Flertando Com o Inefável - Linguagem e Dialética Negativa Em Adorno1

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Em duplo feixe de correlações, entre a tradição dialética e a teoria crítica e materialista da sociedade no século XX, nomeadamente a desenvolvida pelo Instituto para Pesquisa Social (Institut für Sozialforschung) de Frankfurt, dentre os vários aspectos da reflexão filosófica contemporânea abrangidos pela obra de Theodor Wiesengrund Adorno (1903-1969), trataremos acerca do premente tópico do âmbito teórico hodierno: a linguagem. Mais especificamente, abordaremos o problema da autorrelação da linguagem a seus limites, não apenas no que concerne a sua análise lógico-formal, mas no que tange à inter-relação dos extremos entre a dizibilidade e a cognoscibilidade.

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  • Universidade de Braslia UnB

    Instituto de Cincias Humanas IH

    FLERTANDO COM O INEFVEL: LINGUAGEM E DIALTICA

    NEGATIVA EM ADORNO

    Alan David dos Santos Trma

  • 2

    Alan David dos Santos Trma

    FLERTANDO COM O INEFVEL: LINGUAGEM E DIALTICA

    NEGATIVA EM ADORNO

    Monografia apresentada ao Departamento de

    Filosofia da Universidade de Braslia como

    requisito parcial para obteno de ttulo de

    bacharel e licenciatura em filosofia.

    Orientador: Prof. Dr. Erick Calheiros de Lima

    Braslia DF

    2015

  • 3

    RESUMO

    Em duplo feixe de correlaes, entre a tradio dialtica e a teoria crtica e materialista da

    sociedade no sculo XX, nomeadamente a desenvolvida pelo Instituto para Pesquisa Social

    (Institut fr Sozialforschung) de Frankfurt, dentre os vrios aspectos da reflexo filosfica

    contempornea abrangidos pela obra de Theodor Wiesengrund Adorno (1903-1969),

    trataremos acerca do premente tpico do mbito terico hodierno: a linguagem. Mais

    especificamente, abordaremos o problema da autorrelao da linguagem a seus limites, no

    apenas no que concerne a sua anlise lgico-formal, mas no que tange inter-relao dos

    extremos entre a dizibilidade e a cognoscibilidade.

    Palavras-chave: linguagem, dialtica negativa, epistemologia.

    ABSTRACT

    In dual beam correlations between the dialectical tradition and the critical and materialist

    theory of society in the twentieth century, namely the developed by the Institute for Social

    Research (Institut fr Sozialforschung) of Frankfurt, among the various aspects of

    contemporary philosophical reflection covered by the work of Theodor Adorno Wiesengrund

    (1903-1969), we will deal about the pressing topic of today's theoretical framework: language.

    More specifically, we will discuss the problem of the self-relation of language to its limits,

    not only with regard to its formal-logical analysis, but regarding the interrelation of the

    extremes between discursiveness and acknowledgement.

    Keywords: language, negative dialectics, epistemology.

  • 4

    SUMRIO

    1) Introduo ______________________________________________________________ 6

    2) Desenvolvimento ________________________________________________________ 16

    2.1) Hegel e a Crtica da Filosofia Moderna Do Conceito Preliminar da Cincia da Lgica 16

    2.2) Dialtica e Linguagem em Hegel Do Prefcio e da Certeza Sensvel na Fenomenologia do Esprito ____________________________________________________________________ 25

    2.3) Linguagem e a Crtica do Racionalismo Ocidental Do Conceito de Esclarecimento na Dialtica do Esclarecimento ______________________________________________________ 31

    2.4) A Linguagem como Modelo Do captulo Conceitos e Categorias na Dialtica Negativa _____________________________________________________________________________ 35

    3) Concluso _____________________________________________________________ 52

    4) Bibliografia ____________________________________________________________ 63

  • 5

    Uma palavra bem sabes:

    um cadver.

    Vamos lav-lo,

    vamos pente-lo,

    vamos voltar-lhe os olhos

    para o cu.

    Paul Celan

  • 6

    1) Introduo

    Adorno accepted a Marxist social analysis and used Marxist categories in

    criticizing the geistige products of bourgeois society. But the whole of his

    theoretical effort was to continue to interpret the world, whereas the point had

    been to change it. (BUCK-MORSS, 1977, p. 42)1.

    Em duplo feixe de correlaes, entre a tradio dialtica e a teoria crtica e materialista

    da sociedade no sculo XX, nomeadamente a desenvolvida pelo Instituto para Pesquisa Social

    (Institut fr Sozialforschung) de Frankfurt, dentre os vrios aspectos da reflexo filosfica

    contempornea abrangidos pela obra de Theodor Wiesengrund Adorno (1903-1969),

    trataremos acerca do premente tpico do mbito terico hodierno: a linguagem. Mais

    especificamente, abordaremos o problema da autorrelao da linguagem a seus limites, no

    apenas no que concerne a sua anlise lgico-formal, mas no que tange inter-relao dos

    extremos entre a dizibilidade e a cognoscibilidade.

    O glido e rido deserto conceitual traado neste presente trabalho divisa-se em quatro

    momentos de desenvolvimento. Em um primeiro momento, tratamos, atravs da interpretao

    do Conceito Preliminar (Vorbegriff) da Cincia da Lgica, presente na Enciclopdia (1831),

    da crtica perpetrada pela dialtica hegeliana epistemologia moderna, segundo suas

    tendncias mentalistas e empiristas. A partir disso, em um segundo momento, colocamos

    ateno naquilo que na Fenomenologia do Esprito (1807), no Prefcio e no captulo sobre a

    Certeza Sensvel, pode se considerar no pensamento especulativo hegeliano atravs da

    tematizao da linguagem e da ideia da mediao lingustica da cognio.

    Em um terceiro momento, aps esse prembulo percorrido por intermdio do

    idealismo hegeliano, nos voltamos para a teoria crtica na Dialtica do Esclarecimento

    (1947), obra de Adorno em parceria com Max Horkheimer (1895-1973), com o fito de

    perceber o papel da linguagem na crtica compulso pelo idntico no pensamento ocidental.

    Com o fechamento poltico da Alemanha, sob o signo brbaro do nacional-socialismo

    em 1933, o Instituto fundado em 1923 por Felix Weil teve de se mudar de Frankfurt

    sucessivamente para Genebra, Paris, e por ltimo para Nova York (ADORNO, 1980, p. 6;

    1 Adorno aceitou uma anlise social marxista e usou categorias marxistas ao criticar os produtos espirituais

    [geistige] da sociedade burguesa. Mas o todo de seu esforo terico era para continuar a interpretar o mundo,

    enquanto que o ponto tinha sido o de mud-lo. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa).

  • 7

    BUCK-MORSS, 1977, p. 10)2. Nesse entremeio, de muito pesar, um fato marca a vivacidade

    intelectual dos colaboradores: o suicdio de Walter Benjamin em 1940, cuja obra foi de

    importncia crucial para os desdobramentos filosficos da teoria crtica, principalmente em

    suas teses sobre filosofia da histria, um dos seus ltimos escritos, que claramente

    influenciaram na composio da Dialektik der Aufklrung, considerada um ponto de virada

    em relao descrio marxiana da histria como luta de classes por apresentar, entretanto, o

    processo de esclarecimento como a razo em sua dialtica histrica (BUCK-MORSS, 1977, p.

    59).

    For Dialektik der Aufklrung was not a radical departure from Adornos

    earlier methodology. It could in fact be seen as a concrete working out of

    the idea of natural history which he outlined in his 1932 speech [Die

    Idee der Naturgeschichte]. In the book the moments of dynamic history

    and static myth were juxtaposed in order to give critical meaning to the

    present: reason was criticized as myth, while historical progress was

    seen as as the return of the ever-identical (Immergleiche) because of the

    violence which it did to material first nature; the most recent history

    (mass culture and anti-Semitism) was exposed as archaic barbarism,

    while the arcaic, the epic poem of the Odyssey, was read as an expression

    of the most modern, with Odysseus the prototype of the bourgeois

    individual. (BUCK-MORSS, 1977, p. 59, entre chaves acrscimo

    nosso)3.

