPc, induzindo uma menor produção de energia térmica e

uma maior perda desta, levando à queda da Tc. É interessante ressaltar que a redução dos

níveis de GMPc e AMPc, na APO, ou seja, o efeito contrário ao que acontece na indução da

anapirexia, ocorre no desenvolvimento da febre (Steiner e col., 2002b).

A hipóxia é o estímulo anapirético mais estudado, mas uma queda regulada da

temperatura corporal também é observada em animais que apresentam o fenômeno de

depressão metabólica durante a dormência sazonal. Entretanto, nestes animais a queda da

Tc não é induzida por uma diminuição da disponibilidade de oxigênio ambiental, mas parece

ocorrer como parte de uma inibição coordenada de todas as variáveis fisiológicas

contribuindo assim, para a economia energética e para o aumento da sobrevivência dos

animais frente a condições ambientais desfavoráveis (Carey e col., 2003).

Em suma, é importante ressaltar que os animais podem apresentar Tcs diferentes

(febre e anapirexia) do estado de eutermia sem que isso represente um descontrole ou uma

falha nos sistemas controladores. E, geralmente tais alterações na Tc conferem benefícios

aos animais, contribuindo para um aumento da sua sobrevivência durante determinadas

situações, tais como infecção e hipóxia. Deve ser lembrado, evidentemente, que essas

alterações, para serem benéficas, devem ocorrer dentro de limites em que o animal não

sofra com extremos das duas condições.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 256 Julho/2010

Page 267: Fisiologia comparada USP 2010

Metablismo

Julho/2010 Pág. 257

Metabolismo energético em câmera lenta:

mecanismos de depressão metabólica sazonal

Lilian Cristina da Silveira Laboratório de Metabolismo e Energética

[email protected]

Diversos animais desenvolveram a habilidade de ‘prever’ uma fase em que as

condições ambientais tornam-se desfavoráveis, ou ótimas, para determinadas funções, por

meio de um sistema temporizador interno e da percepção de sinais ambientais cíclicos, tais

como fotoperíodo, temperatura e umidade. Animais que apresentam dormência sazonal

exibem uma série de ajustes comportamentais e metabólicos meses antes da fase

desfavorável, que possibilitam, dentre outros eventos, o armazenamento de substratos

energéticos que serão utilizados para a produção de energia durante os meses de

dormência, como mencionado acima. A dormência sazonal é caracterizada pela presença

de dois componentes principais: o jejum e a depressão metabólica.

A habilidade de deprimir a taxa metabólica de repouso é de ampla ocorrência nos

animais e pode estar associada à dormência sazonal, como nos casos de estivação e

hibernação, ou dissociada da dormência sazonal, como no torpor diário, sono e anidrobiose.

A depressão metabólica é, portanto, de ampla ocorrência nos animais e considerada um dos

exemplos de flexibilidade fenotípica mais fascinantes. A estivação possibilita que muitos

animais, incluindo anuros, peixes e caramujos, sobrevivam à escassez de água. Já a

hibernação geralmente está associada aos efeitos combinados de temperaturas reduzidas e

escassez de alimento. Beija-flores e alguns pequenos mamíferos apresentam torpor diário,

um estado de hipometabolismo semelhante à hibernação, mas com apenas algumas horas

de duração, que está associado à fase do dia na qual a disponibilidade de alimento é

reduzida. Tartarugas sobrevivem longos períodos em anóxia, sem acesso ao ar atmosférico,

embaixo da camada de gelo que se forma nos lagos durante o inverno. Seja em condições

anóxicas ou na presença de oxigênio, a depressão metabólica estende o tempo de

sobrevivência dos organismos por reduzir a demanda de energia e a velocidade de

utilização das reservas de substratos. Na maioria dos casos, a taxa metabólica é reduzida

para 5–40% da taxa metabólica de repouso, mas alguns organismos como esporos e cistos

sofrem depressão metabólica ainda maior e, em muitos casos, a taxa metabólica

simplesmente não pode ser detectada, uma condição denominada criptobiose (Storey e

Storey, 2004; Carey e col., 2003).

Ciclo Anual

Page 268: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 258 Julho/2010

Antecipação

Um dos aspectos mais característicos da dormência sazonal é a antecipação do

fenômeno. Meses antes do estresse ambiental, os animais iniciam uma série de ajustes

comportamentais e fisiológicos que possibilitam, dentre outras respostas, o armazenamento

de substratos, seja na forma de alimento em suas tocas ou tornando-se obesos, ou ambos.

Quando a oferta de O2 no ambiente não é limitante, como na maioria dos casos de

hibernação e estivação, a energia é estocada principalmente na forma de lipídios, uma

forma de estocagem vantajosa do ponto de vista energético uma vez que a oxidação de

ácidos graxos fornece mais energia por grama de substrato que carboidratos. Esquilos, por

exemplo, dobram sua massa corpórea e triplicam a massa adiposa durante a fase de

preparação para a dormência (Dark, 2005).

Os eventos de deposição/mobilização de lipídios, que resultam em

aumento/diminuição da massa adiposa, da taxa metabólica basal e da ingestão de alimentos

estão ligeiramente dessincronizados. A diminuição da ingestão alimentar ocorre bem antes

que a massa corpórea atinja seu máximo. E uma diminuição da TMB já no meio do verão,

antes que a ingestão de alimentos diminua, possibilita um aumento da massa corpórea dado

pelo acúmulo de gordura. A massa corpórea máxima é atingida no final do verão ou início do

outono, quando a secreção de insulina (hormônio lipogênico) também é máxima e os níveis

de absorção de glicose são mínimos, indicando uma possível insensibilidade à insulina nos

adipócitos (Dark, 2005). Tais fenômenos são bem caracterizados em mamíferos, mas ciclos

semelhantes de deposição/mobilização de lipídios ocorrem em ectotérmicos (Souza e col.,

2004).

As alterações da adiposidade em animais hibernantes não são simplesmente

resultado de aumento da ingestão alimentar e/ou diminuição da taxa metabólica, mas

principalmente de uma mudança programada do nível ideal de adiposidade (Dark, 2005).

Lesões cerebrais que produzem obesidade em ratos de laboratório também aumentam a

massa corpórea em hibernantes, mas o ciclo anual de deposição de gordura persiste

(Barnes e Mrosovsky, 1974), fornecendo um indício da robustez desta resposta sazonal.

Desta maneira, estes ciclos parecem ser rigidamente controlados, provavelmente por um

mecanismo central, que deve utilizar-se de um sinal proveniente do tecido adiposo branco

(TAB) que informa a quantidade total de reservas e, desta forma, possibilita o ajuste da

adiposidade do animal ao momento de seu ciclo anual de atividades.

Tem sido proposto que este sinal é dado principalmente pela leptina, um hormônio

peptídico amplamente conhecido por sua atuação no controle da adiposidade em mamíferos

não hibernantes (Ahima e Flier, 2000; Dark, 2005). A leptina é produzida principalmente

pelo TAB e sua concentração plasmática é normalmente correlacionada ao nível de

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Metablismo

Julho/2010 Pág. 259

adiposidade do animal. Este peptídeo de 16kDa age no hipotálamo diminuindo a ingestão

alimentar e aumentando a lipólise (Ahima e Flier, 2000). Entretanto, os poucos estudos que

investigam a ação da leptina em hibernantes tem sido contraditórios e sugerem a existência

de diferentes padrões de secreção ao longo do ciclo sazonal.

No morcego Myotis lucifugus, durante a pré-hibernação, a relação usual entre o nível

de adiposidade e a secreção de leptina não é observada. Os níveis plasmáticos de leptina

elevam-se antes do aumento da massa adiposa e diminuem à medida que a massa adiposa

alcança seu máximo. Neste animal, a secreção de leptina, notoriamente um hormônio cujo

efeito inclui aumento do gasto energético, parece estar dissociada da adiposidade durante a

hibernação, permitindo a diminuição da taxa metabólica durante a fase de armazenamento e

dormência (Kronfeld-schor e col., 2000). Já em marmotas Marmota flaviventris, as

concentrações plasmáticas de leptina são positivamente relacionadas com o aumento da

massa adiposa e tamanho do adipócito. Neste caso, a fim de se esquivarem do efeito

anorexigênico da leptina e alcançarem a adiposidade necessária para sustentar a demanda

de energia na dormência, estes animais parecem ter desenvolvido um estado de resistência

à leptina (Florant e col., 2004).

Recentemente, os efeitos e a estrutura da leptina, antes estudados somente em

mamíferos, têm sido investigados em outros grupos. Vários trabalhos fornecem evidências

da existência de um peptídeo com função e estrutura semelhantes às da leptina em

ectotérmicos (Johnson e col., 2000; Niewiarowski e col., 2000; Paolucci e col., 2001;

Spanovich e col., 2006). A administração diária de leptina durante 15 dias no lagarto

Sceloporus undulatus resulta em efeitos similares aos observados em ratos, ou seja,

elevação da temperatura corpórea e diminuição da ingestão de alimentos, embora a massa

corpórea não tenha sofrido alterações significativas quando comparados ao grupo controle

(Niewiarowski e col., 2000). Neste mesmo animal, que apresenta dormência sazonal, os

níveis circulantes de leptina são menores no outono, quando a quantidade de reservas

lipídicas é máxima (Spanovich e col., 2006), assim como foi observado no morcego Myotis

lucifugus (Kronfeld-schor e col., 2000).

Dormência

Quando o nível de adiposidade adequado é atingido e o animal está pronto para

iniciar a fase de hibernação ele progressivamente diminui a atividade e procura seu abrigo

onde permanecerá até a primavera. A entrada em hibernação é caracterizada por uma

rápida e acentuada diminuição da taxa metabólica, das frequências cardíaca e respiratória,

acompanhadas por uma diminuição da temperatura corpórea. Em endotérmicos, a

temperatura corpórea cai a valores tão baixos quanto 0ºC e os animais ingressam em um

estado de hipotermia voluntária, enquanto que não hibernantes expostos a temperaturas

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 260 Julho/2010

entre 10 e 25°C tipicamente sofrem falência cardíaca (Driedzic e Gesser, 1994; Ruf e

Arnold, 200).

O efeito letal da hipotermia nas células de mamíferos não hibernantes deve-se, em

grande parte, ao efeito assimétrico da temperatura nas taxas das reações, que resulta em

um desacoplamento entre a produção e o consumo de energia. Dado que a manutenção do

gradiente de íons através das membranas é um processo dependente de energia, que supre

a atividade de enzimas como a Na+,K+-ATPase, um maior consumo em relação à produção

de ATP resulta em despolarização de membranas e em uma cascata de eventos que

culminam na morte celular. Curiosamente, hibernantes durante a fase ativa são tão

suscetíveis a estes efeitos quanto não hibernantes, o que sugere que os mecanismos

celulares de resposta ao estresse são semelhantes em hibernantes e não hibernantes e,

portanto, reforça a importância dos ajustes que ocorrem antes da fase de hibernação

(Storey, 2004). Esta semelhança, somada à constatação de que a habilidade de hibernar é

amplamente observada nos mamíferos e pode ser considerada uma característica ancestral

e uma propriedade básica da sua fisiologia, sugerem que o fenótipo hibernante não seria

resultado da expressão de genes exclusivos de hibernantes, mas sim da expressão

diferenciada de genes comuns a todos os mamíferos (Heldmaier e col., 2004; Storey, 2004).

Com base neste pressuposto, bastaria encontrar um mecanismo para a ativação da

expressão deste conjunto de genes para que a indução do hipometabolismo em não

hibernantes se tornasse possível (Quadro 1).

Durante a depressão metabólica, alguns processos fisiológicos diminuem, enquanto

outros são totalmente interrompidos. Durante toda fase de dormência o coração deve

continuar a bombear sangue, embora, muitas vezes, a uma temperatura corpórea muito

menor e contra uma resistência periférica maior do que durante a fase ativa do animal

(Fahlman e col., 2000). Pequenos mamíferos em torpor reduzem a freqüência cardíaca de

200-300 para 3-5 batimentos por minuto. Diferentemente da função cardíaca, o fluxo

sanguíneo renal, a taxa de filtração glomerular e a formação de urina são muito reduzidos

ou cessam completamente durante o hipometabolismo. Nos mamíferos, estes processos

são retomados durante os despertares periódicos, de maneira que poucas alterações são

observadas na osmolaridade e na concentração de eletrólitos no plasma (Carey e col.,

2003). Outros animais encontraram soluções diferentes para lidar com resíduos: formação

de produtos finais voláteis, estocagem de lactato nas carapaças de tartarugas e acúmulo da

uréia resultante do catabolismo de proteínas a fim de aumentar a resistência à dissecação

durante a estivação (Storey e Storey, 2007).

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Metablismo

Julho/2010 Pág. 261

Dado o elevado custo dos processos de digestão, absorção e assimilação de

alimentos (ação dinâmica específica), a interrupção da alimentação também contribui de

maneira significativa para a economia energética do animal. O trato gastrointestinal

apresenta um intenso metabolismo, atingindo cerca de 20-30% do metabolismo basal em

mamíferos (Tracy e Diamond, 2005) e o jejum prolongado envolve alterações na estrutura e

função deste órgão. Na depressão metabólica sazonal, observa-se uma pronunciada atrofia

do intestino, embora a capacidade funcional do órgão seja preservada, garantindo que o

animal esteja apto a digerir e absorver nutrientes após o despertar (Carey e col., 2003). Na

dormência sazonal de lagartos teiú jovens, a depressão metabólica é acompanhada por

uma redução de 37% da massa do intestino médio, seguida por um aumento de três vezes

da massa total do órgão após o despertar e a retomada da alimentação (Nascimento e col.,

2007).

Em hibernantes clássicos como os esquilos, a depressão metabólica é alcançada

através do efeito termodinâmico das baixas temperaturas no inverno combinado à inibição

ativa do metabolismo através de diversos mecanismos de regulação (Carey e col., 2003).

Por outro lado, alguns endotérmicos e ectotérmicos, apresentam depressão metabólica em

temperaturas relativamente altas (Fig. 1). Lêmures de Madagascar podem hibernar a

temperaturas corpóreas acima de 20ºC e o lagarto teiú hiberna a uma temperatura corpórea

A indução de um estado hipometabólico em humanos já foi considerada em

diversas obras de ficção científica e, de fato, parece que a ciência está cada vez mais próxima de tornar esta idéia real, o que traria imensos benefícios para a medicina em uma variedade de condições. Os mecanismos moleculares que preservam a viabilidade dos órgãos em hibernantes a temperaturas próximas a 0º e em condições de restrição energética, são de grande interesse para pesquisadores que buscam melhorar e estender o tempo de preservação de órgãos destinados a transplantes. Esta idéia ganhou novo fôlego em 2005, quando o pesquisador Mark Roth divulgou que camundongos expostos a gás sulfídrico (H2S), um inibidor específico e reversível da enzima mitocondrial citocromo c oxidase (CCO), tiveram seu consumo de oxigênio diminuído em 90% seguido por uma queda da temperatura corpórea para 2 ºC acima da temperatura ambiente (~15 ºC). Após 6 h de exposição ao H2S, estes animais retomaram sua taxa metabólica e temperatura normais quando colocados novamente em contato com o ambiente (Blackstone e col., 2005). Provavelmente, ajustes paralelos nos processos consumidores de energia, assim como ocorre nas células dos hibernantes, acompanharam a inibição do metabolismo mitocondrial nestes camundongos, preservando a viabilidade celular.

Quadro 1: Da ficção científica para a clínica médica: indução de

depressão metabólica

Mark B. Roth Fred Hutchinson Cancer

Research Center, Seattle

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 262 Julho/2010

de cerca de 17ºC, apresentando uma redução de cerca de 80% do metabolismo. Nestes

casos, há uma maior contribuição de mecanismos intrínsecos de inibição metabólica e um

efeito menos significativo da temperatura (Heldmaier e col., 2004; Souza e col., 2004).

Figura 1- a) Lagarto teiú Tupinambis merianae; b) Primata lêmure Microcebus murinus.

Hibernação interrompida por episódios de despertar e hibernação contínua

Em pequenos mamíferos, a hibernação consiste de fases de torpor que duram de

uma a três semanas, interrompidas por despertares periódicos que, geralmente, duram

menos de 24 horas, nos quais os animais acordam, elevam a temperatura corpórea para

aproximadamente 37ºC e restabelecem todas as funções fisiológicas (Fig. 2). Este padrão

de hibernação interrompida por episódios de despertar consome substancialmente mais

energia quando comparado à hibernação contínua, apresentada por outros animais, por

exemplo, alguns anfíbios e répteis. Na marmota, 72% da energia consumida durante a

hibernação é gasta nos despertares (17%) e durante os períodos de eutermia (57%)

(Heldmaier e col., 2004). A importância biológica dos episódios de despertar ainda não é

conhecida, mas tem sido sugerido que sejam importantes no reconhecimento de patógenos

e iniciação de resposta imune além de reposição de RNAm e proteínas degradados durante

o hipometabolismo (Prendergast e col., 2002; Knight e col., 2000).

a b

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Metablismo

Julho/2010 Pág. 263

Figura 2– Registro contínuo da taxa metabólica (TM) e da temperatura corpórea (Tc) na marmota

(Marmota marmota), evidenciando o hipometabolismo e hipotermia durante a entrada em hibernação

(1), a manutenção do hipometabolismo durante a hibernação (2), o rápido reaquecimento durante o

despertar (3), e a eutermia (4). A ventilação é reduzida em uníssono com a queda da taxa metabólica

e assume um padrão episódico, com ventilações seguidas por períodos de apnéia que podem durar

de alguns minutos a uma hora ou mais (à direita). Ta representa temperatura ambiente. (Modificado

de Heldmaier e col., 2004).

Despertar

O armazenamento de lipídios é crítico não somente para a sobrevivência do animal

durante a fase de dormência, mas também para que o despertar seja bem sucedido. Na

primavera, quando os animais despertam da fase de dormência, a taxa metabólica eleva-se

antes que a ingestão de alimentos seja restabelecida e ocorre uma diminuição da massa

corpórea mesmo após o início da alimentação (Dark, 2005). Em alguns mamíferos

hibernantes, a elevação da temperatura corpórea envolve o aumento da produção de calor

no tecido adiposo marrom através da oxidação de ácidos graxos e ciclagem fútil de elétrons

através de proteínas desacopladoras (UCPs) da membrana mitocondrial interna, como visto

em capítulos anteriores. Neste momento, as reservas remanescentes de carboidratos são

utilizadas e algum grau de oxidação de proteínas faz-se necessário, provendo aminoácidos

para a síntese de glicose, essencial ao aumento de atividade metabólica dos tecidos

dependentes de glicose (Carey e col., 2003; Souza e col., 2004).

Mecanismos de depressão metabólica: inibição dos processos que produzem

e consomem energia nas células

Fosforilação reversível

Os mecanismos moleculares de depressão metabólica devem ser reversíveis,

possibilitando o rápido restabelecimento das funções metabólicas no despertar. Um

mecanismo bastante conservado filogeneticamente e que parece ser responsável por

grande parte dos ajustes na depressão metabólica é a fosforilação reversível, que consiste

na ligação de grupos fosfato a resíduos de aminoácidos específicos de uma proteína,

catalisada por proteínas quinases, e na remoção desses grupos, catalisada por proteínas

fosfatases. Quando o aminoácido modificado está localizado em uma região da proteína que

é crítica para a sua estrutura tridimensional, ocorrem efeitos marcantes que modificam

algumas de suas propriedades ou a sua interação com outras proteínas ou estruturas sub-

celulares. Em diversas condições fisiológicas, várias enzimas glicolíticas, receptores e

transportadores de membrana, proteínas responsáveis pela transcrição gênica, síntese e

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Pág. 264 Julho/2010

degradação de proteínas e regulação do ciclo celular são reguladas por fosforilação

reversível (Storey, 2004).

O primeiro relato do papel da fosforilação reversível nos ajustes ao hipometabolismo

veio de estudos com moluscos marinhos, nos quais a fosforilação da piruvato quinase

causou diminuição da atividade desta enzima e do fluxo pela via glicolítica (Storey e Storey,

1990). Na depressão metabólica há uma inibição coordenada de processos que produzem e

consomem energia nas células, além de ajustes específicos, como mudanças no tipo de

substrato energético preferencial e de catabólitos acumulados. Em condições anóxicas,

carboidratos são o principal substrato para a produção de ATP, já quando a oferta de O2 no

ambiente não é limitante, como na maioria dos casos de hibernação e estivação, há uma

tendência geral à inibição do catabolismo de carboidratos e maior contribuição dos ácidos

graxos como combustível energético (Carey e col., 2003). Tais ajustes nas vias catabólicas

são alcançados, principalmente, pela regulação de enzimas reguladoras de taxa de reação.

De uma maneira geral, o catabolismo de carboidratos é regulado no nível das

enzimas glicogênio fosforilase, hexoquinase, fosfofrutoquinase-I e II e piruvato quinase, por

regulação alostérica e/ou fosforilação reversível. Observa-se, entretanto, que a regulação

destas enzimas durante o hipometabolismo ocorre de maneira mais sistemática durante a

depressão metabólica anaeróbia. Nos casos de depressão metabólica aeróbia, tem sido

demonstrado que o ponto de regulação mais importante é a piruvato-desidrogenase (PDH),

que exibe uma forte inibição em vários órgãos de todos os hibernantes já estudados. Este

complexo enzimático, que atua convertendo o piruvato proveniente da glicólise a acetil-CoA

e regula desta forma a entrada dos carboidratos na via de fosforilação oxidativa, é

convertido em uma forma menos ativa quando sofre uma fosforilação catalisada pela enzima

piruvato desidrogenase quinase (PDK) (Storey, 2004).

Expressão Gênica

A mudança do tipo de substrato preferencial é regulada, em parte, no nível da

expressão gênica. Para ilustrar como esta regulação acontece, vejamos o que acontece no

coração de esquilos terrícolas durante a hibernação (Fig.3). Durante a fase de dormência,

há um aumento da expressão e síntese da isoforma 4 da PDK (PDK4), o que resulta em

uma diminuição da porcentagem ativa da PDH e, consequentemente, da formação de acetil-

CoA a partir de piruvato. Estes ajustes favorecem: a diminuição do uso de carboidratos,

preservados para utilização pelo cérebro, um tecido dependente de glicose; uma ênfase na

utilização de ácidos graxos e a diminuição da taxa metabólica do animal. Curiosamente,

ratos submetidos a jejum apresentam maior expressão da PDK4 em diversos tecidos,

sugerindo que a resposta observada em animais hibernantes pode ser padrão em

mamíferos, levando à supressão da oxidação de carboidratos em uma condição onde a

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Metablismo

Julho/2010 Pág. 265

oxidação de lipídios deve ser priorizada (Wu e col., 2000).

Confirmando esta idéia, alterações na expressão de enzimas envolvidas na

oxidação e síntese de ácidos graxos também foram observadas durante o hipometabolismo.

A diminuição da expressão da enzima acetil-CoA carboxilase, que catalisa a formação de

malonil-CoA a partir de acetil-CoA, primeiro passo da síntese de ácidos graxos, inibe a

síntese e favorece a oxidação de ácidos graxos ao diminuir a formação de malonil-CoA, um

inibidor da enzima responsável pelo transporte de ácidos graxos para dentro da mitocôndria

(carnitina palmitoil transferase – CPT). Paralelamente, há um aumento da expressão da

lipase pancreática, uma enzima envolvida na hidrólise de triglicerídeos e geralmente

expressa no pâncreas, no coração do hibernante. A quantidade de lipase pancreática, assim

como da lípase hormônio sensível, também se encontra aumentada no tecido adiposo

branco dos esquilos durante a hibernação o que favorece uma maior liberação de ácidos

graxos no plasma (Van Breukelen e Martin, 2002).

A regulação da atividade de enzimas mitocondriais também desempenha importante

papel na depressão das taxas do metabolismo oxidativo (Storey e Storey, 2004). Assumindo

que o equilíbrio redox e o balanço entre as concentrações de adenilatos (carga energética)

não se alteram durante a transição do estado ativo para o estado dormente, a inibição do

fluxo de substratos através do Ciclo de Krebs seria dada por regulação da concentração de

enzimas mitocondriais, como a citrato sintase, e /ou pela regulação de enzimas que suprem

a via com os intermediários que constituem substratos em diferentes etapas de reação

(Storey, 2004).

Figura 3 – Modelo de regulação proposto para a mudança do tipo de substrato preferencial, de

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 266 Julho/2010

carboidratos para ácidos graxos, durante a hibernação em mamíferos. Foram indicados os efeitos da

concentração plasmática de insulina e ácidos graxos (AG) na expressão gênica da isoforma 4 da

enzima piruvato quinase desidrogenase (PDK4) e na oxidação de carboidratos e ácidos graxos no

coração dos animais durante a atividade de outono e dormência de inverno. As linhas com cabeça de

seta indicam ativação e as linhas terminadas em elipse indicam inibição; linhas sólidas indicam a

regulação predominante e as linhas pontilhadas indicam vias menos atuantes. As setas em vermelho

indicam aumento ou diminuição na concentração ou atividade e o ajuste correspondente nas taxas de

oxidação de AG e de carboidratos. PPARα é um receptor nuclear, ativado por ácidos graxos, que

funciona como fator de transcrição de genes envolvidos no metabolismo de lipídios. TG, triglicerídeos;

HSL, lípase hormônio sensível (Modificado de Carey e col., 2003).

Síntese e degradação de proteínas

Outro processo que envolve alto custo energético e que constitui um alvo na depressão

metabólica é a síntese protéica. As atividades de síntese protéica e transcrição gênica

utilizam 25%-30% e 1%-10% do ATP produzido nos tecidos de mamíferos no estado basal

(Rolfe e Brown, 1997). A síntese protéica pode ser inibida como uma conseqüência da

inibição da transcrição gênica através de uma diminuição dos níveis de RNAm ou

diretamente através da fosforilação reversível de proteínas ribossomais e consequente

inibição da maquinaria de tradução. Em alguns moluscos e mamíferos hibernantes, a

quantidade de RNAm sofre pouca alteração nas células em depressão metabólica e esta

aparente extensão da meia-vida do RNAm levou os autores a proporem o termo “RNAm

latente”. Portanto, a inibição da síntese protéica parece acontecer principalmente através da

fosforilação reversível de proteínas da maquinaria de tradução e de alterações no estado de

agregação dos polissomos. Paralelamente, dada a inibição da síntese de proteínas, a

degradação também parece ser inibida durante o hipometabolismo, aumentando a meia vida

destas moléculas, o que além de contribuir para a economia energética, diminui a formação

de produtos nitrogenados e os custos de seu processamento, estocagem e excreção (Storey

e Storey, 2004).

Composição lipídica das membranas

Estudos envolvendo comparações intra-específicas da composição lipídica de

membrana sugerem que seria um importante alvo de regulação em estados de depressão

metabólica, embora ainda sejam poucos os trabalhos que confirmam esta hipótese que é

baseada em uma teoria intensamente debatida na literatura por Hulbert e col. (2000) na

última década. Uma vez que a fração substancial do metabolismo está relacionada com a

função de enzimas associadas às membranas de suas células, os autores propuseram que

a composição lipídica das membranas desempenha papel determinante na intensidade

metabólica de uma espécie através de sua influência sobre a atividade destas enzimas. De

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Metablismo

Julho/2010 Pág. 267

maneira geral, animais menores possuem membranas mais insaturadas e,

consequentemente, taxa metabólica massa específica maior que animais maiores (Hulbert e

Else, 2000; Hulbert, 2007). Adicionalmente, as adaptações à temperatura em peixes e

outros ectotérmicos que vivem em ambientes frios, próximos à região polar, aparentemente

envolvem um aumento do conteúdo de ácidos graxos polinsaturados (PUFAs) que mantém

a fluidez das membranas e preserva a função de proteínas de membrana em órgãos vitais

(Gibbs, 1998). Em um caramujo terrestre estivante, alterações na composição da membrana

mitocondrial interna do hepatopâncreas, dissociadas de efeitos da temperatura, foram

sugeridas com base na redução de cerca de 80% do conteúdo de cardiolipina durante o

estado hipometabólico e tais alterações estariam relacionadas à redução de proporções

similares da atividade da CCO (Stuart e col., 1998). Esquilos em torpor apresentam uma

diminuição da porcentagem de ácidos graxos saturados (SFAs) e aumento de PUFAs nas

membranas dos cardiomiócitos, provavelmente em resposta à queda da temperatura

corpórea, embora a atividade da Na+,K+-ATPase ainda esteja diminuída em comparação

com as taxas em animais ativos (Charnock e col., 1980). Na marmota, um hibernante

herbívoro, alterações sutis em ácidos graxos específicos dos fosfolipídeos parecem

desempenhar um papel importante na regulação metabólica durante a dormência sazonal,

observando-se um aumento da razão entre os PUFAs n6 e n3 nos cardiomiócitos (Ruf e

Arnold, 2008). Tais alterações estariam relacionadas ao controle dos níveis de Ca++ e à

ausência de arritmia cardíaca durante a queda da temperatura corpórea e o torpor, ao

contrário dos severos efeitos da hipotermia sobre a função cardíaca em mamíferos não

hibernantes. Curiosamente, evidências sugerem que o ajuste não ocorre no ventrículo

cardíaco de lagartos teiú, provavelmente em virtude da dormência nestes animais ocorrer

em temperaturas relativamente elevadas e à ausência de despertares periódicos durante o

estado hipometabólico, além de outras diferenças na morfologia e função do órgão desses

animais (Silveira, dados não publicados).

Face à redução das taxas de produção de energia, a inibição de processos celulares

que a consomem é crucial para que um novo estado de equilíbrio seja alcançado. A

manutenção de gradientes iônicos adequados através das membranas é critica para a

viabilidade celular e, durante a depressão metabólica, há uma diminuição do movimento dos

íons em ambas as direções, tanto passivo através de canais iônicos, quanto pelo transporte

ativo, o que possibilita grande economia energética (Hochachka e Guppy, 1987).

A atividade da Na+,K+-ATPase, utiliza 19%-28% do ATP produzido nos tecidos de

mamíferos no estado basal (Rolfe e Brown, 1997) e a inibição deste processo contribui, de

forma significativa, para a depressão metabólica e sobrevivência dos animais durante a

dormência (Carey e col., 2003). A fosforilação reversível e as alterações da composição

lipídica das membranas têm sido sugeridas como os principais mecanismos que afetam a

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 268 Julho/2010

atividade desta proteína.

Considerações Finais

A depressão metabólica não se manifesta com a mesma magnitude em todos os

mecanismos e processos no interior das células ou em todos os órgãos e tecidos do animal.

Acredita-se que exista uma ‘hierarquia’ entre os processos consumidores de energia nas

células de mamíferos, com a síntese de proteínas e RNA sendo mais sensíveis a variações

no suprimento de energia do que no bombeamento de íons, o que evidencia a importância

da manutenção do gradiente iônico através das membranas (Buttgereit e Brand, 1995).

Adicionalmente, o grau de inibição em diferentes órgãos e tecidos parece ser variável. Por

exemplo, a atividade da Na+,K+-ATPase no tecido cardíaco de esquilos mantém-se

inalterada durante a hibernação, embora esteja significativamente reduzida no músculo

esquelético, rins e fígado (Balaban e Bader, 1984; MacDonald e Storey, 1999). No conjunto,

a inibição destes vários processos, cuja atividade é mais intensamente deprimida no estado

dormente, resulta na diminuição do gasto energético e da velocidade de utilização das

reservas de substratos endógenos, possibilitando a sobrevivência dos animais durante a

fase de dormência.

Page 279: Fisiologia comparada USP 2010

Metablismo

Julho/2010 Pág. 269

Custos e benefícios da reprodução: papel dos lipídios

Aline Dal’Olio Gomes Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos

[email protected]

Introdução

Além dos processos fisiológicos e comportamentais apresentados até aqui

(termorregulação, febre, anapirexia, hibernação e dormência), o processo reprodutivo

também ocasiona alterações no metabolismo energético dos animais. Como já discutido, as

células requerem um contínuo fornecimento de energia para biossíntese e metabolismo,

mas a disponibilidade de alimento e a demanda energética flutuam na maioria dos habitats,

e grande parte dos organismos cessa a alimentação quando iniciam os comportamentos

que perpetuam a espécie. Neste período em que o trato digestório está vazio, o organismo

depende das fontes internas (tecido adiposo) e externas (estoques de alimentos) de

nutrientes. Durante a evolução dos animais, a habilidade de armazenar quantidades

significativas de energia no organismo e mecanismos que inibem o comportamento de

ingestão devem ter permitido aos animais a realização de outras atividades que garantissem

o sucesso reprodutivo (Scheneider, 2004).

Essa habilidade para controlar a disponibilidade de energia interna e externa parece ser

central para a ligação entre a reprodução e o balanço energético, e permite que os animais

priorizem suas opções comportamentais de acordo com as flutuações nas condições

energéticas e reprodutivas (Scheneider, 2004). Sendo assim, quando o alimento é

abundante e o requerimento energético é baixo, a energia é disponível para todos os

processos necessários para sobrevivência do indivíduo e da população, incluindo

crescimento, manutenção, termorregulação e reprodução (Fig. 1a). Desta forma, os

comportamentos relacionados à defesa territorial, corte, cópula e cuidado parental recebem

uma alta prioridade, e a energia excedente é armazenada (Scheneider, 2004).

Por outro lado, quando a energia é escassa, os mecanismos fisiológicos tendem a

favorecer aqueles processos que garantem apenas a sobrevivência do indivíduo. Assim, os

processos fisiológicos que promovem os comportamentos de forrageamento,

armazenamento e ingestão recebem prioridade (Fig.1b), pois a reprodução é muito custosa

energeticamente e pode ser retardada quando a sobrevivência do indivíduo está em risco

(Scheneider, 2004). Deste modo, os mecanismos que controlam o balanço energético são

integrados com aqueles que controlam a reprodução, sendo importante entender a ligação

entre a fisiologia do balanço energético e o sucesso reprodutivo.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 270 Julho/2010

Figura 1: Relação entre o balanço energético e a reprodução.

Custos da reprodução

Os processos envolvidos na reprodução que contribuem para o aumento da

demanda energética incluem: esteroidogênese; desenvolvimento gonadal (vitelogênese e

espermatogênese/espermiogênese); comportamentos reprodutivos (defesa de território,

corte, acasalamento, migração) e cuidado parental. Deste modo, para que haja um sucesso

reprodutivo, os animais precisam estar preparados fisiologicamente, e para isso é

necessário que acumulem grande quantidade de reservas energéticas.

Em geral, a reprodução é energeticamente custosa para ambos os sexos, mas a

magnitude do gasto e sua relação com o sucesso reprodutivo diferem entre machos e

fêmeas. Os machos alocam relativamente pouca energia para a produção de gametas e,

então podem se reproduzir com sucesso com um investimento de energia menor, que é

direcionado para corte e cópula. Em contraste, as fêmeas de muitas espécies apresentam

altos custos na atividade reprodutiva independente da fecundidade (como migração, cuidado

parental), e necessitam de uma reserva energética substancial antes de iniciar a atividade

reprodutiva (Aubret e col., 2002).

Diferentes padrões da relação entre a captação de reservas energéticas e a

reprodução podem ser observados entre os vertebrados. Os peixes, principalmente

migratórios como o salmão, não se alimentam durante a migração reprodutiva, assim toda a

energia necessária para o desenvolvimento gonadal e para atividade de natação são

provenientes das reservas energéticas obtidas anteriormente ao período reprodutivo (Lucas

e Baras, 2001).

+Alimento abundante

Baixa demanda energética ↑Energia =

Crescimentoo

Manutenção

Reprodução

+ Alimento escasso

Alta demanda energética = ↓Energia

Crescimento

Manutenção

A

B

Page 281: Fisiologia comparada USP 2010

Metablismo

Julho/2010 Pág. 271

Em espécies de anfíbios de zona temperada, que apresentam reprodução explosiva

durante o verão, os animais devem acumular energia suficiente para sobreviver durante a

dormência no inverno e ainda suportar as atividades reprodutivas ao despertar, como

vocalização, defesa de território, corte e cópula (Wells, 2007). Os machos de Rana

temporaria e Bufo bufo, geralmente não se alimentam ao longo de todo esse período

reprodutivo (Jorgensen, 1992). Contudo, em espécies com períodos reprodutivos

prolongados e relativamente baixa taxa de vocalização, pode ocorrer apenas uma

diminuição da ingestão de alimentos, sendo o gasto energético suplementado através da

alimentação (Wells, 2007). Adicionalmente, machos de Scinax mantêm a alimentação

durante toda a estação reprodutiva, sugerindo o aumento do suporte energético para a

vocalização (Carvalho e col., 2008).

Algumas espécies aumentam a ingestão de alimentos durante o período de intenso

cuidado parental, considerando que outras aumentam tanto a captação quanto o

armazenamento em antecipação ao nascimento da prole (Wade e Schneider, 1992). Em

muitas espécies de aves, a necessidade energética da nova prole requer aumento do

forrageamento e da alimentação por ambos os pais em ordem deles produzirem um

fornecimento suficiente do leite do papo (Schneider, 2004). Em mamíferos, a lactação e o

comportamento termorregulatório do cuidado parental são energeticamente custosos às

fêmeas. Assim, anteriormente ao nascimento da prole, as fêmeas de alguns mamíferos se

alimentam muito e armazenam o excesso de nutrientes, que são posteriormente

direcionados a alta demanda energética da lactação. Contrariamente a isso, algumas

espécies apresentam uma pequena ingestão de alimentos ao longo da gravidez, enquanto

os estoques de alimentos aumentam durante esta fase, para serem consumidos durante a

lactação (Bronson, 1989). Há ainda espécies nas quais a ingestão de alimento e o

armazenamento precedem a estação reprodutiva: elefantes marinhos e pinguins imperador

apresentam um período de massiva alimentação que ocorre 3 meses antes do período de

jejum, competição pela corte e reprodução (Anderson e Fedak, 1987; Groscolas, 1990).

Papel dos lipídios e ácidos graxos na reprodução

Durante o processo de vitelogênese, o fígado é estimulado pelo hormônio estradiol a

sintetizar a vitelogenina, uma fosfoglicolipoproteína, que dentre seus diferentes

componentes é formada por ácidos graxos que são mobilizados das reservas de lipídios

(tecido adiposo, músculo e/ou fígado) e incorporporados nos oócitos por pinocitose (Fig. 2).

Desta forma, a qualidade e a quantidade dos lipídios e também de ácidos graxos podem

variar com o status reprodutivo.

Page 282: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 272 Julho/2010

Figura 2: Vitelogênese nos vertebrados.

Lipídios como fonte energética

De modo geral, para os vertebrados, os lipídios são a principal fonte de reserva

energética, sendo geralmente armazenados no fígado, tecido adiposo e/ou músculos. O

fígado, juntamente com o tecido adiposo, são órgãos de armazenamento que apresentam

importante papel na reprodução (Sheridan, 1994). Além disso, o tecido adiposo serve como

reserva energética durante a hibernação e estivação; e está também envolvido na

vitelogênese de espécies ovíparas que produzem muitos ovos, e no desenvolvimento intra-

uterino de embriões (Jared e col., 1999).

Deste modo, o acúmulo de lipídios nos diferentes tecidos é altamente dependente da

qualidade nutricional, bem como da estação do ano e do status de desenvolvimento e

reprodução (Sheridan, 1994), motivo pelo qual a concentração de lipídios armazenados se

altera significativamente ao longo do tempo entre os indivíduos e populações, em resposta

às necessidades energéticas (Meffe e Snelson, 1993; Moreira e col., 2002).

Love (1980) discutiu o processo de mobilização lipídica durante o ciclo reprodutivo

entre espécies de peixes estudadas até aquele momento. Em algumas, como por exemplo,

Gadus morhua, ocorreu um aumento de lipídio hepático nas fases iniciais da vitelogênese

seguido de uma redução nestes teores na fase que antecede a desova. Em outras, como

Coreogonus clupeanorfis, conforme avança o período reprodutivo, declinam os teores de

lipídio hepático e muscular. Trabalhos mais recentes mostraram que, em fêmeas, com a

chegada da fase vitelogênica ocorreu a mobilização de lipídios hepático e muscular para as

gônadas (Oreochromis niloticus, El-Sayed e col., 1984; Trisopterus lucus, Merayo, 1996). Ao

contrário disso, em machos e fêmeas de Diplodus sargus ocorreu um aumento de lipídios

Proteína

Lipídios Tec. adiposo

Músculo

Estradiol

Vitelogenina Fígado

Ovário

Page 283: Fisiologia comparada USP 2010

Metablismo

Julho/2010 Pág. 273

em todos os órgãos de reserva analisados (fígado, músculo e gônadas) durante a fase

reprodutiva (Pérez e col., 2007).

Para os anfíbios, os corpos gordurosos parecem ter um papel muito importante na

reprodução, variando com as alterações sazonais e os ciclos reprodutivos. No anuro Bufo

arenarum, este tecido está relacionado ao aumento de massa ovariana (Penhos, 1953). O

mesmo é observado para Rana sculenta, em que a variação do peso e a composição

química dos corpos gordurosos estão relacionados com a atividade sexual (Roca e col.,

1970), e para Rana cyanophlyctis, na qual foi encontrado uma diminuição do peso dos

corpos gordurosos com o aumento dos ovários (Pancharatna e Saidapur, 1985). Nas

fêmeas de uma espécie de cecília vivípara, Typhlonectes compressicauda, foi observado um

aumento em todos os órgãos de reserva (tecido adiposo e fígado) no início da estação

chuvosa, que parece estar relacionado com a vitelogênese e o preparo para a gravidez

(Exbrayat, 1988). Contudo, os machos de Anuros e Gymnophiona mostram que os órgãos

podem ser considerados como reserva polivalente, podendo ser utilizado em muitas

circunstâncias (Exbrayat e Hraoui-Bloquet, 2006).

Para os répteis, os corpos gordurosos também representam o principal estoque de

lipídios (Scott e col., 1995, Sheridan, 1994), contudo, os lipídios do fígado contribuem para o

crescimento folicular (Bonnet e col., 1994) e os lipídios do músculo podem ser usados

quando as fontes energéticas do tecido adiposo são limitadas (Derickson, 1976). As fêmeas

reprodutivas de serpentes viperinas Natrix maura, têm mais lipídios no fígado do que as

fêmeas pós-reprodutvas (Fig. 3), suportando a importância deste órgão na produção de

vitelogenina. Além disso, comparações feitas entre as cobras pré e pós-reprodutivas nessa

mesma espécie, indicaram que os corpos gordurosos foram a principal fonte de lipídios para

a reprodução em machos e fêmeas (Fig. 3). O padrão de variação de lipídios nos machos foi

similar à disponibilidade de alimento, indicando que as serpentes aumentaram a atividade

de forrageamento e as reservas lipídicas de acordo com a maior disponibilidade de presas.

Contudo, de maio a junho, as reservas de lipídios diminuíram mesmo com o aumento de

presas, o que sugere que durante este período a taxa de investimento energético foi alta

devido à atividade reprodutiva (espermatogênese). Em contraste, os lipídios nas fêmeas não

foram correlacionados com a disponibilidade alimentar, pois durante a vitelogênese as

reservas de lipídios diminuíram mesmo com um aumento na disponibilidade de alimento.

Durante este período, as fêmeas mobilizaram tanto os lipídios armazenados quanto os

lipídios obtidos diretamente da dieta para a síntese de vitelogenina (Santos e Llorente,

2004).

Page 284: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 274 Julho/2010

Figura 3: Alocação de lipídios dos órgãos de reserva em machos e fêmeas pré e pós-reprodutivos

(NRM e NRF, respectivamente) e machos e fêmeas reprodutivos (RM e RF, respectivamente) de

serpentes viperinas Natriz maura (Modificadode Santos e Llorente, 2004).

Muitas medidas do metabolismo lipídico variam significativamente com a estação

reprodutiva ativa dos lagartos tree (Urosaurus ornatus), especificamente a massa dos

corpos gordurosos, o conteúdo de lipídios totais hepáticos, a atividade da enzima

diacilglicerol aciltransferase (enzima responsável por ligar uma molécula de acetil-Coenzima

A no diacilglicerol formando um triacilglicerol) no fígado e corpos gordurosos, e a

concentração de ácidos graxos livres circulantes (Lacy e col., 2002). Estes resultados são

consistentes com muitos dados existentes em que machos e fêmeas exibem ciclos de

armazenamento e depleção de lipídios coincidente com os eventos reprodutivos, como a

vitelogênese, gravidez, defesa territorial e corte (Castilla e col., 1992; Derickson, 1976).

Como podemos observar o local e a forma de armazenamento, variam conforme a

espécie estudada. Em geral, os lipídios são armazenados nos tecidos de reserva na forma

de triacilgliceróis e as diferenças encontradas no local de armazenamento podem refletir a

história de vida dos animais (Sheridan, 1988).

Ácidos graxos

Os lipídios, em sua maioria, são compostos por ácidos graxos (AG), que são ácidos

carboxílicos com cadeias hidrocarbonadas de 4 a 36 átomos de carbono. Em alguns, esta

cadeia é totalmente saturada e em outros contém uma insaturação (monoinsaturado; MUFA)

ou mais insaturações (polinsaturado; PUFA) (Nelson e Cox, 2005). De modo geral, os

lipídios podem ser classificados em neutros (triacilgliceróis - TG) e polares (fosfolipídios -

FL). Sabe-se que 90% da composição dos triacilgliceróis, principal substrato energético,

C. gordurosos Fígado Músculo Músculo

% de lipídios no tecido seco

Page 285: Fisiologia comparada USP 2010

Metablismo

Julho/2010 Pág. 275

corresponde aos ácidos graxos, compostos principalmente por saturados e

monoinsaturados. Nos fosfolipídios, 70 a 80% da sua composição é de ácidos graxos e na

sua maioria polinsaturados, formando a bicamada lipídica que é responsável pelo controle

da fluidez das membranas biológicas (Bell e col., 1986).

Os ácidos graxos polinsaturados participam de importantes funções biológicas, como

crescimento, regulação da resposta imune e ainda as alterações fisiológicas dos animais

frente a um estresse ambiental (Bell e cols., 1995). Adicionalmente, os PUFAs participam

também dos processos reprodutivos dos vertebrados, influenciando na concentração de

hormônios esteróides gonadais, vitelogênese, na manutenção da estrutura de membrana

dos espermatozóides, na qualidade dos ovos, desova e sobrevivência larval (Izquierdo e

col., 2001; Wathes e col. 2007). Contudo, a composição desses ácidos graxos pode variar

muito em relação à dieta dos pais e às condições do ambiente. Desta forma, quando as

dietas maternas são deficientes, a transferência de ácidos graxos para as gônadas se torna

insuficiente para um desenvolvimento oocitário adequado, reduzindo a qualidade dos

gametas e da progênie (Adams, 1999).

Ovíparos x Vivíparos

Os lipídios que compõem o vitelo são compostos principalmente por fosfolipídios e

triacilgliceróis, e a sua proporção pode variar entre as espécies. Fêmeas de lagartos

ovíparos possuem de 26 a 34% de lipídios no vitelo (Speake e Thompson, 2000).

Proporções similares de lipídios (20%) são encontradas na composição da vitelogenina de

peixes (Yaron e Sivan, 2006). Contudo, o vitelo de aves é composto por 40 a 65% de lipídios

(Jones e col., 1998).

A maioria dos fosfolipídios presentes no vitelo são ricos em PUFAs e suportam o

crescimento tecidual dos embriões, enquanto os triacilgliceróis são utilizados como reserva

energética para o desenvolvimento embrionário (Yaron e Sivan, 2006). O perfil de PUFAs do

vitelo pode ser afetado pela composição da dieta materna, e também é dependente de

fatores metabólicos, os quais diferem entre as espécies (Speake e Thompson, 2000). Os

ovos colocados pelas espécies ovíparas devem conter todos os nutrientes requeridos para

sustentar o desenvolvimento completo do embrião até a eclosão. Contudo, a evolução da

viviparidade, apresentou a oportunidade para as mães reduzirem o investimento no ovo,

como um abastecimento compensatório de nutrientes ao embrião via placenta durante a

gestação. Sendo assim, os ovos de espécies ovíparas de aves, tartarugas e jacarés

possuem altas proporções de triacilglicerol (80-86%) e apenas 9-12% de fosfolipídios.

Contrariamente a isso, os ovos de espécies vivíparas possuem uma proporção de TG de 65-

70%, considerando que a proporção de fosfolipídos é de 18-23% (Speake e Thompson,

2000).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 276 Julho/2010

Há uma clara distinção no perfil das classes de lipídios do vitelo entre espécies

ovíparas e vivíparas. Esta reorganização do perfil de lipídios do vitelo contribui para uma

redução no investimento materno de energia durante a maturação oocitária (Speake e

Thompson, 2000). Espécies vivíparas possuem menos triacilgliceróis no vitelo que espécies

ovíparas, pois a energia, presumivelmente na forma de ácidos graxos livres, pode ser

provida para o embrião através da placenta durante o desenvolvimento, uma vez que todo o

requerimento lipídico para espécies ovíparas deve estar contido no vitelo do ovo no tempo

da ovulação (Thompson e Speake, 2006).

Fecundidade

A composição de ácidos graxos dos ovários é altamente afetada pelo conteúdo de

ácidos graxos da dieta, o qual influencia significativamente a qualidade dos ovos. A

porcentagem de PUFAs aumenta com o aumento desses AGs na dieta dos reprodutores

(Izquierdo e col., 2001). Estudos realizados com uma espécie de peixe, Siganus guttatus,

mostraram que a elevação do conteúdo lipídico na dieta dos reprodutores resultou em um

aumento na fecundidade e eclosão das larvas (Duray e col., 1994). Altas porcentagens

importantes de PUFAs (como ácido eicosapentanóico, EPA-C20:5n3 e ácido araquidônico,

AA-C20:4n6) são encontradas também nos ovos de anuros e lagartos insetívoros, refletindo

a importância da dieta dos reprodutores (Huang e col., 2003).

Fertilização

Dietas contendo concentrações de EPA e DHA (C22:6n3, ácido docosahexanóico)

mostram uma correlação com a reprodução de algumas espécie de peixes (Fernández-

Palacios e col., 1997). A composição de ácidos graxos dos espermatozóides depende do

conteúdo de AGs essenciais na dieta dos reprodutores de espécies de truta arco-íris

(Watanabe e col., 1984) e seabass (Asturiano, 2001). É possível que a motilidade dos

espermatozóides durante a fertilização seja afetada. Particularmente em salmonídeos, em

que a criopreservação dos espermatozóides é utilizada, a composição de ácidos graxos nos

espermatozóides pode ser um fator que determina a integridade da membrana após o

descongelamento (Izquierdo e col., 2001).

A alta porcentagem de DHA encontrada nos testículos de peixes é similar aos

espermatozóides de humanos e, assim como nos mamíferos, a concentração de DHA em

peixes pode ser positivamente correlacionada com a densidade, número de

espermatozóides móveis e a motilidade (Jeong e col., 2002). O comportamento de

membrana pode ser importante no controle da fusão dos espermatozóides com o óvulo (Bell

e col., 1999).

Page 287: Fisiologia comparada USP 2010

Metablismo

Julho/2010 Pág. 277

Contudo, há grande diferença entre aves e mamíferos com respeito à composição de

AGs dos fosfolipídios dos espermatozóides. Os espermatozóides de mamíferos, como em

peixes, são caracterizados por altas proporções de PUFAs da série n3, principalmente DHA,

em aves, ao contrário, predomina os PUFAs da série n6. Essa diferença no perfil de AG

parece representar uma adaptação à temperatura, já que as aves apresentam uma

temperatura corpórea maior do que a de mamíferos (41°C/37°C). Além disso, os testículos

dos mamíferos estão mantidos a uma temperatura mais baixa do que o resto do corpo,

devido a externalização da cavidade testicular. Desta forma, os espermatozóides das aves

devem se desenvolver e funcionar em um ambiente consideravelmente mais quente que o

experimentado por mamíferos. O principal PUFA dos espermatozóides das aves, o C22:4n6,

possui o mesmo comprimento de cadeia do DHA (C22:6n3), o principal PUFA dos

espermatozóides de peixes e mamíferos, mas com 2 insaturações a menos. Essa diferença

no grau de insaturação pode representar a manutenção de propriedades biofísicas das

membranas dos espermatozóides nas diferentes temperaturas (Kelso e col., 1997).

Esteroidogênese

Os PUFAs são importantes também na síntese de eicosanóides (prostaglandinas,

tromboxanos e leucotrienos), podendo interferir na esteroidogênese gonadal em peixes

(Izquierdo e col., 2001) e mamíferos (Wathes e col., 2007). O EPA é conhecido por ser o

precursor das prostaglandinas (PG) da série III, considerando que o AA é o precursor das

prostaglandinas da série II. In vitro, o AA estimula a produção de testosterona no testículo

de goldfish através da conversão a PGE2. Ao contrário, o EPA e DHA bloqueiam a ação

esteroidogênica do AA e PGE2 (Wade e col., 1994). Assim, o tempo de espermiação pode

ser retardado e subsequentemente a taxa de fertilização reduzida pela depressão da

esteroidogênese causada pela deficiência de AG. Adicionalmente, o AA pode regular a

transcrição do gene que expressa a proteína Star, responsável pelo transporte do colesterol

da membrana externa da mitocôndria para a interna, onde se localizam a maioria das

enzimas envolvidas na esteroidogênese (Wang e col., 2000). Além disso, algumas PGs

produzidas por fêmeas de golfish parecem estimular o comportamento sexual dos machos e

sincronizar machos e fêmeas para a desova (Sorensen e col., 1988).

Desenvolvimento embrionário e larval

A comparação entreos ovos de animais marinhos e de água doce mostrou que o AA

e a razão DHA/EPA nos fosfolipídios dos ovos são positivamente correlacionados com a

simetria e a viabilidade dos ovos. Como já mencionado, estes ácidos graxos participam de

Page 288: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 278 Julho/2010

um papel estrutural importante como componentes dos fosfolipídios das biomembranas e

estão associados aos processos de fluidez.

O tecido neural, especialmente dos olhos, pode formar relativamente grande

proporção da massa corporal total de embriões e larvas, assim o requerimento de DHA nos

estágios embrionários e larval pode ser crítico para a função do sistema neural e visual

(Furuita e col., 2000). Estudos com mamíferos indicam que uma deficiência na dieta em

DHA traz prejuízos para a visão. O ácido araquidônico (C20:4n6) é também um importante

constituinte dos fosfolipídios de tecidos embrionários, principalmente cérebro, coração e

fígado, devido a síntese de eicosanóides (Speake e Thompson, 2000).

A necessidade do desenvolvimento dos tecidos para AA e DHA pode ser cumprida

diretamente pela transferência destes ácidos graxos do vitelo, ou alternativamente, por sua

síntese feita pelos embriões a partir de seus precursores (Speake e Thompson, 2000).

Assim, os AGs podem ser oxidados para a produção de energia, mas o requerimento para

síntese de fosfolipídios em tecidos em desenvolvimento são mais seletivos.

Conclusão

Como visto até agora, a estreita relação entre o balanço energético dos animais e os

processos fisiológicos, nesse caso a reprodução, garante a sobrevivência dos indivíduos e a

perpetuação da espécie. Contudo, alterações do habitat podem resultar em diminuição ou

eliminação de muitos recursos alimentares para os animais, alterando assim, toda a

composição de lipídios, e ácidos graxos, o que pode resultar em uma redução na qualidade

dos gametas dos pais e da sua prole. Dentro do cenário global das mudanças ambientais

ocasionadas por ações antrópicas, é fundamental que estudos de conservação sejam feitos,

envolvendo a influência do balanço energético nos processos fisiológicos, principalmente no

funcionamento do sistema reprodutivo, para garantir a sobrevivência das espécies.

Page 289: Fisiologia comparada USP 2010

Metablismo

Julho/2010 Pág. 279

A ecofisiologia no cenário das mudanças climáticas globais

Lye Otani Laboratório de Ecofisiologia e Fisiologia Evolutiva

[email protected]

Relações energéticas no contexto ecológico

O orçamento energético dos animais e

suas diversas relações com o ambiente são muito

utilizados como base de teorias ecológicas que

visam explicar a diversidade da história evolutiva

observada nos vertebrados (McNab, 1992). O

orçamento energético de um animal é constituído

basicamente dos processos e mecanismos de

obtenção e dispêndio, os quais são influenciados e

regulados por diversos fatores. A obtenção de

energia nos animais ocorre através da ingestão,

digestão, assimilação e metabolização do alimento

(Nagy e Negus, 1993; Robbins, 1993; Speakman,

2000). Apesar do processo ser aparentemente

simples, a obtenção de energia para manutenção

do equilíbrio energético é limitado por fatores

intrínsecos e extrínsecos ao animal (Fig. 1).

No ambiente natural, os animais devem

lidar primeiramente com a sazonalidade e

disponibilidade do alimento, além disso, sua

qualidade também influenciará na quantidade de

energia disponível para ser assimilada. Essa

assimilação de energia, por sua vez, é controlada

por uma série de limites intrínsecos do animal

(Castle e Wunder, 1995; Toloza e col., 1991;

Speakman, 2000; Bacigalupe e Bozinovic, 2002;

Karasov e col., 2004). A cada passo dentro do processo de alimentação, desde a

manipulação do alimento até o processo de excreção existem uma série de gargalos onde

ocorre uma perda de energia (Speakman, 2000; Bacigalupe e Bozinovic, 2002; Speakman e

Król, 2005). Esses gargalos são importantes uma vez que estão diretamente ligados à

ecologia animal, influenciando na taxa alimentar, no tempo de forrageamento e nas diversas

Figura 1. Ilustração da aquisição e

gasto de energia. O modelo mostra

alguns gargalos que limitam a

assimilação de energia e alguns

processos que demandam um maior

gasto energético (Modificado de Weiner,

1992).

Page 290: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 280 Julho/2010

atividades envolvidas com o dispêndio de energia, que são importantes para estabelecer o

papel do animal no ecossistema (Karasov, 1990).

Os processos e mecanismos relacionados ao despêndio de energia são importantes

na determinação da sobrevivência e sucesso reprodutivo dos animais dentro do seu

contexto ecológico.

Como visto nos capítulos anteriores, as diversas atividades que contribuem para o

gasto energético (e.g. reprodução, termorregulação, forrageamento, locomoção, estresse,

produção de tecidos, entre outros) estão extremamente ligados aos diversos fatores

ambientais, tanto bióticos como abióticos que compõe o ecossistema ao qual o animal está

inserido (Weiner, 1992, McNab, 1992). Toda essa cadeia de relações envolvidas no

orçamento energético animal determina o potencial dos diferentes grupos sistemáticos para

produzir ajustes comportamentais, morfológicos e/ou fisiológicos para a manutenção do seu

equilíbrio energético, ao longo de gradientes ecológicos espaciais e temporais. Assim, a

diversidade e os padrões de distribuição dos diversos táxons de animais estão relacionados

com esse potencial de ajuste, no entanto, qualquer alteração dentro dessa grande cadeia

pode mudar drasticamente esse cenário (Bennett, 1987; Feder, 1987; Spicer e Gaston,

1999). De fato, constantes mudanças ambientais, sejam naturais ou causadas pelo homem,

afetam as relações energéticas do ecossistema, possibilitando a evolução e extinção das

espécies.

Extinções e perda da biodiversidade no mundo atual

O ambiente está em constante alteração desde o surgimento do planeta. Essas

alterações, como visto anteriormente, afetam o balanço energético dos seres vivos levando

a uma série de processos evolutivos que moldam a distribuição e os padrões das inúmeras

espécies (Hughes e col., 1997; Crowley e col., 1988; Myers e Knoll, 2001). Juntamente com

esses ciclos evolutivos são observados processos naturais de extinção, tais processos

foram registrados em diversas épocas ao longo da história do planeta (Fig. 2). No entanto,

com o surgimento do ser humano há 100 mil anos, e principalmente com a Revolução

Industrial, o consumo e o desperdício dos recursos naturais tem levado espécies e

comunidades inteiras ao ponto de extinção (Williams e Fraústo da Silva, 2005). Assim, além

das variações ambientais naturais, os seres vivos agora têm que lidar com as alterações

ambientais causadas pelas atividades humanas (Carey, 2005).

Uma das alterações mais antiga e mundialmente problemática causada pelo homem

é a perda e a subseqüente fragmentação de hábitats (Miller e Cale, 2000; Primack e

Rodriques, 2001). Como resultado do desmatamento, a diminuição do tamanho do hábitat e

o aumento do isolamento dos organismos acarretam em alterações nas comunidades

biológicas de maneira complexa, englobando diversos fatores concomitantemente (Fahring

Page 291: Fisiologia comparada USP 2010

Metablismo

Julho/2010 Pág. 281

e Merriam, 1994; Zuidema e col., 1996, Drinnan, 2005). A principal consequência da

fragmentação ambiental é a redução da dispersão das populações, o que as tornam mais

susceptíveis à depressão endogâmica, redução da diversidade genética, e a outros

problemas associados com o isolamento e o tamanho populacional (Fahring e Merriam,

1994; Zuidema e col., 1996). A habilidade de se deslocar e os seus padrões de

deslocamento, juntamente com a ecologia, o uso do hábitat e a habilidade de interagir com

as mudanças em seu ambiente, são exemplos de fatores nos possibilitam entender como os

efeitos da fragmentação atuam sobre essas populações (Pearman, 1997).

Além da redução populacional, a fragmentação modifica as condições de luz,

temperatura, umidade e vento, influenciando diretamente os microhábitats, evidenciadas

pelo efeito de borda (Kapos, 1989; Bierregaard e col., 1992; Rodrigues, 1998; Galindo-Leal

e Câmara, 2005). Desse modo, as espécies que conseguem se estabelecer nesse novo

ambiente devem ser capazes de responder rapidamente a essas alterações de hábitats,

incluindo as matrizes devastadas entre eles (Laurance e Yensen 1991, Tocher e col., 1997,

Gascon e col., 1999). Essa capacidade de tolerância se deve a fisiologia e a capacidade

para manter o balanço energético e o equilíbrio interno (homeostase) face às novas

condições (Calow, 1991; Zachariassen e col., 1991; Carey, 2005). Sob a óptica da fisiologia

comparada e abordando as relações energéticas, as diferenças fisiológicas e sua

plasticidade observada entre as espécies animais nos possibilita entender e prever quais

serão os organismo mais afetados e quais serão os beneficiados com esse novo ambiente.

A dispersão e a invasão de diversas espécies exóticas de animais e plantas em todo

o planeta, além do surgimento e dispersão de novas patologias estão intimamente

relacionadas com os limites fisiológicos dessas novas espécies em adaptar-se às condições

ambientais criadas pelo ser humano. Como conseqüência da instalação dessas espécies

invasoras no novo ecossistema, podemos observar um desequilíbrio nas relações

ecológicas através das alterações no hábitat e o surgimento de novas interações ecológicas

que antes não eram observadas, por exemplo: competição, predação, parasitismo (Dukes e

Mooney, 1999; Vitousek e col., 1996; Kolar e Lodge, 2001). A proliferação de patologias

e/ou surgimento de novas doenças é uma das principais conseqüências das ações

conjuntas das diversas alterações ambientais, uma vez que há a instalação de espécies

invasoras e as comunidades nativas estão mais vulneráveis (Daszak e col., 2000; Daszak e

col., 2001; Primack e Rodrigues, 2001; Navas e Otani, 2007).

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Figura 2 - Panorama geral das extinções em massa ao longo da história geológica de nosso planeta

(Modificado de Otani e Patrício, 2010).

A vulnerabilidade das comunidades e o crescente surgimento de novas patologias

evidenciam o desequilíbrio energético do ecossistema. Essa vulnerabilidade dos

ecossistemas, por sua vez, também pode ser potencializada pela introdução de poluentes

resultantes das diversas atividades antrópicas. Esses poluentes podem contaminar a água o

solo e o ar, sendo prejudicial a saúde pública e ambiental. A poluição da água, por exemplo,

é resultante da liberação de produtos químicos tóxicos e esgotos urbanos. Tais poluentes

comprometem fontes de alimento e água potável, essenciais para qualquer organismo vivo,

além de desencadear um desequilíbrio neste ecossistema. Alguns desses compostos

propiciam a proliferação de determinadas espécies, as quais modificam outras

características da água, como por exemplo, a incidência de luz e a concentração de gases

(Primack e Rodrigues, 2001). No ar, os poluentes podem promover a formação de ácidos,

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Metablismo

Julho/2010 Pág. 283

que por sua vez, alteram o pH do solo e de corpos d’água, reduzindo e até dizimando

populações de animais (Beebee e col., 1990; Blaustein e Wake, 1995; France e Collins,

1993) e plantas (Hinrichsen, 1987; Mackenzie e El-Ashry, 1988).

No Brasil, a produção de lixo por ano chega a cerca de 90 milhões de toneladas

(IBGE, 2009), e a principal fonte de CO2 é proveniente das mudanças no uso do solo e da

terra e, também, das queimadas (Sampaio e col., 2008). Entre os anos de 1970 a 2004

houve um aumento na emissão anual de CO2 de aproximadamente 80%, atingindo 38

gigatoneladas em 2004 (IPCC, 2007 – AR4). Como conseqüências dessas ações,

observamos a elevação de 0,75% da temperatura média no Brasil (Marengo, 2007; Sampaio

e col., 2008). Além de alterações na temperatura, podemos observar um aumento da

precipitação nas regiões sudeste e centro-oeste do Brasil e o aumento do nível relativo do

mar, da ordem de 4 mm nos últimos 50 anos (Marengo, 2007; Sampaio e col., 2008).

As respostas climáticas frente à degradação ambiental podem acarretar em

alterações e redistribuição dos grandes biomas brasileiros (Sampaio e col., 2008). Essa

reestruturação radical dos biomas terá conseqüências dramáticas nas comunidades

biológicas, favorecendo, mais uma vez, aquelas espécies capazes de se adaptar às novas

condições (Bazzaz e Fajer, 1992; Buckeridge, 2008). É provável que as espécies de

distribuição mais restrita e de pouca habilidade de dispersão sejam mais afetadas por essas

mudanças, podendo ser extintas. É valido ressaltar que essas alterações não afetarão

apenas os organismos terrestres, comunidades marinhas são afetadas pela alteração da

temperatura e da elevação do nível do mar. Tais conseqüências já podem ser observadas

em algumas espécies de corais que necessitam de uma determinada luminosidade,

temperatura e correntes de água (Carey, 2005).

