Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

25
FITOTECNOLOGIA: REMEDIAÇÃO DE SOLOS CONTAMINADOS Fernando J.M.Antunes Pereira Professor Catedrático Universidade de Aveiro, Portugal [email protected] O termo fitoremediação combina a palavra grega phyton (planta) com a latina remediare (corrigir, remediar, tratar), e descreve o conjunto de técnicas que utilizam as funções vitais das plantas para a depuração (remediação) in situ de solos, sedimentos, lamas e águas superficiais e subterrâneas. Isto é conseguido através de vários processos de remoção, degradação e imobilização (contenção) dos contaminantes orgânicos e inorgânicos neles existentes. A cultura e colheita de plantas em locais de remediação é um processo passivo, exigindo apenas energia solar e pode ser esteticamente agradável através da criação e manutenção dum manto vegetal adequado. Por este processo podem depurar-se meios contaminados com metais pesados, pesticidas, solventes, explosivos, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, lixiviados de aterros sanitários, etc. Os locais mais adequados para utilização destas técnicas situam-se normalmente na camada superficial de solo até cerca de 1,5 m de profundidade, desde que o nível freático não esteja a menos de 3 metros. Após remediação dos meios as plantas são colhidas e tratadas de modo a concentrar e recuperar os contaminantes poluentes, usando as tecnologias típicas de tratamento de resíduos sólidos: compostagem, incineração, aterro sanitário, encapsulagem, etc. As técnicas de fitoremediação mais comuns são: rizofiltração, rizodegradação, fitoestabilização, fitoextração, fitodegradação e fitovolatilização; estas técnicas têm características simples e mais ou menos bem individualizadas. A utilização de duas ou mais combinações destas técnicas entre si originam aquilo a que poderemos designar por 1

description

Monografia universitária contendo uma descrição dos processos de fitoremediação de solos contaminados com resíduos tóxicos

Transcript of Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

Page 1: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

FITOTECNOLOGIA: REMEDIAÇÃO DE SOLOS CONTAMINADOSFernando J.M.Antunes Pereira

Professor CatedráticoUniversidade de Aveiro, Portugal

[email protected]

O termo fitoremediação combina a palavra grega phyton (planta) com a latina remediare (corrigir, remediar, tratar), e descreve o conjunto de técnicas que utilizam as funções vitais das plantas para a depuração (remediação) in situ de solos, sedimentos, lamas e águas superficiais e subterrâneas. Isto é conseguido através de vários processos de remoção, degradação e imobilização (contenção) dos contaminantes orgânicos e inorgânicos neles existentes.

A cultura e colheita de plantas em locais de remediação é um processo passivo, exigindo apenas energia solar e pode ser esteticamente agradável através da criação e manutenção dum manto vegetal adequado. Por este processo podem depurar-se meios contaminados com metais pesados, pesticidas, solventes, explosivos, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, lixiviados de aterros sanitários, etc. Os locais mais adequados para utilização destas técnicas situam-se normalmente na camada superficial de solo até cerca de 1,5 m de profundidade, desde que o nível freático não esteja a menos de 3 metros. Após remediação dos meios as plantas são colhidas e tratadas de modo a concentrar e recuperar os contaminantes poluentes, usando as tecnologias típicas de tratamento de resíduos sólidos: compostagem, incineração, aterro sanitário, encapsulagem, etc.

As técnicas de fitoremediação mais comuns são: rizofiltração, rizodegradação, fitoestabilização, fitoextração, fitodegradação e fitovolatilização; estas técnicas têm características simples e mais ou menos bem individualizadas. A utilização de duas ou mais combinações destas técnicas entre si originam aquilo a que poderemos designar por fitotecnologias, sendo as mais comuns a criação de corredores ripários e a de cobertos vegetais. Tanto as técnicas de fitoremediação como as de fitotecnologia serão descritas a seguir.

Os mecanismos específicos envolvidos na remoção dum dado contaminante dependem não só do constituinte e do meio que é afectado, mas também dos objectivos da remediação. Os vários objectivos de remediação são: imobilização, estabilização, sequestração, assimilação, redução, destoxificação, degradação, metabolização, e mineralização. Para atingir estes objectivos é necessário conceber, desenvolver e implementar a fitotecnologia adequada à situação em causa, usando conhecimentos detalhados sobre as características do local degradado, tais como a sua orografia, climatologia, hidrologia, meios analíticos, requisitos de operação e manutenção, avaliação económica do processo, percepção do público, e regulamentação legal. É um trabalho eminentemente inter- e multi-disciplinar, envolvendo vários tipos de especialidades científicas.