    2 Quando finalmente em 1941 Adorno decidiu aceitar o convite de Horkheimer a se juntar ao Instituto, e comear

    a trabalharem em parceria na Califrnia, os planos eram de concretizarem juntos um longo ensaio com uma nova

    dialtica de forma aberta, o que se postergou por conta do choque com os horrores de Auschwitz e Hiroshima,

    tendo como resposta a Dialtica do Esclarecimento. Tal intento foi concretizado depois, apenas por Adorno, em

    1966, com a Dialtica Negativa. Dialektik der Aufklrung was in a sense a preliminary study for Negative Dialektik, as a comprehensive analysis of the history of the Enlightenment and how it had run amok: one had to

    know what had gone wrong with reason in order to redeem it. (BUCK-MORSS, 1977, p. 59, p. 68, p. 237, nota 39). Dialektik der Aufklrung foi em certo sentido um estudo preliminar para a Negative Dialektik, como uma anlise compreensiva da histria do esclarecimento e de como ela se descontrolou: tinha-se que saber o que

    houve de errado com a razo de modo a redimi-la. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa). 3 Pois, a Dialektik der Aufklrung no foi um abandono radical da metodologia inicial de Adorno. Ela poderia,

    de fato, ser vista como um desenvolvimento concreto da ideia de histria natural que ele delineou em seu discurso de 1932 [Die Idee der Naturgeschichte A ideia da histria natural]. No livro, os momentos da dinmica histrica e mito esttico foram justapostos de modo a dar significado crtico ao presente: a razo foi

    criticada como mito, enquanto progresso histrico foi visto como o retorno do sempre-idntico (Immergleiche), por causa da violncia que ele fez primeira natureza material; a histria mais recente (cultura de massas e anti-semitismo) foi exposta como barbarismo arcaico, enquanto o arcaico, o poema pico da

    Odisseia, foi lido como uma expresso do mais moderno, com Odisseu como o prottipo do indivduo

    burgus. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa).

  • 8

    Em um quarto e ltimo momento, nos detemos no captulo Conceitos e Categorias

    da Dialtica Negativa (1966), considerada o cerne dos desenvolvimentos tericos de Adorno

    (BERNSTEIN apud HUHN, 2004, p.19), a fim de propormos uma interpretao da ideia de

    linguagem como modelo de expresso da no-identidade, o que nos levar atravs de uma

    concepo dialtica de linguagem ao problema filosfico e esttico da inefabilidade.

    Como sintoma da decadncia da era burguesa, Adorno vira na perda da viso da

    totalidade - tema lukcsiano que destacava a decorrncia dos processos de modernizao e de

    secularizao das sociedades modernas e que, do ponto de vista de uma crtica esttica, se

    apresentava no incio do sculo XX nas vanguardas artsticas europias, ou nas crises cultural

    e econmica -, a necessidade de uma reformulao do paradigma terico e das categorias a

    empregadas, a urgncia de uma lgica que insuflasse e dissolvesse por dentro o idealismo

    burgus: o que, para uma era em runas, desde os anos trinta j chamava de uma lgica da

    desintegrao (BUCK-MORSS, 1977, p. 63-64) 4. Assim, sem distino entre teoria e

    mtodo no sendo este apenas uma lista de regras a serem seguidas -, bem como

    preconizava Hegel, o surgimento dessa refuncionalizao (umfunktioniert)5 das categorias no

    mbito filosfico apenas se daria na prpria atividade e desenvolvimento filosficos. Desde

    sua aula inaugural, Die Aktualitt der Philosophie (1931), j aparece claramente a inteno do

    programa filosfico que parte de uma lgica da desintegrao, dessa poca, a uma dialtica

    negativa, posterior; em que tanto a influncia de Benjamin como a interao com

    Horkheimer e o Instituto so cruciais (BUCK-MORSS, 1977, p. 69). Ao lado desses

    conceitos, atualizados em suas potencialidades no decorrer da carreira de Adorno,

    desenvolve-se o conceito de no-identidade, fruto da recusa sntese hegeliana entre sujeito e

    objeto e de sua crtica ao idealismo burgus que via surgir como tentativa de recuperao do

    sentido da totalidade social na teoria, que, dentre outros, transparecia em Kierkegaard,

    Husserl (BUCK-MORSS, 1977, p. 64) e Heidegger6.

    4 The origins of negative dialectics are therefore to be found in Benjamins early works and the intellectual

    dialogue between him and Adorno, which began in 1929 when they formulated a common program at

    Knigstein, and which bore fruit in Adornos writings during the early thirties. An analysis of these origins

    provides a key to Adornos philosophy, even in its later, mature form. (BUCK-MORSS, 1977, p. 64-65). As origens da dialtica negativa so, assim, a serem encontradas nos primeiros trabalhos de Benjamin e no dilogo intelectual entre ele e Adorno, que comeou em 1929 quando eles formularam um programa comum em

    Knigstein, e que deu frutos nos escritos de Adorno durante o princpio dos anos trinta. Uma anlise dessas

    origens prov uma chave para a filosofia de Adorno, mesmo em sua forma posterior e madura. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa). 5 Para usar um termo tomado por Adorno de emprstimo a Brecht (BUCK-MORSS, 1977, p. 64).

    6 In a 1957 essay, Identitt und Differenz, Heidegger reviewed the history of identity theory in Western

    philosophy, noting that in its evolution it took on several distinct forms. These included, on the level of

    cognition, that concept and thing are the same (or the thing is a case of its concept): the ontological form, that a

    thing remains identical with itself (the problem of essence and appearance); the logical form A=A (the identity of

  • 9

    Crucial to negative dialectics was not only the objects nonidentity

    with itself, but its nonidentity with the knowing subject, the mind and its logical

    processes. In Adornos inaugural lecture, this level of nonidentity found

    expression in the term unintentional truth, and Adornos choice of words was

    not without significance. At the time, Horkheimer and his colleagues at the

    Institute were also insisting that subject and object were not identical. [] If the

    Institutes Ideologiekritik essays exposed the untruth of identity (of the

    Hegelian claim that the real was rational), Adorno was stating the converse as

    well: nonidentity was the locus of truth. (BUCK-MORSS, 1977, p. 77. Cf. p.

    245, nota 111)7.

    O prprio Benjamin, antes de sua adeso ao materialismo histrico de cunho

    marxiano, em sua obra Origem do Drama Barroco Alemo (Ursprung des deutschen

    Trauerspiels) de 1927, j tinha como central a ideia de uma no-intencionalidade. Seu

    argumento criticava a chamada doutrina da intencionalidade que, originria da obra do

    escolstico medieval Duns Scotus, ganhou vida novamente pelas mos de Franz Brentano

    (1838-1917), neo-kantiano que lecionava em Viena, e de seu pupilo Edmund Husserl (1858-

    1938), integrada em sua fenomenologia. Seu intento era distinguir objetos empricos de

    objetos intencionais, existentes no ato de pensamento sobre eles. Desse modo, podia-se evitar

    o mbito contingente dos objetos empricos, justamente o mbito considerado crucial para

    Adorno e Benjamin (BUCK-MORSS, 1977, p. 77). O que os diferenciava em seu

    procedimento metodolgico daquele comum s cincias humanas ou do esprito

    (Geisteswissenschaft) burguesas era sua considerao de que os phenomena tinham vida

    a concept with itself; contradiction seen as error); and the metaphysical level (God is identical with the world;

    reason is one with reality). Adorno reversed all these assumptions, and [] these reversals were already implicit in his 1931 program for philosophy. (BUCK-MORSS, 1977, p. 238, nota 48). Em um ensaio de 1957, Identitt und Differenz, Heidegger revisou a histria da teoria da identidade na filosofia ocidental, notando que em sua evoluo ela assumiu vrias formas distintas. Estas incluam, no nvel da cognio, que conceito e coisa

    so o mesmo (ou a coisa um caso de seu conceito): a forma ontolgica, que uma coisa permanece idntica

    consigo mesma (o problema da essncia e aparncia); a forma lgica A=A (a identidade de um conceito consigo

    mesmo; contradio vista como erro); e o nvel metafsico (Deus idntico com o mundo; razo uma com a

    realidade). Adorno reverteu todas essas hipteses, e [...] essas reverses j estavam implcitas em seu programa

    de 1931 para a filosofia. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa). 7 Crucial dialtica negativa no era apenas a no-identidade do objeto consigo mesmo, mas sua no-

    identidade com o sujeito cognoscente, a mente e seus processos lgicos. Na aula inaugural de Adorno, esse nvel

    da no-identidade encontrou expresso no termo verdade no-intencional, e a escolha das palavras de Adorno no era sem significncia. Naquele tempo, Horkheimer e seus colegas no Instituto estavam tambm insistindo

    que o sujeito e o objeto no eram idnticos. [...] Se os ensaios de Ideologiekritik do Instituto expunham a no-

    verdade da identidade (da reivindicao hegeliana de que o real era racional), Adorno estava do mesmo modo

    declarando o contrrio: a no-identidade seria o locus da verdade. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa).

  • 10

    prpria, uma obra de arte, por exemplo, determinada pela objetividade histrica, poderia

    assim como nascer, morrer; porm, ao invs de identificar a natureza em sua alteridade com o

    sujeito, o intuito era de preservar a no-identidade, o objeto em sua estranheza o que

    Benjamin chamou de aura (BUCK-MORSS, 1977, p. 78. Cf. p. 245, notas 119, 120).

