Flertando Com o Inefável - Linguagem e Dialética Negativa Em Adorno1
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Universidade de Braslia UnB
Instituto de Cincias Humanas IH
FLERTANDO COM O INEFVEL: LINGUAGEM E DIALTICA
NEGATIVA EM ADORNO
Alan David dos Santos Trma
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Alan David dos Santos Trma
FLERTANDO COM O INEFVEL: LINGUAGEM E DIALTICA
NEGATIVA EM ADORNO
Monografia apresentada ao Departamento de
Filosofia da Universidade de Braslia como
requisito parcial para obteno de ttulo de
bacharel e licenciatura em filosofia.
Orientador: Prof. Dr. Erick Calheiros de Lima
Braslia DF
2015
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3
RESUMO
Em duplo feixe de correlaes, entre a tradio dialtica e a teoria crtica e materialista da
sociedade no sculo XX, nomeadamente a desenvolvida pelo Instituto para Pesquisa Social
(Institut fr Sozialforschung) de Frankfurt, dentre os vrios aspectos da reflexo filosfica
contempornea abrangidos pela obra de Theodor Wiesengrund Adorno (1903-1969),
trataremos acerca do premente tpico do mbito terico hodierno: a linguagem. Mais
especificamente, abordaremos o problema da autorrelao da linguagem a seus limites, no
apenas no que concerne a sua anlise lgico-formal, mas no que tange inter-relao dos
extremos entre a dizibilidade e a cognoscibilidade.
Palavras-chave: linguagem, dialtica negativa, epistemologia.
ABSTRACT
In dual beam correlations between the dialectical tradition and the critical and materialist
theory of society in the twentieth century, namely the developed by the Institute for Social
Research (Institut fr Sozialforschung) of Frankfurt, among the various aspects of
contemporary philosophical reflection covered by the work of Theodor Adorno Wiesengrund
(1903-1969), we will deal about the pressing topic of today's theoretical framework: language.
More specifically, we will discuss the problem of the self-relation of language to its limits,
not only with regard to its formal-logical analysis, but regarding the interrelation of the
extremes between discursiveness and acknowledgement.
Keywords: language, negative dialectics, epistemology.
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SUMRIO
1) Introduo ______________________________________________________________ 6
2) Desenvolvimento ________________________________________________________ 16
2.1) Hegel e a Crtica da Filosofia Moderna Do Conceito Preliminar da Cincia da Lgica 16
2.2) Dialtica e Linguagem em Hegel Do Prefcio e da Certeza Sensvel na Fenomenologia do Esprito ____________________________________________________________________ 25
2.3) Linguagem e a Crtica do Racionalismo Ocidental Do Conceito de Esclarecimento na Dialtica do Esclarecimento ______________________________________________________ 31
2.4) A Linguagem como Modelo Do captulo Conceitos e Categorias na Dialtica Negativa _____________________________________________________________________________ 35
3) Concluso _____________________________________________________________ 52
4) Bibliografia ____________________________________________________________ 63
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5
Uma palavra bem sabes:
um cadver.
Vamos lav-lo,
vamos pente-lo,
vamos voltar-lhe os olhos
para o cu.
Paul Celan
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6
1) Introduo
Adorno accepted a Marxist social analysis and used Marxist categories in
criticizing the geistige products of bourgeois society. But the whole of his
theoretical effort was to continue to interpret the world, whereas the point had
been to change it. (BUCK-MORSS, 1977, p. 42)1.
Em duplo feixe de correlaes, entre a tradio dialtica e a teoria crtica e materialista
da sociedade no sculo XX, nomeadamente a desenvolvida pelo Instituto para Pesquisa Social
(Institut fr Sozialforschung) de Frankfurt, dentre os vrios aspectos da reflexo filosfica
contempornea abrangidos pela obra de Theodor Wiesengrund Adorno (1903-1969),
trataremos acerca do premente tpico do mbito terico hodierno: a linguagem. Mais
especificamente, abordaremos o problema da autorrelao da linguagem a seus limites, no
apenas no que concerne a sua anlise lgico-formal, mas no que tange inter-relao dos
extremos entre a dizibilidade e a cognoscibilidade.
O glido e rido deserto conceitual traado neste presente trabalho divisa-se em quatro
momentos de desenvolvimento. Em um primeiro momento, tratamos, atravs da interpretao
do Conceito Preliminar (Vorbegriff) da Cincia da Lgica, presente na Enciclopdia (1831),
da crtica perpetrada pela dialtica hegeliana epistemologia moderna, segundo suas
tendncias mentalistas e empiristas. A partir disso, em um segundo momento, colocamos
ateno naquilo que na Fenomenologia do Esprito (1807), no Prefcio e no captulo sobre a
Certeza Sensvel, pode se considerar no pensamento especulativo hegeliano atravs da
tematizao da linguagem e da ideia da mediao lingustica da cognio.
Em um terceiro momento, aps esse prembulo percorrido por intermdio do
idealismo hegeliano, nos voltamos para a teoria crtica na Dialtica do Esclarecimento
(1947), obra de Adorno em parceria com Max Horkheimer (1895-1973), com o fito de
perceber o papel da linguagem na crtica compulso pelo idntico no pensamento ocidental.
Com o fechamento poltico da Alemanha, sob o signo brbaro do nacional-socialismo
em 1933, o Instituto fundado em 1923 por Felix Weil teve de se mudar de Frankfurt
sucessivamente para Genebra, Paris, e por ltimo para Nova York (ADORNO, 1980, p. 6;
1 Adorno aceitou uma anlise social marxista e usou categorias marxistas ao criticar os produtos espirituais
[geistige] da sociedade burguesa. Mas o todo de seu esforo terico era para continuar a interpretar o mundo,
enquanto que o ponto tinha sido o de mud-lo. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa).
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7
BUCK-MORSS, 1977, p. 10)2. Nesse entremeio, de muito pesar, um fato marca a vivacidade
intelectual dos colaboradores: o suicdio de Walter Benjamin em 1940, cuja obra foi de
importncia crucial para os desdobramentos filosficos da teoria crtica, principalmente em
suas teses sobre filosofia da histria, um dos seus ltimos escritos, que claramente
influenciaram na composio da Dialektik der Aufklrung, considerada um ponto de virada
em relao descrio marxiana da histria como luta de classes por apresentar, entretanto, o
processo de esclarecimento como a razo em sua dialtica histrica (BUCK-MORSS, 1977, p.
59).
For Dialektik der Aufklrung was not a radical departure from Adornos
earlier methodology. It could in fact be seen as a concrete working out of
the idea of natural history which he outlined in his 1932 speech [Die
Idee der Naturgeschichte]. In the book the moments of dynamic history
and static myth were juxtaposed in order to give critical meaning to the
present: reason was criticized as myth, while historical progress was
seen as as the return of the ever-identical (Immergleiche) because of the
violence which it did to material first nature; the most recent history
(mass culture and anti-Semitism) was exposed as archaic barbarism,
while the arcaic, the epic poem of the Odyssey, was read as an expression
of the most modern, with Odysseus the prototype of the bourgeois
individual. (BUCK-MORSS, 1977, p. 59, entre chaves acrscimo
nosso)3.
2 Quando finalmente em 1941 Adorno decidiu aceitar o convite de Horkheimer a se juntar ao Instituto, e comear
a trabalharem em parceria na Califrnia, os planos eram de concretizarem juntos um longo ensaio com uma nova
dialtica de forma aberta, o que se postergou por conta do choque com os horrores de Auschwitz e Hiroshima,
tendo como resposta a Dialtica do Esclarecimento. Tal intento foi concretizado depois, apenas por Adorno, em
1966, com a Dialtica Negativa. Dialektik der Aufklrung was in a sense a preliminary study for Negative Dialektik, as a comprehensive analysis of the history of the Enlightenment and how it had run amok: one had to
know what had gone wrong with reason in order to redeem it. (BUCK-MORSS, 1977, p. 59, p. 68, p. 237, nota 39). Dialektik der Aufklrung foi em certo sentido um estudo preliminar para a Negative Dialektik, como uma anlise compreensiva da histria do esclarecimento e de como ela se descontrolou: tinha-se que saber o que
houve de errado com a razo de modo a redimi-la. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa). 3 Pois, a Dialektik der Aufklrung no foi um abandono radical da metodologia inicial de Adorno. Ela poderia,
de fato, ser vista como um desenvolvimento concreto da ideia de histria natural que ele delineou em seu discurso de 1932 [Die Idee der Naturgeschichte A ideia da histria natural]. No livro, os momentos da dinmica histrica e mito esttico foram justapostos de modo a dar significado crtico ao presente: a razo foi
criticada como mito, enquanto progresso histrico foi visto como o retorno do sempre-idntico (Immergleiche), por causa da violncia que ele fez primeira natureza material; a histria mais recente (cultura de massas e anti-semitismo) foi exposta como barbarismo arcaico, enquanto o arcaico, o poema pico da
Odisseia, foi lido como uma expresso do mais moderno, com Odisseu como o prottipo do indivduo
burgus. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa).
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8
Em um quarto e ltimo momento, nos detemos no captulo Conceitos e Categorias
da Dialtica Negativa (1966), considerada o cerne dos desenvolvimentos tericos de Adorno
(BERNSTEIN apud HUHN, 2004, p.19), a fim de propormos uma interpretao da ideia de
linguagem como modelo de expresso da no-identidade, o que nos levar atravs de uma
concepo dialtica de linguagem ao problema filosfico e esttico da inefabilidade.
Como sintoma da decadncia da era burguesa, Adorno vira na perda da viso da
totalidade - tema lukcsiano que destacava a decorrncia dos processos de modernizao e de
secularizao das sociedades modernas e que, do ponto de vista de uma crtica esttica, se
apresentava no incio do sculo XX nas vanguardas artsticas europias, ou nas crises cultural
e econmica -, a necessidade de uma reformulao do paradigma terico e das categorias a
empregadas, a urgncia de uma lgica que insuflasse e dissolvesse por dentro o idealismo
burgus: o que, para uma era em runas, desde os anos trinta j chamava de uma lgica da
desintegrao (BUCK-MORSS, 1977, p. 63-64) 4. Assim, sem distino entre teoria e
mtodo no sendo este apenas uma lista de regras a serem seguidas -, bem como
preconizava Hegel, o surgimento dessa refuncionalizao (umfunktioniert)5 das categorias no
mbito filosfico apenas se daria na prpria atividade e desenvolvimento filosficos. Desde
sua aula inaugural, Die Aktualitt der Philosophie (1931), j aparece claramente a inteno do
programa filosfico que parte de uma lgica da desintegrao, dessa poca, a uma dialtica
negativa, posterior; em que tanto a influncia de Benjamin como a interao com
Horkheimer e o Instituto so cruciais (BUCK-MORSS, 1977, p. 69). Ao lado desses
conceitos, atualizados em suas potencialidades no decorrer da carreira de Adorno,
desenvolve-se o conceito de no-identidade, fruto da recusa sntese hegeliana entre sujeito e
objeto e de sua crtica ao idealismo burgus que via surgir como tentativa de recuperao do
sentido da totalidade social na teoria, que, dentre outros, transparecia em Kierkegaard,
Husserl (BUCK-MORSS, 1977, p. 64) e Heidegger6.