A maior parte das fitotecnologias utiliza os conhecimentos fundamentais de agricultura, florestação, e horticultura à resolução de problemas ambientais. Faz

1

Page 2: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

portanto sentido por começar por rever alguns conceitos sobre os mecanismos da fisiologia vegetal.

1-Mecanismos da fisiologia vegetal

O desenvolvimento típico das plantas envolve a criação de raízes no solo e produção de tecido vegetal (biomassa) no ambiente terrestre. Para este feito as plantas usam o CO2 atmosférico para:

-fotossintetizar a biomassa-produzir energia-libertar O2 para a atmosfera-absorver e evapotranspirar água do solo-absorver nutrientes inorgânicos dissolvidos na água do solo através do sistema radicular-exsudar produtos fotossintéticos (fotossintatos) através das raízes

Estes processos estão esquematicamente representados na Fig. 1. Cada um deles tem o seu papel específico nas fitotecnologias.

2

Page 3: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

Figura 1

1.1-Nutrientes inorgânicos

Os nutrientes inorgânicos seguem essencialmente um circuito ascendente dentro da planta. Os treze nutrientes inorgânicos essenciais ao desenvolvimento vegetal (N, P, K, Ca, Mg, S, Fe, Cl, Zn, Mn, Cu, B e Mo) são retirados pelo sistema radicular dissolvidos na humidade do solo; uma vez dentro da raiz eles são translocados no resto do sistema vascular da planta (xilema), uma vez aqui podem sofrer várias transformações, como serem simplesmente acumulados, ou degradados ou ainda volatilizados para a atmosfera..

Além destes nutrientes essenciais, a planta também remove do solo outros, não essenciais (sal, Pb, Cd, As, etc.) e como podem constituir toxinas potenciais quando em concentrações elevadas, a planta cria mecanismos de defesa para evitar a sua translocação. Um desses mecanismos é o sequestro dos contaminantes nas membranas e nas células radiculares por adsorção e absorção, ou ainda por precipitação do contaminante no solo por acção dos exsudatos provenientes das raízes (processos de fitoestabilização e de rizofiltração).

3

Page 4: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

Por outro lado a planta, durante a produção de energia, liberta para a atmosfera quantidades apreciáveis de água por respiração (reacção inversa da fotossíntese) e evapotranspiração, o que constitui um dos mecanismos hidráulicos de extracção (“bombagem”) de contaminantes do solo para a planta e subsequentemente para a atmosfera (translocação), já que os contaminantes dissolvidos são arrastados neste fluxo; deste modo, graças à acção de intersecção do fluxo pelas raízes da planta, os contaminantes são removidos do solo, evitando-se a sua dispersão no ambiente devido tanto à sua migração (ou lixiviação) horizontal como vertical. Este mecanismo não degradativo de depuração fitotecnológica está na base do processo de fitovolatilização. Em alternativa, o contaminante translocado no xilema pode não ser volatilizado, mas ficar simplesmente acumulado dentro da parte aérea da planta: processo de fitoextracção (ou fitoacumulação).

Na Tabela 1 indicam-se as taxas de evaporação típicas de algumas espécies vegetais.

Tabela 1-Taxas de evapotranspiração de plantas usadas em fitotecnologia

Planta Caudal de transpiraçãoJuncos, carriços, etc. (canízeas) 10-50 mm/dia

Algodoeiro (2 anos) 10-20 l/dia.árvoreChoupo (5 anos) 100-200 l/dia.árvore

Algodoeiro (adulto) 230-1400 l/dia.árvoreSalgueiro (adulto) 900-3600 l/dia.árvore

Todos os processos acabados de referir são do tipo físico-químico, não degradativo, já que o contaminante (geralmente metais pesados em solução) é simplesmente imobilizado no solo ou armazenado dentro da planta. Outro mecanismo, agora de natureza bioquímica (biodegradativo) pode também ocorrer durante o fluxo ascendente do xilema, como consequência do qual os contaminantes que, apesar das suas características tóxicas, conseguiram vencer a barreira radicular e foram translocados no interior da planta são metabolizados e mineralizados passando a pertencer ao tecido vegetal da planta (biomassa); esse mecanismo é a fitodegradação, e naturalmente ocorre apenas com os contaminantes orgânicos. Os vários fenómenos ocorrendo na fitodegradação são:

-degradação e mineralização por enzimas específicos da planta, com transformação a CO2 e H2O-assimilação (dos contaminantes, ou dos seus produtos intermédios de degradação) como tecido vegetal (co-metabolização)-lenhificação (i.e., ligação covalente às moléculas de lenhina do tecido vegetal).