Diante desse cenário, fica evidente que a fisiologia comparada tem um papel

fundamental dentro da Biologia da Conservação, ao estabelecer os limites ambientais que

garantem o equilíbrio energético dos indivíduos. Tal equilíbrio é, por conseguinte,

indispensável para a eficiência reprodutiva das espécies, bem como a viabilidade das

populações em um determinado ambiente. A análise integrada da variação fisiológica, em

diferentes níveis de abordagem, e de suas relações com as pressões de seleção torna-se

essencial para se compreender os padrões atuais de distribuição da diversidade animal

(Pough, 1989; Mangum e Hochachka, 1998, Wells, 2001; Angilletta e col., 2002).

Fisiologia comparada e a conservação biológica

Entender as relações biológicas com o ambiente, através do conhecimento sobre a

história natural das espécies, é a melhor maneira de proteger e manejar as comunidades

biológicas (Gilpin e Soulé, 1986). De natureza multidisciplinar, a biologia da conservação

propõe complementar as diversas disciplinas aplicadas e entender os efeitos da atividade

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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humana nas espécies, comunidades e ecossistemas, além de desenvolver abordagens

práticas para prevenir a extinção de espécies e, se possível, reintegrar as espécies

ameaçadas ao seu ecossistema funcional (Primack e Rodrigues, 2001). Dentro desta

perspectiva, os princípios, conceitos e métodos utilizados na área da fisiologia são de

extrema importância para o entendimento dos declínios populacionais e para a conservação

ambiental (Koeman, 19991; Zachariassen e col., 19991; Carey, 2005; Wikelski e Cooke,

2006; Navas e Otani, 2007). A aptidão de sobrevivência e reprodução dos diversos

organismos vivos estão relacionados à variação ambiental, e os mecanismos por traz

desses padrões podem ser entendidos através de estudos da fisiologia comparativa (Carey,

2005; Wikelski e Cooke, 2006).

O estudo do balanço energético provido pela fisiologia comparativa nos possibilita

estabelecer relações de causa-e-efeito entre os agentes estressores e as respostas obtidas

nos diversos níveis de organização biológica (Clements, 2000; Carlisle, 2000). Os padrões e

processos do ecossistema podem ser influenciados, mesmo que indiretamente, pelas

ligações energéticas entre o individuo e o ecossistema (Parmelee, 1995; DeAngelis, 1995).

Diversas técnicas para avaliar o equilíbrio energético dos animais podem ser utilizadas em

laboratório e em campo, como por exemplo: a biotelemetria, detectando alterações

comportamentais e fisiológicas (freqüência cardíaca, temperatura corpórea, taxa opercular,

batimento caudal, da asa ou de outros apêndices) em tempo real, a quantificação de

produção de CO2 através de isótopos (Speakman, 1997; Nagy e col., 1999; Costa e Gales,

2003), além das técnicas de respirometria já abordadas no capítulo 2 desta unidade. Os

índices de condição corpórea também podem fornecer importantes informações sobre o

estado nutricional e o equilíbrio energético das mais diversas espécies de animais e são

facilmente obtidos a partir de vários métodos, inclusive métodos não-invasivos (Stevenson e

Woods, 2006).

Através desses métodos apresentados pela fisiologia comparativa, somos capazes

de entender como as modificações do ambiente relatadas anteriormente podem afetar os

diversos aspectos da fisiologia metabólica dos animais (Calow, 1991; Zachariassen e col.,

1991; Hopkins e col., 1998; Beyers e col., 1999; Barbieri e col., 2002; Carey, 2005). A

fisiologia da conservação tem sido amplamente explorada dentro do cenário da

ecotoxicologia, assunto que será abordado mais especificamente em capítulos posteriores.

Diante da introdução dos poluentes, a fisiologia comparada nos possibilita detectar o nível

de estresse enfrentado pelos organismos e diagnosticar o nível de alteração ambiental, além

de servirem como base de planos de manejo e acompanhamento dos resultados

provenientes desses procedimentos (Wikelski e Cooke, 2006). A grande maioria dos

trabalhos nesta área é realizada com organismos aquáticos e será discutida com mais

profundidade na Unidade de Ecotoxicologia. Em peixes foi observado que pesticidas podem

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afetar a homeostase dos animais levando a alterações de comportamento alimentar, taxa de

crescimento, capacidade natatória, metabolismo de repouso e regeneração de tecidos

(Beyers e col., 1999; Barbieri e col., 2002). Poluentes também têm sido relacionados a

mudanças na demanda energética e associados ao declínio das populações de anfíbios

(Carey e Bryant, 1995; Calow, 1991; Rowe e col., 1998; Rowe e col., 2001).

Apesar da grande importância do equilíbrio energético para a conservação, a maioria

dos trabalhos ligando a fisiologia da conservação com a energética estão relacionados aos

efeitos dos pesticidas (Calow, 1991; Rowe e col., 1998). Porém, é valido ressaltar que os

poluentes não são os únicos fatores que afetam o equilíbrio energético dos animais. O

aumento de extinções localizadas ligados a diminuição do tamanho do hábitat e o aumento

do isolamento dos organismos também podem estar relacionados com as relações

energéticas dos animais (Fahring e Merriam, 1994; Zuidema e col., 1996; Drinnan, 2005;

Neckel-Oliveira e Gascon, 2006). Dentro do panorama da diminuição da fragmentação e

redução do hábitat, por exemplo, a fisiologia comparativa nos propicia entender como o

desempenho locomotor pode estar relacionado com a capacidade de dispersão (Navas e

Otani, 2007) ou até entender como alterações hormonais causadas por essas mudanças

podem prejudicar o ciclo reprodutivo (Suorsa e col., 2003; 2004). Tais características

fisiológicas podem atuar na seleção natural dentro do contexto da fragmentação ambiental,

determinando a estrutura das comunidades presentes em cada fragmento (Navas e Otani,

2007).

Em suma, podemos concluir que os estudos provenientes da fisiologia da

conservação nos possibilitam entender o modo como as alterações ambientais causadas

pelo homem podem afetar as diferentes espécies. Uma vez que há uma alteração nessa

equação de obtenção e consumo de energia, esses mecanismos podem acarretar em

conseqüências graves para a aptidão dos indivíduos e também na viabilidade das

populações (Navas e Otani, 2007). Através desses dados, podemos detectar quais os

principais organismos mais vulneráveis para cada fator estressor (Mangum e Hochachka,

1998; Somero, 2000; Costa e Sinervo, 2004), possibilitando o desenvolvimento de planos de

manejos apropriados para cada táxon e, mais a longo prazo, de planos para monitoramento

dos ambientes alterados (Carey, 2005; Wikelski e Cooke, 2006). Além disso, os dados da

fisiologia comparada também são muito importantes para a construção de modelos que

propõem prever futuras distribuições geográficas das espécies juntamente com simulações

de mudanças climáticas e ambientais.

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Page 309: Fisiologia comparada USP 2010

Unidade 5

Neuroendocrinologia comparada

Renato Massaaki Honji

Lab. de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos

[email protected]

O que é neurociência ou neurobiologia? E endocrinologia? E neuroendocrinologia?

Como visto na Unidade 3, a neurociência ou neurobiologia refere-se a todos os estudos

ligados ao sistema nervoso. Neste capítulo, uma breve descrição sobre o conceito de

endocrinologia será abordada, apresentando principalmente a endocrinologia comparada

em vertebrados, visto que, em invertebrados (Unidade 7), vários organismos apresentam

substâncias secretadas por células, que causam efeitos direta ou indiretamente em células

alvos, distantes do seu centro de origem. Em relação à neuroendocrinologia, ciência que

pode ser caracterizada pela interseção entre a neurobiologia e a endocrinologia, será

intensamente discutida neste capítulo. Os sistemas biológicos: nervoso, endócrino e imune,

estão, fisiológica e anatomicamente interligados, interagindo multidirecionalmente para

garantir a homeostase do organismo. Neste contexto, vários eixos biológicos são

identificados e pesquisados na área de neuroendocrinologia, como por exemplo: o eixo

hipotálamo-hipófise-gônadas (H-H-G), o hipotálamo-hipófise-adrenal (H-H-A) e o eixo

imune-pineal. Desta forma, veremos, ao longo deste capítulo, a importância dos estudos em

fisiologia comparada, em especial a neuroendocrinologia, destacando-se as principais vias

de comunicação entre os diferentes eixos biológicos e entre os diferentes grupos de

vertebrados. Adicionalmente, os sistemas nervosos e endócrinos, agem em conjunto para

integrar as informações ambientais com a fisiologia e ecologia (endocrinologia ambiental),

focando não apenas nos fatores ambientais naturais, mas também nos efeitos dos

compostos orgânicos de origem antrópica (disruptores endócrinos). Esses compostos

químicos (poluentes) que podem interagir com o sistema endócrino serão discutidos na

Unidade 6.

Page 310: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 300 Julho/2010

Lista de abreviações pág. 301

Capítulo 26 Neuroendocrinologia comparada: análise comparativa entre o encéfalo

e a hipófise de peixes e mamíferos pág. 305

Renato Massaaki Honji

Revisado pela Dra Renata Guimarães Moreira

Capítulo 27 Neuroendocrinologia comparada: o encéfalo e a hipófise de anfíbios,

répteis e aves pág. 323

Amanda de Moraes Narcizo

Revisado pelar Dra. Renata Guimarães Moreira

Capítulo 28 Sistema neuroimunoendócrino pág. 337

Marina Marçola

Revisado por Dr. Eduardo Koji Tamura e Sanseray Cruz-Machado

Bibliografia pág. 348

Page 311: Fisiologia comparada USP 2010

Neuroendocrinologia Comparada

Julho/2010 Pág. 301

Lista de abreviações

AA-NAT – enzima aril-alquilamina-N-acetiltransferase

Ach – acetilcolina

ACTH – hormônio adrenocorticotrópico

ADH – hormônio antidiurético

AH – adeno-hipófise

Ala – alanina

ARC – núcleo arqueado

Arg – arginina

Asn – asparagina

Asp – ácido aspártico

AVT – arginina vasotocina

cfGnRH – hormônio liberador de gonadotropinas de catfish

cGnRH-II – hormônio liberador de gonadotropinas de chicken-II

CRH – hormônio liberador de corticotropina

CRH-like – similar ao hormônio liberador de corticotropina

Cys – cisteína

DA – dopamina

DIT – 3,5 diiodotirosina

FSH – hormônio folículo estimulante

GABA – ácido gama-aminobutílico

GH – hormônio de crescimento ou hormônio somatotrópico

GHRH – hormônio liberador de hormônio de crescimento

Gln – glutamina

Glu – ácido glutâmico

Gly – glisina

GnIH – hormônio inibidor de gonadotropinas

GnRH – hormônio liberador de gonadotropinas

gpGnRH – hormônio liberador de gonadotropinas de guinea pig

Gpr54 – receptor acoplado à proteína G (54)

GtHs – gonadotropinas

H-H – hipotálamo-hipófise

H-H-A – hipotálamo-hipófise-adrenal

H-H-G – hipotálamo-hipófise-gônadas

H-H-T – hipotálamo-hipófise-tireóide

HIOMT – enzima hidroxiindol-O-metiltransferase

Page 312: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 302 Julho/2010

His – histidina

IGF – fator de crescimento insulínico

IL– interleucina

Ile – isoleucina

IST – isotocina

kiss1/GPR54 – kisspeptina/receptor acoplado à proteína G (54)

Leu – leucina

LH – hormônio luteinizante

LPH – lipotropinas

LPS – lipopolissacarideos

Lys – lisina

MCH – hormônio concentrador de melanina

ME – eminência média

Met – metionina

mGHRH – hormônio liberador de hormônio de crescimento de mamíferos

mGnRH – hormônio liberador de gonadotropinas de mamíferos

MIS – hormônio indutor da maturação final e ovulação

MSH – hormônio melanotrópico

MST – mesotocina

NH – neuro-hipófise

NO – óxido nítrico

NSQ – núcleo supraquiasmático

OC – quiasma óptico

PD – pars distalis

Phe – fenilalanina

PI – pars intermedia

PIF – fator inibidor da prolactina

pjGnRH – hormônio liberador de gonadotropinas de peixe rei

PN – pars nervosa

POA – area pré-óptica

POMC – proopiomelanocortina

PPD – proximal pars distalis

PRF – fator liberador de prolactina

PRL – prolactina

Pro – prolina

PT – pars tuberalis

PVN – núcleo paraventricular

Page 313: Fisiologia comparada USP 2010

Neuroendocrinologia Comparada

Julho/2010 Pág. 303

RHs – hormônios liberadores

RIHs – hormônios inibidores

RPD – rostral pars distalis

sbGnRH – hormônio liberador de gonadotropinas de seabream

Ser – serina

sGnRH – hormônio liberador de gonadotropinas de salmão

SHAM – animais falso-operados

SL – somatolactina

SNC – sistema nervoso central

SON – núcleo supra-óptico

SS – somatostatina

T3 – triiodotironina

T4 – tiroxina

Tgb – tiroglobulina

Thr – treonina

TNF – fator de necrose tumoral

TPO – tiróide peroxidase

TRH – hormônio liberador de tireotropina

Trp – triptofano

TSH – hormônio estimulador da tireóide

Tyr – tirosina

Val – valina

VGX – vagotomia bilateral cervical

α7nAchR – receptor nicotínico de acetilcolina α7

Page 314: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 304 Julho/2010

Page 315: Fisiologia comparada USP 2010

Neuroendocrinologia Comparada

Julho/2010 Pág. 305

Neuroendocrinologia comparada: análise comparativa entre o encéfalo e

a hipófise de peixes e mamíferos

Renato Massaaki Honji

Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos

[email protected]

A endocrinologia é uma área específica de uma das disciplinas mais amplas da

biologia, conhecida como fisiologia. Considerando que a fisiologia é o estudo dos processos

biológicos que permitem a vida existir e funcionar, a fisiologia animal comparada tem um

foco nas comparações e contrastes dos mecanismos, processos ou respostas fisiológicas

de diferentes animais (escala evolutiva) ou de uma simples espécie, que estão submetidas a

diferentes condições, sejam elas: naturais ou artificiais (Withers, 1992; Norris, 2007). Já a

neuroendocrinologia, pode ser caracterizada pela interseção entre a neurobiologia e a

endocrinologia, ou seja, é o estudo da modulação exercida pelo cérebro sobre o sistema

endócrino e vice-versa, o estudo dos efeitos exercido pelo sistema endócrino sobre o

cérebro (Zohar e col., 2010). Um dos principais objetivos deste capítulo é ilustrar a

diversidade de processos neuroendócrinos empregados por diferentes grupos de animais

(principalmente em relação às diferenças observadas nos sistemas fisiológicos entre os

mamíferos e os peixes). Adicionalmente, o entendimento do sistema endócrino, é um dos

caminhos essenciais para que se possa entender como os mecanismos bioreguladores e

sistemas evoluíram nos animais e como eles operam para manter a vasta gama de espécies

viventes.

Endocrinologia e neuroendocrinologia: um pouco de história

As glândulas endócrinas, ou glândulas de “secreção interna”, secretam os produtos

sintetizados em seu interior na corrente sanguínea e essas moléculas funcionam como

sinais químicos nos organismos. Esses produtos de secreção, também denominados de

hormônios, assim como os estudos das glândulas endócrinas começaram a ser pesquisados

a cerca de 100 anos atrás (Norris, 2007). O estudo da neuroendocrinologia em mamíferos,

especialmente em relação ao conceito de que o encéfalo controla as funções hipofisárias

está bem estabelecido na literatura (Guyton e Hall, 2006). Segundo Zohar e colaboradores

(2010), este conceito foi estabelecido depois da segunda Guerra Mundial, com os estudos

propondo que fatores liberados pelo encéfalo eram transportados pela corrente sanguínea

até a glândula hipofisária (conhecida também como pituitária) e estimularia a liberação de

substâncias por esta glândula (Donovan e Harris, 1954). Inicialmente, as substâncias

sintetizadas pelo sistema nervoso eram denominadas de fatores, até que, sua estrutura

Page 316: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 306 Julho/2010

química específica seja conhecida e passaram a ser denominadas de hormônios (Guyton e

Hall, 2006; Norris, 2007).

Já em peixes, neuroendocrinologia é um assunto mais recente, e as primeiras

informações sobre a relação do hipotálamo e hipófise neste grupo de animais eram

realizadas experimentos, olhando apenas a atividade das células hipofisárias isoladamente,

ou seja, analisando essas atividades celulares da glândula hipofisária, desconectadas do

encéfalo (Olivereau e Ball, 1966). Outros estudos posteriores a esta época, apresentaram

pela primeira vez, em peixes, que extratos encefálicos, estimulavam as células hipofisárias

em carpas (Cyprinius carpio) (Breton e Weil, 1973). Estes estudos foram considerados os

pioneiros em neuroendocrinologia da reprodução em peixes, sendo que, passados

aproximadamente 35 anos, apesar de grandes progressos na área de neuroendocrinologia

em peixes, vários tópicos ainda permanece incertos.

Neuroendocrinologia em mamíferos

O conceito de que o encéfalo coordena às funções hipofisárias em mamíferos está

bem descrito na literatura especializada (Revisões: Withers, 1992; Guyton e Hall, 2006;

Berne e Levy, 1998; Norris, 2007). Neste sentido, forneceremos uma visão geral sobre as

principais características do eixo hipotálamo-hipófise (H-H) em mamíferos, pois, este eixo

pode ser considerado o componente mais complexo e, em alguns casos, o mais dominante

de todo o sistema neuroendócrino.

De uma forma geral, as relações anatômicas e fisiológicas deste eixo são

elaboradas e sutis. Anatomicamente, o encéfalo de mamíferos compreende às seguintes

regiões: cérebro, que pode ser subdividido em: telencéfalo e diencéfalo; cerebelo; e tronco

encefálico, que também pode ser subdividido em: bulbo (localizado mais caudalmente),

mesencéfalo (localizado mais cranialmente) e ponte (localizado entre ambos, bulbo e

mesencáfalo) (Hansen e Koeppen, 2002). Fisiologicamente, um dos principais núcleos

responsável pela coordenação da glândula hipofisária, é o hipotálamo (Withers, 1992;

Guyton e Hall, 2006; Norris, 2007). Em relação à hipófise, esta pode ser dividida em:

hipófise anterior, ou adeno-hipófise (AH); e hipófise posterior, ou neuro-hipófise (NH).

Fisiologicamente, numerosos hormônios são sintetizados, armazenados e liberados pela

hipófise (Berne e Levy, 1998; Norris, 2007). Para melhor compreensão do eixo H-H, a seguir

cada parte deste eixo é considerada separadamente.

Hipotálamo em mamíferos

O hipotálamo desempenha um papel fundamental na regulação da hipófise e pode

ser considerado como uma estação central de transmissão, atuando na recepção,

integração e no redirecionamento de sinais. Nas diferentes regiões (núcleos) hipotalâmicos

Page 317: Fisiologia comparada USP 2010

Neuroendocrinologia Comparada

Julho/2010 Pág. 307

são identificados conjuntos de hormônios liberadores e inibidores que se dirigem à hipófise,

regulando a síntese e a liberação de outros hormônios. Originalmente, os nomes dos

peptídeos hipotalâmicos baseiam-se nos hormônios hipofisários, cuja estimulação/secreção,

é influenciada por estes peptídeos (Berne e Levy, 1998). A tabela 1 fornece uma lista de

hormônios hipotalâmicos atualmente conhecidos.

Devido à diversidade de hormônios hipotalâmicos e a complexidade da fisiologia

hormonal, abordaremos apenas um exemplo hormonal para ilustrar toda essa diversidade, o

mecanismo de ação e apresentar algumas interações fisiológicas.

Levando-se em consideração apenas a reprodução, o principal representante do

primeiro passo na cascata de hormônio que participa diretamente na coordenação da

atividade reprodutiva em animais, é o hormônio liberador de gonadotropinas (GnRH)

(Schally e col., 1973). Esta molécula é sintetizada em neurônios específicos do encéfalo e

alcança a glândula hipofisária, estimulando as células gonadotrópicas (GtHs) via sistema

porta em tetrápodes ou por inervação direta das GtHs em peixes teleósteos (Parhar, 2002;

Lethimonier e col., 2004). Adicionalmente, este decapeptídeo foi originalmente caracterizado

em tecidos nervosos de mamíferos (Matsuo e col., 1971; Burgus e col., 1972), no entanto, o

GnRH é identificado em todos os vertebrados, de lampreias a mamíferos (Guilgur e col.,

2006). Acreditava-se que o GnRH de mamíferos era a única forma da molécula, entretanto,

alguns anos depois, foram identificadas outras variantes de GnRH em outros vertebrados

(Sherwood e col., 1983). Desde então, múltiplas formas de GnRH têm sido identificadas em

Tabela 1. Hormônios e fatores hipotalâmicos (modificado de Berne e Levy, 1998).

Page 318: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 308 Julho/2010

espécies representativas de todas as classes de vertebrados (Tab. 2) (Weltzien e col.,

2004), ou seja, foram identificadas múltiplas variantes de GnRH em agnatas (Sower e col.,

1993), em elasmobrânquios (Lovejoy e col., 1991a), em peixes teleósteos (Sherwood e

Adams, 2005), em anfíbios (Conlon e col., 1993), em répteis (Lovejoy e col., 1991b), em

aves (Miyamoto e col., 1984) e em mamíferos (White e col., 1998). Segundo Sherwood e

Adams (2005); Guilgur e colaboradores (2006) e Zhang e colaboradores (2008), são

caracterizadas 25 diferentes formas moleculares de GnRH em várias espécies de

vertebrados e invertebrados (14 formas em vertebrados e 11 formas em invertebrados),

entretanto, todas as formas são decapeptídeos, exceto em Octopus vulgaris (Iwakoshi e

col., 2002) e Aplysia californica (Zhang e col., 2008), que possuem doze aminoácidos e,

além disso, os aminoácidos número 01, 04, 09 e 10 são perfeitamente conservados ao

longo da evolução (Tab. 2). É importante salientar, que as diferentes formas de GnRH são

comumente conhecidas pelo nome da espécie em que foi primeiramente isolada (Weltzien e

col., 2004; Guilgur e col., 2006; Tsai, 2006).

Em geral, duas formas de GnRH têm sido identificadas no sistema nervoso de uma

única espécie, o cGnRH-II (chicken-II) localizado em áreas do cérebro médio (midbrain),

cuja função ainda é especulativa e uma outra forma, relacionada com a liberação das GtHs

pela hipófise (Gorbman e Sower, 2003). Em mamíferos, essa outra forma de GnRH

identificada foi o mGnRH (mamíferos) ou gpGnRH (guinea pig) (Dubois e col., 2002;

Whitlock, 2005). Essa variedade de formas de GnRH, também sugere-se que existam

diferentes formas de receptores para GnRH, mas em geral, as diferentes formas de GnRHs

exercem diversas ações intracelulares através de ligações específicas com os receptores

acoplados à proteína-G (família Gq/11), como por exemplo, a ativação da fosfolipase C,

elevação do segundo mensageiro, ativação da proteína kinase C e mobilização do cálcio

(Blomenröhr e col., 2005). Os receptores de mGnRH diferem de outros receptores

acoplados a proteína-G, pois, faltam a cauda C-terminal e apresentam mudanças em alguns

aminoácidos altamente conservados (Blomenröhr e col., 2002).

A modulação (inibição e/ou estimulação) dos neurônios de GnRH está sob a

influência de substâncias carreadas pela corrente sanguínea (feedback), uma vez que, a

liberação de GnRH, estimula as células gonadotrópicas a produzirem os hormônios

gonadotrópicos, que por sua vez, geram alterações nas concentrações dos hormônios das

glândulas periféricas, e estes, podem exercer um controle por feedback no hipotálamo

(Berne e Levy, 1998).

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Neuroendocrinologia Comparada

Julho/2010 Pág. 309

Adicionalmente, outras complexas interações de sinais neuronais, que se

convergem para os neurônios hipotalâmicos, estariam atuando nesta modulação do GnRH.

Alguns exemplos de interações de sinais neuronais são: alterações das características

ambientais, semelhantes, ao fotoperíodo (alternância de claro e escuro), mudanças de

temperatura, entre outros, são convertidos em sinais eletroquímicos e são transmitidos via

neurônios sensoriais até o hipotálamo, influenciando na síntese e liberação de GnRH (Takei

e Loretz, 2006); o ciclo de claro e escuro (dia/noite), que estimula a glândula pineal a

sintetizar a melatonina, que por sua vez, pode atuar na modulação do GnRH (Ekströn e

Meissl, 1997); a kisspeptina, uma nova proteína descoberta recentemente e o seu receptor

Tabela 2. Estrutura das 25 formas de hormônio liberador de gonadotropinas (GnRH) conhecidas.

Os aminoácidos grifados em azul são diferentes da forma de GnRH de mamíferos. As formas de

GnRH grifadas em cinza, tem sido identificadas em peixes. Adaptado de: Iwakoshi e col., (2002);

Sherwood e Adams, (2005); Guilgur e col., (2006).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 310 Julho/2010

(GPR54), ambos são regulados pelos esteróides gonadais, e também estão diretamente

relacionado com a secreção de GnRH (Colledge, 2008). E ainda no ano 2000, foi

identificado um novo dodecapeptídeo hipotalâmico que age diretamente sobre a hipófise,

inibindo a liberação de GtHs, denominado de hormônio inibidor de gonadotropinas (GnIH)

(Tsutsui e Osugi, 2009). Estes são alguns exemplos de interações fisiológicas observadas

nos animais.

A proposta desta introdução foi mostrar o histórico dos hormônios hipotalâmicos,

i.e. quando foram descobertos, a sua natureza química, as diferentes formas (quando for

aplicado), as possíveis células alvos, o mecanismo de ação, o mecanismo de modulação

(inibição e/ou estimulação) e suas interações fisiológicas com outros eixos biológicos. Desta

forma, foi discutida resumidamente, a complexidade fisiológica observada nos neurônios

hipotalâmicos, e agora, veremos como agem estas substâncias quando são liberadas no

sistema porta hipofisário (presente em mamíferos e ausente em peixes teleósteos), sistema

este, de grande importância para a regulação das funções hipofisárias, pois através deste

sistema, os neuro-hormônios sintetizados no hipotálamo podem ser levados diretamente a

AH, controlando as funções de suas células.

Hipófise em mamíferos

Como dito anteriormente, a hipófise pode ser dividida em duas porções distintas, a

adeno-hipófise (AH), ou hipófise anterior, a neuro-hipófise (NH), ou hipófise posterior, e

entre essas duas partes, há uma zona intermediária, chamado de pars intermedia (Guyton e

Hall, 2006; Berne e Levy, 1998). Esta zona intermediária é pouco desenvolvida em

mamíferos (humanos), sendo maior e mais funcional em outros vertebrados.

Embriologicamente, a NH, se origina do assoalho do diencéfalo e constitui a porção nervosa

da hipófise e a AH se origina do ectoderma do teto da cavidade oral primitiva (Junqueira e

Carneiro, 2004). Desta forma, dois hormônios são sintetizados por neurônios no hipotálamo,

e são armazenados e liberados pela NH, são eles: o hormônio antidiurético (ADH) e a

ocitocina. Já na AH, cinco tipos celulares são possíveis de identificar: as células

corticotrópicas, que sintetizam a adrenocorticotropina (ACTH) e a β-lipotropina; as células

tireotrópicas, que produzem a tireotropina (TSH); as células gonadotrópicas que sintetizam o

hormônio luteinizante (LH) e o hormônio folículo estimulante (FSH); as células

somatotrópicas que produzem o hormônio de crescimento (GH) e as células lactotrópicas,

que sintetizam a prolactina (PRL) (Guyton e Hall, 2006). A tabela 3 fornece uma lista de

hormônios hipofisários atualmente conhecidos.

Os hormônios hipofisários em mamíferos, como observado para os hormônios

hipotalâmicos, são bem conhecidos na literatura especializada (Revisões: Withers, 1992;

Guyton e Hall, 2006; Berne e Levy, 1998; Norris, 2007). Em geral, as funções dos hormônios

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Neuroendocrinologia Comparada

Julho/2010 Pág. 311

hipofisários podem ser sintetizadas da seguinte forma: o ADH, também conhecido como

arginina-vasopressina, formado primariamente nos núcleos supra-ópticos (são

polipeptídeos), tem a função primária de conservar a água corporal e regular a tonicidade de

líquidos corporais, ou seja, a ausência de ADH impede a reabsorção significativa de água

pelos ductos coletores (excreção diminuída de água pelos rins) e na presença de ADH, a

permeabilidade dos ductos à água aumenta muito, conservando assim a água no corpo e

produzindo uma urina muito concentrada. Já a ocitocina, é formada primariamente nos

núcleos paraventriculares (são polipeptídeos) e o papel principal consiste em ejetar o leite

da glândula mamária no processo de lactação, mas também apresenta um papel nas

contrações do útero, especialmente ao final da gestação (Guyton e Hall, 2006; Berne e

Levy, 1998).

Em relação à AH, o hormônio ACTH, produzido pelas células corticotrópicas, é um

hormônio, cuja função fisiológica consiste em regular o crescimento e a secreção do córtex

supra-renal, ou seja, os hormônios mais importantes de sua glândula alvo são os

corticosteróides, relacionados com o metabolismo (controle do metabolismo de proteínas,

carboidratos e gorduras) e com o estresse nos animais. O ACTH é estimulado pelo

hormônio liberador de corticotropina (CRH), sintetizado pelo hipotálamo. O hormônio TSH,

sintetizado pelas células tireotrópicas, é um hormônio glicoprotéico, cuja função consiste em

regular o crescimento e o metabolismo da tireóide e a secreção de seus respectivos

hormônios (a tiroxina, T4 e a triiodotironina, T3), relacionado também com o metabolismo

corporal. O TSH, por sua vez, é estimulado pelo hormônio liberador de tireotropina (TRH).

As células gonadotrópicas, que sintetizam o FSH e o LH, que são hormônios glicoprotéicos,

estão diretamente relacionadas com a reprodução animal, atuando principalmente nas

gônadas, estimulando a síntese dos esteróides gonadais (testosterona, progesterona e

estradiol) e como descrito acima (item 2.1.), as GtHs são estimuladas pelo GnRH

Tabela 3. Hormônios hipofisários atualmente conhecidos (modificado de Berne e Levy, 1998).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 312 Julho/2010

(sintetizado no hipotálamo). O GH e a PRL, são hormônios cuja função fisiológica consiste

respectivamente em: estimular o crescimento e o desenvolvimento somático pós-natais e

ajuda a manter a massa corporal magra e a massa óssea normais em adultos, além de

atuar no metabolismo, incluindo especificamente, o aumento da síntese protéica,

mobilização dos ácidos graxos e diminuição da taxa de utilização da glicose; já a PRL, em

humanos, participa na estimulação do desenvolvimento das mamas e na produção de leite.

O GH é estimulado pelo hormônio liberador do hormônio de crescimento (GHRH) e inibido

pela somatostatina (SS), ambos sintetizados em núcleos hipotalâmicos. A PRL é estimulada

pelo fator liberador de prolactina (PRF) e inibido pelo fator inibidor da prolactina (PIF), mas

também sofre influência negativamente pela SS e positivamente pelo TRH. Para maiores

informações sobre os hormônios hipofisários em mamíferos, ver as revisões de: Guyton e

Hall, (2006) e Berne e Levy, (1998). Adicionalmente, a figura 1 sintetiza os principais pontos

abordados no eixo H-H em mamíferos.

Neuroendocrinologia em peixes

Em geral, a neuroendocrinologia em peixes, é um assunto recente se compararmos

este tema com os mamíferos. Neste caso, uma abordagem geral em peixes se faz

Figura 1. A combinação das tabelas 1 e 3, sumarizando o eixo hipotálamo-hipófise em

mamíferos. Modificado de Berne e Levy, (1998) e Guyton e Hall, (2006).

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Neuroendocrinologia Comparada

Julho/2010 Pág. 313

necessária para posteriormente entendermos as diferenças observadas neste diverso grupo

de vertebrados e compará-los com o grupo dos mamíferos.

Os peixes em geral são os representantes mais numerosos e diversos entre os

vertebrados, contando com aproximadamente 50% deste grupo (Nelson, 2006; Moyle e

Cech, 2003). São conhecidas cerca de 28000 espécies viventes de peixes que ocupam os

mais diversos ambientes aquáticos, ocorrendo desde as altas altitudes até as fossas

submarinas dos oceanos. Em relação à sua distribuição, 58% são marinhos, 41% são

dulciaqüícolas e 1% vivem entre esses dois ambientes, ou seja, essas espécies realizam

migrações entre o ambiente marinho e o ambiente de água doce (Wooton, 1990). Além da

importância como fonte alternativa de alimento, os peixes também constituem uma rica fonte

de material biológico que podem ser utilizados como modelos para entender os controles

dos processos biológicos (Blázquez e col., 1998).

Desta maneira, com esse grande número de espécies existentes, a constantes

descobertas de novas espécies e a distribuição mundial, esse sucesso do grupo é atribuído

a uma série de adaptações fisiológicas, anatômicas, morfológicas, comportamentais entre

outras características relacionadas aos processos de respiração, nutrição, osmorregulação,

flutuação, percepção sensorial e reprodução (Hoar, 1969; Wooton, 1990; Moyle e Cech,

2003; Zavala-Camin, 2004). Em relação à reprodução, os peixes são ótimos exemplos da

complexidade reprodutiva, com as diferentes formas anatômicas observados nas gônadas

entre as espécies; as diferentes formas de liberação dos gametas para a fertilização externa

(como por exemplo, a desova total ou a desova parcelada); desenvolvimento de diferentes

órgãos especializados para a fertilização interna (gonopódio, por exemplo); as diferentes

formas de cuidado com a prole (guardadores e não guardadores de ovos e larvas); além das

diferentes formas de construções de ninhos e a migração reprodutiva, seja nas formas de

“piracema” ou naquelas longas migrações entre os mares e os rios e vice-versa, que são

acompanhadas por grandes alterações osmóticas e metabólicas (Wooton, 1990; Vazzoler,

1996; Lowe-McConnell, 1999; Hochachka e Somero, 2002; Moyle e Cech, 2003; Zavala-

Camin, 2004).

Todos estes mecanismos apresentados acima sofrem influência direta ou

indiretamente do eixo hipotálamo-hipófise e levando-se em consideração o mesmo exemplo

apresentado acima para o hipotálamo em mamíferos (item 2.1.), apresentaremos as

diferenças observadas no hormônio liberador de gonadotropinas (GnRH) entre peixes e

mamíferos.

Hipotálamo em peixes

O conceito de que o hormônio liberador de gonadotropinas (GnRH) é um

neuropeptídeo hipotalâmico essencial na cascata de hormônios que coordena a fisiologia

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 314 Julho/2010

reprodutiva, ou seja, o GnRH é um link essencial na integração dos estímulos externos e

internos que controlam a reprodução em todos os animais, também é aplicado aos peixes

teleósteos (Weltzien e col., 2004; Guilgur e col., 2006; Zohar e col., 2010). O GnRH é

sintetizado em áreas específicas do encéfalo de peixes e estimula a produção de GtHs na

AH, que em teleósteo, ao contrário dos mamíferos, ocorre via inervação direta das células

gonadotrópicas (Lethimonier e col., 2004; Guilgur e col., 2006).

Neste contexto, em várias espécies foram descritas múltiplas formas de GnRH,

sendo que, para a maioria das espécies de peixes foram encontradas três formas, sendo:

cGnRH-II (chicken II), sGnRH (salmon) e uma terceira forma que pode ser considerada

específica (Weltzien e col., 2004; Guilgur e col., 2006; Zohar e col., 2010). Em geral para

Characiformes (Characidae) a terceira forma de GnRH encontrada foi o sbGnRH

(seabream) (Powell e col., 1997), para Cyprinidontiformes (Atherinopsidae) o pjGnRH (peixe

rei) (Somoza e col., 2002), para Perciformes (Cichlidae) o sbGnRH (Pandolfi e col., 2005),

entre outras formas (Lethimonier e col., 2004; Guilgur e col., 2006). Entretanto, em algumas

espécies de teleósteos, apenas 2 formas de GnRH foram identificadas, como por exemplo,

em Siluriformes, no qual, foram identificado apenas o cfGnRH (catfish) e o cGnRH-II

(chicken II) (Bogerd e col., 1994; Zandbergen e col., 1995; Dubois e col., 2002). A presença

destas diferentes formas de GnRH identificadas em várias espécies de teleósteos levanta a

questão sobre a precisa função das múltiplas formas de GnRH e o controle da reprodução e

de outros processos fisiológicos, como por exemplo, o comportamento reprodutivo.

Ainda em relação a diferentes formas de GnRH, em peixes teleósteos, os neurônios

sintetizadores de GnRH apresentam distribuição neuro-anatômica diferenciada, como por

exemplo, o sGnRH é expresso por neurônios do gânglio nervoso terminal, o cGnRH-II pelos

neurônios localizados no tegumento do mesencéfalo (anterior, o “midbrain”) e na região

posterior do diencéfalo (o sinencéfalo) e a terceira forma é expressa principalmente pelos

neurônios pré-ópticos (telencéfalo ventral), hipotálamo basal e glândula hipofisária (ver

revisões de: Gorbman e Sower, 2003; Guilgur e col., 2006; Zohar e col., 2010). Com isto, as

diferentes formas de GnRH são identificadas em diferentes regiões do encéfalo e

adicionalmente, tem sido observado diferentes origens embriológicas destes neurônios que

sintetizam e secretam este hormônio (Dubois e col., 2002; González-Martínez e col., 2004;

Pandolfi e col., 2005). As diferentes funções destas diversas formas de GnRHs encontradas

em peixes, ainda são discutidas na literatura especializada. Sugere-se que o cGnRH-II atue

como um neuromodulador e/ou possui um papel fundamental no comportamento

reprodutivo. Já a segunda ou terceira forma, está relacionada especificamente com a

reprodução, ou seja, sugere-se que esteja relacionada com a liberação das GtHs na adeno-

hipófise dependendo da espécie a ser considerada (Dubois e col., 2002; Sherwood e

Adams, 2005; Pandolfi e col., 2005).

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Neuroendocrinologia Comparada

Julho/2010 Pág. 315

Em peixes teleósteos não é observado um sistema porta hipotálamo-hipofisário

(como em mamíferos) e com isso, as fibras nervosas de GnRH terminam próximas as

células gonadotrópicas da AH e como consequência, os GnRHs estão presentes nos

extratos de encéfalo e de hipófise. Entretanto, em vários teleósteos, pelo menos uma das

formas de GnRH encontrada no encéfalo não foi detectável na hipófise, levantando-se outra

questão a respeito de qual (ou quais) formas estão presentes na hipófise e qual (is) estimula

(m) a produção de GtHs na AH (Powell e col., 1994; Somoza e col., 1994; Goos e col.,

1997). Neste sentido, alguns estudos apontam que, apenas o cGnRH-II foi identificado no

encéfalo e não foi observado na hipófise (é importante salientar que o cGnRH-II é

identificado em todas as espécies de teleósteos) e com isso, a distribuição diferencial das

diferentes formas de GnRHs sugerem diferentes funções para estes diferentes peptídeos

(Goos e col., 1997). Neste contexto, a identificação exata das formas de GnRH e a

distribuição é de suma importância para entender os primeiros passos no controle da

reprodução de peixes teleósteos.

As espécies da Ordem Siluriformes são bons modelos biológicos por apresentarem

diferenças dentro deste grupo de peixes teleósteos em relação aos demais grupos, como

por exemplo, no catfish africano, apenas duas formas de GnRH foram identificadas, como

mencionado anteriormente (cGnRH-II e cfGnRH), entretanto, não necessariamente as duas

formas de GnRH são liberadas na hipófise e controlam a síntese e liberação de

gonadotropinas, pois, peixes teleósteos não apresentam sistema porta hipotálamo-hipófise e

a morfologia da NH e AH é exclusiva em teleósteos (Zandbergen e col., 1995; Dubois e col.,

2001). Adicionalmente, neste grupo, por exemplo, em extratos de hipófise (Schulz e col.,

1993) e de encéfalo (Bogerd e col., 1992) de catfish africano, foram identificadas estas duas

formas de GnRH, e em alguns estudos indicam a presença de apenas uma gonadotropina

(Schulz e col., 1995; Agulleiro e col., 2006). Portanto, sugere-se que as duas formas de

GnRH observadas em catfish africano estejam relacionadas com a liberação de apenas uma

gonadotropina. A identificação da presença de uma ou duas gonadotropinas em

Siluriformes, ainda não é bem compreendida. Desta forma, uma análise descritiva na

hipófise de peixes teleósteos se faz necessária, o que veremos a seguir.

Hipófise em peixes

A hipófise em peixes, assim como em mamíferos, é dividida em duas regiões

distintas: a adeno-hipófise (tecido glandular endócrino) e a neuro-hipófise (origem nervosa),

identificadas de acordo com os diferentes tipos celulares, e provavelmente, possuem a

mesma origem embriológica que os mamíferos (Junqueira e Carneiro, 2004; Weltzien e col.,

2004). Em relação aos hormônios hipofisários, na região da NH, são encontradas as

terminações axonais dos neurônios hipotalâmicos, sendo que, em geral, nos teleósteos

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 316 Julho/2010

nessa região são liberadas os neuro-hormônios, como por exemplo, a arginina – vasotocina

(AVT), a isotocina (IST) e o hormônio concentrador de melanina (MCH), entre outros

neuropeptídeos (Acher, 1996; Batten e col., 1999; Duarte e col., 2001; Weltzien e col., 2004;

Kawauchi, 2006). Apesar de a NH estar diretamente relacionada com a reprodução, os

estudos sobre o controle neuroendócrino das funções hipofisárias em teleósteos requerem o

conhecimento da morfologia da hipófise, inervação dessa hipófise e a identificação e

localização dos diferentes tipos celulares encontradas na região da AH (Weltzien e col.,

2004).

Em geral, a AH em peixes é subdividida em três regiões distintas, no que diz

respeito ao arranjo e localização topográfica das células, características tintoriais dessas

células e distribuição dos ramos da NH (Laiz-Carrión e col., 2003; Cala e col., 2003;

Weltzien e col., 2004; Kawauchi e Sower, 2006; Cinquetti e Dramis, 2006). Essas regiões

são denominadas de: “pars intermedia” (PI), “rostral pars distalis” (RPD) e “proximal pars

distalis” (PPD). Na PI encontram-se as células produtoras de melanotropina (MSH) e as

células produtoras de somatolactina (SL); na PPD localizam-se as células produtoras de

gonadotropinas (GtHs), comumente chamadas de FSH (hormônio folículo estimulante) e de

LH (folículo luteinizante). As células produtoras de tireotropina (TSH) e as células produtoras

de hormônio de crescimento (GH), conhecidas como células somatotrópicas, também são

identificadas na região PPD. Já a RPD contém as células produtoras de prolactina (PRL) e

as células produtoras de hormônio adrenocorticotrópico (ACTH). Adicionalmente, segundo

Kawauchi e Sower (2006), os hormônios adeno-hipofisários podem ser agrupados conforme

sua similaridade estrutural e funcional em 3 famílias: a família derivada de

proopiomelanocortina, que abrange a adrenocorticotropina (ACTH) e a melanotropina

(MSH); a família prolactina/somatotropina, que inclui prolactina (PRL), hormônio de

crescimento (GH) e somatolactina (SL); e a família dos hormônios glicoprotéicos, que

contém gonadotropinas (GtH) e tireotropina (TSH) (Agulleiro e col., 2006; Takei e Loretz,

2006; Kawauchi e Sower, 2006).

É importante salientar, que todos esses hormônios, exceto a somatolactina, estão

presentes nos outros vertebrados (Ono e col., 1990; Kaneko, 1996). Neste caso, as funções

fisiológicas dos hormônios hipofisários são semelhantes ao apresentado para mamíferos e,

portanto, serão discutidas apenas as diferenças observadas entre estes dois grupos de

vertebrados. Proopiomelanocortina (POMC) é um precursor protéico de vários hormônios,

como por exemplo, a adrenocoticotropina (ACTH), melanotropina (MSH) e β-endorfina

(Kawauchi e Sower, 2006). O papel fisiológico de ACTH é estimular a síntese e liberação de

cortisol no tecido inter-renal de teleósteos (Segura-Noguera e col., 2000), sendo que, em

teleósteos, o principal hormônio desta glândula é o cortisol, e em peixes, este hormônio atua

em vários processos fisiológicos, como por exemplo, no metabolismo, nos aspecto

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Neuroendocrinologia Comparada

Julho/2010 Pág. 317

relacionados ao estresse e na osmorregulação (Segura-Noguera e col., 2000; Kawauchi e

Sower, 2006). Em relação ao MSH, o papel fisiológico desse hormônio em teleósteos é

estimular a dispersão dos grânulos de pigmentos nos melanócitos, produzindo assim uma

rápida mudança de coloração no peixe (Cala e col., 2003; Kawauchi e Sower, 2006).

Sabe-se ainda, que o papel fisiológico da PRL em teleósteos, está relacionado

principalmente com a osmorregulação (Segura-Noguera e col., 2000; Forsyth e Wallis, 2002;

Cala e col., 2003; Kawauchi e Sower, 2006; Mancera e Fuentes, 2006). Adicionalmente,

alguns estudos indicam que a PRL esteja envolvida também na reprodução e nos aspectos

relacionados ao estresse (Cala e col., 2003). O hormônio GH tem um papel fundamental na

regulação do crescimento e desenvolvimento em teleósteos, além de estar envolvido em

outros processos fisiológicos, como por exemplo, osmorregulação, reprodução e

metabolismo (Segura-Noguera e col., 2000; Forsyth e Wallis, 2002; Cala e col., 2003;

Kawauchi e Sower, 2006; Agulleiro e col., 2006).

As células produtoras de somatolactina (SL), também conhecidas como PIPAS-

cells, foram primeiramente descritas por Ono e colaboradores (1990); Rand-Weaver e

colaboradores (1991); e até o momento este hormônio só foi encontrado em peixes

(Kaneko, 1996; Kawauchi e Sower, 2006). Apesar de ser um hormônio descoberto a mais ou

menos 20 anos atrás, o verdadeiro papel fisiológico da SL em peixes, ainda continua

desconhecido. Algumas evidências indicam que a SL esteja envolvida em vários processos

fisiológicos, como por exemplo: no metabolismo, na regulação ácido-básica e na

osmorregulação (Kakizawa e col., 1993; Kakizawa e col., 1995; Kaneko, 1996), no

desenvolvimento embriológico (Laiz-Carrión e col., 2003), nos aspectos relacionados ao

estresse (Rand-Weaver e col., 1993; Kaneko, 1996), na reprodução (Olivereau e Rand-

Weaver, 1994; Kaneko, 1996; Vissio e col., 1997; Johnson e col., 1997; Mousa e Mousa,

2000) e na produção de esteróides sexuais (Planas e col., 1992; Mayer e col., 1998).

Em relação ao TSH, as possíveis funções fisiológicas deste hormônio seriam: pode

estar envolvido na metamorfose em Pleuronectiformes (Schreiber e Specker, 1999), no

desenvolvimento ontogenético (larval) (Laiz-Carrión e col., 2003) e indiretamente na

reprodução, pois, foi observado que o hormônio tireoidiano (T3) intensifica o efeito

estimulatório do GnRH em Salmo trutta (Mylonas e col., 1994) e em outros trabalhos

sugerem que os hormônios tireoidianos agem sinergisticamente com as gonadrotopinas

(Sullivan e col., 1989 apud Mylonas e col., 1994).

Finalmente, os últimos hormônios hipofisários a serem discutidos neste capítulo,

são as GtHs, ou seja, o FSH e o LH. Estes hormônios exercem um papel fisiológico muito

importante na reprodução de peixes, desta forma, abordaremos especificamente o eixo H-H-

G em peixes e as possíveis relações com o ambiente externo, tanto em relação ao estímulo

para a reprodução como no bloqueio do mesmo.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 318 Julho/2010

Eixo hipotálamo-hipófise-gônadas em peixes e sua relação com o ambiente

externo

A reprodução em peixes, apesar de ser modulada por fatores ambientais

(temperatura, fotoperíodo, pluviosidade entre outros), é controlada endogenamente por um

sistema endócrino, principalmente pelo eixo hipotálamo-hipófise-gônadas, que sintetiza e

libera gonadotropinas, esteróides gonadais e hormônios moduladores do processo

reprodutivo entre outras substâncias (Takei e Loretz, 2006; Zohar e col., 2010; Levavi-Sivan

e col., 2010). Esse processo ocorre naturalmente com o desenvolvimento das gônadas,

maturação, liberação e fertilização dos gametas, sendo que em geral, em peixes, a desova e

a fertilização ocorrem no ambiente externo (Rocha e Rocha, 2006). Os ovos fertilizados

originam embriões e posteriormente larvas, que crescem e se tornam adultos, reiniciando o

ciclo.

Em geral, a fisiologia da reprodução em peixes pode ser sintetizada da seguinte

forma (Fig. 2) (Blázquez e col., 1998; Weltzien e col., 2004; Zohar e col., 2010; Levavi-Sivan

e col., 2010): a partir do momento em que a idade e o peso mínimo são atingidos para o

início da reprodução, alterações ambientais como o fotoperíodo, a temperatura e,

possivelmente as chuvas, são captadas através dos olhos, pineal, narinas e receptores

cutâneos, que as convertem em sinais eletroquímicos e são transmitidos via neurônios

sensoriais até o hipotálamo. O papel do fotoperíodo na influência sazonal do ciclo

reprodutivo em peixes teleósteos é bem estabelecido na literatura, entretanto, os

mecanismos fisiológicos envolvidos nesta modulação ainda não são bem compreendidos.

Em várias espécies de teleósteos, foram registrados, efeitos positivos, negativos ou nenhum

efeito da melatonina sobre a maturação gonadal. Por outro lado, sabe-se também, que a

secreção da melatonina é realizada durante a fase escura e acredita-se que este hormônio

seja um dos principais responsáveis pelos efeitos do fotoperíodo sobre o sistema endócrino

(Kah e col., 1999; Falcón e col., 2010). Adicionalmente, este preciso link entre as

mensagens do fotoperíodo e os efeitos sobre o sistema neuroendócrino em peixes,

precisam ser investigados mais profundamente.

Page 329: Fisiologia comparada USP 2010

Neuroendocrinologia Comparada

Julho/2010 Pág. 319

Figura 2. Representação esquemática dos principais fatores relacionados com o controle

neuroendócrino da reprodução em peixes teleósteos (explicações no decorrer do texto). Imagens:

Renato Massaaki Honji, Rafael Henrique Nóbrega e Leonardo Gastón Guilgur.

Page 330: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 320 Julho/2010

Os fatores ambientais citados estimulam o hipotálamo a sintetizar e liberar o

hormônio liberador de gonadotropinas (GnRH), que estimula as células gonadotrópicas na

hipófise a sintetizar e liberar o hormônio folículo estimulante (FSH), que via corrente

sanguínea chega às camadas foliculares dos oócitos em desenvolvimento e na camada

teca, converte o colesterol em testosterona. Esta é transportada à camada granulosa, na

qual é aromatizada a 17-estradiol pela enzima aromatase, também sob influência do FSH.

O 17-estradiol age no fígado (via corrente sanguínea), estimulando a síntese da

glicolipofosfoproteína (vitelogenina) que, também via corrente sanguínea, é “sequestrada”

pelo oócito por micropinocitose (processo dependente de FSH), promovendo o crescimento

do oócito e incorporação de vitelo.

A detecção da vitelogenina, como precursora do vitelo tem sido intensamente

pesquisada nas últimas décadas, desde a síntese do 17-estradiol como produto de ação no

fígado até estudos com enfoques ambientais, como por exemplo, os disruptores endócrinos

que são fatores externos que podem afetar o sistema endócrino e assim toda a fisiologia

reprodutiva (GoksØyr e col., 2003). Os machos de teleósteos também possuem o gene para

vitelogenina, entretanto, o mesmo não é expresso devido ao baixo nível de estradiol

circulante, podendo ser expresso em situações adversas, como por exemplo, na exposição

dos indivíduos aos poluentes com ação estrogênica (Moncaut e col., 2003). Este assunto

será descrito intensamente no capítulo de ecotoxicologia, principalmente em relação aos

disruptores endócrinos na neuroendocrinologia.

Assim, na fase de vitelogênese, que é um processo pelo qual o citoplasma do

oócito acumula substâncias de reservas para posterior utilização pela larva, ocorre um

aumento nos níveis plasmáticos de 17-estradiol e testosterona e esse aumento inibe a

síntese de FSH (feedback negativo) e juntamente com a ação do GnRH estimulam a

secreção do hormônio luteinizante (LH) nas fases finais da vitelogênese. O LH estimula a

camada teca do folículo a produzir 17-hidroxiprogesterona, que é transportada à camada

granulosa e convertida a 17α,20-dihidroxy-4-pregnen-3-one ou 17α,20-21-trihidroxy-4-

pregnen-3-one pela enzima 20-hidroxiesteróide-desidrogenase, dependendo da espécie

considerada (Peter e Yu, 1997). O hormônio 17-20-dihidroxy-4-pregnen-3-one é

conhecido como o hormônio indutor da maturação final e da ovulação (MIS) na maioria dos

peixes. Nos machos, o controle da síntese de esteróides é semelhante ao das fêmeas. FSH

e LH estimulam a esteroidogênese testicular e a espermatogênese, sendo os andrógenos,

testosterona e 11-cetotestosterona produzidos pelas células de Leydig no tecido intersticial

dos testículos, sendo, esses hormônios gonadais os mais importantes no desenvolvimento

do testículo e das características sexuais secundárias nos machos (Grier, 1993; Cyr e Eales,

1996; Nagahama, 2000; Haider, 2004; Garcia-López e col., 2006).

Page 331: Fisiologia comparada USP 2010

Neuroendocrinologia Comparada

Julho/2010 Pág. 321

Recentemente, foi descoberto mais um sistema neuroendócrino que possui íntima

relação com a regulação da reprodução e da puberdade em vertebrados, o chamado

sistema kiss1/GPR54 (Zohar e col., 2010; Taranger e col., 2010). Zohar e colaboradores

(2010), que apresentam resultados obtidos em relação ao sistema kiss1/GPR54 em peixes,

confirmam a existência deste sistema em vertebrados considerados mais basais durante a

evolução deste grupo. Por outro lado, estudos adicionais sobre este novo sistema

neuroendócrino em espécies de peixes que apresentam distintas estratégias reprodutivas é

necessário (Zohar e col., 2010). Portanto, estas múltiplas e complexas interações hormonais

existentes entre os vários sistemas (sensoriais e reprodutivos) durante a reprodução dos

peixes é controlada endogenamente pelo sistema neuroendócrino, principalmente pelo eixo

hipotálamo-hipófise-gônadas como dito anteriormente (Fig. 2).

De uma forma em geral, sabe-se que todo esse controle ocorre quando os peixes

encontram-se no ambiente natural, mas altera-se de alguma forma, ainda pouco

esclarecida, quando espécies migradoras são transferidas para o cativeiro, em operações

de cultivo, pois neste ambiente confinado, os peixes não conseguem eliminar os seus

gametas. Neste caso, intervenções hormonais exógenas em diferentes níveis do eixo

hipotálamo-hipófise-gônadas (Fig. 2) são necessárias para dar continuidade ao processo de

maturação gonadal (Zohar e Mylonas, 2001), procedimento necessário para a maioria das

espécies ícticas tropicais, por serem reofílicas (peixes de piracema). Adicionalmente,

considerando-se que as espécies de peixes de piracema, quando são impedidas de migrar,

apresentam um bloqueio na reprodução, fica evidente, que a construção de reservatórios

nos rios brasileiros causa grandes impactos no ciclo de vida dos peixes reofílicos,

principalmente nos aspectos relacionados à fisiologia reprodutiva.

Os estudos sobre a disfunção endócrina de peixes em cativeiro, principalmente em

relação ao eixo hipotálamo-hipófise-gônadas são escassos mesmo em espécies de clima

temperado, e raros em teleósteos de clima tropical, e o fato de que muitas espécies de

peixes encontram-se em vias de extinção, tornam as pesquisas envolvendo o eixo H-H-G de

suma importância, pois, estes estudos contribuem para uma ação urgente de conhecimento

da fisiologia reprodutiva dessas espécies, para que não ocorra o risco de uma espécie ser

extinta sem nem mesmo ter sido estudada a sua fisiologia reprodutiva, premissa básica para

um futuro trabalho de repovoamento da espécie. Adicionalmente, veremos no capítulo 32,

os efeitos dos poluentes (disruptores endócrinos) na neuroendocrinologia dos animais.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 322 Julho/2010

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Neuroendocrinologia Comparada

Julho/2010 Pág. 323

Neuroendocrinologia comparada: o encéfalo e a

hipófise de anfíbios, répteis e aves

Amanda de Moraes Narcizo

Lab. de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos

[email protected]

Considerando-se a evolução do sistema nervoso dos vertebrados pode-se dizer

que a tendência mais importante foi o aumento na complexidade, no tamanho, na

conformação e na capacidade funcional do encéfalo. Este processo evolutivo, também

denominado encefalização, levou a consolidação de diversas capacidades funcionais,

incluindo as respostas rápidas às informações do ambiente interno e externo, a alta

capacidade de armazenar informações e um aumento na complexidade e flexibilidade do

comportamento destes animais. Outra consequência da encefalização foi a capacidade de

formar associações entre eventos passados, presentes e, pelo menos em humanos, eventos

futuros (Hickman e col., 2004).

O evento da encefalização gerou em todos os vertebrados um órgão que é o centro

de controle do organismo, sendo este centro o integrador de todas as funções fisiológicas.

Os diversos sistemas que formam o organismo não funcionam de modo independente. Ao

contrário, estão ao mesmo tempo em funcionamento, respondendo a diferentes estímulos

para a realização dos processos vitais, gerando também assim, um ritmo biológico. Desta

forma, o sistema nervoso e o sistema endócrino são os maiores responsáveis pela

coordenação dos ajustes das atividades de cada sistema fisiológico que compõe um

organismo vertebrado, sendo o encéfalo considerado também um importante órgão produtor

de hormônios (Schmidt-Nielsen, 2002).

Neste contexto, no presente capítulo serão apresentados, de forma comparativa

entre os grupos de vertebrados: anfíbios, répteis e aves, alguns aspectos da anatomia e dos

efeitos fisiológicos de hormônios produzidos pelo eixo hipotálamo-hipófise e a influência

destes em outros sistemas.

Breve descrição do desenvolvimento do sistema nervoso em vertebrados

O sistema nervoso central dos vertebrados surge, na fase embrionária, de uma

faixa dorsal ectodérmica, que é conhecida como placa medular. Esta placa se invagina para

formar um tubo oco, chamado tubo neural. A extremidade anterior deste tubo se alarga e

cresce muito mais rapidamente do que o restante e dá origem a um encéfalo primitivo,

composto por três vesículas primárias. No sentido antero-posterior estas vesículas são

denominadas prosencéfalo, mesencéfalo e rombencéfalo. A parte contínua do tubo neural,

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 324 Julho/2010

posterior ao rombencéfalo, da origem à medula espinhal e grande parte do restante do

sistema nervoso (Orr, 2000; Hickman e col., 2004).

Mesmo nos vertebrados mais primitivos como os ciclóstomos (lampreias e peixes-

bruxa) a vesícula anterior e a posterior se subdividem em duas partes, formando o total de

cinco vesículas encefálicas. Assim, o prosencéfalo divide-se em telencéfalo e diencéfalo, o

mesencéfalo não se divide, e o rombencéfalo divide-se em metencéfalo e mielencéfalo (Orr,

2000; Hickman e col., 2004).

Em todos os vertebrados, o telencéfalo dá origem aos lobos olfativos e ao cérebro,

no entanto a importância destas duas novas estruturas varia marcadamente na escala

filogenética. Sobre este mesmo aspecto, uma das grandes e notáveis mudanças associada

à importância do desempenho do papel biológico destas duas estruturas, foi como o cérebro

de grupos mais primitivos, como o dos peixes e anfíbios, se expandiu para formar uma

estrutura profundamente sulcada e enormemente emaranhada na linhagem que leva aos

mamíferos (Hickman e col., 2004). Nos peixes o telencéfalo se desenvolve em lobos

olfativos grandes, destacando sua principal função sensorial e os hemisférios cerebrais são

formados por uma massa ganglionar basal conhecida como corpo estriado e por uma fina

camada epitelial dorsal chamada de pálio. Portanto, o pálio é composto por tecido não

nervoso e o mesencéfalo é o centro da atividade encefálica neste grupo de animais. Nos

anfíbios o centro da atividade encefálica permanece na região dorsal do mesencéfalo, onde

as células cinzentas se encontram numa região chamada teto, e pela primeira vez em

vertebrados, células nervosas são encontradas invadindo o pálio (região do telencéfalo)

resultando em aumento dos hemisférios cerebrais. Na classe dos répteis ocorre um

destacado aumento dos hemisférios cerebrais devido à invasão de células cinzentas no

pálio, sendo agora esta estrutura denominada de neopálio. Este evento está diretamente

relacionado à mudança do centro nervoso do mesencéfalo para o cérebro. Como as aves e

os mamíferos têm seu ancestral nesta classe de animais, não surpreende que o pálio,

invadido por substância cinzenta, seja o centro da atividade encefálica também nestes

outros dois grupos derivados. Assim, nas aves o telencéfalo se desenvolve em pequenos

lobos olfativos, sugerindo alguma relação pelo olfato notavelmente pobre neste grupo de

animais, e em um cérebro grande que recobre o diencéfalo e os lobos ópticos (Orr, 2000).

As diferenciações do diencéfalo serão, neste momento, descritas de forma geral

para os vertebrados sendo, posteriormente, abordadas as particularidades dos grupos de

interesse de discussão deste capítulo. Assim, das paredes do diencéfalo surgem os

pedúnculos ópticos e as camadas sensoriais e pigmentares da retina. No local onde estas

duas estruturas se encontram, certas fibras de cada nervo óptico cruzam para o lado oposto

formando o quiasma óptico (Orr, 2000). O diencéfalo diferencia-se em três regiões: o

epitálamo (dorsal), o tálamo (central), e o hipotálamo (ventral). O epitálamo é derivado do

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Neuroendocrinologia Comparada

Julho/2010 Pág. 325

teto do diencéfalo e dá origem ao complexo endócrino epifisário, que inclui a glândula

pineal. A maior parte do diencéfalo se torna o tálamo. Este compreende a principal estação

de retransmissão de sinais entre a porção superior e inferior do cérebro, atuando como um

centro de impulsos olfativos e visuais, além de estar associado a várias estruturas

glandulares e sensoriais. O hipotálamo, oriundo do piso do diencéfalo, contém vários

núcleos neurossecretores que são fontes de neuro-hormônios envolvidos com a regulação

da função hipofisária. É também da região ventral do diencéfalo que se origina o pedúnculo

da hipófise ou infundíbulo, e o lobo posterior, conhecido também por pars nervosa ou

neurohipófise (Orr, 2000; Norris, 2007). Adicionalmente, o lobo anterior da hipófise

(adenohipófise) é derivado, na fase embrionária, da ectoderme dorsal da cavidade oral

primitiva de uma região denominada bolsa de Rathke. Assim, a hipófise se origina da fusão

do infundíbulo com a bolsa de Rathke durante o desenvolvimento embrionário. E apesar de

a adenohipófise não possuir qualquer ligação anatômica com o encéfalo, ela está

funcionalmente ligada a ele por um sistema circulatório chamado sistema porta-hipofisário,

com exceção dos teleósteos, como visto no capítulo anterior (Orr, 2000; Hickman e col.,

2004; Norris, 2007; Guyton e Hall, 2006).

O mesencéfalo sofre uma mudança relativamente pequena no grupo dos

vertebrados. No entanto, possui maior importância principalmente no grupo dos peixes, mas

também no dos anfíbios, atuando como o centro de coordenação nervosa, como comentado

anteriormente. Na parte dorsal, o mesencéfalo desenvolve-se em duas proeminências

conhecidas como lobos ópticos, que tem função na recepção visual. Nas aves os lobos

ópticos são excepcionalmente grandes e esta característica parece ter relação com a visão

aguçada que este grupo apresenta (Orr, 2000; Hickman e col., 2004).

O metencéfalo, dorsalmente, dá origem ao cerebelo, sendo este um centro de

coordenação muscular e equilíbrio. O cerebelo nos anfíbios é muito pequeno e é discutido,

na anatomia funcional, que esta característica tenha relação com os movimentos

notavelmente vagarosos deste grupo. O cerebelo dos répteis é geralmente maior que dos

anfíbios, no entanto não atinge o tamanho do cerebelo de alguns peixes, como os tubarões,

nem o tamanho do das aves e dos mamíferos (Orr, 2000; Hickman e col., 2004).

O mielencéfalo forma o bulbo do encéfalo, é extremamente importante em todos os

vertebrados já que é o centro de muitas atividades vitais como a respiração, o batimento

cardíaco e o metabolismo. Em peixes também é o centro de controle da linha lateral e do

ouvido interno (Orr, 2000; Hickman e col., 2004).

Estes aspectos são importantes do ponto vista evolutivo visto que o

desenvolvimento das três vesículas encefálicas apresenta relações funcionais, incluindo as

funções de percepção do ambiente externo. Estas relações primitivas do encéfalo, apesar

de extremamente fundamentais, foram, em alguns casos, amplificadas e em outros

Page 336: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 326 Julho/2010

reduzidas e/ou mantidas ao longo da contínua evolução conforme as prioridades sensitivas

eram moldadas pelo habitat do animal e pelo seu modo de vida (Hickman e col., 2004).