4 The origins of negative dialectics are therefore to be found in Benjamins early works and the intellectual
dialogue between him and Adorno, which began in 1929 when they formulated a common program at
Knigstein, and which bore fruit in Adornos writings during the early thirties. An analysis of these origins
provides a key to Adornos philosophy, even in its later, mature form. (BUCK-MORSS, 1977, p. 64-65). As origens da dialtica negativa so, assim, a serem encontradas nos primeiros trabalhos de Benjamin e no dilogo intelectual entre ele e Adorno, que comeou em 1929 quando eles formularam um programa comum em
Knigstein, e que deu frutos nos escritos de Adorno durante o princpio dos anos trinta. Uma anlise dessas
origens prov uma chave para a filosofia de Adorno, mesmo em sua forma posterior e madura. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa). 5 Para usar um termo tomado por Adorno de emprstimo a Brecht (BUCK-MORSS, 1977, p. 64).
6 In a 1957 essay, Identitt und Differenz, Heidegger reviewed the history of identity theory in Western
philosophy, noting that in its evolution it took on several distinct forms. These included, on the level of
cognition, that concept and thing are the same (or the thing is a case of its concept): the ontological form, that a
thing remains identical with itself (the problem of essence and appearance); the logical form A=A (the identity of
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9
Crucial to negative dialectics was not only the objects nonidentity
with itself, but its nonidentity with the knowing subject, the mind and its logical
processes. In Adornos inaugural lecture, this level of nonidentity found
expression in the term unintentional truth, and Adornos choice of words was
not without significance. At the time, Horkheimer and his colleagues at the
Institute were also insisting that subject and object were not identical. [] If the
Institutes Ideologiekritik essays exposed the untruth of identity (of the
Hegelian claim that the real was rational), Adorno was stating the converse as
well: nonidentity was the locus of truth. (BUCK-MORSS, 1977, p. 77. Cf. p.
245, nota 111)7.
O prprio Benjamin, antes de sua adeso ao materialismo histrico de cunho
marxiano, em sua obra Origem do Drama Barroco Alemo (Ursprung des deutschen
Trauerspiels) de 1927, j tinha como central a ideia de uma no-intencionalidade. Seu
argumento criticava a chamada doutrina da intencionalidade que, originria da obra do
escolstico medieval Duns Scotus, ganhou vida novamente pelas mos de Franz Brentano
(1838-1917), neo-kantiano que lecionava em Viena, e de seu pupilo Edmund Husserl (1858-
1938), integrada em sua fenomenologia. Seu intento era distinguir objetos empricos de
objetos intencionais, existentes no ato de pensamento sobre eles. Desse modo, podia-se evitar
o mbito contingente dos objetos empricos, justamente o mbito considerado crucial para
Adorno e Benjamin (BUCK-MORSS, 1977, p. 77). O que os diferenciava em seu
procedimento metodolgico daquele comum s cincias humanas ou do esprito
(Geisteswissenschaft) burguesas era sua considerao de que os phenomena tinham vida
a concept with itself; contradiction seen as error); and the metaphysical level (God is identical with the world;
reason is one with reality). Adorno reversed all these assumptions, and [] these reversals were already implicit in his 1931 program for philosophy. (BUCK-MORSS, 1977, p. 238, nota 48). Em um ensaio de 1957, Identitt und Differenz, Heidegger revisou a histria da teoria da identidade na filosofia ocidental, notando que em sua evoluo ela assumiu vrias formas distintas. Estas incluam, no nvel da cognio, que conceito e coisa
so o mesmo (ou a coisa um caso de seu conceito): a forma ontolgica, que uma coisa permanece idntica
consigo mesma (o problema da essncia e aparncia); a forma lgica A=A (a identidade de um conceito consigo
mesmo; contradio vista como erro); e o nvel metafsico (Deus idntico com o mundo; razo uma com a
realidade). Adorno reverteu todas essas hipteses, e [...] essas reverses j estavam implcitas em seu programa
de 1931 para a filosofia. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa). 7 Crucial dialtica negativa no era apenas a no-identidade do objeto consigo mesmo, mas sua no-
identidade com o sujeito cognoscente, a mente e seus processos lgicos. Na aula inaugural de Adorno, esse nvel
da no-identidade encontrou expresso no termo verdade no-intencional, e a escolha das palavras de Adorno no era sem significncia. Naquele tempo, Horkheimer e seus colegas no Instituto estavam tambm insistindo
que o sujeito e o objeto no eram idnticos. [...] Se os ensaios de Ideologiekritik do Instituto expunham a no-
verdade da identidade (da reivindicao hegeliana de que o real era racional), Adorno estava do mesmo modo
declarando o contrrio: a no-identidade seria o locus da verdade. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa).
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10
prpria, uma obra de arte, por exemplo, determinada pela objetividade histrica, poderia
assim como nascer, morrer; porm, ao invs de identificar a natureza em sua alteridade com o
sujeito, o intuito era de preservar a no-identidade, o objeto em sua estranheza o que
Benjamin chamou de aura (BUCK-MORSS, 1977, p. 78. Cf. p. 245, notas 119, 120).
Adorno, por sua vez, encontrou na obra de Wilhelm Dilthey (1833-1911) a mais consciente
articulao sobre e, assim como a sua, a preocupao com os fenmenos objetos culturais,
por exemplo, documentos, textos, obras de arte - em sua configurao concreta, e
historicamente particular, portadora do que uma poca especfica lhe imputou (BUCK-
MORSS, 1977, p. 78).
But despite the fact that Adornos negative dialectics was clearly a
hermeneutic procedure, it diverged radically from Diltheys hermeneutics, and
the notion of unintentionality provides the key to that difference: Dilthey
treated geistige phenomena as psychological expressions; his aim in interpreting
them was to recapture the original subjective meaning, the original intention
behind the written word or other form of cultural expression. In contrast,
Adorno wanted to know what the cultural objects were saying despite their
creators intent: ascribed to the basic assumptions of philosophical
interpretation was construction out of small, unintentional elements (Adorno,
Die Aktualitt der Philosophie, 1931, GS 1, p. 336) within geistige
phenomena. For Dilthey, it was the artist which hermeneutics tried to
understand; for Adorno it was the artwork. (BUCK-MORSS, 1977, p. 78-79)8.
Dessa maneira, a visada do procedimento adorniano consiste em transformar a
considerao do particular concreto como a fonte da verdade no-intencional para o papel do
sujeito em interpret-la.
[...] like Husserl, when faced with the merely given world, Adorno
returned to the subject as the source of knowledge, but not at the cost of giving
8 Mas, a despeito do fato de que a dialtica negativa de Adorno ser claramente um procedimento hermenutico,
ela se divergiu radicalmente da hermenutica de Dilthey, e a noo de no-intencionalidade prov a chave para essa diferena: Dilthey tratou os fenmenos espirituais [geistige] como expresses psicolgicas; sua meta ao
interpret-los era recapturar o significado subjetivo original, a inteno original por trs da palavra escrita ou
outra forma de expresso cultural. Em contraste, Adorno desejava saber o que os objetos culturais estavam
dizendo a despeito do intento de seu criador: atribuda s hipteses bsicas da interpretao filosfica estava a reconstruo dos elementos pequenos e no-intencionais (op. cit.) internos aos fenmenos espirituais [geistige]. Para Dilthey, era o artista o que a hermenutica tentava entender; para Adorno era a obra de arte. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa).
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11
up the nonidentity between subject and object. Instead, he saw them as
necessary codeterminates: neither mind nor matter could dominate the other as a
philosophical first principle. Truth resided in the object, but it did not lie ready
at hand; the material object needed the rational subject in order to release the
truth which it contained. (BUCK-MORSS, 1977, p. 81)9.
Em contraposio a Lukcs, Adorno rejeitava a ideia de um sujeito coletivo e,
principalmente a ideia de um proletariado guiado por uma elite supra-individual regressiva, o
Partido. Por isso, sua no adeso ao Partido Comunista e sua averso a basear sua teoria no
conceito ou na realidade da classe proletria, mas sim base-la em sua reviso crtica do
conceito de experincia.
In History and Class Consciousness Lukcs had argued: The
individual can never become the measure of all things Only the class can
relate to the whole of reality in a practical revolutionary way. But for Adorno,
the point was still to interpret the world not as a substitute, but as a
precondition for change, and as a preventative against false praxis. In his
dialectical, materialist theory the Marxian conception of class consciousness
as a political experience was lacking, and in its place Adorno developed a
conception of individual consciousness as the subject of cognitive experience.
On this point Adorno was really falling back not only Marx but Hegel (whose
absolute Geist was the quintessence of collective subjectivity) and returning to
Kant. (BUCK-MORSS, 1977, p. 82)10.
Mesmo assim, a universalidade do sujeito transcendental kantiano revela uma
estrutura abstrata como o princpio de troca das mercadorias: uma individualidade meramente
formal, a despeito das particularidades de cada indivduo em sua historicidade. Para Adorno,
9 [...] como Husserl, quando em face do mundo meramente dado, Adorno retornou ao sujeito como fonte do
conhecimento, mas no ao custo de desistir da no-identidade entre sujeito e objeto. Em vez disso, ele os viu
como codeterminados necessrios: nem a mente nem a matria poderiam dominar o outro como primeiro
princpio filosfico. A verdade residiria no objeto, mas no estaria pronta mo; o objeto material precisaria do
sujeito racional de modo a liberar a verdade nele contida. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa). 10
Em Histria e Conscincia de Classe, Lukcs havia argumentado: O indivduo nunca pode se tornar a medida de todas as coisas... Apenas a classe pode se referir ao todo da realidade em sentido prtico
revolucionrio. Mas para Adorno, o ponto era ainda interpretar o mundo no como um substituto, mas como uma pr-condio para a mudana, e como um preventivo contra a falsa prxis. Em sua teoria dialtica e materialista, a concepo marxiana de conscincia de classe como uma experincia poltica estava faltando, e em seu lugar Adorno desenvolveu uma concepo de conscincia individual como o sujeito da experincia
cognitiva. Nesse ponto, Adorno estava realmente recaindo para trs, no apenas de Marx, mas de Hegel (cujo
Esprito [Geist] absoluto era a quintessncia da subjetividade coletiva) e retornando a Kant. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa).