    Adorno, por sua vez, encontrou na obra de Wilhelm Dilthey (1833-1911) a mais consciente

    articulao sobre e, assim como a sua, a preocupao com os fenmenos objetos culturais,

    por exemplo, documentos, textos, obras de arte - em sua configurao concreta, e

    historicamente particular, portadora do que uma poca especfica lhe imputou (BUCK-

    MORSS, 1977, p. 78).

    But despite the fact that Adornos negative dialectics was clearly a

    hermeneutic procedure, it diverged radically from Diltheys hermeneutics, and

    the notion of unintentionality provides the key to that difference: Dilthey

    treated geistige phenomena as psychological expressions; his aim in interpreting

    them was to recapture the original subjective meaning, the original intention

    behind the written word or other form of cultural expression. In contrast,

    Adorno wanted to know what the cultural objects were saying despite their

    creators intent: ascribed to the basic assumptions of philosophical

    interpretation was construction out of small, unintentional elements (Adorno,

    Die Aktualitt der Philosophie, 1931, GS 1, p. 336) within geistige

    phenomena. For Dilthey, it was the artist which hermeneutics tried to

    understand; for Adorno it was the artwork. (BUCK-MORSS, 1977, p. 78-79)8.

    Dessa maneira, a visada do procedimento adorniano consiste em transformar a

    considerao do particular concreto como a fonte da verdade no-intencional para o papel do

    sujeito em interpret-la.

    [...] like Husserl, when faced with the merely given world, Adorno

    returned to the subject as the source of knowledge, but not at the cost of giving

    8 Mas, a despeito do fato de que a dialtica negativa de Adorno ser claramente um procedimento hermenutico,

    ela se divergiu radicalmente da hermenutica de Dilthey, e a noo de no-intencionalidade prov a chave para essa diferena: Dilthey tratou os fenmenos espirituais [geistige] como expresses psicolgicas; sua meta ao

    interpret-los era recapturar o significado subjetivo original, a inteno original por trs da palavra escrita ou

    outra forma de expresso cultural. Em contraste, Adorno desejava saber o que os objetos culturais estavam

    dizendo a despeito do intento de seu criador: atribuda s hipteses bsicas da interpretao filosfica estava a reconstruo dos elementos pequenos e no-intencionais (op. cit.) internos aos fenmenos espirituais [geistige]. Para Dilthey, era o artista o que a hermenutica tentava entender; para Adorno era a obra de arte. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa).

  • 11

    up the nonidentity between subject and object. Instead, he saw them as

    necessary codeterminates: neither mind nor matter could dominate the other as a

    philosophical first principle. Truth resided in the object, but it did not lie ready

    at hand; the material object needed the rational subject in order to release the

    truth which it contained. (BUCK-MORSS, 1977, p. 81)9.

    Em contraposio a Lukcs, Adorno rejeitava a ideia de um sujeito coletivo e,

    principalmente a ideia de um proletariado guiado por uma elite supra-individual regressiva, o

    Partido. Por isso, sua no adeso ao Partido Comunista e sua averso a basear sua teoria no

    conceito ou na realidade da classe proletria, mas sim base-la em sua reviso crtica do

    conceito de experincia.

    In History and Class Consciousness Lukcs had argued: The

    individual can never become the measure of all things Only the class can

    relate to the whole of reality in a practical revolutionary way. But for Adorno,

    the point was still to interpret the world not as a substitute, but as a

    precondition for change, and as a preventative against false praxis. In his

    dialectical, materialist theory the Marxian conception of class consciousness

    as a political experience was lacking, and in its place Adorno developed a

    conception of individual consciousness as the subject of cognitive experience.

    On this point Adorno was really falling back not only Marx but Hegel (whose

    absolute Geist was the quintessence of collective subjectivity) and returning to

    Kant. (BUCK-MORSS, 1977, p. 82)10.

    Mesmo assim, a universalidade do sujeito transcendental kantiano revela uma

    estrutura abstrata como o princpio de troca das mercadorias: uma individualidade meramente

    formal, a despeito das particularidades de cada indivduo em sua historicidade. Para Adorno,

    9 [...] como Husserl, quando em face do mundo meramente dado, Adorno retornou ao sujeito como fonte do

    conhecimento, mas no ao custo de desistir da no-identidade entre sujeito e objeto. Em vez disso, ele os viu

    como codeterminados necessrios: nem a mente nem a matria poderiam dominar o outro como primeiro

    princpio filosfico. A verdade residiria no objeto, mas no estaria pronta mo; o objeto material precisaria do

    sujeito racional de modo a liberar a verdade nele contida. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa). 10

    Em Histria e Conscincia de Classe, Lukcs havia argumentado: O indivduo nunca pode se tornar a medida de todas as coisas... Apenas a classe pode se referir ao todo da realidade em sentido prtico

    revolucionrio. Mas para Adorno, o ponto era ainda interpretar o mundo no como um substituto, mas como uma pr-condio para a mudana, e como um preventivo contra a falsa prxis. Em sua teoria dialtica e materialista, a concepo marxiana de conscincia de classe como uma experincia poltica estava faltando, e em seu lugar Adorno desenvolveu uma concepo de conscincia individual como o sujeito da experincia

    cognitiva. Nesse ponto, Adorno estava realmente recaindo para trs, no apenas de Marx, mas de Hegel (cujo

    Esprito [Geist] absoluto era a quintessncia da subjetividade coletiva) e retornando a Kant. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa).

  • 12

    o processo cognitivo do sujeito atravs da experincia filosfica no apenas visa tomar

    conscincia do sofrimento humano, mas tambm chegar concluso de que o prprio ato

    cognitivo constitudo por um elemento somtico (BUCK-MORSS, 1977, p. 83).

    In short, instead of judging the correctness of consciousness by its identity with

    the interests of the proletariat (Lukcss imputed class consciousness), Adorno

    had as his criterion the individual subjects nonidentity with the world, the

    object of his reflection, in its present given form. In the Marxian concept of

    class consciousness, cognition meant knowledge of ones own socioeconomic

    position and consequent historical role, but in negative dialectics cognitive

    experience meant something quite different: it was in fact synonymous with

    intellectual nonconformity. (BUCK-MORSS, 1977, p. 84)11.

    Esse conceito12, de acordo com sua lgica interna, poderia levar a que apenas uma

    minoria conseguisse atingi-lo, e de fato Adorno consentia a consequncia de uma experincia

    intelectual privilegiada. Diante do questionamento sobre quem seria hbil a fazer parte de

    tal vanguarda, Adorno poderia ignorar tal questo j que de seu conceito de experincia no

    decorre uma teoria da intersubjetividade13, porquanto para ele verdade no dependeria do

    11

    Em resumo, em vez de julgar a correo da conscincia por sua identidade com os interesses do proletariado (a conscincia de classe imputada de Lukcs), Adorno tinha como seu critrio a no-identidade do sujeito individual com o mundo, o objeto de sua reflexo, em sua forma presente dada. No conceito marxiano de conscincia de classe, a cognio significava o conhecimento de algum de sua prpria posio socioeconmica

    e consequente papel histrico, mas na dialtica negativa a experincia cognitiva significava algo bem diferente:

    era de fato sinnima no-conformidade intelectual. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa). 12

    The corollary, of course, was its definition of false consciousness as conformism (Anpassung), a concept central to Adornos critique of mass culture. (BUCK-MORSS, 1977, p. 249, nota 24). O corolrio, com certeza, era sua definio de conscincia falsa como conformismo (Anpassung), um conceito central crtica de Adorno cultura de massas. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa). 13

    But the dimension of intersubjectivity was fundamental to the social (as opposed to purely cognitive) nature of the dialectic, both in its Hegelian form (the master-slave dialectic) and the Marxian form of class struggle. It

    was in fact the hinge between cognition and the real transformation of society. Habermass recent theory of social interaction and his conception of utopia in terms of a truly democratic consensus achieved through

    undistorted communication can be seen as an attempt to remedy this gap in Adornos theory. At the same time, like Adorno, Habermas holds on to the individuality of the subject consensus is to be reached by a dialogue between equals, not by the dictates of ruling class or Communist Party. (See Jrgen Habermas, Knnen komplexe Gesellschaften eine vernnftige Identitt ausbilden? in idem and Dieter Henrich, Zwei Reden: Aus Anlass des Hegel-Preises [Frankfurt am Main: Suhrkamp, Verlag, 1974]). (BUCK-MORSS, 1977, p. 250, nota 33). Mas, a dimenso da intersubjetividade era fundamental para a natureza social (como oposta puramente cognitiva) da dialtica, ambas em sua forma hegeliana (a dialtica do senhor-escravo) e na forma marxiana da

    luta de classes. Era, de fato, a dobradia entre a cognio e a transformao real da sociedade. A recente teoria

    de interao social de Habermas e sua concepo de utopia em termos de um verdadeiro consenso democrtico

    atingido atravs de comunicao no-distorcida pode ser vista como uma tentativa de remediar essa fissura na teoria de Adorno. Ao mesmo tempo, como Adorno, Habermas firma-se individualidade do sujeito o consenso para ser atingido por um dilogo entre iguais, no pelos ditames de uma classe dominante ou Partido

    Comunista. (op. cit.). (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa).