Considerações anatômicas do eixo hipotálamo-hipófise: anfíbios, répteis e

aves

Pelo sistema neuroendócrino ter sido mais bem estudado na classe dos mamíferos,

a nomenclatura aplicada às estruturas, aos hormônios e funções foi, primeiramente,

atribuída a este grupo. Posteriormente estes conhecimentos foram empregados a

vertebrados não mamíferos. Por isso para discutir alguns aspectos anatômicos entre

anfíbios, répteis e aves, será aqui apresentado um esquema morfológico generalizado do

eixo hipotálamo-hipófise de mamíferos, uma vez que o sistema neuroendócrino entre os

tetrápodes exibe muitas características encontradas neste grupo de vertebrados (Fig. 1)

(Norris, 2007).

A adenohipófise é um epitélio de estrutura glandular que pode ser dividida em três

regiões anatômicas: pars distalis (PD), pars tuberalis (PT) e pars intermedia (PI). Estas

regiões podem ser distinguidas tanto pelos tipos celulares quanto pelas relações anatômicas

Figura 1. Eixo hipotálamo-hipófise generalizado de mamíferos. O hipotálamo contém vários

centros neurossecretores incluindo a área pré-óptica (POA), núcleo supraquiasmático (NSQ),

núcleos arqueados (ARC), núcleos supra-ópticos (SON), e núcleos paraventriculares (PVN). A

eminência média (ME) e pars nervosa (PN) são áreas neurohemais separadas. A ME conecta,

pelo sistema de vasos sanguíneos passando pela pars tuberalis (PT), o hipotálamo a pars distalis

(PD) onde os hormônios hipotalâmicos estimulam ou inibem a liberação dos hormônios trópicos.

A pars nervosa armazena os nonapeptídeos produzidos no hipotálamo e é suprida por outro

sistema de vasos sanguíneos. (OC) representa o quiasma óptico e (PI) significa pars intermédia

(Modificado de Norris, 2007).

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Neuroendocrinologia Comparada

Julho/2010 Pág. 327

com a neurohipófise. Já a neurohipófise, como dito anteriormente, é derivada de tecido

nervoso e nela podem ser identificadas duas regiões: a eminência média (ME), mais

anterior, e a pars nervosa (PN), região posterior. Um sistema vascular denominado sistema

porta hipotálamo-hipofisário se desenvolve entre a eminência média da neurohipófise e a

pars distalis da adenohipófise. É através deste sistema que, por exemplo, o sangue

contendo os hormônios liberadores hipotalâmicos flui para a pars distalis, e então os

hormônios trópicos da mesma fluem para o sistema venoso alcançando a circulação geral

do organismo. O sistema de vasos da pars nervosa se conecta diretamente com o sistema

de drenagem venosa, não tendo associação com o sistema porta hipotálamo-hipofisário.

Das subdivisões da adenohipófise pode-se dizer que a pars tuberalis é constituída

por uma fina camada celular da adenohipófise e está em contato com a eminência média, e

que o sistema porta passa por ela. Estudos recentes têm demonstrado que a PT tem um

importante papel de conexão endócrina entre a glândula pineal e a secreção de prolactina

(PRL) pelas células da pars distalis (Norris, 2007).

Diferentemente do que foi descrito para teleósteos no capítulo anterior, a pars

intermedia nestes grupos de vertebrados apresenta um único tipo celular sendo responsável

pela produção do hormônio melanotrópico (MSH) e a pars distalis possui cinco tipos

celulares sendo responsáveis pela produção de seis hormônios trópicos: hormônio

adrenocorticotrópico (ACTH), hormônio estimulador da tireóide (TSH), hormônio de

crescimento (GH), a prolactina (PRL), e duas gonadotropinas (GtHs) produzidas pelo

mesmo tipo celular, sendo comumente em células distintas, estas são: o hormônio folículo

estimulante (FSH) e o hormônio luteinizante (LH). Adicionalmente a adenohipófise libera

lipotropinas (LPH) e endorfinas, embora não listados como hormônios trópicos, estes

peptídeos podem exercer função endócrina ligando-se a receptores opióides no sistema

nervoso (Guyton e Hall, 2006; Norris, 2007).

Quanto ao hipotálamo, seus núcleos neurossecretores da área pré-óptica produzem

neuro-hormônios que são armazenados na neurohipófise, estes são nos grupos de

vertebrados aqui discutidos, a arginina-vasotocina (AVT) e mesotocina (MST). Os axônios

destes núcleos atravessam a ME chegando na PN. Núcleos neurossecretores incluindo

núcleo supraquiasmático (NSQ), núcleos arqueados (ARC) e núcleos paraventriculares

(PVN) controlam o funcionamento da PD. Outros hormônios hipotalâmicos, como: o

hormônio liberador de tireotropina (TRH), o hormônio liberador de gonadotropinas (GnRH), o

hormônio liberador de corticotropina (CRH), o fator liberador de prolactina (PRF) e a

dopamina (DA), percorrem através do sistema porta hipotálamo-hipofisário e se ligam a

receptores em diferentes tipos celulares liberando hormônios trópicos na adenohipófise

(Norris, 2007).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 328 Julho/2010

Em anfíbios, a pars tuberalis aparece pela primeira vez na filogenia dos vertebrados

e a pars intermedia, neste grupo, é pouco vascularizada apresentando inervações diretas

por neurônios dos núcleos hipotalâmicos. Os répteis ocupam uma posição central na

evolução dos tetrápodes, e por isso a hipófise deste grupo de vertebrados apresenta grande

diversidade anatômica, podendo ser encontrados animais com características anatômicas

similares a anfíbios e também similares a aves e mamíferos. De forma, geral pode-se dizer

que não é encontrada inervação direta do hipotálamo na adenohipófise sendo esta

característica mantida para os grupos derivados, aves e mamíferos. A pars tuberalis é bem

desenvolvida em Rhynchocephalia, Chelonia e Crocodilia, mas é bem reduzida e algumas

vezes ausente em lagartos. Em serpentes adultas, a PT é completamente ausente. Ainda

não há uma explicação para o desaparecimento da PT nos Squamatas. Ao contrário,

enquanto a pars intermedia é bem desenvolvida em quelônios e crocodilos e em algumas

cobras, a PI é reduzida ou ausente em lagartos e algumas cobras. Nas aves, diferentemente

de todos os tetrápodes, a pars intermedia é ausente em todos os indivíduos adultos de

todas as espécies. Em algumas aves, como os pombos e o pardal de coroa branca, a

eminência média é separada em anterior e posterior sendo que cada uma destas regiões

possui seu próprio sistema porta com a PD. Não se sabe ao certo quão frequente este

sistema duplo é encontrado em outras aves, entretanto, é discutido que este sistema de

regionalização da ME e PD poderia representar um mecanismo mais eficiente de entrega

dos neuro-hormônios hipotalâmicos a específicos tipos celulares na PD (Norris, 2007).

Considerações fisiológicas do eixo hipotálamo-hipófise: anfíbios, répteis e

aves

Como dito anteriormente, o sistema neuroendócrino é constituído pelo eixo

hipotálamo-hipófise, e de forma resumida, este sistema funciona da seguinte maneira: o

hipotálamo, modulado por variáveis ambientais e pelo sistema nervoso, promove a síntese

de hormônios liberadores (RHs - Releasing Hormones) ou hormônios inibidores (RIHs -

Release-Inhibiting Hormones) em seus neurônios neurossecretores. Através de seus

prolongamentos axônicos, que terminam ou na ME (encontrando com o sistema porta) ou no

interior do infundíbulo na PN, os hormônios produzidos no hipotálamo chegam até a hipófise

e, atuando em células específicas regulam a secreção dos hormônios trópicos, que por sua

vez, regulam outras glândulas endócrinas. Esses hormônios trópicos atingem certas

glândulas endócrinas periféricas, como exemplo, a glândula tireóide que em resposta libera

seus hormônios na corrente sanguínea e assim, afetam células específicas não endócrinas,

além de exercerem um efeito de controle negativo sobre o hipotálamo e a hipófise. A figura

2 apresenta os hormônios produzidos neste eixo, de forma geral, em anfíbios, répteis e aves

(Norris, 2007).

Page 339: Fisiologia comparada USP 2010

Neuroendocrinologia Comparada

Julho/2010 Pág. 329

Existem vários eixos distintos envolvendo o hipotálamo, a hipófise e o alvo

endócrino específico. E entre tantos fatores produzidos por este sistema integrativo, os eixos

que mais recebem a atenção dos pesquisadores são: o eixo hipotálamo-hipófise-gônadas

(H-H-G), discutido no capítulo anterior, o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (H-H-A), que será

abordado no capítulo seguinte e o eixo hipotálamo-hipófise-tireóide (H-H-T), que terá um

pouco mais de destaque neste capítulo.

Feed back alça curta

AVT MST

Feed back alça longa

Hormônios Somatotrópico (GH) e Prolactina (PRL)

Hormônio melanotrópico (MSH)

Hormônios Trópicos (TSH, LH, FSH, ACTH, GH)

Arginina-vasotocina (AVT)

Mesotocina (MST)

Fatores ambientais

Encéfalo

Hipotálamo

Eminência média

Pars intermedia Pars nervosa

Pars distalis

Alvos não endócrinos

Alvos não endócrinos

Alvos endócrinos

Tecidos alvos

Hormônios EfeitoEfeito

Efeito

Figura 2. Sistema neuroendócrino dos vertebrados: anfíbios répteis e aves. O

hipotálamo secreta RHs e RIHs, estes são armazenados na ME e liberados (sistema porta

hipofisário) na PD e PI (PI ausente em aves) onde regulam a liberação dos hormônios

trópicos. A atividade do hipotálamo é influenciada por vários fatores ambientais via sistema

nervoso central. Os hormônios trópicos afetam alguns alvos não endócrinos, mas

principalmente alvos endócrinos que respondem liberando hormônios que tem efeitos em

células-alvo específicas. Estes, por sua vez, modulam a liberação dos hormônios

hipotalâmicos (RHs/RIHs) e adenohipofisários. O hipotálamo também secreta

nonapeptídeos, mesotocina e arginina-vasotocina, que são armazenados na PN até que

sejam liberadas no sistema de vasos sanguíneos (Modificado de Norris, 2007).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 330 Julho/2010

Hormônios da tireóide

Os hormônios da tireóide são derivados de duas moléculas de tirosina iodadas.

Primeiramente, a tirosina é incorporada por uma proteína conhecida por tiroglobulina (Tgb) e

então iodada pela enzima tireóide peroxidase (TPO). Uma tirosina iodada tem 2 iodetos

ligados nas posições 3 e 5 do anel fenólico, respectivamente. Essa molécula é chamada de

3,5 diiodotirosina, ou DIT. Duas DITs são unidas pela TPO removendo o anel fenólico de

uma DIT e ligando um grupo hidroxila de um grupo fenólico de outra DIT. O resultado desta

estrutura química é uma tironina com 4 iodetos ligados, resultando na molécula chamada de

T4. A tiroglobulina acoplada a molécula T4 é hidrolizada na tireóide e o hormônio T4 é

liberado na corrente sanguínea. Normalmente, nos vertebrados, o T4 é a tironina mais

circulante e é convertida a T3 com a remoção de um iodeto de seu anel externo pela tireóide

deiodinase antes de ser liberada da glândula tireóide (Norris, 2007). Os hormônios

tireoidianos são hidrofóbicos e, portanto, pouco solúveis em água, e da mesma forma como

os esteróides, atravessam facilmente as membranas celulares. No entanto, mesmo com

esta natureza existe um mecanismo de transporte específico para melhorar a circulação

destes hormônios da tireóide pelas membranas celulares. Na circulação os hormônios da

tireóide são transportados ligados a proteínas plasmáticas sendo estas ligações facilmente

reversíveis. Assim, que esta ligação é desfeita pela entrada do hormônio na célula, outras

moléculas do mesmo hormônio são ligadas nas proteínas plasmáticas. Várias e diferentes

proteínas séricas são capazes de se ligar e transportar os hormônios da tireóide, e somente

aproximadamente 1% destes hormônios são transportados livremente no plasma podendo

entrar no tecido alvo, por difusão ou por transporte mediado por carreador, ser

metabolizados no fígado e rins.

O mecanismo molecular da ação dos hormônios da tireóide é similar ao mecanismo

de ação descrito para estrógenos. Os hormônios da tireóide entram na célula alvo onde

migram para o núcleo e se ligam a receptores específicos. O dímero, formado pelo hormônio

e o receptor nuclear, promove o início da transcrição gênica resultando na síntese de

proteínas (Guyton e Hall, 2006). Receptores nucleares para os hormônios da tireóide têm

sido isolados e caracterizados em todos os grupos de vertebrados (Helbing e col.; 2006;

Brown e Cai, 2007). Normalmente, os receptores têm maior afinidade para o T3 do que para

os T4 (Fig. 3), apoiando a hipótese de que a conversão de T4 para T3 é requisito para a ação

do hormônio da tireóide, o T3 é mais ativo, mais relevante na fisiologia dos vertebrados

(Gross e Pitt-Rivers, 1952; Kistler e col., 1975; Norris, 2007; Sechman e col., 2009).

Adicionalmente, as células-alvo para os hormônios tireoidianos estão equipadas com uma

enzima específica, conhecida como deiodinase, que realiza essa conversão (Brown, 2005).

Os hormônios da tireóide, triiodotironina (T3) e tiroxina (T4), têm sua produção estimulada

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Neuroendocrinologia Comparada

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pelo TSH produzido na adenohipófise sob influência do hormônio hipotalâmico TRH (Guyton

e Hall, 2006; Norris, 2007).

Figura 3. Ação do hormônio da tireóide em células-alvo. Tiroxina (T4) e triiodotironina (T3)

facilmente difundem através da membrana celular. Grande parte da T4 é desiodada para formar T3,

que interage com o receptor do hormônio tireoidiano, ligado como um heterodímero com um receptor

de retinóide X. Isso faz com que aumente ou diminua a transcrição dos genes que levam a formação

de proteínas, sendo esta a resposta da célula-alvo dos hormônios tireoidianos (Modificado de Guyton

e Hall, 2006).

Alguns estudos têm mostrado que o hormônio CRH também age como o TSH

estimulando a produção de tireotropinas em vertebrados não mamíferos (Groef e col., 2006).

Em vertebrados, as tireotropinas têm atuação no desenvolvimento embrionário, na formação

do sistema nervoso, na regulação do metabolismo (Norris, 2007). Em anfíbios,

desempenham função importante na metamorfose, sendo extensivamente estudadas neste

contexto biológico, estando envolvidas no aparecimento de membros e desaparecimento da

cauda (Nishikawa e Yoshizato, 1986; Yaoita e Nakajima, 1997; Nakajima e Yaoita, 2003;

Brown e col., 2005), bem como na reestruturação de órgãos, reorganizando a pele

(Yoshizato, 1996), o sistema respiratório, o fígado, o trato digestório, desenvolvendo as

criptas viliais, o encéfalo e a medula espinhal, o sistema imune (Rollins-Smith, 1998), o

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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sistema hematopoiético, entre outros trabalhos. Shi (2000) escreveu um livro dedicado

exclusivamente a metamorfose em anfíbios. O primeiro experimento em anfíbios foi

realizado por Gross e Pitt-Rivers em 1925 quando a glândula tireóide de um girino foi

retirada e a metamorfose foi inibida. Desde então, tem sido identificados cada vez mais

mecanismos e relações de influência destes hormônios tireoidianos no desenvolvimento de

vertebrados (Brown e Cai, 2007).

Nos répteis e aves os hormônios T3 e T4 possuem importante papel na troca de

escamas e penas, além da influência no metabolismo. Em frangos, o TRH pode estimular a

produção e liberação de TSH bem como de GH, e o efeito do TRH nos dois hormônios

trópicos é inibido por outro hormônio hipotalâmico, a somatostatina (SS). A liberação do

TSH em anfíbios, répteis e aves é menos específica que o observado para mamíferos, uma

vez que sua liberação tem sido estimulada inclusive por hormônios exógenos como mGnRH

(hormônio liberador de gonadotropina de mamíferos), mGHRH (hormônio liberador de

hormônio de crescimento de mamíferos), e peptídeos como CRH-like (similar ao hormônio

liberador de corticotropina), sauvagina e urotensina I (Norris, 2007). Sechman e

colaboradores (2009) mostraram em estudos realizados com galinhas que hormônios da

tireóide estão envolvidos na regulação do eixo H-H-G nos processos associados com o

crescimento e maturação do folículo ovariano. É bem estabelecido que em aves que se

reproduzem sazonalmente os hormônios T3 e T4 desempenhem um importante papel na

regulação das mudanças gonadais fotoperiódicas (Follet e Nicholls, 1988; Wilson e Reinert,

1999, Sechman e col., 2009). Neste processo vários estudos têm evidenciado o aumento da

concentração dos hormônios sexuais no plasma e a diminuição da concentração de T3,

sendo estabelecida uma relação negativa entre a concentração plasmática do hormônio

tireóideano e a função ovariana durante a maturação sexual (Sechman e col., 2000).

Hormônios hipofisários

As gonadotropinas (FSH e LH) e tireotropina (TSH) são hormônios glicoprotéicos

compostos por duas subunidades a α (alfa) e a β (beta), sendo a subunidade α comum para

estes três hormônios e a β específica. O FSH promove a produção do óvulo e a secreção de

estrógenos nas fêmeas e nos machos auxilia na produção dos espermatozóides. O LH induz

a ovulação, produzindo os esteróides sexuais femininos: a progesterona e o estrogênio. O

LH, nos machos, promove a produção dos esteróides sexuais masculinos, primeiramente

testosterona. Estes três hormônios são encontrados em anfíbios, répteis, com exceção dos

Squamatas que foi encontrado somente o hormônio FSH, e aves. Foi visto que o LH de

sapo-boi estimula a tireóide de aves e répteis, destacando a similaridade destas moléculas e

suas ações, mantendo também sua influência no eixo gonadal (Norris, 2007).

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Neuroendocrinologia Comparada

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A prolactina (PRL) e o hormônio do crescimento (GH) são hormônios protéicos e

pertencem à mesma família de hormônios por apresentarem similaridades estruturais. A

prolactina, nos vertebrados apresenta cerca de 300 atuações distintas, além de seu papel

mais tradicional, nos processos reprodutivos, como cuidado parental, e em mamíferos com a

produção de leite, também controla os equilíbrios hídrico e eletrolítico, o desenvolvimento e

crescimento, o metabolismo, o comportamento. Além disso, é um mediador químico do

sistema imunológico, sendo importante na formação de novos vasos sanguíneos e,

diferentemente dos outros hormônios trópicos a prolactina age diretamente em tecidos alvo

e não através do estímulo de outros hormônios. Tem sido mostrado que a PRL desempenha

ação de promoção de crescimento em larvas de anfíbios, em alguns anfíbios como os

Anuros a PRL tem agido nas larvas como um hormônio anti-metamórfico. Em répteis este

hormônio foi pouco estudado, no entanto, em experimentos com Lacerta além de a PRL

estimular o crescimento também estimulou o apetite neste grupo de animais. Nas aves a

PRL apresenta vários papeis na reprodução, incluindo o desenvolvimento de uma porção

ventral depenada e altamente vascularizada durante a incubação dos ovos, realizando

assim a transferência de calor. Ainda sobre os aspectos reprodutivos e comportamentais a

PRL tem sido associada ao comportamento de cuidado parental em machos. Além disso,

estimula a nutrição, tendo importante papel na pré-engorda das aves migratórias, e também

é responsável pelo comportamento agitado destas aves no período que antecede a

migração. Em pombos, a PRL estimula a produção de um leite que é regurgitado para a

alimentação da prole (Norris, 2007).

O GH desempenha um papel vital no controle do crescimento do corpo através de

seu efeito estimulador na mitose celular, no metabolismo, especialmente nos novos tecidos

dos jovens vertebrados, e na síntese do RNA mensageiro e de proteínas. O hormônio do

crescimento age diretamente no crescimento e no metabolismo e indiretamente na produção

de um hormônio polipeptídico, o fator de crescimento insuliníco (IGF), ou somatomedina

produzida pelo fígado. Há uma grande similaridade nas propriedades físicas do GH de

anfíbios e mamíferos sugerindo uma considerável conservação deste hormônio na evolução

dos tetrápodes.

Os mecanismos de ação e função do ACTH entre os tetrápodes são muito

similares. A síntese do ACTH é estimulada pelo hormônio hipotalâmico CRH e tem ação nas

células corticotrópicas na glândula adrenal, influenciando no metabolismo de proteínas e

lipídeos e carboidratos, também pela produção de hormônios corticosteróides.

O único hormônio da adenohipófise produzido pela pars intermedia é o hormônio

estimulador de melanócitos (MSH). Assim como em peixes, em anfíbios e répteis, este

hormônio tem ação direta sobre o tecido epitelial promovendo a dispersão do pigmento

melanina no interior dos melanócitos, causando o escurecimento da pele. O MSH é

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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produzido nas células da pars distalis das aves já que o lobo intermediário é ausente, mas

sua função fisiológica neste grupo ainda é incerta. A coloração nesta classe de vertebrados

parece estar sob a influência e/ou controle de fatores vindos do eixo reprodutivo (GtHs e

esteróides gonadais), e da tireóide. O MSH e o ACTH são derivados de uma molécula

precursora que é transcrita e traduzida a partir de um único gene, a proopiomelanocortina

(POMC) (Norris, 2007).

Os dois hormônios sintetizados na pars nervosa são a mesotocina e a arginina-

vasotocina, são muito semelhantes quimicamente, pois sendo compostos por nove

aminoácidos diferenciam-se por apenas dois. Estes hormônios são, respectivamente,

homólogos à ocitocina e a arginina-vasopressina encontrados em mamíferos. Estes

hormônios estão entre os de ação mais rápida, pois são capazes de produzir uma resposta,

segundos após a sua liberação (Licht e col., 1984; Choy e Watkins, 1986; Nojiri e col., 1987;

Acher e col., 1995; Acher, 1996).

Entre estes dois os hormônios da PN, a arginina-vasotocina tem a distribuição

filogenética mais ampla, acreditando-se ser ele o hormônio original a partir do qual os

demais nonapeptídeos evoluíram (Tab. 1).

Tabela 1- Hormônios animais nonapeptídeos (Modif icado de Norris, 2007).

Peptídeos similares a vasopressina

Name Sequência de aminoácidos Grupos de animais

Arginine vasopressin C-Y-F-Q-N-C-P-R-G-NH2 Mamíferos

Lysine vasopressin C-Y-F-Q-N-C-P-K-G-NH2 Sui formes

Phenypressin C-F-F-R-N-C-P-K-G-NH2 Marsupiais

Arginine vasotocin C-Y- I-R- N-C-P-R-G-NH2 Não mamíferos

Lysine conopressin C-F- I-R- N-C-P-K-G-NH2 Moluscos gastrópodes,

sanguessugas

Insect diuretic hormone C-L- I-T- N-C-P-K-G-NH2 Gafanhotos

Peptídeos similares a Ocitocina

Name Sequência de aminoácidos Grupos de animais

Oxytocin C-Y-I-Q-N-C-P-L G-NH2 Mamíferos

Mesotocin C-Y-I-Q-N-C-P-I-G-NH2 Peixes pulmonados, anfíbios,

répteis, aves, alguns marsupiais

Isotocin C-Y-I- S-N-C-P-LG-NH2 Peixes ósseos

Aspargtocin C-Y-I-N-N-C-P-L G-NH2 Eslamobrânquios

Asvatocin C-Y-I-N-N-C-P-VG-NH2 Eslamobrânquios

Glumitocin C-Y-I-S-N-C-P-L G-NH2 Eslamobrânquios

Phasvatocin C-Y-F-N-N-C-P-VG-NH2 Eslamobrânquios

Valitocin C-Y-I-Q-N-C-P-VG-NH2 Eslamobrânquios

Annectocin C-F-V-Q-N-C-P-TG-NH2 Annelida – minhoca

Cephalotocin C-Y-F-Q-N-C-P-I-G-NH2 Octopoda

A arginina-vasotocina é um hormônio de controle hídrico, especialmente nos

anfíbios Anuros, nos quais age para a conservação da água promovendo o aumento da

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Neuroendocrinologia Comparada

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permeabilidade da superfície epitelial (a fim de promover a absorção a partir do meio),

estimulando a reabsorção da água na urina, na bexiga urinária e diminuindo o fluxo urinário.

A ação da arginina-vasotocina é mais claramente compreendida nos anfíbios, e parece

desempenhar um certo papel na conservação da água também nas aves e répteis. Para

estas três classes de vertebrados tem sido descrita a influência da arginina-vasotocina e da

mesotocina no comportamento sexual reprodutivo, pouco se sabe a respeito das funções

endócrinas da mesotocina nos vertebrados (Hollis e col., 2005, Norris, 2007).

Conclusão

O que foi exposto evidencia que a complexidade do sistema neuroendócrino nos

vertebrados e a diversidade de respostas fisiológicas e seus efeitos em um organismo é

reflexo da integração de todos os sistemas fisiológicos, tendo o hipotálamo e a hipófise

como mediadores fundamentais. Além disso, mais estudos a respeito dos efeitos destes

hormônios hipotalâmicos e hipofisários nestes grupos de vertebrados são necessários para

que as modulações de respostas fisiológicas sejam mais bem elucidadas também do ponto

de vista evolutivo.

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Neuroendocrinologia Comparada

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Sistema neuroimunoendócrino

Marina Marçola

Laboratório de Cronofarmacologia

[email protected]

No decorrer da evolução dos organismos, percebe-se que a organização celular

tende a atingir um grau de especificidade permitindo o agrupamento de células capazes de

desempenhar funções específicas e assim, formar os órgãos. Estes por sua vez, apesar de

manterem suas especificidades, se organizam de forma a permitir a integridade e

funcionalidade do sistema do qual fazem parte. Essa forma organizacional nos permite uma

visualização e compreensão anatômica e fisiológica desses sistemas.

De maneira geral, o sistema nervoso é responsável pelo controle das demais

funções do organismo. Cabe a ele receber inúmeras informações das diferentes partes do

corpo e integrá-las para determinar a melhor resposta a ser dada para o estímulo recebido.

Para que isso ocorra, existe uma maquinaria de alta complexidade que garante a

transmissão, o processamento e a armazenagem da informação. No Unidade 3

(Neurociências), você teve mais informações sobre a anatomia e funcionamento do sistema

nervoso. Juntamente com o sistema nervoso, o sistema endócrino também é responsável

pelo controle de várias funções do organismo, sobretudo as funções metabólicas, tais como,

velocidade de reações celulares e transporte de substâncias para o interior das células. Está

também associado ao controle da reprodução, crescimento corpóreo, ritmos biológicos entre

outros. Já o sistema imune desempenha o papel de defesa do organismo. Sua função é a

de reconhecer agentes estranhos e montar a resposta apropriada para combatê-los,

garantindo a homeostase do organismo (Guyton e Hall, 2006).

A Ciência até hoje conseguiu desvendar e descrever os sistemas no decorrer da

evolução dos organismos. Evidentemente que há muito que se descobrir da particularidade

de cada um deles, porém, atualmente tem-se direcionado a compreender a interligação

entre eles, garantindo que não só operem na sua particularidade, mas também interagem e

modulem entre si. Nesse sentido, enquadram-se os novos estudos direcionados à

compreensão do chamado Sistema Neuroimunoendócrino.

Os primeiros passos

Os antigos anciões gregos acreditavam na influência do cérebro sob a integridade

do organismo, dizendo que o estado da mente interferia no decurso da doença. Essa crença

perdurou por séculos até a descoberta dos antibióticos, quando se dizia que o tratamento da

doença se resumia na eliminação do ‘corpo estranho’ causador da infecção ou inflamação.

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Porém, ultimamente tem-se retornado aos princípios antigos, e novas descobertas abrem

precedentes que comprovam a integração do sistema nervoso e endócrino com a efetivação

e eficiência da resposta imune (Sternberg e Gold, 1997).

Já na década de 1970, Besedovsky e Sorkin, (1977) mostram que durante a

montagem de uma resposta imune são observadas mudanças no decurso temporal de

secreção de alguns hormônios (Fig. 1A) e na atividade elétrica de neurônios da porção

ventromedial do hipotálamo de ratos (Fig. 1B), sugerindo uma comunicação entre esses

sistemas.

Figura 1. (A) A injeção de 4x109 células vermelhas de ovelhas em ratos aumentou a secreção de corticosterona a partir do quinto dia após o tratamento. Animais controles, injetados com glóbulos vermelhos de ratos, não apresentaram mudanças significativas na secreção de corticosterona (barras brancas). (B) A injeção de 5x109 células vermelhas de ovelha aumentou os disparos de neurônios do hipotálamo no quinto dia após o tratamento com o antígeno. Animais tratados com salina (barras brancas) não sofreram alterações (Modificado de Besedovsky e Sorkin, 1977).

Hoje, já se sabe que os sistemas nervoso, endócrino e imune estão fisiológica e

anatomicamente interligados. As células desses sistemas estão equipadas com uma

maquinaria capaz de reconhecer sinais mútuos permitindo que essa comunicação

multidirecional ocorra. Células imunes produzem citocinas que são reconhecidas pelo

sistema nervoso o qual é capaz de regular imediatamente essa resposta. Essa comunicação

ocorre por sinalização nervosa ou por vias humorais (Sternberg e Gold, 1997; Chesnokova e

Melmed, 2002).

Comunicação bidirecional: resposta imune e sistema nervoso central

Durante uma resposta inflamatória, células do sistema imune são capazes de

produzir e liberar citocinas que sinalizam não apenas células do sistema imune, mas

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Neuroendocrinologia Comparada

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também células de outros tecidos e sistemas. Por ser um sistema difuso, células e

mediadores do sistema imune são capazes de sinalizar para diversas regiões do organismo,

seja via sanguínea ou linfática.

Até recentemente acreditava-se que o sistema nervoso central (SNC) era provido

de um privilégio que não permitia o recebimento e reconhecimento de sinalizações

imunológicas. De fato, a barreira hematoencefálica, além de outros mecanismos, garante

um grau de privilégio ao SNC, no entanto esse privilégio não acontece de maneira absoluta

(Galea e col., 2006). Fisiologicamente, essa barreira impede a passagem de certas

substâncias da corrente sanguínea para estruturas do SNC, porém, durante um processo

inflamatório ela se torna mais acessível, permitindo uma maior comunicação entre

elementos da periferia com elementos centrais. Assim, citocinas produzidas pelo sistema

imune são capazes de sinalizar diretamente células do SNC (Sternberg e Gold, 1997;

Chesnokova e Melmed, 2002; Galea e col., 2006).

Além desse contato direto, essas citocinas são capazes de estimular outras células

que estejam fora do SNC e próximas à barreira, como as células endoteliais, que revestem o

vaso sanguíneo, a produzirem mediadores que atingem facilmente o SNC, tais como

prostanglandinas e óxido nítrico (NO) (Fig. 2).

Figura 2. Frente a uma resposta inflamatória, a barreira hematoencefálica sofre

uma alteração que permite a passagem de certas citocinas que sinalizam

diretamente células do SNC. Além disso, tais citocinas estimulam células

próximas à barreira, tais como as células endoteliais, a produzirem mediadores

secundários, como NO e prostaglandina, os quais agem sobre as células no

SNC (modificado de Sternberg e Gold, 1997).

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As citocinas são capazes de estimular diretamente nervos periféricos, como o nervo

vago, levando o sinal rapidamente (na ordem de milissegundos) para o SNC (Sternberg e

Gold, 1997). Fibras do nervo vago possuem receptores para interleucina-1 (IL-1), mediador

inflamatório produzido por células imunes, cujo reconhecimento traduz uma sinalização

imediata para o SNC (Thayer e Sternberg, 2009). Outras evidências sugerem que algumas

regiões neurais expressam citocinas e seus respectivos receptores (Chesnokova e Melmed,

2002) e células progenitoras neurais possuem receptores de reconhecimento de padrões

moleculares que desencadeiam uma resposta imunológica (Rolls e col., 2007). Os dados

acima descritos corroboram com a idéia de que o SNC está equipado a receber as

sinalizações provindas de uma resposta imune e que isso pode ser feito de forma rápida e

eficaz.

Por outro lado, o SNC não apenas recebe, como também é capaz de responder

prontamente a tais estímulos. Borovikova e colaboradores (2000) demonstraram que a

acetilcolina in vitro, principal neurotransmissor do nervo vago, e o estímulo elétrico in vivo

deste nervo são capazes de diminuir a liberação de citocinas que favorecem a resposta

imune, as chamadas pró-inflamatórias, como por exemplo, o fator de necrose tumoral (TNF;

Fig. 3, Borovikova e col., 2000). Recentemente, essa via de resposta é conhecida como via

colinérgica anti-inflamatória (Rosas-Ballina e Tracey, 2009).

Assim sendo, percebe-se a existência de um reflexo nervoso que modula a

resposta imune. Resumidamente, existe um arco aferente estimulado por citocinas que leva

o sinal inflamatório para o SNC. A fim de prevenir danos teciduais durante a resposta

inflamatória, mediadores anti-inflamatórios são importantes para impedir uma resposta

exacerbada. A resposta enviada pelo SNC através de um arco eferente é um exemplo de

inibição da produção de mediadores pró-inflamatórios (Fig. 4, Rosas-Ballina e Tracey,

2009).

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Neuroendocrinologia Comparada

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Comunicação multidirecional: sistema imune e sistema neuroendócrino

Enquanto que a regulação nervosa da resposta imune ocorre de forma local e

regional, visto que a liberação de acetilcolina é feita nas terminações nervosas que inervam

órgãos e células imunes (Thayer e Sternberg, 2009), os hormônios se encarregam de fazer

essa comunicação de forma sistêmica, uma vez que caem na corrente sanguínea.

Eixo hipotálamo–hipófise–adrenal (H-H-A): o estresse e a resposta imune

O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (H-H-A) é o mais conhecido comunicador entre

sistema neuroendócrino e sistema imune. Sucintamente, o hipotálamo e outras regiões

produzem o hormônio liberador de corticotropina (CRH), o qual estimula a liberação do

hormônio adrenocorticotropina (ACTH) pela glândula hipofisária. Este estimula a glândula

adrenal a liberar corticosterona em ratos, e cortisol em humanos, conhecida pela sua

atuação nos mecanismos de estresse. Como feedback negativo, a corticosterona inibe a

produção de CRH (Fig. 5, Sternberg e Gold, 1997).

Figura 3. A produção de mediadores pró-inflamatórios por macrófagos estimulados com

lipopolissacarídeo (LPS, 100ng/ml) foi inibida pela incubação com acetilcolina nas

concentrações indicadas acima (A-C). A estimulação do nervo vago reduziu a

concentração de fator de necrose tumoral (TNF) no soro e fígado e o desenvolvimento

de choque endotóxico, induzido por LPS (15mg/kg). SHAM: animais falso-operados,

VGX: animais submetidos a vagotomia bilateral cervical (D-F; modificado de Borovikova

e col., 2000).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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A corticosterona tem propriedades anti-inflamatórias e age diretamente em diversos

alvos imunes. Classicamente, a corticosterona é conhecida pelos seus efeitos anti-

inflamatórios. Este hormônio é capaz de inibir a proliferação de linfócitos, estimular a

apoptose de neutrófilos e eosinófilos, inibir ou reduzir a expressão de inúmeras citocinas

pró-inflamatórias assim como de seus respectivos receptores (Sorrells e Sapolsky, 2007).

Durante uma situação de estresse, espera-se que a resposta imune seja

amenizada devido aos efeitos anti-inflamatórios da corticosterona. Porém, estudos recentes

têm demonstrado que em certas situações de estresse a resposta inflamatória é favorecida.

Isso acontece quando um estímulo estressor ocorre logo antes do desafio inflamatório, caso

contrário, quando o estresse é crônico, tem-se um efeito de impedir a exacerbação da

resposta imune. Esse efeito pró-inflamatório gerado em casos de estresse agudo pode ser

decorrente da atuação de catecolaminas, porém a corticosterona também pode mediar

alguns desses efeitos, provavelmente via ativação de receptor (Sorrells e Sapolsky, 2007).

Figura 4. Frente a um estímulo inflamatório, células imunes produzem citocinas que agem na

tentativa de solucionar o problema. Essas citocinas estimulam neurônios aferentes do nervo

vago que sinalizam o SNC. Este, por meio de um reflexo eferente modula a função imune,

impedindo uma exacerbação da resposta e conseqüente dano tecidual. Tal comunicação é

denominada via colinérgica anti-inflamatória (A; modificado de Rosas-Ballina e Tracey, 2009).

As células imunes são reguladas a partir do reconhecimento de acetilcolina (Ach) pelos

receptores (α7nAchR). Essa sinalização leva a inibição de fatores de transcrição responsáveis

pela síntese de citocinas pró-inflamatórias (B; modificado de: Pavlov e Tracey, 2006).

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Neuroendocrinologia Comparada

Julho/2010 Pág. 343

A produção de citocinas está também relacionada ao desenvolvimento e

amadurecimento do sistema endócrino, uma vez que a exposição à citocinas durante o

desenvolvimento intrauterino ou neonatal altera a funcionalidade de eixos endócrinos,

sobretudo o H-H-A. Além disso, a superestimulação do eixo H-H-A leva a uma

imunossupressão, aumentando a suscetibilidade à infecção (Chesnokova e Melmed, 2002).

Eixo imune-pineal: efeitos da melatonina no sistema imune

Outro modulador neuroendócrino e inflamatório é a melatonina. A melatonina é uma

indolamina sintetizada a partir da serotonina, através de uma acetilação catalizada pela

enzima aril-alquilamina-N-acetiltransferase (AA-NAT) e pela metilação da N-acetilserotonina

pela enzima hidroxiindol-O-metiltransferase (HIOMT) (Simmoneaux e Ribelayga, 2003). É

um hormônio produzido de forma rítmica pela glândula pineal. De maneira geral, o pico de

produção dessa indolamina ocorre durante a fase escura. O núcleo supraquiasmático (NSQ)

Figura 5. O eixo H-H-A está associado aos processos de estresse, mas também é um

dos principais comunicadores entre o sistema neuroendócrino e o sistema imune. O

hipotálamo quando estimulado, libera CRH que estimula a produção de ACTH pela

glândula pituitária. Este age sobre a glândula adrenal a qual produz coricosterona

(cortisol). Como uma resposta de feedback negativo, a corticosterona inibe a produção de

CRH pelo hipotálamo. Além de principal mediador do estresse, classicamente, a

corticosterona age sobre a resposta imune como um mediador anti-inflamatório

(modificado de Sternberg e Gold, 1997).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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recebe a informação fótica provinda da retina e funciona como um relógio central. A partir

dele, projeções são lançadas para outros osciladores periféricos, tais como a glândula

pineal. Dentre suas propriedades cronobiológicas, a melatonina é sinalizadora da

intensidade e duração do escuro, sendo responsável, portanto pela sinalização de ritmos

sazonais e circadianos (Simmoneaux e Ribelayga, 2003).

Existe também a produção extra-pineal de melatonina. Essa produção ocorre de

forma não rítmica ao longo do dia em medula óssea (Tan e col., 1999), trato gastrintestinal

de ratos (Bubenik e col., 1992), fígado, rim e baço de roedores e primatas (Menendez-

Pelaez e col., 1993), placenta humana (Lanoix e col., 2008) e células imunocompetentes,

como macrófagos da cavidade peritoneal (Martins e col., 2004), linfócitos humanos (Carrilo-

Vicco e col., 2004) e células do colostro humano (Pontes e col., 2006, 2007).

O ritmo diário de melatonina no sangue, onde é observado um aumento de cerca

de 100 vezes durante a noite, ocorre exclusivamente devido ao ritmo de produção da

glândula pineal (Markus e col., 2007). As demais fontes de produção estão envolvidas em

ações locais e sua produção tônica pode elevar de forma indiscriminada os níveis

plasmáticos tanto de dia quanto de noite.

Estudos recentes demonstram que a melatonina é capaz de agir sobre alguns

aspectos imunológicos, sobretudo na camada endotelial, em concentrações compatíveis

com sua produção noturna: reduz a adesão de neutrófilos e o aumento de permeabilidade

vascular induzido por leucotrieno B4 (Lotufo e col., 2006), o rolamento e adesão de

neutrófilos à camada endotelial (Lotufo e col., 2001) e a atividade da sintase de óxido nítrico

constitutiva (Silva e col., 2007).

Fisiologicamente, leucócitos circulantes estão equipados para agir caso necessário.

Porém a integridade vascular, sobretudo da camada endotelial, é mantida por diversos

mediadores que impedem a transmigração desnecessária desses leucócitos para o tecido. A

melatonina noturna e a corticosterona podem estar agindo nesse conjunto de mediadores.

Levando em consideração a produção rítmica desses hormônios, é importante que o

organismo tenha um mecanismo de resposta imune que não dependa das variações

rítmicas. Assim, durante a fase inicial da montagem de uma resposta inflamatória, o

organismo deve responder prontamente independente da hora do dia.

Considerando o paradigma acima, Markus e colaboradores, (2007) descreveram o

chamado eixo imune-pineal, que consiste na ação endócrina e parácrina da melatonina

sobre a resposta inflamatória. Durante a montagem da resposta inflamatória, a produção de

melatonina pela glândula pineal é inibida por mediadores pró-inflamatórios, tais como TNF,

permitindo a montagem de uma resposta rápida e eficiente (Markus e col., 2007). Hoje já se

sabe que a glândula pineal está equipada para o reconhecimento desta citocina (Cruz-

Machado e col., no prelo). No entanto, como dito anteriormente, a resposta inflamatória deve

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Neuroendocrinologia Comparada

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ser controlada para que não haja danos teciduais. Em um segundo momento, células

imunocompetentes localizadas próximo ao local da injúria são capazes de produzir

melatonina em altas concentrações agindo de forma parácrina nas células das proximidades

e colaborando com uma montagem anti-inflamatória da resposta (Fig. 6; Markus e col.,

2007). Estudos in vitro, demonstraram que a produção extra-pineal de melatonina

desempenha um papel protetor contra danos teciduais, visto que é capaz de reduzir a

síntese de NO (Tamura e col., 2009). Além do mais, existe uma alça que interliga as

glândulas adrenal e pineal. A corticosterona é capaz de aumentar a síntese de melatonina,

visando uma resposta mais apropriada frente a uma injúria (Fernandes e col., 2009).

Figura 6. O Eixo Imune-Pineal descreve a relação da resposta imune com as

propriedades da melatonina. Fisiologicamente, a melatonina noturna age sobre o

endotélio inibindo a transmigração de células imunes para o tecido. No entanto, o

organismo precisa responder prontamente ao estímulo inflamatório independente

da hora do dia. Na primeira fase da resposta inflamatória, citocinas pró-

inflamatórias (TNF) agem sobre a glândula pineal inibindo a síntese de

melatonina. Em um segundo momento, células imunocompetentes presentes no

local da injúria produzem melatonina que age localmente na tentativa de

solucionar o problema (modificado de Markus e col., 2007).

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Outra relação da melatonina está relacionada à manutenção funcional de certos

órgãos imunes. A remoção cirúrgica ou a perda da funcionalidade da pineal acomete a

manutenção de diversos órgãos imunes, tais como baço e timo. O tamanho desses órgãos é

reduzido nesses dois casos, e, portanto, seu papel funcional é comprometido. Em casos de

reposição da melatonina, essas situações são revertidas, visto que a capacidade

proliferativa de diversas células imunes é recuperada (Carrillo-Vicco e col., 2005).

3.3 – Eixo hipotálamo-hipófise-gônadas (H-H-G): Os hormônios reprodutivos e

o sistema imune

Para garantir a perpetuação da espécie, dois aspectos de relevância devem ser

tomados em conta. O primeiro é a capacidade do indivíduo de deixar descendentes que

carreguem seu código genético, e isso é garantido pelo sistema reprodutor, regulado por

diversos órgãos e mediadores endócrinos (ver capítulos acima). Já o segundo é a

capacidade de garantir sua própria sobrevivência frente a um processo que o ameaça, como

uma doença. Cabe ao sistema imune garantir esse aspecto. Dessa forma, considerando a

integridade dos organismos, existe uma correlação entre a incapacidade reprodutiva durante

um processo infeccioso (Morale e col., 2001; Tomaszewska-Zaremba e Herman, 2009).

A regulação endócrina do eixo reprodutivo é feita por hormônios produzidos pelo

hipotálamo, hipófise e gônadas, caracterizada como eixo hipotálamo-hipófise-gônadas (H-H-

G). Resumidamente, o hipotálamo produz o hormônio liberador de gonadodropina (GnRH)

que age sobre a porção anterior da hipófise, a qual produz e libera o hormônio luteinizante

(LH) e o hormônio folículo-estimulante (FSH), estes são responsáveis pela produção de

hormônios nas gônadas sexuais, tais como testosterona ou progesterona, os quais

completam a alça de feedback negativo inibindo a produção dos hormônios hipotalâmicos e

hipofisários (Guyton e Hall, 2006).

Como visto anteriormente, durante uma resposta inflamatória ocorre a ativação do

eixo H-H-A aumentando a liberação de corticosterona, por outro lado as atividades

reprodutivas são inibidas. Existem poucos estudos que interligam os hormônios sexuais com

a resposta imune. De maneira geral, a inibição nos níveis de GnRH e LH durante uma

resposta inflamatória pode estar associada ao aumento no nível de corticosterona, à

liberação de prostaglandinas e citocinas pró-inflamatórias como IL-1β. O efeito de TNF e IL-

6, assim como opióides, catecolaminas, neurotransmissores, óxido nítrico e prostaglandinas

na inibição desses hormônios ainda é contraditório (Fig. 7; Tomaszewska-Zaremba e

Herman, 2009).

Outro aspecto importante na intermodulação entre o eixo reprodutivo e o sistema

imune é a manutenção do período gestacional. Durante a gravidez é necessário uma

associação íntima entre estes aspectos. Para manter a gestação até o final do seu período

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correto é necessário que haja uma supressão do sistema imune para que o feto não seja

rejeitado antes do tempo, caso isso não ocorra, a probabilidade de um aborto é aumentada.

Estudos têm relacionado a participação da progesterona na regulação da resposta imune

durante a gestação (Morale e col., 2001).

Concluindo

Vimos que para a manutenção da integridade do organismo é necessário que os

sistemas estejam interligados entre si garantindo uma regulação recíproca que visa a

continuidade do equilíbrio homeostático. Quando essa harmonia é rompida é importante que

todo o organismo esteja apto a reconhecer os sinais e respondê-los de maneira organizada

e eficiente. Neste contexto vimos que os sistemas Nervoso, Endócrino e Imune se

organizam e comunicam mutuamente para garantir o perfeito funcionamento do organismo.

Figura 7. Durante uma resposta inflamatória as atividade reprodutivas são inibidas devido a

diminuição nos níveis de GnRH e LH. Ainda não está muito esclarecido com é feito essa

inibição. Estudos indicam que o reconhecimento de citocinas como IL-1β por estruturas do

SNC é o responsável. Por outro lado, a ação de opióides, catecolamindas, GABA, óxido

nítrico (NO) e prostaglandinas, assim como o reconhecimento do estímulo inflamatório

(LPS) diretamente pelo SNC podem estar associados à modulação dos hormônios sexuais,

porém ainda não estão muito bem descritos (modificado de Tomaszewska-Zaremba e

Herman, 2009).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 358 Julho/2010

Page 369: Fisiologia comparada USP 2010

Unidade 6

Ecotoxicologia Aquática

Tiago Gabriel Correia

Lab. de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos

[email protected]

Em sua definição clássica, a ecotoxicologia é a “Ciência que estuda os efeitos

das substâncias naturais ou sintéticas sobre os organismos vivos, populações e

comunidades, que constituem a biosfera, incluindo assim a interação das

substâncias com o meio nos quais os organismos vivem num contexto integrado”.

Neste módulo serão abordadas as consequências fisiológicas tanto para

invertebrados como para vertebrados, resultantes da exposição a alguns metais, tais

como Al, Mn, Zn, Cu e Cd. Entre os principais efeitos apresentados, destacam-se o

transporte de Cd e Cu nas brânquias de crustáceos e a interface com os

ecossistemas marinho e estuarino, a interferência do Al e Mn como possíveis

agentes causadores de desequilíbrio metabólico e as implicações para a

sobrevivência e reprodução, além de disfunções sobre o eixo hipotálamo – hipófise –

gônadas de teleósteos nas vias de síntese hormonal sistêmica e neural.

Page 370: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 360 Julho/2010

Capítulo 29 Metal não essencial: o cádmio e seus efeitos pág. 361

Priscila Ortega

Revisado pela Dra Flavia Pinheiro Zanotto

Capítulo 30 Transporte de Metais Essenciais em Organismos Aquáticos: o cobre e

o zinco pág. 371

Marina Granado

Revisado pela Dra Flavia Pinheiro Zanotto

Capítulo 31 Efeitos da toxicidade de metais no metabolismo de organismos

aquáticos pág. 381

Vanessa Ap.Rocha Oliveira Vieira

Revisado pela Dra Renata Guimarães Moreira

Capítulo 32 Alterações neuroendócrinas resultantes da exposição a metais

pág. 395

Tiago Gabriel Correia

Revisado pela Dra Flavia Pinheiro Zanotto

Bibliografia pág. 407

Page 371: Fisiologia comparada USP 2010

Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 361

Metal não essencial: o cádmio e seus efeitos

Priscila Ortega Laboratório de Fisiologia Comparada

[email protected]

O cádmio

Os metais, de maneira geral, são distinguidos entre essenciais e não essenciais.

Metais essenciais, como o cobre e zinco, estão associados com mecanismos bioquímicos,

que, dentro de limites, tendem a assegurar uma concentração fixa do metal dentro de um

tecido particular. Os metais não essenciais, como o cádmio e o mercúrio, por sua vez, não

são regulados, então, a concentração interna varia de tecido para tecido de acordo com a

exposição (Turoczy e col., 2001).

O cádmio é um poluente ambiental que aumentou sua importância nos últimos anos

devido a industrialização, ao fumo e à falta efetiva de terapias para a contaminação por

cádmio. Em geral, a população é contaminada por este metal através da exposição a águas

e alimentos contaminados (Jeong e col., 2000). Ele é um dos metais que frequentemente

ocorre combinado com o zinco em uma taxa de zinco/cádmio de 1 para 100, sendo um raro

elemento que pode ser encontrado acumulado no corpo, principalmente no fígado e rins,

onde apresentam entre 50-75% do total de acúmulo do metal, devido aos seus processos de

detoxificação (Fasset, 1975). Por isso, animais terrestres, marinhos e animais de água doce

apresentam a maioria do cádmio acumulado em fígado, rim e glândulas digestivas.

Suas características típicas são uma coloração branco ou acinzentado, dúctil à

temperatura ambiente. É um bom condutor de calor e eletricidade, não reagindo com o

oxigênio do ar e, geralmente, está associado ao zinco. Sua massa atômica é de 112,40

gramas e número atômico 48, possuindo distribuição eletrônica terminada em 5s2 4d10.

Dessa forma, o cádmio é considerado um metal de transição devido à sua distribuição

eletrônica, apesar de muitos autores descrevê-lo como um metal pesado, levando em

consideração sua massa atômica e todos os seus efeitos nocivos nas células e tecidos em

que pode se acumular (http://www.tabela.oxigenio.com, acessado em 02/05/2010).

Este metal é tóxico, sendo encontrado em pilhas e baterias, além de dejetos industriais

descartados no meio ambiente, não possuindo uma função fisiológica conhecida. Ele pode

atingir cursos de água e até mesmo manguezais, onde o descarte de lixo vem crescendo a

cada ano.

Page 372: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 362 Julho/2010

Figura 1: Localização do elemento químico cádmio na Tabela Periódica

(www.mundofisico.joinville.udesc.br/PreVestibu..., acessado em 02/05/2010).

Ele pertence ao grupo II B da Tabela Periódica, com valência +2, tendo

aproximadamente o mesmo raio iônico (0,92 Å) do íon cálcio. Assim, o cádmio poderia

competir com o íon pelos canais de cálcio para entrar nas células.

Além disso, o cádmio pode substituir o zinco e cobre (por possuírem a mesma

valência) como co-fatores ou em funções enzimáticas. Ele ainda induz a produção de

metalotioneínas, proteínas sequestradoras de metais.

Os crustáceos

Os crustáceos pertencem a um grupo diversificado de organismo, estando presentes

em diversos hábitats: estuarino, marinho, dulcícola e terrestre. Ao longo da evolução destes

organismos, surgiram adaptações especializadas das células epiteliais encontradas nas

brânquias, tegumento, hepatopâncreas e glândula antenal (análogo ao rim), para a

regulação e passagem de moléculas e íons entre o meio externo e a hemolinfa (Ahearn e

col., 1999; Monteilh-Zoller e col., 1999). Isso faz com que esse grupo apresente sucesso

adaptativo em ambientes tão diversos, mesmo em ambientes com contaminação por metais

pesados.

Assim, os crustáceos possuem uma variedade de formas de detoxificação celular que

reduzem a concentração de metais potencialmente tóxicos encontrados no ambiente. Essas

formas incluem: (1) mecanismos fisiológicos regulatórios que equilibram taxas de excreção e

ingestão de metais do ambiente (Ahearn e col., 1999); (2) mecanismos de sequestro

intracelular de metais que envolvem locais de união de alta afinidade com proteínas de

baixo peso molecular conhecidas como metalotioneínas, seguida por sua eliminação pela

Page 373: Fisiologia comparada USP 2010

Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 363

membrana lisossomal (Ahearn e col., 1999); e (3) processos de sequestros intracelulares de

metais envolvendo vacúolos específicos contendo grânulos metálicos fosfóricos ou

sulfurosos que subsequentemente são eliminados por exocitose (Ahearn e col., 2004).

Contudo, metais não essenciais, como o cádmio, podem ser capturados e acumulados em

invertebrados marinhos através da água ou dieta contaminada (Nuñez-Nogueira e Rainbow,

2005).

Por isso, a concentração do metal depende de fatores como a espécie de crustáceo

estudada, a localização, a dieta, o tamanho, o sexo do animal e o tipo de tecido. Quando

animais de espécies diferentes são comparados, nota-se uma diferença significativa na

concentração de metal detectada. Em espécies particulares, o tamanho dos animais e o tipo

de tecido são fatores significantes para o acúmulo de metal, mas aparentemente o sexo dos

animais não parece ter importância (Turoczy e col., 2001).

Acumulação de cádmio em tecidos de crustáceos

O cádmio, por não apresentar qualquer função fisiológica conhecida, pode acumular

em tecidos de acordo com a concentração externa do metal, não sendo evidenciada

qualquer regulação interna em animais, causando toxicidade inclusive em baixas

concentrações (Playle e col.., 1993). Efeitos tóxicos podem ser encontrados com a

acumulação do excesso do metal, tornando-se metabolicamente disponível e agindo na

destruição de processos celulares (Harris e Santos, 2000). O acúmulo de mercúrio e zinco

em alguns tecidos aumenta com o tamanho do caranguejo, sendo encontradas altas

concentrações destes metais principalmente na carapaça. Altas concentrações de cobre,

mercúrio e zinco são encontrados no tecido muscular, enquanto que altas concentrações de

cádmio são encontradas no hepatopâncreas, indicando que o acúmulo do metal depende do

tipo de dieta do animal (Turoczy e col., 2001). O que se sabe, atualmente, é sobre acúmulo

do metal no hepatopâncreas de crustáceos. Este acúmulo se dá em maior quantidade

quando comparado com as brânquias.

Outros aspectos importantes devem ser citados, como é o caso de alterações na

resposta imune de mexilhões resultante da exposição ao cádmio. Por ser moluscos bivalves,

os mexilhões são organismos indicadores de poluição do ambiente, pois são filtradores,

possuindo sistema circulatório aberto exposto às flutuações do ambiente e a fatores

contaminantes. Seu sistema imune pode representar o estado de sua saúde, refletindo o

grau de poluição a que está submetido. As células imunes, principalmente hemócitos,

desempenham um papel principal na defesa do organismo. Os antígenos estimulam a

migração de hemócitos, seguido pela fagocitose e degradação intracelular do patógeno por

enzimas líticas ou pela produção de metabólitos reagentes ao oxigênio (Coles e col., 1995).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 364 Julho/2010

Assim, com a exposição ao cádmio, o número de hemócitos circulantes aumenta. Isto

leva a um aumento na produção de radicais superóxidos pelos hemócitos, que desempenha

um importante papel na morte intra e extracelular de patógenos invasivos na célula. Este

excesso de radicais superóxidos acarreta na intoxicação da própria célula (Coles e col .,

1995).

Exceto o cádmio, com a permanência dos animais em ambientes poluídos, seus

processos regulatórios são ajustados para conter os efeitos do metal e para manter a

homeostase. Assim, alguns sistemas fisiológicos desenvolvem uma “resistência” à presença

de metais tóxicos (Harris e Santos, 2000). Desse modo, peixes expostos a metais pesados

podem apresentar suas brânquias danificadas e afetar as suas funções respiratórias e

regulação iônica. Já em Oncorhynchus mykiss, longas aclimatações em ambientes com

exposição ao cobre podem resultar na restauração da atividade da Na/K ATPase (Harris e

Santos, 2000).

A tabela a seguir retrata os tecidos que sofrem acumulação por metais e a ordem de

crescimento deste acúmulo em diferentes caranguejos estudados previamente.

Transporte de cádmio

Poucos estudos foram realizados com as células do hepatopâncreas de crustáceos,

por isso, assim como em células de brânquias, a interação do cádmio com as células ainda

é pouco conhecida. Acredita-se que o contato com o metal se dá através da alimentação e

da entrada de água. Vários estudos mostram que altas concentrações de cádmio podem ser

letais para vários animais, principalmente crustáceos, possibilitando a ocorrência de efeitos

fisiológicos adversos, especialmente na respiração e osmoregulação. Assim, as brânquias,

como órgão responsável pela respiração, regulação ácido-base, regulação osmótica e

iônica, ao entrar em contato com altas concentrações do metal, podem sofrer danos

morfológicos resultando em deficiência respiratória e osmoregulatória.

Estudos focam na retirada de cádmio do meio aquático e sua acumulação, mas pouco

se sabe sobre seu transporte celular. As respostas tóxicas dos metais geralmente envolvem

aspectos geoquímicos, pois a competição e a complexação desses metais pode interferir

com a quantidade de metal livre disponível na água, afetando a biodisponibilidade para os

animais expostos (Matsuo, e col., 2005).

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Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 365

Tabela 1: Resumo dos estudos realizados com diferentes concentrações de metais

acumulados nos tecidos em caranguejos (modificado de Turoczy e col., 2001).

Em crustáceos, a aparente retirada de metal ocorre através das brânquias. Silvestre e

colaboradores (2004) estudaram no caranguejo Eriocheir sinensis o influxo de cádmio em

brânquias perfundidas. Além disso, observa-se que o cálcio compete com o cádmio e o

influxo deste último aumenta com a retirada de cálcio do meio externo, aumentando a

toxicidade do cádmio. A retirada de sódio do meio parece inibir a entrada de cádmio em

brânquias perfundidas de caranguejos (Silvestre e col.., 2004). Em anfípodas, o cádmio

diminui o influxo de sódio. Isso sugere que o cádmio pode entrar nas células epiteliais por

trocadores de cálcio, como o Na/Ca. Outro aspecto importante é que o cádmio poderia

passar pelo epitélio através das difusões paracelulares, junções ou entradas transcelulares.

Já no caranguejo Carcinus maenas em pós-muda, observou-se que o cádmio é retirado do

meio via canais de cálcio localizados na membrana apical das brânquias (Bondgaard e

Bjerregaard, 2005).

Em peixes, cátions metálicos se acoplam às brânquias e determinam a toxicidade do

metal (Matsuo, e col.., 2005). O cádmio causa alterações na homeostase do cálcio,

envolvendo competições entre os dois íons pelo canal de entrada do cálcio, provavelmente

contido nas células de cloreto das brânquias dos peixes (Matsuo, e col., 2005), além de

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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interromper a homeostase de cálcio através da inibição de canais Ca-ATPase basolaterais

nestas mesmas células (Matsuo, e col., 2005).

Figura 2: Possível transporte de cádmio em células estriadas de crustáceos eurialinos.

Em resumo, o cádmio parece entrar em células de crustáceos e peixes via canais para

cálcio, trocadores Na/Ca e via Ca-ATPase, embora não haja estudos em nível celular para o

transporte de cádmio utilizando-se de inibidores específicos para cada tipo de transportador.

Interação do cádmio com a salinidade

Vários estudos realizados com peixes e invertebrados marinhos demonstram um alto

grau de variabilidade na entrada e acumulação de metais. Em crustáceos, as respostas

metabólicas e fisiológicas à exposição de cádmio são altamente afetadas pelas condições

dos animais experimentais e pelo estágio do ciclo da muda. No entanto, a acumulação e

efeitos tóxicos do cádmio parecem aumentar em ambientes com baixas salinidades ou

baixos níveis de cálcio. Isso se dá devido à competição entre o cádmio e cálcio por sítios de

ligação, além das taxas de entrada e retorno de íons que aumenta em caranguejos expostos

em meios diluídos (Zanders e Rojas, 1996).

Acredita-se que o influxo de Cd é dependente da salinidade, porém há resultados

contraditórios. Por exemplo, enquanto a acumulação de cádmio em tecidos e no

exoesqueleto em Carcinus maenas se mostra inversamente relacionado com a salinidade

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Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 367

externa ou concentrações de cálcio, encontram-se caranguejos em localidades marinhas

que apresentam alta acumulação de taxas do metal na hemolinfa em relação a aqueles

situados em estuários (Zanders e Rojas, 1996).

No entanto, muitos estudos mostraram que a acumulação e os efeitos tóxicos do

cádmio aumentam em ambientes com baixas salinidades ou baixos níveis de cálcio

(Zanders e Rojas, 1996). Quando há diminuição de salinidade, a quantidade de Cd livre no

meio aumenta, tornando-o mais tóxico por não se complexar com íons de cloreto que ficam

indisponíveis em baixa salinidade. Como o cádmio compete com o cálcio por sítios de

associação, em baixas concentrações de cálcio há a maior entrada de cádmio,

principalmente em animais que estão em meios diluídos.

Estes metais, em geral, são fortes inibidores da anidrase carbônica, enzima

responsável pelas trocas gasosas. A anidrase carbônica é uma enzima central nos

processos integrativos de transporte iônico e osmorregulação em crustáceos eurialinos, e a

inibição dessa enzima poderia potencialmente afetar a regulação de múltiplos íons de

maneira indireta.

A tabela abaixo demonstra concentrações de cádmio encontradas em diferentes

salinidades, resultando no acúmulo do metal em órgãos em salinidades menores,

comprovando a competição entre os íons cádmio, cálcio e sódio.

Tabela 2: Concentração de cádmio em vários tecidos de caranguejos aclimatados em diferentes

salinidades (125 ou 25) e expostos a diversas concentrações de cádmio (modificado de Zanders e

Rojas, 1996).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Interação do cádmio com órgãos de mamíferos

Atualmente tem-se considerado o cádmio como um contaminante ambiental. O

reconhecimento de propriedades metalúrgicas disponíveis para o Cd, como a resistência à

corrosão, conduziram ao aumento da produção do metal após 1910 (Fasset, 1975).

Exposição de trabalhadores à fumaça de óxidos foi reconhecida por ser a causa de

agudas e, às vezes, fatais edemas pulmonares. A atenção foi voltada para doenças renais e

enfisemas em trabalhadores expostos ao pó de óxido de cádmio por longos períodos em

fábricas de baterias. Assim, físicos japoneses estudaram uma única doença que afetava

mulheres idosas. A doença era caracterizada por osteomalacia, proteinúria e glicosúria em

mulheres que viveram muito tempo em lugares contaminados. Concluiu-se que a doença

teria sido causada por um grande aumento na exposição ao cádmio e possíveis outros

metais contaminando a água e arroz, associados a baixas ingestões de cálcio, vitamina D,

estresse da gravidez e lactação (Fasset, 1975). A doença foi denominada de Itai-Itai devido

à severas dores nos ossos.

Nesta época, estudos bioquímicos e toxicológicos mostraram que pequenas

quantidades de cádmio absorvidas normalmente tendem a ser retidas por longos períodos,

particularmente no rim. A descoberta de ligantes protéicos específicos no fígado e rim, e

várias interações entre cádmio, zinco e cobre conduziram a um aumento no interesse da

toxicologia do cádmio e de como este poderia desempenhar um papel importante na

hipertensão (Fasset, 1975). Assim, muitas pesquisas envolvendo formações de complexos e

ligantes foram desenvolvidas para se tentar entender a dinâmica do metal.

Atualmente, os principais estudos envolvendo mamíferos foram feitos com ratos e

camundongos. Seus efeitos foram encontrados nos rins, fígado e testículos. Em testículos, o

cádmio pode ser transportado de forma oportunista para o interior de suas células

endoteliais vasculares, resultando em um aumento da acumulação celular e toxicidade, e

formação de células cancerosas (Dalton e col.., 2005). É conhecido que a necrose testicular

induzida por cádmio é comum em várias espécies de animais como roedores, sapos, peixes,

entre outros. Os eventos celulares que precedem a toxicidade testicular induzida por cádmio

indicam que células endoteliais vasculares são danificadas primeiramente, causando, talvez,

os eventos. Dados sugerem que o gene Cdm produz o ZIP8 responsável pelo transporte de

íons como manganês e, talvez o zinco. Desse modo, o cádmio seria transportado de forma

oportunista para o interior de células endoteliais vasculares do testículo resultando no

aumento da acumulação e toxicidade do íon nas células (Dalton e col.., 2005).

Nos rins, o cádmio pode ter uma possível relação com a hipertensão. Estudos feitos a

partir de autopsias mostram uma grande taxa de acúmulo de cádmio, ou do complexo

zinco/cádmio em pessoas com hipertensão (Fasset, 1975). Ratos e coelhos que foram

tratados com cádmio também desenvolveram um quadro de hipertensão. Porém, esses

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Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 369

resultados não foram confirmados já que outras pesquisas evidenciaram que o cádmio

poderia não participar da hipertensão, pois isto poderia estar relacionado com o fumo, a

idade, o sexo e patologias renais (Fasset, 1975).