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12
o processo cognitivo do sujeito atravs da experincia filosfica no apenas visa tomar
conscincia do sofrimento humano, mas tambm chegar concluso de que o prprio ato
cognitivo constitudo por um elemento somtico (BUCK-MORSS, 1977, p. 83).
In short, instead of judging the correctness of consciousness by its identity with
the interests of the proletariat (Lukcss imputed class consciousness), Adorno
had as his criterion the individual subjects nonidentity with the world, the
object of his reflection, in its present given form. In the Marxian concept of
class consciousness, cognition meant knowledge of ones own socioeconomic
position and consequent historical role, but in negative dialectics cognitive
experience meant something quite different: it was in fact synonymous with
intellectual nonconformity. (BUCK-MORSS, 1977, p. 84)11.
Esse conceito12, de acordo com sua lgica interna, poderia levar a que apenas uma
minoria conseguisse atingi-lo, e de fato Adorno consentia a consequncia de uma experincia
intelectual privilegiada. Diante do questionamento sobre quem seria hbil a fazer parte de
tal vanguarda, Adorno poderia ignorar tal questo j que de seu conceito de experincia no
decorre uma teoria da intersubjetividade13, porquanto para ele verdade no dependeria do
11
Em resumo, em vez de julgar a correo da conscincia por sua identidade com os interesses do proletariado (a conscincia de classe imputada de Lukcs), Adorno tinha como seu critrio a no-identidade do sujeito individual com o mundo, o objeto de sua reflexo, em sua forma presente dada. No conceito marxiano de conscincia de classe, a cognio significava o conhecimento de algum de sua prpria posio socioeconmica
e consequente papel histrico, mas na dialtica negativa a experincia cognitiva significava algo bem diferente:
era de fato sinnima no-conformidade intelectual. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa). 12
The corollary, of course, was its definition of false consciousness as conformism (Anpassung), a concept central to Adornos critique of mass culture. (BUCK-MORSS, 1977, p. 249, nota 24). O corolrio, com certeza, era sua definio de conscincia falsa como conformismo (Anpassung), um conceito central crtica de Adorno cultura de massas. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa). 13
But the dimension of intersubjectivity was fundamental to the social (as opposed to purely cognitive) nature of the dialectic, both in its Hegelian form (the master-slave dialectic) and the Marxian form of class struggle. It
was in fact the hinge between cognition and the real transformation of society. Habermass recent theory of social interaction and his conception of utopia in terms of a truly democratic consensus achieved through
undistorted communication can be seen as an attempt to remedy this gap in Adornos theory. At the same time, like Adorno, Habermas holds on to the individuality of the subject consensus is to be reached by a dialogue between equals, not by the dictates of ruling class or Communist Party. (See Jrgen Habermas, Knnen komplexe Gesellschaften eine vernnftige Identitt ausbilden? in idem and Dieter Henrich, Zwei Reden: Aus Anlass des Hegel-Preises [Frankfurt am Main: Suhrkamp, Verlag, 1974]). (BUCK-MORSS, 1977, p. 250, nota 33). Mas, a dimenso da intersubjetividade era fundamental para a natureza social (como oposta puramente cognitiva) da dialtica, ambas em sua forma hegeliana (a dialtica do senhor-escravo) e na forma marxiana da
luta de classes. Era, de fato, a dobradia entre a cognio e a transformao real da sociedade. A recente teoria
de interao social de Habermas e sua concepo de utopia em termos de um verdadeiro consenso democrtico
atingido atravs de comunicao no-distorcida pode ser vista como uma tentativa de remediar essa fissura na teoria de Adorno. Ao mesmo tempo, como Adorno, Habermas firma-se individualidade do sujeito o consenso para ser atingido por um dilogo entre iguais, no pelos ditames de uma classe dominante ou Partido
Comunista. (op. cit.). (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa).
-
13
consenso subjetivo, ou da universalidade do sujeito, mas da unidade estrutural da objetividade
que traa paralelo direto com a configurao objetiva da mercadoria (BUCK-MORSS,
1977, p. 84-85).
De outro lado, Adorno reconhecia que o sujeito em Kant tinha como uma de suas
principais marcas a sua espontaneidade, a saber, uma ativa participao na experincia
cognitiva. Enquanto Kant atribua ao sujeito o papel ativo de pr-moldar a priori em sua
receptividade os objetos atravs das categorias do entendimento, Adorno, com seu intento de
uma virada axial da revoluo copernicana, quer instituir o primado do objeto, j que, no o
sujeito, mas a estrutura histrica e materialmente desenvolvida da sociedade que tem
prevalncia, inclusive o que torna possvel a prpria concepo moderna de Kant das
categorias da conscincia em sua reificao (BUCK-MORSS, 1977, p. 85).
Whereas Hegel, also arguing against Kant that the subject needed to immerse
itself in the object, claimed the structure of reality was ultimately identical to
rational subjectivity, Adorno considered the object simply not rational, although
it was rationally understandable. But only a dialectical logic could grasp the
inner contradictions of phenomena which reproduced in microcosm the
dynamics of the contradictory social whole. Marx stated in his critique of
Hegels Rechtsphilosophie that philosophy was not a matter of logic (Sache
der Logik), but the logic of the matter (Logik der Sache), and Adorno
incorporated this phrase into his own vocabulary. (BUCK-MORSS, 1977, p.
86)14
.
Em seu programa filosfico Adorno desejava, pois, resgatar a noo de uma ars
inveniendi, arte da inveno e descoberta, que o idealismo e autores anteriores rejeitaram,
tendo como seu a fantasia15, faculdade ativa do sujeito cognoscente em permanncia
14
Enquanto Hegel, tambm argumentando contra Kant que o sujeito precisava imergir a si mesmo no objeto, reivindicou que a estrutura da realidade era em ltima instncia idntica subjetividade racional, Adorno
considerou o objeto simplesmente no-racional, embora fosse racionalmente inteligvel. Mas, somente uma
lgica dialtica poderia apreender as contradies internas dos fenmenos que reproduziram no microcosmo a
dinmica do todo social contraditrio. Marx declarou em sua crtica Rechtsphilosophie de Hegel que a filosofia
no era uma matria da lgica (Sache der Logik), mas a lgica da matria (Logik der Sache), e Adorno incorporou essa frase em seu prprio vocabulrio. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa). 15
The term fantasy had recently been revived in philosophical parlance by Husserl, whose phenomenological method granted fantasy objects (the mermaids and unicorns) the same philosophical dignity as empirical phenomena. Adornos meaning was quite different. Indeed, he claimed even fiction could not bracket out empirical reality. (BUCK-MORSS, 1977, p. 251, nota 41). O termo fantasia foi recentemente revivido no linguajar filosfico por Husserl, cujo mtodo fenomenolgico concedeu aos objetos da fantasia (sereias e unicrnios) a mesma dignidade filosfica que os fenmenos empricos. O significado de Adorno era bem
-
14
rente aos elementos materiais da experincia emprica, rearranjados interpretativamente pelo
que Adorno concebeu como uma lgica da matria (BUCK-MORSS, 1977, p. 86); imerso
nos objetos o sujeito no os deixa inalterados, em vez de os duplicar atravs do pensamento,
de os transportar (como uma mercadoria ao mercado) a mediao da linguagem os
transforma, trazendo-os tona da matria s palavras. nesse nterim que aparece nos
escritos de Adorno o conceito de mimese, atividade mimtica, que em Benjamin surge atravs
de seus escritos sobre traduo e em Adorno na sua anlise sobre a reproduo musical. Na
Dialektik der Aufklrung, os autores resgatam o conceito de mimese dos momentos primevos
da magia e da xamnica imitao da natureza (BUCK-MORSS, 1977, p. 87). Benjamin, em
um ensaio de seus incios intitulado ber das mimetische Vermgen, considerou o
desenvolvimento lingustico como um nvel avanado de tal capacidade, sendo as palavras
imitao da natureza como correspondncia e similaridade no-representacional (unsinnliche
hnlichkeiten). O carter de transformao do momento mimtico abre para a verdade, no
intuito de chamar as coisas por seus prprios nomes (BUCK-MORSS, 1977, p. 87-88. Cf. p.
252, nota 57).
The name paid attention to the objects nonidentity by identifying it as
particular and unique; it imitated nature, whereas the concept subordinated it.
Where Benjamin had lamented the inadequacy of human language compared
with the paradisical name, Adorno agreed, yet in keeping with his own
negative theology he argued that the nonidentity implied in that inadequacy
was necessary to maintain the critical tension between subject and object upon
which the hope for utopia depended [](BUCK-MORSS, 1977, p. 90)16.
De outro lado, a filosofia no pode passar sem o momento conceitual, apesar do
conceito no poder atingir a particularidade almejada. As representaes de verdade para a
filosofia adorniana se do atravs das conjunes de conceitos: as constelaes (BUCK-
MORSS, 1977, p. 90). O uso do termo se d filosoficamente no perodo pr-marxiano,
mstico e teolgico, em que se insere a obra Ursprung des deutschen Trauerspiels. Benjamin,
diferente. De fato, ele reivindicou que mesmo a fico no poderia colocar em parnteses a realidade emprica. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa). 16
O nome prestava ateno no-identidade do objeto por identific-lo como particular e nico; ele imitava a natureza, enquanto que o conceito a subordinava. Onde Benjamin tinha lamentado a inadequao da linguagem
humana comparada com o nome paradisaco, Adorno concordava, j levando em conta sua prpria teologia
negativa, argumentando que a no-identidade implicada em tal inadequao era necessria para manter a tenso crtica entre sujeito e objeto, do que a esperana de utopia dependia. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa).
-
15
em sua inverso da teoria platnica aliada a sua reviso da obra kantiana, toma os elementos
fenomnicos como absolutos e as ideias, e mesmo a verdade, como transientes e
historicamente determinadas decorre da seu interesse direto para Adorno, para a dialtica e
o materialismo, que faro parte da obra benjaminiana logo depois (BUCK-MORSS, 1977, p.