Alguns exemplos de enzimas específicos segregados pelas plantas para degradar os orgânicos, são:

-desalogenases: que removem grupos funcionais contendo halogéneos, de solventes orgânicos halogenados (TCE, PCE)-oxigenases: que catalisam a oxidação de hidrocarbonetos alifáticos-nitroreductases: que reduzem os grupos azotados em explosivos (TNT, etc.)

4

Page 5: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

Em qualquer dos casos o contaminante original desaparece deixando assim de constituir um risco toxicológico. A fitodegradação é o principal (e único) mecanismo degradativo das fitotecnologias, ocorrendo dentro da planta. O outro mecanismo bioquímico degradativo, mas ocorrendo fora da planta, na rizosfera, é a rizodegradação, que se verá a seguir.

1.2-Produção fotossintética

A produção fotossintética dá-se tipicamente no circuito descendente dentro da planta. Começa na copa das plantas, onde o CO2 da atmosfera é captado nos estomas das folhas e transformado em fotossintatos que são subsequentemente translocados no sistema vascular (floema) e:

-incorporados no tecido vegetal, ou-metabolizados para produção de energia durante a respiração celular, ou -exsudados pela raiz

A fotossíntese pode ser representada genericamente pela equação:

em que C6H12O6 simboliza genericamente os carbohidratos na forma de glucose; a glucose pode ser imediatamente usada pela planta como alimento ou armazenada como amido.

Os exsudatos são tipicamente compostos como: enzimas, aminoácidos, álcoois, proteínas, ácidos orgânicos, carbohidratos, fenois, etc. A exsudação pode representar uma parte significativa (até 20%) da produção de fotossintatos, e uma vez no solo constituem uma fonte de C de fácil assimilação pelos microorganismos indígenas da rizosfera (bactérias, fungos e leveduras), os quais, por um processo de co-metabolização degradam e mineralizam também os contaminantes presentes. A degradação decorre por acção tanto dos enzimas segregados pelos microorganismos, como pela planta (exsudatos).

Estabelece-se assim uma relação simbiótica entre os microorganismos e a planta: os microorganismos recebem das raízes os nutrientes de que necessitam (exsudatos) e oxigénio, e em contrapartida providenciam uma barreira protectora à volta das mesmas que degrada os potenciais agentes patogénicos e contaminantes tóxicos antes de atingirem a planta. Esta relação simbiótica sinergética é o principal (e único) mecanismo degradativo das fitotecnologias ocorrendo fora da planta, e está na base da fitotecnologia de rizodegradação. (Como se viu o outro mecanismo bioquímico degradativo, mas ocorrendo dentro da planta, designa-se por fitodegradação).

As Fig.s 2 e 3 resumem os vários mecanismos de fitotecnologia mencionados, bem como os locais onde ocorrem.

5

Page 6: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

Figura 2

Figura 32-Plantas e substratos em fitotecnologia

Em resumo, algumas plantas têm a capacidade de suportar e acumular concentrações relativamente elevadas de contaminantes orgânicos sem sofrer efeitos tóxicos; nalguns casos podem também converter esses contaminantes em moléculas (metabolitos) de menor toxicidade, ou até mesmo mineralizá-los completamente por degradação aeróbia a CO2 e H2O, como acontece na fitodegradação.

Para além disto outras plantas estimulam a degradação de contaminantes orgânicos na rizosfera através da libertação de enzimas e exsudatos orgânicos que constituem uma fonte energética de carbono de fácil assimilação pelos microorganismos naturais do solo (co-metabolização), como acontece na rizodegradação. Estes mecanismos degradativos serão, em princípio os mais desejáveis de ocorrer, já que o contaminante é completamente destruído. Mas para além destes mecanismos degradativos, as plantas são também capazes de gerar mecanismos simplesmente físico-químicos (não degradativos), nos quais os contaminantes são captados do ambiente e imobilizados

6

Page 7: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

nas raízes ou na própria planta. Têm assim as capacidades de extracção e remoção de metais em solução no solo e em águas (fitoextracção), filtração nas raízes (rizofiltração); além disso podem estabilizar os solos (para controlar a sua erosão) evapotranspirando quantidades apreciáveis de água, como acontece na rizofiltração, fitoestabilização e fitovolatilização.