  • 13

    consenso subjetivo, ou da universalidade do sujeito, mas da unidade estrutural da objetividade

    que traa paralelo direto com a configurao objetiva da mercadoria (BUCK-MORSS,

    1977, p. 84-85).

    De outro lado, Adorno reconhecia que o sujeito em Kant tinha como uma de suas

    principais marcas a sua espontaneidade, a saber, uma ativa participao na experincia

    cognitiva. Enquanto Kant atribua ao sujeito o papel ativo de pr-moldar a priori em sua

    receptividade os objetos atravs das categorias do entendimento, Adorno, com seu intento de

    uma virada axial da revoluo copernicana, quer instituir o primado do objeto, j que, no o

    sujeito, mas a estrutura histrica e materialmente desenvolvida da sociedade que tem

    prevalncia, inclusive o que torna possvel a prpria concepo moderna de Kant das

    categorias da conscincia em sua reificao (BUCK-MORSS, 1977, p. 85).

    Whereas Hegel, also arguing against Kant that the subject needed to immerse

    itself in the object, claimed the structure of reality was ultimately identical to

    rational subjectivity, Adorno considered the object simply not rational, although

    it was rationally understandable. But only a dialectical logic could grasp the

    inner contradictions of phenomena which reproduced in microcosm the

    dynamics of the contradictory social whole. Marx stated in his critique of

    Hegels Rechtsphilosophie that philosophy was not a matter of logic (Sache

    der Logik), but the logic of the matter (Logik der Sache), and Adorno

    incorporated this phrase into his own vocabulary. (BUCK-MORSS, 1977, p.

    86)14

    .

    Em seu programa filosfico Adorno desejava, pois, resgatar a noo de uma ars

    inveniendi, arte da inveno e descoberta, que o idealismo e autores anteriores rejeitaram,

    tendo como seu a fantasia15, faculdade ativa do sujeito cognoscente em permanncia

    14

    Enquanto Hegel, tambm argumentando contra Kant que o sujeito precisava imergir a si mesmo no objeto, reivindicou que a estrutura da realidade era em ltima instncia idntica subjetividade racional, Adorno

    considerou o objeto simplesmente no-racional, embora fosse racionalmente inteligvel. Mas, somente uma

    lgica dialtica poderia apreender as contradies internas dos fenmenos que reproduziram no microcosmo a

    dinmica do todo social contraditrio. Marx declarou em sua crtica Rechtsphilosophie de Hegel que a filosofia

    no era uma matria da lgica (Sache der Logik), mas a lgica da matria (Logik der Sache), e Adorno incorporou essa frase em seu prprio vocabulrio. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa). 15

    The term fantasy had recently been revived in philosophical parlance by Husserl, whose phenomenological method granted fantasy objects (the mermaids and unicorns) the same philosophical dignity as empirical phenomena. Adornos meaning was quite different. Indeed, he claimed even fiction could not bracket out empirical reality. (BUCK-MORSS, 1977, p. 251, nota 41). O termo fantasia foi recentemente revivido no linguajar filosfico por Husserl, cujo mtodo fenomenolgico concedeu aos objetos da fantasia (sereias e unicrnios) a mesma dignidade filosfica que os fenmenos empricos. O significado de Adorno era bem

  • 14

    rente aos elementos materiais da experincia emprica, rearranjados interpretativamente pelo

    que Adorno concebeu como uma lgica da matria (BUCK-MORSS, 1977, p. 86); imerso

    nos objetos o sujeito no os deixa inalterados, em vez de os duplicar atravs do pensamento,

    de os transportar (como uma mercadoria ao mercado) a mediao da linguagem os

    transforma, trazendo-os tona da matria s palavras. nesse nterim que aparece nos

    escritos de Adorno o conceito de mimese, atividade mimtica, que em Benjamin surge atravs

    de seus escritos sobre traduo e em Adorno na sua anlise sobre a reproduo musical. Na

    Dialektik der Aufklrung, os autores resgatam o conceito de mimese dos momentos primevos

    da magia e da xamnica imitao da natureza (BUCK-MORSS, 1977, p. 87). Benjamin, em

    um ensaio de seus incios intitulado ber das mimetische Vermgen, considerou o

    desenvolvimento lingustico como um nvel avanado de tal capacidade, sendo as palavras

    imitao da natureza como correspondncia e similaridade no-representacional (unsinnliche

    hnlichkeiten). O carter de transformao do momento mimtico abre para a verdade, no

    intuito de chamar as coisas por seus prprios nomes (BUCK-MORSS, 1977, p. 87-88. Cf. p.

    252, nota 57).

    The name paid attention to the objects nonidentity by identifying it as

    particular and unique; it imitated nature, whereas the concept subordinated it.

    Where Benjamin had lamented the inadequacy of human language compared

    with the paradisical name, Adorno agreed, yet in keeping with his own

    negative theology he argued that the nonidentity implied in that inadequacy

    was necessary to maintain the critical tension between subject and object upon

    which the hope for utopia depended [](BUCK-MORSS, 1977, p. 90)16.

    De outro lado, a filosofia no pode passar sem o momento conceitual, apesar do

    conceito no poder atingir a particularidade almejada. As representaes de verdade para a

    filosofia adorniana se do atravs das conjunes de conceitos: as constelaes (BUCK-

    MORSS, 1977, p. 90). O uso do termo se d filosoficamente no perodo pr-marxiano,

    mstico e teolgico, em que se insere a obra Ursprung des deutschen Trauerspiels. Benjamin,

    diferente. De fato, ele reivindicou que mesmo a fico no poderia colocar em parnteses a realidade emprica. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa). 16

    O nome prestava ateno no-identidade do objeto por identific-lo como particular e nico; ele imitava a natureza, enquanto que o conceito a subordinava. Onde Benjamin tinha lamentado a inadequao da linguagem

    humana comparada com o nome paradisaco, Adorno concordava, j levando em conta sua prpria teologia

    negativa, argumentando que a no-identidade implicada em tal inadequao era necessria para manter a tenso crtica entre sujeito e objeto, do que a esperana de utopia dependia. (BUCK-MORSS, 1977, traduo nossa).

  • 15

    em sua inverso da teoria platnica aliada a sua reviso da obra kantiana, toma os elementos

    fenomnicos como absolutos e as ideias, e mesmo a verdade, como transientes e

    historicamente determinadas decorre da seu interesse direto para Adorno, para a dialtica e

    o materialismo, que faro parte da obra benjaminiana logo depois (BUCK-MORSS, 1977, p.

    90-93). Para Adorno, a inteno de redimir os elementos do passado, diversamente de

    Benjamin nesse perodo teolgico, tem o sentido dialtico do intraduzvel conceito hegeliano

    de Aufhebung, que quer ao mesmo tempo tanto a preservao como a negao, ou seja,

    forar a histria coagulada do uso filosfico contra si mesma, em crtica imanente da tradio

    conceitual para a sua liquidao. Diferente de seu uso por Benjamin, no programa filosfico

    ao nvel da experincia cognitiva traado por Adorno desde 1931, conhecimento como cincia

    (Wissenschaft) teria a tarefa da coleta atravs da pesquisa e da conceitualizao dos dados, e

    a filosofia, sua interpretao, representao veritativa atravs das constelaes de ideias scio-

    historicamente determinadas (BUCK-MORSS, 1977, p. 94-95).

    Sendo assim, a seguir buscaremos dispor, de maneira um pouco mais pormenorizada,

    na medida de nosso possvel, e em contato direto com as obras referentes a cada um dos

    momentos, acerca do tema proposto.

  • 16

    2) Desenvolvimento

    2.1) Hegel e a Crtica da Filosofia Moderna Do Conceito Preliminar da Cincia

    da Lgica

    Dentre os dois trabalhos que se encaixam na Cincia da Lgica de Hegel, a menor de

    suas verses o primeiro volume da Enciclopdia das Cincias Filosficas (1817), que

    continuou a ser desenvolvido durante suas duas subsequentes edies 1827 e 1830

    (BURBIDGE, 1993, p.86). Neste, em seu Conceito Preliminar (Vorbegriff), Hegel vem a

    explicitar a Lgica como a cincia da ideia pura, da ideia no elemento abstrato de pensar,

    sendo que sua determinao extrada da viso geral do todo. A Lgica, assim, a cincia

    das determinaes e leis do pensar, constituindo somente a determinidade universal e o

    elemento no qual est a ideia enquanto lgica, o pensar como totalidade em desenvolvimento,

    diferente do pensar meramente formal (HEGEL, 1995, p. 65-66).