90-93). Para Adorno, a inteno de redimir os elementos do passado, diversamente de
Benjamin nesse perodo teolgico, tem o sentido dialtico do intraduzvel conceito hegeliano
de Aufhebung, que quer ao mesmo tempo tanto a preservao como a negao, ou seja,
forar a histria coagulada do uso filosfico contra si mesma, em crtica imanente da tradio
conceitual para a sua liquidao. Diferente de seu uso por Benjamin, no programa filosfico
ao nvel da experincia cognitiva traado por Adorno desde 1931, conhecimento como cincia
(Wissenschaft) teria a tarefa da coleta atravs da pesquisa e da conceitualizao dos dados, e
a filosofia, sua interpretao, representao veritativa atravs das constelaes de ideias scio-
historicamente determinadas (BUCK-MORSS, 1977, p. 94-95).
Sendo assim, a seguir buscaremos dispor, de maneira um pouco mais pormenorizada,
na medida de nosso possvel, e em contato direto com as obras referentes a cada um dos
momentos, acerca do tema proposto.
-
16
2) Desenvolvimento
2.1) Hegel e a Crtica da Filosofia Moderna Do Conceito Preliminar da Cincia
da Lgica
Dentre os dois trabalhos que se encaixam na Cincia da Lgica de Hegel, a menor de
suas verses o primeiro volume da Enciclopdia das Cincias Filosficas (1817), que
continuou a ser desenvolvido durante suas duas subsequentes edies 1827 e 1830
(BURBIDGE, 1993, p.86). Neste, em seu Conceito Preliminar (Vorbegriff), Hegel vem a
explicitar a Lgica como a cincia da ideia pura, da ideia no elemento abstrato de pensar,
sendo que sua determinao extrada da viso geral do todo. A Lgica, assim, a cincia
das determinaes e leis do pensar, constituindo somente a determinidade universal e o
elemento no qual est a ideia enquanto lgica, o pensar como totalidade em desenvolvimento,
diferente do pensar meramente formal (HEGEL, 1995, p. 65-66).
A necessidade e a carncia de compreender a Lgica em seu sentido mais profundo do
que o de cincia do pensar puramente formal, impulsionar-se para alm do pensamento
abstrato, ocasionada pelo interesse da tessitura dos mundos da vida, da religio, do direito,
do Estado, que na sociedade moderna burguesa foram comprometidos em suas relaes
superiores, tendo sido a eticidade cindida em seus extremos - a tendncia do pensamento foi
destruir a religio e o Estado, em decorrncia do exame nos tempos modernos sobre a
natureza do pensar e sobre sua legitimao (HEGEL, 1995, p. 68-69).
Em sua significao mais prxima, o pensar tem uma significao subjetiva, como
uma das faculdades espirituais, ao lado de outras. A determinidade, ou forma do pensamento,
o universal, o abstrato em geral, o produto do pensar, que, representado como sujeito, o Eu,
referente aos fatos da conscincia, requer uma cultura da ateno e da abstrao (HEGEL,
1995, p. 69-70). Dessa maneira, Hegel diferencia o pensar do sensvel e do representar. Com
relao ao primeiro, sua origem externa tomada por explicao; suas determinaes, que so
pensamento e universais, so as da singularidade, caractersticas do ser fora-de-um-outro: ser-
ao-lado-de-um-outro, no espao e ser-ao-lado- e depois-de-um-outro, no tempo (HEGEL,
1995, p. 70). O segundo tem tal matria sensvel - na determinao do meu, da
universalidade, da relao-a-si, da simplicidade - por contedo, bem como a matria
originria do pensar consciente-de-si, como as representaes do jurdico, tico, religioso e do
pensar mesmo, pois estes no se situam no sensvel do espao, so espirituais, isolados (so
simples) na universalidade interior, abstrata, no representar em geral (HEGEL, 1995, p. 70-
-
17
71). A representao, pois, em espao indeterminado, uma ao lado da outra, difere-se do
entendimento, porquanto este s opera por relaes de universal e particular, como causa,
efeito, etc. Aquela tambm diferencia-se do pensamento: destacando-se aqui a tarefa da
filosofia, que transforma representaes em pensamentos e pensamentos simples em
conceitos. O pensamento e o universal so mostrados na Lgica: ele mesmo e seu Outro,
apodera-se desse Outro e nada lhe escapa (HEGEL, 1995, p. 71).
Enquanto a linguagem a obra do pensamento, tambm nela nada se
pode dizer que no seja universal. O que eu apenas viso meu [meine/mein],
pertence-me enquanto a este indivduo particular; mas, se a linguagem s
expressa o universal, eu no posso dizer o que apenas viso. E o indizvel [das
Unsagbare] sentimento, sensao no o mais excelente, o mais verdadeiro;
e sim o mais insignificante, o mais inverdico. (HEGEL, 1995, p. 71, entre
chaves nosso).
Assim, Hegel, retificando a assero kantiana de que o Eu deve poder acompanhar
todas as representaes do sujeito, assevera que o pensamento que est em toda parte
presente e atravessa como categoria todas as determinaes, como sensao, representao,
etc. (HEGEL, 1995, p. 72). De outro lado, na Refutao do Idealismo, situada no Livro
segundo da Analtica Transcendental (KANT, 1999, p. 192), mostra-se a interdependncia
que tm os processos cognitivos e os processos somticos, de certo modo, o carter
materialista que ser emblema da dialtica para Adorno. Kant esclarece que, por um lado, o
idealismo material uma teoria que declara a existncia dos objetos no espao fora de ns
como duvidosa, dando como exemplo o idealismo problemtico de Descartes: tendo apenas o
eu sou, essa afirmao, assertio, emprica, como indubitvel; ou seja, as coisas externas s
podem ser provadas quando se puder provar que mesmo nossa experincia interna somente
possvel pressupondo-se uma externa. O jogo do idealismo volta-se contra si mesmo, pelo que
a partir da experincia imediata interna, nica, apenas inferimos as coisas externas, como a
partir de efeitos dados se infere causas determinadas. O que fica a provado que a
experincia externa propriamente imediata. A representao eu sou a conscincia que pode
acompanhar todo o pensamento, o que contm imediatamente em si a existncia de um
sujeito, mas ainda nenhum conhecimento dele, pois necessria a intuio em que so
exigidos os objetos externos, nem tambm algum conhecimento emprico, experincia, pois
para a experincia interna necessria a externa (KANT, 1999, p. 193-194). A conscincia
-
18
de mim mesmo na representao Eu no uma intuio, mas uma representao meramente
intelectual da espontaneidade de um sujeito pensante. (KANT, 1999, p. 194).
O pensar ativo em relao a objetos, em reflexo sobre algo; o universal
considerado enquanto produto dessa atividade, contendo o valor da Coisa: o essencial,
interior, verdadeiro, que no se encontra imediatamente na conscincia, pois necessria a
reflexo (HEGEL, 1995, p. 73). Esta, a reflexo, j proposta criana nas relaes morais,
presentes nos universais do direito, do dever; por seu turno, a regra um universal, por
exemplo, a regra gramatical, a que se deve atentar quando de sua aplicao (HEGEL, 1995, p.
74). Nos fenmenos naturais, o universal do pensamento est presente em causa e efeito, nas
leis dos movimentos dos corpos celestes, o que se diferencia do sensvel, do singular, a
multiplicidade qual preciso levar unidade, pautada na f em um universal que impera
(HEGEL, 1995, p. 75).
Por meio de uma reelaborao do imediato ao substancial, uma alterao - a reflexo -
, que a verdadeira natureza do objeto chega conscincia (HEGEL, 1995, p. 75). Nos
tempos modernos, notadamente com a filosofia crtica, chegou-se concluso de que o limite
do pensamento seria o Em-si das coisas, um conhecimento subjetivo que incorre em
desespero. Em contraposio a isso, em Hegel, o pensar se mostra como a verdade do objetivo
(HEGEL, 1995, p. 76). Na reflexo vem luz a verdadeira natureza, e esse pensar, segundo o
contedo, o verdadeiro quando absorto na Coisa; segundo a forma a conscincia como Eu
abstrato, s efetua o universal, sendo idntica com todos os indivduos (HEGEL, 1995, p. 76-
77).
Em vez de utilizar a expresso pensamento, pois melhor, para evitar
mal-entendido, dizer determinao de pensamento. O lgico, em
consequncia do [exposto] at agora, deve ser pesquisado como um sistema de
determinaes-de-pensamento em geral, em que desaparece a oposio entre
subjetivo e objetivo (em seu sentido habitual). (HEGEL, 1995, p. 78).
O pensar , pois, a substncia das coisas exteriores, a substncia universal do
espiritual, o universal em todas as representaes, lembranas, etc. - que so especificaes
ulteriores do pensar -, o verdadeiramente universal de todo ser natural e espiritual. A
natureza no traz por si o conscincia, s o homem se duplica de modo a ser o
universal para o universal, quando se sabe como Eu o puro ser-para-si, em que toda
particularidade est negada e suprassumida.
-
19
O Eu esse vazio, o receptculo para tudo e para cada um, para o qual
tudo , e que em si conserva tudo. Cada homem um mundo inteiro de
representaes, que esto sepultadas na noite do Eu. (HEGEL, 1995, p. 79).
A Lgica, para Hegel, o esprito omnivivificante das cincias, na qual o ser uma
determinao pura dentre as determinaes-de-pensamento, determinaes estas depositadas
sobretudo na linguagem. A forma do concatenar silogstico uma forma universal das coisas
todas, sendo aqui considerado impotncia da natureza no apresentar as formas lgicas de
modo puro. A verdade, que na filosofia kantiana dita como a concordncia de um objeto
com nossa representao, no sentido da filosofia hegeliana, a concordncia de um contedo
consigo mesmo (HEGEL, 1995, p. 81-82).
A maneira mais perfeita do conhecer se d atravs da pura forma do pensar, a forma
absoluta. O conhecer que reflete e o conhecer filosfico saem da unidade natural imediata, do
saber imediato; o que ocasionado pela ciso do espiritual dentro de si mesmo, que deve
depois ser suprassumida e voltar unio espiritual pelo pensamento: ele que faz a ferida, e
tambm cura (HEGEL, 1995, p. 84).
Para desenvolver sua crtica com relao ao pensamento moderno, Hegel distingue trs
posies do pensamento a respeito da objetividade metafsica.