Outro aspecto relacionado com a patologia renal é a proteinúria. Ela é considerada por

ser o primeiro sinal de disfunção nos túbulos renais, quando níveis de cádmio acumulado no

córtex renal alcançam taxas de 200 ppm (Fasset, 1975). Atualmente, o principais danos nos

rins se dão nos túbulos renais associados com numerosos tumores em animais de

laboratórios e humanos (Jeong, e col.., 2000).

O fígado é um dos principais órgãos alvos da toxicidade do cádmio. Os danos

causados no fígado através da exposição aguda ao cádmio são caracterizados por apoptose

e necrose. Os danos morfológicos refletem nos altos níveis de enzimas serosas do fígado

como: alanina aminotransferase (ALT) aspartato aminotransferase (AST) e sorbitol

dehidrogenase (SDH). Já os efeitos crônicos da toxicidade por cádmio manifestam

primeiramente como inflamações granulomatoses, proliferação celular, hiperplasia nodular e

apoptose (Jeong, e col.., 2000).

No fígado, assim, o cádmio pode induzir uma disfunção na homeostase tecidual, ou

seja, uma modificação na proliferação e morte celular. Isso indica que as junções gap são

alteradas ou inibidas pelo acúmulo de cádmio. As junções gap são comunicações

intercelulares que regulam a homeostase celular através da passagem de moléculas

solúveis em água de baixo peso molecular. Elas consistem na reunião de proteínas

conhecidas como conexinas, sendo importantes na regulação da proliferação celular,

diferenciação e morte, desenvolvimento embriônico e carcinogênese (Jeong, e col.., 2000).

Assim, o cádmio induz a morte celular (apoptose e necrose) e a proliferação celular

(regeneração celular) através da exposição aguda. A exposição crônica de cádmio também

induz a morte celular (apoptose) e a proliferação celular (regeneração celular e hiperplasia

nodular). O rompimento da homeostase do tecido pelo cádmio sugere que as junções gap

são alteradas pelo cádmio (Jeong e col.., 2000).

Essa alteração ou até mesmo inibição das junções gap pode acarretar o

desenvolvimento de tumores. Além disso, o cádmio pode causar o rompimento da actina do

citoesqueleto, que forma a rede de microfilamentos das células e são altamente associadas

com as junções gap. Isto resulta na mudança estrutural das junções intercelulares,

destruição das junções ou até mesmo na sua internalização (Jeong e col., 2000).

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Ecotoxicologia Aquática

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Transporte de Metais Essenciais em Organismos

Aquáticos: o cobre e o zinco

Marina Granado Laboratório de Fisiologia Comparada de Crustáceos

[email protected]

Introdução Durante a evolução, organismos aquáticos e terrestres desenvolveram diversas

estratégias para manutenção do equilíbrio das relações de íons de metais presentes e

viáveis no meio ambiente. As células selecionam íons necessários para o desenvolvimento

e excluem aqueles que não o são e posteriormente mantém a concentração interna dos íons

em situação ótima (Perales-Vela e col., 2006).

Metais são tomados e acumulados por organismos aquáticos, tanto através do meio

em que vivem, quanto através da dieta. Muitos metais traço atuam como metais essenciais

no metabolismo, mas todos eles possuem potencial para causar efeitos ecotoxicológicos

(Rainbow, 2000). Foi concluído que metais traço dissolvidos podem também ser tomados de

acordo com o habitat e por último, depende do grau de adaptação de animais aquáticos à

água salgada, salobra ou doce (Rainbow, 2000). Metais traço acumulados requerem

detoxificação fisiológica, tipicamente pela ligação com grânulos inorgânicos de alta

afinidade, frequentemente com base fosfato, ou por ligação com uma proteína

detoxificadora, como metalotioneína ou ferritina (Rainbow, 2000).

Nas águas não poluidas, os animais obtêm muito do cobre necessário pela absorção

através da alimentação e consequentemente a tomada de cobre pelas brânquias é a de

menor contribuição para o total de cobre presente no organismo como um todo (Campbell e

col., 1999). No entanto, a situação é muito diferente em águas poluídas com cobre, onde as

brânquias de truta arco íris podem apresentar aumento de 10% no acúmulo de cobre em

intervalo de poucas horas de exposição e simultaneamente há registro de aumento da

concentração de cobre no sangue destes animais (Campbell e col., 1999).

Metais traço, incluindo os definidos como metais pesados, oriundos da atividade

industrial e mineira são descartados nas águas costeiras e estuarinas em diversos locais.

Os derivados descartados antropogenicamente podem acumular em sedimentos locais (até

5 vezes mais do que na água) e os invertebrados que habitam tais sedimentos estão

potencialmente expostos às altas concentrações de metais (Harris e Santos, 2000).

Metais de transição (Cu, Zn, Fe, Co, Se, Mn) são essenciais para a saúde da maioria

dos organismos, formando componentes integrantes de proteínas envolvidas em todos os

aspectos das funções biológicas. Sua ubiqüidade é “governada” por suas habilidades de

formar uma gama grande de coordenadas geométricas e estados de redox, que permitem a

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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esses elementos a interação com muitas entidades celulares, atuando ambiguamente na

respiração celular, transporte de oxigênio, estabilidade protéica, “limpeza” de radicais livres,

e ação de diversas enzimas celulares, bem como transcrição de DNA (Bury e col., 2003).

A superfície dos crustáceos é coberta por uma cutícula secretada pelas células do

epitélio exterior. Pequenos crustáceos são tipicamente permeáveis como um todo,

enquanto que grandes malacostracas podem restringir a permeabilidade para regiões

selecionadas, como as brânquias. A cutícula impermeável atua como um local para

absorção passiva de metais pesados para o corpo do crustáceo e não serão considerados

neste texto (Rainbow, 2000).

Abaixo da cutícula, a membrana celular do epitélio consiste numa barreira para

entrada de metais, como funciona para entrada de químicos para qualquer célula,

protegendo os caminhos bioquímicos do organismo dos químicos provenientes do ambiente

(Rainbow, 2000).

Hepatopâncreas

O hepatopâncreas está envolvido numa variedade de processos fisiológicos que

incluem secreção de suco digestivo, absorção e estoque de alimento como tambem

detoxificação e estoque de metais pesados. Possui ainda a capacidade de concentrar

metais oriundos da hemolinfa e do trato digestório e estocá-los em vacúolos intracelulares

das células F e R e este é o maior órgão de detoxificação ao lado da glândula antenal, que é

análoga aos rins (Alcorlo e col., 2006).

Figura 1 - Vista ventral de um crustáceo, onde é visualizado estômago,

hepatopâncreas, músculo e intestino.

http://resweb.llu.edu/sdunbar/students/epidermis_removed.jpg (04/05/2010).

Brânquias

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Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 373

As brânquias representam um órgão vital para organismos aquáticos com função

indispensável no transporte iônico. Os prejuízos estruturais ocorridos devido à presença de

cobre inclui a “demolição” das estruturas celulares e anormalidades das barreiras de

absorção e transporte. Dessa maneira, essas alterações afetam a fisiologia do animal,

como as trocas de oxigênio e íons nas brânquias. O epitélio branquial é basicamente uma

camada única de células e a habilidade adaptativa para se “recuperar” dos danos causados

pelos metais pesados é restrita (Yang e col., 2007).

Para muitos animais aquáticos, as brânquias são um órgão muito importante para a

manutenção da vida. Em animais marinhos, as brânquias são cruciais para respiração,

excreção, balanço acido-base e regulação iônica e osmótica (Wu e Chen, 2004).

Sendo a primeira proteção nos animais aquáticos, as brânquias são imediatamente

expostas ao ambiente externo e consiste no primeiro órgão exposto aos poluentes quando a

água está contaminada (Wu e Chen,2004).

Figura 1: Brânquias de um peixe retiradas por completo.

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/b/bc/Tuna_Gills_cut_out.jpg/250px-

Tuna_Gills_cut_out.jpg (04/05/2010).

Membrana celular

A membrana celular é uma bicamada de lipídeos, com grupos hidrofóbicos

direcionados para o lado interno e grupo hidrofílico para o lado externo da camada. A

membrana celular também contem diversas proteínas e estas são essenciais para

passagem através da membrana de moléculas hidrofóbicas e íons, incluindo metais traço

(Rainbow, 2000).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 374 Julho/2010

Figura 2: Desenho esquemático de um filamento branquial de crustáceo. Modificado de: Freire e col.,

2008.

Várias possibilidades de rotas têm sido propostas para o transporte de metais traço

através da membrana citoplasmática. São 4 rotas principais: (a) transporte mediado por

carreadores onde o metal se liga à membrana que possui uma proteína e é transportado

através da membrana. Já no citosol, o metal se liga a uma proteína e é carreado

cineticamente; (b) transporte através de canais de proteínas onde os íons de metal são

transportados por gradientes hidrofílicos; (c) difusão passiva do metal lipossolúvel (não

polar) através da bicamada lipídica; (d) endocitose, onde há o engolfamento de partículas e

sua transferência para vesículas intracelulares. Essas duas últimas rotas são

provavelmente de menor importância para a tomada típica de metais pesados da solução

(Rainbow, 2000).

Fora da membrana apical, o ion metal precisa ser apropriado quimicamente para entrar

pelo canal da membrana ou ligado em proteínas da membrana. Geralmente são

considerados biodisponíveis quando estão na forma livre e na forma hidratada. Não entendi

bem aqui!

Diversos estudos com tecido epitelial indicaram que a membrana plasmática,

mitocondrial e lisossomal possuem proteínas que atuam no transporte de cálcio e de metais

pesados como zinco, cádmio e cobre, tanto quanto atuam no transporte de cálcio. Desse

modo existem mecanismos regulatórios da atividade intracelular que pode ser interrompida

ou até mesmo abolida na presença de concentração significativa de metais pesados

(Mandal e col., 2005).

Page 385: Fisiologia comparada USP 2010

Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 375

Figura 4: Esquema da membrana celular, demonstrando o glicocálice, proteínas transmembranas,

lados hidrofílico e hidrofóbico.

(http://recursos.cnice.mec.es/biosfera/alumno/2bachillerato/La_celula/imagenes/membrana_pl

asmatica_bort.gif) (04/05/10)

Cobre

A natureza redox do cobre é utilizada em um grande número de processos

enzimáticos, incluindo a catalização pelo citocromo c mitocondrial, o qual faz do cobre um

elemento essencial para as células aeróbicas dos organismos. No entanto, as propriedades

redox do cobre podem causar rapidamente a geração de oxigênio reativo quando os níveis

celulares de cobre são elevados (Grosell e Wood,2002). O cobre é um dos nutrientes

essenciais necessários para a síntese de hemocianina nos crustáceos. O cobre é requerido

para funções biológicas normais de diversas proteínas, incluindo muitas das enzimas

necessárias para o crescimento e desenvolvimento. No entanto, o excesso de cobre é

toxico e causa efeitos biológicos adversos em níveis molecular, celular e tecidual (Yang e

col., 2007).

A tomada de cobre pelas brânquias envolve diversas etapas: (a) ligação inicial do

cobre com a superfície branquial; (b) movimento do cobre através da membrana apical e

entrada nas células branquiais; (c) “trafego” intracelular de cobre para a membrana

basolateral; (d) movimentação do cobre vindo das células para o sangue (Campbell e col.,

1999).

Em sistemas de mamíferos o cobre é transportado por subfamílias P-ATPases e a Cu-

ATPase tem uma sequência de ligantes de metal que é análoga entre bactérias e seres

humanos, implicando desse modo que seja a mesma sequência conservada para os peixes

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 376 Julho/2010

(Campbell e col., 1999). A completa inibição da tomada de cobre pela aplicação de

50umol/L de vanadato sugere que P-ATPase, localizada basolateralmente é a principal

responsável pela tomada de cobre da água (Campbell e col., 1999).

Enquanto que o requerimento de cobre em peixes é claramente obtido pela dieta

através da ingestão, a homeostase de cobre nas brânquias tem sido observado até

recentemente. No entanto, estudos toxicológicos mostram que elevadas concentrações de

cobre na água pode levar ao aumento de cobre, particularmente nas brânquias e no fígado,

sugerindo que as brânquias possam servir como rota de tomada de cobre (Grosell e

Wood,2002).

Kamunde (2001 e 2002) demonstrou duas rotas diferentes para tomada de cobre pelas

brânquias: (a) na base da competição da tomada de cobre pela baixa concentração de sódio

no ambiente e a sensibilidade da proporção da tomada de cobre por bafilomicina A1, um

dos caminhos de tomada, aparenta ser através de canal apical de sódio, sendo sensível ao

sódio; (b) segunda pela tomada continua de cobre , uma vez que na presença de altas

concentrações de sódio no ambiente (1-20mmol/L), sendo insensível ao sódio (Grosell e

Wood,2002).

Dependendo da concentração de sódio no ambiente, a tomada de cobre através da

rota sensível ao sódio é de 2 a 5 vezes maior que através da rota insensível ao sódio. Isso

sugere que a rota sensível ao sódio pode ser modulada pelo status interno de sódio, em

adição aos níveis aquáticos de sódio (Grosell e Wood,2002). O sódio claramente inibe a

tomada de cobre e o inverso também é verdadeiro e uma resposta similar foi descrita para

o zinco (Grosell e Wood,2002).

Mudanças na salinidade não só causam alterações físico-químicas no meio como

também pode haver efeito na fisiologia do crustáceo (Rainbow, 2000). No caso do

crustáceo estuarino ser exposto à baixa salinidade, os fluidos corpóreos são hiperosmóticos

em relação ao meio, então a água entra osmoticamente (Rainbow, 2000).

O crustáceo responde tipicamente ao aumento da entrada osmótica de água pelo

aumento da produção urinária e a urina é isotônica em relação à hemolinfa, e desse modo, o

aumento da excreção de água é associado com a concomitante perda de íons como sódio e

cloreto na urina (Rainbow, 2000).

Desse modo, uma redução na salinidade poderá causar aumento da tomada de cálcio,

posteriormente potencializando a entrada de metais, como cobre e zinco via rotas de

tomada de cálcio. Esse tipo de tomada esta potencialmente sob controle fisiológico

(Rainbow, 2000). Alguns crustáceos podem ainda alterar a permeabilidade em resposta

à baixa salinidade, e talvez assim fazer mudanças nas proporções da tomada de metais

(Rainbow, 2000).

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Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 377

Essa regulação da tomada de cobre é aparentemente mediada por um ou mais

carreadores de cobre específicos, em contraste à tomada que ocorre pelo canal apical de

sódio primariamente envolvido na manutenção da homeostase de sódio (Grosell e

Wood,2002). Um mecanismo similar do transporte de cobre através da membrana

basolateral pode estar envolvida na regulação da tomada de cobre (vanadato Cu-ATPase)

(Grosell e Wood,2002).

Geralmente, a concentração de metalotioneína em organismos aquáticos é baixa. No

entanto, a síntese pode ser aumentada quando animais estão expostos à altas

concentrações de metais. Então, as metalotioneínas atuam na detoxificação de metal,

seqüestro e regulação (Yang e col., 2007).

É conhecido que a exposição de crustáceos às águas poluídas resulta em prejuizos

branquiais que pode resultar em danos para a função respiratória. Como as brânquias de

crustáceos também estão envolvidas na osmorregulação e ionorregulação, é possível que

os danos branquiais resultem em prejuízos para a osmorregulação (Spicer e col., 1998).

Zinco

O zinco é homeostaticamente regulado, talvez em um nível mais preciso do que o

cobre. Os mecanismos de regulação do zinco são aparentemente diferentes, como acúmulo

interno negligenciável, o que reflete a redução da tomada branquial de zinco identificado

como parte importante do mecanismo de aclimatação (McGerr e col., 2000). Por ser um

micronutriente importante para os organismos aquáticos incluindo os peixes, mas pode ser

tóxico por interferir na tomada de cálcio e no seu metabolismo quando o zinco estiver em

concentrações que excedam o normal (Rodriguez e col., 2007).

O transporte de zinco e cálcio através das brânquias ocorre através de uma

competição simples e há correlação evidente de que as células cloreto participam da

tomada de zinco. Ainda é desconhecido onde esta competição ocorre: nos canais apicais,

ATPase basolateral ou em ambos (Wood,1992). De todas as concentrações testadas de

metais essenciais, cobre e zinco produzem hipercalcemia. De acordo com o tempo de

exposição, em todos os casos, a glicemia atingiu pico após 3 horas do inicio da exposição,

retornando ao normal após 8 horas na maioria dos casos (Rodriguez e col., 2007).

Em peixes, o zinco pode ser assimilado através da fase aquosa ou da dieta. Para a

fase aquosa do zinco, as brânquias e o intestino são os melhores “pontos” de absorção

(Zhang e Wang,2005). Estudos anteriores mostram que a tomada de zinco através da dieta

é a rota predominante de acúmulo do metal oriundo do ambiente em peixes marinhos

(Zhang e Wang,2005).

Em ambientes poluídos, os peixes são continuadamente expostos ao ambiente rico em

zinco, tanto pela água quanto pela dieta. Diversos estudos recentes em truta cor de arco íris

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 378 Julho/2010

tem indicado que as mudanças nas tomadas de metal e nos processos fisiológicos ocorrem

após exposição ao zinco (Zhang e Wang,2005).

O metabolismo de zinco nas lagostas e no siri azul são similares e aparentam ser

regulados, mas se as lagostas forem alimentadas com altas concentrações de zinco através

das ostras, poderão acumular quantidades significativas de zinco e este será retido com o

passar do tempo. O zinco também é abundante nos sedimentos, onde as lagostas utilizam

como habitat (Engel e col., 2001).

Embora em algumas espécies possam ocorrer altas concentrações de metal e ainda

manter continuo e funcional o processo fisiológico pode ocorrer uma alteração nos

processos de excreção e formas de detoxificação (Harris e Santos, 2000).

A Na/K-ATPase branquial demonstra a redução sugerida da exposição aguda ao cobre

em Carcinus maenas e esta redução é acompanhada por uma severa depleção do sódio na

hemolinfa (Harris e Santos, 2000).

A água contaminada com cobre e zinco também interfere na função respiratória das

brânquias dos crustáceos, resultando na redução da transferência de gases e na sua

eficiência, e assim na diminuição da performance respiratória. Foi observado também a

redução do consumo de oxigênio e performance cardíaca. É nítido que animais que

habitam áreas cronicamente poluídas fazem ajustes em seus processos regulatórios para

contra-atacar esses efeitos dos metais e assim manter a homeostase (Harris e Santos,

2000).

Existe um custo fisiológico para reestabelecer as condições normais, incluindo

reparação dos danos celulares, aumento da quantidade de células para repor células

efetoras e para que haja processo de detoxificação. Tudo isso gera custo substancial e

essencial para a sobrevivência do animal. Já a longo prazo, mudanças compensatórias,

incluindo controle do fluxo metabólico, indução da supressão de enzimas e seleção natural

das enzimas variantes, consistem num processo de competição entre as espécies para que

haja continuidade na reprodução e desenvolvimento no ambiente contaminado (Harris e

Santos, 2000).

A alta disponibilidade de comida proveniente de esgoto pode ser uma razão para a

presença de espécies bênticas (tais como moluscos e lagostas) e presença de peixes nos

sedimentos. Estes organismos podem “captar” metais do sedimento onde habitam e da

dieta que consomem (Perales-Vela e col., 2006).

A lagosta, por exemplo, é uma espécie que apresenta diversos caminhos/rotas para

bioacumulação de metais e outros poluentes, absorvendo pela superfície branquial, ingestão

de água e sedimentos e o consumo de organismos já com acúmulo de metais (Morales-

Hernandéz e col., 2004).

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Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 379

Alsop e Wood (1999) demonstraram que o cálcio presente na água reduz a tomada de

zinco (em 3 horas) e isso também foi demonstrado por Barrom e Albeke (2000) em trutas

(Niyogi e Wood, 2006).

É razoável assumir que o aumento do influxo de zinco branquial ocorra devido ao

aumento do influxo do cálcio, desde que utilizem a mesma via de tomada (Niyogi e Wood,

2006).

Na membrana basolateral, o zinco não aparenta ser transportados pela Ca-ATPase

porque a inibição é tanto competitiva quanto não competitiva e o zinco também não é

transportado por mecanismos dependentes de sódio (Marshall, 2002).

Além disso, é comum encontrar altos níveis de metais no exoesqueleto, mas tem sido

postulado que este fato é principalmente relacionado mais com adsorção do que bioacúmulo

(Alcorlo e col., 2006). A tomada em nível da membrana celular é governada por um

transportador específico, transporte por canais de proteínas, difusão passiva de metais

lipossolúveis e endocitose (Alcorlo e col., 2006).

Cálcio em interação com os metais cobre e zinco

Há evidências de que a concentração de cálcio afeta a tomada de cobre e zinco no

caranguejo Carcinus maenas, independentemente do efeito da salinidade e a tomada de

cobre e zinco pelo anfípoda Gammarus pulex é ao menos parcialmente explicado pela

tomada do metal via rota de cálcio. Mas por outro lado, a tomada de zinco pelo decápoda

Palaemon elegans não aparenta ser seguido por nenhuma rota de outros íons, respondendo

a mudanças na osmolalidade do meio (Rainbow, 2000).

Elevações do nível de cálcio na água geralmente protegem contra metais, gerando

inibição ou redução da entrada de metais como cobre e zinco nos peixes (Wood,1992).Há

ainda uma resposta fisiológica adicional nos crustáceos que podem afetar a tomada de

metais traço, a permeabilidade intertegumental que diminui conforme o gradiente de

salinidade vai do ambiente marinho para o estuarino e para água doce e a tomada do metal

acompanha este “decaimento” (Rainbow, 2000).

Em organismos expostos a metais pesados, a metalotioneína, uma proteína de ligação

rica em cisteina que tem além de tudo propriedade detoxificante e pode ser sintetizada

quando se torna necessário, ou seja, quando os níveis de metal estão muito altos. A

metalotioneína tem como proposta ser usada como biomarcador para o estudo da evolução

da poluição por metais pesados (Yang e col., 2007).

Resultados indicam que a exposição ao ambiente aquático rico em cobre leva à

mudanças nas microestruturas das brânquias e do hepatopâncreas de Eriocheir sinensis em

termos de dose resposta (Yang e col., 2007).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 381

Efeitos da toxicidade de metais no metabolismo

de organismos aquáticos

Vanessa Ap.Rocha Oliveira Vieira Lab. de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos

[email protected]

A fisiologia comparativa está intimamente relacionada à biologia da conservação,

sendo assim, a fisiologia da conservação é definida como o estudo de respostas fisiológicas

de organismos, frente a alterações antrópicas no meio ambiente, que possam causar ou

contribuir para um declínio populacional. Neste estudo está incluído o organismo e suas

interações com o meio ambiente tais como: metabolismo, relações térmicas, nutrição,

respostas endócrinas às mudanças ambientais e alterações em padrões imunes, sendo que,

estes parâmetros podem ser utilizados como biomarcadores, indicando que muitas

substâncias tóxicas podem interagir com o organismo como um todo (Wikelski e Cooke,

2006).

A influência humana nos sistemas naturais tem aumentado continuamente, justificando

a importância de investigar os aspectos antrópicos que causam estresse em animais em

seus sistemas naturais. No ambiente aquático, as ações antrópicas são muito evidentes,

levando os organismos muitas vezes a ficarem expostos a efeitos subletais que provocam

consequências imprevisíveis como alterações nas funções celulares, metabólicas e/ou

bioquímicas (Araújo, 1998). As águas continentais encontram-se contaminadas por uma

grande variedade de poluentes cujas fontes principais são os efluentes líquidos de origem

doméstica e industrial. A diversidade e complexidade destes poluentes resultam em diversos

efeitos biológicos e estes efeitos estão relacionados com a composição química de cada

poluente despejado no ambiente aquático, dentre estes estão os poluentes das classes dos

metais e considerando que há mais de um contaminante presente nas águas pode haver

interação entre eles com possíveis efeitos sinergéticos, antagônicos, de potenciação ou

adição (Zagatto e Bertoletti, 2006; Mozeto e Zagatto, 2006).

O monitoramento e a avaliação do risco dos ambientes impactados não podem ser

baseados exclusivamente em análises químicas de amostras ambientais, pois dados como

estes não refletem os efeitos reais causados a biota (Barsiene e col. 2006,), sendo assim

para avaliar os impactos dos poluentes na qualidade ambiental é fundamental que se avalie

os efeitos que estas substâncias causam nos organismos vivos destes ecossistemas (Wells

e col. 2001).

Os estudos em ecotoxicologia vêm se baseando nas avaliações de riscos ambientais

ou ERA (Ecological or environmental risk assessment) causados por poluentes a fim de

definir os efeitos adversos sobre os ecossistemas utilizando metodologias científicas

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 382 Julho/2010

(Depledge e Fossi, 1994), porém os efeitos deletérios sobre as populações, muitas vezes,

são difíceis de detectar dado que muitos desses efeitos tendem a se manifestar apenas

após longos períodos de tempo e quando finalmente tornar-se claro, o efeito pode ter ido

além do ponto onde possa ser revertido através de ações de correção ou redução dos riscos

(Oost e col., 2003). Neste capítulo veremos alguns dos metais que se tornam tóxicos

quando em excesso e os efeitos dessa toxicidade observados em alguns grupos de animais

aquáticos.

Metais

Os metais, normalmente, estão presentes em baixa concentrações nos ambientes

aquáticos (Ash e Stone, 2003), no litoral e rios próximos a centros urbanos, os metais

podem ser encontrados em concentrações muito mais elevadas, provavelmente devido à

entrada de sistemas fluviais (Morillo e col., 2004) e à poluição, associada a efluentes

líquidos de origem doméstica e industrial que muitas vezes não recebem o tratamento

adequado. (Chen e col., 2005; Wannaz e col., 2006).

Alguns metais, em baixas concentrações, são importantes no metabolismo,

participando de processos fisiológicos, são os chamados metais essenciais, e são

frequentemente transportados ativamente através das membranas (Tamás e Wysocki 2001,

Van Ho e col., 2002) mas, em elevadas concentrações podem se tornar tóxicos. Nessa

classe destacam-se os metais ferro (Fe), zinco (Zn), cobre (Cu) e manganês (Mn), por outro

lado, existem metais como chumbo (Pb), cádmio (Cd) e mercúrio (Hg), que não são

essenciais aos organismos e podem alterar o estado fisiológico, além disso, muitos fatores

afetam os efeitos dos metais pesados, tais como sua forma química, via de entrada no

organismo, duração da exposição, idade e espécie do animal (Kostial e col., 1978; Madsen-

Moller, 1991)

Metais essenciais : sua importância no organismo

Cobre

O cobre é um metal de transição, considerado micronutriente essencial. Órgãos como

fígado, cérebro e coração contêm quantidades consideráveis de cobre (Watanabe e col.,

1997), ele é um fator requerido para a função celular (Karan e col., 1998; McGeer e col.,

2000) atuando como cofator enzimático em vários processos biológicos, além de estar

envolvido no processo de transferência de elétrons na cadeia respiratória (Watanabe e col.,

1997, Camakaris e col., 1999; Celik e Oehlenschager, 2004) em reações redox em enzimas

tais como citocromo, oxidase e superóxido dismutase (Watanabe e col., 1997, Camakaris e

col., 1999). Apesar disso, em altas concentrações pode vir a ser prejudicial ao organismo.

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Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 383

Mangânes

O manganês, em seu estado divalente, tem papel fundamental em vários processos

biológicos como no metabolismo de aminoácidos, lipídios, proteínas e carboidratos, além

disso, há muitas enzimas que são manganês-dependente incluindo as oxidoredutases,

transferases, hidrolases, liases, isomerases e ligases. Alguns autores citam a participação

deste metal na função das metaloenzimas como arginase, glutamina sintetase,

fosfoenolpiruvato, descarboxilase e manganês superóxido desmutase. Além desta

importante função como co-fator enzimático o manganês também está envolvido na função

do sistema imune, regulação de glicose no sangue e energia celular, reprodução, digestão e

mecanismos de defesa contra radicais livres (Keen e col.,1999; Freeland-Graves e

Llanes,1994). Após ser transportado nas células e oxidado intracelularmente por reação

com superóxidos a um estado trivalente, este metal mostra-se altamente tóxico

principalmente ao sistema nervoso (Archibald e Tyree, 1987).

Zinco

O zinco participa do metabolismo de ácidos nucléicos, replicação celular e do reparo e

crescimento dos tecidos (Murakami e Hirano, 2008). Em baixas concentrações são

importantes no processo de neurotransmissão e ainda participam da estrutura de

receptores excitatórios de glutamato, no entanto são tóxicos quando em altas concentrações

(Smart, 2004).

Ferro

O ferro faz parte de muitos processos enzimáticos de óxido-redução, dos citocromos,

catalases e peroxidades, age também como transportador de oxigênio na hemoglobina

(Maham e Arlin, 1995), no entanto, seu excesso pode ocasionar aumento na produção de

radicais livres (Schuartsman, 1985).

Metais não essenciais

Alumínio

O alumínio é um metal não essencial e muito tóxico ao organismo, apesar de ser um

dos mais abundantes na crosta terrestre, as concentrações deste metal em águas doces

são notavelmente baixas. O alumínio não é muito solúvel em água, mas em associação com

outros compostos como, por exemplo, F-, OH-, SO-, PO-, H, Si, O, pode acarretar na sua

solubilização e capacidade de se ligar a diversas macromoléculas (Lydersen, 1990;

Lydersen, 1990a). Segundo Teien (2006) o pH tem um forte controle na especiação de

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 384 Julho/2010

metais podendo determinar a hidrólise, agregação, precipitação e competição de prótons por

locais de ligação disponível (Smith, 1996). A porta de entrada destes compostos nos peixes

é através das brânquias, pois os fosfolipídios e as glicoproteínas conferem à membrana

externa das brânquias sítios de carga negativa (Wold e Selset, 1977), e o alumínio na forma

de hidróxido, torna-se rico em cargas positivas, penetrando facilmente pela superfície

branquial (Shi e Haug, 1980; Wilkinson e Campbell, 1993).

Cádmio

O cádmio é um metal não essencial e geralmente tóxico para os organismos, este

metal afeta a estrutura de ácidos nucléicos e atividade de muitas enzimas e

neurotransmissores (Cooper e Manalis, 1984).

Chumbo

As concentrações de chumbo geralmente são baixas em águas continentais, este

metal se acumula nos rins, fígado e cérebro e geralmente seu grau de toxicidade varia com

o tempo de exposição a que o organismo é submetido (Bastos e Nefussi, 1986).

Mercúrio

O mercúrio é um dos metais mais tóxicos aos seres vivos, pode ser encontrado em

três formas: elementar, inorgânico e orgânico, cada uma com seu grau de toxicidade (Guzzi

e La Porta, 2008). A forma inorgânica é a fonte mais significativa de contaminação aquática

e seus efeitos estão diretamente relacionados a respostas adversas do sistema nervoso

central (Senger e col., 2006).

Mecanismos de toxicidade e avaliação

Os produtos químicos hidrofóbicos podem acumular-se nos organismos aquáticos

através de diferentes mecanismos: via captação direta da água através da pele ou

brânquias, via captação de partículas em suspensão (ingestão) e através do consumo de

alimentos contaminados. A Transferência de metais pesados através das membranas tem

sido estudada em vários tipos celulares. Apesar de muitas semelhanças, os mecanismos

envolvidos freqüentemente apresentam propriedades características de cada célula e devido

à sua elevada afinidade por proteínas e muitas outras moléculas biológicas, os metais

pesados não existem no sistemas biológicos na forma livre ou desvinculado (Bevan e

Foulkes, 1989)

A absorção intestinal e pulmonar são as principais rotas de entrada de metal no

organismo. No intestino a absorção envolve células apicais e basolaterais das membranas

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Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 385

celulares, e o transporte do lúmen se deve a afinidade por proteínas de ligação de metais,

as metalotioneínas (Foulkes e McMullen, 1987). Além disso, essa interação é sensível a

temperatura devido a fluidez de membrana (Foulkes, 1988). Já no epitélio alveolar o contato

com metais é acompanhado por efeitos potencialmente negativos, especialmente porque a

absorção do metal através do epitélio alveolar é muito mais eficiente do que através da

parede intestinal (Friberg e col., 1985), uma possível explicação é que no epitélio alveolar a

dinâmica de movimentação de metais pela membrana é maior nos fluidos intestinais devido

às menores concentrações de ligantes metal-obrigatório.

Os túbulos renais também podem ser uma porta de entrada para os metais, assim

como no intestino, células tanto apical quanto basolateral da membrana participam da

absorção. Os metais circulantes no plasma são filtrados e reabsorvidos por metalotioneínas.

Alternativamente a este processo, os metais podem se ligar a pequenas moléculas como

cisteína, glutationa e bicarbonato (Foulkes, 1978).

Blazka and Shaikh (1991) demonstraram que nos hepatócitos os metais entram na

célula via canais de cálcio, a interação entre Cádmio e cálcio foi descrita por Souza e col..

(1997) onde descreveram que Cádmio inibe a entrada de Cálcio na célula.

A maior parte de chumbo e cádmio circula no sangue carreado por eritrócitos, estas

células acumulam eficientemente estes metais. As membranas dos eritrócitos diferem das

membranas de outras células por sua permeabilidade a anions, a entrada de vários metais,

tais como, Cd, Pb, Zn, e Cu é facilitada por formar complexos aniônicos com carbonato,

bicarnonato, grupos hidroxil e íons de cloro (Simons, 1986).

Mesmo sem a detecção aguda ou crônica dos efeitos, os testes de ecotoxicidade de

acumulação do poluente, devem ser considerados como um critério de risco em si, uma vez

que alguns efeitos só podem ser reconhecidos em uma fase mais tardia. Os biomarcadores

de exposição irão refletir a distribuição da substância química em todo o organismo e essa

distribuição pode ser rastreada através de vários níveis biológicos, desde molecular ao

ecossistema como um todo (Who, 1993). Um biomarcador pode ser definido como uma

resposta biológica, o que pode estar relacionado com exposição ou efeitos tóxicos de

substâncias químicas ambientais e podem ser usados para avaliar os sinais do organismo

como um alerta dos riscos ambientais (Peakall e col., 1994).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 386 Julho/2010

Principais marcadores biológicos ou Biomarcadores

Estresse oxidativo

Muitos poluentes exercem toxicidade promovendo o estresse oxidativo, este pode ser

definido pela toxicidade gerada pelo oxigênio molecular através das espécies reativas de

oxigênio (ROS) referindo-se a produtos intermediários do oxigênio (ROIs) ou ainda radicais

livres ou oxiradicais (Di Giulio e col., 1989a). Os produtos da redução do O2 molecular são o

radical superóxido (O2-), peróxido de hidrogênio (H2O2) e o radical hidroxil (OH-). São

potentes oxidantes capazes de reagir com macromoléculas celulares, possivelmente

levando a inativação enzimática, peroxidação lipídica (LPO), danos ao DNA e, finalmente, a

morte celular (Winston e Di Giulio, 1991). As atividades das enzimas antioxidantes, que

inibem a formação dos oxiradicais como a superóxido dismutase (SOD), catalase (CAT),

peroxidase glutationa-dependente (GPOX) e glutationa redutase (GRED) defendem os

organismos contra ROS e são criticamente importantes na desintoxicação. Numerosos

antioxidantes de baixo peso molecular como a glutationa reduzida (GSH), betacaroteno,

vitamina B, ácido ascórbico (vitamina C), alfatocopherol (Vitamina E) e ubiquinol10 também

tem sido descrito com função de desintoxicação (Stegeman e col., 1992; Lopez-Torres e

col., 1993). Em ecossistemas aquáticos o oxigênio dissolvido e a temperatura são variáveis

ambientais que influenciam os processos oxidativos (Parihar e col., 1997).

Proteínas de estresse e Metalotioneínas

As proteínas de estresse (também chamadas de proteínas de choque térmico ou HSP)

constituem um conjunto de proteínas abundantes envolvidas na proteção e reparação da

célula contra o estresse e condições prejudiciais como baixas e altas temperaturas, luz

ultravioleta, condições oxidativas, anóxia, metais e xenobióticos (Sanders, 1993). São

compostas por dois grandes grupos: as HSPs e as GRP (proteínas reguladoras de glicose),

que são altamente sintetizadas quando o organismo é submetido a estresse físico e químico

e na privação de glicose e oxigênio respectivamente (Stegeman e col., 1992).

Um grupo especial de proteínas de estresse de baixo peso molecular, rico em cisteína,

são as metalotioneínas (MTs), que funcionam na regulação de metais essenciais como Cu e

Zn e na desintoxicação destes e outros metais não essenciais como Cd e Hg (Roesijadi e

Robinson, 1994). A indução da síntese de MT é dependente da espécie em questão, pode

ocorrer por aumento da concentração intracelular de metal (Thiele, 1992), e alguns estudos

mostram que glicocorticóides e hormônios peptídicos também promovem sua indução

(Gerpe e col., 2000)

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Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 387

Peroxidação de lipídios

Os fosfolipídios de membrana de organismos aeróbios estão continuamente sujeitos a

oxidação por fontes tanto endógenas quanto exógenas, mas a própria célula contém

mecanismos antioxidantes para prevenção da peroxidação e uma variedade de mecanismos

que mantém a integridade da membrana e a homeostase (Vigo-Pelfrey, 1990; Dix e

Aikens,1993). O processo de peroxidação é uma reação em cadeia especialmente para os

ácidos graxos polinsaturados que são mais sensíveis a ação de ROS devido à dupla ligação

de carbonos. Membranas peroxidadas tornam-se rígidas e perdem a permeabilidade e os

produtos resultantes podem provocar mutações no DNA e alterações nos padrões de

expressão gênica (Marnett, 1999) e os efeitos acumulativos deste processo podem implicar

em numerosas condições patológicas (Steinberg, 1997).

O processo é iniciado principalmente por radicais hidroxil, especialmente reações

catalisadas por metais de transição. Os metais, como os sais de ferro, na presença de

peróxido de hidrogênio pode produzir HO (Schaich, 1992): Fe2+ + H2O2 Fe3+ + HO- +

HO . Metais e seus complexos implicam na peroxidação de lipídios e subsequentemente na

promoção da carcinogênese. (Sole e col., 1990; Kasprzak, 1995).

Outros potenciais marcadores biológicos

Parâmetros hematológicos - Alguns parâmetros hematológicos são potenciais

biomarcadores. A presença de enzimas específicas, como as transaminases, no sangue

pode ser indicativa de ruptura das membranas celulares em certos órgãos (Moss e col.,

1986). Apesar de serem menos específica, outros parâmetros hematológicos, como

hematócrito, hemoglobina, proteína e glicose, podem ser sensíveis a determinados tipos de

poluentes, além disso, os níveis de hormônios esteróides sanguíneos ou proteínas

normalmente induzidos por esses poluentes podem ser indicativos para determinados

efeitos toxicológicos (Correia e col., 2010).

Parâmetros imunológicos - Um grande número de substâncias químicas ambientais

tem o potencial de prejudicar os componentes do sistema imunológico. Muitos anticorpos e

células mediadoras do sistema imune podem ser deprimido por determinados poluentes,

como revisto por Vos e col.. (1989). Embora a maioria das pesquisas sobre o sistema imune

foi realizada em espécies de mamíferos, outros organismos também podem ser

considerados como promissores neste campo de pesquisa (Wester e col., 1994).

Parâmetros reprodutivos e endócrinos- O impacto dos compostos xenobióticos na

reprodução e na regulação hormonal tem atraído crescente interesse nos últimos anos pois

diante de todos os efeitos causados pela toxicidade de metais, deve-se considerar que a

permanência de uma espécie em um ecossistema não está somente relacionada com a sua

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 388 Julho/2010

capacidade de adaptação e sobrevivência, mas também na capacidade se reproduzir na

presença destes poluentes (Kime, 1995), uma vez que uma diminuição na taxa reprodutiva

das espécies pode, a longo prazo, ameaçar a sobrevivência de um grande número de

espécies alterando todo um ecossistema (Spies e col., 1990).

Parâmetros neuromusculares - Estudos recentes demonstram que baixos níveis de

contaminantes no meio aquático podem alterar as funções neuromuscular agindo sobre a

ação da acetilcolinesterase (AChE) (Payne e col.., 1996).

Parâmetros genotóxicos : A exposição dos um organismo a substâncias químicas

genotóxicas pode induzir um cascata de eventos como alterações estruturais e/ou dano no

DNA e posterior expressão do gene mutante e doenças resultantes de danos genéticos

(Shugart e col., 1992). A detecção e quantificação de vários eventos neste sentido podem

ser utilizados como biomarcadores de exposição.

Parâmetros fisiológicos e morfológicos: As alterações na fisiologia e as consequências

desses efeitos também podem ser utilizados como biomarcadores. A determinação dos

efeitos adversos causados por um composto pode ser realizado através de análises dos

substratos metabólicos ou através de alterações histológicas nos tecidos (Ricard, 1998;

Pratap e Wendelaar Bonga, 1990).

Mecanismos de defesa a poluentes

Os organismos possuem eficientes formas de defesa a um agente externo, a

biotransformação ou metabolismo, pode ser caracterizado como uma conversão enzimática

de compostos xenobióticos em uma forma mais solúvel em água, que pode ser excretado do

organismo mais facilmente (Lech e Vodicnik, 1985). Na Maioria das vezes esses processos

envolvem enzimas que possuem um grau relativamente baixo de especificidade de

substrato, quando comparada com as enzimas envolvidas no metabolismo de compostos

constitutivos (Melancon e col.. 1992; Vermeulen, 1996). Os efeitos tóxicos podem se

manifestar quando, o composto ou os seus metabólitos, liga-se a macromoléculas celulares,

que conduzem a passagem pela membrana provocando danos celulares e/ou efeitos

genotóxicos que posteriormente, pode levar ao desenvolvimento e progressão de doenças.

O metabolismo é, portanto, um importante determinante da atividade de um composto, da

duração da sua atividade e do tempo que este composto permanecerá no organismo

(Timbrell, 1991).

O principal local de desintoxicação é o fígado através de um mecanismo enzimático

subdividido em fases I, II e III. A Fase I é uma alteração de oxidação, redução ou hidrólise

da molécula original. Essas reações são catalisadas por enzimas monooxygenases

microssomais, citocromo e NADPH citocromo P450 redutase, localizadas principalmente no

retículo endoplasmático, que transformam os compostos em produtos hidrofílicos facilitando

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Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 389

a excreção. (Bucheli e Fent, 1995). A fase II envolve a conjugação do xenobiótico a um

ligante endógeno, frequentemente um grupo químico polar, um açúcar ou aminoácido. As

enzimas desta fase catalisam essas conjugações facilitando a excreção por adição de mais

grupos polares como a glutationa e ácido glucorônico (Commandeur e col., 1995; Mulder e

col., 1990). As enzimas da fase III, peptidases, hidrolases e â-liases catalisam o catabolismo

dos metabólitos conjugados para formar produtos mais facilmente excretáveis, mas este

processo ainda não está muito bem definido (Oost e col., 2003)

Efeitos dos metais nos organismos aquáticos

Fitoplâncton

Algas são os organismos aquáticos que acumulam metais mais facilmente, estudos

recentes com Ulva laetevirens and Gracilaria verrucosa tem demonstrado uma alta afinidade

por bioacumular Cd, Cu e Zn (Roncarati, 2003), além da ocorrência natural e abundante,

esses organismos fotossintetizantes estão sendo utilizados para programas de

biomonitoramento de xenobióticos (Conti and Cecchetti, 2003; Conti e col., 2007).

Macroalgas (Conti and Cecchetti, 2003) e microalgas (Tripathi e col., 2006) são ferramentas

importantes para monitorar mudanças fisiológicas na presença de metais pesados, estes,

são frequentemente transportados ativamente pelas membranas (Tamás e Wysocki, 2001;

Van Ho e col.., 2002) e esses transportadores podem ser portas de entrada para metais

tóxicos (Zalups e Ahmad, 2003) . As Microalgas empregam uma variedade de estratégias

bioquímicas para reduzir a toxicidade de metais e para manter a homeostase no citoplasma

(Perales-Vela e col., 2006), uma destas estratégias é o aminoácido cisteína que contém um

grupo sulfidril que se liga ao sítio ativo do metal, esse grupamento contém peptídeos como a

glutationa que são responsáveis pelo seqüestro do metal nas células, e outra alternativa são

as metalotioneínas (Klaassen e col.., 1999)

Diante destas características as algas absorvem os poluentes do ambiente aquático

e biotransformam em compostos orgânicos tornando-os menos tóxicos, não permitindo que

cheguem a níveis tróficos superiores (Pflugmacher e col., 1999). Adicionalmente a isto,

estes organismos tem sido utilizados como biorremediadores no tratamento de metais

pesados e poluentes orgânicos (Munoz e col., 2006) e sugere-se a utilização destas algas

como bioindicadores de poluição aquática e de respostas fisiológicas a xenobióticos (Witton

and Kelly, 1995).

Invertebrados

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 390 Julho/2010

Invertebrados respondem diferentemente a exposição de metais. Em moluscos e

crustáceos as glândulas digestivas, hepatopâncreas (Viarengo e col., 1984; Olafson e col.,

1979a,b) e brânquias (Mouneyrac e col., 1998) são os tecidos que estão diretamente

envolvidos com o contato, estoque e excreção de metais e possuem alta capacidade de

síntese de MTs. Em ostras e mexilhões a dinâmica de acúmulo é diferente (Arco-íris, 1992),

em um estudo com três espécies de bivalve (M. edulis, M. galloprovincialis, R. decussatus)

que foram expostos a uma mesma concentração de Cd por um mesmo período de tempo

(Bebianno e Langston, 1991, 1992,; Bebianno e col., 1993), foi observada uma relação

linear entre a concentração do metal e a síntese de MT, e observou-se que em ambas as

espécies de mexilhões (M. edulis, M. galloprovincialis) a quantidade de MT sintetizada foi

mais acentuada que na espécie de ostra (R. decussatus).

Peixes

Os peixes são amplamente utilizados no biomonitoramento da poluição aquática (Zhou

e col., 2008) e a contaminação em peixes por metais tóxicos deve ser considerada muito

relevante, pois estes animais estão no topo da cadeia alimentar e servem de alimentos para

outros animais. Neste grupo a faringe é o principal sítio pelo qual os poluentes aquáticos

entram, e as brânquias são freqüentemente afetadas por estas substâncias devido a grande

área da sua superfície e espessura deste tecido (Mallat, 1985). Há numerosos estudos que

indicam mudanças estruturais induzidas por toxicantes e outros poluentes presente na água

(Ferguson e col., 1992; Partearroyo e col., 1992).

Estudos demonstraram que efeitos adversos foram observados em peixes expostos ao

cobre, por exemplo, podem-se citar alterações nas funções respiratórias e ionoregulatórias

devido aos danos em órgãos alvos como as brânquias, como conseqüência, houve um

aumento no metabolismo aeróbico, no consumo de oxigênio que por sua vez, reduziu o

desempenho natatório (McGeer e col., 2000; Handy, 2003). Além disso, McGeer e col.

(2000) demonstraram que a exposição crônica ao cobre aumentou a atividade da Na+K+-

ATPase branquial, implicando em um maior custo energético para a osmorregulação.

Pelgrom e col. (1995) expuseram exemplares de Oreochromis mossambicus a diferentes

concentrações de Cu e observaram um aumento no número de células de cloreto conforme

se aumentava a concentração do metal. Neste estudo também foi observado um diâmetro

aumentado destas células e um aumento das concentrações de cobre nas brânquias e no

plasma. Além disso, altos níveis de cobre diminuem o crescimento e prejudicam a

conversão alimentar em peixes (Marr e col., 1996; Schlenk & Benson, 2001).

O alumínio, por sua vez, provoca acidose plasmática, hipóxia e hipercapnia, perda de

eletrólitos, principalmente Na+ e Cl- (Howells e col., 1990; Rosseland e col., 1990). Vários

autores observaram ainda nas brânquias, inflamação (edema e inchaço) e em alguns casos

Page 401: Fisiologia comparada USP 2010

Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 391

fusão lamelar e excessiva produção de muco (Fischer-Scherl and Hoffmann, 1988;

Goossenaerts e col., 1988).

O mangânes tem sido associado a citotoxicidade, especialmente para células

dopaminérgica (Archibald e Tyree, 1987), além disso, já foram demonstrados os efeitos do

manganês nas mitocôndrias, onde este metal parece inibir o complexo I, alterando as

fosforilações oxidativas (Chen, e col., 2001; Ali e col., 1995).

Outros efeitos causados pela exposição a metais estão a diminuição dos estoques de

glicogênio no fígado em truta arco-íris (Ricard, 1998) e tilápia (Pratap e Wendelaar Bonga,

1990) e aumento na atividade de enzimas como a aspartato transaminase (AST) e alanina

transaminase (ALT), lactato desidrogenase (LDH) e malato desidrogenase (MDH) em

Channa punctatus (Sastry e col., 1997).Várias respostas enzimáticas tem sido observada

em animais expostos a contaminantes metálicos em campo e em laboratório, experimentos

indicaram um aumento ou uma diminuição na atividade, esta dependente de dose, espécie

e via de exposição (Wong and Wong, 2000; Jiraungkoorskul e col., 2003; Sanchez e col.,

2005).

A exposição dos peixes a metais pode causar aumentos de espécies de oxigênio

altamente reativas (ROS), já citadas anteriormente, levando ao estresse oxidativo,

disfunções osmorregulatórios associado com a inibição da ATPase e dano tecidual (Radi e

Matkovics, 1988; Wong e Wong, 2000; Dautremepuits e col., 2004).

Muitas substâncias que poluem os ecossistemas podem de alguma forma alterar o

sistema endócrino dos animais, estas substâncias são conhecidas como EDC do inglês

Endocrine Disrupting Compouds. Os disruptores endócrinos, mesmo em baixas

concentrações, exercem efeitos biológicos neste sistema alterando os processos de síntese

e/ou degradação de hormônios, seja bloqueando os receptores hormonais ou interferindo na

ação dos próprios hormônios (Mathissen e Johnson, 2007). Um dos eixos afetado por

metais é o eixo hipotálamo-hipófise-gônadas, entre estes efeitos podemos destacar a

diminuição na síntese dos esteróides gonadais, vitelogenina, gonadotropinas e aumento nos

níveis de dopamina (Karels e col.,1998). Em estudos com tilápias foram relatadas elevações

nos níveis de cortisol (Foo & Lam, 1993) e redução de progestágenos (Correia, 2010), em

Oncorhynchus mykiss houve impedimento e/ou atraso no amadurecimento de

espermatogônias em espermatócitos (Karels e col.,1998) além de elevação e/ou diminuição

dos níveis de esteróides fora do período reprodutivo e inibição da síntese de

gonadotropinas, com simultâneo bloqueio sobre as gônadas de responderem à ação destes

hormônios (Cooney, 1995). Em truta arco-íris,o cádmio pode inibir a atividade dos

receptores de estrogênio (Le Guevel e col., 2000).

Outro eixo afetado por compostos metálicos é o eixo hipotálamo-hipófice-interrenal

que controla a produção de cortisol e sua secreção no sangue em resposta ao estresse

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 392 Julho/2010

(Brodeur e col., 1997 a,b; 1998), os metais podem alterar o mecanismo de sinalização deste

sistema e ainda alterar a síntese de esteróides pelas células interrenais (Girard e col., 1998).

Em adição, os metais têm demonstrado alterar outros sistemas hormonais tais como

os tiroidianos e os hormônios de crescimento (Comeau e col., 2001; Devlin e col., 2001).

Trutas arco-íris submetidas a toxicidade por Cádmio durante o desenvolvimento,

apresentaram modificações na expressão de mRNA do hormônio de crescimento até os

últimos estágios do desenvolvimento larval (Jones e col., 2001). Exposição a vários

poluentes metálicos alteraram os níveis de triiodotironina (T3) e tiroxina (T4) no plasma de

espécies de peixes em ensaios agudos (Sinha e col., 1991) e crônico (Hontela e col., 1995).

Anfíbios

Segundo Pough (1976) de 30 a 50% das espécies de salamandras e anuros utilizam

lagoas temporárias (que aparecem na primavera e secam no verão) para porem seus ovos e

esse processo ocorre em tempo suficiente para ocorrer a metamorfose até a lagoa secar.

Um dos grandes problemas enfrentados nestes pequenos ambientes, que são dependentes

principalmente de água da chuva, é a acidificação devido ao pequeno volume e como

conseqüência a biodisponibilização de alumínio (Freda e col., 1991). Já em pântanos ocorre

uma ambiente naturalmente ácido devido a crescimento denso de musgo de sphagnum e

altas concentrações de ácidos orgânicos (Gorham e col., 1985), níveis elevados de metais

podem estar presentes nestas águas porque ácidos orgânicos têm uma alta afinidade por

metais (Reuter & Perdue, 1977).

A toxicidade por alumínio é totalmente dependente do pH da água, em muitas

espécies este metal só é tóxico em pH abaixo de 5, mas há situações que ele se torna

biodisponível em pH alto. O íons de hidrogênio e o alumínio podem inibir a enzima de

eclosão presente na membrana vitelínica dos ovos de anfíbios, inibindo a ação desta enzima

a membrana se torna resistente para o processo de eclosão e impermeável a água e íons

(Yoshizaki, 1978).

O alumínio divalente age como o Ca e Mg na célula (Freda & Dunson, 1985a),

reduzindo a permeabilidade da membrana podendo bloquear a passagem de Na+ e Cl-

(Gordon & Sauerheber, 1982), a perda destes eletrólitos é a causa primária de morte de

anfíbios (Freda & Dunson, 1984; Freda & McDonald, 1990).

Larvas de Pleurodeles waltl (anfíbio urodela) expostos a cádmio não sofreram

modificações nos primeiros passos do desenvolvimento, mas tiveram a metamorfose inibida

assim como a diferenciação e desenvolvimento gonadal (Flament e col., 2003). O cádmio

induz a síntese de HSP (Ait-Aissa e col.., 2000) e estas proteínas interagem com os

receptores estrogênicos ou androgênicos e pode alterar os padrões de ação destes

hormônios (Pratt and Toft, 1997).

Page 403: Fisiologia comparada USP 2010

Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 393

Répteis

Há poucos estudos com metais em répteis, há trabalhos com concentração de metal

pesado em tecidos de tartaruga (Godley e col., 1998, 1999; Sakai e col., 2000 a,b), mas

nenhuma informação em efeitos ou limiar de concentração toxicológicos estão disponíveis.

O impacto de metais em tartarugas pode ser medido pelo acúmulo destes nos tecidos e

Franzellitti e col. (2004) quantificaram as concentrações de Cd, Cu, Fe, Mn, Ni, e Zn no

fígado, pulmão, músculo e tecido adiposo de Caretta caretta, encontradas mortas, da região

do noroeste da Itália. A escolha destes metais pesados foi realizada com base em estudos

prévios que mostraram níveis particularmente altos de Ni, Cu e Zn em sedimentos, Cd e Ni

na água e Mn e Fe em bivalves conhecidos por serem base alimentar de C. caretta (Dinelli

e col., 1996; Dinelli e Lucchini, 1999; Tankere e col., 2000; Fagioli e col., 1994) e

encontraram concentrações altamente significativas de Ni, Mn, Cd e Cu no pulmão, músculo

e tecido adiposo e de Mn e Ni no fígado, valores estes comparados a tartarugas de outras

áreas não contaminadas, sugerindo a toxicidade por metais como causa da morte.

Xu e col. (2006), encontraram altas concentrações de metais pesados na casca,

membrana e no conteúdo de ovos de crocodilo (Alligator sinensis) e comparou com outros

estudos (Burger e Gochfeld 1991; Burger 1994) e sugere que as altas concentrações de

metais presentes nos ovos é um meio que as fêmeas encontraram para tentar reduzir a

carga corporal de substâncias tóxicas através da transferência para os ovos,

semelhantemente ao que ocorre com outras espécies de répteis já analisadas, incluindo

tartarugas (Caretta caretta, Chelonia mydas e Trachemys scripta (Sakai e col., 1995, 2000;

Burger e Gibbons, 1998). E ainda, para completar, estudos com ovos de tartarugas e

crocodilos demonstraram que de forma similar que a presença de altos níveis de metais

aumentam a mortalidade de embriões (Nagle e col., 2001, Manolis e col., 2002b),

Conclusão

A presença de substâncias poluentes nos corpos aquáticos quando modificam as

características do meio alteram toda a cadeia trófica, a sociedade ainda não percebeu a

importância do meio ambiente para sua sobrevivência. As causas das agressões ao meio

ambiente são de ordem política, econômica e cultural, não pode haver proteção do ambiente

enquanto houver desigualdades sociais. Os países ricos consomem os recursos naturais de

forma exagerada e são que mais poluem enquanto que os países pobres também mostram

uma parcela de culpa por falta de oportunidades. A ciência busca minimizar esses efeitos

adversos a biodiversidade tentando identificar os problemas antes que o compartimento

ambiental como um todo seja afetado. Se muitas das alterações forem observadas com uma

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 394 Julho/2010

certa antecedência, talvez seja possível minimizar os efeitos deletérios causados ao meio

ambiente ao se elaborar medidas mitigadoras e de proteção a estes ambientes. A utilização

de bioindicadores de poluição ambiental constitui uma ferramenta eficiente para avaliação

de risco de impacto ambiental, porém cabe ressaltar que este monitoramento requer

conhecimentos profundos da fisiologia dos organismos utilizados.

Page 405: Fisiologia comparada USP 2010

Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 395

Alterações neuroendócrinas resultantes da

exposição a metais

Tiago Gabriel Correia

Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos [email protected]

Desreguladores endócrinos

Grande parte dos ecossistemas aquáticos encontra-se contaminado por inúmeros

poluentes, os quais podem causar os mais diversos tipos de impactos. Nesse contexto,

pode-se destacar uma classe de poluente capaz de alterar as funções endócrinas, não

apenas na fauna aquática, mas também sobre toda a cadeia trófica associada. Essa classe

de poluentes tornou-se conhecida por desreguladores endócrinos, ou ainda “disruptores”

endócrinos, (do inglês, endocrine disruptor compound, ou EDC). É importante destacar que

a palavra disruptor não existe na língua portuguesa, sendo, portanto um neologismo

(fenômeno linguístico que consiste na criação de uma palavra ou expressão nova, ou na

atribuição de um novo sentido a uma palavra já existente) e é comumente utilizada na

literatura, principalmente na ecotoxicologia.

Observações dos efeitos da exposição aos desreguladores endócrinos (DE) em

peixes e outras espécies aquáticas, como por exemplo, invertebrados e anfíbios, têm

contribuído para um esforço global na tentativa de estabelecer métodos para a detecção dos

efeitos destes compostos sobre populações e para avaliação dos riscos ecológicos (Owen e

col., 2008). Os DE podem ser desde compostos químicos sintéticos tais como pesticidas e

fertilizantes a xenoestrógenos, fitoestrógenos e metais. Biologicamente podem ter ação

sobre os receptores dos hormônios esteróides (nos tecidos alvo) como agonistas ou

antagonistas, resultando em estímulo ou redução/bloqueio, respectivamente, nos processos

de síntese hormonal (Matthiessen e Johnson, 2007).

Há um consenso de que em sua grande maioria esses compostos antropogênicos

interferem sobre a afinidade hormônio-receptor, especialmente os envolvidos na

reprodução, pois esses parecem ser mais vulneráveis a pertubarções. Dessa forma, são

freqüentes em mamíferos as alterações gonadais, má formação do trato genital, infertilidade

e tumores; inibição da reprodução e alterações no comportamento de corte em aves e

anormalidades nos órgãos reprodutivos em crocodilianos (Depledge, 1999).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 396 Julho/2010

Desafios em endocrinologia e fisiologia comparativa: a perspectiva de

Hutchinson e Pickford

Sob uma perspectiva ecotoxicológica, uma das principais preocupações globais para a

fauna aquática está em torno de quatro tipos de desregulação endócrina, a saber:

antiestrógenos e antiandrógenos (inibidores da esteroidogênese), perturbadores da tiróide e

os compostos capazes de alterar o sistema endócrino de invertebrados, como por exemplo,

o hormônio juvenil e hormônios ecdisteróides; uma vez que mais de 95% das espécies

animais são invertebrados e também são potenciais alvos para a desregulação endócrina

(Hutchinson e Pickford, 2002).

Diante das diferenças filogenéticas e especializações fisiológicas específicas em

determinados táxons, torna-se quase impossível extrapolar dados registrados, por exemplo,

da exposição a DEs em mamíferos para vertebrados mais simples como, por exemplo,

peixes e anfíbios; semelhantemente para invertebrados; sendo, portanto, necessários testes

específicos para cada composto em que exista a possibilidade de alterações endócrinas

(Kendal e col, 1998). Não obstante, moléculas de determinados hormônios, apesar de

apresentarem certo grau de conservação evolutiva, desempenham diferentes funções

fisiológicas, por exemplo, enquanto o papel principal de prolactina (PRL) em mamíferos é a

estimulação da lactação, em peixes a PRL está envolvida na osmorregulação e em anfíbios

desempenha um papel na metamorfose e crescimento (Norris, 1996). Enquanto um mesmo

DE pode vir a afetar um mamífero de uma determinada maneira, o mesmo nem sempre

poderá ser aplicado a outros vertebrados, ou invertebrados.

Atualmente é prioridade para a comunidade científica e reguladora internacional, o

estabelecimento de métodos de ensaio de eco-toxicidade, a avaliação de risco ecológico e

programas de monitoramento ambiental, e em última instância, avaliar se os dados obtidos

em laboratório que são essenciais, não são contraproducentes quando comparados com a

realidade observada no meio ambiente, para que dessa forma possam apoiar

cientificamente de forma significativa e eticamente justificável orientações para testes de

desregulação endócrina (Hutchinson e Pickford, 2002).

Alterações Neuroendócrinas em Crustáceos

A maioria dos estudos ecotoxicológicos, cujo objetivo é o de avaliar possíveis efeitos

de desregulação endócrina, considera apenas dados para animais vertebrados,

negligenciando representantes dos filos de invertebrados. Isto é alarmante, levando em

conta a importância ecológica dos invertebrados. Eles são componentes essenciais de todos

os ecossistemas e, portanto, a ameaça de desregulação endócrina deve ser totalmente

avaliada para assegurar a proteção ambiental (Matthiessen e Law, 2002).

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Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 397

Alguns estudos realizados em laboratório sob condições controladas demonstram que

compostos metálicos (íons ou substâncias contaminantes) podem afetar o controle hormonal

da muda, a regeneração de membros, o nível de glicose no sangue e causar alterações na

pigmentação e na reprodução de crustáceos (Depledge, 1999).

O Cd (cádmio) e o Se (selênio) são um dos metais mais deletérios, chegando a afetar

o processo de muda (crustáceos), o desenvolvimento gonadal em mexilhões, a ovogênese

de ouriços do mar e a alteração do metabolismo de esteróides na estrela do mar Asterias

rubens (neste caso, Cd e Zn) (Depledge, 1999). Apesar do número de trabalhos publicados

na literatura sobre desregulação endócrina ter aumentado muito nos últimos anos, para os

invertebrados, com exceção de crustáceos e insetos, estes dados são escassos.

Tratando-se de ecotoxicologia aquática, o filo dos crustáceos possui espécies que são

amplamente utilizadas neste tipo de estudo, pois além do fato de serem extremamente

representativos para o ambiente aquático, apresentam características que os designam

como potenciais espécies sentinela (Depledge, 1999).

Metais, como por exemplo, o Cd, tem efeito direto sobre crustáceos, pois pode ser

absorvidos através de canais de Ca, ou ainda através de proteínas de membrana (Norum e

col., 2005). Uma vez absorvido, o Cd pode impedir o processo de muda em indivíduos

adultos de Chasmagnathus granulatus, possivelmente pela inibição da secreção do

hormônio da muda (ecdisona). Entre outros efeitos, Barata e col. (2004), sugerem que

“metais pesados”, podem afetar a absorção de alimentos em microcrustáceos, tais como

cladóceros e copépodos e dessa forma reduzir a aquisição energética, e/ou aumentar a

demanda energética associada com o estresse causado por esses poluentes, afetando a

reprodução e o crescimento. Rodríguez e col. (2000) concluíram que o Cd é capaz de inibir

o crescimento/desenvolvimento gonadal em fêmeas de Uca pugilator (caranguejo violinista),

devido a um aumento na secreção do hormônio GIH ( gonad inhibiting hormone) que regula

o crescimento das gônadas.

Estudos com o hormônio hiperglicemiante de crustáceos CHH, (crustacean

hyperglycaemic hormone) realizados por Lorenzon e col., (2000) demonstram que vários

metais pesados, como Hg, Cd e Cu induzem a hiperglicemia. Esses autores perceberam

que o camarão Palaemon elegans mostrava uma resposta hiperglicêmica, entretanto os

efeitos fisiológicos observados dependiam de alguns outros fatores, tais como: o metal

testado, a concentração utilizada e o tempo de exposição.

O Cd, possui um efeito semelhante a bisfenóis policlorados e ao naftaleno, no que se

refere a capacidade de interferir sobre o controle endócrino da pigmentação, sendo capaz

de inibir a dispersão de pigmentos dos cromatóforos da glândula do seio; além deste efeito,

pode prejudicar o pigmento da retina distal impedindo-o de migrar em direção à luz em Uca

pugilator (Fingerman e col.,1998).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 398 Julho/2010

Para o filo dos crustáceos, espécies sentinela precisam ser estabelecidas

urgentemente para a elaboração de biomarcadores adequados ao monitoramento

ambiental. Algumas características básicas das espécies-sentinela consistem em: ser

capturadas em locais poluídos, bem como no local íntegro (controle), a biologia e as

mudanças sazonais do ambiente devem ser bem conhecidas e, de preferência,

ecologicamente importantes. Além disso, outro requisito para as espécies sentinela a serem

utilizadas para avaliar o impacto ecológico está no fato de que elas devem ser facilmente

cultivadas em laboratório, de preferência apresentar dimorfismo sexual, ter um ciclo de vida

curto e um sistema endócrino relativamente conhecido (Matthiessen e Johnson, 2007).