    A necessidade e a carncia de compreender a Lgica em seu sentido mais profundo do

    que o de cincia do pensar puramente formal, impulsionar-se para alm do pensamento

    abstrato, ocasionada pelo interesse da tessitura dos mundos da vida, da religio, do direito,

    do Estado, que na sociedade moderna burguesa foram comprometidos em suas relaes

    superiores, tendo sido a eticidade cindida em seus extremos - a tendncia do pensamento foi

    destruir a religio e o Estado, em decorrncia do exame nos tempos modernos sobre a

    natureza do pensar e sobre sua legitimao (HEGEL, 1995, p. 68-69).

    Em sua significao mais prxima, o pensar tem uma significao subjetiva, como

    uma das faculdades espirituais, ao lado de outras. A determinidade, ou forma do pensamento,

    o universal, o abstrato em geral, o produto do pensar, que, representado como sujeito, o Eu,

    referente aos fatos da conscincia, requer uma cultura da ateno e da abstrao (HEGEL,

    1995, p. 69-70). Dessa maneira, Hegel diferencia o pensar do sensvel e do representar. Com

    relao ao primeiro, sua origem externa tomada por explicao; suas determinaes, que so

    pensamento e universais, so as da singularidade, caractersticas do ser fora-de-um-outro: ser-

    ao-lado-de-um-outro, no espao e ser-ao-lado- e depois-de-um-outro, no tempo (HEGEL,

    1995, p. 70). O segundo tem tal matria sensvel - na determinao do meu, da

    universalidade, da relao-a-si, da simplicidade - por contedo, bem como a matria

    originria do pensar consciente-de-si, como as representaes do jurdico, tico, religioso e do

    pensar mesmo, pois estes no se situam no sensvel do espao, so espirituais, isolados (so

    simples) na universalidade interior, abstrata, no representar em geral (HEGEL, 1995, p. 70-

  • 17

    71). A representao, pois, em espao indeterminado, uma ao lado da outra, difere-se do

    entendimento, porquanto este s opera por relaes de universal e particular, como causa,

    efeito, etc. Aquela tambm diferencia-se do pensamento: destacando-se aqui a tarefa da

    filosofia, que transforma representaes em pensamentos e pensamentos simples em

    conceitos. O pensamento e o universal so mostrados na Lgica: ele mesmo e seu Outro,

    apodera-se desse Outro e nada lhe escapa (HEGEL, 1995, p. 71).

    Enquanto a linguagem a obra do pensamento, tambm nela nada se

    pode dizer que no seja universal. O que eu apenas viso meu [meine/mein],

    pertence-me enquanto a este indivduo particular; mas, se a linguagem s

    expressa o universal, eu no posso dizer o que apenas viso. E o indizvel [das

    Unsagbare] sentimento, sensao no o mais excelente, o mais verdadeiro;

    e sim o mais insignificante, o mais inverdico. (HEGEL, 1995, p. 71, entre

    chaves nosso).

    Assim, Hegel, retificando a assero kantiana de que o Eu deve poder acompanhar

    todas as representaes do sujeito, assevera que o pensamento que est em toda parte

    presente e atravessa como categoria todas as determinaes, como sensao, representao,

    etc. (HEGEL, 1995, p. 72). De outro lado, na Refutao do Idealismo, situada no Livro

    segundo da Analtica Transcendental (KANT, 1999, p. 192), mostra-se a interdependncia

    que tm os processos cognitivos e os processos somticos, de certo modo, o carter

    materialista que ser emblema da dialtica para Adorno. Kant esclarece que, por um lado, o

    idealismo material uma teoria que declara a existncia dos objetos no espao fora de ns

    como duvidosa, dando como exemplo o idealismo problemtico de Descartes: tendo apenas o

    eu sou, essa afirmao, assertio, emprica, como indubitvel; ou seja, as coisas externas s

    podem ser provadas quando se puder provar que mesmo nossa experincia interna somente

    possvel pressupondo-se uma externa. O jogo do idealismo volta-se contra si mesmo, pelo que

    a partir da experincia imediata interna, nica, apenas inferimos as coisas externas, como a

    partir de efeitos dados se infere causas determinadas. O que fica a provado que a

    experincia externa propriamente imediata. A representao eu sou a conscincia que pode

    acompanhar todo o pensamento, o que contm imediatamente em si a existncia de um

    sujeito, mas ainda nenhum conhecimento dele, pois necessria a intuio em que so

    exigidos os objetos externos, nem tambm algum conhecimento emprico, experincia, pois

    para a experincia interna necessria a externa (KANT, 1999, p. 193-194). A conscincia

  • 18

    de mim mesmo na representao Eu no uma intuio, mas uma representao meramente

    intelectual da espontaneidade de um sujeito pensante. (KANT, 1999, p. 194).

    O pensar ativo em relao a objetos, em reflexo sobre algo; o universal

    considerado enquanto produto dessa atividade, contendo o valor da Coisa: o essencial,

    interior, verdadeiro, que no se encontra imediatamente na conscincia, pois necessria a

    reflexo (HEGEL, 1995, p. 73). Esta, a reflexo, j proposta criana nas relaes morais,

    presentes nos universais do direito, do dever; por seu turno, a regra um universal, por

    exemplo, a regra gramatical, a que se deve atentar quando de sua aplicao (HEGEL, 1995, p.

    74). Nos fenmenos naturais, o universal do pensamento est presente em causa e efeito, nas

    leis dos movimentos dos corpos celestes, o que se diferencia do sensvel, do singular, a

    multiplicidade qual preciso levar unidade, pautada na f em um universal que impera

    (HEGEL, 1995, p. 75).

    Por meio de uma reelaborao do imediato ao substancial, uma alterao - a reflexo -

    , que a verdadeira natureza do objeto chega conscincia (HEGEL, 1995, p. 75). Nos

    tempos modernos, notadamente com a filosofia crtica, chegou-se concluso de que o limite

    do pensamento seria o Em-si das coisas, um conhecimento subjetivo que incorre em

    desespero. Em contraposio a isso, em Hegel, o pensar se mostra como a verdade do objetivo

    (HEGEL, 1995, p. 76). Na reflexo vem luz a verdadeira natureza, e esse pensar, segundo o

    contedo, o verdadeiro quando absorto na Coisa; segundo a forma a conscincia como Eu

    abstrato, s efetua o universal, sendo idntica com todos os indivduos (HEGEL, 1995, p. 76-

    77).

    Em vez de utilizar a expresso pensamento, pois melhor, para evitar

    mal-entendido, dizer determinao de pensamento. O lgico, em

    consequncia do [exposto] at agora, deve ser pesquisado como um sistema de

    determinaes-de-pensamento em geral, em que desaparece a oposio entre

    subjetivo e objetivo (em seu sentido habitual). (HEGEL, 1995, p. 78).

    O pensar , pois, a substncia das coisas exteriores, a substncia universal do

    espiritual, o universal em todas as representaes, lembranas, etc. - que so especificaes

    ulteriores do pensar -, o verdadeiramente universal de todo ser natural e espiritual. A

    natureza no traz por si o conscincia, s o homem se duplica de modo a ser o

    universal para o universal, quando se sabe como Eu o puro ser-para-si, em que toda

    particularidade est negada e suprassumida.

  • 19

    O Eu esse vazio, o receptculo para tudo e para cada um, para o qual

    tudo , e que em si conserva tudo. Cada homem um mundo inteiro de

    representaes, que esto sepultadas na noite do Eu. (HEGEL, 1995, p. 79).

    A Lgica, para Hegel, o esprito omnivivificante das cincias, na qual o ser uma

    determinao pura dentre as determinaes-de-pensamento, determinaes estas depositadas

    sobretudo na linguagem. A forma do concatenar silogstico uma forma universal das coisas

    todas, sendo aqui considerado impotncia da natureza no apresentar as formas lgicas de

    modo puro. A verdade, que na filosofia kantiana dita como a concordncia de um objeto

    com nossa representao, no sentido da filosofia hegeliana, a concordncia de um contedo

    consigo mesmo (HEGEL, 1995, p. 81-82).

    A maneira mais perfeita do conhecer se d atravs da pura forma do pensar, a forma

    absoluta. O conhecer que reflete e o conhecer filosfico saem da unidade natural imediata, do

    saber imediato; o que ocasionado pela ciso do espiritual dentro de si mesmo, que deve

    depois ser suprassumida e voltar unio espiritual pelo pensamento: ele que faz a ferida, e

    tambm cura (HEGEL, 1995, p. 84).

    Para desenvolver sua crtica com relao ao pensamento moderno, Hegel distingue trs

    posies do pensamento a respeito da objetividade metafsica.