A primeira posio diz respeito ao procedimento da antiga metafsica, referente aqui
metafsica anterior filosofia kantiana (HEGEL, 1995, p. 90). A ingenuidade de seu
procedimento consiste na crena de que mediante a reflexo conhece-se a verdade. Esse
pensar tem como caracterstica uma carncia-de-conscincia sobre seu objeto, o que,
entretanto, pode se tornar um filosofar especulativo17
ou se demorar em determinaes finitas
de pensamento, nas quais a oposio permanece ainda no resolvida, uma simples viso-do-
entendimento sobre os objetos-da-razo. A antiga metafsica incidia na crena ingnua de que
o pensar captava o Em si das coisas, s sendo estas verdadeiramente enquanto pensadas o que
so.
A alma do homem e a natureza so o Proteu que se transforma
constantemente; e uma reflexo muito bvia, que as coisas no so em si
17
Na vida ordinria, o termo especulao costuma ser usado em um sentido muito vago e, ao mesmo tempo, inferior. [...] Ao contrrio, h que dizer que o especulativo, segundo sua verdadeira significao, no [...] algo
puramente subjetivo; mas , antes, expressamente o que contm em si mesmo, como suprassumidas, aquelas
oposies em que o entendimento fica [imobilizado] por conseguinte, tambm a oposio de subjetivo e
objetivo, e justamente por isso se mostra como concreto e como totalidade. (HEGEL, 1995, p. 167-168). Cf. tambm Introduo Controvrsia sobre o Positivismo na Sociologia Alem. (ADORNO, 1980, p. 211-212).
-
20
como se apresentam imediatamente. O ponto de vista, aqui mencionado, da
antiga metafsica o contrrio do que a filosofia crtica tinha por resultado.
Pode-se bem dizer que segundo esse resultado o homem seria simplesmente
mandado s cascas e ao bagao. (HEGEL, 1995, p. 90-91).
O pensar finito, do entendimento, se distingue portanto do pensar infinito, racional,
pois o pensar ele mesmo infinito, assim como o verdadeiro infinito em si. O finito, por seu
turno, consiste em uma relao com seu Outro, sua negao, e limitado por ele. De outro
lado, o pensar, o Eu, junto de si mesmo e se relaciona consigo, ou seja, tem a si mesmo por
objeto como suprassumido, ideal; , dessa maneira, infinito e infinitude aqui distinguida
de um abstrato Alm e sempre-mais-Alm (HEGEL, 1995, p. 91) - ou especulativo:
tambm determina e limita, mas suprassume essa deficincia.
Os objetos-da-razo, por seu turno, no podem ser determinados por predicados
finitos, como operado na antiga metafsica, por estes terem contedo limitado e serem
inadequados plenitude da representao, ou seja, partem de um sujeito, so recebidos de
fora. Desse modo, a forma da proposio ou juzo imprpria para exprimir o concreto (o
verdadeiro) e o especulativo (HEGEL, 1995, p. 93-94).
A antiga metafsica, que no era pensar livre e objetivo, pois no deixava o objeto se
determinar a partir de si, tornou-se dogmatismo, tendo por seu contrrio o ceticismo. Em
sentido estrito, dogmtica a filosofia que se atm s determinaes unilaterais de
entendimento retidas com excluso das determinaes opostas; de modo diverso, o idealismo
da filosofia especulativa ergue para si o princpio de totalidade, que domina a unilateralidade
das determinaes abstratas do entendimento. A luta da razo consiste em sobrepujar o que o
entendimento fixou. (HEGEL, 1995, p. 95).
A primeira parte dessa metafsica a ontologia, a doutrina das determinaes abstratas
da essncia, qual faz falta um princpio, tendo a representao como fundamento de seu
contedo (HEGEL, 1995, p. 95). A segunda parte a psicologia racional ou pneumatologia,
que trata da natureza metafsica da alma, do esprito enquanto coisa, ou seja, um existente de
modo imediato, o qual nos representamos sensivelmente. A psicologia emprica, por outro
lado, parte da percepo, enquanto a racional parte do pensamento. Hegel destaca que,
enquanto a alma termo mediador entre corporalidade e esprito, o princpio vital do corpo, o
esprito atividade , absoluta atuosidade actus purus , como diziam os escolsticos - e se
exterioriza, o que determinado por sua interioridade (HEGEL, 1995, p. 97). A terceira parte
a cosmologia, que tratava de questes relativas ao mundo, tempo, espao, liberdade, origem
-
21
do mal, etc., procurando em seguida estabelecer as chamadas leis cosmolgicas universais,
como a lei leibniziana da continuidade (HEGEL, 1995, p. 97). A quarta parte a teologia
natural ou racional, encarregada do conceito de Deus, suas provas e propriedades, em uma
considerao prpria do entendimento, analisando que predicados convm ou no; em um
provar prprio da conscincia finita, tendo por fundamento objetivo algo mediatizado por
outro sua regra, a identidade-de-entendimento, que acarreta a dificuldade de passar do finito
para o infinito, e.g. o pantesmo, que tem Deus como substncia imediata do mundo -; e em
propriedades que naufragam no conceito abstrato da realidade pura, essncia indeterminada,
etc. (HEGEL, 1995, p. 98-99).
No tocante segunda posio do pensamento a respeito da objetividade metafsica,
Hegel trata de dois momentos do pensamento moderno, a saber: o empirismo e a filosofia
crtica. Pretendendo justificar a necessidade do ponto de vista defendido pela dialtica
especulativa, j que a filosofia trabalha sem pressuposies e, ao contrrio da cincia, ela se
justifica, como mostra o desenvolvimento moderno da justificao das pretenses de validade
objetiva nascentes de forma gradual a partir de Locke, Leibniz, Hume e Kant, faz-se, ento,
uma apresentao crtica destes. So desferidas crticas, portanto, ao empirismo, notadamente
Hume, e filosofia crtica, a Kant, por padecerem de uma unilateralidade comum.
De um lado, o empirismo, que surgiu da necessidade de um contedo concreto frente
s teorias abstratas do entendimento e da necessidade de um ponto de apoio, procura o
verdadeiro na experincia, no no pensamento (HEGEL, 1995, p. 102); conta com a tese de
que a matria o verdadeiro objetivo; pensa que, em geral, a matria o condicionante das
impresses, tendo por consequncia que materialismo, nesse caso, resulta em uma doutrina da
no-liberdade (HEGEL, 1995, p. 106).
O ponto de apoio do conhecer emprico est na conscincia, que, de seu lado
subjetivo, possui na percepo sua prpria e imediata presena e certeza. A tendncia da
razo, destaca Hegel, encontrar uma determinao infinita, que est no mundo, pois o
verdadeiro efetivo e deve existir. A percepo, por seu turno, pela qual so decompostas as
determinaes que cresceram juntamente (con-cretas), parte do simples e transitrio para
um universal e permanente que compem a estrutura da experincia. A anlise das
determinaes concretas significa, pois, uma progresso da percepo ao pensamento,
caminho que, no traado pelo empirismo, leva transformao do concreto em abstrato
(HEGEL, 1995, p. 103-105).
-
22
Por isso ocorre, ao mesmo tempo, que se mata o que vivo, porque
vivo s o concreto, o uno. No entanto, deve haver essa separao para
conceber; e o esprito mesmo em si a separao. Mas isso apenas um dos
lados, e a coisa mais importante consiste na reunio do [que foi] separado.
(HEGEL, 1995, p. 105)
Matria como tal j algo abstrato, que deve ser o fundamento para todo sensvel,
mas que para o empirismo um dado, porquanto uma doutrina que se mostra refratria
liberdade, pois esta significa no ter diante de si nada absolutamente outro, mas depender de
um contedo que se . Esse materialismo , portanto, inconsequente (ingnuo), pois leva a
cabo uma tese sem ter conscincia crtica de seus prprios pressupostos. O empirismo,
portanto, tem por princpio dois elementos: a matria e a forma, as determinaes da
universalidade e da necessidade. A empiria composta pelas numerosas percepes,
mudanas no tempo de objetos que se situam no espao, que precisam ser estruturadas em
suas conexes necessrias, as quais, entretanto, permanecem injustificadas no empirismo
humeano, tidas por mero hbito ou contingncia subjetiva (HEGEL, 1995, p. 106-107).
De outro lado, Hegel v em Kant a tomada de conscincia do mito do dado, pois a
noo de experincia nesse nterim adquire o ponto de partida da anlise da matria sensvel
segundo suas relaes universais, j um composto de matria e forma, que colapsam, porm,
no subjetivismo, sendo ainda um idealismo subjetivo. A apresentao crtica de Kant feita
explicitando o que ele combatia, a experincia apenas como emprico. Sua compreenso de
objetividade proveniente dos conceitos do entendimento, todavia permanece preso ao
empirismo. A diferena entre Hume e Kant no que apenas este traga para si a investigao
das condies de objetividade, mas sim que Kant as torna explcitas.
A objetividade significa aqui o elemento de universalidade e
necessidade, quer dizer, o elemento das prprias determinaes-de-pensamento
o assim chamado a priori. Mas a filosofia crtica alarga a oposio de modo
que na subjetividade entra o conjunto da experincia isto , justamente
aqueles dois elementos e que nada subsiste perante ela, a no ser a coisa-em-
si. (HEGEL, 1995, p. 108).
Alm de estabelecer as formas do a priori sobre bases psicolgico-histricas, a
filosofia crtica pretende examinar a faculdade do conhecimento, as formas de pensar
objetivamente, antes de conhecer, e isso, para Hegel, seria como no querer entrar ngua
-
23
antes de ter aprendido a nadar (HEGEL, 1995, p. 109). Est no mrito da filosofia crtica
apontar as insuficincias anteriores atravs daquele exame, mas tal exame j conhecimento.
Visto isso, a dialtica, como atividade das formas-de-pensar examinadas em si e para si,
imanente s determinaes-de-pensamento, dada como soluo ao problema entre
exterioridade e conhecimento. Para pensar a inseparabilidade entre crtica e conhecimento,
executa-se a auto-apresentao dialtica das categorias, a Lgica, sendo o em si a dimenso
autnoma da coisa e o para si o movimento de autoconscincia do sujeito, radicaliza-se o
pensar que se pensa a si mesmo, no qual a apresentao das categorias epistemologia e
ontologia. Na esteira de Fichte, as determinaes-de-pensamento, que segundo Kant tm sua
fonte no Eu, devem ser mostradas em sua necessidade atravs de sua deduo (HEGEL, 1995,
p. 111).