Figura 1- Controle endócrino da reprodução em crustáceos - XO: órgão X, SG: glândula do seio, MO: órgão mandibular, B: cérebro, TG: gânglio torácico, HEP: hepatopâncreas, OV: ovario, T: testiculo, AG: glândula androgênica, A.Gl.: glândula antenal, GIH: hormônio inibidor gonadal, GSH: hormônio estimulador gonadal, MOIH: hormônio inibidor do órgão mandibular, CHH: hormônio hiperglicemiante, MF: methyl farnesoato, OH: hormônio ovariano, AGH: hormônio da glândula androgênica e VITELL: vitelogenina. (Modificado de Rodrigues e col., 2007).

A seleção de uma espécie de crustáceo que preencha perfeitamente todos os

requisitos acima mencionados não é uma tarefa fácil. Por exemplo, dafnídeos têm tempos

de geração curtos e são facilmente cultivados, contudo são muito sensíveis a diversos

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Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 399

poluentes e seu sistema endócrino é pouco conhecido, por outro lado, decápodes são

relativamente resistentes a muitos poluentes, mas enquanto seu sistema endócrino é o mais

extensivamente estudado entre os crustáceos, seu ciclo de vida é relativamente longo e o

manejo em laboratório nem sempre é uma tarefa fácil. Portanto, a seleção de crustáceos

sentinela que ocorram no mesmo ambiente poderá requerer mais de uma espécie para o

monitoramento ambiental (Rodriguéz e col., 2007).

Alterações neuroendócrinas em teleósteos

Apesar do reconhecimento de que muitos xenobióticos alteram as funções

reprodutivas, o entendimento acerca dos mecanismos pelos quais tais alterações ocorrem

ainda são incipientes em muitos aspectos (Thibaut e Porte, 2004). Os esteróides sexuais

possuem duas funções clássicas em peixes: agem como fatores morfogenéticos durante a

diferenciação e maturação sexual. Considerando-se que poluentes (xenobióticos ou metais)

podem afetar tanto os receptores para os hormônios esteróides (expressão/ transcrição) e

as enzimas envolvidas na síntese dos mesmos, a figura 2 representa a conversão

bioquímica entre os principais hormônios da reprodução em teleósteos: 17 α

hidroxiprogesterona (17 OHP), 17α, 20 β dihidroxi-4 – prenen – 3 ona, Testosterona (T) 17 β

Estradiol (E2) e os possíveis sítios de ação de poluentes

A neuromodulação da reprodução em teleósteos ocorre principalmente através de

duas moléculas secretadas pela proximal pars distalis da hipófise, chamadas de

gonadotropinas, GTH – I e GTH – II, as quais são estruturalmente similares ao FSH

(hormônio folículo estimulante) e LH (hormônio luteinizante) de mamíferos, respectivamente.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 400 Julho/2010

Outra gonadotropina, o decapeptídeo GnRH (gonadotropin releasing hormone) e a

dopamina (DA), são os principais neurohormônios que estimulam e inibem a liberação das

gonadotropinas, respectivamente (Blazquez e col., 1998). Da mesma forma que ocorre para

os hormônios esteróides, o controle neuroendócrino da reprodução também é passível de

sofrer alterações por poluentes, ou seja, todo o eixo hipotálamo – hipófise – gônadas.

Processos neurodegenerativos: Manganês e Alumínio

Os metais “pesados” têm um importante papel em muitas doenças neurológicas. A

maioria destas doenças é decorrente da exposição excessiva proveniente do ambiente,

como por exemplo, envenenamento por chumbo. Um segundo grupo de doenças

neurológicas, está associado com deposições anormais de metais sem a exposição

ambiental excessiva, tais como a doença de Wilson. Há também um terceiro grupo de

transtornos nos quais a patogênese pode ser uma extensão natural da presença dos íons

metálicos (Montgomery, 1995). O sistema nervoso é um alvo sensível para uma variedade

de metais e a neurotoxicidade induzida por um metal tem sido descrita em seres humanos

em conexão com a poluição ambiental (Hg, Pb, Cu, Mn, Fe), uso de medicamentos (Li,

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Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 401

cisplatina, Bi, sais de ouro (Au)) e a ingestão acidental de inseticidas e raticidas contendo As

ou sais de tálio (Ti) (Manzo, 2007).

A exposição crônica a certos metais tem sido relacionada a fisiopatologia de algumas

doenças neurodegenerativas, tais como a doença de Alzheimer, a doença de Parkinson, e a

esclerose amiotrófica; no entanto, os dados ainda são controversos (Manzo, 2007). Pb, Al e

Mn são muitas vezes (mas não sempre) encontrados em excesso na autópsia do sistema

nervoso obtidos de vítimas dessas desordens neurológicas; entretanto, doenças do sistema

nervoso também podem ser induzidas pela deficiência de metais, logo Zn, Cu e Mn são

exemplos de elementos essenciais ao organismo, cuja deficiência pode levar a distúrbios

neurológicos. Essa deficiência pode resultar da ingestão inadequada de alimentos, efeitos

de drogas e outras situações em que as perdas corpóreas do metal são aumentadas

(Manzo, 2007).

Tabela 1: Metais e doenças neurogenerativas em humanos

Metais neurotóxicos

Neurodegeneração

associada a metais

acumulados no cérebro

Neurodegeneração

associada a deficiências de

metais essenciais

Chumbo (Pb)

Mercúrio (Hg)

Lítio (Li)

Manganês (Mn)

Tálio (Ti)

Arsênio (As)

Bismuto (Bi)

Sais de ouro (Au)

Chumbo (Pb)

Mercúrio (Hg)

Manganês (Mn)

Alumínio (Al)

Cobre (Cu)

Manganês (Mn)

Cobre (Cu)

Zinco (Zn)

Manganês

O manganês é encontrado em todos os tecidos e é fundamental para muitos

processos fisiológicos, como por exemplo, na regulação dos processos reprodutivos, no

metabolismo de carboidratos, lipídios, proteínas e como co-fator de várias enzimas

(Prestifilippo e col., 2007), por exemplo, a SOD manganês (superóxido dismutase), e

glutamina sintetase (enzima que sintetiza glutamina do neurotransmissor glutamato). Na

verdade, cerca de 80% do manganês no cérebro está contido nesta enzima (Quintanar,

2008); como também para as metaloenzimas (manganoproteínas) envolvidas no

metabolismo do oxigênio e do nitrogênio (Morello e col., 2007) e enzimas relacionadas ao

DNA e neurotransmissores (Lima e col., 2008).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 402 Julho/2010

Em relação à toxicidade do manganês, independente da rota de absorção, quando em

altas concentrações torna-se tóxico para o cérebro e pode acarretar em desordens

neurológicas caracterizadas inicialmente por sintomas psicóticos semelhantes à doença de

Parkinson que resultam em uma síndrome conhecida por manganismo (Morello e col.,

2007), cujos sintomas são bradicinésia, rigidez e distonia (Gerber, 2002). O manganismo

está associado ao acúmulo de manganês no cérebro, mais especificamente em estruturas

do gânglio basal, putamen caudato, globus pallidus, substância negra, hipotálamo e núcleo

subtalâmico (Erickson e col., 2004).

Algumas células do SNC, particularmente os astrócitos, regulam o metabolismo de

neurotransmissores, a concentração de íons e removem toxinas do espaço extracelular,

portanto, um estressor, como por exemplo, um íon metálico, pode induzir disfunções sobre

estas células e conseqüentemente sobre neurotransmissores, como o gaba, o glutamato e a

dopamina, ambos do fluído extracelular (Takeda e col., 2003).

Segundo Erickson & Aschner (2003), a chave para as alterações neuroquímicas

associadas com a neurotoxicidade do Mn são modificações nos níveis do glutamato

extracelular, pois o glutamato é o mais freqüente neurotransmissor excitatório, enquanto que

o GABA é o mais abundante neurotransmissor inibitório. Estes mesmos autores ainda

apontam que alterações sobre estes neurotransmissores podem contribuir para

modificações sobre o metabolismo da dopamina.

Alumínio

A exposição às altas concentrações de Al, assim como de Mn, resulta em efeitos

neurotóxicos sobre o sistema nervoso central (SNC) de mamíferos. No caso do alumínio,

não se conhece um papel fisiológico no organismo (Nayak, 2002), desta forma este metal

pode produzir efeitos fisiológicos adversos, entre os quais estão alterações bioquímicas,

imunológicas respiratórias cardiovasculares, endócrinas (Campbell & Bondy, 2001),

neurológicas, esqueléticas, hematológicas, insuficiência renal avançada (Zatta e col., 2003),

entre outras. Aparentemente o efeito mais pronunciado ocorre sobre o SNC, com sintomas

similares aos que ocorrem na doença de Alzheimer.

Desregulação endócrina causada pela exposição ao Al

Distúrbios reprodutivos têm sido propostos como a principal razão para o declínio de

populações ícticas (Vuorinen e col., 1991). Em países escandinavos, o alumínio presente na

água (rios e lagos) juntamente com os efeitos de acidez, despontam como os principais

agentes responsáveis por este quadro (Poléo e col., 1997), que não se limita a estes países,

incluindo-se aqui os Estados Unidos e Canadá (Heming & Blumhagen, 1988).

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Ecotoxicologia Aquática

Julho/2010 Pág. 403

O Al presente nestes rios e lagos não têm sua fonte diretamente relacionada a

efluentes antrópicos, pois originalmente está presente em constituintes geológicos naturais

do solo, sendo mobilizado para a coluna d’água principalmente por intermédio de eventos de

precipitação ácida (Bjerknes e col., 2003). Entretanto, este metal, em sua forma sulfatada

(alum) é amplamente utilizado em estações de tratamento de água como coagulante de

partículas sólidas e o resultante desta combinação é descartado para cursos d’água

adjacentes (Hullebusch e col., 2002).

O Al não é encontrado em seu estado puro na natureza (Constantino e col., 2002),

mas sim sob a forma mineral, sendo o mesmo observado para o Mn (Lima e col., 2008). A

solubilidade e a disponibilidade biológica de metais dependem não apenas da concentração,

mas também das formas físico-químicas nas quais podem vir a ocorrer (Kalembiekiewics e

col., 2008). Este metal não é muito solúvel em água, entretanto a chuva ácida (formando

ácidos inorgânicos) pode solubilizar parte deste metal produzindo uma diversidade de

complexos e formas físico-químicas, desde simples formas iônicas a polímeros, colóides e

partículas. O principal fator abiótico que influencia as diferentes espécies químicas

apresentadas por este metal é o pH (Teien, 2007). De maneira geral, pode-se dizer que o

pH tem um forte controle na especiação de metais, pois influencia a hidrólise metálica, a

polimerização, a agregação, a precipitação e a competição de prótons por locais de ligação

disponíveis (Smith, 1996).

As condições em que o Al torna-se mais tóxico para os organismos aquáticos e mais

facilmente absorvido ocorre em pH ácido; íons de Al e de H+ podem interferir sobre a

atividade de hormônios esteróides, desde alterações nos processos de síntese nas gônadas

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(Mount e col., 1988; Kime, 1995; Tam e col., 1987; Tam & Zang, 1996), alterações sobre a

vitelogênese (Mugyia & Tanahashi, 1998; Hwang e col., 2000, Berg e col., 2004), alterações

sobre a síntese e atividade gonadotrópica (Kime, 1995) e alterações na maturação e desova

de oócitos (Vuorinen & Vuorinen, 1991; Vuorinen e col., 2003).

Atualmente, apenas alguns poucos estudos apontam as conseqüências endócrinas da

exposição ao Al em teleósteos, pois a maior parte dos estudos refere-se a

neurodegeneração em humanos. Nesse caso, é conhecido para Oreochromis niloticus

(tilápia) que o Al possui um efeito anti-esteroidogênico, pois esse metal em pH 5,5 foi capaz

de reduzir a concentração plasmática de 17 α – OHP , após exposição aguda (96 h); porém,

os mecanismos bioquímicos pelos quais o Al causa essa desregulação endócrina ainda são

desconhecidos (Correia e col., 2010).

Sabe-se que os progestágenos são produzidos sob o controle do LH (Young e col.,

2005), portanto a diminuição na concentração de 17 OHP de O. niloticus poderia estar

relacionada a um efeito tóxico na hipófise suprimindo a síntese, ou a expressão do LH, ou

ainda um efeito tóxico sobre o hipotálamo em que a síntese/expressão do GnRH tenha sido

suprimida/reduzida. No entanto, devido aos conhecidos efeitos do Al e de outros metais

sobre a atividade enzimática, a possibilidade de este metal ter estimulado a atividade da

enzima 20β-hidroxiesteróide desidrogenase (20β HSD), responsável pela conversão da 17

OHP em 17 α, 20 β-diidroxi-4-pregnen – 3 - one (17,20 P), também conhecida por MIS (do

inglês, maturation induction steroid) não pode ser excluída (Young e col., 2005).

Como nos mamíferos, o controle da síntese de esteróides nos ovários de peixes é

mediado pelo FSH e LH, sendo esta uma via que envolve pelo menos parcialmente,

proteínas quinases (PK) (Méndez e col., 2003) e cAMP nas camadas foliculares (Planas e

col., 1997). Substâncias que promovem o aumento do cAMP intracelular também podem

estimular a esteroidogênese (Kanamori e Nagahama, 1988). Antagonistas de cAMP podem

bloquear parcialmente a ação esteroidogênica das gonadotropinas (Planas e col., 1997). Na

verdade, o efeito estimulante do LH na síntese de esteróides está relacionado à ativação de

PKA/cAMP (Méndez e col., 2003). Portanto, o conhecido efeito do Al sobre a fosforilação

anormal na ativação da PK dependente de cAMP pode ser a causa dos níveis plasmáticos

alterados de 17 OHP em resposta à ação do LH após a exposição ao Al (Correia e col.,

2010). Nesse contexto, é importante notar que Morrissey e col. (1983) observaram que o Al

reprimiu a síntese do hormônio da paratireóide devido a uma diminuição dos níveis de

cAMP.

Sabe-se também que o Al em teleósteos é capaz de inibir a síntese e/ou exportação

de vitelogenina (VTG) do fígado para o plasma, no entanto o exato mecanismo pelo qual

este metal inibe a síntese de VTG não é bem compreendido. Como mencionado acima, o Al

é conhecido por induzir ou inibir fosforilações anômalas pela ativação das proteínas

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Ecotoxicologia Aquática

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quinases dependentes de cAMP (Johnson & Jope, 1987). O Al pode interferir sobre a

fosforilação da VTG, que em sua constituição normal contém um grupo altamente

fosforilado, a fosvitina (Mugyia e col., 1998).

Outro efeito do Al está na sua capacidade de impedir a transcrição do RNAm da VTG

(Hwang e col., 2000), pois também é possível que os íons de Al possam atuar sobre os

receptores de E2, impedindo a formação do complexo ER-E2, inibindo dessa forma a

ativação do gene da VTG pelo E2. Este mecanismo foi sugerido para o Al, pois foi observado

para o Zn e Cu (Yeo e col., 1997), cujos efeitos sobre a vitelogênese da mesma forma que o

Al, são reversíveis. Hwang e col. (2000) sugerem que a influência do alumínio sobre os

níveis transcricionais do RNAm da VTG depende da concentração deste metal, e a VTG

quando transportada no plasma, liga-se a íons metálicos, como o Zn, Ca e Mg (Falchuk &

Montorzi, 2001).Sugere-se que o Al, quando em altas concentrações no plasma também

seja capaz de se ligar a VTG, possivelmente nos mesmos locais que os íons essenciais

ligam-se nesta molécula.

Desregulação endócrina causada pela exposição ao Mn

Vários estudos com mamíferos in vivo e in vitro têm relatado que o Mn altera os níveis

de neurotransmissores como a dopamina (DA), o glutamato (Glu), e o ácido gama

aminobutírico (GABA) (Quintanar, 2007); esses três neurotransmissores são intimamente

relacionados e, por conseguinte, uma alteração em um deles inevitavelmente terá efeito

sobre os outros. Por exemplo, no metabolismo de Glu e GABA, o Glu é transformado em

glutamina (Gln), por uma enzima chamada glutamina sintetase – Mn, e a Gln, por sua vez

pode ser convertida em GABA pela enzima ácido glutâmico desidrogenase (Hazell, 2002).

Todas essas inter-relações têm complicado a interpretação dos resultados referentes aos

níveis de neurotransmissores em consequência da neurotoxicidade do Mn (Erickson e

Aschner, 2003)

Embora seja conhecido que o Mn é um desregulador neuroendócrino, o mecanismo

pelo qual altera os níveis de Glu, GABA e DA ainda não foi elucidado, e apesar de que tais

estudos sejam conduzidos devido a relação deste metal com neuropatias humanas, deve-se

levar em consideração que a desestruturação no metabolismo da DA, principalmente, pode

afetar o controle neuroendócrino da reprodução em vertebrados, pois a DA é um agente

inibidor na síntese de hormônios hipofisários (Erickson e Aschner, 2003).

O Mn pode aumentar/estimular a liberação de LHRH (hormônio liberador de LH) no

hipotálamo de roedores devido a sua capacidade de estimular a atividade da óxido nítrico

sintetase (ONS), resultando em aumento na produção de óxido nítrico (ON) e,

consequentemente, no aumento do cGMP (guanosina monofostato cíclico), PKG (proteína

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quinase G) e finalmente, no aumento da liberação de LHRH (Lee e col., 2007; Pine e col.,

2005). Globalmente, estes resultados sugerem que, embora este metal possa facilitar a

secreção de LHRH. existem importantes diferenças quanto à sensibilidade entre sexos e o

estágio de maturação (Prestifilippo e col., 2007).

Paralelamente aos mecanismos bioquímicos envolvidos na liberação do LHRH acima

mencionados, o GLU e as catecolaminas são importantes neurotransmissores envolvidos na

liberação deste neurohormônio (Cheng, 2005). O GLU estimula os terminais neuronais

noradrenérgicos resultando na liberação de norepinefrina (NE); que por sua vez, ativa

receptores α 1 - adrenérgicos localizados em neurônios nitridérgicos, assim, aumentando o

cálcio intracelular (Ca2+). Este ativa a ONS e leva a produção de ON (Rettori e col., 1993).

Além disso, o Mn (na forma MnCl2) é capaz de estimular a secreção de DA e a atividade da

NOS. Foi demonstrado que a DA pode induzir ONS / ON (Melis e col., 1994, 1996), e com

base no importante papel do ON no controle da LHRH (Rettori e col., 1993), sugere-se que a

ativação de DA / ON pode mediar a estimulação e a secreção de LHRH (Quintanar, 2007).

Os conhecidos efeitos do Mn na estimulação do controle hipotalâmico na secreção de

gonadotropinas, como por exemplo, na relação LHRH/LH e na alteração/elevação dos níveis

séricos de LH, FSH e E2 gonadal (Lee e col, 2007) deixa evidente seu potencial em impactar

a reprodução em mamíferos (Pine e col., 2005). Efeitos similares são esperados para os

demais vertebrados, embora dados na literatura a este respeito sejam escassos ou

praticamente inexistentes.

A exposição ao Mn (roedores machos) diminui a concentração plasmática de

testosterona (T); estes dados sugerem que as células de Leydig podem ser um alvo para o

Mn nos testículos (Cheng e col., 2003). No início da esteroidogênese gonadal, o transporte

de colesterol nas células é mediado pela proteína StAR (steroidogenic acute regulatory),

sendo esta uma proteína da família das fosfoproteínas mitocondriais expressas nos tecidos

adrenal e gonadal por estimulação dos hormônios ACTH, LH e FSH (Stocco e Clark, 1996);

Após isso, o colesterol é convertido em pregnenolona através da atividade do complexo

enzimático localizado na membrana interna das mitocôndrias, o citocromo P450scc (side

chain clivage), que promove a clivagem da cadeia lateral do colesterol (Martyniuk e col.,

2006).

Experimentos conduzidos por Chang e col, (2005) demonstraram que o Mn é capaz de

suprimir a expressão da proteína StAR, impedindo que o colesterol chegue como substrato

para a enzima P450scc, bloqueando a esteroidogênese nas células de Leydig. Tal fato é

possível pois este metal interrompe o gradiente eletroquímico através da membrana

mitocondrial interna (Walsh e col., 2000).

Muito pouco é conhecido sobre a relação entre o Mn e os hormônios da tireóide.

Postula-se que o Mn pode afetar a homeostase dos hormônios tireoidianos agindo

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Ecotoxicologia Aquática

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diretamente sobre glândula tiróide e seus respectivos hormônios (T3 e T4), ou indiretamente

através de alterações no controle dopaminérgico da glândula tireóide (Soldin e Aschner,

2007). A dopamina é um modulador na secreção do TSH e os efeitos prejudiciais de

manganês para os neurônios dopaminérgicos podem resultar em efeitos profundos sobre a

síntese de hormônios tireoidianos. Os poucos dados disponíveis atualmente sugerem que o

Mn pode afetar diretamente os hormônios tireoidianos, alterando a enzimas deiodinases

(Soldin e Aschner, 2007).

A concentração plasmática de prolactina (PRL) foi utilizada como biomarcador no

índice de exposição biológica ao Mn em alguns casos específicos, como por exemplo, para

trabalhadores (soldadores) no qual foi constatada uma elevação da concentração deste

hormônio (Kim e col., 2007). Embora a PRL seja um dos hormônios que são

produzidos/controlados pela hipófise, não existem estudos que expliquem a relação dos

hormônios que controlam a secreção de PRL, tais como a DA e o hormônio estimulante da

tiróide (TRH) com a exposição ao Mn (Ellingsen e col., 2003).

Devido à complexidade das mudanças hormonais no sistema endócrino, ainda não se

dispõe de uma ferramenta eficaz para a avaliação integrada das respostas e da interação

entre os hormônios e os contaminantes metálicos.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 424 Julho/2010

Page 435: Fisiologia comparada USP 2010

Unidade 7

Fisiologia Comparada de Invertebrados Marinhos: Trocas Gasosas, Digestão e Sistema Imune

Patrícia Lacouth

Lab. de Biologia celular de invertebrados marinhos

[email protected]

Nesta unidade iremos abordar e caracterizar de forma geral os principais

mecanismos fisiológicos que conferem à diferentes grupos de invertebrados

marinhos a capacidade de exploração e colonização de seu ambiente. Descrever

diferentes mecanismos fisiológicos utilizados pelos principais grupos marinhos para

a integração de alguns de seus sistemas e atividades. Mostrando similaridades dos

seus sistemas respiratório, digestório e imunológico com os de animais mais

complexos. Buscando despertar a curiosidade e sentido de observação na

descoberta de fenômenos fisiológicos nestes organismos. Foi estudando

invertebrados marinhos que muitas descobertas foram feitas sobre os mecanismos

mais simples de sobreviência e manutenção da homeostase.

Page 436: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 426 Julho/2010

Todos os capítulos revisados pelo Prof Dr. Márcio Reis Custódio

Capítulo 33 Trocas gasosas em invertebrados marinhos pág. 427

Suélen Felix

Capítulo 34 Adquirindo energia: formas de alimentação e digestão em inverte-

brados marinhos pág. 435

Camila Queiróz

Capítulo 35 Efeitos da toxicidade de metais no metabolismo de organismos

aquáticos pág. 455

Patrícia Lacouth

Bibliografia pág. 467

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

Julho/2010 Pág. 427

Trocas gasosas em invertebrados marinhos

Suélen Felix Lab. de Biologia Celular de Invertebrados Marinhos

[email protected]

Introdução

O modelo de trocas gasosas em organismos com respiração aérea ou aquática é

determinado por características anatômicas e circulatórias e por propriedades físicas do

meio respiratório, especificamente com relação à solubilidade e à difusibilidade do oxigênio

na água e no ar (Weibel, 1984; Bicudo e Weibel, 1987).

Suprir com O2 as células metabolicamente ativas do interior do corpo dos indivíduos

e retirar eficientemente o CO2 é um dos problemas fundamentais para a sobrevivência de

todos os organismos (Schmidt-Nielsen, 2002). Os problemas são diferentes na água e no ar

por duas razões principais: (1) o ar é rico em oxigênio enquanto que em uma mesma

pressão parcial o conteúdo de oxigênio na água é 30 vezes menor por causa da sua baixa

solubilidade; (2) o oxigênio se difunde 300 000 vezes mais rápido através do ar do que

através da água (Tab. 1) (Schimidt-Nielsen, 2002). Por esses motivos os invertebrados

marinhos desenvolveram estratégias e órgãos respiratórios diferentes para se adaptarem as

peculiaridades exigidas pelo meio que habitam (Bicudo e Weibel, 1987).

Tabela 1. Comparação entre ar e água enquanto meios respiratórios, destacando-se a concentração

de oxigênio e sua constante de difusão nesses dois meios (Modificado de Schimidt-Nielsen, 2002).

Princípios para a determinação dos modelos de trocas gasosas

Em princípio, a função das trocas gasosas seja em organismos de respiração aérea

ou de respiração aquática é supri-los constantemente com O2 para atender suas demandas

e também eliminar dos compartimentos interiores do corpo o CO2 que é o gás final da

combustão (Fig. 1) (Gray, 1954). A eficiência das trocas gasosas é determinada por certas

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 428 Julho/2010

propriedades estruturais que serão discutidas a seguir. Entretanto, as trocas gasosas entre

a água ou o ar e o sangue são determinadas por três princípios básicos: a) quanto maior for

a área da superfície da troca gasosa maior é sua eficiência; b) quanto menor for a

espessura das barreiras de tecido que separa o capilar e o meio respiratório maior será a

taxa de troca e; c) quanto maior o número de capilares sanguíneos expostos água ou ao ar

mais melhor será a difusão dos gases (Meban, 1980).

Figura 1. Troca gasosa entre o interior do corpo e o meio respiratório via difusão simples.

Modificado de http://www.uic.edu/classes/bios/bios100/summer2002/lect17.htm (09/05/2010).

Design dos órgãos respiratórios

Por causa do conteúdo de O2 na água ser aproximadamente 30 vezes menor na

água do que no ar e também por causa da baixa difusibilidade do O2 na água, os

organismos com respiração aquática precisam renovar o meio ao redor da superfície de

troca gasosa em uma taxa maior do que o sangue dos capilares é renovado (Bettex-Galland

e Hughes, 1973). A ventilação é constante nos pulmões, mas normalmente contínua e

unidirecional nas brânquias (Burri, 1985). O design básico das brânquias é um conjunto de

fendas que fornece um fluxo laminar de água - as fendas branquiais - separadas pelos arcos

branquiais (Fig. 2). Quando a demanda respiratória aumenta, a ventilação das fendas é

realizada de forma mais complexa, adicionando-se estruturas secundárias (filamentos) e

terciárias (lamelas) aos arcos branquiais (Fig. 3). Isso é alcançado pela construção dessas

estruturas de troca gasosa sobre um sistema vascular estruturado hierarquicamente. Desta

forma, a estrutura das brânquias forma-se como evaginações dos arcos branquiais dentro

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

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das câmaras branquiais. O princípio dessa construção fornece ventilação através de um

fluxo de água contínuo, sem a formação de bolsas de água e de espaços mortos virtuais,

onde o O2 não conseguiria se difundir (Gray, 1954).

Figura 2. Estrutura branquial mostrando fluxo laminar de água passando pelas fendas branquiais

onde estão evidenciados os capilares sanguíneos e as trocas gasosas que ocorrem nessas

estruturas. Modificado de http://www.biologyreference.com/Fo-Gr/Gas-Exchange.html (09/05/2010).

Figura 3. Estrutura secundária (filamentos branquiais adicionais) e terciária (lamelas) que são

formadas quando os organismos requerem maiores demandas respiratórias. Modificado de

http://www.revisionworld.com/country.php (10/05/2010).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 430 Julho/2010

Respiração aérea versus respiração aquática: contraste dos designs

As trocas gasosas que evoluíram diferentemente para a respiração aérea e aquática,

respectivamente, têm seus designs adaptados para as condições de limite das trocas

gasosas impostas pelo meio respiratório (Bicudo e Weibel, 1987). Brânquias de

invertebrados e peixes mostram basicamente o mesmo padrão de design: a vascularização

está contida em lamelas paralelas que estão circundadas por um fluxo de água constante e

o órgão respiratório é evaginado (Fig. 4a) (Weibel, 1984). Nos órgãos respiratórios aéreos

os maiores riscos são a perda de água e os estresses mecânicos gerados na superfície ar-

tecido. A invaginação da trocas gasosas contribui para a solução de ambos os problemas,

sem haver desvantagem na ventilação (Fig. 4b) (Burri, 1985). As forças mecânicas são

suprimidas nos insetos, pois a traquéia é composta por uma espiral rígida de quitina. Nos

pulmões essas forças são compensadas montando os elementos das trocas gasosas

(septos alveolares) em um sistema fibroso mantido constantemente sob tensão, e provendo

a superfície com uma camada surfactante (Meban, 1980).

Figuras 4a e b: figura 4a mostrando sistema respiratório aquático evaginado de um nudibrânquio,

figura 4b mostrando a invaginação de sistema respiratório aéreo.

Adaptações primárias em invertebrados para a respiração em meio aquático

As esponjas são os invertebrados marinhos mais basais, não apresentam tecidos

verdadeiros, portanto, nem brânquias e nenhum tipo de sistema, nesses animais as trocas

gasosas acontecem por difusão simples em uma relação direta água-célula, devido á

constante corrente de água que fui pelo interior do corpo desses indivíduos (Fig. 5a). Esta

corrente de água é promovida pelo batimento dos flagelos de células especializadas

chamadas coanócitos que se localizam dentro de câmaras no interior do corpo das esponjas

(Randall e col., 2001). Da mesma forma que as esponjas, os cnidários, não possuem

brânquias, nem outro tipo de órgão respiratório. Nos indivíduos pertencentes a este filo, as

trocas gasosas acontecem por difusão simples através da superfície do corpo (Fig. 5b)

(Randall e col., 2001).

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

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Figura 5a e b. Trocas gasosas em esponjas e cnidários respectivamente.

Moluscos aquáticos como polvos e lulas, têm brânquias especialmente

desenvolvidas para as trocas gasosas, enquanto que nos bivalves, as brânquias exercem

função dupla (respiração e alimentação por filtração). Os cefalópodes em geral são animais

muito ativos requerendo trocas gasosas mais efetivas as quais são realizadas facilitadas

pela circulação capilar nas brânquias e pela presença de pigmento respiratório no sangue,

normalmente hemocianina (Fig. 6). Gastrópodes aquáticos, embora menos ativos que os

cefalópodes também possuem brânquias e hemocianina como pigmento circulatório

(Randall e col., 2001).

Figura 6 –

Brânquias de

polvo. O

esquema ao

centro mostra o

primeiro vaso

aferente que

leva para as

brânquias o

sangue

desoxigenado

que é distribuído

inicialmente via

vaso aferente

secundário e

então via vaso aferente terciário. Já os vasos eferentes secundários são responsáveis por levar até o

vaso eferente primário o sangue rico em oxigênio, que será então conduzido para as demais partes

do corpo do organismo. Acima brânquia de polvo mostrando vaso eferente primário e embaixo a

esquerda vaso aferente terciário. http://tolweb.org/articles/?article_id=4200 (11/05/2010).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 432 Julho/2010

Nos equinodermos as trocas gasosas normalmente são feitas através do sistema

hidrovascular ou ambulacrário, entretanto, nos equinóides, além do sistema hidrovascular

existem brânquias externas próximas a cavidade oral que auxiliam este processo. Nos

holoturóides as trocas gasosas ocorrem de forma diferenciada, certa quantidade de água

entra através da cloaca e fica em contato com uma grande estrutura chamada árvore

respiratória por cerca de 6-10 minutos. Esse tempo é o necessário para as torças gasosas

acontecerem, após esse período a água é liberada em uma única contração (Fig. 7)

(Randall e col., 2001).

Figura 7. Morfologia interna de holotúria, enfatizando a ampla estrutura da árvore respiratória, que é o

órgão responsável pelas trocas gasosas nesses organismos. http://www.tolweb.org/Holothuroidea

(11/05/2010).

Crustáceos aquáticos apresentam brânquias que são normalmente ventiladas por

movimentos de apêndices especiais o que garante um maior aporte de água nessas

estruturas e conseqüentemente maior oxigenação (Fig. 8). Crustáceos de maior tamanho

são melhores vascularizados e contém pigmento circulatório (hemocianina) no sangue,

embora não desenvolvam capilares como os encontrados nos cefalópodes (Randall e col.,

2001).

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

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Figura 8. Diagrama do sistema ventilatório em crustáceos decápodes, mostrando o padrão de fluxo

de água através da câmara branquial, com a água entrando pela base dos pereópodes, fluindo

através das brânquias e saindo pelo canal exalante (Modificado de Taylor, 1982).

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Adquirindo energia: formas de alimentação e digestão em invertebrados marinhos

Camila Queiroz Lab. de Biologia Celular de Invertebrados Marinhos

[email protected]

Os animais precisam se alimentar para prover a energia necessária para

permanecerem vivos e manterem processos físicos como a contração muscular,

crescimento e reprodução. Utilizam o alimento também como matéria-prima para formar e

manter mecanismos celulares e metabólicos (Eckert, 2000). Este alimento é conseguido por

meio de uma diversidade de métodos mecânicos, que determinam a natureza do que um

dado animal pode obter e utilizar (Shmidt-Nielsen, 2002).

Obter uma alimentação adequada em quantidade e qualidade dispende muito tempo

da rotina comportamental da maioria dos animais. Certamente sua fisiologia e morfologia

são o resultado da seleção natural que favorece a aquisição efetiva de energia dos

alimentos, evitando que o predador se torne presa ao se alimentar.

A principal razão para que os animais utilizem diversos mecanismos de alimentação

relaciona-se com os nutrientes que devem ser adquiridos pelo predador. Esta captura

envolve como a presa deve ser localizada, identificada, subjugada e ingerida. Em contraste

com a simplicidade das palavras, a diversidade dos mecanismos existentes é complexa.

Esponjas marinhas carnívoras, cnidários com toxinas, estrelas do mar que se alimentam

invaginando sua presa no estômago.

Entre os invertebrados marinhos há um grande número de espécies com níveis de

complexidade alimentar diferentes. O método de alimentação que é menos especializado

envolve a absorção de nutrientes diretamente através da superfície do corpo. Este processo

chamado de endocitose ocorre a nível celular e pode ser dividido em fagocitose e

pinocitose. As outras formas de alimentação incluem a filtração, comum em uma ampla

variedade de espécies; animais que se alimentam de detritos orgânicos depositados no

substrato, e outros que possuem mecanismos que evoluíram para manipular maiores

massas alimentares, incluindo vários dispositivos para a apreensão, raspagem, perfuração,

mordedura e mastigação (Hickman et al 2001).

O alimento obtido consiste de matéria orgânica e grande parte dele pertence a três

grupos principais: proteínas, lipídios e carboidratos. Estes três tipos de compostos orgânicos

dominam completamente a composição de quase todos os vegetais e animais, que são

presas potenciais de diversos outros.

Seja o alimento utilizado como combustível, para desenvolvimento ou manutenção,

as grandes moléculas de alimento são inicialmente degradadas em unidades mais simples;

estas são então absorvidas e podem ser incorporadas ou metabolizadas para fornecer

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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energia. A principal função da digestão é decompor com o auxílio de enzimas, as moléculas

grandes e complexas presentes no alimento de modo a torná-las absorvíveis e disponíveis

para as células (Fig. 1) (Shmidt-Nielsen 2002).

Figura 1 - Sequência de acontecimentos durante a digestão.

Todos os filos animais evoluíram no mar, um habitat muito estável e uniforme, a não

ser nas zonas costeiras e entre-marés. As espécies marinhas necessitam então, de dois

requisitos principais para a sobrevivência – ambos relacionados com a alimentação. Elas

devem obter alimento em quantidade suficiente e evitar transformar-se em alimento de

outros organismos. A forma de obtenção do alimento e a otimização de seus nutrientes

entre os invertebrados marinhos é bastante diversa e uma abordagem dos processos que

ocorrem em esponjas, cnidários, moluscos, crustáceos e equinodermos são abordadas

neste capítulo.

Poríferos

Quase todas as esponjas dependem da digestão intracelular, e, portanto, da

fagocitose e pinocitose como captura de alimento. Para que estes processos ocorram nas

esponjas, a circulação da água é feita de forma orientada. Ao entrar a água traz partículas

alimentares; ao sair, remove excretas nitrogenadas. Esponjas são consumidoras seletivas

em relação ao tamanho das partículas, com tamanhos de poros variando na maioria das

espécies entre 5 e 50 µm. (Bergquist, 1978; Simpson, 1984) Cerca de 80% da matéria

orgânica absorvida por demosponjas tinham tamanho menor do que o observável por

microscopia ótica e 20% são bactérias e dinoflagelados (Reiswig 1970). A água penetra na

esponja pelos poros inalantes, percorre os canais do corpo e alcança uma grande cavidade

central — o átrio ou espongiocele (Fig. 2). Os coanócitos revestem o átrio ou, na maioria dos

casos, pequenas câmaras que ficam no trajeto dos canais. O agitar dos flagelos dessas

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

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células provoca um fluxo de circulação da água, puxando-a de fora para dentro do corpo.

Ondulações nos colares dos coanócitos movem as partículas alimentares capturadas em

direção ao corpo celular destas células, onde são ingeridas por pinocitose ou fagocitose.

Esponjas não possuem cavidade digestiva específica, e todo processo alimentar é

intracelular. Os coanócitos digerem as partículas parcialmente e passam diretamente para

outra célula no interior da matriz para a digestão final. A fagocitose também pode ser

realizada diretamente pelos arqueócitos, com a formação de vacúolos digestivos (Bergquist,

1978; Simpson, 1984).

Embora a maioria possua a filtração como modo de alimentação, algumas esponjas

marinhas são conhecidas por abrigar organismos fotossintetizantes. Esses simbiontes,

cianobatérias e dinoflagelados, produzem compostos utilizados pela esponja, e a utilizam

como substrato.

Figura 2 - Morfologia e funcionamento da digestão em esponjas. Disponível em:

http://www.mun.ca/biology/scarr/Porifera.htm.

Outra forma de obtenção de alimento diferenciada ocorre em espécies de esponjas

da família Cladorhizidae. Espécies desta família não possuem sistema aqüífero e são

carnívoras, se alimentando de pequenos crustáceos (Fig. 3). Utilizam espículas em forma de

gancho para capturar as presas, que depois são envolvidas por células que efetuam a

digestão e a absorção. (Vacelet & Boury-Esnault 1995).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Figura 3 - Esponja carnívora se alimentando; a. microcrustáceos sendo presos nas espículas; b.

presa sendo envolvida pela esponja. (Vacelet & Boury-Esnault 1995)

Cnidários

Diferentemente das esponjas, os cnidários apresentam uma cavidade digestiva, a

cavidade gastrovascular ou celêntero, vindo dai o nome do grupo (gastro= estômago; cele =

oco; êntero= intestino) (Fig. 4). No entanto, não possuem uma abertura anal, o que

caracteriza um tubo digestivo incompleto. A gastroderme possui células glandulares que

produzem enzimas digestivas e atacam o alimento no celêntero (digestão extracelular), e

células que fazem a digestão intracelular dos fragmentos alimentares parcialmente

digeridos. Os resíduos são expulsos pela boca.

Figura 4: Esquema geral do corpo de cnidário (Brusca e col.,2003)

Nas formas mais volumosas, a cavidade digestiva ou celêntero é ramificada,

facilitando a chegada do alimento a todos os pontos do corpo. De certa forma, essa

ramificação da cavidade digestiva substitui o aparelho circulatório (por isso é chamada

cavidade gastrovascular) (Brusca & Brusca 2005, Eckert 2000, Hickman 2001).

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

Julho/2010 Pág. 439

Cnidários são conhecidos como

predadores nas cadeias ecológicas

marinhas e sua alimentação consiste

principalmente de animais

macroscópicos, embora alguns utilizem

microzooplâncton, outros que habitam

substratos perto da superfície podem

conter formas simbiontes, e alguns

consomem diretamente material

orgânico dissolvido (Arai, 1997).

Entretanto, são considerados últimos

consumidores nestas cadeias

alimentares, já que não são muito

predados, provavelmente devido a seu

corpo gelatinoso possuir baixo valor

energético (Sommer et al.2002).

Na maioria dos cnidários, defesa

e alimentação estão intimamente relacionadas. Os tentáculos da maioria das anêmonas e

águas-vivas servem a ambos os propósitos, e os pólipos defensivos das colônias de

hidrozoóides frequentemente auxiliam também na alimentação. Esses animais utilizam

toxinas, a maioria com atuação no sistema nervoso, para subjugar a presa mas também

para espantar predadores. Os nematocistos, concentrados em grandes quantidades sobre

os tentáculos alimentares, injetam toxinas paralisantes nas presas e as imobilizam enquanto

os tentáculos levam o alimento até a boca (Eckert, 2000) (Fig. 5)

Para facilitar a digestão, há na gastroderme células produtoras de enzimas que

facilitam a digestão e cílios que ajudam a misturar os conteúdos do trato digestivo. Como

resultado dessa fase inicial é produzido um caldo de polipeptídios, gorduras e carboidratos

que células absorvem por processos de endocitose. A digestão se completa no interior

dessas células, com a formação de vacúolos alimentares.

Como vários organismos aquáticos, os cnidários obtém parte do alimento de

populações de algas simbióticas – autótrofos sintetizantes. Após as algas sintetizarem

moléculas orgânicas de precursores inorgânicos utilizando luz solar, elas exportam algumas

das moléculas orgânicas para o tecido do animal hospedeiro. Os corais formadores de recife

são os mais famosos animais que obtem compostos orgânicos através de algas simbiontes

endógenas. Todas as seis mil espécies de corais tropicais conhecidos contem algas

simbiontes. Alem de prover energia ao coral, estas algas facilitam a formação do esqueleto

de calcário desses cnidários (Hill e col 2008).

Figura 5: Sistema digestório de cnidários (Modificado de Hill e col., 2008)

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 440 Julho/2010

Vários outros grupos de cnidários também adotaram métodos de alimentação que

não dependem do uso direto dos tentáculos e nematocistos. Algumas espécies de

anêmonas apreendem crustáceos e pequenos peixes com o disco oral formando uma

espécie de rede de captura. A presa encosta no disco e três segundos a partir de

estimulação das células, três segundos após o disco ter sido estimulado há o fechamento

completo desse disco. Muitas espécies de corais são também suspensívoras e utilizam uma

rede formada por uma fina camada de cordões de muco, que cobre a superfície da colônia e

que coleta a fina matéria particulada que se precipita na coluna d´água. O muco, já com

alimento fixado, é levado para a boca pelos cílios. Este muco contém uma mistura variável

de componentes macromoleculares como glicoproteínas, lipídios e mucopolissacarídeos e

possui características específicas para cada espécie.

Figura 6- a. Recife de coral tropical; b. Pólipos de coral; c. Esquema de um único

pólipo seccionado. (Modificado de Hill e col., 2008).

Cnidários são bem conhecidos por sua ampla predação em ovos de peixes, sendo

uma importante fonte de recursos para muitas espécies. Por exemplo, a espécie Aurelia

aurita tem de 2 a 5 % de seu alimento diário constituído por ovos de arenque (Moller 1980).

Outro estudo calculou que Rhizophysa eysenhardti consumiu 28% das larvas de peixe

disponíveis a cada dia, e Purcell (1984c) estima que 60% de larvas de peixes poderiam ter

sido consumidos por Physalia physalis em um único local.

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

Julho/2010 Pág. 441

Moluscos

Moluscos marinhos podem ser predadores (herbívoros ou carnívoros) ou

suspensívoros. Possuem tubo digestivo completo no qual a boca conduz à cavidade bucal,

que em muitos organismos contém várias glândulas salivares secretoras de enzimas. Com

exceção dos bivalves, a maioria apresenta a rádula, uma estrutura exclusiva dos moluscos e

que se modificou entre as espécies dependendo da presa potencial.

O aparelho radular é constituído por uma faixa de tecido conjuntivo, repleto de

dentes e esticado sobre uma haste cartilaginosa. A rádula é composta de uma esteira de

dentes quitinosos recurvados, podendo ser simples, serrilhados ou modificados de outras

maneiras (Fig. 7b). O aparelho chamado rádula, é composto por duas partes: a base

cartilaginosa, com o músculo protrator da rádula e o músculo retrator da rádula; e a rádula

propriamente dita, com suas fileiras longitudinais de dentes quitinosos recurvos. A base

cartilaginosa se move para fora e para dentro da boca do animal por intermédio dos

músculos protratores e retratores, e a rádula se movimenta (Fig. 7a ). Através desses

movimentos os dentes da rádula se erguem e raspam a superfície, cortando e recolhendo

partículas de alimento que são conduzidas ao esôfago.

Os dentes são recobertos por muco (secretado por uma glândula salivar), que facilita

o recolhimento e a ingestão da comida. À medida que se desgastam são substituídos por

novos dentes que são continuamente produzidos na parte posterior da cavidade bucal, no

saco radular. O número, a forma e o arranjo dos dentes variam e são adaptados ao tipo de

alimentação, sendo usados para identificar as várias espécies. Em geral, os herbívoros

possuem mais dentes, e nos carnívoros estes são menores. O maior número de dentes na

rádula é encontrado em um gastrópode, Pleurotomaria, com cerca de 200 dentes por fileira.

Certos gastrópodes usam a rádula para caçar outros gastrópodes e bivalves, ralando e

ingerindo as partes macias. Alguns possuem uma rádula formada por um único dente que

pode ser atirado como um arpão contra a presa, liberando uma neurotoxina (Fig. 7d) (Hill e

col., 2008).

A digestão extracelular é efetuada por enzimas e ocorre principalmente no estômago

e nos cecos digestivos, enquanto a absorção e digestão intracelular ocorrem nas paredes

dos cecos e intestino. Na maioria dos moluscos, a digestão é intracelular, na qual as

partículas alimentares são fagocitadas por células da parede de dutos alimentares. No

entanto, em grupos mais derivados como os cefalópodes predomina a digestão extracelular.

As enzimas secretadas principalmente pelos cecos e estômago, digerem o alimento e a

absorção ocorre no estômago, nos cecos e no intestino.

Bivalves são animais ecologicamente importantes, e um exemplo interessante de

quão diferentes dos vertebrados alguns animais podem ser, em relação a seus processos

digestivos e de absorção dos nutrientes. Nesta classe não existe a rádula, e estes são

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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animais filtradores. Primeiramente, esses moluscos dependem fortemente da ação de cílios

junto a contrações musculares para mover o alimento através do trato digestivo. A ação

ciliar é importante, pois é capaz de selecionar as partículas de acordo com seu tamanho e

outras características. A segunda grande diferença é que na maioria dos bivalves a digestão

é intracelular.

Figura 7- a. Cavidade da boca de um gastrópode mostrando a rádula; b. Rádula com a fileira de

“dentes”; c. Concha de um molusco morto por outro molusco carnívoro; d. Rádula com toxina de um

molusco. (Hill et al 2008).

Nos bivalves o estômago é associado com divertículos digestivos O processamento

do alimento nos bivalves ocorre com auxilio do estilete cristalino, uma haste circular,

cilíndrica e transparente alojada numa dilatação do estômago e apoiada nas extremidades

por dois escudos gástricos quitinosos que lhe proporciona um movimento de rotação. O

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

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estilete contém redutoras de amido, muito úteis na digestão do plâncton. Os movimentos

rotativos do estilete funcionam como um molinete para recolher o muco contendo o alimento

para o estômago (Hill e col., 2008) (Fig. 8).

Outro exemplo diferencial ocorre em nudibrânquios. Estes são pequenos animais

marinhos pertencentes ao grupo dos moluscos gastrópodes e chamados popularmente de

lesmas-do-mar. Os nudibrânquios são animais carnívoros que se alimentam de outros

invertebrados, como cnidários, esponjas, cracas e ascídias. Algumas espécies se alimentam

dos ovos de outros nudibrânquios e, até mesmo, de indivíduos adultos.

Figura 8- Esquema de digestão em molusco bivalve. (Hill et al 2008).

Geralmente, a relação entre estes moluscos e sua presa é muito estreita, e é comum

que cada espécie se alimente apenas de alguns tipos específicos de presa. Nudibrânquios

aeolíeos possuem uma reputação devido ao seu modo particular de obter alimento, no qual

porções do corpo dos cnidários que constituem suas presas são agarradas pelas

mandíbulas acionadas por músculos, enquanto a rádula arranca pedaços para ingestão.

Algo impressionante neste sistema, é que muitos nudibrânquios ingerem os nematocistos da

presa sem que este seja disparado. Os nematocistos são deslocados ao longo do tubo

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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digestivo do nudibrânquio, mas como isto acontece sem que eles sejam disparados não é

bem documentado. Possivelmente as secreções mucosas do nudibrânquio limitam as

descargas desses nematocistos e ocorra uma inativação temporária. Muitas vezes os

nematocistos são armazenados em estruturas chamadas cnidossacos no interior dos

ceratos dorsais. Este armazenamento foi mostrado em diversos trabalhos e

presumivelmente ajudam na defesa do nudibrânquio. Outras espécies de nudibrânquios

também utilizam suas presas não apenas para obtenção de energia, mas também para

obter compostos químicos. As “dançarinas espanholas”, Hexabranchus sanguineus, utilizam

para sua própria defesa um composto químico obtido da esponja que se alimenta (Conklin &

Mariscal 1977).

Dentre os moluscos, entretanto, são os cefalópodes aqueles predadores mais

vorazes no ambiente marinho. Estes animais são bem adaptados a uma alimentação

predatória e uma dieta carnívora. A presa é localizada pelos olhos bem desenvolvidos e a

captura efetuada pelos tentáculos ou braços. Nos cefalópodes as rádulas são muito fortes e

em forma de bico, cuja função é perfurar e rasgar grandes pedaços de tecidos das presas.

Figura 9: Anatomia interna de um cefalópode (Hickman 2001)

Ao contrário das sépias e lulas que rasgam sua presa com as mandíbulas, o hábito

alimentar dos polvos é mais semelhante ao das aranhas. Eles injetam veneno na presa e

em seguida, quando a presa está segura, secretam enzimas sobre ela. Os tecidos

parcialmente digeridos são absorvidos. O mesmo mecanismo é realizado para remover os

gastrópodes das conchas. Após perfurar a concha com a rádula, os polvos secretam as

enzimas.

O esôfago e estômago desses animais é bastante muscular. Há também glândulas

digestivas, divididas em pâncreas e uma outra parte, comparada a um fígado, mas ainda

primitivo.Principalmente devido a eficiência dessas glândulas secretoras de enzimas, a

digestão nos cefalópodes é extracelular. As enzimas de ambas as divisões celulares

chegam através de um duto comum no interior do estômago e reto. A absorção do alimento

ocorre diferentemente nas espécies, podendo ocorrer nos cecos ou nas glândulas

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

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digestivas. Os resíduos indigeríveis passam do estômago para o intestino e são

transportados pelo ânus com auxílio de um jato d´água exalante.

Crustáceos

Crustáceos exploram diversas dietas e estratégias de alimentação. Alguns

representantes deste filo assumiram hábitos bentônicos, e determinados apêndices

tornaram-se mais fortes e adaptados para o rastejamento e a escavação. As ações de

apêndices adaptaram-se para o consumo de suspensão, a predação ou a coleta de

alimento, e as maxilas e a mandíbula funcionam na preensão, na mordedura e no

direcionamento do alimento para a boca.

O trato digestivo dos crustáceos é quase sempre reto, composto por uma boca

ventral, seguida por um esôfago tubular e um estômago. Condições ácidas são criados no

estômago durante a digestão, mas não tão os ácidas como na digestão humana. Nos

crustáceos o pH é em torno de 4, ao contrário de 2 ou 1 em muitos mamíferos. O estômago

é dividido em duas câmaras. A câmara anterior é chamada estômago cardíaco e é bastante

muscular, e muitas vezes especializada para além de armazenar, também triturar o

alimento. Esta trituração é auxiliada com a adição de enzimas digestivas que chegam ao

estômago anterior por movimentos retrógrados do intestino. A segunda parte do estômago

é chamada de estômago pilórico, sendo este menor que o primeiro. Seu revestimento

cuticular frequentemente tem cerdas singulares, que agem coletivamente, como uma

peneira, impedindo as partículas de alimento de deixarem o estômago antes que sejam

reduzidas para um tamanho pequeno.

O intestino médio de crustáceos varia em complexidade, sendo um tubo

relativamente simples em algumas espécies ou partes elaboradas com divertículos

anteriores e posteriores (cecos) em outros. A digestão química acontece principalmente com

o auxílio de grandes glândulas digestivas esponjosas chamadas de hepatopâncreas. Este é

um órgão que consiste de numerosos túbulos cegos, conectado a parte anterior do sistema

digestivo por dutos. Cada túbulo é composto de células que funcionam na secreção

enzimática, na endocitose e na digestão intracelular do alimento particulado, na absorção e

armazenamento de nutrientes, além de participar da remoção de detritos.

Como os crustáceos são primariamente aquáticos há um grande número de

crustáceos filtradores e nestes, a filtração envolve cerdas em vez de cílios. O pente de

cerdas localiza-se em um ou vários pares de apêndices, mas a localização varia de um

grupo de crustáceos para outro. As cerdas finas funcionam como filtros na coleta de

partículas alimentares, e é possível que o espaçamento das cerdas determine o tamanho da

partícula coletada. Este mecanismo é realizado através de um processo em que a corrente

hídrica é produzida por batimento de apêndices filtradores. As partículas coletadas são

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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removidas das cerdas do filtro por outras cerdas em forma de pente e transportadas para as

partes bucais pelos apêndices.

Figura 10: Sistema digestório de crustáceos (Modificado de Hill 2008).

Figura 11: Crustáceo com numerosas cerdas utilizadas para coletar algas

unicelulares e pequenos animais. Estas cerdas são extensões do exoesqueleto.

Em um estudo partículas constituídas por uma mistura de três de tamanhos de

esferas de poliestireno foram oferecidas a Daphnia magna (Fig. 12), sendo duas maiores

que o tamanho da malha do filtro. Os resultados mostraram que a pulga d´água capturava

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

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60% das partículas menores e 100% das partículas maiores, evidenciando que este

processo de coleta não é uma triagem simples. É um mecanismo em a captura se dá pela

atração das cargas opostas entre as partículas e a superfície do filtro. (Higler 1961).

a b Figura 12: a. Cérdulas coletoras de partículas da pulga d´água Daphnia. b. Dois

tamanhos de partículas de poliestireno coletadas pelas cérdulas ilustradas em a.

Outro exemplo de crustáceo filtrador são os cirripédios sésseis, conhecidos como

cracas. Estes animais alimentam-se com o uso de estruturas denominadas cirros para filtrar

material em suspensão da água circundante. Alimentam-se ativamente, estendendo os

últimos três pares de cirros e movendo-os ritmadamente “varrendo” a água. Entretanto, em

áreas de movimento intenso de água, as cracas apenas estendem seus cirros durante o

refluxo das ondas. Estudos indicam que as cracas são capazes de capturar partículas

alimentares de tamanho variando de 2um a 1mm, incluindo detritos, bactérias, algas e

vários representantes do zoôplancton. O alimento é digerido através do aparelho digestivo,

passando pela boca, estômago e intestino. Os resíduos são eliminados através do ânus.

(Fig. 13).

a b

Figura 13- a. Craca com mecanismo filtrador; b. Esquema de sistema digestório da craca.

a

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 448 Julho/2010

Dentre os crustáceos predadores destacam-se os da ordem Decapoda, que contem

os familiares camarões, lagostins, lagostas, caranguejos e siris. A maioria dos decápodos

combina a alimentação predatória com o consumo de detritos. Suas presas mais comuns

são invertebrados grandes, tais como cnidários e moluscos (Fig. 14).

Figura 14: a. Caranguejo se alimentando de uma medusa; b. Caranguejo do gênero Sargassum se

alimentando de molusco.

As muitas espécies que incluem moluscos em sua dieta têm quelipodes, apêndices

em forma de pinças, dimórficos. A forte garra direita possui dentes proximais nos dedos e é

usada para esmagar; a garra esquerda é mais delgada e adaptada para cortar. Caranguejos

do gênero Calappa, possuem um dente grande no dátilo e um par de protuberâncias no

quelípodo direito (Fig. 16) Com essas modificações e um padrão de comportamento

associados, estes caranguejos podem ser eficazes para abrir conchas de gastrópodes e

outros moluscos e, portanto, se alimentam de partes moles ou fechados ermitões.

Figura 15: Caranguejo do gênero Callapa abrindo a concha de um molusco (Brusca e col., 2007).

Equinodermos

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

Julho/2010 Pág. 449

Equinodermos são animais marinhos e incluem os crinóides ou lírios do mar, os

ouriços do mar, os pepinos do mar, os ofiuróides e as estrelas do mar. Exibem uma ampla

variedade de estratégias alimentares e estruturas de seus tubos digestivos. Possivelmente

esta característica, mais do que outras, é responsável pelo sucesso do filo desde o período

Cambriano. No entanto, a fisiologia nutricional destes animais é estudada para poucas

espécies e na maioria dos casos o entendimento ainda é incompleto.

Crinóides possuem uma boca que se abre em um esôfago curto e leva ao intestino,

fazendo uma volta completa no ânus, que pode ser levantado em um cone (Fig.17). São os

únicos equinodermos que retém a boca voltada para cima como as formas ancestrais.

Presumivelmente seus mecanismos de alimentação são adaptados para explorar partículas

suspensas.

Estes equinodermos mantém sua superfície oral voltada para cima e alimentam-se

removendo matéria orgânica particulada da água do mar. Seus braços e pínulas são

mantidos esticados a favor do fluxo da corrente, para capturar o alimento sem grande

dispêndio energético. Os sucos ambulacrais se localizam nas pínulas e em sua superfície

encontram-se cílios que auxiliam a jogar plâncton e partículas orgânicas para a boca.

Figura 17. Estrutura de um crinóide. A. Lírio do mar com parte da haste. B. Vista oral do cálice dos

crinóides (Hill e col 2008).

Dentre os equinodermos a captura tentacular de alimentos é utilizada pelos pepinos-do-mar,

que vivem entocados na lama com seus tentáculos acima da superfície do substrato. Esses

animais são os únicos que possuem um alongamento do eixo oral-aboral o que se relaciona

com o alongamento do trato digestório. São comedores de depósitos ou de suspensões e os

tentáculos cobertos de muco são distendidos e envolvem finas partículas, incluindo plâncton

em suspensão. Os pepinos-do-mar também ingerem alimento contido na areia ou lama

enquanto se movem no substrato (Shimidt & Nielsen 2002).

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Pág. 450 Julho/2010

O intestino é longo, um tubo em espiral, que normalmente percorre o comprimento do corpo

três vezes na passagem da boca ao ânus. Há diferenças regionais, sendo as regiões

geralmente referidas como estômago, intestino delgado e grosso (Boolotian 1966). Como

nos outros representantes do filo, os pepinos-do-mar apresentam enzimas digestivas como

principal auxílio na digestão. O revestimento do intestino é composto por células cilíndricas

mucosas em abundância e outros tipos de células que secretam enzimas digestivas que

foram descritas por Hammann (1884). Há também um grande número de amebócitos

descritos por Oomen (1926).

Desde os primeiros experimentos feitos por Cohnheim (1901) foram realizados diversos

estudos sobre a atividade das enzimas digestivas em holotúrias. Extratos de tecido das

espécies Holothuria tubulosa e Paracaudina chilensis mostraram a presença de proteases,

carboidrases e lípases. Em todos os casos as enzimas foram capazes de hidrolizar caseína,

fibrina, e outros aminoácidos (Oomen 1926; Sawano 1928).

Estudos mais recentes com a espécie Stichopus japonicus indicaram certa seletividade na

alimentação desta espécie. Materiais de fundo coletados na área habitada por esses

animais continham quantidade de nitrogênio total de 0,03%, enquanto as amostras de

comida retiradas da garganta e igualmente analisados apresentaram um total de nitrogênio

de 0,11%.

Figura 18: Lanterna de Aristóteles, um complexo mecanismo utilizado pelo ouriço-do-mar para

mastigar seu alimento. Cinco pares de músculos retratores extraem os dentes e a lanterna para fora

e, cinco pares de prolongadores empurram a lanterna para baixo e expõem os dentes. Outros

músculos produzem uma variedade de movimentos. Apenas partes maiores do esqueleto e os

músculos são mostrados neste diagrama (Hickman e col., 2001).

Estratégias alimentares entre os equinóides incluem varias formas de herbivoria,

suspensivoria, detritivoria e predação. Na maioria das espécies deste grupo, a alimentação

depende da ação da Lanterna de Aristóteles (Fig 18). Este aparato mastigador se localiza

dentro da boca e possui cinco dentes calcários protáteis (Brusca & Brusca, 2005). Os

ouriços usam os dentes da lanterna para raspar principalmente algas e esponjas do

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

Julho/2010 Pág. 451

substrato e arrancar pedaços do alimento de tamanho apropriado. Aqueles que não

possuem lanterna usam seus pés ambulacrais para coletar alimento da areia ou partículas

da água e levá-los à boca. (Hickman, 2001).

O aparelho digestivo dos ouriços-do-mar é semelhante ao da classe Holothuroidea,

sendo longo e enrolado. Nas espécies de bolachas do mar, adaptadas a uma dieta de

detritos e partículas em suspensão, há uma redução da lanterna e um intestino mais curto

também.

Em quase todos os equinóides um tubo estreito, um sifão ciliado liga o esôfago ao

intestino e permite a circulação de água no estômago e a concentração de alimento para a

digestão do intestino. Seu revestimento não possui flagelos, e as correntes passam por ele,

o que constitui claramente um caminho pelo qual líquidos podem chegar ao estômago. Além

disso, uma série de apêndices cecais está presente, geralmente no início e no final do

estômago, e intestino.

As características do epitélio refletem especializações em regiões do trato digestivo.

Descrições em várias espécies de equinóides mostraram que o epitélio da faringe é estriado

abundantemente e provido com glândulas mucosas e tipos de células secretoras com

grânulos basófilos (Holland e Nimitz 1964). A secreção dessas células é responsável pela

acidez do estômago e esôfago desses animais. (Stott 1955, Fuji 1961).

O processo digestivo em ouriços do mar é bastante estudado. Experimentos

registraram a presença de enzimas capazes de digerir diferentes tipos de carboidratos

presentes no tipo de alimento ingerido pelo ouriço. Extratos de estômago da espécie S.

purpuratus continham enzimas que digeriram caseína, amido e o carboidrato iridoficina,

presente na alga vermelha Iridophycus, principal alimento da espécie(Lasker & Giese 1954).

Em espécies que se alimentam de diatomáceas e outros microorganimos, extratos do

estômago demonstraram a atividade de lípases como enzima digestiva característica (Giese

1961).

Entre os ofiuróides encontra-se o sistema digestivo mais simples deste filo. A boca

central liga-se ao estômago, uma cavidade em forma de saco que preenche todo o espaço

do disco (Fig. 19). A parede do estômago é irregular e dobrada em bolsas radiais e

interradiais situadas entre as bursas genitais (Fedotov, 1926) e contem células secretoras

(Hamann 1889, Anderson 1960). Estes animais não possuem intestino ou ânus, sendo a

boca a única abertura externa.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Figura 19 – Vista aboral do disco de um ofiuróide contendo as estruturas

internas e o estômago em forma de saco (Hickman e col., 2001).

Os hábitos alimentares das espécies de ofiuróides são muito diversos. A espécie

Ophiocomina nigra se alimenta de detritos presos no muco e passando-os para a boca

através dos pés ambulacrais. A mesma espécie, assim como outros ofiuróides, pode habitar

algas, se alimentando de animais mortos, ou ingerir vermes vivos, moluscos e pólipos

(Vevers, 1956).

Ofiuróides também possuem uma orientação positiva em relação às correntes. Estes

animais podem prolongar seus pés ambulacrais para a retirada de alimento em suspensão

usando suas superfícies cobertas de muco como uma armadilha. Há também ofiuróides que

não reagem aos movimentos das correntes de água, e se alimentam a partir de detritos

depositados sobre a superfície do substrato. Estas espécies utilizam também as pontas de

seus pés ambulacrais pegajosos para apanhar as partículas, que são passados de um pé

ambulacral para outro até a boca (Buchanan, 1964).

Um dos primeiros trabalhos realizado em 1918 por Wintzell identificou a existência de

enzimas na espécie Ophiura texturata. Enzimas como uma protease com forte atuação em

uma ampla faixa de pH, uma amilase e, também uma lípase.

Trabalhos posteriores identificaram enzimas em diversas espécies. Ensaios em

Amphipholis gracilima mostraram que a espécie possui enzimas solúveis e de membrana

capazes de hidrolizar o polissacarídeo laminarina (comum em algas pardas e diatomáceas)

e alginato (também produzido por algas). A existência de certas carboidrases no estomago

pode indicar que estes animais bênticos comedores de depósitos tem como principal

recurso alimentar, organismos presentes no plâncton (Hyman 1955).

Estrelas do mar assim como os ofiuróides possuem braços com pés ambulacrais.

Alimentam-se de uma variedade de espécies de moluscos, crustáceos e outros

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

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invertebrados. Em algumas áreas podem desempenhar um papel ecológico importante

como um carnívoro de topo na cadeia ecológica.

O trato digestivo das estrelas-do-mar passa diretamente pelo eixo oral-aboral da

boca ao ânus no curto eixo vertical do corpo, sendo dividido em sucessivas regiões

especializadas, denominadas estômago cardíaco, estômago pilórico e intestino (Fig. 20)

(Anderson, 1960). Não possuem aparato mastigador específico, tais como dentes ou placas

ósseas, sendo a boca circundada apenas por uma membrana peristomial espessa. No início

do processo, proteases e agentes emulsificantes são secretados no estômago cardíaco para

auxiliar na desintegração do alimento. O alimento parcialmente digerido é então levado aos

cecos pilóricos, que se estendem ao longo dos braços e que contém proteases adicionais,

amilases e lipases que atuam em meio mais ácido que a água do mar (Boolotian 1966).

Completada a digestão, os restos são liberados por um ânus localizado na região aboral.

Uma característica particular associada aos hábitos alimentares de algumas estrelas-do-mar

é a alimentação extraoral. Nela, o estômago é evertido pela boca e as fases iniciais da

digestão ocorrem fora do corpo.

Figura 20: Anatomia interna de estrela-do-mar (Hickman e col., 2001).