Os principais substratos (substratos-alvo) susceptíveis de serem tratados por fitoremediação são:

Metais pesados (não radioactivos): Cd, Cr, Pb, Co, Cu, Ni, Se, ZnMetais pesados (radioactivos): Cs137, Sr90, UOrganoclorados: PCB, pesticidas (Alachlor, Cianazina, Atrazina)Organofosforados: insecticidas (Parathion, etc)Solventes alifáticos organoclorados: TCE, PCEHidrocarbonetos policíclicos aromáticos: PAHExplosivos: TNT, DNT, TNB, RDX, HMXTensioactivosNutrientes: nitrato, fosfato, amóniaHidrocarbonetos do petróleo: BTEX

OBS: BTEX=benzeno, tolueno, etilbenzeno, xileno; PCB=policlorobifenilos; TCE=tricloroetileno; PCE=pentacloroetano; TNT=trinitrotolueno

As plantas mais utilizadas são:

Tipo Planta

“Phreatophyte”-Choupo, álamo

-Salgueiro-Algodoeiro

-Faia

“Grasses”-Centeio

-Bermuda-Sorgo

-FestucaLeguminosas -Trevo

-Alfalfa-“Cowpeas”

Aquáticas(Macrófitas) (1)

-Emergentes e submersas (junco, caniço, espadana)-Flutuantes (lentilha de água, jacinto de água)

Hiperacumuladoras -Girassol

7

Page 8: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

de metais -Mostarda indiana-Thlaspi spp.

(1) O termo macrófitas não é científicamente o mais correcto; deveriam usar-se preferencialmente hidrófitas, ou então helófitas.

As macrófitas emergentes e submersas mais usadas em Portugal pertencem aos seguintes géneros botânicos: Phragmites (caniço), Scirpus (junco), Thyfa (espadana, ou tábua, ou murrão dos fogueteiros), Iris, Sparganium, Carex, Acorus.

As macrófitas flutuantes mais usadas são das seguintes espécies: Eichlornia crassipes (jacinto d’água), Pistia stratiotes (alface d’água), Hydrocotyle umbellatta (erva-capitão), Lemna spp. (lentilha d’água).

A Tabela 2 abaixo resume as características dos vários processos de fitoremediação, bem como os meios e substratos a que se aplica.

3-Técnicas de fitoremediação

Em seguida descrevem-se um pouco mais concretamente as várias técnicas de fitoremediação. Por uma questão puramente metodológica separaremos as técnicas que envolvem fenómenos ocorrendo na parte subterrânea da planta (raízes e rizosfera) daquelas em que esses fenómenos ocorrem na sua parte aérea:

Tipo de mecanismo Parte subterrânea Parte aéreaNão degradativo Rizofiltração Fitoextracçao (1)

Fitoestabilização FitovolatilizaçãoDegradativo Rizodegradação (2) Fitodegradação(3)

(1) ou fitoacumulação

(2) ou biodegradação pela rizosfera (potenciada), ou bioremediação assistida por plantas

(3) ou fitotransformação

Tabela 2- Características e aplicações das fitotecnologias

8

Page 9: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

LOCAL DE

ACTIVIDADE

TÉCNICA

OBJECTIVO (RELATIVAMENTE

AO CONTAMINANTE)

MEIOS-ALVO

SUBSTRATOS-

ALVO

PLANTAS

MECANISMOS

Fitoestabilização

Extracção +

Imobilização (na rizosfera)

-Solos -Sedimentos -Lamas -Águas subter.

-Metais -Orgânicos

-Mostarda indiana -Choupo, álamo -Grasses

-Adsorção e /ou absorção nas raizes por exsudatos -Precipitação por exsudatos na rizosfera

Rizodegradação

(1)

Degradação

(na rizosfera)

-Solos -Sedimentos -Lamas -Águas subter.