O Eu, assim, de certo modo o crisol e o fogo pelo qual a
multiformidade indiferente consumida e reduzida unidade. [...] Mas, ao
mesmo tempo, h que notar que no a unidade subjetiva da conscincia-de-si
que introduz a unidade absoluta na multiformidade. Melhor, essa identidade o
absoluto, o verdadeiro mesmo. , por assim dizer, bondade do absoluto deixar
as singularidades irem ao seu gozo-de-si; o prprio Absoluto que as reconduz
unidade absoluta. (HEGEL, 1995, p. 112)18.
A racionalidade subjetivizada o Juzo determinante, forjado atravs do sacrifcio da
diferena: a Crtica da Razo Pura e a Crtica da Razo Prtica operam nesse registro.
preciso, ento, buscar em Kant a resposta para isso na auto-organizao do aparato categorial
imanente na natureza, no sentido de uma radicalizao do Juzo reflexionante. Com a Crtica
da Faculdade de Julgar, Kant deu expresso Ideia, ou seja, a identidade originria entre
sujeito e objeto (HEGEL, 1995, p. 115). Com o intelecto intuitivo atribui-se ao Juzo
reflexionante, a faculdade-de-julgar reflexiva, a contrapartida ao Juzo determinante. Kant
apenas postula como pressuposto a harmonia da natureza em sua auto-especificao e a
liberdade, mas fica preso separao de conceito e realidade (HEGEL, 1995, p. 131).
exposta, ento, a necessidade epistemolgica do Juzo reflexionante. O belo artstico e o vivo
orgnico, por exemplo, j mostram a efetividade ideal para o sentido e a intuio. Hegel
18
Assim se define o idealismo hegeliano: [...] que as coisas, sobre as quais sabemos imediatamente, so simples fenmenos, no apenas para ns, mas em si, e que a determinao prpria das coisas, [que so] por isso finitas,
ter o fundamento de seu ser no em si mesmas, mas na ideia divina universal. Essa apreenso das coisas pode
tambm ser designada como idealismo; todavia diferentemente desse idealismo subjetivo da filosofia crtica como idealismo absoluto. (HEGEL, 1995, p. 116).
-
24
estabelece, ento, os motivos para apropriao do Juzo reflexionante19
, na relao entre o
universal e o particular em sua inseparabilidade, o que se difere da segunda Crtica, na qual o
universal do dever oprime o particular20
(HEGEL, 1995, p. 132).
Finalmente, a terceira posio do pensamento a respeito da objetividade metafsica
trata especificamente da problemtica do saber imediato. Ou seja, que falso que haja saber
sem mediao, entretanto falso tambm que o pensar s proceda por mediao nem
imediatez unilateral nem mediao unilateral (HEGEL, 1995, p. 153).
para tanto que Hegel concebe o conceito mais preciso e a diviso da Lgica, sendo a
dialtica, portanto, a articulao imanente entre o Juzo reflexionante e o Juzo determinante.
Segundo a forma, a lgica tem trs lados, que so momentos de todo lgico-real, de todo
conceito ou verdadeiro em geral: a) o lado abstrato ou do entendimento; b) o dialtico ou
negativamente-racional; c) o especulativo ou positivamente racional. (HEGEL, 1995, p. 159).
Essas determinaes do lgico esto a dadas apenas antecipada e historicamente. A
historicidade em Hegel, diferente do mero historiogrfico, tem a ver com o devir do conceito
em sua formao, teoria da formao dos conceitos e revela o problema da predicao e
significao em seu uso (Gebrauch) 21
. preciso pens-la como constitutiva da prpria
Lgica, que se difere da Lgica meramente formal: o que se chama aqui a Lgica
especulativa ou a Dialtica especulativa.
O entendimento, a faculdade-de-julgar determinante, a faculdade que capta as coisas
em um momento fixo, em separado: o determinado, o predicado, fixado, reificado, tratado
como coisa. Por outro lado, sem entendimento, um momento essencial da cultura, no se
chega fixidez do determinante, como se mostra, por exemplo, na geometria ou na
jurisprudncia (HEGEL, 1995, p. 159-160).
O momento dialtico o registro negativo intrnseco ao prprio entendimento, no
suprassumir-se de suas determinaes finitas. De um lado, em um primeiro momento, d-se o
ceticismo, a simples negao como resultado do dialtico; em um segundo, toma-se
habitualmente a dialtica como uma arte exterior ou simples sofstica. Por outro lado, o
dialtico a relao da natureza prpria - movimento imanente aos prprios conceitos e do
progredir cientfico em um processo de determinao recproca. O dialtico , pois,
19
[...] o princpio da faculdade-do-juzo reflexiva no que toca aos produtos vivos da natureza determinado como fim, o conceito ativo, o universal em si mesmo determinado e determinante. Ao mesmo tempo, rejeita-se a
representao da finalidade externa ou finita, na qual o fim apenas uma forma exterior para o meio e o material
em que se realiza. (HEGEL, 1995, p. 132). 20
Cf. HEGEL, 1995, p. 130. 21
Cf. o exemplo da regra gramatical (HEGEL, 1995, p. 74).
-
25
princpio holista da cognio. O ceticismo pirrnico , destarte, reativado, calcado na nulidade
completa do finito levando a dvida s raias do desespero, em contraposio ao ceticismo
moderno22
, este que se vale do ceticismo apenas como um expediente metodolgico (HEGEL,
1995, p. 166).
O especulativo, o terceiro momento da lgica, d-se ao ser acionada a dialtica em seu
resultado positivo; o conhecimento da passagem entre uma determinao isolada a outra,
bem como acesso cognitivo ao concreto - unidade de determinaes opostas e gnese de
determinaes (HEGEL, 1995, p. 166-167). Para se ter em conta a historicidade dos
conceitos determinados necessrio o Juzo reflexionante, que o vnculo entre racionalidade
e historicidade a Lgica especulativa contm a Lgica de entendimento (HEGEL, 1995, p.
167). Nesse sentido, dialtica reconstruo, que confere fluidez aos conceitos. O
especulativo , pois, compreenso do vir-a-ser da unidade concreta (HEGEL, 1995, p. 167) e
o absoluto, a unidade da identidade e da diferena, que fica fora do escopo do entendimento,
apenas se mostra a partir da perspectiva dialtica. a explicitao racional do mstico,
esotrico, que a dialtica especulativa torna exotrico, explcito (HEGEL, 1995, p. 168).
2.2) Dialtica e Linguagem em Hegel Do Prefcio e da Certeza Sensvel na
Fenomenologia do Esprito
Do ponto de vista do contedo, seu excesso abstrato, falso; j Hegel
precisou aceitar a desproporo entre o prefcio da Fenomenologia do Esprito
e a Fenomenologia. O ideal filosfico seria o de que a justificao daquilo que
se deve fazer se tornasse suprfluo, na medida em que fosse feito. (ADORNO,
2009, p. 49).
Se um prefcio deve ser, moda corrente, um esboo histrico sobre o que o
verdadeiro, o que de incio questiona Hegel em seu Prefcio Fenomenologia do Esprito.
A filosofia, no elemento da universalidade, tem a si a aparncia de que se expressa a coisa
mesma, de que se tem sua essncia consumada, no fim e nos resultados e no no
desenvolvimento da exposio (Darstellung). , para Hegel, na diversidade dos sistemas
filosficos que se mostra o desenvolvimento progressivo da verdade, e, assim como a
contradio nos momentos da unidade orgnica, d-se a vida do todo: luta e contradio esto
no que aparece como momentos reciprocamente necessrios. O essencial, pois, no est no
22
Como abordado na segunda posio do pensamento, 39 (HEGEL, 1995, p. 106-107).
-
26
fim ou no resultado, mas que a coisa mesma se esgota em sua atualizao, no vir-a-ser: o todo
efetivo (HEGEL, 2002, p. 25-27).
O comeo da cultura, o emergir da imediatez da vida substancial, est em adquirir
conhecimentos de princpios e pontos de vista universais. Inicialmente, consiste no esforo
para chegar ao pensamento da coisa em geral, em suas determinidades. Em um momento
posterior, chega-se vida plena na experincia da coisa mesma, penetrada pelo rigor do
conceito (HEGEL, 2002, p. 27). o sistema cientfico a verdadeira figura (Gestalt) em que a
verdade existe, ou seja, s no conceito ali onde a cientificidade est - a verdade tem o
elemento de sua existncia23
. Desse modo, portanto, a meta de Hegel consiste em, ao elevar a
filosofia condio de cincia, que o amor ao saber passe a ser saber efetivo (HEGEL, 2002,
p. 27).
O nvel presente do esprito consciente-de-si, que est alm da imediatez da vida
substancial, consciente de sua finitude e da perda de sua vida essencial, exige da filosofia o
resgate de sua substancialidade, elevando-a conscincia-de-si, simplicidade do conceito,
restaurando o sentimento da essncia (HEGEL, 2002, p. 28-29).
Assim a cincia, que a coroa de um mundo do esprito, no est
completa no seu comeo. O comeo do novo esprito o produto de uma ampla
transformao de mltiplas formas de cultura, o prmio de um itinerrio muito
complexo, e tambm de um esforo e de uma fadiga multiformes. (HEGEL,
2002, p. 31).
Na primeira apario de um mundo da vida, para chegar pelo entendimento ao saber
racional, falta conscincia o aprimoramento da forma, a cincia carece ainda da
inteligibilidade universal, do que determinado, conceitual, aquilo que pode ser ensinado a
todos e ser propriedade de todos (HEGEL, 2002, p. 32). Ao reconhecer o processo de
formao cultural, faz-se a crtica cincia que recm-comea, em seu mtodo simplrio ou
em seu saber especializado, tudo submetendo ideia absoluta em uma cincia ainda no
realizada, na repetio informe do idntico um monotnico formalismo.
23
Com efeito, se o verdadeiro s existe no que (ou melhor, como o que) se chama quer intuio, quer saber imediato do absoluto, religio, ser [...], ento o que se exige para a exposio da filosofia , antes, o contrrio da
forma do conceito. O absoluto no deve ser conceptualizado, mas somente sentido e intudo; no o seu
conceito, mas seu sentimento e intuio que devem falar em seu nome e ter expresso. (HEGEL, 2002, p. 28, grifo nosso).
-
27
Se o desenvolvimento no passa da repetio da mesma frmula, a idia,
embora para si bem verdadeira, de fato fica sempre em seu comeo. A forma,
nica e imvel, adaptada pelo sujeito sabedor aos dados presentes: o material
mergulhado de fora nesse elemento tranquilo. (HEGEL, 2002, p. 33).