    A primeira posio diz respeito ao procedimento da antiga metafsica, referente aqui

    metafsica anterior filosofia kantiana (HEGEL, 1995, p. 90). A ingenuidade de seu

    procedimento consiste na crena de que mediante a reflexo conhece-se a verdade. Esse

    pensar tem como caracterstica uma carncia-de-conscincia sobre seu objeto, o que,

    entretanto, pode se tornar um filosofar especulativo17

    ou se demorar em determinaes finitas

    de pensamento, nas quais a oposio permanece ainda no resolvida, uma simples viso-do-

    entendimento sobre os objetos-da-razo. A antiga metafsica incidia na crena ingnua de que

    o pensar captava o Em si das coisas, s sendo estas verdadeiramente enquanto pensadas o que

    so.

    A alma do homem e a natureza so o Proteu que se transforma

    constantemente; e uma reflexo muito bvia, que as coisas no so em si

    17

    Na vida ordinria, o termo especulao costuma ser usado em um sentido muito vago e, ao mesmo tempo, inferior. [...] Ao contrrio, h que dizer que o especulativo, segundo sua verdadeira significao, no [...] algo

    puramente subjetivo; mas , antes, expressamente o que contm em si mesmo, como suprassumidas, aquelas

    oposies em que o entendimento fica [imobilizado] por conseguinte, tambm a oposio de subjetivo e

    objetivo, e justamente por isso se mostra como concreto e como totalidade. (HEGEL, 1995, p. 167-168). Cf. tambm Introduo Controvrsia sobre o Positivismo na Sociologia Alem. (ADORNO, 1980, p. 211-212).

  • 20

    como se apresentam imediatamente. O ponto de vista, aqui mencionado, da

    antiga metafsica o contrrio do que a filosofia crtica tinha por resultado.

    Pode-se bem dizer que segundo esse resultado o homem seria simplesmente

    mandado s cascas e ao bagao. (HEGEL, 1995, p. 90-91).

    O pensar finito, do entendimento, se distingue portanto do pensar infinito, racional,

    pois o pensar ele mesmo infinito, assim como o verdadeiro infinito em si. O finito, por seu

    turno, consiste em uma relao com seu Outro, sua negao, e limitado por ele. De outro

    lado, o pensar, o Eu, junto de si mesmo e se relaciona consigo, ou seja, tem a si mesmo por

    objeto como suprassumido, ideal; , dessa maneira, infinito e infinitude aqui distinguida

    de um abstrato Alm e sempre-mais-Alm (HEGEL, 1995, p. 91) - ou especulativo:

    tambm determina e limita, mas suprassume essa deficincia.

    Os objetos-da-razo, por seu turno, no podem ser determinados por predicados

    finitos, como operado na antiga metafsica, por estes terem contedo limitado e serem

    inadequados plenitude da representao, ou seja, partem de um sujeito, so recebidos de

    fora. Desse modo, a forma da proposio ou juzo imprpria para exprimir o concreto (o

    verdadeiro) e o especulativo (HEGEL, 1995, p. 93-94).

    A antiga metafsica, que no era pensar livre e objetivo, pois no deixava o objeto se

    determinar a partir de si, tornou-se dogmatismo, tendo por seu contrrio o ceticismo. Em

    sentido estrito, dogmtica a filosofia que se atm s determinaes unilaterais de

    entendimento retidas com excluso das determinaes opostas; de modo diverso, o idealismo

    da filosofia especulativa ergue para si o princpio de totalidade, que domina a unilateralidade

    das determinaes abstratas do entendimento. A luta da razo consiste em sobrepujar o que o

    entendimento fixou. (HEGEL, 1995, p. 95).

    A primeira parte dessa metafsica a ontologia, a doutrina das determinaes abstratas

    da essncia, qual faz falta um princpio, tendo a representao como fundamento de seu

    contedo (HEGEL, 1995, p. 95). A segunda parte a psicologia racional ou pneumatologia,

    que trata da natureza metafsica da alma, do esprito enquanto coisa, ou seja, um existente de

    modo imediato, o qual nos representamos sensivelmente. A psicologia emprica, por outro

    lado, parte da percepo, enquanto a racional parte do pensamento. Hegel destaca que,

    enquanto a alma termo mediador entre corporalidade e esprito, o princpio vital do corpo, o

    esprito atividade , absoluta atuosidade actus purus , como diziam os escolsticos - e se

    exterioriza, o que determinado por sua interioridade (HEGEL, 1995, p. 97). A terceira parte

    a cosmologia, que tratava de questes relativas ao mundo, tempo, espao, liberdade, origem

  • 21

    do mal, etc., procurando em seguida estabelecer as chamadas leis cosmolgicas universais,

    como a lei leibniziana da continuidade (HEGEL, 1995, p. 97). A quarta parte a teologia

    natural ou racional, encarregada do conceito de Deus, suas provas e propriedades, em uma

    considerao prpria do entendimento, analisando que predicados convm ou no; em um

    provar prprio da conscincia finita, tendo por fundamento objetivo algo mediatizado por

    outro sua regra, a identidade-de-entendimento, que acarreta a dificuldade de passar do finito

    para o infinito, e.g. o pantesmo, que tem Deus como substncia imediata do mundo -; e em

    propriedades que naufragam no conceito abstrato da realidade pura, essncia indeterminada,

    etc. (HEGEL, 1995, p. 98-99).

    No tocante segunda posio do pensamento a respeito da objetividade metafsica,

    Hegel trata de dois momentos do pensamento moderno, a saber: o empirismo e a filosofia

    crtica. Pretendendo justificar a necessidade do ponto de vista defendido pela dialtica

    especulativa, j que a filosofia trabalha sem pressuposies e, ao contrrio da cincia, ela se

    justifica, como mostra o desenvolvimento moderno da justificao das pretenses de validade

    objetiva nascentes de forma gradual a partir de Locke, Leibniz, Hume e Kant, faz-se, ento,

    uma apresentao crtica destes. So desferidas crticas, portanto, ao empirismo, notadamente

    Hume, e filosofia crtica, a Kant, por padecerem de uma unilateralidade comum.

    De um lado, o empirismo, que surgiu da necessidade de um contedo concreto frente

    s teorias abstratas do entendimento e da necessidade de um ponto de apoio, procura o

    verdadeiro na experincia, no no pensamento (HEGEL, 1995, p. 102); conta com a tese de

    que a matria o verdadeiro objetivo; pensa que, em geral, a matria o condicionante das

    impresses, tendo por consequncia que materialismo, nesse caso, resulta em uma doutrina da

    no-liberdade (HEGEL, 1995, p. 106).

    O ponto de apoio do conhecer emprico est na conscincia, que, de seu lado

    subjetivo, possui na percepo sua prpria e imediata presena e certeza. A tendncia da

    razo, destaca Hegel, encontrar uma determinao infinita, que est no mundo, pois o

    verdadeiro efetivo e deve existir. A percepo, por seu turno, pela qual so decompostas as

    determinaes que cresceram juntamente (con-cretas), parte do simples e transitrio para

    um universal e permanente que compem a estrutura da experincia. A anlise das

    determinaes concretas significa, pois, uma progresso da percepo ao pensamento,

    caminho que, no traado pelo empirismo, leva transformao do concreto em abstrato

    (HEGEL, 1995, p. 103-105).

  • 22

    Por isso ocorre, ao mesmo tempo, que se mata o que vivo, porque

    vivo s o concreto, o uno. No entanto, deve haver essa separao para

    conceber; e o esprito mesmo em si a separao. Mas isso apenas um dos

    lados, e a coisa mais importante consiste na reunio do [que foi] separado.

    (HEGEL, 1995, p. 105)

    Matria como tal j algo abstrato, que deve ser o fundamento para todo sensvel,

    mas que para o empirismo um dado, porquanto uma doutrina que se mostra refratria

    liberdade, pois esta significa no ter diante de si nada absolutamente outro, mas depender de

    um contedo que se . Esse materialismo , portanto, inconsequente (ingnuo), pois leva a

    cabo uma tese sem ter conscincia crtica de seus prprios pressupostos. O empirismo,

    portanto, tem por princpio dois elementos: a matria e a forma, as determinaes da

    universalidade e da necessidade. A empiria composta pelas numerosas percepes,

    mudanas no tempo de objetos que se situam no espao, que precisam ser estruturadas em

    suas conexes necessrias, as quais, entretanto, permanecem injustificadas no empirismo

    humeano, tidas por mero hbito ou contingncia subjetiva (HEGEL, 1995, p. 106-107).