Estrelas do mar usam seus braços para conseguir alimento. A parte inferior, ou a

superfície ventral de cada braço contém inúmeros pequenos pés ambulacrais localizados

em um sulco e com poder adesivo. Quando o disco de sucção do pé ambulacral entra em

contato com a superfície, ele adere a essa superfície. Músculos auxiliam a captura puxando

o alimento até próximo a boca.

Estrelas-do-mar consomem uma ampla variedade de alimentos, mas mostram

preferências particulares. Muitas são carnívoras e se alimentam de moluscos, crustáceos,

poliquetas, equinodermos, outros invertebrados, e, por vezes, pequenos peixes. Alguns

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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asteróides alimentam-se exclusivamente de moluscos (Fig. 21). Quando se alimenta de um

bivalve, a estrela do mar envolve a concha do animal, encostando seus pés ambulacrais

cobrindo as válvulas. Depois exerce uma tração constante, que pode chegar até a 1,3 kg,

usando seus pés para abrir a concha. Para a maioria das espécies esta força pode ser

aplicada por aproximadamente meia hora, até que os músculos adutores do bivalve entrem

em fadiga e relaxem. As inserções dos pés ambulacrais da estrela então auxiliam a eversão

do estômago sobre o espaço entre as válvulas. Após a alimentação, a estrela do mar retrai

seu estômago para dentro do disco por contração dos músculos do estômago e o

relaxamento dos músculos da parede do corpo (Boolotian, 1966; Hickman, 2001; Hyman,

1955).

Figura 21: Estrela-do-mar Orthasterias koehleri se alimentando de um molusco. (Hickman et al 2000).

A espongivoria também foi observada em estrelas, encontradas com o estômago

parcialmente evertido sobre esponjas, sendo visíveis danos teciduais (Ferguson, 1967). Por

everterem o estômago, estrelas podem ser capazes de digerir o material fora do corpo,

deixando para trás partes maiores do esqueleto (Dayton e col., 1974, Wulff 1995).

No entanto, não está claro se há algum mecanismo seletivo que permita ao

organismo ingerir apenas a fração nutritiva, excluindo elementos esqueléticos que são

necessariamente pequenos, da ordem de algumas dezenas de micra. E, se estes são

ingeridos, quais seriam os meios utilizados para dispor dessas partículas em seu trato

digestivo e na excreção.

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

Julho/2010 Pág. 455

Sistema Imune de Invertebrados marinhos:

mecanismos, funções e similaridades

Patrícia Lacouth [email protected]

Laboratório de Biologia celular de invertebrados marinhos

Histórico

Em dezembro de 1882 um zoológo russo chamado Élie Metchnikoff, durante um

passeio pela praia encontrou uma larva de uma estrela-do-mar comum na região. Espetou o

espinho de uma roseira na larva e depois de 24 horas observou que havia diminutas células

cobrindo o espinho, tentando encapsulá-

lo. Metchnikoff imediatamente reconheceu

a importância desta observação – as

células estavam tentando defender a larva

ingerindo o invasor, e deu a este processo

o nome de fagocitose.

O fenômeno da fagocitose já era

conhecido quando certas células humanas

especializadas encontravam e englobavam

bactérias ou leveduras. É um mecanismo

fundamental através do qual diferentes

representantes do reino animal se

defendem contra invasores.

Com esta perspicaz descoberta, Élie Metchnikoff criou a disciplina “Imunologia Celular”. Foi

também por este trabalho pioneiro que ele dividiu o prêmio Nobel de Medicina com Paul

Ehrlich, que propôs a importância de outro componente fundamental do sistema imune,

conhecido como imunidade humoral.

Tão impressionante como a descoberta deste zoólogo russo é o seu objeto experimental, a

estrela-do-mar. Trata-se de um grupo que sofreu poucas adaptações desde o seu

surgimento a mais de 600 milhões de anos atrás. Este fenômeno que ele observou não

deveria ser diferente do mesmo fenômeno a dez milhões de anos nos oceanos, antes do

surgimento dos vertebrados. Metchnikoff era ciente disto e seus estudos eventualmente

mostrariam que o sistema de defesa, contra elementos invasores, de todos os animais

modernos tem suas origens em organismos que povoaram o planeta desde o inicio da vida

na terra.

Como a imunidade funciona

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 456 Julho/2010

Para entender a evolução do sistema imune ao longo de milhões de anos é

necessário entender como ele funciona. A primeira função básica de qualquer sistema

imune é a distinção de células, tecidos e órgãos que são legitimamente parte do corpo do

organismo de outros corpos estranhos que podem estar presentes.

O segundo requisito é a capacidade de eliminar estes corpos estranhos que são

freqüentemente prejudiciais, como bactérias ou vírus. Estes mecanismos evoluíram

juntamente com a complexidade dos organismos. Mamíferos, como o homem, possuem os

mais sofisticados mecanismos de reconhecimento e eliminação de invasores. No entanto,

invertebrados representam mais de 90% de todas as espécies de animais e isso

freqüentemente leva a conclusão que as “primitivas” defesas contra elementos estranhos

destes animais são altamente eficazes e permitiram a perpetuação destes animais no

planeta.

Se considerarmos o que acontece quando furamos o dedo com um espinho, após a

lesão dentro de alguns minutos o sistema imune começa a funcionar para eliminar

microorganismos indesejáveis introduzidos através da ferida. Para isso glóbulos brancos

fagocíticos chamados macrófagos engolfam e destroem os organismos invasores e liberam

proteínas que sinalizam a outras células que podem ser necessárias. Esta rápida resposta

celular é chamada de Imunidade Inata, as células que executam esta resposta já estavam

ativas no corpo antes da invasão de organismos indesejados. Todos os animais possuem

um mecanismo de defesa deste tipo, o qual se acredita ser a mais antiga forma de defesa

imune.

A imunidade inata usualmente é suficiente para combater organismos invasores.

Quando não, existe um outro recurso, presente nos vertebrados, para combater a invasão

chamado imunidade adquirida. Os principais componentes desse mecanismo são os

linfócitos, células sanguíneas que circulam inativadas pelo plasma sanguíneo e glândulas

linfáticas. São ativados e se multiplicam ao se encontrarem com moléculas específicas

chamadas antígenos, que estão associadas ao organismo invasor. Estas células liberam

anticorpos, proteínas de defesa que se ligam aos antígenos e auxiliam na eliminação do

corpo estranho.

A questão central é: Quantas dessas características, ou similares, são

compartilhadas e aparecem em organismos mais antigos? Algumas destas características

de fato são observadas em quase todos os organismos, e um exemplo é a fagocitose.

Mesmo através do tempo, algumas destas características permanecem basicamente

idênticas de um organismo para outro. Algumas características são exclusivas de

vertebrados, mas carregam semelhanças com o sistema de defesa de invertebrados. Essas

similaridades são importantes por sugerirem que mecanismos de defesa de invertebrados

foram precursores dos mesmos em vertebrados.

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

Julho/2010 Pág. 457

Um dos aspectos fundamentais da imunidade é o reconhecimento do que é próprio e

não próprio e isso também é visto desde o início da vida no planeta. Alguns protozoários

que vivem em colônias com mais de centenas de indivíduos precisam ser aptos a

reconhecer uns aos outros. É difícil imaginar como a vida em uma colônia ou a reprodução

pode ocorrer sem a habilidade de reconhecimento entre os organismos. Até mesmo as

esponjas, que são vistas como os metazoários mais simples e antigos, são capazes de se

distinguir de outras espécies.

O funcionamento do sistema imune em todos os animais se dá através de

mecanismos que dependem de células específicas, chamada de resposta imune celular, e

da presença de moléculas responsáveis pelo reconhecimento e/ou desencadeamento de

vias de respostas e sinais, chamada de resposta imune humoral.

Invertebrados não possuem linfócitos nem um sistema imune baseado em anticorpos

e fatores humorais. Contudo, têm mecanismos que seriam precursores desses processos

em vertebrados. Possuem moléculas que parecem funcionar como os anticorpos, e podem

ser seus precursores. Essas são um grupo de proteínas chamadas lectinas. Elas se ligam a

açúcares nas células fazendo com que elas se aglutinem. Lectinas provavelmente surgiram

bem cedo, pois são presentes em plantas, bactérias, invertebrados e vertebrados.

A evolução parece ter conservado não apenas muitos aspectos do sistema de

defesas contra organismos invasores, encontrado em invertebrados, mas também muitos

dos sinais que controlam este mecanismo. Algumas moléculas de invertebrados se

assemelham às citocinas de vertebrados. Estas são proteínas liberadas por várias células

do sistema imune que podem estimular ou inibir outras células e respostas do sistema de

defesa. Citocinas incluem as interleucinas e os TNF (fator de necrose tumoral) que se tratam

de moléculas reguladoras de vários aspectos do sistema imune de vertebrados.

Resposta Imune Celular

Fagocitose, formação de nódulos e cápsulas

As reações de defesa mediada por células (hemócitos) incluem a fagocitose,

encapsulamento e formação de nódulos (Wickins e O'c Lee, 2002). A fagocitose é um

processo onde o agente invasor é inicialmente reconhecido, englobado por pseudópodes,

interiorizado e destruído intracelularmente através de vários mecanismos degradativos e

microbicidas.

Como nos fagócitos dos vertebrados, os hemócitos de invertebrados contêm

estruturas semelhantes aos lisossomos. Estes se fundem com os vacúolos fagocíticos

denominados fagossomo, formando o fagolisossomo e promovendo a degradação das

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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partículas endocitadas A eliminação destas partículas envolve a liberação de enzimas

degradativas dentro do fagolisossomo e a geração de espécies ativas de oxigênio (EAO)

(Barracco, 2004).

A formação de nódulos ocorre quando a cavidade corpórea do organismo é invadida

por uma quantidade maciça de microorganismos. Nesse processo, os invasores são

aprisionados por várias camadas de hemócitos junto ao local da infecção, evitando dessa

forma sua disseminação dentro do hospedeiro. Nas regiões mais centrais dos nódulos,

observam-se geralmente sinais de fagocitose e de necrose celular (Rendón e Balcázar,

2003).

O encapsulamento ocorre quando a partícula invasora é demasiadamente grande

para ser fagocitada, assim os hemócitos se dispõem em várias camadas, circundando o

material estranho, com a função de imobilizá-lo e segregá-lo do hospedeiro. O

encapsulamento ocorre geralmente contra helmintos, hifas de fungos ou determinadas

formas de protozoários.

Estas estruturas, cápsulas e nódulos, tornam-se bastante melanizadas em alguns

invertebrados, como os crustáceos (Fig. 1), devido à atividade da fenoloxidase, sendo os

patógenos geralmente destruídos pela liberação de moléculas citotóxicas ou líticas

(Barracco, 2004).

Figura1- Reações celulares de defesa em crustáceos (H - I) H: encapsulamento in vitro do nematóide

Panagrellus redivirus por hemócitos de M. rosenbergii; I: encapsulamento in vitro de hifas do fungo

Ganoderma sp por hemócitos de F. paulensis, com forte reação de melanização.(Modificado de

Barracco, 2004).

Resposta Imune Humoral

Os fatores humorais compreendem moléculas envolvidas no reconhecimento,

aglutinação, melanização e coagulação, que agem na defesa imune sem o envolvimento

direto de células.. Entre as proteínas de reconhecimento estão as lectinas, os peptídeos

antimicrobianos, as proteínas de ligação de β-1-3-glucana e de lipopolissacarídeo (Bachère,

2000).

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

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Moléculas de reconhecimento

Na presença de compostos microbianos as proteínas de reconhecimento presentes

no plasma têm a função de ampliar a resposta imune celular (Rendón e Balcázar, 2003).

A proteína de ligação de β-1-3-glucana (βGBP) reconhece a β-glucanas, presentes

na parede celular de leveduras, induzindo a degranulação dos hemócitos e a ativação do

sistema proPO (Vargas-Albores, 2000; Rendón e Balcázar, 2003).

A proteína de ligação de lipopolissacarídeo (LPSBP) reconhece lipopolissacarídeos

(LPS) presentes na parede celular de bactérias gram-negativas. Esta proteína funciona

como uma aglutinina, pois se une às células fagocíticas e estimula a fagocitose (Rendón E

Balcázar, 2003).

Lectinas

Um dos mecanismos de defesa da imunidade humoral é mediada pelas lectinas e/ou

aglutininas. Estas são proteínas ou glicoproteínas, dissolvidas no plasma, que se ligam a

carboidratos específicos expressos na superfície de diferentes células, promovendo sua

aglutinação. Além disso, podem atuar como opsoninas facilitando a fagocitose, promovem

adesão celular e formação de nódulos (Cominetti et al., 2002).

Devido a sua propriedade de reconhecer o não próprio, aglutinar células e da

possibilidade de atuar como opsonina, as lectinas foram inicialmente consideradas análogas

funcionais dos anticorpos. No entanto, sabe-se que as lectinas são estruturais e

funcionalmente diferentes das imunoglobulinas (Marques e Barracco, 2000).

Sistema profenoloxidase (proPO) e formação de melanina

Os mecanismos de defesa em muitos invertebrados são freqüentemente

acompanhados pelo processo de melanização. Em artrópodes, a síntese de melanina está

envolvida no processo de cicatrização de feridas da cutícula e nos mecanismos de defesa

celular tais como: fagocitose, formação de nódulos e cápsulas que atuam combatendo os

patógenos presentes na hemocele (Söderhäll, 1992).

A enzima envolvida na formação da melanina é a fenoloxidase (PO), que está

presente na hemolinfa, sob a forma de uma pró-enzima inativa, a profenoloxidase (proPO).

A ativação da PO é mediada por uma serinoprotease, denominada enzima ativadora de

profenoloxidase (ppA). Em crustáceos, tanto o proPO como a ppA inativa estão estocadas

em grânulos secretórios dos hemócitos granulares e semi-granulares, de onde eles são

secretados por exocitose (Johansson e Söderhäll, 1989; Rendón e Balcázar, 2003).

O sistema de ativação da profenoloxidase inicia-se a partir do reconhecimento de

padrões moleculares nos microorganismos, tais como β-1-3-glucana de fungos,

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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peptideoglicanos de bactérias Gram-positivas e de lipopolissacarídeos (LPS) de bactérias

Gram-negativas. A enzima PO ativa catalisa a oxidação de compostos fenólicos e quinonas

que se polimerizam formando depósitos insolúveis de melanina, processo este chamado de

melanização. A melanina sempre se deposita em torno de microrganismos encapsulados,

em nódulos de hemócitos e em sítios de infecção fúngica na cutícula (Lucien-Brun, 2006).

A ativação da proPO deve ser altamente controlada, para evitar a melanização em

locais que não estejam infectados. O papel da melanina nas respostas imunológicas, ainda

não está claramente elucidado. No entanto, sabe-se que a síntese deste componente e de

seus compostos intermediários gera moléculas tóxicas, como as quinonas, e vários radicais

livres das EAO, que são altamente reativos e podem funcionar como potentes destruidores

de patógenos (Maggioni, 2004).

O sistema proPO pode ser ativado na ausência de polissacarídeos microbianos, isso

ocorre se a concentração do íon cálcio (Ca2+) diminuir na hemocele. Essa rota de ativação

do sistema proPO provavelmente ocorre durante as respostas aos ferimento e na

coagulação (Söderhäll, 1992). Outro fato interessante do sistema proPO está na sua

similaridade com a via alternativa do sistema complemento dos mamíferos. Ambos os

sistemas são ativados em cascata, sendo acionados por endotoxinas e β-1,3-glucana

(Ratcliffe, 1985; Rendón e Balcázar, 2003).

Peptídeos antimicrobianos (PAM)

Um dos componentes de defesa, encontrados em invertebrados, que vem

despertando interesse são os peptídeos antimicrobianos (PAM). Os PAM podem apresentar

uma atividade microbicida rápida e potente contra bactérias gram-positivas, fungos,

leveduras e, em alguns casos, até contra vírus envelopados e protozoários. São moléculas

catiônicas de baixo peso molecular que funcionam como antibióticos naturais, promovendo a

inibição do crescimento, ou o aumento da permeabilidade da membrana celular dos

microrganismos levando a lise (Hoffmann e col., 1999).

Sistema Imune e Invertebrados Marinhos

Foi a partir de sistemas modelos com invertebrados que se definiu que o sistema

imune inato é dividido em três características que garantem a efetividade do sistema imune:

(1) os organismos são capazes de distinguir o que é próprio deles e o que não é, (2) armam

uma resposta defensiva que mata ou inativa o componente invasor e (3) são capazes de

reconhecer e eliminar suas próprias células que estejam danificadas. Estes requisitos

dependem de três mecanismos essenciais do sistema imune: a fagocitose, a ativação de

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

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respostas humorais levando a opsonização, melanização e coagulação, e a produção de

compostos antimicrobianos.

Na seqüência vamos tratar da imunidade entre os invertebrados marinhos, incluindo

filos mais basais, como Porifera e Cnidaria, com enfoque nos filos que são ecologicamente,

ambientalmente e economicamente relevantes que não são organismos modelos e tem

sofrido substanciais perdas devido a surtos de doenças.

Os elementos do sistema imune inato de invertebrados marinhos mais conhecidos

são os seguintes: (a) respostas de reconhecimento tal como lectinas, proteínas de

reconhecimento de padrões, fatores de adesão celular; (b) respostas humorais livres de

células caracterizadas por peptídeos antibióticos; (c) respostas celulares, tais como

barreiras físico-quimicas (melanina), fagocitose, vesículas granuladas, enzimas e proteínas

adesivas; (d) vias de comunicação e integração das funções imunes incluindo o sistema

complemento, citocinas; e (e) evidências de memória e especificidade imune primitivas.

Porifera

No início do século XX pesquisadores observaram a notável capacidade das células

de esponjas de reagregarem após terem sido dissociadas. Este comportamento

extremamente complexo envolve inúmeras moléculas e vias de sinalização. Adesão em

esponjas envolve moléculas como galectina, integrina, fibronectina e colágeno (Muller e col.,

1999). Em algumas espécies de Demosponjas estudadas, revelou-se que íons cálcio atuam

como mensageiros intracelulares na resposta ao estimulo de acoplamento durante a

agregação de células. Sabendo desta capacidade de auto-reconhecimento presente nesses

organismos, rejeições alogênicas possuem componentes celulares envolvidos. Interações

entre esponjas de diferentes espécies ativam pinacócitos e várias células do mesohilo, que

muitas vezes possuem metabólitos secundários que participam do processo de rejeição.

Entre as células que compõe as esponjas são encontrados os Arqueócitos, células

amebóides capazes de se diferenciar em qualquer tipo celular presente nas esponjas. São

células fagocíticas que desempenham funções como digestão, transporte de alimento e

defesa. Atuando como macrófagos primitivos, não são seletivas no que fagocitam, portanto

não possuem especificidade imune. Todavia, a digestão intracelular é um poderoso

componente do sistema imune de esponjas, por exemplo, Lisozimas são secretadas por

células do mesohilo quando essas células são expostas a peptideoglicanos presentes na

parede celular de bactérias gram-positivas

Esponjas também aparentam apresentar uma memória imune primitiva, quando

expostas várias vezes a um enxerto de espécie diferente o tempo de reação é diminuído. De

fato, embora as esponjas não possuam um sistema circulatório, a memória imunológica se

espalha rapidamente através do corpo da esponja e permanece por várias semanas. Mas na

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Demosponja Geodia cydonium, rejeições alogênicas envolvem a produção de uma enzima a

qual inicia a via de formação da melanina (Muller e col, 1999)

Cnidaria

Cnidários possuem células mais especializadas do que as encontradas em esponjas,

também possuem tecidos organizados e especializados, incluindo o sistema nervoso. São

invertebrados sésseis, coloniais. Possuem uma grande capacidade de distinguir o que é

próprio e o que não é próprio como espécies competidoras e microorganismos (Hidaka,

1985).

Do ponto de vista de defesas, pouco se sabe sobre reações imunes nestes

organismos. Mas como primeira linha de defesa contra parasitas, predadores é a presença

de muco na epiderme e de cnidócitos ou nematocistos, que também são funcionais na

captura de presas.

Assim como as esponjas, cnidários possuem células fagocíticas móveis, chamadas

amebócitos. Gorgônias além de realizarem a fagocitose, amebócitos ajudam na cicatrização

e reorganização dos tecidos. E também reagem a infecções por fungos através do processo

de melanização (uma barreira física formada de quinonas polimerizadas) localizada ao

redor da lesão causada pelo fungo assim como a formação de nódulos (Mullen e col., 2004).

A imunidade humoral nestes organismos é composta apenas pelas lectinas.

Molusca

O sistema imune dos moluscos, assim como dos outros invertebrados, consiste

apenas da imunidade inata. Esta é considerada freqüentemente como uma forma de

imunidade mais primitiva do que as repostas adaptativas vistas em vertebrados. Mas na

verdade é surpreendentemente uma complexa e eficiente forma de proteção contra muitos

parasitas encontrada pelos moluscos. O sucesso adaptativo dos moluscos e a habilidade de

colonizar uma grande quantidade de habitats claramente mostram a eficiência destes

animais de combater infecções e invasões de parasitas.

Barreiras externas, como epitélio, muco e conchas, constituem a primeira linha de

defesa contra patógenos e parasitas. Quando essas barreiras são violadas, a segunda linha

de defesa interna envolve a ação de componentes celulares e humorais presentes na

hemolinfa destes animais.

Os componentes humorais dos moluscos contêm enzimas lisossomais, lectinas

incluindo aglutininas, proteínas relacionadas ao fibrinogênio, peptídeos antimicrobianos que

ajudam no reconhecimento de patógenos e parasitas marcando-os para destruição via

opsonização e também são responsáveis pelo alto grau de especificidade mostrado pelo

sistema imune inato de moluscos (Vasta e Ahmed, 2008).

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

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Enquanto a imunidade humoral é muito importante para a defesa do hospedeiro, é

incontestável que os componentes celulares da hemolinfa, hemócitos (Fig. 2),

desempenham um papel central na resposta imune inata dos moluscos.

Figura 2 - Micrografia de Transmissão de hemócitos (H) presentes nas brânquias (A) e

hepatopâncreas (B) de ostras. (Modificado de Sokolova 2009).

Hemócitos são os principais componentes efetores do sistema imune inatos de moluscos

e são responsáveis pela fagocitose de parasitas, patógenos e partículas estranhas. Todos

esses mecanismos necessitam de um complexo processo que inclui reconhecimento,

adesão, ingestão, destruição ou encapsulamento e eliminação dos corpos estranhos.

Hemócitos também reagem para a eliminação de parasitas e patógenos através de uma

reação de stress oxidativo (uma rápida geração de espécies reativas de oxigênio tóxico -

ROS) por uma enzima ligada a membrana, a NADH-oxidase. ROS é posteriormente

convertido pela mieloperoxidase, presente nos hemócitos, em ácido hipoclórico (HOCl) que

possui fortes propriedades bactericidas e antivirais (Tiscar e Mosca, 2004)

Nos moluscos existem dois tipos principais de hemócitos: os hialinócitos (pequenas

células com o citoplasma preenchido por poucos ou nenhum grânulos) e os granulócitos

(grande células fagocíticas contendo um grande número de grânulos no citoplasma) (Tiscar

e Mosca, 2004).

Granulócitos de moluscos se assemelham fortemente a monócitos e macrófagos de

vertebrados tanto estruturalmente como funcionalmente e compartilham com os macrófagos

propriedades como fagocitose, stress oxidativo induzido pelo patógeno, produção e

liberação de óxido nítrico e enzimas lisossomais (Canesi e col., 2002)

Arthropoda (Crustacea)

O filo Arthropoda compreende animais celomados com uma grande diversidade de

forma, tamanho e hábitos de vida. Crustáceos, incluindo caranguejos, lagostas e camarões,

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são os mais abundantes e ecologicamente relevantes no contexto de imunidade inata dos

artrópodes marinhos. O sistema imune inato dos crustáceos é mediado por reações

celulares e humorais que estão intimamente relacionados ao seu sangue ou hemolinfa.

Figura 3 - As funções dos hemócitos de artrópodes. Hemócitos hialinos funcionam como células

fagocíticas. Hemócitos semi-granulares são responsáveis pela formação de nódulos e

encapsulamento. Hemócitos granulares estocam os componentes que desencadeiam a melanização

(Modificado de Rendón e Balcázar, 2003).

Como primeira linha de defesa, os crustáceos contam com um exoesqueleto de

quitina, que além de servir como estrutura de suporte, funciona como barreira física e

mecânica protetora contra invasores microbiológicos, e também química, pois contém

secreções mucosas que inibem ataques enzimáticos (Lee e Söderhäll, 2002). Contudo,

Célula Hialina

Fagocitose

Nodulação/Encapsulação

Melanização

Célula Semi-granular

Célula granular

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

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quando ocorre uma lesão na carapaça ou durante o processo de muda, microrganismos

oportunistas ou patogênicos podem invadir o tecido e rapidamente estabelecer um processo

infeccioso, uma vez que o sistema circulatório dos crustáceos é aberto. Em seguida,

moléculas presentes na hemolinfa reconhecem padrões moleculares conservados nos

patógenos, acionando mecanismos de defesa celulares e humorais (Theopold e col., 2004).

O primeiro processo imune consiste no reconhecimento de microorganismos

invasores, mediado pelos hemócitos e pelas proteínas presentes no plasma. Os hemócitos

têm papel central na iniciação e manutenção da resposta imune celular dos crustáceos,

cujas funções envolvem o reconhecimento do não próprio, a fagocitose, formação de

nódulos, encapsulamento, melanização e destruição de patógenos pela produção e/ou

liberação de moléculas tóxicas e microbicidas (Fig. 3) (Rendón e Balcázar, 2003).

Além dessas funções, hemócitos participam do processo de cicatrização de feridas,

iniciam o processo de coagulação, transportam e secretam na hemolinfa o sistema

profenoloxidase (proPO) e as proteínas α2 – macroglobulina, aglutininas e peptídeos

antimicrobianos (Rendón e Balcázar, 2003).

Echinodermata

Este filo é composto por animais celomados deuterostômios que possuem um

sistema de canais preenchidos por fluido e celomócitos.

As respostas imunológicas que ocorrem em equinodermos são o reconhecimento de

material não próprio que tenha invadido o corpo, a expulsão deste material ou tornando-o

inofensivo e a cicatrização. Esses mecanismos chave de defesa são mediados por

respostas celulares e humorais.

As respostas celulares são efetuadas por vários tipos celulares, chamados

celomócito, que circulam pelo fluido celômico e que constituem o sistema imune celular, e

pelas respostas humorais, as quais dependem de moléculas presentes no fluido celômico.

Os celomócito de echinodermos produzem uma série de fatores humorais, incluindo

lectinas, aglutininas, lisinas e outros (Gross e col., 1999).

Infecções na cavidade corpórea dos equinodermos por microorganismos ou

parasitas, ou o transplante de enxertos induzem um processo que envolve moléculas

humorais que reconhecem e atacam o corpo estranho ou estimulam a proliferação dos

celomócitos.

Nos equinodermos, celomócitos podem ser definidos como as células efetoras do

sistema imune, são a primeira linha de defesa contra infecções e injúrias. Encontrados no

fluido celômico e nos sistemas hemal e aquafaringeal e a principal fonte dessas células é o

órgão axial, o qual pode representar um ancestral primário da glândula linfóide (Leclerc,

1992).

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Pág. 466 Julho/2010

Pelo menos seis tipos, morfológicamente distintos, de celomócitos são encontrados

no fluido celômico dos equinodermos: células progenitoras, amebócitos fagocíticos,

esferulócitos coloridos e sem cor, células vibráteis, hemócitos e células cristal (Bolootian,

1959). Nem todos os seis tipos são encontrados em todas espécies de equinodermos.

Desempenham uma série de funções, incluindo o reconhecimento do que é próprio e não

próprio, fagocitose, citotoxicidade, agregação celular, encapsulamento e reações de defesas

humorais.

Amebócitos possuem um importante papel no inicio da cicatrização de feridas tanto

internas como externas. Suas ações incluem a acumulação, fagocitose de debris celulares e

a formação de uma camada de células na região da injúria. E eles exibem duas fases

morfologicamente distintas: a forma petalóide, a qual fagocita ativamente, e a forma

filopodial, a qual parece estar envolvida na coagulação. Após uma injúria, os amebócitos

petalóides migram para a região da injúria, mudam o seu formato para filopodial e formam

um coágulo juntamente com outros celomócitos (Smith, 1981). Amebócitos também são

responsáveis pela fagocitose de partículas estranhas, neles estão constitutivamente

presentes enzimas lisossomais que ajudam nesse processo. Juntamente com os

esferulócitos, amebócitos fagocíticos parecem estar envolvidos na coagulação de células e

na formação de cápsulas em volta de parasitas. Isto é possível já que esferulócitos secretam

substâncias bactericidas, incluindo lípases e peroxidases.

Infecções na cavidade corpórea desses animais por microorganismos ou parasitas,

ou o transplante de enxertos ou células, induz um processo que envolve moléculas

humorais que reconhecem e atacam o corpo estranho ou estimulam a proliferação de

celomócitos (Glynsky, 2000).

Um sistema complemento simples foi identificado em uma espécie de ouriço-do-mar

que é homólogo a via de vertebrados onde celomócitos secretam proteínas complemento

análogas ao componente C3 do sistema complemento de vertebrados (Al-Sharif e col.,

1998). Na estrela-do-mar Asterias rubens também foram identificadas moléculas com

funções semelhantes a Interleucina e receptores para estas de vertebrados

É evidente que os equinodermos fornecem muitos modelos interessantes para o

estudo da evolução células efetoras e suas funções. Alguns pontos precisam ser estudados

mais detalhadamente como a comunicação célula-célula na resposta imune, inter-relações

da imunidade celular e humoral, filogenia, e o papel das citocinas na regulação da resposta

imune.O fato de que o sistema imune dos invertebrados é sensível e responde a ínfima

quantidade de moléculas ambientais coloca em questão como os contaminantes presentes

no ambiente podem modificar a resposta imune dos equinodermos. Além disso, pouco é

conhecido sobre a ação de xenobióticos sobre o sistema imunitário. (Glynsky, 2000)

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Fisiologia de Invertebrados Marinhos

Julho/2010 Pág. 467

Defesa Imune em Larvas de Invertebrados Marinhos

A imunidade em invertebrados tem sido extensivamente estudada em animais

adultos da maioria dos filos, no entanto, pouco se sabe sobre os mecanismos de defesa em

fases larvais. Sabe-se que células fagocíticas móveis estão presentes em larvas véliger de

bivalves, que larvas pluteus de equinodermos possuem substâncias antibióticas. Atividades

citotóxicas e antimicrobianas também foram encontradas em ovos de moluscos

opistobrânquios, mas não foram descritos para as larvas. Defesas químicas, as quais

podem possuem capacidades antimicrobianas e citotóxicas além do propósito antipredatório

também foram vistas em larvas de zooantideos, equinodermos e tunicados. Há evidências

de que células de larvas de mexilhões possuem algumas enzimas que se assemelham a

compostos de hemócitos de adultos capazes de realizar fagocitose.

Uma ampla gama de mecanismos de defesa tem sido estudada em filos de

invertebrados (Ratcliffe e col., 1985; Smith, 1991). Isso inclui processos como fagocitose ou

encapsulamento, e a produção de componentes solúveis os quais podem ser

antimicrobianos ou citotóxicos. As células “sanguíneas” de invertebrados são as primeiras

células efetoras na defesa dos hospedeiros. No entanto, pouco se sabe sobre as origens

dessas células em alguns grupos de invertebrados, ou da participação delas na defesa

imune nos estágios iniciais do ciclo de vida desses organismos. Assim como se esses

organismos são capazes, nos primeiros estágio do ciclo de vida, de produzir substâncias

que participem do sistema imune humoral. (Dyrynda e col., 1995)

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Page 481: Fisiologia comparada USP 2010

Unidade 8

Fundamentos de Toxinologia

Bruno Madio Laboratório de Produtos Naturais Marinhos [email protected]

Toxinologia é a ciência que estuda os venenos e peçonhas. A principal

diferença entre venenos e peçonhas esta em sua forma de atingir a presa.

Organismos venenosos são aqueles que acumulam toxinas em diversos tecidos.

Sua ação tóxica se dá, normalmente, pela absorção através do contato ou pela

ingestão de um organismo venenoso. Já animais peçonhentos possuem um local de

armazenamento dos compostos e apresentam uma estrutura especializada para a

inoculação (quelíceras, nematocistos, ferrões, presas, aguilhão, pedipalpos, entre

outros).

Toxinas naturais podem ser encontradas em praticamente todos os grupos de

organismos como mamíferos, répteis, artrópodes, cnidários, fungos, bactérias.

Alguns organismos parecem possuir apenas um único composto tóxico, enquanto

outros produzem um coquetel de compostos com diferentes alvos e efeitos.

A aquisição de alimento, defesa e redução da competição são as funções

mais comuns das toxinas e peçonhas. As especificidades dessas funções e alvos

determinaram e determinam a forma de seleção que modificam esses compostos e,

por sua vez, os detalhes de suas conseqüências e gravidade.

As toxinas naturais demonstram uma enorme diversidade de funções

farmacológicas e ecológicas, uma vez que podem afetar o sistema hemostático,

lesionar tecidos, causar quadros inflamatórios e dolorosos, interromper processos

digestivos e até agir na ligação e/ou bloqueio com um único tipo de canal iônico

voltagem-dependente em um tecido específico. Sendo assim, esses compostos vêm

sendo utilizados na fisiologia para melhor compreensão de diversos processos

envolvidos na regulação da homeostase.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 472 Julho/2010

Capítulo 36 Co-evolução entre peçonhas e seus alvos pág. 473

Bruno Madio

Revisado pelo Dr André Junqueira Zaharenko

Capítulo 37 Produtos naturais e sua função como defesa química pág. 483

Suélen Felix

Revisado pelo Dr. Márcio Reis Custódio

Capítulo 38 Invertebrados marinhos: toxinas e seus mecanismos de ação pág. 493

Bruno Cesar Ribeiro Ramos

Revisado pelo Dr André Junqueira Zaharenko

Capítulo 39 Lepidópteros: aspectos biológicos e toxinológicos pág. 501

Priscila Aparecida Ozzetti

Capítulo 40 Raias – biologia e envenenamento pág. 511

Louise Faggionato Kimura

Revisado pelo Dr Emerson José Venâncio

Capítulo 41 Serpentes peçonhentas do Brasil: biologia, fisiologia e epidemiologia

pág. 519

Luana Valente Senise

Revisado pela Dra. Ida Sigueko Sano Martins

Bibliografia pág. 535

Page 483: Fisiologia comparada USP 2010

Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 473

Co-evolução entre peçonhas e seus alvos

Bruno Madio Laboratório de Produtos Naturais Marinhos

[email protected]

Introdução

A biodiversidade de animais e plantas também resulta em uma grande diversidade

de peçonhas e venenos naturais. Essas, contêm toxinas altamente ativas que representam

uma grande variedade de compostos químicos que variam de pequenas moléculas, como as

aminas até grandes e complexas proteínas. Estas toxinas podem variar consideravelmente

em estrutura e função entre indivíduos, espécies, gêneros ou famílias (Brodie, 1991).

Os venenos naturais e peçonhas constituem um arsenal químico resultante de um

longo processo de co-evolução de espécies que compartilham um mesmo nicho ecológico.

As pressões de seleção que conduziram a uma modificação em venenos naturais e toxinas

foram fundamentalmente diferentes para outras proteínas, e resultaram em algo com uma

dinâmica evolutiva diferente (Brodie e Brodie, 1999).

Toxinas naturais podem ser encontradas em praticamente todos os grupos de

organismos como mamíferos, répteis, insetos, cnidários, fungos, bactérias. Alguns

organismos parecem possuir apenas um único composto tóxico, enquanto outros produzem

um coquetel de compostos com diferentes alvos e efeitos. Alguns compostos são

encontrados de forma idêntica em até cinco filos diferentes, sendo que esses surgiram em

cada filo independentemente, mostrando uma convergência adaptativa (Fry e col., 2009).

Animais adquirem toxicidade por síntese metabólica de toxinas (metabólitos

secundários), pela expressão de genes de toxinas ou pela captação, armazenamento e

sequestro de toxinas produzidas por outros organismos, ou seja, os micróbios, plantas ou

outros animais. Toxinas, embora contando com um número limitado de estrutura, muitas

vezes exibem uma considerável hipervariabilidade estrutural. O ritmo acelerado da evolução

na estrutura do gene da toxina (introns conservados, mas alta taxa de substituição nos

exons) conduz à diversidade funcional destes peptídeos ou proteínas. As forças seletivas

que podem conduzir a evolução da toxina ainda são desconhecidas. Ser peçonhento ou

venenoso pode ser essencial para a sobrevivência, mas a vantagem da biossíntese de

toxinas também pode ser de menor importância ou perdida durante a evolução.

Função

Toxinas e venenos possuem uma variedade de funções. Os três usos mais comuns

são a aquisição de recurso ou predação, defesa e redução da competição. As

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 474 Julho/2010

especificidades dessas funções e alvos determinaram e determinam a forma de seleção que

modificam esses compostos e, por sua vez, os detalhes de suas conseqüências e

gravidade. Isso não quer dizer que todos os compostos tóxicos encontrados na natureza

tenham seus efeitos como resultados de modificação adaptativa. Muitas das peçonhas mais

extremas podem ter efeitos acidentais, ou funcionar como exaptações (adaptação biológica

que não evoluiu dirigida principalmente por pressões seletivas relacionadas à sua função

atual) que surgiram para algum outro propósito ou objetivo e, ancidentalmente agem como

toxinas em algum contexto ecológico.

A distinção entre peçonha e veneno natural se faz importante, porque a pressão da

seleção natural “guiou” diretamente a base de sua evolução para funções distintas.

Venenos, normalmente não são mecanismos eficazes para captura de presa, porque neste

caso o composto deve ser ingerido pela presa. Dessa forma, não ocorre um ataque na

vítima para que o composto atue sobre ela. Assim, a pressão de seleção dos venenos são

menos propensas para direcionar a imobilização ou ação digestiva do que aquelas em

peçonhas (Fry, e col., 2009; Mebs, 2001).

Forrageamento

A maioria das peçonhas parecem ter evoluído para atuar como adaptação de

forrageamento, com funções específicas que influenciam nas peculiaridades dos compostos

e sua forma de inoculação. A imobilização da presa pode ser crucial para reduzir o risco de

injúrias para o predador e para velocidade e sucesso de captura da presa. Isto é

especialmente importante para as espécies de forrageamento de presas grandes, ou presas

com defesas significativas. A seleção para imobilização favoreceu peçonhas que agem

rapidamente e influenciam diretamente na mobilidade e coordenação. Por esta razão,

muitas peçonhas possuem um componente neurotóxico que interrompe a transferência de

informação nos nervos ou músculos. Um exemplo notável de convergência funcional são as

peçonhas de serpentes e moluscos do gênero Conus (Oliveira e col., 1990). Essas

evoluíram componentes neurotóxicos, conhecidos como alfa-neurotoxinas, que excitam os

receptores nicotínicos de acetilcolina no músculo esquelético. Esta classe de toxinas inclui

muitos compostos diferentes com diferentes sítios de ligação, mas o efeito geral é o mesmo

- a transferência de informação pós-sináptica é bloqueada, resultando em uma rápida

paralisia. Outros predadores alcançaram o mesmo efeito através do bloqueamento de

potenciais de ação nos nervos, geralmente visando os canais iônicos voltagem-

dependentes.

Mambas, serpentes do gênero Dendroaspis, imobilizam a presa através de

bloqueadores de canais de potássio, denominadas “dendrotoxinas”. Escorpiões, aranhas,

anêmonas do mar, himenópteros e conus produzem diferentes compostos que têm o

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Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 475

mesmo efeito farmacológico, o de bloquear canal de potássio. Convergências similares em

sítios-alvo são encontradas em todo sistema nervoso para outros receptores e canais

iônicos.

Componentes comportamentais do envenenamento também são críticos para

produzir os efeitos necessários. Temos como exemplo uma espécie de vespa parasitóide

que caça baratas através de três ferroadas. A primeira ferroada, voltada para o gânglio

protóraxico, produz paralisia de curta duração, impedindo a barata de se defender. As

ferroadas seguintes tem como alvo o gânglio subesofágico e o cérebro, fazendo com que a

fique em uma prolongada hipocinesia (2-3 semanas). Componentes da peçonha desses

parasitóides normalmente incluem bloqueadores de receptores de glutamato, bem como

bloqueadores de canais iônicos para produzir tanto uma ação rápida quanto paralisia de

longa duração. Este conjunto integrado de comportamentos permite que a peçonha atue

sobre a presa e a vespas leve a barata para uma câmara e coloque um ovo em cima dela,

posteriormente as larvas se alimentarão da presa viva até a pupação.

Defesa

Toxinas com função de defesa abrangem uma série de categorias químicas e

atividades fisiológicas, incluindo neurotoxinas bloqueadoras de canais, alcalóides que

quebram a sinalização neuronal, terpenos e quinonas que “irritam” membrana, inibidores de

protease que impedem a digestão, e uma variedade de compostos que causam uma maior

ou menor injúria ao seu alvo.

Alguns compostos provocam comportamentos específicos em predadores, como os

peptídeos no muco da pele de rãs Xenopus que estimulam um incontrolável bocejo e

abertura da boca, o que permite que os sapos se arrastem para fora da boca de cobras. A

diversidade de compostos e efeitos resultam de um cenário seletivo bastante simples que

direcionou sua evolução - um composto que impede, atrasa ou repele ataques.

As toxinas encontradas em qualquer linhagem particular têm mais a ver com a

história evolutiva de um determinado grupo, ou fontes de toxinas do meio ambiente, do que

com os efeitos específicos que elas produzem. Em geral, a convergência evolutiva é menos

comum entre os compostos de defesa do que entre as peçonhas.

Um dos paradoxos mais intrigantes na evolução dos venenos é porque os

organismos evoluem para ser mortíferos - ao contrário das peçonhas, que têm uma clara

vantagem possuindo efeitos mortíferos. Extrema toxicidade ocorre repetidamente, a partir de

lagartas saturniidae até rãs da família Dendrobatidae. A seleção favorece os indivíduos com

adaptações, e esses devem ser os que evitaram a predação. Matando um único indivíduo

predador não lhes dá uma vantagem sobre aqueles que simplesmente o afastam,

especialmente se a vítima tem que ser manuseada ou comida por um predador para o

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 476 Julho/2010

veneno ter efeito. Como, então, podemos explicar a evolução da toxicidade mortal? Em

certo sentido, venenos mortais são acidentais - doses pequenas de cogumelos “cicuta

verde” (Amanita phalloides) são letais para os seres humanos, mas amatoxinas certamente

não evoluiram para evitar os seres humanos. A resposta pode estar relacionada com a

corrida armamentista entre predadores e presas que direcionaram a exagerada evolução de

toxicidade, em geral, sem resultar em consequências fatais para o principal agente

selecionado. Por exemplo, algumas serpentes do gênero Thamnophis são resistentes à

tetrodotoxina, bloqueador de canal de sódio, encontrada na pele de salamandras (Taricha

granulosa) e outros organismos. Coevolução com estes predadores resistentes tem

direcionado a quantidade de tetrodotoxina em salamandras Taricha granulosa em alguns

lugares a um nível suficiente para matar seres humanos ou 10-20 mil camudongos. Ao

mesmo tempo, este nível de toxicidade mal prejudica serpentes do gênero Thamnophis.

As peçonhas algumas vezes desempenham um papel defensivo, mas acredita-se

que esta função seja secundária. Apesar do conhecimento popular ser contrário, cobras

peçonhentas muitas vezes mordem defensivamente sem injetar sua peçonha, o ataque ou

mordida por si só é suficiente para desencorajar o predador.

Muitas peçonhas que evoluíram como imobilizadores de presas também causam

dor imediata e intensa por causa do seu efeito sobre a comunicação neuronal. Esses

compostos, comum em himenópteros, escorpiões e água-viva, tem uma vantagem óbvia

como mecanismos anti-predação.

A seleção para aumentar a função defensiva pode ter modificado alguns

componentes da mistura da peçonha para provocar dor. Tal processo pode explicar porque

alguns peptídeos produzidos por escorpiões da família Buthidae são seletivamente

excitatórios de canais de sódio em nervos periféricos, causando dor intensa, mas não

imobilidade (Possani, 1984; Froy e col., 1999). Alguns organismos podem ter desenvolvido

secundariamente a capacidade de colocar a peçonha de forma mais ativa (o que melhor

encaixa na definição de peçonha), como acontece com os pêlos urticantes das lagartas

Lonomia que “levam” peçonha hemorrágica que, às vezes, resultam em insuficiência renal e

morte.

Competição

A vantagem ecológica de muitos compostos produzidos por bactérias, fungos e

plantas envolvem a exclusão competitiva. Os produtos químicos alelopático de plantas são

um exemplo bem conhecido de toxinas que reduzem competição. Juglone produzido pela

noz preta inibe a respiração de muitas plantas, deixando a área em torno de nogueiras

relativamente livre de outros potenciais competidores. A maioria das toxinas produzidas por

bactérias são perigosas para os seres humanos, incluindo a toxina botulínica. Acredita-se

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Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 477

que essas toxinas tenham função como inibidores de outras bactérias que crescem em

diversas comunidades

Fontes dos venenos e peçonhas

Animais que aplicam ou são portadores de toxinas utilizam sua própria maquinaria

genética e metabólica ou de outros organismos para a produção desses compostos.

Dois métodos para a síntese intrínseca de uma toxina são conhecidos: a expressão

do gene que conduz diretamente a um peptídeo ou proteína tóxica ou através de uma via

metabólica complexa, que inclui numerosas reações químicas catalisadas por enzimas

específicas que levam a um metabólito secundário exibindo aleloquímicos, por exemplo,

com atividade tóxica. Outra forma de adquirir toxicidade envolve a absorção, o acúmulo e

armazenamento de compostos tóxicos produzidos por outros organismos, tais como

micróbios, plantas ou outros animais. Isto pode ser realizado através da alimentação de

organismos tóxicos e utilização de seus metabólitos tóxicos para fins próprios ou através da

adoção de um estilo de vida simbiótica com microorganismos patogênicos, que produzem

toxinas eventualmente utilizada pelo hospedeiro.

É difícil avaliar qual a forma de aquisição de toxicidade é a mais eficiente quando os

aspectos econômicos são levados em concideração. Obter toxinas de outros organismos,

aparenta ser uma forma simples e "barata", mas o animal em questão tem de desenvolver

resistência à ação da toxina, um investimento, que muitas vezes superam os benefícios de

economia de energia metabólica. Isto pode incluir mudanças drásticas ao nível molecular

em receptores ou sítios de canais-iônicos, nos potenciais alvos das toxinas adquiridas e / ou

na necessidade de transferência da toxina de forma segura para os compartimentos do

corpo onde será armazenada sem o risco de auto-intoxicação. Além disso, os animais têm

que confiar em uma fonte de alimentação específica para manter um nível adequado de

toxicidade ou fornecer condições para acolher os simbiontes produtores de toxinas.

No reino animal, as duas estratégias têm sido igualmente aprovadas: tanto a

biossíntese como a aquisição externa de toxinas. Isto também indica que estes métodos

totalmente diferentes para a aquisição de toxicidade foram ambos bem sucedidos durante a

evolução.

Peçonhas são muitas vezes produzidas em glândulas especializadas ou em outras

estruturas que estão anatomicamente ligadas a uma máquina de entrega (dentes, ferrões,

arpões, nematocistos, etc).

Muitos componentes da peçonha de cobras, moluscos, aracnídeos e himenópteros,

têm sido relacionado com genes específicos para a produção de peptídeos e outros

compostos. Comparações filogenéticas dos genes de toxinas em répteis, artrópodes, e

cefalópodes, indicam uma origem de um antepassado peçonhento bem como uma

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 478 Julho/2010

considerável convergência na estrutura de classes e componentes da peçonha. Uma

interpretação desses resultados é que a peçonha teve uma importância ecológica para que

ocorrece a irradiação dos lagartos e essa persistiu em muitas linhagens de répteis antes do

que acreditava-se.

Da mesma forma, polvo, lula e outros cefalópodes compartilham composições

bioquímicas semelhantes em suas peçonhas, sugerindo tanto um antepassado peçonhento

no grupo quanto uma evolução tendenciosa dos componentes específicos da peçonha.

Alguns grupos parecem incapazes ou menos propensos a produzir suas próprias

toxinas. Insetos, como borboletas monarca, sequestram toxinas das plantas hospedeiras

quando as larvas se alimentam dessas. Assim, a concentração e a presença de alguns

compostos estão relacionadas com a alimentação em alguns organismos (Mebs, 2001).

As plantas não são a única fonte para sequestro de toxinas. A peçonha

concentrada na pele de rãs da família dendrobatidea representam uma ampla gama de

neurotoxinas (Daly e col., 1987). Os compostos específicos e suas misturas variam entre as

espécies, e até dentro de uma população. Trabalhos recentes correlacionaram perfis de

toxinas com as proporções de várias centopeias e formigas que produzem os alcalóides

encontrados em rãs - explicando porque estas rãs perdem sua toxicidade em cativeiro (Daly

e col., 1997).

Em um caso surpreendente de convergência evolutiva, rãs Madagascar do gênero

Mantella compartilham fatores ecológicos, padrões de coloração e de toxicidade com os

dendrobatídeos, que também sequestram toxinas de artrópodes que são suas presas (Clark

e col., 2005). Já foram identificado que esses compartilham pelo menos 9 alcalóides.

Outros organismos podem adquirir toxicidade através simbiontes. A grama festuca

é comumente infectada com o fungo endófito Acremonimum coenophialum, que produz um

alcalóide indólico com propriedades vasoconstritoras. A infecção com fungos diminui a

herbivoria e pode aumentar diretamente o crescimento da grama. Não está claro se esta

simbiose surgiu através da seleção de toxicidade em festuca, ou se o fungo começou como

um parasita que produzia toxina para auto-defesa e, inadvertidamente, protegeu o seu

hospedeiro.

Fontes de simbiontes podem ser a explicação mais provável para a ampla

distribuição de outros compostos em taxons muito diferentes. Tetrodotoxina (TTX) é

conhecida em pelo menos cinco filos e cerca de 20-30 espécies. Isto é quase inimaginável

que tantos taxons poderiam ter evoluído de forma independente um composto tóxico

idêntico para qual não se conhece sua via biossintética. Isso levou alguns pesquisadores a

suspeitar de uma origem bacteriana, e certamente as bactérias produtoras de TTX foram

cultivadas a partir de alguns dos animais marinhos que possuem tetrodotoxina, mas nunca a

partir de taxons terrestres. No entanto, cada uma das espécies animais que possuem

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Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 479

tetrodotoxina devem ter evoluído uma resistência para o efeitos do bloqueio de canal

causado pela tetrodotoxina, por isso, é claro que a convergência evolutiva aconteceu em

algum nível.

Diversidade de Toxinas

A diversidade das toxinas aumentou drásticamente através do aumento do pool de

genes para codificação de proteínas ou peptídeos tóxicos. As mutações pontuais,

duplicações e recombinação de genes e modificações pós-traducional do produto do gene

levam a uma grande variedade de peptídeos e proteínas toxicas. Acredita-se que a seleção

natural foi a responsável por “excluir” genes inadequado e ineficiente.

A variabilidade na composição da peçonha ocorre praticamente em todos os níveis:

dentro de famíias, gêneros e inter e intra espécies (Chippaux e col., 1991). Dados

acumulados mostram que este alto grau de variação da peçonha está sob controle genético.

Padrões evolutivos

Existem dois principais, aparentemente contraditórios, temas na evolução de

venenos e peçonhas: por um lado, a convergência evolutiva de ambas é generalizada, por

outro lado, as peçonhas podem apresentar algumas das mais rápidas divergências

evolutivas e variabilidade de qualquer categoria de proteínas.

A convergência é o exemplo perfeito da evolução encontrando soluções similares

para os desafios seletivos. Este tema se desenrola em todos os aspectos da biologia de

venenos e peçonhas, desde a aquisição e produção até estrutura química e ação

farmacológica. No entanto, observando o mesmo composto em diversas linhagens não

implicam sempre em uma convergência evolutiva.

Peçonhas, mais do que os venenos, exibem um grau de convergência estrutural

através de profundas lacunas filogenética, o que sugere que estas evoluíram com um grau

de comprometimento funcional ou com uma produção restrita. Muitas das classes de

proteínas comum em peçonhas de répteis também foram recrutadas em diversas peçonhas

de cefalópodes. Estas proteínas incluem uma ampla variedade de estruturas e mecanismos

de ação, mas algumas famílias de proteínas são visivelmente inexistentes das peçonhas,

incluindo enzimas globulares, transmembrana e proteínas intracelulares. Ainda não esta

claro se esta convergência na estrutura química surgiu devido a restrições seletivas na

atividade farmacológica da peçonha, ou a partir de limitações genéticas que limitam a

diversidade de classes produzidas ou recrutadas através da evolução. Ao mesmo tempo, a

rápida divergência evolutiva e variabilidade é a marca da evolução das peçonhas.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 480 Julho/2010

Conus são moluscos predadores que disparam um arpão peçonhento que quase

instantaneamente imobiliza a presa-alvo. Os dardos carregam uma mistura de neurotoxinas,

surpreendentemente diversificadas, que bloqueiam os canais iônicos ou receptores

neuronais. Análises genética demonstram que estes compostos estão sob forte seleção

para diversificação. A taxa de evolução da proteína e genes de conotoxinas é de três a cinco

vezes maior do que as maiores taxas observadas para outras proteínas. Há evidências de

duplicação e diversificação de genes conduzindo à uma radiação das formas das toxinas

(Duda e Palumbi, 2000).

Conus tendem a alimentar-se em um intervalo relativamente limitado dentro de

populações de presas, mas o grupo como um todo se alimenta de muitos grupos de

invertebrados e vertebrados. Conus que se alimentam de diferentes tipos de presas

divergem em suas misturas de peçonha, mas a bioquímica de conotoxinas é muito mais

diversificada do que sua dieta (um indivíduo pode ter 50-200 componentes tóxicos distintos)

(Duda e Palumbi, 2000).

Semelhantemente, a rápida diversificação também é observada para as proteínas

da peçonha de serpente . Em ambos os casos, supõe-se que a forte seleção para subjugar

a presa é direcionada à uma evolução rápida.

Alguns viperídeos apresentam diferenças na composição da peçonha de acordo

com a variação geográfica. Isso pode ser relacionada à diferenças em sua dieta (Daltry, e

col., 1996). Entre as espécies de elapídios (cobras e seus familiares), as neurotoxinas

diversificam rapidamente de acordo com a dieta dos produtores de veneno

Todos esses exemplos sugerem que uma corrida armamentista relacionando

toxicidade e resistência entre predador e presa direcionam a diversificação das peçonhas.

No entanto, análises funcionais que confirmam mais solidamente a existência desse

processo ainda não foram realizadas.

Organização genômica

É um fenômeno paradoxal que animais peçonhentos podem ter em comum: a parte

não-codificantes dos genes de sua toxina, os íntrons, representam elementos estruturais

altamente conservados, enquanto que as peças de codificação, os exons, apresentam uma

alta taxa de variabilidade, o que geralmente é o inverso para outros genes. Isso tem sido

observado para os genes de toxinas de conus e serpentes, e tem sido sugerido como uma

explicação para a hipermutação e diversificação de parte do gene da toxina (Craig e col,

1999). Os exons das toxinas, bem como as enzimas são consideradas como "hot-spots" da

evolução (John e col., 1996).

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Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 481

O que guia a evolução das toxinas?

Na verdade, é tentador especular que a pressão de seleção faz com que a

versatilidade de toxinas e a adaptação a um tipo especial de presa esteja associada com a

evolução acelerada das toxinas (Li, 1997). A vantagem de produzir ou seqüestrar e

conservar toxinas nem sempre é evidente e não deve ser superestimado, considerando que

animais sem peçonhas e venenos sejam menos eficiente. Esses também estão aptos para

sobreviver em um ambiente altamente competitivo. A adaptação de toxinas para alterar ou

inibir a função de um receptor ou canal-iônico pode realmente seguir os mecanismos de

seleção. No entanto, existem exemplos de que as mutações também podem levar a uma

toxina que é menos ativa ou, talvez, sem qualquer efeito sobre o processo de intoxicação.

Das dendrotoxinas até peçonhas de mamba são altamente ativas e específicas para

bloquear canais K +, mas em estado puro, são essencialmente não-tóxicas em mamíferos

(Harvey e Anderson, 1991). Embora possam exercer algum efeito sinérgico com outros

componentes da peçonha, a sua baixa concentração na peçonha pode impedir a sua

importância no envenenamento. Nas peçonhas de escorpião existem peptídeos fracamente

tóxicos que são, na verdade, protótipos estruturais das toxinas mais potentes (Babin e col.,

1974).

Os mecanismos que criaram "hot-spots" da evolução molecular ainda permanecem

obscuros. A suposição de que uma forte pressão de seleção está envolvida, o que explicaria

a extraordinária rapidez na taxa de mutação, precisa de mais esclarecimentos. Os animais

que produzem toxinas ou substâncias químicas tóxicas que receberam de outras fontes têm

de ser vistas no seu contexto ecológico. O uso que fazem das suas toxinas e se eles

realmente precisam desses componentes ativos para sobreviver tem de ser criticamente

avaliados. A idéia também pode ser enfatizada em que a vantagem da produção e posse de

toxinas pode ter sido perdida durante a evolução. As toxinas podem preservar seu

significado original, enquanto o gasto metabólico não está prejudicando seu fitness

(Habermann, 1992).

Conclusão

Os compostos que reconhecemos como venenos e peçonhas abrangem uma

enorme diversidade de funções farmacológicas e ecológica. As pressões de seleção que

conduziram a modificação de peçonhas e venenos são fundamentalmente diferentes das de

outras proteínas, e resultaram em algo com uma dinâmica evolutiva diferente.

Venenos muitas vezes aparecem convergentes porque compostos externos

disponíveis são usados para defesa, enquanto peçonhas parecem evoluir para uma melhora

em alguns conjuntos de alvos de funções e classes de compostos. Ao mesmo tempo, as

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 482 Julho/2010

peçonhas dentro das linhagens diversificam, pelo menos, tão rápido quanto qualquer outro

grupo de proteínas conhecidas.

Com mais ferramentas experimentais para mais grupos de organismos, iremos

começar a descobrir que, em geral pressões evolutivas e restrições moldaram o perfil de

venenos e peçonhas.

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Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 483

Produtos naturais e sua função como defesa química

Suélen Felix Laboratório de Biologia Celular de Invertebrados Marinhos

[email protected]

Introdução

A vida baseia-se em processos químicos que são utilizados para múltiplos

propósitos e o conjunto desses processos é denominado metabolismo (Harper e col., 2001).

Entende-se por metabolismo primário as vias de síntese (anabolismo) e de degradação

(catabolismo) de compostos químicos mediados por enzimas que ocorre em todos os seres

vivos. Essas vias de síntese são altamente conservadas ao longo de todos os reinos e dão

origem a substâncias químicas essenciais para os organismos. Os principais metabólitos

primários são os monossacarídeos, aminoácidos, ácidos graxos, ácidos nucléicos e

polímeros derivados destes (polissacarídeos, proteínas, lipídios, ADN, e ARN dentre outros)

(Mann, 1978).

A maior parte dos organismos produz por via metabólica secundária, compostos

que normalmente não possuem qualquer função aparente (Mann, 1978). Esses metabólitos

secundários são também denominados Produtos Naturais por serem compostos químicos

de origem biogênica cujos potenciais vem sendo amplamente explorados por diversas áreas

das ciências aplicadas (Fig. 1a, b) (Maschek e Baker, 2008).

Figura 1. a) Estrutura química da Penicilina que é um produto natural sintetizado por fungos da

espécie Penicillium notatum e vem sendo amplamente explorado com antibiótico. b) Estrutura

química da Briostatina, um produto natural sintetizado por briozoários da espécie Bugula neritina e

muito utilizado no tratamento de diversos tipos de tumores.

A separação entre metabolismo primário e secundário é confusa, mas sabe-se que

estão interconectadas, pois o metabolismo primário fornece as moléculas que são utilizadas

como base para todas as vias do metabolismo secundário (Fig. 2). Cada precursor de

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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metabólitos secundários é também usado na biossíntese de vários metabólitos primários

mais complexos como: proteínas, ácidos graxos e polissacarídeos (Mann, 1978).

Figura 2. Principais vias metabólicas secundárias, enfatizando a via do acetato (Acetil coenzima A),

precursora de florotaninos, polifenóis e poliacetilenos; a via do Ácido chiquímico precursora de

compostos aromáticos e de hidroquinonas preniladas; a via de aminoácidos aromáticos, precursora

de alcalóides; e a via do Mevalonato, precursora de terpenóides. (Modificado de Maschek e Baker,

2008).

Bioatividade dos metabólitos secundários e sua função como defesas

químicas

Os metabólitos secundários são indiscutivelmente bioativos e a bioatividade é uma

resposta fisiológica a moléculas ou íons presos a um ligante desencadeando assim uma

cascata de conseqüências (Maschek e Baker, 2008). Williams e colaboradores (1989)

concluíram que os metabólitos secundários evoluíram sob pressão de seleção natural para

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Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 485

se ligarem a receptores específicos e desta forma representarem respostas ecológicas dos

organismos ao ambiente.

Existem desestabilidades no equilíbrio entre os organismos que ocupam um mesmo

nicho ecológico. Essas desestabilidades podem ser mudanças ambientais, distúrbios no

balanço predador-presa ou escassez de alguns recursos como alimento e refúgio, que vão

exercer pressões sobre organismos para que se tornem adaptados, para emigrarem ou se

extinguirem (Mann, 1978). Por muito tempo foi questionado o porquê de vários organismos

alocarem quantidades significativas de recursos - que poderiam inicialmente ser alocados

para crescimento e reprodução - para a produção de metabólitos secundários, uma vez que

estes não têm função essencial na estrutura dos indivíduos (Davies, 1992). Entretanto,

avanços nos estudos em Ecologia Química mostraram que esses metabólitos secundários

estão envolvidos em diversas interações atuando como verdadeiras defesas químicas para

os indivíduos que as produzem, assegurando assim sua adaptabilidade às desestabilidades

do ambiente (Mann, 1978). Isso justifica o alto dispêndio metabólico na produção destes e

mostra que a variabilidade das defesas químicas é um importante caractere evolutivo, pois é

sobre esta variabilidade que a seleção natural atua (Hay, 1996).

Como já é conhecido, os organismos vivem em uma incessante batalha pela sua

sobrevivência buscando alimento, procurando parceiros reprodutivos e tentando evitar seus

predadores (Mann, 1978), Além disso, competem com outros indivíduos pelo alimento, pelos

parceiros reprodutivos, por espaço e por luz (Harper e col., 2001). Portanto, não é estranho

que tenham desenvolvido diversos mecanismos de defesa incluindo estratégias

comportamentais, físicas e químicas, sendo que sinergias entre estas estratégias têm sido

amplamente descritas (Fig. 3a, b, c, d) (Hay e Fenical, 1988; Stachowicz, 2001).

Defesas químicas apesar de não serem essenciais para o metabolismo basal dos

organismos, são responsáveis por assegurar o sucesso destes frente às diversas interações

ecológicas, pois atuam como: substâncias antipredação (sendo citotóxicas ou reduzindo a

palatabilidade), mediadores de competição espacial, inibidores de epibiose, agentes

antimicrobianos e proteção contra danos causados por raios ultravioletas (Harper e col.,

2001). São classificadas em constitutivas, ativáveis ou induzíveis, dependendo da forma

com que são armazenadas dentro do corpo do organismo. Estas podem ser armazenadas já

na sua forma ativa ou em uma forma normalmente menos tóxica e menos dispendiosa

metabolicamente, que é ativada apenas quando houver algum estímulo que justifique o seu

uso (Harvell,1990; Paul e Van Alstyne, 1992; Karban e Baldwin, 1997). Existem ainda

organismos que não possuem a capacidade de produzir defesas químicas, mas que podem

adquiri-las através da sua alimentação sem sofrerem danos (resistência), acumulá-las na

sua forma ativa nos seus órgãos ou músculos e usá-las em seu próprio benefício quando for

necessário. Este mecanismo caracteriza o seqüestro de defesas químicas (Harbone, 1993).

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Figura 3. a) Polvo adotando comportamento críptico como mecanismo de defesa; b) espinhos em

ouriços-do-mar funcionando como defesas físicas; c) Gambás liberam substâncias químicas com

odor desagradável para afastar seus predadores (defesa química); d) No peixe-leão os espinhos no

dorso (defesa física) têm a função de perfurar e injetar dentro do corpo dos seus predadores e presas

substâncias químicas com alta toxicidade (defesa química), sendo um claro exemplo de sinergia de

defesas.

Defesas químicas constitutivas, induzíveis e ativáveis

A teoria da defesa ótima pressupõe que as defesas químicas podem ser

diferentemente alocadas para as partes do corpo do organismo mais susceptíveis a

predação, ou que os metabólitos defensivos podem ser induzidos em resposta a predação

(Rhoades, 1979). As defesas químicas podem ser constitutivas (sempre presentes),

induzidas (produzidas sob regulação gradual), ou ativadas (produzidas imediatamente a

partir de precursores disponíveis) em resposta a ataques (Karban e Baldwin, 1997). Defesas

químicas induzíveis ou ativáveis são desencadeadas por lesões ou contato com predadores

resultando em mudanças químicas dentro dos organismos que aumentam sua resistência

ao tipo de dano que levou a produção ou ativação da defesa. A resposta induzida pode

ocorrer em uma escala de horas a meses (Fig. 4a) (Karban e Baldwin, 1997), enquanto que

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Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 487

a ativação pode ocorrer dentro de segundos após o dano causado pelo predador (Fig. 4b)

(Paul e Van Alstyne, 1992).

Figura 4. a) Indução (0.5 – 6 dias) na produção de oroidina por esponjas da espécie Agelas conífera

(Modificado de Richelle-Maurer e col., 2003). b) Ativação (15 – 60 segundos) na produção de

psammplina A por esponjas da espécie Aplysinella rhax (Modificado de Thoms e Schupp, 2008).