Tenho em conta que o formalismo, em sua monotonia e universalidade abstrata, no
desaparecer da cincia at que o conhecer da efetividade absoluta venha tona, o mtodo
especulativo, nessa forma da inefetividade, procura a dissoluo do determinado, ao invs de
um conhecimento diferenciador que busca a plenitude, [...] seu absoluto a noite em que
todos os gatos so pardos [...] (HEGEL, 2002, p. 34). A substncia viva, ao contrrio, o
ser que sujeito, negatividade pura e simples, um sujeito efetivo no movimento do pr-se-a-
si-mesmo e que, atravs de sua reflexo em si mesmo no seu ser-outro, reinstaura-se a
igualdade e, assim, o verdadeiro (HEGEL, 2002, p. 35). Esse tornar-se outro, imprescindvel
para o conhecimento absoluto, uma mediao.
Com efeito, a mediao no outra coisa seno a igualdade-consigo-
mesmo semovente, ou a reflexo sobre si mesmo, o momento do Eu para-si-
essente, a negatividade pura ou reduzida sua pura abstrao, o simples vir-a-
ser. O Eu, ou o vir-a-ser em geral - esse mediatizar -, justamente por causa de
sua simplicidade, a imediatez que vem-a-ser, e o imediato mesmo. (HEGEL,
2002, p. 36).
De outra maneira, pode-se dizer que a razo o agir conforme a um fim - bem como
j o considerava Aristteles sobre a natureza -, mesmo que esta noo de fim e de finalidade
externa estejam em descrdito. Mas, por seu turno, o fim o imediato, o-que-est-em-
repouso, o imvel que ele mesmo motor de si ou que sujeito , abstratamente, sua fora
motriz ser-para-si ou negatividade pura: o imediato como fim tem a efetividade pura, ou o
Si, o vir-a-ser desenvolvido (HEGEL, 2002, p. 37).
Sendo a efetividade do conceito o automovimento, o saber efetivo s pode ser exposto
como cincia ou sistema. Tomada a representao do absoluto como esprito, concebe-se que
o verdadeiro s efetivo como sistema e a substncia como sujeito (HEGEL, 2002, p. 38-39).
O que esta Fenomenologia do Esprito apresenta o vir-a-ser da
cincia em geral ou do saber. O saber, como inicialmente - ou o esprito
imediato - algo carente-de-esprito: a conscincia sensvel. Para tornar-se
-
28
saber autntico, ou produzir o elemento da cincia que seu conceito puro, o
saber tem de se esfalfar atravs de um longo caminho. (HEGEL, 2002, p. 40-
41).
A vida do esprito apenas alcana sua verdade no dilaceramento absoluto, sendo essa
potncia somente quando se demora no negativo24
, o poder mgico que converte o negativo
em ser, ou seja, o sujeito, que a mediao mesma - ao dar em seu elemento existncia
determinidade, suprassume a imediatez abstrata, que apenas o sendo em geral (HEGEL,
2002, p. 44).
A desigualdade que se estabelece na conscincia entre o Eu e a
substncia - que seu objeto - a diferena entre eles, o negativo em geral.
Pode considerar-se como falha dos dois, mas sua alma, ou seja, o que os
move. Foi por isso que alguns dos antigos conceberam o vazio como o motor.
De fato, o que conceberam foi o motor como o negativo, mas ainda no o
negativo como o Si. (HEGEL, 2002, p. 46-47).
Isso desvelado pela substncia, o ser-a do esprito ser igual a sua essncia, e
superado o elemento abstrato da imediatez, na separao entre saber e verdade, concebe-se o
ser como absolutamente mediatizado, em que contedo substancial e a propriedade do Eu,
tendo a forma do Si: o conceito. Neste ponto se encerra a Fenomenologia do Esprito.
(HEGEL, 2002, p. 47).
O pensamento raciocinante tem por contedo representaes, pensamentos ou a
mescla de ambos e sua natureza est vinculada essncia da ideia. Em seu comportamento
negativo o Si, ao qual retorna o contedo. Em contraposio, no conhecer positivo, o Si
um sujeito representado, com ele se relacionando o contedo como acidente e predicado. No
pensar conceitual25
, no qual o contedo no o predicado do sujeito e sim a substncia26
, em
contraposio ao representativo, o sujeito no est inerte, ou seja, o conceito se move, retoma
24
Cf. ADORNO, 2009, p. 40. 25
Ao contrrio, como j foi mostrado, no pensar conceitual o negativo pertence ao contedo mesmo e seja como seu movimento imanente e sua determinao, seja como sua totalidade - o positivo. O que surge desse
movimento, apreendido como resultado, o negativo determinado e, portanto, igualmente um contedo
positivo. (HEGEL, 2002, p. 62). 26
Tendo comeado do sujeito, como se esse ficasse no fundamento em repouso, descobre que - medida que o predicado antes a substncia - o sujeito passou para o predicado, e por isso foi suprassumido; e enquanto o que
parece ser predicado se tornou uma massa inteira e independente, o pensamento j no pode vaguear livremente
por a, mas fica retido por esse lastro. (HEGEL, 2002, p. 63).
-
29
em si suas determinaes. O conceito, portanto, ao se apresentar como seu vir-a-ser, o Si do
objeto (HEGEL, 2002, p. 62).
[...] a natureza do juzo e da proposio em geral que em si inclui a
diferena entre sujeito e predicado - destruda pela proposio especulativa; e
a proposio da identidade, em que a primeira se transforma, contm o
contrachoque na relao sujeito-predicado. O conflito entre a forma de uma
proposio em geral e a unidade do conceito que a destri semelhante ao que
ocorre no ritmo entre o metro e o acento. (HEGEL, 2002, p. 63-64).
Na proposio filosfica, ento, a identidade sujeito-predicado no deve anular sua
diferena, mas deve se mostrar sua unidade como harmonia, em que o predicado exprima a
substncia e o sujeito incida no universal (HEGEL, 2002, p. 64). O modo da proposio
especulativa, pela suprassuno da forma na proposio, aquele pelo qual o retornar do
conceito a si tem de ser apresentado. E esse movimento, o movimento dialtico da
proposio, o Especulativo efetivo, aquele pelo qual seu enunciar a exposio
especulativa. O movimento dialtico, que tem as proposies como elementos seus, tem por
seu contedo o sujeito27
, que o verdadeiro (HEGEL, 2002, p. 65-66).
De outro lado, no primeiro captulo da Fenomenologia, que trata da Certeza
sensvel, o saber do imediato ou do essente, afastando o conceituar, imediatamente nosso
objeto. O contedo concreto da certeza sensvel, a verdade mais abstrata e pobre, aparece
imediatamente como o mais rico e o mais verdadeiro conhecimento, pois sem limite: fora, no
espao-tempo, e interiormente (HEGEL, 2002, p. 85). Os momentos diticos28
, os dois estes,
so o Eu e objeto, que esto na certeza sensvel mediatizados: Eu tenho a certeza mediante a
coisa, e esta est na certeza mediante o Eu. A essncia, imediatez, e o exemplo, mediao, so
diferentes, mas ambos esto na certeza sensvel como momentos: o essente simples, o
27
Excetuando o Si intudo sensivelmente ou representado, sobretudo o nome como nome que indica o sujeito puro, o Uno vazio e carente-de-conceito. Por esse motivo pode ser til, por exemplo, evitar o nome Deus, porque essa palavra no , ao mesmo tempo, imediatamente conceito, mas o nome propriamente dito: o repouso
fixo do sujeito que est no fundamento. (HEGEL, 2002, p. 66). 28
O conceito caracterizado por sua relao com o no-conceitual assim como, finalmente, segundo a teoria do conhecimento tradicional, toda e qualquer definio de conceitos carece de momentos no-conceituais,
diticos tanto quanto, em contrapartida, por se distanciar do ntico da como unidade abstrata dos onta compreendidos nele. Alterar essa direo da conceptualidade, volt-la para o no-idntico, a charneira da
dialtica negativa. (ADORNO, 2009, p. 19).
-
30
imediato ou essncia o objeto; j o inessencial, mediatizado, no em-si, mas por meio de
um outro: o Eu, um saber (HEGEL, 2002, p. 86).
Tendo sido indagada a certeza sensvel sobre o que o isto, o aqui e o agora,
descobre-se que, por um lado, o agora como um negativo em geral, que se mantm como
um mediatizado, e em sua simplicidade indiferente, como o agora dia ou agora noite. O
universal , portanto, o verdadeiro da certeza sensvel; um tal simples que por meio da
negao um no isto (HEGEL, 2002, p. 87). Enunciamos, assim, o sensvel como um
universal, dizemos, pois, o isto, o universal, o ser em geral.
Mas, como vemos, o mais verdadeiro a linguagem: nela refutamos
imediatamente nosso visar, e porque o universal o verdadeiro da certeza
sensvel, e a linguagem s exprime esse verdadeiro, est pois totalmente
excludo que possamos dizer o ser sensvel que visamos. (HEGEL, 2002, p.
88).
A relao imediata com o saber, como inessencial, e o objeto, como essencial, atravs
dessa comparao, e seu respectivo resultado, se inverteu: agora o objeto, tornado universal,
est como o inessencial e o saber como essencial, no qual se encontra agora a certeza sensvel.
Sua verdade est no objeto como meu objeto, ou seja, no 'visar' [meinen/Meinen]: o objeto
porque Eu sei dele. (HEGEL, 2002, p. 88). O aqui e o agora so mantidos pelo Eu. Na
experincia, no desvanece o Eu como universal um ver simples, mediatizado pela negao.
A certeza sensvel experimenta, ento que sua essncia est no seu todo: nem no
objeto nem no Eu, que so universais, j que o que viso em ambos inessencial. A certeza
sensvel toda, portanto, se mantm em si como imediatez, sua verdade est, pois, na relao
que-fica-igual a si mesma (HEGEL, 2002, p. 89-90). Quando se faz com que a certeza
sensvel indique a constituio do imediato, o agora, tem-se por consequncia o experimentar
de que o agora um universal. O verdadeiro agora , em suma, o conjunto de muitos agora.
De forma semelhante o aqui, quando indicado, um este negativo e o aqui universal, uma
multiplicidade simples de aquis (HEGEL, 2002, p. 89-90).
O falar tem a natureza divina de inverter imediatamente o 'visar', de
torn-lo algo diverso, no o deixando assim aceder palavra. Mas se eu quiser
vir-lhe em auxlio, indicando este pedao de papel, ento fao a experincia do
que , de fato, a verdade da certeza sensvel: eu o indico como um aqui que
um aqui de outros aquis, ou que nele mesmo um conjunto simples de muitos
-
31
aquis, isto , um universal. Eu o tomo como em verdade, e em vez de saber
um imediato, eu o apreendo verdadeiramente: [eu o percebo]. (HEGEL, 2002,
p. 94).