-Orgânicos biodegradáveis

-Arroz -Choupo, álamo

-Compostagem na rizosfera (asistida, ou potenciada pelos exsudatos) -Sequestração de C (incorporação na biomassa)

RIZ

OSF

ER

A

Rizofiltração

Extracção +

Captura +

Imobilização (na rizosfera)

-Águas superficiais e subterrâneas

-Metais -Orgânicos

-Girassol -Jacinto de água -Plantas aquáticas

(os mesmos que fitoestabilização)

Fitoextracção

(2)

Extracção +

Captura +

Imobilização (na planta)

-Solos -Sedimentos -Lamas

-Metais

-Mostarda indiana -Choupo, álamo -Girassol

Penetração da barreira radicular

+Translocação vascular + Acumulação

Fitodegradação

(3)

Degradação (na planta)

-Solos -Sedimentos -Lamas -Águas superf. e subter.

-Orgânicos

-Algas -Cipreste -Choupo -Salgueiro

Penetração da barreira radicular + Translocação vascular + Co-metabolização (mineralização) + Lenhificação

C

AU

LE

E

F

OL

HA

S

Fitovolatilização

Extracção +

Volatilização (na planta)

-Solos -Sedimentos -Lamas -Águas superf. e subter.

-Orgânicos

-Álamos -Alfalfa -Locusta -Mostarda ind.

Penetração da barreira radicular + Translocação vascular + Volatilização

(1) ou biodegradação pela rizosfera (potenciada), ou biodegradação assistida (pela planta) (2) ou fitoacumulação (3) ou fitotransformação

Rizofiltração: é a extracção e captura (imobilização) na rizosfera das plantas, de contaminantes existentes num solo e na água. Os contaminantes orgânicos e inorgânicos, em solução no solo, são extraídos, removidos e imobilizados por:

-adsorção e/ou absorção nas membrana e nas células (vacúolos) das raízes -precipitação na rizosfera, por acção dos exsudatos (enzimas, aminoácidos, álcoois, proteínas, ácidos orgânicos, carbohidratos, fenois, etc.)

A rizofiltração aplica-se essencialmente na “filtração” de fluxos contaminados de águas superficiais e subterrâneas in situ (ou a águas superficiais ex situ, desde que transportadas para um local de tratamento centralizado) de modo a purificá-los e permitir a sua posterior reutilização ou reciclagem (na indústria, p.ex.). As plantas são cultivadas hidroponicamente, em estufas de água em vez de solo; quando o seu sistema radicular se encontra suficientemente aclimatizado e desenvolvido são então transportadas para o local a remediar.

Exemplo: remediação de águas superficiais em Chernobyl, contaminadas com metais pesados radioactivos (Ce, Sr), usando girassol

Fitoestabilização: é o mesmo que rizodegradação, mas o objectivo é essencialmente depurar e recuperar localmente, para posterior utilização, um solo contaminado por uma pluma mais ou menos estática (Ver Fig.4). Por este processo reduz-se a biodisponibilidade local dos contaminantes bem como o potencial de risco para o ecossistema e saúde pública. Usa-se frequentemente para estabelecer (ou re-estabelecer) um coberto vegetal numa zona contaminada e assim evitar a erosão e desertificação do solo, visto que se aborta a lixiviação horizontal e vertical dos contaminantes para a zona envolvente, permitindo o desenvolvimento de vegetação que fixa e estabiliza o solo.

A principal diferença entre rizofiltração e fitoestabilização reside em que na primeira o objectivo essencial é a depuração duma corrente hídrica contaminada para posterior

9

Page 10: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

reutilização, enquanto que na segunda o objectivo essencial é recuperar um solo contaminado por imobilização local dos contaminantes.

Exemplo: depuração dum solo contaminado com metais pesados (Cr, Cd, Hg, Pb), usando choupos ou álamos

Rizodegradação: é a destruição dos contaminantes orgânicos por mecanismos bioquímicos envolvendo a sua fermentação aeróbia na rizosfera, por acção dos microorganismos do solo. Esta acção é assistida (ou potenciada) pelos exsudatos das raízes, em simbiose sinergética (Ver Fig.5), como foi descrito anteriormente.