O uso de defesas químicas é dispendioso para o seu produtor, reduzindo assim a

energia disponível para o crescimento e a reprodução (Baldwin, 1998; Pavia e col., 1999).

Se a predação for uma pressão constante e previsível, o organismo pode se beneficiar com

defesas constitutivas, pois os custos com a sua produção são bem compensados pelos

contínuos benefícios da proteção. Em contraste, se a pressão de predação for variável

espacial ou temporalmente os custos associados com defesas constitutivas podem exceder

os benefícios da proteção. Sendo assim, o uso de defesas induzíveis ou ativáveis pode ser

preferido, se estas incorrerem em menores custos (Karban e Baldwin, 1997; Koricheva,

2002).

As defesas químicas ativáveis podem representar muitos benefícios adicionais em

relação às defesas constitutivas e as induzíveis. Primeiro, a ativação aumenta a resistência

aos predadores no ato do ataque repelindo o primeiro predador, em vez de proteger o

organismo de predadores que se alimentam vagarosamente (que não causam tantos danos

e dão ao hospedeiro tempo para se recuperar) ou de possíveis futuros predadores, como é

o caso das defesas induzíveis. Segundo, se as defesas químicas forem tóxicas para o

organismo que as produz, então, se a produção for regulada somente para quando houver o

ataque e por pequenos períodos de tempo, os custos associados com proteção contra auto-

toxicidade serão minimizados com relação às defesas constitutivas e induzíveis. Terceiro,

mesmo sendo menos efetivo do que uma defesa induzível ou constitutiva, cujo status

defensivo dura de horas a meses ou pode ser contínuo, um componente instável poderia ser

utilizado como uma defesa ativável, pois se decompõe logo após sua exposição ao

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estímulo. Quarto, existem compostos que tem funções alternativas dentro de um organismo

ou que servem como precursores para vários produtos biogênicos - um dos quais uma

defesa ativada. Se a ativação ocorre com pouca freqüência, o metabólito pode ser usado em

outras funções dentro do organismo, ou desviado para sintetizar produtos diferentes

enquanto o organismo não estiver sendo atacado (Prusak, 2004).

A ativação de defesas químicas pode acontecer por pelo menos três mecanismos:

1) quando o organismo for danificado fisicamente, pela conversão de algum tipo de

composto deterrente em um composto mais deterrente ainda (Fig. 5). Na esponja marinha

Aplysinella rhax o composto menos deterrente sulfato de psammaplina A considerado

constitutivo (Tabudravu e col., 2002) é convertido no composto mais deterrente

psammaplina A em um intervalo de poucos segundos após a lesão causada pelo predador

(Thoms e Schupp, 2008); 2) pela produção de um composto deterrente a partir de

precursores não deterrentes. Após o contato com fungos, as diatomáceas Thalassiosira

rotula e Asterionella formosa oxidam os ácidos graxos eicosanóides rapidamente nos

aldeídos insaturados C-10 e C-12 respectivamente (Pohnert, 2000); 3) pelo aumento na

concentração de um metabólito deterente que normalmente é expresso em níveis muito

baixos. Quando esponjas da espécie Aplysilla glacialis são expostas a algum tipo de

distúrbio, aumentam rapidamente a produção de esteróides endoperóxidos que começam a

ser secretados externamente junto com o muco (Bobzin e Faulkner, 1992). Devido à

ativação de defesas envolver mudanças metabólicas que ocorrem em intervalos de poucos

segundos (Paul e Van Alstyne, 1992; Cetrulo e Hay, 2000) é provável que precursores

metabólicos e enzimas já estejam presentes antes do ataque, pois a transcrição e tradução

de enzimas leva em torno de 40 segundos (Mathews e col., 1999), tempo maior que o

necessário para um predador lesar seriamente sua presa.

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Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 489

Figura 5. Uso dos alcalóides isoxazolínicos brominados aerofobina-2 (1), aplisinamisina-1 (2) e da

isofistularina-3 (3) como precursores para a ativação dos metabólitos mais deterentes aeroplisinina-1

(5) e dienona (6) nos tecidos de Aplysina aerophoba. (Modificado de Thoms e col., 2006).

Seqüestro de defesas químicas

Existem várias divergências sobre os fatores responsáveis pela origem da

especialização alimentar (Barbosa, 1988; Thompson, 1988; Cronin e col., 1995). Entretanto,

acredita-se que a resposta comportamental à química de uma presa é importante para

manter associações especializadas (Futuyma e Moreno, 1988). Em comunidades terrestres

as principais investigações sobre relações de consumidores especialistas estão focadas nas

relações inseto-planta e presume-se que cerca de 90% das espécies de insetos são

especializados em consumir até três famílias de plantas (Bernays, 1989). Nos ambientes

marinhos, casos de especialização são raros, pois a maior parte dos consumidores são

onívoros generalistas (Hay e Steinberg, 1992).

A proteção contra inimigos naturais tem sido proposta como um fator importante

para promover preferência e especialização alimentar em ambos os ambientes (Bernays,

1989; Hay, 1992) e o seqüestro dos metabólitos secundários produzidos pela presa é um

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mecanismo efetivo na obtenção desta proteção (Paul e Van Alstyne, 1988; Rogers e Paul,

1991). O seqüestro de defesas químicas ocorre quando organismos (especialistas)

conseguem se alimentar de presas quimicamente defendidas sem sofrerem danos e, além

disso, acumulam essas defesas químicas nas suas formas ativas em seus tecidos e órgãos,

usando-as contra seus próprios predadores (Pawlik, 1988; Thoms e col., 2003).

Nos ambientes marinhos os principais organismos conhecidos por seqüestrarem

defesas químicas de suas presas são gastrópodes opistobrânquios (nudibrâquios e

sacoglossos). São raramente atacados pelos consumidores generalistas com os quais

coexistem, mesmo não apresentando concha de proteção como a maior parte dos

gastrópodes (Fig. 6a, b) (Cronin e col., 1995). Evidências evolutivas presumem que a perda

da concha foi atribuída ao seqüestro de defesas químicas a partir da alimentação (Faulkner

e Ghiselin, 1983). Os opistobrânquios carnívoros – os nudibrânquios – se especializaram em

invertebrados, seqüestrando os metabólitos secundários (Faulkner, 1992) ou mesmo

nematocistos funcionais das suas presas. Já os seus homólogos herbívoros – os

sacoglossos – se especializaram em algas, das quais seqüestram suas defesas químicas e

cloroplastos funcionais (Cronin e col., 1995). Em alguns casos os organismos que

seqüestram as defesas químicas podem modificá-las, usando-as como precursoras para

produzirem outras defesas, para detoxificá-las (por serem muito tóxicas para serem

armazenadas) ou para torná-las mais eficientes contra seus predadores (Cimino e col.,

1993).

Figura 6. a) Nudibrânquio Tritonia hamnerorum especialista em se alimentar e seqüestrar defesas

químicas do octocoral Gorgonia ventalina (Cronin e col., 1995).

http://www.seaslugforum.net/images/dup031.jpg (20/05/2010). b) Sacoglosso Elysia subornata

especialista em se alimentar e sequestrar defesas químicas e cloplastos da clorófita Caulerpa taxifolia

(Thibaut e col., 2001). http://www.sbg.ac.at/ipk/avstudio/pierofun/ct/scans/fig5e.jpg (20/05/2010).

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Fundamentos de Toxinologia

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Principais produtores de defesas químicas e suas potencialidades econômicas

Tanto nos ambientes terrestres quanto nos ambientes aquáticos, os principais

produtores de defesas químicas são em geral organismos com poucos mecanismos físicos

de defesa e/ou com reduzida mobilidade. Sujeitos a grandes pressões por parte de

organismos competidores, estes grupos lograram desenvolver suas defesas químicas como

forma de se protegerem e garantirem a sobrevivência. (Hay e Fenical, 1988). Nos ambientes

terrestres, as defesas químicas até então descobertas são em sua maioria provenientes de

plantas, seguidas de fungos e bactérias. Já nos ambientes aquáticos, 33% das defesas

químicas são produzidas por esponjas, 25% são provenientes de algas (micro e

macroalgas), 18% são de cnidários e os 24% restantes são derivados de outros

invertebrados como ascídias, briozoários e poliquetos, dentre outros (Kijjoa & Sawangwong,

2004).

O estudo das substâncias derivadas do metabolismo secundário fornecem uma

enorme contribuição na descoberta de drogas com potencial terapêutico. Muitas delas têm

sido descobertas pela extração da defesas químicas de plantas, animais, organismos

marinhos e microorganismos (Rocha & Schwartsmann, 2001). De origem vegetal, alguns

exemplos de drogas já comercializadas descobertas a partir de produtos naturais são:

aspirina, derivada do salgueiro (analgésico, antinflamatório); atropina, derivada da erva-

moura (dilatador de pupila e antiespasmóico); taxol, derivado do Teixo do Pacífico (agente

anticancer); morfina derivada do ópio (analgésico). De microorganismos foram descobertas

as drogas penicilina, derivada do bolor de pão Penicillium sp. (antibiótico); cefamicina,

derivada de actinobactérias Streptomyces sp. (antibiótico). Produtos naturais de origem

marinha também deram origem a drogas como a briostatina, derivada do briozoário Bugula

neritina (anti-tumoral); aurantosides, derivado da esponja Theonella sp. (antifúngico);

manoalide, derivada da esponja Luffariela variabilis (analgésica e antinflamatória) (Rocha &

Schwartsmann, 2001).

Os produtos bioativos também despertam interesse de outros segmentos

econômicos. O potencial antiincrustante de vários invertebrados marinhos têm sido

amplamente exploradas pela Indústria Naval, pois após o banimento de tintas a base de

tributilestanho (TBT), há a necessidade de criar tintas igualmente eficazes mas que não

causem danos ao meio-ambiente (Burgess e col., 2003). A indústria agrícola tem investido

no desenvolvimento de defensivos baseados em defesas químicas produzidas por plantas e

fungos (Duke, 1990). Já a indústria cosmética vem investigando o potencial de proteção

contra raios UV exibidos por algumas defesa químicas de invertebrados marinhos (Michalek-

Wagner, 2001), bem como de metabólitos com capacidade antioxidativa e antiinflamatória

(Furey, 2010).

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Considerações finais

Os produtos naturais ja foram considerados detritos com estruturas químicas

interessantes, porém inúteis (Mann, 1978). No entanto, cada vez mais se observa que

possuem funções importantíssimas para os organismos que os produzem. Atualmente já é

conhecido que muitos desses metabólitos secundários possuem papéis vitais, pois medeiam

interações ecológicas. Ou seja, possuem a função de assegurar a sobrevivência em um

ambiente hostil onde muitos organismos competem uns com os outros pelos mesmos

recursos.

O estudo dos metabólitos secudários com função de defesas químicas é um campo

de estudo amplo e multidisciplinar, englobando a química e todos os aspectos biológicos.

Apesar dos maiores esforços ainda serem voltados para a descoberta de novos produtos

com potencial farmacêutico e industrial, muito tem sido feito a fim de se descobrir qual a

importância dessas substâncias para os organismos que as produzem. Mesmo que alguns

experimentos não consigam demonstrar a real função de um metabólito secundário, não

significa que este papel não exista, portanto não é prudente argumentar contra sua

relevância ecológica e fisiológica.

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Fundamentos de Toxinologia

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Invertebrados Marinhos: Toxinas e seus Mecanismos de Ação

Bruno Cesar Ribeiro Ramos Laboratório de Produtos Naturais Marinhos

[email protected]

Introdução

Há muito tempo postula-se que a vida tenha surgido nos oceanos, assim não é de

se surpreender que esse ambiente continue a abrigar uma enorme diversidade de animais,

o que inclui uma grande variedade de invertebrados (Brusca, r. c.; Brusca, g. j., 2007).

Alguns grupos como os cnidários e os equinodermos, são completamente ou em grande

parte marinhos. Essa tremenda variedade e abundância de invertebrados nos oceanos de

todo mundo é o resultado de vários números de fatores, muitos dos quais estão

relacionados a condições de redução de estresse químico e físico nas atividades diárias dos

organismos (Brusca, r. c.; Brusca, g. j., 1990).

Em um ambiente com grandes pressões seletivas e uma enorme variedade de

organismos, as interações intra e interespecíficas tem um papel determinante na evolução

desses organismos. Muitas dessas interações são mediadas pela liberação de substâncias

biologicamente ativas e podem ser classificadas de acordo com seu papel ecológico (Burks

e Lodge, 2002; Ruther, e col, 2002): feromônios são substâncias que atuam na

comunicação entre membros da mesma espécie; cairomônios atuam na comunicação entre

membros de espécies diferentes com vantagens para a espécie receptora; e alomônios,

substâncias químicas defensivas e ofensivas com vantagens adaptativas para a espécie que

libera a substância no meio. Nesse contexto alomônios ofensivos são substâncias

empregadas por organismos predadores, para paralisar e subjugar sua presa, enquanto

alomônios defensivos são utilizados para deterem inimigos (predadores ou competidores)

(Sher e col., 2005). O uso de alomônios já foi amplamente registrado nos diversos táxons do

reino Metazoa, mas nesse capítulo nos concentraremos nos invertebrados.

Invertebrados venenosos ou peçonhentos são comumente encontrados em

Poríferos, Cnidários, Moluscos e Artrópodes. Porém, alguns dinoflagelados também

produzem toxinas extremamente potentes e também serão abordados a seguir.

Dinoflagelados

Os dinoflagelados são um dos grupos mais abundantes no plâncton marinho e,

como em sua maioria são autotróficos, têm um importante papel na produção primaria do

globo. No entanto esses organismos são também os principais responsáveis pelo fenômeno

conhecido como proliferação nociva de algas (HABs), ou popularmente, maré vermelha.

Normalmente as espécies que produzem substâncias tóxicas estão presentes em baixas

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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concentrações no ambiente e não provocam impactos à saúde humana. Porém, em

condições favoráveis de temperatura e nutrientes estas podem reproduzir-se em grande

escala, produzindo grandes quantidades de toxinas (Da-Zhi Wang, 2008). Nessas condições

esses organismos podem representar um risco à saúde publica pela ingestão de animais

contaminados ou pela exposição à água. Todo ano são registrados de 50 a 500 mil casos de

intoxicação por toxinas produzidas por algas, com uma média de mortalidade de 1,5%. Além

do efeito adverso causado a saúde humana essas toxinas também são responsáveis pela

morte de peixes, moluscos e podem causar episódios de mortalidade de mamíferos

marinhos, pássaros e outros animais dependendo da cadeia alimentar (Da-Zhi Wang, 2008).

As toxinas produzidas pelos dinoflagelados são extremamente potentes e em sua

maioria são neurotoxinas que interagem com receptores específicos; ou associados a

receptores de neurotransmissores ou a canais iônicos dependentes de voltagem. Dentre as

neurotoxinas mais estudadas e conhecidas estão, a saxitoxina, que bloqueia canais de

sódio voltagem-dependentes, produzida por membros dos gêneros, Alexandrium,

Gymnidinium e Pyrodinium; a brevetoxina, encontrada primeiramente em organismos da

espécie Karenia brevis, que atua abrindo e impedindo a inativação de canais de sódio

voltagem-dependentes; a ciguatoxina, isolada da espécie Gambierdiscus toxicus, que atua

da mesma maneira que a brevetoxina, porém com um potencial 30 vezes maior; e a

palitoxina, isolada recentemente da espécie Ostrepsis siamensis atua na Na+/K+-atpase e é

uma das toxinas mais potentes existentes (Da-Zhi Wang, 2008).

Porífera

O filo Porífera é constituído por animais extremamente simples e popularmente

conhecidos como esponjas. São os mais primitivos animais entre os multicelulares, não

possuem órgãos, mas tem tecido conjuntivo desenvolvido. Seu esqueleto pode ser formado

por espículas calcárias, espículas silicosas, fibras de espongina protéicas ou uma

combinação dessas duas últimas (ruppert e barnes, 1994).

Vários animais se alimentam de esponjas, embora o dano causado por estes

predadores seja geralmente pequeno. Alguns moluscos, ouriços e estrelas-do-mar, além de

peixes tropicais (donzelas, peixes-borboleta) e tartarugas, comem esponjas. Muitas

espécies são totalmente expostas aos predadores, e na impossibilidade de “bater em

retirada” apresentam mecanismos alternativos de defesa contra a predação excessiva. O

mecanismo primário de defesa das esponjas é de natureza química. As esponjas produzem

ou acumulam uma ampla gama de compostos tóxicos, alguns bastante potentes e que

podem ser expelidos por poros presentes na superfície externa desses animais

(www.poriferabrasil.mn.ufrj.br).

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Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 495

Um exemplo marcante é o da espécie Latrunculia magnífica, esse organismo

quando atacado por predadores libera um líquido avermelhado que causa a fuga do

predador da vizinhança onde se encontra essa esponja. Testes químicos e em laboratório

atribuem esse efeito a uma toxina denominada latrunculina-A ou B que causa morte de

peixes em alguns minutos (Proksch, 1994). Apesar de produzirem toxinas relativamente

potentes não são freqüentes os relatos de acidentes com humanos. Na maioria dos casos, o

contato com esses animais geram pequenas abrasões ou mesmo nenhum tipo de efeito.

Porém algumas espécies que produzem toxinas, ou de modo geral chamadas crinitoxinas,

podem causar severas irritações e dermatites, como espécies do gênero Tedania e

Neofibularia (Ibster e Hooper, 2005)

Além de defesas antipredação e contra infecções microbianas, as toxinas de

esponjas também são utilizadas para a competição por espaço com outros invertebrados,

como briozoários, ascídias, corais e até mesmo outras esponjas. Esponjas do gênero

Siphonodictyon habitam corais vivos, e para prevenir que sejam recobertas pelos pólipos

dos corais secretam um muco contendo uma toxina denominada sifonodictidina, gerando

uma “zona morta” de 1-2 cm ao redor da região onde se encontra. Isto permite que algumas

esponjas cresçam rapidamente e recobram a fauna e flora adjacentes (Proksch, 1994).

Cnidários

Um dos grupos que mais vem ganhando destaque no quadro internacional quando

o assunto é toxina, são os cnidários. Os cnidários possuem células urticantes características

presentes em todos os representantes do filo. Essas células produzem organelas

especializadas denominadas nematocistos, que contém um bulbo venoso e um filete

eversível capaz de injetar toxinas. A peçonha contida nos nematocistos desses animais

contém uma grande variedade de toxinas provocando efeitos dos mais diversos quando

injetado na presa ou no predador.

Extensivos estudos têm sido realizados nesse grupo devido aos vários relatos de

contato desses animais, principalmente das classes Cubozoa e Sciphozoa, com humanos,

com resultados potencialmente fatais.

As classes Cubozoa e Sciphozoa são representadas pelas conhecidas medusas,

onde se destacam os cubozoários Chironex fleckri, tido como o animal mais peçonhento do

mundo (Turk; Kem, 2009), e Carukia barnesi, conhecido por causar a “síndrome de

Irukandji” (forte hipertensão que pode resultar em edema pulmonar, hemorragia intracerebral

e infarto agudo) (Suput, 2009) e os cifozoários Cyanea capillata e Chrysaora quinquecirrha.

De maneira geral, as fatalidades observadas em humanos e animais de laboratório

se devem aos efeitos cardiotóxicos gerados pela peçonha. A entrada de cálcio através de

poros formados nas células, a liberação de substâncias endógenas como epinefrina e

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 496 Julho/2010

histamina, a interferência nos canais iônicos das membranas celulares, ou a combinação

desses fatores, e de fatores ainda não conhecidos, podem levar ao colapso cardiovascular

(Suput, 2009).

Apesar de décadas de estudos, muito pouco é conhecido da peçonha desses

animais do ponto de vista farmacológico. O grande número de proteínas e substâncias

presentes na peçonha aliado a instabilidade de muitas toxinas faz do seu estudo um

trabalho difícil e complexo.

Diferentemente dos membros das duas classes anteriores, os membros da Classe

Anthozoa, representada pelas anêmonas e corais, produzem potentes toxinas estáveis. Por

esse motivo, muitas toxinas de varias espécies já foram isoladas e caracterizadas. As mais

conhecidas são as neurotoxinas que agem nos canais de sódio. São polipeptídios de

3~5KDa e foram primeiramente isoladas da espécie Anemonia viridis e denominados ATX I,

ATX II e ATX III (hoje Av1, Av2 e Av3). Essas toxinas agem impedindo a inativação dos

canais de sódio através da estabilização das conformações do seu estado ativo (Moran,

2009).

Toxinas que agem nos canais de potássio também têm sido descritas em diversos

membros dessa classe. Essas toxinas fazem parte de uma única família de bloqueadores de

canais de potássio, com massa variando entre 3.5 - 6.5KDa, onde a primeira toxina a ser

isolada foi a ShK, da anêmona Stichodactyla hielanthus.

Outra classe de toxinas bem estudada e caracterizada em anêmonas são os

polipeptídios citolíticos. Essas toxinas podem agir formando poros nas membranas

celulares, onde são destacados os estudos realizados com Equinatoxina II (Eqt II), da

anêmona Actínia eqüina e Sticholisina (St II), da Stichodactyla hielanthus, ou atuando como

enzimas, que podem ter ou não ação fosfolipásica (Suput, 2009).

A última Classe dentro do grupo dos cnidários analisada aqui, é a Classe Hydrozoa.

Os poucos trabalhos realizados com membros desse grupo se restringem a algumas

espécies de hidras, caravelas (Physalia) e hidrocorais (Millepora). As dificuldades no estudo

desses organismos são o tamanho diminuto de seus pólipos, a dificuldade de extrair a

peçonha diretamente dos seus nematocistos e a instabilidade de suas toxinas. Mesmo com

essas dificuldades algumas toxinas interessantes foram isoladas desses animais como, por

exemplo, as hidralisinas, uma nova categoria de citolisinas formadoras de poros (Sher e col,

2005), isoladas primeiramente da hidra Chlorohydra viridissima e a phisalia toxina, uma das

primeiras toxinas de cnidários isoladas diretamente dos nematocistos. Essa toxina tem

massa de 240KDa, é composta por 3 subunidades glicosiladas e é letal quando injetada

intraperitonialmente em camundongos (Suput, 2009).

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Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 497

Moluscos e crustáceos

Dentro do grupo dos moluscos, os animais mais estudados são os pertencentes à

família Conidae. Todas as 500 espécies conhecidas são predadoras e se alimentam de

outros moluscos, vermes e peixes. A imobilização da presa é resultado da ação da peçonha

relativamente complexa desses animais que é injetada na vítima através de uma

modificação da rádula semelhante a um arpão. A peçonha de cada espécie contém mais de

200 compostos farmacologicamente ativos, e os mais estudados são compostos de origem

peptídica (Becker e Teriau, 2008).

Os alvos dos conopeptídeos são geralmente canais dependentes de voltagem e

dependente de ligantes. Uma característica marcante dessas toxinas é sua propriedade

farmacológica: conopeptídeos são conhecidos por serem extremamente potentes e

altamente específicos. A �-conotoxina, por exemplo, especificamente se liga a canais de

cálcio do tipo N (Cav 2.2) e possui baixa afinidade por outros subtipos de canais de cálcio.

Como os canais de cálcio do tipo N são encontrados nos espaços pré-sinápticos, a ação da

�-conotoxina resulta no bloqueio da transmissão sináptica (Becker e Teriau, 2008). Existem

ainda outros tipos de conotoxinas bem conhecidas, como a �-conotoxina, que inibe

receptores nicotínicos de acetilcolina nos nervos e músculos; a �-conotoxina, que inibe a

inativação dos canais de sódio dependentes de voltagem; �-conotoxina que inibe as

correntes de sódio dependentes de voltagem; e a �-conotoxina, que interage com canais de

potássio. Dessa maneira, com relação a toda a peçonha produzida por esses animais, cada

peptídeo representa um “especialista” otimizado para cada alvo (Becker e Teriau, 2008),

fazendo dessa peçonha, se não a mais potente, uma das mais potentes do reino animal.

Existem relatos de acidentes fatais decorrentes do contato de seres humanos com

esses animais, porém, devido ao habito noturno dos conídeos, esse número seja bastante

limitado

Os crustáceos venenosos normalmente concentram as toxinas em seu interior por

se alimentarem de algas que as produzem. Ao serem ingeridos por seres humanos, podem

apresentar ação tóxica e muitas vezes letal. O estômago desses animais normalmente é

impermeável a essas toxinas e, portanto, são resistentes a ela. O Lophozosimus pictur, por

exemplo, sintetiza uma proteína capaz de inativar a tetrodotoxina, além de acumular

palitoxina em seu interior (www.psiconeuroendocrinologia.com.br).

Outros exemplos podem ser citados: o Actaeodes tomentosus, do Japão, é

concentrador de toxinas da Jania sp, tendo provocado incidentes fatais entre seres

humanos; o Zosimus aeneus, da Ilha Ishigaki (Japão), o Portunus pelagicus, da Malásia,

que recebe as toxinas da Pyrodinium bahamense; o Cancer magister, dos EUA, que recebe

toxinas da Gonyaulax tamarensis (assim como o Cancer irroratus, o Cancer productus e o

Cancer borealis). Algumas espécies de lagostas, também são capazes de concentrar

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 498 Julho/2010

toxinas (fitotoxinas/tetrodotoxina). Alguns exemplos podem ser citados: Panulirus versicolor

e Panulirus longipes que recebem suas toxinas do Pyroidinium bahamense; a Homarus

americanus, que recebe as toxinas da Gonyaulax tamarensis e da Alexandrium tamarense.

Os camarões penacídeos (Penacidae) e penaeídeos, também concentram toxinas,

recebendo-as de Pyrodinium bahamense (www.psiconeuroendocrinologia.com.br).

Mecanismos de ação

Toxinas que agem em canais celulares

De maneira geral essas toxinas agem bloqueando, ativando, impedindo ou

retardando o fechamento dos canais presentes nas células excitáveis, causando um

completo desequilíbrio iônico e levando, consequentemente, ao colapso funcional da célula.

Em organismos, incluindo humanos, os canais iônicos dependentes de voltagem, como

canais de sódio, cálcio e potássio são responsáveis pela geração de sinais elétricos. Esses

sinais elétricos controlam a contração muscular, secreção de hormônios, percepções

ambientais, processamento das informações no cérebro e emissão dessa informação para

os tecidos periféricos (Becker e Teriau, 2008), fazendo com que esses canais sejam alvos

perfeitos para toxinas. Dentre os três tipos de canais citados acima, merece maior destaque

os canais de sódio voltagem-dependentes (Navs). Esses canais exercem um papel primário

na excitabilidade da maioria dos animais, permitindo a iniciação e propagação dos

potenciais de ação e por isso é o maior alvo das toxinas conhecidas (Moran, 2009).

Toxinas que agem nas membranas celulares

Conhecidas como citolisinas essas toxinas atacam a célula alvo pelo aumento,

muitas vezes não especifico, da permeabilidade da membrana a íons e pequenas

moléculas. O efeito da permeabilização pode ser letal se for forte o suficiente para alterar a

capacidade de regulação homeostática da célula para além de sua capacidade de regulação

ou mesmo se comprometer a estrutura da membrana. As citolisinas podem ser classificadas

da seguinte maneira:

Toxinas formadoras de poros, as quais produzem lesões bem definidas nas

membranas celulares.

Toxinas com características enzimáticas (fosfolipase e esfingomielase)

Toxinas com característica detergente, que promovem a desestabilização da

membrana através da solubilização dos componentes lipídicos da membrana.

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Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 499

Toxinas que agem no citoesqueleto celular

Muitas toxinas isoladas de organismos marinhos exercem sua citotoxicidade

modulando as propriedades do citoesqueleto, principalmente aquelas associadas aos

filamentos de actina (Lousao e col, 2008).

Por muito tempo acreditava-se que esse sistema (filamentos de actina e proteínas

associadas) era meramente estrutural, oferecendo o suporte necessário para manter o

formato e a organização da célula e para ancoragem de moléculas com ações catalíticas

como as proteínas motoras. Hoje se sabe que o citoesqueleto de actina é uma estrutura

muito dinâmica e que está submetida a constantes processos de reconstrução e

reorganização. Em células eucarióticas o citoesqueleto de actina possuem um papel crucial

em muitas funções celulares como: mobilidade e remodelação da superfície celular; varias

atividades contráteis como contração muscular e separação de células irmãs; controla

interações célula-célula e célula-substrato juntamente com moléculas de adesão; e participa

ativamente na transdução de sinais, regulação do volume celular, secreção e modulação de

receptores de superfície. Dessa maneira não é de se surpreender que a maioria das toxinas

citotóxicas atue sobre os filamentos de actina (Lousao e col, 2008). Essas toxinas se ligam

ao citoesqueleto e provocam a inibição ou aumento da polimerização dos filamentos (Saito,

2009), o que, consequentemente, leva a uma completa disfunção celular.

Palitoxina

Palitoxina é uma das toxinas mais potentes existentes e foi isolada primeiramente

de zoantharios (Hexacorallia) do gênero Palytoa. Hoje, a palitoxina e vários dos seus

análogos são encontrados em uma grande variedade de organismos marinhos, incluindo

anêmonas, poliquetos, dinoflagelados, algas, caranguejos e peixes (Chau H. Wu, 2009).

A palitoxina demonstrou ser 200 vezes mais potente do que a tetrodotoxina quando

injetada intraperitonialmente em camundongos. Essa toxina atuou em todas as células

animais testadas, provocando violentas contrações de músculos lisos, estriados e cardíacos,

induzindo secreção massiva de células secretoras e despolarizando todo tecido excitável

investigado (Chau H. Wu, 2009).

Devido ao seu mecanismo não usual de ação, aos inúmeros tipos de células

afetadas e ao mascaramento do seu mecanismo, devido aos efeitos secundários gerados,

muitas conclusões erradas foram feitas a respeito do seu mecanismo de ação. Após anos

de investigação e discussão finalmente foi descoberto o mecanismo de ação dessa toxina.

Essa possui um mecanismo único que transforma a bomba de Na+/K+ em um canal iônico

não especifico para íons monovalentes. Esse canal permite o influxo de sódio e o efluxo de

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 500 Julho/2010

potássio, acabando rapidamente como o equilíbrio iônico da célula e levando ao colapso

celular (Chau H. Wu, 2009).

Toxinas como ferramentas fisiológicas?

Além do potencial obvio de interferir nas vias metabólicas, e por esse motivo serem

utilizadas como remédios ou venenos, as toxinas ainda possuem uma terceira função de

extrema importância na área de pesquisa. Devido à grande especificidade que muitas

toxinas têm com sítios celulares específicos elas também se tornaram importantes

ferramentas no estudo de diversos processos fisiológicos.

A palitoxina é um bom exemplo, assim que seu mecanismo de ação foi

determinado essa toxina se tornou uma importante ferramenta no estudo do funcionamento

da bomba de Na+/K+. O melhor exemplo dessa utilidade foram os estudos realizados sobre a

influência da palitoxina na oclusão dos cátions (um passo intermediário no ciclo da bomba) e

na fosforilação da bomba (processo necessário para sua mudança de conformação) (Chau

H. Wu, 2009).

Outro bom exemplo são as conotoxinas citadas anteriormente. As �-conotoxinas

são extensivamente usadas na neurociência e também em outras áreas de pesquisa para

estudar a função de subtipos de canais de cálcio. O subtipo mais utilizado de �-conotoxina,

o GV1A, foi utilizado em mais de 2 mil papers publicados como ferramenta de estudo para

esses canais. Os conopeptídeos também são uma valiosa ferramenta na obtenção de

informação estrutural de seus alvos. Especialmente para proteínas transmembrânicas onde

pouca ou nenhuma informação estrutural esta disponível, a interação desses peptídeos

tóxicos pode ser usada como uma “impressão digital” da superfície de interação do alvo

(Becker e Teriau, 2008).

Dessa maneira podemos perceber como essas toxinas e muitas outras possuem

um papel fundamental na área de pesquisa, não apenas como potenciais drogas, mas como

importantes ferramentas para caracterização de diversos processos fisiológicos.

Page 511: Fisiologia comparada USP 2010

Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 501

Lepidópteros: Aspectos biológicos e toxinológicos

Priscila Aparecida Ozzetti Lab. Fisiopatologia - Inst. Butantan

[email protected]

Ordem Lepidoptera

Os lepidópteros estão descritos no Reino Metazoa, Filo Arthropoda, Subfilo

Hexapoda, Classe Insecta, Subclasse Pterygota, Ordem Lepidoptera (Brusca e Brusca,

2007). Essa ordem possui mais de 150 mil espécies descritas e inclui todo o grupo de

borboletas e mariposas (Funasa, 2001).

Os adultos alimentam-se primariamente de néctar e muitos são importantes

polinizadores, e alguns dos mais conhecidos pertencem à família Sphingidae. As lagartas ou

larvas são herbívoras (Ruppert e col, 2005). A alimentação das lagartas de importância

médica está baseada em folhas de árvores frutíferas comestíveis, como abacateiro,

ameixeira, pessegueiro ou mesmo em árvores nativas dentro das matas.

O ciclo de vida dos lepidópteros engloba as seguintes etapas: ovo, larva (lagarta),

pupa (crisálida) e a fase adulta (imago). Os períodos larvais mudam de acordo com a

espécie, mas a forma como ocorrem é semelhante. Depois da eclosão dos ovos, as lagartas

estão no que se chama de 1º instar e se alimentarão continuamente até atingirem o

tamanho máximo desta fase. Antes de passarem para o próximo instar, cessam sua

alimentação e tornam-se imóveis por um tempo devido a formação do novo tegumento que

é maior e mais colorido. Esse processo é chamado de ecdise ou muda. A fase larval é

constituída de 6 a 7 mudas, sendo que podem atingir até 7 cm de comprimento no último

instar. As glândulas salivares produzem seda que pode ser usada, entre outras finalidades,

na construção de um casulo dentro do qual a larva de último instar empupa (Moraes, 2009).

Os lepidópteros adultos apresentam corpo mole com as asas, corpo e apêndices

recobertos por escamas pigmentadas coloridas ou cerdas em forma de pêlo.

O corpo das lagartas urticantes é ornamentado dorsolateralmente por estruturas

pontiagudas, chamadas de cerdas, setas, ou pêlos e que contem glândulas secretoras de

toxinas (Moraes, 2009).

As borboletas e as mariposas estão entre os mais bem conhecidos e mais coloridos

de todos os insetos. As borboletas podem ser distinguidas das mariposas por duas

características: suas antenas são sempre longas e afiladas, terminando em um nódulo (as

antenas das mariposas nunca apresentam um botão na ponta), e suas asas são tipicamente

mantidas juntas sobre o corpo em repouso (as mariposas nunca mantêm suas asas nessa

posição) Mais de 80% das espécies descritas de Lepidoptera são mariposas (Brusca e

Brusca, 2007).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 502 Julho/2010

A grande maioria dos lepidópteros não apresenta riscos ao homem, como o bicho

da seda que é a lagarta da mariposa Bombix mori que desencadeou um grande

desenvolvimento econômico na produção do tecido (sericultura). Já outros lepidópteros

causam prejuízos às lavouras, onde as lagartas devoram o cultivo inteiro.

A Ordem Lepidoptera possui importância em saúde pública devido aos efeitos

danosos causados ao homem, pelo contato das cerdas de algumas espécies de lagartas

que contêm toxinas. Das famílias que compõem o grupo, as que apresentam interesse por

causarem acidentes no Brasil são a Megalopygidae, Saturniidae, Limacodidae e Arctiidae

(Moraes, 2009).

Denomina-se eruscismo as intoxicações causadas pelo contato com a lagarta de

diferentes famílias de lepidópteros. De acordo com a Tabela 1 podemos observar que

existem elevados números de acidentes ocorridos com lagartas, mas que o sistema de

notificação desses casos não restringe a família ou espécie por dificuldade de identificação

do animal pelos profissionais da saúde e também, em muitos casos, por não levar o animal

até a unidade de saúde.

Tabela 1 - Notificações de acidentes ocorridos com lagartas entre os anos de 2007 a 2009.

Fonte: Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Ministério da

Saúde).

A seguir descreveremos algumas características importantes das principais famílias

de lepidópteros de importância médica no Brasil.

Megalopygidae

Os megalopigídeos que merecem destaque por sua toxina é do gênero Podalia sp.

(Figura 1B). Possuem longas cerdas sedosas, recobrindo as cerdas pontiagudas que são

menores e inseridas no tegumento onde contêm as glândulas produtoras de veneno

(Moraes, 2009). São popularmente conhecidos pelos nomes de taturana-gatinho, taturana-

cachorrinho ou lagarta-de-fogo. O colorido dessas lagartas é variado, sendo as mais

comuns de cor marrons ou castanhas (Moraes, 2007). Por serem lentas e de aspecto

atraente, não aparentando agressividade, aguçam a curiosidade de crianças.

Tipo de

acidente

2

007

2

008

2

009

T

otal

Lagarta 3

.305

3

.907

3

.286

1

0.498

Page 513: Fisiologia comparada USP 2010

Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 503

No momento do contato, o acidentado sente dor intensa local, sensação de

queimação, vermelhidão e ínguas. Esses sintomas regridem naturalmente e não deixam

seqüelas.

Nesta família outras espécies causadoras de eruscismo são Megalopyge albicolis

(Figura 1A), Megalopyge lanata e Megalopyge sp. Segundo o trabalho de Cardoso e

colaboradores (1992), que estudou os casos de erucismo atendidos pelo Hospital Vital Brazil

(HVB), observou que há predominância da família Megalopygidae.

Os megalopigídeos são encontrados em todo o Brasil e se alimentam de diversas

plantas, geralmente encontrados em árvores frutíferas como a goiabeira e são animais

solitários.

Figura 1- A) Lagarta de Megalopyge albicolis, B) Podalia sp. (modificado de Moraes, H.P.M.)

Saturniidae

A família Saturniidae possui cerdas venenosas em forma de espinhos aparentes,

chamado de scolus, são projetadas do tegumento e se assemelham a pequenos “pinheiros”.

A coloração normalmente é verde com desenhos variados no tegumento. Apresentam

hábitos gregários, vivendo em grupos com muitos indivíduos. Na família Saturniidae,

existem várias espécies que são de importância médica como a Automeris naranja,

Automeris leucanela, Dirphia sabina, Dirphia multicolor, sendo que as do gênero Hylesia

(Hylesia paulex, Hylesia nigricans) e do gênero Lonomia (Lonomia obliqua, Lonomia

achelous) são as que merecem destaque e serão descritas a seguir:

Hylesia sp.

Os acidentes desencadeados pelo contato com as formas adultas aladas de

mariposas são escassos, ao contrário dos acidentes pelas formas larvárias que são muito

comuns.

No caso particular de uma espécie de mariposa pertencente ao gênero Hylesia,

Fig.2A, da família Saturniidae, apresenta destaque para estudos já que o contato com suas

cerdas desenvolvem manifestações clínicas. Chama-se lepidopterismo o acidente

provocado pelo contato com as formas adultas (mariposas) desses artrópodes.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 504 Julho/2010

Figura 2 – A) Mariposa Hylesia paulex, B) membro acidentado com quadro pápulo-pruriginoso.

(modificado de Moraes, H.P.M.)

As mariposas provocam surtos epidêmicos em áreas rurais nos meses quentes e

chuvosos, quando circulam e se debatem contra focos de luz. Quando se debatem liberam

espículas ou cerdas que flutuam no ambiente, atingindo a superfície cutânea ou se

depositam em roupas e objetos. Somente as fêmeas adultas desse gênero apresentam

cerdas no abdome que causam dermatite (Haddad Junior e Cardoso, 2009).

A simples penetração das cerdas é capaz de provocar reações inflamatórias

intensas Figura 2B, manifestadas por pápulas e prurido (Cardoso e Haddad Junior, 2005).

As lesões são observadas em poucas horas após o contato com as cerdas e

acompanhadas de intenso prurido. O quadro completo ocorre em 7 a 14 dias após o início

dos primeiros sintomas (Haddad Junior e Cardoso, 2009). O exame histopatológico costuma

evidenciar inflamação intensa e pode mostrar a presença das cerdas (Moreira e col, 2007) e

até revelar áreas de necrose cutânea com infiltrado inflamatório de polimorfonucleares.

Pode causar comprometimento oftalmológico, como ceratite e irite. O tratamento mais

indicado é o uso de anti-histamínicos via oral e compressas frias, banhos de amido e até

cremes a base de corticosteróides, com uso tópico no local da dermatite (Haddad Junior e

Cardoso, 2009).

Lonomia sp.

Lonomia obliqua (Figura 3A) é geralmente encontrada nas regiões Sul e Sudeste do

Brasil. Os adultos vivem em média 15 dias e não se alimentam, pois seu aparelho bucal é

atrofiado. Após a cópula, fazem posturas dos ovos nas folhas e galhos de plantas nativas

como Alchornia (tapiá), porém pode se adaptar facilmente às frutíferas domiciliares. Depois

de 25 dias em média, as larvas eclodem dos ovos passando a se alimentar das folhas da

planta durante a noite. São gregárias, ou seja, vivem em grupos e podem ser vistas nos

troncos das árvores durante o dia (Figura 3B). Após a última ecdise, elas se transformam

Page 515: Fisiologia comparada USP 2010

Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 505

em pupas, alojando-se na base das árvores, sob o húmus, pois a temperatura é mais alta.

Esta fase é muito importante no desenvolvimento do lepidóptero devido às mudanças

morfológicas e fisiológicas que ocorrem. Depois desse período de pupa formam os adultos,

reiniciando o ciclo biológico.

O aumento significativo da população de Lonomia gerou várias hipóteses, sem

contudo, terem sido explicadas em estudos mais aprofundados. Basicamente, alguns

aspectos sempre foram comentados como, por exemplo, a possível falta de inimigos

naturais devido à excessiva utilização de agrotóxicos e o desmatamento contínuo de

grandes áreas para diversos fins. (Moraes, 2002)

Apenas duas espécies do gênero Lonomia apresentam sintomas de alteração na

coagulação sanguínea e a morte de pessoas pelo contato acidental. Os primeiros registros

de acidentes hemorrágicos com vítimas fatais ocorreram na Venezuela com a lagarta

Lonomia achelous (Arocha-Pinango e Layrisse, 1969). Os primeiros relatos de acidentes no

Brasil com vários óbitos causados pela mesma espécie ocorreram no Estado do Amapá

(Fraiha Neto e col., 1985). A situação se repetiu em 1989 no Rio Grande do Sul e em Santa

Catarina, com L. obliqua, onde foram registrados quatro óbitos (Duarte e col., 1990).

Sempre que se aproxima o período quente, como as estações de primavera e verão

nos estados de Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, aumenta a preocupação das

pessoas que vivem no meio rural e próximas de matas. Até nas áreas urbanas as pessoas

não estão livres desses insetos, pois já foram encontradas colônias em locais muito

próximos às residências (Lorini, 1999). Já foi relatada a presença de L. obliqua em

municípios dos estados da Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo,

Paraná, Santa Catarina e Rio grande do Sul (Lemaire, 2002).

Na tabela 2 podemos observar o elevado número de acidentes por lagarta nos

estados do Paraná, Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Apesar

de não apresentar o gênero e espécie do animal causador do acidente podemos considerar

que essa região é de predominância da L. obliqua, a qual apresenta quadros mais graves e

provavelmente mais internações em hospitais.

Os desmatamentos ocorridos nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina

bem como o cultivo de monoculturas, provavelmente forçaram a adaptação de L. obliqua as

plantas próximas às residências. A utilização de agrotóxicos nas grandes culturas pode ter

diminuido os inimigos naturais, ainda desconhecidos, desequilibrando o controle natural da

lagarta. Sabe-se que a Moreiria wiedemanni, Lespesia affinis e a Belvosia sp. pertencentes

a Ordem Diptera e a Enicospilus sp. da Ordem Hymenoptera são inimigos naturais de L.

obliqua. O poliedrovírus LoobMNPV (Lonomia obliqua Multiplo Nucleopolyhedrovirus) é um

agente exterminador de colônias de L. obliqua (Moraes, 2002).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 506 Julho/2010

Tabela 2 - Notificações de acidentes ocorridos com lagartas nos Estados do Brasil em 2009.

UF notificação Lagarta

Paraná 906

Minas Gerais 794

São Paulo 433

Santa Catarina 364

Rio Grande do Sul 249

Tocantins 157

Amazonas 50

Alagoas 44

Bahia 42

Espírito Santo 34

Goiás 34

Mato Grosso do Sul 27

Rio Grande do Norte 24

Distrito Federal 20

Pará 20

Maranhão 16

Piauí 16

Rondônia 14

Mato Grosso 13

Pernambuco 12

Acre 9

Sergipe 4

Ceará 4

Rio de Janeiro 4

Paraíba 3

Amapá 2

Roraima 2

Total 3.297

Fonte: Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Ministério da Saúde).

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Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 507

Figura 3 – A) lagarta Lonomia obliqua, B) hábito gregário em troncos de árvores, C) equimose e D)

hematúria causada pelo acidente de L. obliqua. (modificado de Moraes, H.P.M.)

O acidentado chega ao hospital apresentando dor e queimação, eritema, edema,

prurido, dormência, bolhas e adenomegalia. As manifestações gerais mais comuns são

cefaléia, náusea, tonturas, dor abdominal e artralgia. Não são todos os pacientes que

apresentam sangramento à admissão, os mais comumente observados são gengivorragia,

sangramento pós-traumático ou em feridas recentes, equimose (Figura 3C), hematúria

(Figura 3D), epistaxe e hematêmese (vômito com sangue) ou melena (fezes com sangue) e

hemoptise (tosse com sangue) (Wen e Duarte, 2009). As hemorragias podem surgir

espontaneamente, no período de 1 a 72 horas após o contato, quando se instala um quadro

de discrasia sangüínea, com o aumento do tempo de coagulação (TC), até tornar-se

incoagulável. A insulficiência renal aguda é a principal complicação da síndrome

hemorrágica, estando presente em uma pequena porcentagem, cerca de 5% dos casos

(Funasa, 2001).

Não existem métodos diagnósticos específicos. O diagnóstico diferencial com as

dermatites urticantes provocadas por outros lepidópteros deve ser feito pela história clínica,

identificação do agente e presença de distúrbios hemostáticos. O sangue está incoagulável

na maioria dos casos e pode ser aferido pelo prolongamento do tempo de coagulação (TC),

do tempo de protrombina (TP), do tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) e

diminuição dos níveis plasmáticos de fibrinogênio. A incoagubilidade sanguínea não é

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 508 Julho/2010

detectada imediatamente após o acidente, mas depois de algumas horas ou até 24 horas. O

número de plaquetas não se mostram alteradas (Wen e Duarte, 2009).

Segundo o Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais

peçonhentos da Funasa (2001) de acordo com a intensidade dos distúrbios hemostáticos, o

acidente pode ser classificado em:

a) Leve: paciente com alteração local e sem alteração da coagulação ou

sangramentos até 48 horas após o acidente, confirmado com a identificação do agente;

b) Moderado: paciente com alteração local, alteração da coagulação somente ou

manifestações hemorrágicas na pele e/ou em mucosas (gengivorragia, equimose,

hematoma), hematúria e sem alteração hemodinâmica (hipotensão, taquicardia ou choque);

c) Grave: paciente com alteração da coagulação, manifestações hemorrágicas em

vísceras (hematêmese, hipermenorragia, sangramento pulmonar, hemorragia intracraniana),

e com alterações hemodinâmicas e/ou falência de múltiplos órgãos ou sistemas.

Em 1994 foi registrado um avanço no bloqueio da toxina e na recuperação de

vítimas com acidentes envolvendo a L. obliqua, a partir da produção do soro antilonômico,

pelo Instituto Butantan em São Paulo. A partir das cerdas das lagartas foi preparado um

extrato contendo o veneno para inoculação em cavalos, seguindo esquema de imunização

análogo ao dos demais soros antipeçonhentos. As recomendações para administração do

soro antilonômico (SALon) são estabelecidas de acordo com a gravidade do acidente

(Tabela 3).

Tabela 3 – Classificação da gravidade e orientação terapêutica nos acidentes por Lonomia.

Manife

stações e

gravidade

Quad

ro local

Tempo

de coagulação

(TC)

Sangra

mento

Tratame

nto

LEVE Prese

nte

Normal Ausent

e

Sintomát

ico

MODE

RADO

Prese

nte ou ausente

Alterado Ausent

e ou presente

em pele/

muscosas

Sintomát

ico + soroterapia:

5 ampolas de

SALon

GRAV

E

Prese

nte ou ausente

Alterado Presen

tes em vísceras

Risco

de vida

Sintomát

ico + soroterapia:

10 ampolas de

SALon

Fonte: modificado de Wen e Duarte, 2009.

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Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 509

A introdução do antiveneno mostrou ser um fator importante para redução da

mortalidade no envenenamento que pode ser evidenciada pela diminuição de complicações

e óbitos.

Limacodidae

Na família Limacodidae, a lagarta que merece destaque é a Sibine sp. (Figura 4).

Esses lepidópteros são lentos e pequenos com aproximadamente 20 mm, tem grande parte

do dorso nu e as cerdas de veneno ficam restritas à região cefálica e anal em aglomerados,

bem visíveis e distintos. Possuem coloração verde no dorso, amarelo no ventre e sua

principal característica é a ausência de falsas pernas. Geralmente são encontradas em

limoeiros (Moraes, 2009).

Figura 4 – Lagartas Sibine sp. (modificado de Moraes, H.P.M.)

Arctiidae

Da família Arctiidae, a única espécie de importância médica é a lagarta Premolis

semirufa (Figura 5A), conhecida popularmente como pararama. Possuem cerdas longas,

sedosas e inofensivas e as verdadeiras cerdas de veneno estão dispostas sobre “verrugas”.

Esses animais são coloridos e bonitos, realçando tufos dourados dorsais e falsas pernas

vermelhas (Moraes, 2009).

Figura 5 – A) lagarta Premolis semirufa, B) pararamose. (modificado de Moraes, H.P.M.)

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 510 Julho/2010

A pararama é responsável pela periartrite falangeana, pararamose ou reumatismo

dos seringueiros (Figura 5B). Além dos sintomas iniciais de dor, edema e sensação de

queimadura, alguns pacientes evoluem para um quadro de limitação dos movimentos

articulares, fibrose periarticular e anquilose (deformações que simulam a artrite reumatóide)

(Funasa, 2001).

Acidentes com pararama são verificados apenas na Amazônia, região Norte do

Brasil (Moraes, 2009). As vítimas, em quase sua totalidade, são homens que se acidentam

durante o trabalho de coleta da seiva das seringueiras. Mais de 90% dos acidentes

comprometem as mãos, sendo a direita a mais atingida (Funasa, 2001). Os seringueiros

poderiam evitar os acidentes utilizando luvas durante a coleta, já que alguns casos o contato

com a lagarta pode trazer seqüelas graves com limitação dos movimentos articulares.

Page 521: Fisiologia comparada USP 2010

Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 511

Raias – Biologia e envenenamento

Louise Faggionato Kimura Laboratório de Imunopatologia - IBU

[email protected]

Introdução

Classificação taxonômica

As raias são cordados pertencentes à classe Chondrichthyes, a qual se divide em

duas subclasses, a Elasmobranchii e a Holocephali. Este grupo é composto por vertebrados

aquáticos caracterizados por apresentarem esqueleto cartilaginoso, o qual pode possuir

regiões calcificadas, conferindo maior rigidez e resistência aos membros. Os representantes

da subclasse Holocephali são as quimeras, animais muito primitivos, e a subclasse

Elasmobranchii é composta pelos tubarões e raias (Nelson, 1994).

As raias são agrupadas em diversas ordens, dentre elas a Myliobatiformes, a qual

agrupa as famílias de raias conhecidas como raias-de-ferrão, ou “stingrays” no inglês, por

possuírem um ou mais ferrões em sua cauda, com exceção da família Mobulidae. As raias-

de-ferrão estão agrupadas em cinco diferentes famílias, constituídas por animais marinhos

(Gymnuridae, Dasyatidae, Myliobatidae, Rhinopteridae e Urolophidae) e somente uma

família é restrita a rios de água doce da América do Sul (Potamotrygonidae) (Garrone;

Haddad Jr., 2009).

As raias pertencentes à família Gymnuridae, conhecidas como raias-borboletas

(“butterfly rays”), apresentam cauda curta e uma grande envergadura (Figura 1A). Estão

amplamente distribuídas pelos mares tropicais. Já as raias da família Dasyatidae são

popularmente conhecidas como raias-com-cauda-de-chicote, do inglês “whiptail stingrays”

(Figura 1B) e estão distribuídas por todo o Oceano Atlântico e alguns exemplares aparecem

também no Mar Mediterrâneo.

A família Rhinopteridae é composta por exemplares popularmente conhecidos

como raias-com-nariz-de-vaca (“cownose rays”) (Figura 1C) e apresentam uma distribuição

ampla pelos oceanos, assim como as raias da família Urolophidae (Figura 1D) e da família

Myliobatidae (“eagle rays”) (Figura 1E), porém estas últimas costumam apresentar-se em

bandos.

As únicas raias-de-ferrão que habitam rios de água doce na América do Sul

pertencem à família Potamotrygonidae e estão localizadas tanto nos sistemas de rios da

Bacia Araguaia-Tocantins como nos rios da Bacia Paraná-Paraguai, no Brasil, existindo até

mesmo uma espécie endêmica de um único rio (Potamotrygon leopoldi) (Carvalho e col.,

2003).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 512 Julho/2010

Figura 1: Exemplares de raias-de-ferrão das famílias Gymnuridae (Gymnura altavela) em A,

Dasyatidae (Dasyatis kuhlii) em B, Rhinopteridae (Rhinoptera bonasus) em C, Urolophidae (Urobatis

concentricus) em D, Myliobatidae (Myliobatis aquila) em E, e Potamotrygonidae (Potamotrygon

motoro) em F. Fonte: www.elasmodiver.com.

Morfologia

Geralmente, as raias apresentam corpo achatado dorsiventralmente, com

avantajadas nadadeiras peitorais fusionadas à cabeça, e uma cauda terminal. Possuem de

5 a 7 pares de fendas branquiais e, na maioria dos exemplares, o corpo é coberto por

escamas placóides (dentículos dérmicos). Em algumas espécies também aparecem

nadadeiras caudais e dorsais, mas nenhum destes elasmobrânquios apresenta nadadeira

anal, diferindo-se da maioria dos tubarões.

A B

C D

E F

Page 523: Fisiologia comparada USP 2010

Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 513

Como a maior parte das raias possui hábito bentônico, elas permanecem por algum

tempo enterradas em areia ou lodo, deixando à mostra apenas os olhos, os espiráculos e a

cauda (Meyer, 1997; Garrone Neto; Haddad Jr., 2009). Os espiráculos, os quais se

localizam próximo aos olhos, permitem o fluxo contínuo de água e oxigenação das

brânquias, o que normalmente acontece quando o animal está em movimento. Além disso,

algumas espécies apresentam certos acessórios, como espinhos dorsais, órgão elétrico ou

ferrões na cauda, presentes nas espécies da ordem Myliobatiformes, exceto a família

Mobulidae, como dito anteriormente. Estes ferrões podem se posicionar tanto na porção

proximal, mediana, ou ainda na porção distal na cauda (Figura 2), sendo que esta última

localização facilita ainda mais a ocorrência dos acidentes.

Figura 2: Diferentes posicionamentos dos ferrões nas caudas das raias, o que pode interferir na

incidência de acidentes pelas espécies. Fonte: Garrone Neto e Haddad Jr., 2010.

Biologia

As raias são animais de ambientes bentopelágicos. Geralmente, encontram-se

enterradas em covas rasas na areia ou lodo, o que dificulta sua visualização (Pardal, 2003),

ou podem ainda viver em cardumes. Sua alimentação é variada, sendo à base de pequenos

crustáceos, vermes e moluscos (Acott; Meier, 1995; Meyer, 1997) (Figura 3A). São animais

que se reproduzem, na maioria das vezes, de forma ovovivípara, com fecundação interna.

Para tanto, durante o acasalamento, os machos se utilizam de um órgão acessório

exclusivo, o clásper, o qual é introduzido na cloaca da fêmea no momento da fecundação

(Figura 3B). Os clásperes são modificações das nadadeiras pélvicas, responsáveis pelo

dimorfismo sexual presente nos elasmobrânquios em geral (Figura 4).

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 514 Julho/2010

Figura 3: Exemplar de raia marinha alimentado-se de um molusco (A) e o acasalamento entre raias

da família Urolophidae (B). Fonte: www.compfight.com e www.elasmodiver.com

Figura 4: Dimorfismo sexual entre raias pela presença do clásper (setas) no macho à direita da foto.

Fonte: www.fao.org.

Raias de água doce

As espécies de raias de água doce estão presentes em rios da América do Sul, na

África Equatorial e em um sistema de rios Indo-Chinês (Magalhães e col., 2008). Na

América do Sul, as raias de água doce pertencem à família Potamotrygonidae, composta

por três gêneros: Plesiotrygon, Paratrygon e Potamotrygon (Rosa, 1991), que até o

momento, agrupam 18 espécies descritas, no total. Algumas espécies dessa família são

endêmicas em rios do Brasil, como àquelas presentes na Bacia do rio Paraná, Tocantins e

seus afluentes (Carvalho e col., 2003) (Figura 5A).

A B

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Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 515

Figura 5: Espécie de Potamotrygon falkneri (A) e a presença de dois ferrões em sua cauda (B).

As raias do gênero Potamotrygon possuem um ou mais ferrões mineralizados

retroserrilhados bilateralmente localizados na região mediodistal do dorso da cauda, a qual é

robusta e pode acompanhar o tamanho corporal do animal (Rosa, 1991) (Figura 5B). Essas

espécies eram restritas à jusante da barreira natural de Sete-Quedas localizada nas

proximidades do Município de Guairá, no estado do Paraná. Porém, com a construção da

hidrelétrica de Itaipu em 1982, essa barreira natural foi submersa, possibilitando a invasão

destes elasmobrânquios e de outras espécies aquáticas no alto do Rio Paraná e

adjacências, como os rios Paranapanema e Tietê (Figura 6). Atualmente, após cerca de 20

anos da construção de Itaipu, populações de raias estão se estabelecendo a mais de 350

quilômetros do ponto de sua dispersão inicial, aumentando cada vez mais a incidência de

acidentes (Garrone Neto e Haddad Jr., 2010).

Ferrão

O ferrão presente nas raias-de-ferrão é uma estrutura mineralizada recoberto por

camadas de células epidérmicas ricas em conteúdo protéico. Por não apresentarem uma

glândula específica produtora de toxinas, as raias são classificadas como animais

venenosos, e o extrato obtido da raspagem do tecido que recobre o ferrão é o que

chamamos de “veneno”.

Pedroso e colaboradores (2007) analisaram histologicamente o ferrão de algumas

espécies de raias dulcícolas e marinhas e verificaram algumas diferenças entre eles. O

ferrão das raias marinhas Dasyatis guttata e Aetobatus narinari apresentaram células

especializadas, ricas em material protéico, apenas ao redor ou nos sulcos do ferrão (Figura

7A). Em contrapartida, nos ferrões das espécies de água doce Potamotrygon falkneri, P.

orbignyi e P. leopoldi, um grande número dessas células encontravam-se organizadas em

uma camada epidérmica intermediária que cobria todo o ferrão (Figura 7B). Segundo os

autores, a variabilidade observada na distribuição e na quantidade dessas células

especializadas poderia influenciar no quadro clínico observado nos envenenamentos por

A B

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 516 Julho/2010

raias fluviais que, usualmente, são mais graves e apresentam maior porcentagem de

necrose quando comparados aos acidentes por raias marinhas.

Figura 6: Mapa ilustrativo

da região do Rio Paraná,

no Brasil, onde espécies

de raias tornaram-se

invasoras a partir da

construção da Usina de

Itaipu, em 1982. Este

evento causou a

inundação da barreira

natural de Sete-Quedas,

no estado do Paraná, o

que propiciou a invasão

destes e de outros

animais rumo à montante.

Fonte: Garrone Neto e

Haddad Jr., 2010.

Figura 7: Fotomicrografia de corte transversal do ferrão de raias do gênero Dasyatis (A) e

Potamotrygon (B). No centro é possível observar a região mineralizada (MR) e, ao redor, a presença

de células especializadas (*) na epiderme (E). Fonte: Pedroso et al., 2007.

A

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Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 517

Peçonha

O veneno das raias é constituído por muitos componentes tóxicos e/ou enzimáticos.

Barbaro e colaboradores (2007) compararam as atividades dos venenos da raia marinha D.

guttata e da raia dulcícola P. falkneri em modelo murino. Os autores verificaram que ambos

os venenos foram capazes de induzir nocicepção e edema em resposta à injúria no tecido,

embora o veneno de P. falkneri demonstrou induzir maior nocicepção. Porém, somente o

veneno de P. falkneri causou atividade miotóxica, letal, inflamação local intensa e necrose,

corroborando com dados anteriores que relatam que a injúria do envenenamento por raias

de água doce em seres humanos é mais severa quando comparada à induzida por raias

marinhas (Haddad Jr, 2000; Haddad Jr e col., 2004).

Certos componentes presentes nos venenos de raias já foram descritos. Alguns

deles com atividades proteolítica e hialuronidásica presentes no veneno da Dasyatis guttata

(marinha) e da Potamotrygon falkneri (dulcícola) foram identificados (Barbaro e col., 2007).

Além disso, o veneno da raia fluvial Potamotrygon motoro apresenta fosfolipases, fosfatases

ácidas, gelatinases, proteases e elastases (Magalhães, 2001), bem como a enzima

hialuronidase, já isolada e caracterizada (Magalhães e col., 2008). Outros componentes

também foram isolados, como o peptídeo vasoconstritor, denominado Orpotrin, e um

peptídeo bioativo, chamado de Porflan, ambos isolados do veneno da raia Potamotrygon

orbignyi (Conceição e col., 2006, 2009). Este último induz o rolamento de leucócitos pelo

endotélio. Porém, até o momento, são poucos os estudos sobre componentes isolados e

caracterizados dos venenos de raias, no geral.

Acidentes, Sintomatologia e Tratamento

Os acidentes por raias fluviais, no Brasil, ocorrem quando os humanos, em sua

maioria os pescadores, manipulam ou pisam acidentalmente no dorso desses animais e

estes, como um comportamento defensivo, giram a cauda em direção ao local estimulado,

permitindo a inserção do ferrão. Por esses motivos, os membros superiores e inferiores são

os mais acometidos (Haddad Jr e col., 2004).

O envenenamento por raias de água doce em seres humanos é caracterizado por

apresentar dor local intensa, lancinante e imediata. Isto ocorre tanto pelas propriedades do

veneno como pelo próprio trauma mecânico causado pela ferroada. Este sintoma é seguido

por formação de edema e eritema, com eventual aparecimento de ulceração, infecção

secundária e necrose (Figura 8). Manifestações sistêmicas também são relatadas,

principalmente na fase aguda, como: febre, mialgia, vômito, tontura e enxaqueca.

Dependendo da injúria, o local pode sangrar intensamente (Haddad Jr. e col., 2004;

Magalhães e col., 2006; Barabaro e col., 2007). Até o momento, o Brasil não possui

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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registros de morte em consequência de acidentes por raias, embora casos fatais envolvendo

espécies marinhas em decorrência de perfurações torácicas e abdominais são descritos na

literatura internacional (Halstead e col., 1990; Pardal, 2003; Haddad Jr.e col., 2004).

Figura 8: Acidente com arraia fluvial Presidente Epitácio - SP, o qual apresentou necrose superficial

instalada após 48 horas do acidente (A) e escara enegrecida resultante do tecido necrosado após 8

dias. Fonte: Garrone Neto e Haddad Jr., 2010.

Até o momento, não existe um soro comercial específico para o tratamento do

envenenamento por raias. A terapêutica é sintomática, e consiste primeiramente na limpeza

da ferida e retirada do ferrão ou de seus fragmentos, que devem ser realizados por

profissionais em hospitais. Para alívio da dor, a administração de anestésicos, analgésicos,

antiinflamatórios, compressas e inserção do membro acometido em água quente são

utilizados. Este último tratamento é realizado a fim de desnaturar proteínas do veneno e

dissipar as toxinas pela vasodilatação causada pela água quente (HADDAD JR, 2000).

Os estudos com toxinas de raias são importantes uma vez que podem dar

subsídios para o entendimento do mecanismo de ação deste veneno e, com isso, procurar

alternativas para o tratamento, já que a dispersão destes animais está aumentando e o risco

de acidentes está se tornando cada vez maior.

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Fundamentos de Toxinologia

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Serpentes peçonhentas do Brasil: Biologia, Fisiologia e Epidemiologia

Luana Valente Senise Laboratório de Fisiopatologia – Inst. Butanã

[email protected]

Introdução

As serpentes são os representantes da subordem Ophidia, que juntamente com a

Subordem Sáuria e Amphisbaenia, compõem a Ordem Squamata, o mais moderno e

numeroso grupo dos répteis viventes (Melgarejo, 2003; Cubas e col., 2007). No Brasil,

Ophidia é representada por nove famílias, 75 gêneros e 321 espécies (Franco, 2003; Cubas

e col. 2007).

Algumas das características diagnósticas que definem o grupo das serpentes são o

corpo extremamente alongado, sem apêndices locomotores e cintura escapular, o

fechamento lateral da parede da caixa craniana, a substituição da sutura óssea das

hemimandíbulas por um ligamento elástico, e a perda de pálpebras móveis (Franco, 2003).