Destarte, a dialtica da certeza sensvel consiste na simples histria de seu movimento
e experincia, a prpria conscincia natural atinge esse resultado, entretanto o esquece. A
verdade do isto sensvel, a experincia universal, uma afirmao que se converte em seu
contrrio quando experimentada na certeza sensvel. mister, que se relembre a dvida do ser
das coisas sensveis, que beira o desespero, ali na escola primordial: nos mistrios de Elusis,
de Ceres, de Baco (HEGEL, 2002, p. 93).
Quando se trata do enunciar de uma coisa efetiva, de um objeto externo, procede-se a
no que h de mais universal, importa mais a sua igualdade do que sua diferena. O isto
sensvel o visado inatingvel pela linguagem, a qual pertence conscincia, o universal
em si. O indizvel (das Unaussprechliche) para Hegel, , pois, o no verdadeiro, o no
racional, o puramente visado(HEGEL, 2002, p. 93-94).
2.3) Linguagem e a Crtica do Racionalismo Ocidental Do Conceito de
Esclarecimento na Dialtica do Esclarecimento
Em sua obra Dialtica do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer fazem ver o processo
de esclarecimento como um projeto que procura emancipar o ser humano atravs do
desencantamento do mundo (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p. 17). Retomam, assim, o
conceito de esclarecimento (Aufklrung) em sua acepo kantiana, como emancipao, e em
uma via weberiana, como desencantamento do mundo ou secularizao dos mundos da vida,
em que a meta do esclarecimento se pe como substituio da imaginao pelo saber, na
subordinao da intuio ao conceito (BERNSTEIN apud HUHN, 2004, p. 25); ou ainda,
como caracteriza Habermas, representam as convergncias entre a tese weberiana da
racionalizao e a crtica da razo instrumental da tradio Marx-Lukcs (HABERMAS,
2012, p. 593). Processo que bem se destaca na modernidade, recuperando a caracterizao do
intelecto autocrtico, na passagem citada pelos autores em que Bacon, o considerado pai da
cincia moderna, ao propor um casamento feliz entre o intelecto e a natureza, realizaria
assim um casamento patriarcal, que j provm de um esgotamento da conexo e da seduo
mtica. essa a indiferena com relao ao contedo que marca a racionalidade formal, a
racionalidade instrumental, o que possui uma intimidade visceral com a maneira pela qual o
-
32
capital produz e se reproduz. Esse saber dominao, poder, ou seja, tcnica (ADORNO e
HORKHEIMER, 2006, p. 18).
Um aps o outro, os comportamentos mimtico, mtico e metafsico
foram considerados como eras superadas, de tal sorte que a ideia de recair neles
estava associada ao pavor de que o eu revertesse mera natureza, da qual havia
se alienado com esforo indizvel [unsglicher Anstrengung] e que por isso
mesmo infundia nele indizvel terror [unsgliches Grauen]. (ADORNO e
HORKHEIMER, 2006, p. 37, entre chaves nosso).
Assim, a estratgia fundamental dos autores mostra-se em sua apropriao da anlise
hegeliana da dialtica do senhor e do escravo, tendo como fito volt-la para a lgica da razo,
o conceito-senhor, dependente inelutvel do objeto, da intuio-escrava (BERNSTEIN apud
HUHN, 2004, p. 25). Desse modo, tomam como modelo crucial para visualizao da dialtica
do esclarecimento em seus primrdios, o episdio das Sereias, presente no canto duodcimo
da Odisseia homrica, porquanto a partir dele possvel ver na estruturao das vivncias, no
espao temporalizado, a possibilidade de experincia, aquilo que pode ser comunicvel, ou
seja, posto em categorias (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p. 38). a formao do
intelecto autocrtico, os processos de formao do eu, atravs do auto-apoderamento, que
permite exercer o poder de mando sobre si e domnio sobre o exterior. A temporalizao,
submisso do vivencial e do singular a estruturas abstratas, o que abre o mbito da
experincia compartilhada, que pode se transformar em saber praticvel. aquilo que marca a
passagem para a civilizao e para a Histria.
Como a cincia tudo constri, nada lhe escapa como genuinamente outro, o
esclarecimento segue o caminho pela extirpao do no-idntico, a marca mais expressiva dos
processos de modernizao e secularizao. De outro lado, por seu turno, a liberdade kantiana
j tende para um comportamento adaptativo29, assim como o mito do dado, fomentado pelo
pensamento positivista, reduz a condio racional pura e simples autoconservao; desse
modo, se d a correlao entre o esquematismo transcendental e a teoria da mediao do
valor, como semelhantemente enunciada por Lukcs30
, o que caracteriza de antemo o estado
de calamidade triunfal e a falncia da crtica, no qual resplandece o mundo totalmente
esclarecido (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p. 36). Lukcs, ao expor os dilemas e
antinomias do pensamento moderno no mbito prtico, deseja, na esteira da Lgica de Hegel,
29
Para isso ver, por exemplo, HABERMAS, 1980, p. 336. 30
Ver, por exemplo, LUKCS, 2003, p. 250.
-
33
que a necessidade e a carncia de ir alm do pensamento abstrato provenha da eticidade da
sociedade burguesa cindida em seus extremos, donde a necessidade da dialtica, que por tal
impulsionada. Esse rebaixamento da prtica a questes de tcnica conduz a uma ciso
irreconcilivel entre o racional, o abstrato, e o irracional, o contedo, levando ao
esvaziamento da sacralidade, bem como negligncia quanto aos fins ltimos da existncia
(LUKCS, 2003, p. 245). O argumento de fundo em Lukcs a reconexo com a totalidade
(LUKCS, 2003, p. 247), j que o mpeto do mtodo reificado, incapaz de acess-la, uma
sistematizao coercitiva em movimento oposto, o irracional, ao ficar extrnseco, faz
colapsar essa sistematicidade -, remetendo ao conceito de coisa-em-si. Somente a visualizao
do sujeito no objeto e vice-versa, para ele, pode resolver essa equao funesta, acessando a
dimenso do ns. Por outro lado, atravs de sua Dialtica transcendental, Kant faz ver que a
totalidade inacessvel, ao tempo que, j aponta na direo, mais tarde por ele trabalhada, de
que ela necessria e regulativa. A racionalidade moderna expressa o problema mais
fundamental da lgica: a impossibilidade de ligar os conceitos ao contedo. por essa razo
que Kant, em sua terceira Crtica, precisa reconhecer uma legalidade do contingente (KANT,
1974, p. 274), ou uma contingncia inteligvel, um sistema coerente de leis empricas
(LUKCS, 2003, p. 250).
A regresso da racionalidade ao intelecto autocrtico implica a subordinao das
vivncias ao mbito do comunicvel e seu deplorvel empobrecimento31
. Na trajetria da
mitologia logstica, os sujeitos perdem a dinmica da reflexo sobre si, bem como a
capacidade de reconhecer no outro os efeitos do recrudescimento sobre si prprio, a
conscincia perde a capacidade crtica de estranhamento e reconhecimento (ADORNO e
HORKHEIMER, 2006, p. 42). A falncia da crtica se mostra no carter obsoleto da razo sob
a sociedade racionalizada. Sem a negatividade do conceito, resta apenas a intuio mstica das
coisas, no h a relao paradoxal de estranhamento do objeto pela conscincia, que abre, por
seu turno, a capacidade crtica, dinmica de que depende a dialtica. o que deve
proporcionar o acesso pelos conceitos para alm dos conceitos, ir com o esclarecimento para
alm dele: a natureza que se revela em sua face mutilada diretriz na Dialtica Negativa de
Adorno, de sua teoria crtica de racionalidade, a qual pretende que a natureza chame de novo
a si mesma pelo nome (ADORNO, 2009, p. 19).
31
Cf. O ensaio O Fetichismo na Msica e a Regresso da Audio, em que se diz: Ao invs de entreter, parece que tal msica contribui ainda mais para o emudecimento dos homens, para a morte da linguagem como
expresso, para a incapacidade de comunicao. A msica de entretenimento preenche os vazios do silncio que
se instalam entre as pessoas deformadas pelo medo, pelo cansao e pela docilidade de escravos sem exigncias.
[...] Se ningum mais capaz de falar realmente, bvio tambm que j ningum capaz de ouvir. (ADORNO, 1980, p. 166, grifo nosso).
-
34
Para o esclarecimento, o elemento bsico do mito o antropomorfismo. A partir dele,
possvel desdobrar a diferena da identidade, desdobrar o mundo como um gigantesco
juzo analtico (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p. 34), e com isso aplacar a angstia de
um fora; o que se torna o alicerce da cincia moderna na unidade do sujeito, como revela o
argumento da cera cartesiano - a unidade do objeto obtida atravs da ideia de substncia32
.
A tendncia numrica, lgica, da racionalidade ocidental se torna prtica de vida, culminante
na sociedade burguesa com a ideia de equivalncia ou o valor de troca (ADORNO e
HORKHEIMER, 2006, p. 20). Atravs de uma reconstruo da polarizao entre conceito e
intuio, coloca-se em evidncia o construtivismo da cincia, que se vale da unidade do
sujeito como unidade da natureza, o que se diferencia da conjurao mgica, que pr-
ritualstica ou no sistemtica. A ritualizao j pressupe um processo de esclarecimento,
mostrada pela compulso pela repetio para afugentar o medo da dissoluo. No caso da
cincia, trata-se de uma repetio pela via do conceito e no da magia, pela intuio, o xam
quer se perder e se confundir no outro. A cincia elimina a substitutividade especfica, criando
condies para uma fungibilidade universal (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p. 22). O
que na esfera do mundo mgico insubstitudo, o hic et nunc, a natureza intrnseca da obra de
arte, torna-se, na postura ritual, substitutividade. Na magia, o nome - em relao interna e
conteudstica - traz a viva lembrana da coisa que, ainda que diferente, irmanada e
semelhante a ela assim como o sonho e a imagem (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p.
22). O nome , pois, uma reao ante o horrvel e simultaneamente fascinante, grito de terror
ante o inslito (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p. 25).
No decorrer do desvanecimento da iluso mgica, surge a religio popular, o mito
patriarcal solar, como totalidade desenvolvida linguisticamente. Ela desvaloriza a crena
mtica mais antiga com sua pretenso de verdade. Esse processo de esclarecimento j
prenuncia o seu fim, sua prpria destruio, o que culmina na cincia, que signo sem
imagem (ADO