    De outro lado, Hegel v em Kant a tomada de conscincia do mito do dado, pois a

    noo de experincia nesse nterim adquire o ponto de partida da anlise da matria sensvel

    segundo suas relaes universais, j um composto de matria e forma, que colapsam, porm,

    no subjetivismo, sendo ainda um idealismo subjetivo. A apresentao crtica de Kant feita

    explicitando o que ele combatia, a experincia apenas como emprico. Sua compreenso de

    objetividade proveniente dos conceitos do entendimento, todavia permanece preso ao

    empirismo. A diferena entre Hume e Kant no que apenas este traga para si a investigao

    das condies de objetividade, mas sim que Kant as torna explcitas.

    A objetividade significa aqui o elemento de universalidade e

    necessidade, quer dizer, o elemento das prprias determinaes-de-pensamento

    o assim chamado a priori. Mas a filosofia crtica alarga a oposio de modo

    que na subjetividade entra o conjunto da experincia isto , justamente

    aqueles dois elementos e que nada subsiste perante ela, a no ser a coisa-em-

    si. (HEGEL, 1995, p. 108).

    Alm de estabelecer as formas do a priori sobre bases psicolgico-histricas, a

    filosofia crtica pretende examinar a faculdade do conhecimento, as formas de pensar

    objetivamente, antes de conhecer, e isso, para Hegel, seria como no querer entrar ngua

  • 23

    antes de ter aprendido a nadar (HEGEL, 1995, p. 109). Est no mrito da filosofia crtica

    apontar as insuficincias anteriores atravs daquele exame, mas tal exame j conhecimento.

    Visto isso, a dialtica, como atividade das formas-de-pensar examinadas em si e para si,

    imanente s determinaes-de-pensamento, dada como soluo ao problema entre

    exterioridade e conhecimento. Para pensar a inseparabilidade entre crtica e conhecimento,

    executa-se a auto-apresentao dialtica das categorias, a Lgica, sendo o em si a dimenso

    autnoma da coisa e o para si o movimento de autoconscincia do sujeito, radicaliza-se o

    pensar que se pensa a si mesmo, no qual a apresentao das categorias epistemologia e

    ontologia. Na esteira de Fichte, as determinaes-de-pensamento, que segundo Kant tm sua

    fonte no Eu, devem ser mostradas em sua necessidade atravs de sua deduo (HEGEL, 1995,

    p. 111).

    O Eu, assim, de certo modo o crisol e o fogo pelo qual a

    multiformidade indiferente consumida e reduzida unidade. [...] Mas, ao

    mesmo tempo, h que notar que no a unidade subjetiva da conscincia-de-si

    que introduz a unidade absoluta na multiformidade. Melhor, essa identidade o

    absoluto, o verdadeiro mesmo. , por assim dizer, bondade do absoluto deixar

    as singularidades irem ao seu gozo-de-si; o prprio Absoluto que as reconduz

    unidade absoluta. (HEGEL, 1995, p. 112)18.

    A racionalidade subjetivizada o Juzo determinante, forjado atravs do sacrifcio da

    diferena: a Crtica da Razo Pura e a Crtica da Razo Prtica operam nesse registro.

    preciso, ento, buscar em Kant a resposta para isso na auto-organizao do aparato categorial

    imanente na natureza, no sentido de uma radicalizao do Juzo reflexionante. Com a Crtica

    da Faculdade de Julgar, Kant deu expresso Ideia, ou seja, a identidade originria entre

    sujeito e objeto (HEGEL, 1995, p. 115). Com o intelecto intuitivo atribui-se ao Juzo

    reflexionante, a faculdade-de-julgar reflexiva, a contrapartida ao Juzo determinante. Kant

    apenas postula como pressuposto a harmonia da natureza em sua auto-especificao e a

    liberdade, mas fica preso separao de conceito e realidade (HEGEL, 1995, p. 131).

    exposta, ento, a necessidade epistemolgica do Juzo reflexionante. O belo artstico e o vivo

    orgnico, por exemplo, j mostram a efetividade ideal para o sentido e a intuio. Hegel

    18

    Assim se define o idealismo hegeliano: [...] que as coisas, sobre as quais sabemos imediatamente, so simples fenmenos, no apenas para ns, mas em si, e que a determinao prpria das coisas, [que so] por isso finitas,

    ter o fundamento de seu ser no em si mesmas, mas na ideia divina universal. Essa apreenso das coisas pode

    tambm ser designada como idealismo; todavia diferentemente desse idealismo subjetivo da filosofia crtica como idealismo absoluto. (HEGEL, 1995, p. 116).

  • 24

    estabelece, ento, os motivos para apropriao do Juzo reflexionante19

    , na relao entre o

    universal e o particular em sua inseparabilidade, o que se difere da segunda Crtica, na qual o

    universal do dever oprime o particular20

    (HEGEL, 1995, p. 132).

    Finalmente, a terceira posio do pensamento a respeito da objetividade metafsica

    trata especificamente da problemtica do saber imediato. Ou seja, que falso que haja saber

    sem mediao, entretanto falso tambm que o pensar s proceda por mediao nem

    imediatez unilateral nem mediao unilateral (HEGEL, 1995, p. 153).

    para tanto que Hegel concebe o conceito mais preciso e a diviso da Lgica, sendo a

    dialtica, portanto, a articulao imanente entre o Juzo reflexionante e o Juzo determinante.

    Segundo a forma, a lgica tem trs lados, que so momentos de todo lgico-real, de todo

    conceito ou verdadeiro em geral: a) o lado abstrato ou do entendimento; b) o dialtico ou

    negativamente-racional; c) o especulativo ou positivamente racional. (HEGEL, 1995, p. 159).

    Essas determinaes do lgico esto a dadas apenas antecipada e historicamente. A

    historicidade em Hegel, diferente do mero historiogrfico, tem a ver com o devir do conceito

    em sua formao, teoria da formao dos conceitos e revela o problema da predicao e

    significao em seu uso (Gebrauch) 21

    . preciso pens-la como constitutiva da prpria

    Lgica, que se difere da Lgica meramente formal: o que se chama aqui a Lgica

    especulativa ou a Dialtica especulativa.

    O entendimento, a faculdade-de-julgar determinante, a faculdade que capta as coisas

    em um momento fixo, em separado: o determinado, o predicado, fixado, reificado, tratado

    como coisa. Por outro lado, sem entendimento, um momento essencial da cultura, no se

    chega fixidez do determinante, como se mostra, por exemplo, na geometria ou na

    jurisprudncia (HEGEL, 1995, p. 159-160).

    O momento dialtico o registro negativo intrnseco ao prprio entendimento, no

    suprassumir-se de suas determinaes finitas. De um lado, em um primeiro momento, d-se o

    ceticismo, a simples negao como resultado do dialtico; em um segundo, toma-se

    habitualmente a dialtica como uma arte exterior ou simples sofstica. Por outro lado, o

    dialtico a relao da natureza prpria - movimento imanente aos prprios conceitos e do

    progredir cientfico em um processo de determinao recproca. O dialtico , pois,

    19

    [...] o princpio da faculdade-do-juzo reflexiva no que toca aos produtos vivos da natureza determinado como fim, o conceito ativo, o universal em si mesmo determinado e determinante. Ao mesmo tempo, rejeita-se a

    representao da finalidade externa ou finita, na qual o fim apenas uma forma exterior para o meio e o material

    em que se realiza. (HEGEL, 1995, p. 132). 20

    Cf. HEGEL, 1995, p. 130. 21

    Cf. o exemplo da regra gramatical (HEGEL, 1995, p. 74).

  • 25

    princpio holista da cognio. O ceticismo pirrnico , destarte, reativado, calcado na nulidade

    completa do finito levando a dvida s raias do desespero, em contraposio ao ceticismo

    moderno22

    , este que se vale do ceticismo apenas como um expediente metodolgico (HEGEL,

    1995, p. 166).

    O especulativo, o terceiro momento da lgica, d-se ao ser acionada a dialtica em seu

    resultado positivo; o conhecimento da passagem entre uma determinao isolada a outra,

    bem como acesso cognitivo ao concreto - unidade de determinaes opostas e gnese de

    determinaes (HEGEL, 1995, p. 166-167). Para se ter em conta a historicidade dos

    conceitos determinados necessrio o Juzo reflexionante, que o vnculo entre racionalidade

    e historicidade a Lgica especulativa contm a Lgica de entendimento (HEGEL, 1995, p.

    167). Nesse sentido, dialtica reconstruo, que confere fluidez aos conceitos. O

    especulativo , pois, compreenso do vir-a-ser da unidade concreta (HEGEL, 1995, p. 167) e

    o absoluto, a unidade da identidade e da diferena, que fica fora do escopo do entendimento,

    apenas se mostra a partir da perspectiva dialtica. a explicitao racional do mstico,

    esotrico, que a dialtica especulativa torna exotrico, explcito (HEGEL, 1995, p. 168).