Exemplo: remediação de solos contaminados com combustíveis, utilizando alfalfa, ou com atrazina e solventes organoclorados (TCE), utilizando choupos ou álamos

Fitoextracção (ou fitoacumulação): é a extracção e captura (imobilização) de contaminantes inorgânicos dum solo, nas raízes e na parte aérea da planta (Ver Fig.6). Os contaminantes (essencialmente inorgânicos: metais pesados) são removidos por adsorção e/ou absorção nas raízes e penetram no interior das mesmas, sendo subsequentemente translocados no sistema vascular aéreo onde ficam acumulados, ou imobilizados, sem serem destruídos. Certas plantas, designadas por hiperacumuladoras com taxas de crescimento superiores a 3 ton/ha.ano (secas), têm a capacidade de absorver quantidades significativas de metais e metalóides, superiores a 1000 mg/Kg (base seca). Os metais facilmente biodisponíveis são: Cd, Ni, Zn, As, Se e Cu. Menos biodisponíveis são: Co, Mn, Fe, Pb, Cr e U.

Exemplo: descontaminação de solos contendo As e Cd, usando choupos ou álamos

Fitodegradação: é a destruição dos contaminantes orgânicos por mecanismos bioquímicos envolvendo a sua degradação no interior da planta (Ver Fig.7). Os contaminantes passam a barreira da rizosfera e depois são translocados no sistema vascular, onde são destruídos, como descrito anteriormente, por um ou mais mecanismos, tais como:

-degradação e mineralização por enzimas específicos da planta, com transformação a CO2 e H2O-assimilação directa dos contaminantes, ou de seus produtos intermédios de degradação, como tecido vegetal (co-metabolização)-lenhificação (i.e., ligação covalente às moléculas de lenhina do tecido vegetal).

Exemplo: descontaminação de aquíferos com TCE, explosivos e atrazina, usando alfalfa, ciprestes, álamos, choupos

Fitovolatilização: é a evaporação (volatilização) de contaminantes orgânicos e inorgânicos voláteis (Ver Fig. 8). Os contaminantes são removidos dos solos e águas através do sistema radicular e translocados vascularmente na parte aérea, onde são libertados para a atmosfera durante o processo de transpiração da planta através das folhas.

Exemplo: utilização de choupos e álamos para evaporar solventes organoclorados (TCE), e da planta do tabaco para fitovolatilizar metilmercúrio (CH3Hg)

10

Page 11: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

Figura 4

Figura 5

11

Page 12: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

Figura 6

Figura 7

12

Page 13: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

Figura 8

4-Aplicações

As técnicas de fitoremediação individuais descritas anteriormente podem aplicar-se em combinações mais ou menos complexas de modo a adequar-se a cada situação concreta no terreno. Na maior parte dos casos o objectivo principal é a imobilização e/ou então o controle hidráulico dum contaminante de modo a evitar a sua dispersão no solo ou nas águas subterrâneas.

O controle hidráulico é conseguido com a construção de cobertos vegetativos, corredores ripários e fito-ETARs; em qualquer dos casos controla-se o movimento de águas superficiais e subterrâneas e melhora-se a estabilidade física do solo de modo a evitar e erosão e desertificação. Para além da imobilização dos contaminantes no solo ou nas plantas, outro objectivo conseguido com a fitotecnologia é a remediação físico-química e bioquímica dum solo ou água contaminados, através da estabilização, acumulação, redução, degradação, metabolização e/ou mineralização de contaminantes específicos com vista a reduzir os riscos para o ecossistema e para a saúde pública. Nestas condições a aplicação das fitotecnologias não é mais do que a lógica e combinação científica das várias técnicas de fitoremediação individuais.

A utilização de cobertos vegetativos está ilustrada na Fig. 9. Numa primeira fase do processo aproveita-se a característica de canópia das plantas, i.e, capacidade de intercepção do coberto vegetal para evitar a infiltração excessiva da precipitação, e por conseguinte, a lixiviação vertical da pluma de contaminação local; numa segunda fase aproveita-se a capacidade de transpiração das plantas para remover a água infiltrada (e no processo, arrastar consigo os contaminantes existentes no solo). O

13

Page 14: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

Figura 9

mesmo coberto vegetal, desde que judiciosamente escolhido pode portanto, adicionalmente ao controle hidráulico, promover a remediação dos solos através das técnicas de rizodegradação, fitodegradação, fitovolatilização e fitoextracção. O princípio de funcionamento dos corredores ripários está ilustrado na Fig. 10. Quando colocadas as barreiras vegetais nas proximidades dum recurso hídrico (rio, lago, etc.), elas interceptam o fluxo superficial de contaminantes (escorrências eutrofizantes da agricultura, p.ex.) e actuam como uma barreira hidráulica (impedindo que este fluxo atinja a reserva de água) tanto pela simples interposição como pela capacidade de evapotranspiração. Analogamente ao caso dos cobertos vegetais, também por escolha adequada das espécies vegetativas esta barreira pode adicionalmente ter funções remediativas através dos processos de estabilização, acumulação, redução, degradação, metabolização e/ou mineralização dos contaminantes.