Apesar da ausência de membros locomotores, características singulares

relacionadas aos órgãos sensoriais permitiram às serpentes explorar os ecossistemas de

que fazem parte. Estes animais tem o sentido da audição relacionada à sensibilidade a

vibrações no substrato (Schimidt-Nielsen, 2002) uma vez que o sistema auditivo não seria

tão sensível ao som quanto a vibrações sentidas por mecanorreceptores presentes ao longo

do corpo e na região da cabeça (Hartline, 1971). A visão está mais vinculada à detecção de

movimentos que de formas (Melgarejo, 2003). Funcionalmente, as serpentes são lagartos

ápodes extremamente especializados. Diferenças entre os olhos de lagartos e de serpentes

são interpretados como uma evidência da transição de um ambiente de superfície para um

ambiente fossorial (de escavação subterrânea). Nos lagartos, os olhos são focalizados pela

distorção das lentes, modificando assim seu raio de curvatura, enquanto nas serpentes, as

lentes são movimentadas em relação à retina, colocando o objeto em foco. Existem

diferenças também na própria morfologia da retina. As serpentes não possuem fóvea

central, suas células retinianas não possuem gotículas coloridas de óleo e existe um único

cone duplo, exclusivo desse grupo de répteis. Essas diferenças podem indicar que os

ancestrais das serpentes passaram por um estágio no qual eram tão especializados para a

escavação que os olhos haviam quase sido perdidos. Entre as serpentes e os lagartos

escavadores mais especializados, os olhos são muito reduzidos e provavelmente capazes

de distinguir somente estágios de luz ou escuridão. De acordo com essa hipótese, o olho

evoluiu novamente quando as serpentes reocuparam a superfície (Melgarejo, 2003; Pough e

col., 1999). Já o sentido do olfato não estaria vinculado à presença de epitélio nas fossas

nasais, mas sim a um mecanismo de varredura de partículas suspensas no ar. A partir da

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 520 Julho/2010

projeção e vibração da língua bífida, cujas extremidades se encontram amplamente

separadas e podem mover-se independentemente, partículas são capturadas e, após a

retração do órgão, são encaminhadas para o órgão de Jacobson, uma estrutura

quimiorreceptora revestida por epitélio sensorial localizada na região anterior do céu de

boca (Pough e col., 1999; Schmidt-Nielsen, 2002).

As estruturas denominadas fossetas loreais merecem atenção especial. Órgãos

característicos de serpentes peçonhentas da família Viperidae, estes funcionam como

receptores especializados de radiação infravermelha que detectam alterações de calor no

ambiente, sendo usados na procura e captura de presas (Schmidt-Nielsen, 2002; Melgarejo,

2003). Todas as serpentes que possuem esses órgãos receptores alimentam-se

preferencialmente de presas homeotérmicas. As fossetas são estruturas membranosas,

finas e transparente, localizadas bilateralmente entre as narinas e os olhos, que separam

duas câmaras, uma interna e outra externa. Existem várias hipóteses que tentam explicar o

mecanismo de funcionamento da fosseta. A mais provável está relacionada à discreta

elevação de temperatura produzida quando a radiação infravermelha atinge a membrana. A

radiação infravermelha pura pode ser produzida pelo laser, e experimentos com tal radiação,

com comprimento de onda conhecido, fornecem fortes evidências de que o tipo de recepção

da fosseta loreal é inteiramente térmica (Harris e Gamow, 1971; Schmidt-Nielsen, 2002).

As serpentes podem apresentar atividade predominantemente diurna ou noturna,

mas existem espécies que são ativas nos dois períodos. O padrão de atividade pode estar

relacionado com a procura de alimento, de parceiro para acasalamento, de locais de

desova, ou mesmo para controle da temperatura corporal. Por se tratarem de animais

ectotérmicos, estas dependem da temperatura externa para manter sua temperatura

corpórea. Assim, buscam locais adequados para que possam se aquecer, ou mesmo esfriar.

A termorregulação das serpentes ocorre principalmente durante o período diurno. Nesse

período, esses animais podem ser encontrados em locais com mosaicos ensolarados e

sombreados, que fornecem camuflagem e abrigo contra predadores (Marques e Sazima,

2003).

Com relação à alimentação, pode-se dizer que as serpentes são animais

exclusivamente carnívoros, que apresentam ampla diversidade de hábitos alimentares.

Dependendo da espécie, podem se alimentar de invertebrados, como moluscos, anelídeos e

artrópodes, e vertebrados, como peixes, anfíbios, lagartos, aves, mamíferos, além de outras

serpentes. Algumas espécies são especialistas e se alimentam de um único ou de poucos

tipos de presas, enquanto outras são generalistas, incluindo em sua dieta uma ampla

variedade de presas. O hábito de se alimentar pode se modificar ao longo da vida. Observa-

se em diversas espécies do gênero Bothrops a mudança do padrão de alimentação, uma

vez que indivíduos jovens que se alimentam de presas ectotérmicas como anfíbios, lagartos

Page 531: Fisiologia comparada USP 2010

Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 521

e lacraias, passam a se alimentar de presas endotérmicas, como mamíferos, quando se

tornam adultos (Marques e Sazima, 2003). Modificações corporais permitem que esses

animais se alimentem de grandes presas inteiras, maiores que seu diâmetro (Franco, 2003).

Assim sendo, a especialização alimentar está diretamente ligada à morfologia do crânio das

serpentes. Nesses animais, o crânio é muito mais flexível que o de um lagarto por possuir

um maior número de ligações móveis com articulações que permitem rotação, o que

ocasiona uma maior complexidade de movimentos. Nas mandíbulas existe uma região

frouxamente conectada por um ligamento elástico, a hemimandíbula, que juntamente com a

pele flexível da boca e pescoço permitem que as extremidades mandibulares se separem,

de modo que a porção mais larga da presa passe ventralmente à articulação da mandíbula

com o crânio (Gans, 1961; Pough e col., 1999).

O desenvolvimento evolutivo da dentição ocorreu possivelmente de forma

simultânea ao da glândula de veneno, sendo que o estágio extremo de especialização da

estrutura inoculadora, bem como da própria glândula, é observado nos membros família

Viperidae (Kochva, 1987; Melgarejo, 2003). Com relação ao mecanismo de inoculação da

peçonha de serpentes, são caracterizados três estágios evolutivos de adaptações que

levam em conta principalmente a dentição (Pough e col., 1999; Melgarejo, 2003):

Serpentes opistóglifas (opistho= atrás; glyph= sulcado): possuem um ou mais

dentes aumentados, próximos à porção caudal do maxilar, com dentes menores na frente.

Em algumas formas, as presas inoculadoras são maciças, em outras, há um sulco na

superfície da presa que pode ajudar na condução da peçonha dentro do ferimento.

Serpentes proteróglifas (proto= primeiro): incluem as serpentes marinhas da

família Elapidae. As presas inoculadoras canaliculadas dessas serpentes estão localizadas

na porção cranial do maxilar e, muitas vezes, há vários dentes pequenos e maciços atrás

das presas. Estas são permanentemente eretas e relativamente curtas.

Serpentes solenóglifas (solen= tubo): incluem as serpentes Viperidae. Nessas

serpentes, as presas inoculadoras canaliculadas são os únicos dentes do maxilar, que giram

de modo a dobrarem-se contra o teto da boca quando as maxilas estão fechadas. Esse

mecanismo de dobramento torna possível a presença de dentes inoculadores longos, que

injetam a peçonha profundamente no tecido da presa.

Em comparação com serpentes constritoras, a aptidão de serpentes solenóglifas

de injetar uma dose letal de peçonha consiste em um método mais seguro de captura, uma

vez que o contato direto com as presas acarreta risco de ferimento por conta das tentativas

de fuga da própria presa. Uma presa inoculada com a peçonha está livre para fugir, mas

acaba deixando uma trilha de odor que pode ser seguido pela serpente, que a encontra já

sem vida. Este é o padrão de captura da maioria dos membros da família Viperidae. É

interessante ressaltar que uma serpente é capaz de distinguir a trilha de odor de um rato

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 522 Julho/2010

que foi mordido por ela, de trilhas deixadas por ratos que não foram atacados (Pough e col.,

1999).

Distribuição geográfica

As serpentes têm ampla distribuição e ocupam praticamente todos os tipos de

ambientes disponíveis, desde os terrestres, subterrâneos (fossoriais) e arborícolas, até

águas continentais e oceânicas. Porém, por se tratarem de animais ectotérmicos,

encontram-se normalmente ausentes em regiões de frio intenso (Schmidt-Nielsen, 2002;

Franco, 2003; Marques e Sazima, 2003; Cubas e col., 2007). Diversas espécies de

serpentes peçonhentas brasileiras, como a grande maioria das representantes do gênero

Micrurus, a maioria das Bothrops e todas as Lachesis, necessitam de sombra e umidade,

sendo então dependentes de áreas florestadas. A exceção no gênero Micrurus é a Micrurus

ibiboboca, que habita ambientes abertos de Caatinga, no gênero Bothrops as espécies dos

grupos neuwiedi e alternatus, que vivem em áreas abertas, e a espécie Bothrops moojeni,

que é típica de áreas de Cerrado, mas vive associada às Matas ciliares que margeiam os

rios. O gênero Crotalus é típico de áreas abertas. Observa-se que sua distribuição

geográfica está em expansão por conta de desmatamentos e aumento da área destinada à

pecuária (Marques e Sazima, 2003).

Veremos a seguir ilustrações do padrão de distribuição geográfica das principais

espécies de Micrurus, Bothrops, Lachesis e Crotalus, juntamente com informações mais

detalhadas de cada um destes gêneros de serpentes peçonhentas que ocorrem no Brasil.

Famílias e Gêneros

Família Viperidae Laurenti, 1798

A família Viperidae, compreende cerca de 250 espécies. Os membros desta família

possuem aparelho inoculador do tipo solenóglifo, cabeça triangular, recoberta de pequenas

escamas de aspecto similar às do corpo, e fosseta loreal (Melgarejo, 2003). Dentro desta

família se encontra a subfamília Crotalinae Oppel, 1811, que contém três dos gêneros mais

importantes do ponto de vista de acidentes ofídicos: Bothrops Wagler, 1824, Crotalus

Linnaeus, 1758, e Lachesis Daudin, 1803.

Gênero Bothrops Wagler, 1824

As serpentes do gênero Bothrops são popularmente conhecidas como jararaca,

ouricana, jararacuçu, urutu-cruzeira, jararaca do rabo branco, malha de sapo, patrona,

surucucurana, combóia e caiçaca (Pinho e Pereira, 2001). Este gênero é composto por

algumas das espécies responsáveis pela maioria dos acidentes ofídicos registrados no

Page 533: Fisiologia comparada USP 2010

Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 523

Brasil, como a Bothrops erythromelas, Bothrops neuwiedi, Bothrops atrox, Bothrops

jararacussu, Bothrops alternatus, Bothrops leucurus, Bothrops moojeni, e principalmente a

Bothrops jararaca (Jorge e Ribeiro, 2000; Pinho e Burdmann, 2001; Melgarejo, 2003;

Santoro e col., 2008), além de espécies raras, ou endêmicas, como a Bothrops insulares

(restrita a Ilha de Queimada Grande) (Zelanis e col., 2007) e Bothrops alcatraz (Furtado,

2005) (restrita a Ilha de Alcatrazes).

Morfologicamente, as espécies do gênero Bothrops podem ser caracterizadas por

possuírem a cauda sem maiores modificações (sem guizo), apresentando geralmente

escamas subcaudais em pares. O padrão de cores pode variar muito, dependendo da

espécie e da região onde vivem. Podem habitar desde áreas abertas e campos (B.

alternatus), regiões de Caatinga (B. erythromelas) e Cerrado (B. moojeni), beiras de rios e

igarapés (B. atrox) e faixas litorâneas (B. leucurus) (Melgarejo, 2003). Algumas espécies

têm grande capacidade adaptativa, como a B. jararaca, que pode ser encontrada

colonizando áreas silvestres, agrícolas, suburbanas e até urbanas, tendo preferência para

ambientes úmidos, como matas e áreas cultivadas e locais onde haja facilidade para

proliferação de roedores. (FUNASA, 2001).

Recentemente, em revisão taxonômica do gênero Bothrops (Fenwick e col., 2009)

baseada em dados obtidos por análises filogenéticas, moleculares e morfológicas, foi

proposta uma mudança na classificação do gênero, com a criação de um novo gênero,

denominado Bothropoides. Este passaria a incluir algumas das espécies de Bothrops, como

B. jararaca, B. erythromelas e B. neuwiedi, sendo esta última definida como a espécie tipo

do gênero. Ainda não há um consenso pela adoção do gênero Bothropoides e, portanto,

para fins didáticos, manteremos a classificação antiga ao nos referirmos à Bothrops.

A seguir pode-se visualizar a distribuição geográfica das espécies de Bothrops de

maior importância para a saúde pública. Populações destas espécies são muito abundantes

e apresentam uma ampla distribuição por todo o território nacional.

Figura 1: Distribuição geográfica de Bothrops alternatus (Modificado de Cardoso e col., 2003).

Page 534: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 524 Julho/2010

Figura 2: Distribuição geográfica de Bothrops atrox (Modificado de Cardoso e col., 2003).

Figura 3: Distribuição geográfica de Bothrops erythromelas (Modificado de Cardoso e col., 2003).

Figura 4: Distribuição geográfica de Bothrops jararaca (Modificado de Cardoso e col., 2003).

Page 535: Fisiologia comparada USP 2010

Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 525

Figura 5: Distribuição geográfica de Bothrops jararacussu (Modificado de Cardoso e col., 2003).

Figura 6: Distribuição geográfica de Bothrops leucurus (Modificado de Cardoso e col., 2003).

Figura 7: Distribuição geográfica de Bothrops moojeni (Modificado de Cardoso e col., 2003).

Page 536: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 526 Julho/2010

Figura 8: Distribuição geográfica de Bothrops neuwiedi (Modificado de Cardoso e col., 2003).

Gênero Crotalus Linnaeus, 1758

Popularmente conhecidas por cascavel, boicininga, maracambóia e maracá, as

serpentes do gênero Crotalus são representadas na Neotropical (e parte da região Neártica)

por um complexo de espécies, o complexo Crotalus durissus. As espécies deste complexo

são encontradas em locais abertos e sazonalmente secos e se distribuem desde o México

até o norte da Argentina, estando ausentes na América Central e na região Amazônica,

formando assim um padrão de distribuição descontínuo (Wüster e col., 2005). No Brasil, as

Crotalus durissus habitam regiões de Cerrado central, regiões áridas e semi-áridas do

Nordeste e os campos abertos do Sul, Sudeste e Norte, com clara preferência para áreas

secas, arenosas e pedregosas (Melgarejo, 2003). Ao longo do território nacional, são

reconhecidas cinco subespécies deste complexo, que podem ser denominadas formas

geográficas de acordo com seu padrão de distribuição: Crotalus durissus terrificus,

encontrada nas zonas altas e secas da região sul oriental e meridional; Crotalus durissus

collilineatus, distribuídas nas regiões secas dos Estados de São Paulo, Mato Grosso, Minas

Gerais, Distrito Federal e Goiás; Crotalus durissus cascavella, encontrada nas áreas da

caatinga do nordeste; Crotalus durissus ruruima, observada na região norte do país e

Crotalus durissus marajoensis, observada nas áreas abertas de Ilha de Marajó, Pará

(Melgarejo, 2003).

As cascavéis são serpentes terrestres, robustas e pouco ágeis. Não têm hábito de

atacar e, quando ameaçadas, denunciam sua presença pelo ruído característico do

chocalho (ou guizo), estrutura morfológica característica de Crotalus, que se localiza na

extremidade caudal. O corpo, com a linha vertebral bem pronunciada, apresenta um colorido

de fundo castanho-claro, de tonalidades variáveis, sobre o qual se destaca uma fileira de

manchas dorsais em forma de losango, de cor marrom, mais ou menos escuras e

marginadas de branco ou amarelo (Melgarejo, 2003).

Page 537: Fisiologia comparada USP 2010

Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 527

Pode-se visualizar abaixo a distribuição geográfica do complexo C. durissus no

Brasil.

Figura 9: Distribuição geográfica do complexo Crotalus durissus (Modificado de Cardoso e col., 2003).

Gênero Lachesis Daudin, 1803

As popularmente conhecidas surucucus são serpentes muito temidas por sua

agilidade e tamanho. Estas representantes do gênero Lachesis são as maiores serpentes da

família Viperidae, podendo chegar a 3,5 metros de comprimento. São conhecidas três

espécies: Lachesis stenophrys, Lachesis melanocephala e Lachesis muta. A L. stenophrys é

encontrada na costa atlântica da Costa Rica, Panamá e noroeste da América do Sul,

enquanto a L. melanocephala é encontrada apenas na costa pacifica do sudoeste da Costa

Rica. Já a espécie L. muta é encontrada na Amazônia brasileira, em áreas de mata Atlântica

e enclaves de matas úmidas do nordeste (Málaque e França, 2003; Melgarejo, 2003;

Fernandes, 2004). Morfologicamente, as espécies deste gênero também possuem fosseta

loreal, assim como os demais gêneros da família Viperidae, porém a característica que

diferencia este dos outros gêneros é a presença de cauda com escamas eriçadas (Málaque

e França, 2003). Além disso, como exceção numa família de espécies vivíparas, as

Lachesis são ovíparas (Melgarejo, 2003).

Pode-se visualizar abaixo a distribuição geográfica de L. muta.

Page 538: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 528 Julho/2010

Figura 10: Distribuição geográfica de Lachesis muta (Modificado de Cardoso e col., 2003).

Família Elapidae Boie, 1727

A família Elapidae compreende 55 gêneros, amplamente distribuídos ao longo do

globo, e totalizam aproximadamente 250 espécies que ocupam ambientes terrestres e

marinhos. Esta é a família das conhecidas serpentes do gênero Naja, presentes no

Continente asiático e africano, e das temidas mambas africanas do gênero Dendroaspis

(Melgarejo, 2003; Silva Jr e Bucaretchi, 2003). Os Elapíneos marinhos estão incluídos na

subfamília Hydrophiinae e Lauticaudinae, sendo que esta última contém espécies totalmente

adaptadas a vida marinha. Praticamente metade dos gêneros de Elapidae estão restritos ao

Continente australiano e fazem parte da subfamília Notechinae. Já a subfamília Elapinae

Bóie, 1727, agrupa todas as serpentes não australianas, sendo representada pelos gêneros

Micruroides Schmidt, 1928, cujos exemplares se distribuem pelo sul dos Estados Unidos e

México, Leptomicrurus Schmidt, 1937, distribuídos pela América do Sul, e Micrurus Wagler,

1824, com espécies distribuídas do sul dos Estados Unidos até a Argentina (Silva Jr e

Bucaretchi, 2003). Nas Américas, as popularmente conhecidas corais fazem parte do

gênero Micrurus, que possui mais de 50 espécies descritas no mundo, e no Brasil,

compreendem cerca de 18 espécies distribuídas em todo o território nacional (Melgarejo,

2003).

Gênero Micrurus Wagler, 1824

As serpentes representantes do gênero Micrurus são popularmente conhecidas

como cobra coral, coral verdadeira, ibiboboca ou boicorá. As espécies mais comuns são a

Micrurus corallinus, encontrada na região sul e litoral da região sudeste; Micrurus frontalis,

também encontrada nas regiões Sul, Sudeste e parte do Centro-Oeste e Micrurus

lemniscatus, distribuídas nas regiões Norte e Centro-Oeste (Melgarejo, 2003).

Page 539: Fisiologia comparada USP 2010

Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 529

O termo de origem grega Micrurus significa pequena cauda, e advém da

característica cauda curta e roliça destes animais. Estas serpentes são ovíparas, e

apresentam dentição do tipo proteróglifa, cabeça oval recoberta por grandes placas de

escamas simétricas, e fosseta loreal ausente (diferentemente dos membros da família

Viperidae). Os olhos são pequenos e pretos, com pupilas elípticas verticais, e estão quase

sempre localizados em uma faixa preta da cabeça (Melgarejo, 2003; Silva Jr e Bucaretchi,

2003).

A grande maioria das espécies possui o padrão de coloração das escamas

formando anéis completos em torno do corpo, que se encontram isolados ou em tríades, em

tons de vermelho, amarelo (ou branco) e preto, e formam uma coloração de advertência, de

característica aposemática. O mesmo padrão de coloração ocorre em um complexo de

espécies miméticas, cujos representantes são em sua maioria da Família Dipsadidae. Essas

espécies similares são as denominadas “falsas corais”, porém, nota-se que esses animais

são desprovidos de dentição inoculadora (opistóglifa) e que a configuração dos anéis nem

sempre envolve toda a circunferência do corpo (Melgarejo, 2003; Silva Jr e Bucaretchi,

2003).

A alimentação é geralmente composta por pequenas serpentes e outros répteis

serpentiformes. São animais de hábitos fossoriais ou subfossoriais, habitando a serrapilheira

que cobre o chão das matas ou a camada superficial do solo. O hábito escavador acarretou

um fortalecimento dos ossos do crânio e da musculatura cervical, tornando o pescoço

destes animais pouco pronunciado. Sendo assim, os representantes do gênero Micrurus

apresentam notadas limitações na cinética craniana. A abertura bucal, que não ultrapassa

um ângulo de 30o, repercute diretamente no tamanho das presas inoculadoras, que

alcançam, em Micrurus de 90 cm, um comprimento aproximado de apenas 2,5mm. A

injeção da peçonha acaba sendo, portanto superficial, mas o tempo de inoculação acaba

sendo prolongado por conta do hábito peculiar de morder sem soltar (Melgarejo, 2003; Silva

Jr e Bucaretchi, 2003).

O conjunto de limitações anatômicas e funcionais somadas a um comportamento

pouco agressivo de Micrurus pode explicar a baixa incidência de acidentes ofídicos por

serpentes do gênero Micrurus, que fica em menos de 0,5% do total de acidentes por

serpentes peçonhentas no Brasil (FUNASA, 2001; Melgarejo, 2003).

Pode-se visualizar abaixo a distribuição geográfica das espécies de Micrurus que

ocorrem no Brasil.

Page 540: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 530 Julho/2010

Figura 11: Distribuição geográfica de Micrurus corallinus (Modificado de Cardoso e col., 2003).

Figura 12: Distribuição geográfica de Micrurus lemniscatus (Modificado de Cardoso e col., 2003).

Figura 13: Distribuição geográfica de Micrurus spixii (Modificado de Cardoso e col., 2003).

Page 541: Fisiologia comparada USP 2010

Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 531

Figura 14: Distribuição geográfica de Micrurus surinamensis (Modificado de Cardoso e col., 2003).

Figura 15: Distribuição geográfica de Micrurus frontalis (Modificado de Cardoso e col., 2003).

Figura 16: Distribuição geográfica de Micrurus ibiboboca (Modificado de Cardoso e col., 2003).

Epidemiologia

No Brasil, os acidentes ofídicos representam um grave problema de Saúde Pública.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, no ano de 2009 foram notificados 21.618

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 532 Julho/2010

casos de acidentes por serpentes em todo território nacional (SINAM, 2010). Parte destes

casos é decorrente de acidentes por serpentes não peçonhentas (4%). Em relação ás

serpentes peçonhentas, observa-se um predomínio absoluto de acidentes por Bothrops,

com 74%, seguidos por acidentes por Crotalus (7%), Lachesis (3%) e Micrurus com apenas

1% (fig. 17). Ao se excluir o número de casos “Ignorados/brancos” e os referentes a

serpentes não peçonhentas da análise, esse padrão fica mais evidente (fig. 18). Deve-se

ressaltar que apesar da grande melhora nos serviços de notificação, infelizmente, grande

parte da informação sobre o gênero de serpentes envolvido no acidente acaba se perdendo.

Este fato se torna evidente ao se observar a grande quantidade de Ignorados/brancos”

(11%), que se referem a casos em que o gênero da serpente não foi informado (fig. 17).

86%

9% 1% 4%

Bothrops Crotalus Micrurus Lachesis

Figura 17: Distribuição percentual de casos de acidentes ofídicos no Brasil no ano de 2009, de acordo

com o gênero da serpente (SINAM, 2010).

74%

7%

1%

3%

4%11%

Bothrops Crotalus Micrurus Lachesis Não Peçonhenta Ign/branco

Figura 18: Distribuição percentual de casos de acidentes ofídicos no ano de 2009, de acordo com o

gênero da serpente, e condição (peçonhenta e não peçonhenta) (SINAM, 2010).

Page 543: Fisiologia comparada USP 2010

Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 533

Com relação à distribuição dos casos por região do país, pode-se observar na

figura 19 que a maioria dos acidentes foram registrados nas regiões Norte (31%), nordeste

(29%) e sudeste (21%). Nas regiões Sul e Centro-Oeste observa-se um menor número de

notificações, de 9 e 10%, respectivamente. Estes dados contrastam com referentes ao

período de 1990-1993, publicados no “Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por

animais peçonhentos” da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA, 2001), onde se observa

um predomínio das regiões Sudeste e Sul. Este fato pode indicar uma melhora na qualidade

da informação na região Nordeste e, principalmente, na região Norte, onde a subnotificação

sempre foi muito alta por conta da dificuldade de acesso aos serviços de saúde e

contrastava com a grande abundância de espécies de serpentes peçonhentas.

31%

29%

21%

9%

10%

Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Figura 19: Distribuição percentual de casos de acidentes ofídicos no ano de 2009 de acordo com a

região do país (SINAM, 2010).

Sabe-se que os acidentes ofídicos estão, em geral, relacionados a fatores

climáticos e aumento da atividade humana nos trabalhos de campo. Sendo assim, é

possível observar um padrão sazonal para a ocorrência de acidentes. Normalmente, há um

aumento dos acidentes nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste no período de setembro a

março, e na região Nordeste no período de janeiro a maio. Não se observa padrão sazonal

definido na região Norte .

Em relação as característica dos indivíduos acometidos, existe um predomínio

marcante nas faixas etária de 15 a 19, 20 a 39, e 40 a 59 anos, que correspondem ao grupo

onde se concentra a força de trabalho (fig. 20), além de uma clara preponderância de

indivíduos do sexo masculino (fig. 21).

Page 544: Fisiologia comparada USP 2010

VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 534 Julho/2010

0.0

5.0

10.0

15.0

20.0

25.0

30.0

35.0

40.0

<1 1-

45-

910

-14

15-1

9

20-3

9

40-5

9

60-6

4

65-6

9

70-7

980

>

Ing/b

ranco

Figura 20: Distribuição de casos de acidentes ofídicos por faixa etária da população brasileira no ano

de 2009 (SINAM, 2010).

0500

1000150020002500300035004000450050005500600065007000

<1 1-

45-

910

-14

15-1

9

20-3

9

40-5

9

60-6

4

65-6

9

70-7

980

>

Ing/b

ranco

Homens Mulheres

Figura 21: Distribuição de casos de acidentes ofídicos por gênero da população brasileira no ano de

2009 (SINAM, 2010).

Com base nas manifestações clínicas do envenenamento, os casos são

classificados atualmente quanto a sua gravidade em leves, moderados ou graves (Tab. 1).

Um caso de natureza leve é aquele em que não existe dor ou edema evidente, e

manifestações hemorrágicas locais e sistêmicas são pouco intensas ou ausentes. Um caso

de natureza moderada é caracterizado por dor e edema evidente, acompanhado ou não de

alterações hemorrágicas locais e sistêmicas. Em um caso grave, o edema local é intenso e

Page 545: Fisiologia comparada USP 2010

Fundamentos de Toxinologia

Julho/2010 Pág. 535

extenso, acompanhado de dor também intensa e presença de bolhas, além de hemorragia,

choque, anúria e equimose (FUNASA, 2001).

Caso

Classificação final Bothrops Crotalus Micrurus LachesisNão

peçonhenta Ing/branco

Ign/Branco 1035 102 14 40 44 341 1576Leve 7923 691 71 236 750 1407 11078Moderado 5999 626 26 344 27 598 7620Grave 986 202 35 35 2 84 1344Total 15943 1621 146 655 823 2430 21618

GêneroTotal

Tabela 1: Evolução de caso de acidente ofídico de acordo com o gênero de serpente, em 2009 (SINAM 2010).

A indicação do número de ampolas a serem utilizadas na soroterapia é definida

após a classificação de um caso como leve, moderado ou grave. De acordo com o manual

de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos (FUNASA, 2001), a

recomendação da quantidade de soro antibotrópico a ser administrado é a seguinte: casos

leves, de 2 a 4 ampolas; moderados, de 4 a 8 ampolas e graves, 12 ampolas.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 544 Julho/2010

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Unidade 9

Quantificação e Análise de Dados

Fábio de Andrade Machado Laboratório de Herpetologia e Laboratório de morfometria/MZUSP [email protected]

A quantificação e a análise de dados são passos essenciais de qualquer

programa de pesquisa quantitativa. Por “quantificação” entendemos qualquer

espécie de processo que nos permita representar simbolicamente, normalmente de

forma numérica, um evento natural observado. A “análise de dados” refere-se à

avaliação do produto do processo de quantificação com a finalidade de se responder

alguma questão ciêntifica. O presente módulo pretende abordar brevemente

principios de quantificação normalmente negligenciado em pesquisas comparativas,

integrando com conceitos sobre a origem da variação em sistemas biológicos. O

estudo dessa variabilidade é importante não apenas do ponto de vista metodológico,

uma vez que a variação pode ocultar os efeitos de interesse, mas também para a

formulação de novas perguntas a respeito da fisiologia dos animais. Adicionalmente

descreveremos alguns principios práticos de análise estatística, explicando o

funcionamento de alguns testes clássicos. Devido ao caráter altamente experimental

da fisiologia comparada a adequação de desenhos experimentais, ferramentas

estatísticas e medições bem definidas é essencial para a formulação de hipóteses e

o desenvolvimento de um programa de pesquisa.

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 546 Julho/2010

Capítulo 42 Quantificação de Fenômenos Fisiológicos pág. 547

Fábio de Andrade Machado

Revisado por:

Dra. Erika Hingst-Zaher

Rodrigo Cesar Marques

Paulo Miranda Nascimento

Thiago Macek Gonçalves Zahn

Bibliografia pág. 564

Page 557: Fisiologia comparada USP 2010

Quantificação e Análise de Dados

Julho/2010 Pág. 547

Quantificação de Fenômenos Fisiológicos

Fábio de Andrade Machado Laboratório de Herpetologia e Laboratório de morfometria/MZUSP

[email protected]

Quantificação e amostragem

O processo de quantificação é um aspecto comumente negligenciado durante a

produção de conhecimento científico. Por “quantificação” entendemos qualquer espécie de

processo que nos permita representar simbolicamente um evento natural observado.

Durante tal processo podemos nos valer de qualquer forma de expressão simbólica. Por

exemplo, taxônomos comumente se valem de minuciosas descrições das estruturas

anatômicas enquanto etólogos computam complexos fluxogramas comportamentais

(“etogramas”) para fornecer uma representação detalhada do comportamento animal.

Ambos os exemplos citados podem ser entendidos como “quantificação”. Entretanto, essa

palavra costuma ter uma conotação mais restrita em ciências exatas, como física e química,

e é utilizada para denotar processos que “de fato produzem numeros” (Kuhn, 1961). Neste

contexto a quantificação seria um processo objetivo de mensuração de dada característica

de um sistema, expressando-o de forma objetiva e numérica, e estaria diretamente ligado ao

processo histórico científico, permitindo a avaliação do paradigma vigente à luz das

evidencias (Kuhn, 1962). Por esse motivo faremos uma breve digressão sobre o método

científico.

Método Científico

Como já visto anteriormente, uma característica geral de toda empreitada científica

está na utilização de um arcabouço conceitual de regras e procedimentos que permitem

avaliar e justificar o conhecimento. Tal arcabouço é chamado de método científico (ver

capítulo I) e uma de suas principais funções é nos proporcionar a capacidade de distinguir

entre crenças racionalmente justificadas e crenças irracionais (injustificadas). O

procedimento exato pelo qual isso se dá é questão de intenso debate (Popper, 1959; Kuhn,

1962; Lakatos, 1978; Sokal e Bricmont 1999). Apesar disso, é geralmente aceito que o

processo de geração de conhecimento cientifico necessita do confronto entre previsões

teóricas e observações (Kuhn, 1962). Para ilustrar podemos recorrer à metáfora do “Moedor

de Carne de Kuhn” (Fig. 1). No moedor temos à esquerda um conjunto de teorias a respeito

do sistema em estudo que entram no moedor. O moedor em si representa as manipulações

lógicas e matemáticas dessas teorias com a finalidade de prever os resultados que

podemos obter. Na esquerda temos os produtos dessas manipulações, que são as

previsões teóricas, podendo estar em valores numéricos, resultados qualitativos e outros

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Pág. 548 Julho/2010

formatos. Na coluna seguinte temos resultados obtidos experimentalmente de forma

independente. Kuhn (1961) coloca que o trabalho do cientista é buscar “concordância

razoável” entre essas duas colunas, sendo o limite do “razoável” uma questão especifica

para cada área. O foco do presente capítulo é auxiliar o aluno na obtenção de medidas de

forma precisa e objetiva, ajudando à delimitar o que seria “concordância razoável”.

Figura 1. Moedor de carne de Kuhn, representando o processo de formulação e verificação de previsões teóricas através da manipulação lógica e formal de um conjunto de teorias. Modificado de Kuhn (1961)

Definição de quantificação em ciências

Como já colocado, a quantificação é uma representação simbólica de dado

fenômeno natural. Tal processo pode ser tão simples quanto a descrição de uma estrutura,

contagem de ocorrências, ou a medição de taxas metabólicas através de equipamentos

especificamente desenhados para esse propósito. Apesar de ser uma definição ampla, isto

não a torna desprovida de rigor. Veremos abaixo que existem critérios para avaliar se uma

quantificação é boa ou não, e como o entendimento dos princípios de quantificação nos

permite elaborar e utilizar protocolos de medição que são adequados para a construção e

avaliação de hipóteses fisiológicas. Para constituir uma boa quantificação, uma medida deve

ser operacionalmente definível, apresentar reprodutibilidade, validade e agregação (Wilks,

1961).

Ser operacionalmente definível significa que dado processo pode ser

sistematicamente descrito através da definição das circunstâncias nas quais as medidas

foram tomada, quais as ferramentas utilizadas, que tipo de resultado ela pode nos fornecer,

etc. Por exemplo, se quisermos correlacionar a temperatura corpórea de serpentes com o

grau de agressividade temos que especificar não apenas como a temperatura corpórea e o

nível de agressividade foram medidos, mas também a que temperatura tais experimentos

foram realizados, a que hora do dia, o grau de saciedade dos animais, etc. Isso permite não

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Quantificação e Análise de Dados

Julho/2010 Pág. 549

apenas que você mantenha um protocolo experimental que possa ser explorado mais a

fundo no futuro (variando o grau de saciedade do animal, por exemplo), mas principalmente

que seus pares (outros pesquisadores) avaliem sua metodologia atrás de possíveis erros

(seja em uma banca examinadora, seja durante o processo de revisão de um artigo). Isso

também permite que outros reproduzam o seu experimento para conferir seus resultados ou

mesmo aplicá-lo em outros grupos. A transcrição do processo de medição é um aspecto

essencial de qualquer documento científico, e compõem o que costuma ser uma porção

substancial da seção dos Materiais e Métodos

Uma segunda requisição básica do processo de medição é que o resultado seja

reprodutível. Isto significa que, tendo em mãos um processo operacionalmente bem

definido, o que se espera é que, dado o mesmo equipamento e as mesmas condições

iniciais, o resultado seja o mesmo em diferentes repetições do processo, seja pelo mesmo

individuo, seja por pesquisadores diferentes. Em fisiologia comparada a questão de

reprodutibilidade (ou precisão) é mais complexa do que em outros ramos da biologia, como

morfologia. Ao passo que podemos perfeitamente pegar o mesmo paquímetro e medir o

mesmo animal diversas vezes e pedir para que outros façam o mesmo (obtendo resultados

similares), o mesmo não é possível para muitos fenômenos fisiológicos; não se espera que

a medição do metabolismo de repouso de um animal realizado em um dia seja equivalente à

medição realizada em outra hora desse dia, quiçá em outros dias. Isso ocorre pelo caráter

complexo e temporalmente restrito de muitos destes fenômenos e a interação desses

fenômenos com outros sistemas biológicos, um ponto que será melhor explorado mais

abaixo.

Um terceiro fator é o que chamaremos de validade, e refere-se à capacidade de

dada medida de estimar os valores “verdadeiros” da variável sob avaliação. Tal

característica, apesar de poder estar fortemente associada à reprodutibilidade, não deve ser

confundida com esta última e, apesar de uma alta validade e uma alta reprodutibilidade

serem muito importantes para uma medida, esses fatores revelam características distintas

sobre o processo de medição. Para ilustrar o ponto podemos imaginar dois soldados com

um alvo na sua frente (Fig. 2). Ambos são exímios franco-atiradores e são capazes de

acertar no centro do alvo quase que 100% das vezes. O fato de eles acertarem no mesmo

ponto, ou pelo menos quase no mesmo ponto, indica um alto grau de reprodutibilidade das

suas habilidades. Porém, se a mira de ambos estiver levemente deslocada no mesmo

sentido, isso pode significar que ambos os atiradores conseguirão repetir o procedimento

com um alto grau de reprodução, acertando em pontos similares, porém errando o alvo

“real”, que é o centro (2B). Uma alta validade só seria atingida quando ambos conseguissem

acertar não apenas no mesmo ponto, mas também no alvo designado (2A). Essa pode

parecer uma distinção pouco lógica, porém o problema se torna óbvio quando recorremos a

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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qualquer medição que necessita de calibração: sem a calibração o equipamento pode ser

igualmente preciso, no sentido de que os resultados são reprodutíveis, porem o valor obtido

não reflete a realidade, tornando o procedimento como um todo inválido. Podemos ainda

conceber medidas com reprodutibilidade reduzida e alta validade (2C). Um caso trivial de

uma medição deste tipo é o uso de uma simples régua para medir o tamanho de um objeto.

Réguas costumam apresentar uma precisão em termos de casas decimais, o que diminui a

reprodutibilidade da medida, uma vez que medidores diferentes podem arredondar as

medidas de forma distinta. Adicionalmente cada medidor varia, mesmo que levemente, em

seu estilo de medida, introduzindo assim um erro de medição que, adicionado ao

arredondamento, diminui a reprodutibilidade ainda mais. Entretanto a validade da medida

em si é inalterada, uma vez que sabemos que há uma estrutura a ser medida e que uma

régua reflete, de certa forma, a realidade dessa grandeza. A validade da medida só seria

alterada, por exemplo, se a distancia entre as marcas da régua não fossem equivalentes ao

que se espera.

Figura 2. Representação da reprodutibilidade e

da validade de uma medição como tiro ao alvo. A)

Procedimento com alta reprodutibilidade e alta

validade B) Procedimento com baixa validade,

porém alta reprodutibilidade. C) Procedimento

com alta validade, porém com reprodutibilidade

reduzida. D) Procedimento com reprodutibilidade

baixíssima, dificultando o grau de validade.

Uma ultima característica essencial

no processo de quantificação é a

possibilidade de agregação das medidas.

Esse fator refere-se à possibilidade de se agrupar medidas de uma mesma classe (peso

corpóreo, consumo de oxigênio por hora, metros por segundo, etc) em um conjunto. Esse é

um fator extremamente essencial na análise de dados em qualquer ciência. O motivo disso

é que você não pode basear conclusões robustas em apenas uma observação. Por

exemplo, se queremos avaliar o nível de stress de um lobo-guará (Chrysocyon brachyurus)

e quantificar a influência do tamanho de área de vida nos níveis de corticóides fecais em seu

sangue (que é usado como estimativa de estresse), qualquer interpretação a respeito do

registro de um nível de 431 ng/g fecal de corticóides em um animal que vive em 0,5 hectare

será fortemente subordinada às nossas noções subjetivas da magnitude dessas medidas.

Note que o registro das mesmas variáveis em outros animais pode não ser suficiente para

que possamos inferir uma relação sólida entre esses fatores (Fig. 3).

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Quantificação e Análise de Dados

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Figura 3. Exemplo da investigação entre a relação do estresse em lobos-guará (C. brachyurus) e área de vida e a influencia de baixa amostragem na corroboração ou falseamento de hipóteses.

Isso costuma ser facilitado pelo aumento do número de observações, medindo as

mesmas variáveis em outros animais em outras localidades, atingindo um numero de

observações que nos permita inferir com precisão a relação real entre as variáveis sob

estudo. Sendo assim o conceito de agregação está diretamente ligado ao de amostra, no

sentido de que, ao tirar medidas, o que se faz é obter medições de uma mesma população

natural com o objetivo de se estimar algum tipo de parâmetro de interesse (média,

correlação, etc) escolhido de acordo com a pergunta científica que se quer responder. Note

que o critério de agregação não diz apenas sobre a necessidade de se agrupar conjuntos de

variáveis, mas também se refere ao número adequado de observações necessárias para se

obter uma análise consistente. O motivo disso é que uma baixa amostragem pode estar

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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fortemente influenciada por fatores aleatórios, sejam eles problemas de medição

(reprodutibilidade), sejam variações de origem biológica ou problemas de amostragem.

Vamos abordar mais detalhadamente esses dois últimos fatores a fim de esclarecer as

problemáticas que podem emergir no processo de formação de agregados de medidas (ou

“amostragem”).

Origens de variação em sistemas biológicos

Os critérios de agregação, validade e reprodutibilidade nos dizem algo sobre a

realidade da variável que desejamos obter. Ou seja, dado que existe um valor “real”, o

propósito da agregação é simples: tentar, através de amostragem, obter uma estimativa

deste valor, a despeito da variação introduzida por reprodutibilidades sub-ótimas (como

exemplificado na Fig. 2C). Essa noção é muito bem ilustrada em áreas mais exatas das

ciências naturais, como a Física. Quando tentamos, por exemplo, estimar a força exercida

sobre um objeto, dado que possuímos tanto a aceleração quanto a massa do objeto, temos

um valor que podemos chamar de “real”. Contudo, não é razoável esperar que o valor obtido

experimentalmente seja exatamente igual, uma vez que temos limitações físicas de nosso

processo de quantificação. Tais limitações podem estar ligadas não apenas à

imprecisão do sistema de medição, mas também à nossa incapacidade de avaliar alguns

fatores imprevistos que podem perturbar nossa medição (ruídos). Nessa perspectiva, os

desvios em nossas medições são causados por fatores indesejados, sejam eles erros de

medição ou variáveis não controladas.

Entretanto, quando avaliamos sistemas biológicos esse cenário se torna rapidamente

suspeito: sabemos que organismos, diferente de partículas, apresentam variação em suas

características que não são impostas por problemas de medição. Ou seja, mesmo supondo

que eu consiga obter o peso de um indivíduo sem qualquer erro de medição, o esperado é

que os valores sejam diferentes em diferentes indivíduos. Isso se deve principalmente pelos

fatores geradores da biodiversidade e suas diferentes escalas de atuação, dos quais

destacamos quatro principais conjuntos de fatores: processos de desenvolvimento

(ontogenia), processos intraespecíficos, complexidade e processos interespecíficos (Fig. 4).

A ontogenia de um organismo traz claras influências em seu fenótipo. Em termos

morfológicos isso é bastante óbvio, uma vez que esperamos que juvenis e adultos sejam

diferentes em termos de forma e, principalmente, tamanho. Tais processos afetam também

a fisiologia do organismo, sendo que o exemplo mais claro é a chegada do estágio

reprodutivo: o organismo começa a produzir hormônios sexuais que modificam sua química,

influenciando até o desenvolvimento de órgãos e comportamentos. O tratamento desse tipo

de variação costuma ser complicado, uma vez que não consideramos animais em diferentes

estágios de desenvolvimento como sendo membros de uma mesma amostra equiparável de

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Quantificação e Análise de Dados

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indivíduos. Isso fica nítido em casos mais extremos, como a tentativa de se estimar o gasto

energético médio de duas espécies de anuros, sendo que agrupamos girinos e sapos

adultos em uma mesma amostra. Isso não faz sentido uma vez que sabemos da existência

de um fator (metamorfose) que diferencia esses organismos em duas categorias distintas.

Para solucionar possíveis problemas, uma possibilidade é tentar comparar estágios

ontogenéticos similares entre os grupos sob estudo. Apesar disso não ser tão apropriado

quanto, digamos, registrar a idade de cada indivíduo, é uma abordagem prática que

costuma ser bem aceita, e viabiliza o estudo de animais coletados em campo, sobre a idade

dos quais não possuímos informação exata.

Figura 4. Representação esquemática das fontes de variação presentes em sistemas biológicos. Modificado de Hennig (1966).

Quando falamos de processos intraespecíficos estamos falando de qualquer

processo que ocorre dentro de uma espécie e gera variação biológica. Tais processos

podem ser tanto de origem genética, explicada pela distribuição de diferentes alelos em uma

população, quanto de origem ambiental, como por exemplo polimorfismos gerados por

diferenças nos habitats onde os animais vivem, decorrentes de diferentes variáveis

climáticas. Esse tipo de variação costuma ser controlada pela utilização de linhagens

endogâmicas de laboratórios, que permitem restringir a variação genética e ambiental ao

extremo. Isto, entretanto, não oferece completo controle da variação uma vez que, mesmo

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nesse tipo de linhagem, diferenças fenotípicas emergem pela presença de fatores

imprevisíveis (ex. Ward e col. 1990). Um dos motivos para isso se deve ao fato de que a

classe de objetos investigados em biologia, os organismos, são complexos, formados pela

interconexão de diversos outros elementos, sob a influência de inúmeros fatores, sendo que

o resultado é algo que não pode ser avaliado pela simples soma de suas partes (Mayr,

1997). Em termos práticos isso significa que, mesmo em experimentos extremamente

controlados, nada nos permite dizer que meu sistema de estudo está totalmente livre da

interação perturbadora de outros sistemas, que podem influenciar o fenótipo e,

conseqüentemente, o valor das variáveis de interesse. O controle para esse tipo de

problemática costuma ser experimentalmente complexo: apesar de ser possível utilizar de

técnicas que isolam um sistema fisiológico, essas metodologias podem ser extremamente

invasivas e pouco práticas. Adicionalmente, mesmo que tal procedimento seja possível, ele

provavelmente será realizado em espécies modelo (ratos de laboratórios, Xenopus, etc), o

que limita bastante esse tipo de abordagem para grande parte da diversidade.

Um último conjunto de fatores essencial para a geração de variabilidade biológica é,

não coincidentemente, o mais óbvio, e podemos os chamar de relações interespecíficas,

ou relações filogenéticas. Resumidamente, o que se espera é que os processos

intraespecíficos citados acima gerem mudanças fenotípicas nas populações naturais, sendo

que essas são compartilhadas (ou passiveis de serem compartilhadas) por outros indivíduos

da população por reprodução, ancestralidade comum ou similaridade de ambiente. Quando

esse compartilhamento só ocorre em um conjunto de organismo em detrimento de outros,

as populações naturais divergem geneticamente e fenotipicamente em um processo que

conhecemos como especiação. A separação das linhagens permite que estas evoluam de

forma independente, acumulando mudanças exclusivas, gerando combinações únicas de

caracteres. Isso se torna particularmente relevante em estudos evolutivos nos quais

avaliamos a existência de padrões de larga escala. O controle experimental desse tipo de

variação é impossível. Uma maneira simples de minimizar ou neutralizar possíveis

problemas seria o estudo de apenas uma ou duas espécies (Felsestein, 1985). Essa

estratégia é obviamente restritiva quando a nossa questão científica aborda exatamente

padrões evolutivos, um aspecto central de muitos dos programas de pesquisa em fisiologia

comparada. A impossibilidade de controle amostral e experimental da variação

intraespecífica em trabalhos de larga escala não é, entretanto, um problema incontornável.

Foi com esse tipo de questão em mente que em 1985 dois artigos seminais sobre o assunto

foram publicados (Felsestein, 1985; Cheverud e col. 1985), expondo formas de se controlar

estatisticamente as dependências introduzidas pelos padrões filogenéticos. Desde então tais

propostas foram revistas e ampliadas, criando uma área específica designada ao estudo e

desenvolvimento dos métodos filogenéticos comparativos, área esta que apresenta sua

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Quantificação e Análise de Dados

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própria entrada na Wikipédia em inglês, assim como seus dois maiores proponentes: Joseph

Felsestein e Theodore Garland, Jr. Não iremos nos alongar nesse tópico devido a sua

complexidade e extensão (ver capítulo o livro do Curso de Inverno 2008 sobre métodos

comparativos disponível na página do Curso de Inverno), mas é bom que o aluno tenha em

mente que a estrutura da variação filogenética é um fator de variação que deve ser

considerado nas análises. Aos interessados fica a sugestão de consultar não apenas o

capítulo e as entradas na Wikipédia, mas também os artigos de Garland Jr. e col. (2005) e

Freckleton e Jetz (2008) para algumas revisões completas sobre o assunto.

É importante notar que os quatro fatores citados podem agir em conjunção

adicionando variabilidade em nossas amostras. Ou seja, mesmo que consigamos controlá-

los de alguma forma, sempre esperamos o surgimento de variação não explicada, dado o

numero de interações possíveis entre os diversos componentes dos sistemas biológicos.

Animais podem diferir em fenótipo, por exemplo, exatamente pela maturação diferencial de

diferentes sistemas do organismo, causada por bases genéticas ou ambientais. Esse

desenvolvimento diferencial, por sua vez, afeta outros sistemas de forma imprevisível (dada

a complexidade do organismo) e que todas estas mudanças se estruturam

filogeneticamente. Uma prática essencial para a avaliação das origens e efeitos das

variações biológicas é a identificação e agrupamento de entidades em classes equivalentes

(agregação). Ao planejamento e execução desse procedimento damos o nome de desenho

amostral.

Desenho amostral

Podemos subdividir os tipos de pesquisas científicas em dois grandes grupos: os

experimentos controlados, que permitem o controle experimental das variáveis, e

experimentos não-controlados, que normalmente não permitem a intervenção do

pesquisador no sistema de interesse (Manly, 1991). Gradações entre essas categorias são

possíveis, como no caso da ecologia experimental, onde a grande maioria dos efeitos são

gerados por fatores que não podem ser controlados, mas mesmo assim o pesquisador se

vale de algum tipo de manipulação para responder sua pergunta (Hurlbert, 1984). Em

fisiologia comparada, entretanto, os experimentos costumam ser realizados em laboratório,

propiciando um alto grau de controle, simplificando os protocolos experimentais e amostrais.

Discutiremos a seguir brevemente três conceitos centrais para a elaboração de um

experimento fisiológico: réplicas, pseudoréplicas e tratamentos.

Réplicas são as diversas observações independentes obtidas através do processo

de mensuração. O conceito de “replicações” remete, novamente, à idéia da existência de

valores reais a serem observados na natureza, e que diferentes repetições (réplicas) do

procedimento de mensuração nos dão informação sobre estes valores. Um ponto central

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desse conceito é que tais observações precisam ser independentes entre si. O motivo disso

é que se as observações apresentam algum tipo de dependência, seus valores tenderão a

ser similares, o que pode dificultar a avaliação da relação entre as variáveis de interesse

escolhidas. Quando isso ocorre, dizemos que nossas medições não são réplicas reais, mas

sim pseudoréplicas. A existência de pseudoreplicação é extremamente comum em

investigações fisiológicas e normalmente decorrem da falta de controle de alguma fonte de

variação biológica, como as descritas previamente. A falta de controle experimental,

entretanto, não necessariamente causa a introdução de pseudoréplicas (apesar de

necessariamente diminuir a reprodutibilidade das observações). Isso só ocorre quando há

estruturação da variação não controlada.

Quando falamos de tratamentos imediatamente evocamos imagens de cientistas

ministrando diferentes substâncias em cobaias de laboratório, a fim de verificar o efeito da

substancia na fisiologia do animal. Apesar de esta imagem não estar incorreta, ela é

limitada: um tratamento é toda e qualquer alteração do estado original dos objetos sob

investigação, podendo ou não ser diretamente causada pelo pesquisador. Sendo assim,

essa definição abrange não apenas variações manipuladas pelo pesquisador, como aquelas

introduzidas por fontes de variações naturais, como por exemplo milhões de anos de

evolução, estágios ontogenéticos etc. Nesse contexto a problemática das pseudoréplicas se

torna clara, pois se suas observações são influenciadas por uma fonte de variação não

controlada que se correlaciona com seu tratamento, a identificação de um sinal não significa

necessariamente que seu tratamento causou alguma alteração nas medições, uma vez que

o sinal pode ter sido causado pelo fator não controlado. No exemplo do lobo-guará da figura

3, caso o tamanho da área de vida (tratamento) fosse diretamente relacionado com a

densidade de lobos-guará na região, não saberíamos se os animais estão mais estressados

pela diminuição da área de vida ou se o stress é causado pelo freqüente confronto com con-

específicos. Uma forma de minimizar efeitos indesejados é a utilização de controles

(administração de um tratamento com efeito nulo) e a aleatorização dos tratamentos

(alocação aleatória de tratamentos às unidades experimentais).

As armadilhas de um desenho experimental mal construído são diversas e a

literatura sobre o assunto é extensa. Não existem receitas únicas para esses problemas, o

que acaba complicando sua avaliação (ver Manly, 1991). De fato a publicação de trabalhos

com erros metodológicos não é um evento raro (Hurlbert, 1984), e é sempre importante

mantermos em aberto a possibilidade de revermos nossos métodos. A construção de uma

metodologia coesa e bem estruturada é uma das premissas essenciais para a utilização de

testes estatísticos na investigação científica.

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Quantificação e Análise de Dados

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Testes estatísticos

Como vimos anteriormente, os sistemas biológicos apresentam múltiplas fontes de

variação. Na prática, essa variabilidade dificulta a inferência de padrões e processos

fisiológicos, uma vez que as variações naturais dos indivíduos podem se confundir com os

efeitos dos tratamentos. Na figura 5 temos o exemplo da investigação da taxa de consumo

de alimentos de duas variedades de uma população natural de roedores. Hipotetizou-se que

a variedade melânica estaria melhor adaptada a ambientes de baixa incidência solar,

gastando menos energia para a termorregulação, necessitando consumir menos alimento. A

simples inspeção do padrão de variação das medições não é o suficiente para inferir se há,

de fato, uma diferença entre as populações, uma vez que, apesar dd os animais não-

melânicos aparentemente apresentarem uma tendência para valores maiores, alguns

animais melânicos apresentam valores tão altos quanto, ou até mais altos que os não-

melânicos. Esse padrão de distribuição de dados é muito comum em sistemas biológicos e é

uma das principais motivações para o emprego de testes estatísticos em nossas pesquisas.

Figura 5. Consumo de alimento diário em gramas de alimento por 100 gramas de peso do animal por

dia em dois morfótipos de uma espécie de roedores. Como saber se existe diferença significativa

entre os grupos?

O que são testes estatísticos?

Quando falamos em “estatistica”, normalmente estamos nos referindo à maneiras de

descrever grandes quantidades de informação de uma maneira simplificada. De fato, a

etimologia da palavra vem do termo em latim para “conselho do estado”, e está

historicamente relacionado ao uso de censos e pesquisas pelo estado com o objetivo de

direcionar esforços de arrecadação de impostos e de formulação de políticas de governo.

Sendo assim, quando falamos de uma estatística, estamos falando de parâmetros que

usamos para resumir (modelar) os nossos dados (Zar, 2007).

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Uma forma muito comum de se modelar a distribuição de variáveis que descrevem

aspectos fenotípicos dos animais é a utilização de distribuições normais (Fig. 6; Batschelet,

1978). Essa distribuição de probabilidade modela a variação do fenótipo de forma contínua,

o que a torna muito útil para estudar variáveis que não estão distribuídas em estados

discretos. Adicionalmente, distribuições normais podem ser descritas apenas por dois

parâmetros: médias (uma estimativa da tendência central das amostra) e desvios padrão

(uma estimativa da dispersão dos valores ao redor da tendência central). Entretanto, o

simples cálculo desses parâmetros em amostras distintas não nos permite dizer se as elas

estão sendo afetadas por algum fator ou tratamento. Para isso necessitamos de testes

estatísticos que se valem do poder de sumarização proporcionado pela estatística com o

objetivo de testar hipóteses científicas. Isso é realizado através da redução de nossos dados

a valores estatísticos especialmente construidos para abordar certo problema.

Figura 6. Distribuição normal representando uma amostra do morfótipo não-melânico de roedor exemplificado na figura 5. Os pontos mais altos da curva indicam as regiões onde esperamos encontrar uma maior quantidade de observações. A média está representada pela linha vermelha contínua. As linhas tracejadas representam o intervalo de confiança de 95% definido pela média ± 1.96 desvios padrão. Note que nenhuma observação coincide precisamente com a média da amostra, apesar de muitas se agruparem próximas a ela.

Por exemplo, voltando ao exemplo da figura 5 poderíamos dizer que temos uma

hipótese científica: a cor da pelagem (tratamento) influencia no consumo de alimentos. Para

testar a diferença entre os grupos, poderíamos obter estatísticas que expressem essa

diferença, como por exemplo a diferença entre as médias. Sabemos, entretanto, que nem

sempre uma média é estimada com perfeição, uma vez que existem fatores que podem

influenciar nessa estimativa (problemas de medição, variação biológica, baixa amostragem,

etc). Como saber, então, se tais grupos são diferentes?

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Quantificação e Análise de Dados

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No contexto dos testes de hipótese estatísticos esse problema é contornado a partir

da construção de um modelo que expressa uma hipótese nula: uma hipótese estatística

que será testada para possível rejeição (Weisstein, 2010). No caso dos testes estatísticos

normalmente empregados em estudos experimentais, essa hipótese costuma descrever um

modelo estatístico no qual o tratamento não apresenta qualquer efeito sobre as

observações. No exemplo da figura 5, se quisermos avaliar a diferença entre os grupos,

uma possível hipótese nula seria que ambos são amostras aleatórias de uma mesma

população natural. Essa descrição nos permite construir um modelo estatístico (expresso

através de uma distribuição teórica da estatística de interesse) para expressar tal hipótese

nula (Fig. 7). Entretanto não é razoável esperar que amostras aleatórias de uma população

sejam exatamente iguais entre si (Fig. 7), o que nos impede de rejeitar automaticamente a

hipótese nula frente a qualquer desvio da estatística esperada.

Figura 7. Distribuições normais representando a hipótese de que os roedores melânicos e não-melânicos diferem quanto à média do seu consumo de alimento diário (linhas contínuas) e a hipótese nula (H0), de que só há um grupo. É importante ressaltar que mesmo que ambos os grupos sejam uma amostra aleatória de uma mesma população, isso não significa que estas amostras irão apresentar uma mesma média e desvio padrão. O gráfico da direita apresenta duas amostragens aleatórias da população proposta para H0, evidenciando que mesmo amostras de uma mesma população podem diferir.

Para algumas estatísticas (como as que serão comentadas mais abaixo), as

hipóteses nulas são muito bem estudadas, o que nos permite construir distribuições de

densidade probabilística das estatísticas de interesse. Ou seja, podemos formalizar o “grau

de incerteza” a respeito dessas estatísticas, o que nos permite quantificar a probabilidade de

se achar um valor igual ou mais extremo do que o observado, supondo que a hipótese nula

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é verdadeira (Kanji, 1999). Se obtemos valores baixos dessa probabilidade (chamado de

valor p) isso significa que nosso resultado é muito improvável para ser considerado um

desvio aceitável do modelo nulo. Não há, porém, um parâmetro universal para se definir o

que é “improvável” de fato. Na prática, o que o investigador faz é estabelecer, a priori, um

valor que será usado como um limiar máximo para definir se tal valor p é significativo ou

não. Tal valor costuma ser chamado de (alfa), e tradicionalmente são aceitos valores

iguais à 0,05 ou 0,01. Isso significa que um valor de p inferior ao designado nos permite

descartar a hipótese nula com um certo grau de certeza. O procedimento de teste de

hipóteses estatísticas é um assunto bastante complexo, e os interessados em se aprofundar

devem consultar livros como Sokal e Rohlf (1995) ou Zar (2007) para estudar livros-texto

voltados a questões biológicas. A seguir serão apresentados métodos estatísticos simples

que podem ser usados para responder algumas questões em fisiologia comparada.

Teste T (e suas aplicações)

Teste-T é o nome dado à uma classe ampla de testes nos quais a estatística de

interesse segue uma distribuição específica chamada distribuição T de Student. Podem ser

usadas em diversos contextos, desde testes de diferenças entre grupos a regressões. Aqui,

entretanto, enfocaremos no uso do teste T pareado. Tal teste é particularmente

interessante para fisiologia comparada pois nos permite averiguar o efeito de tratamentos

quando há correspondência de um-a-um nas observações. Esse tipo de teste permite que

as observações sejam dependentes (ex: que o mesmo individuo seja medido duas vezes).

Esse protocolo de amostragem é uma ferramenta importante, pois permite controlar efeitos

indesejados ao utilizar o mesmo indivíduo sob dois tratamentos distintos como controle.

A estatística T deste tipo de teste é estimada a partir das diferenças entre as

amostras. Para isso, os indivíduos são pareados e a diferença entre suas medidas é obtida.

A estatística T é calculada como:

sendo XD a média das diferenças entre os grupos, sD o desvio padrão das diferenças, 0 o

valor da diferença na hipótese nula (normalmente 0) e n o número de observações. Dessa

fórmula podemos inferir que quando a média das diferenças tende a 0, o valor da

estatística tende à zero também. De forma análoga, quando a variação dessas diferenças

tende a valores altos, t tende a diminuir. Isso significa que valores baixos de t indicam que o

tratamento ou não está afetando as médias da variável, ou que não está afetando os

indivíduos de maneira uniforme.

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Quantificação e Análise de Dados

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A figura 8 apresenta a representação gráfica de um teste T pareado. É importante

notar que um dos pontos principais deste tipo de teste é a correspondência entre as

observações dos diferentes tratamentos. Esse tipo de desenho experimental é comumente

utilizado quando se quer avaliar a influência de uma droga na fisiologia dos indivíduos,

registrando a variável de interesse antes do tratamento (t0) e depois do tratamenro (t1).

Outros protocolos são possíveis, como por exemplo avaliações das diferenças de alguma

variável fisiológica em dois estágios ontogenéticos dos indivíduos.

Figura 8. Representação gráfica de um teste T pareado em uma amostra de 20 indivíduos. As linhas pontilhadas mostram as correspondências entre os indivíduos. Os pontos vermelhos e a linha vermelha indicam as médias dos grupos, mostrando que houve um aumento no valor médio da variável. De fato, a maioria dos indivíduos apresentaram aumento do valor da variável no t1 em relação a t0.

ANOVA (e suas aplicações)

A análise de variância, ou ANOVA, foi um método concebido por R. A. Fisher nas

décadas de 1920 e 30 para avaliar se existe alguma diferença entre as médias de uma

mesma medida realizada em diversos grupos. Diferente do teste T pareado, esse método

não está restrito apenas à comparação de dois grupos, e pode ser aplicado quando não há

correspondência direta entre as observações. Essas características tornam a ANOVA um

método bastante versátil, principalmente quando avaliamos os efeitos de diversos

tratamentos.

A ANOVA se vale de uma estatística F que pode ser calculada facilmente como:

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VII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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sendo s12 a variância da medida entre os grupos (variância entre as médias dos grupos) e

s22 a variância intra-grupo (variância interna a cada grupo). Sendo assim, ao usar a

estatística F para avaliar a diferença entre os grupos nós levamos em conta a variação

interna desses grupos como fator de normalização.

A figura 9 apresenta a representação gráfica de um teste ANOVA. Note que as

observações devem ser independentes e podem estar distribuídas por um número grande

de tratamentos. Esse tipo de teste pode ser aplicado em experimentos mais complexos

onde há a avaliação de diversos tratamentos distintos sobre uma mesma variável,

normalmente com a introdução de um grupo controle. Um dos reveses deste tipo de

abordagem é que ele não permite a identificação de quais grupos são diferentes entre si,

par-a-par. Ou seja, apesar do teste permitir a avaliação de experimentos complexos, há uma

perda de informação que deve ser levada em conta quando se opta por esse teste.

Figura 9. Representação gráfica da ANOVA em amostras de 20 observações para cada grupo. Pontos em vermelho representam as médias de cada grupo, e a linha tracejada indica a média das médias dos grupos. O resultado do teste indica que há diferença significativa, porém note que alguns grupos apresentam médias muito próximas entre si.

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Quantificação e Análise de Dados

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Regressão (e suas aplicações)

Regressões lineares são utilizadas para modelar a relação entre duas variáveis,

das quais uma é considerada dependente de uma outra, que é chamada independente. Isso

é feito através do ajuste de uma equação linear simples do tipo

na qual x é a variável independente (o tratamento), y a variável dependente e e os

coeficientes linear e angular da equação, respectivamente.

Intuitivamente o que fazemos quando realizamos uma análise de regressão é tentar

achar a reta que passe por nossa “nuvem” de dados, de forma a minimizar a dispersão das

observações (o erro) no entorno da reta (figura 10). Assim como a ANOVA, regressões

lineares também são avaliadas com o uso da estatística F. No caso da regressão o

parâmetro s12 denota a variância explicada pelo modelo (a variância dos valores “projetados”

sobre a reta de regressão) e o parâmetro s22 denota a variância não explicada pelo modelo

(o erro). Isso significa que, assim como a ANOVA, quando a variação introduzida pelo

tratamento é muito baixa ou os erros são muito grandes, a estatística F tende a ser baixa.

Isso nos força a aceitar a hipótese nula que, no caso da regressão, é de que não há

correlação entre as duas variáveis, ou seja, de que o tratamento não influencia a variável

dependente.

Esse tipo de análise é extremamente plástica, pois nos permite avaliar variáveis que não se

comportam de forma categórica, mas sim contínua. Isso significa que podemos avaliar a

relação entre fatores incluindo desde variáveis morfométricas como tamanho e peso, até

variáveis ambientais, como temperatura média anual da região ou pluviosidade. Um dos

exemplos mais comuns de análises de regressões lineares simples são análises de

alometria, ou seja, como certa variável fisiológica se comporta em animais de diferentes

tamanhos corpóreos.

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Figura 10. Representação gráfica de uma análise de regressão. A linha tracejada representa a equação escrita no canto inferior direito da figura e mostra a relação entre a variável dependente (y) e a independente (x). A estatística F apresenta valor significativo, o que indica que podemos rejeitar a hipótese nula de não correlação entre as variáveis. Entretanto é importante notar que esse resultado não indica que a reta estimada apresenta a real relação, ou que ela pode ser usada para obter valores não observados da variável dependente a partir da variável independente, uma vez que a dispersão das observações no entorno da reta pode ser muito grande. Outros parâmetros, como estatísticas de ajuste podem ser utilizados para avaliar se esse tipo de extrapolação é possível.

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