Figura 10

O funcionamento de uma fito-ETAR (de macrófitas imersas e emersas, p.ex.) está ilustrado na Figura 11. Nesta fitotecnologia a água contaminada (escorrências da

14

Page 15: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

agricultura, efluentes industriais, lixiviados de aterro, etc.) permeia através dum leito de areia ou brita, que suporta o meio vegetal filtrante e depurador; consoante existe ou não uma superfície livre líquida acima do solo assim se trata de meios emergentes ou imersos, respectivamente. Em qualquer dos casos a zona húmida de tratamento está impermeabilizada de modo a não haver contacto com as águas subterrâneas. Os mecanismos envolvidos neste processo de tratamento são os descritos nas várias técnicas de fitoremediação; para além disso usa-se a capacidade filtrante, ou de clarificação final, do efluente tratado. OBS: A designação portuguesa de fito-ETAR para este tipo de tecnologia não é única; também são usados os termos Zonas Húmidas Construídas (influência anglo-saxónica de Constructed Wetlands), Leitos ou Lagoas de Macrófitas, Fitolagunagem, etc.

Figura 11

.

As Tabelas 3, 4 e 5 resumem as características principais das várias fitotecnologias bem como das suas aplicações.

Tabela 3

15

Page 16: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

Tabela 4

16

Page 17: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

Tabela 5

17

Page 18: Fitotecnologia na remediação de solos contaminados

5- Bibliografia

Belz, Kelly E.(1997). “Phytoremediation ” , http://www.ce.vt.edu/enviro2/gwprimer/phyto/phyto.html

CPEO - Center for Public Environmental Oversight, http://www.cpeo.org/techtree/ttdescript/phytrem.htm

Dias, V. e Soutinho, E. (1999). “Fito-ETARs: uma tecnologia de bioremediação com futuro”. Águas & Resíduos, Ano IV (Julho), pp.20-28.

EPA 542-B-99-003 (1999). “Phytoremediation Resource Guide”, http://www.epa.gov/tio

EPA 542-F-98-001 (1998). “A Citizens Guide to Phytoremediation”, http://clu-in.org/products/citguide/phyto2.htm

EPA Status Report. “Phytoremediation of TCE in Groundwater using Populus”, http://clu-in.org/products/phytotce.htm

Frick, C.M., Farrel, R.E. and Germida, J.J. (1999). “Assessment of phytoremediation as an in-situ technique for cleaning oil-contaminated sites”. University of Saskatchewan, Can.

Goldsmith, Wendy. “Lead contaminated sediments prove susceptible to phytoremediation”, Soil and Groundwater Cleanup, http://www.sgcleanup.com/bio/goldsmith.html

Hazardous Substance Research Center, Kansas State University, http://www.engg.ksu.edu/HSRC/phytorem/

ITRC (1997). “ Emerging Technologies for the Remediation of Metals in Soils Phytoremediation”, Interstate Technology and Regulatory Cooperation Work Group, Metals in Soils Work Team, http://www.itrcweb.org.

ITRC (2001). “Phytotechnology technical and regulatory guidance document”. Interstate Technology and Regulatory Cooperation Work Group. http://www.itrcweb.org/common/content.asp?en=TA863827&sea=Yes&set=Both&sca=Yes&sct=Long

RTDF. Phytoremediation of Organics Team, Remediation Technologies Development Forum http://www.rtdf.org/public/phyto/default.htm

Schnoor, J.L., L.A. Licht, S.C. McCutcheon, N.L. Wolfe and L.H. Carriera (1997). “Phytoremediation”. Technology Evaluation Report TE-98-01. GWRTAC-Groundwater Remediation Technologies Analysis Center, Pitts, PA. http://www.gwrtac.org

SUSTANINABLE STRATEGIES. “What is Phytoremediation”, http://www.ecological-engineering.com/phytorem.html

18