    2.2) Dialtica e Linguagem em Hegel Do Prefcio e da Certeza Sensvel na

    Fenomenologia do Esprito

    Do ponto de vista do contedo, seu excesso abstrato, falso; j Hegel

    precisou aceitar a desproporo entre o prefcio da Fenomenologia do Esprito

    e a Fenomenologia. O ideal filosfico seria o de que a justificao daquilo que

    se deve fazer se tornasse suprfluo, na medida em que fosse feito. (ADORNO,

    2009, p. 49).

    Se um prefcio deve ser, moda corrente, um esboo histrico sobre o que o

    verdadeiro, o que de incio questiona Hegel em seu Prefcio Fenomenologia do Esprito.

    A filosofia, no elemento da universalidade, tem a si a aparncia de que se expressa a coisa

    mesma, de que se tem sua essncia consumada, no fim e nos resultados e no no

    desenvolvimento da exposio (Darstellung). , para Hegel, na diversidade dos sistemas

    filosficos que se mostra o desenvolvimento progressivo da verdade, e, assim como a

    contradio nos momentos da unidade orgnica, d-se a vida do todo: luta e contradio esto

    no que aparece como momentos reciprocamente necessrios. O essencial, pois, no est no

    22

    Como abordado na segunda posio do pensamento, 39 (HEGEL, 1995, p. 106-107).

  • 26

    fim ou no resultado, mas que a coisa mesma se esgota em sua atualizao, no vir-a-ser: o todo

    efetivo (HEGEL, 2002, p. 25-27).

    O comeo da cultura, o emergir da imediatez da vida substancial, est em adquirir

    conhecimentos de princpios e pontos de vista universais. Inicialmente, consiste no esforo

    para chegar ao pensamento da coisa em geral, em suas determinidades. Em um momento

    posterior, chega-se vida plena na experincia da coisa mesma, penetrada pelo rigor do

    conceito (HEGEL, 2002, p. 27). o sistema cientfico a verdadeira figura (Gestalt) em que a

    verdade existe, ou seja, s no conceito ali onde a cientificidade est - a verdade tem o

    elemento de sua existncia23

    . Desse modo, portanto, a meta de Hegel consiste em, ao elevar a

    filosofia condio de cincia, que o amor ao saber passe a ser saber efetivo (HEGEL, 2002,

    p. 27).

    O nvel presente do esprito consciente-de-si, que est alm da imediatez da vida

    substancial, consciente de sua finitude e da perda de sua vida essencial, exige da filosofia o

    resgate de sua substancialidade, elevando-a conscincia-de-si, simplicidade do conceito,

    restaurando o sentimento da essncia (HEGEL, 2002, p. 28-29).

    Assim a cincia, que a coroa de um mundo do esprito, no est

    completa no seu comeo. O comeo do novo esprito o produto de uma ampla

    transformao de mltiplas formas de cultura, o prmio de um itinerrio muito

    complexo, e tambm de um esforo e de uma fadiga multiformes. (HEGEL,

    2002, p. 31).

    Na primeira apario de um mundo da vida, para chegar pelo entendimento ao saber

    racional, falta conscincia o aprimoramento da forma, a cincia carece ainda da

    inteligibilidade universal, do que determinado, conceitual, aquilo que pode ser ensinado a

    todos e ser propriedade de todos (HEGEL, 2002, p. 32). Ao reconhecer o processo de

    formao cultural, faz-se a crtica cincia que recm-comea, em seu mtodo simplrio ou

    em seu saber especializado, tudo submetendo ideia absoluta em uma cincia ainda no

    realizada, na repetio informe do idntico um monotnico formalismo.

    23

    Com efeito, se o verdadeiro s existe no que (ou melhor, como o que) se chama quer intuio, quer saber imediato do absoluto, religio, ser [...], ento o que se exige para a exposio da filosofia , antes, o contrrio da

    forma do conceito. O absoluto no deve ser conceptualizado, mas somente sentido e intudo; no o seu

    conceito, mas seu sentimento e intuio que devem falar em seu nome e ter expresso. (HEGEL, 2002, p. 28, grifo nosso).

  • 27

    Se o desenvolvimento no passa da repetio da mesma frmula, a idia,

    embora para si bem verdadeira, de fato fica sempre em seu comeo. A forma,

    nica e imvel, adaptada pelo sujeito sabedor aos dados presentes: o material

    mergulhado de fora nesse elemento tranquilo. (HEGEL, 2002, p. 33).

    Tenho em conta que o formalismo, em sua monotonia e universalidade abstrata, no

    desaparecer da cincia at que o conhecer da efetividade absoluta venha tona, o mtodo

    especulativo, nessa forma da inefetividade, procura a dissoluo do determinado, ao invs de

    um conhecimento diferenciador que busca a plenitude, [...] seu absoluto a noite em que

    todos os gatos so pardos [...] (HEGEL, 2002, p. 34). A substncia viva, ao contrrio, o

    ser que sujeito, negatividade pura e simples, um sujeito efetivo no movimento do pr-se-a-

    si-mesmo e que, atravs de sua reflexo em si mesmo no seu ser-outro, reinstaura-se a

    igualdade e, assim, o verdadeiro (HEGEL, 2002, p. 35). Esse tornar-se outro, imprescindvel

    para o conhecimento absoluto, uma mediao.

    Com efeito, a mediao no outra coisa seno a igualdade-consigo-

    mesmo semovente, ou a reflexo sobre si mesmo, o momento do Eu para-si-

    essente, a negatividade pura ou reduzida sua pura abstrao, o simples vir-a-

    ser. O Eu, ou o vir-a-ser em geral - esse mediatizar -, justamente por causa de

    sua simplicidade, a imediatez que vem-a-ser, e o imediato mesmo. (HEGEL,

    2002, p. 36).

    De outra maneira, pode-se dizer que a razo o agir conforme a um fim - bem como

    j o considerava Aristteles sobre a natureza -, mesmo que esta noo de fim e de finalidade

    externa estejam em descrdito. Mas, por seu turno, o fim o imediato, o-que-est-em-

    repouso, o imvel que ele mesmo motor de si ou que sujeito , abstratamente, sua fora

    motriz ser-para-si ou negatividade pura: o imediato como fim tem a efetividade pura, ou o

    Si, o vir-a-ser desenvolvido (HEGEL, 2002, p. 37).

    Sendo a efetividade do conceito o automovimento, o saber efetivo s pode ser exposto

    como cincia ou sistema. Tomada a representao do absoluto como esprito, concebe-se que

    o verdadeiro s efetivo como sistema e a substncia como sujeito (HEGEL, 2002, p. 38-39).

    O que esta Fenomenologia do Esprito apresenta o vir-a-ser da

    cincia em geral ou do saber. O saber, como inicialmente - ou o esprito

    imediato - algo carente-de-esprito: a conscincia sensvel. Para tornar-se

  • 28

    saber autntico, ou produzir o elemento da cincia que seu conceito puro, o

    saber tem de se esfalfar atravs de um longo caminho. (HEGEL, 2002, p. 40-

    41).

    A vida do esprito apenas alcana sua verdade no dilaceramento absoluto, sendo essa

    potncia somente quando se demora no negativo24

    , o poder mgico que converte o negativo

    em ser, ou seja, o sujeito, que a mediao mesma - ao dar em seu elemento existncia

    determinidade, suprassume a imediatez abstrata, que apenas o sendo em geral (HEGEL,

    2002, p. 44).

    A desigualdade que se estabelece na conscincia entre o Eu e a

    substncia - que seu objeto - a diferena entre eles, o negativo em geral.

    Pode considerar-se como falha dos dois, mas sua alma, ou seja, o que os

    move. Foi por isso que alguns dos antigos conceberam o vazio como o motor.

    De fato, o que conceberam foi o motor como o negativo, mas ainda no o

    negativo como o Si. (HEGEL, 2002, p. 46-47).

    Isso desvelado pela substncia, o ser-a do esprito ser igual a sua essncia, e

    superado o elemento abstrato da imediatez, na separao entre saber e verdade, concebe-se o

    ser como absolutamente mediatizado, em que contedo substancial e a propriedade do Eu,

    tendo a forma do Si: o conceito. Neste ponto se encerra a Fenomenologia do Esprito.

    (HEGEL, 2002, p. 47).

    O pensamento raciocinante tem por contedo representaes, pensamentos ou a

    mescla de ambos e sua natureza est vinculada essncia da ideia. Em seu comportamento

    negativo o Si, ao qual retorna o contedo. Em contraposio, no conhecer positivo, o Si

    um sujeito representado, com ele se relacionando o contedo como acidente e predicado. No

    pensar conceitual25

    , no qual o contedo no o predicado do sujeito e sim a substncia26

    , em

    contraposio ao representativo, o sujeito no est inerte, ou seja, o conceito se move, retoma

    24

    Cf. ADORNO, 2009, p. 40. 25

    Ao contrrio, como j foi mostrado, no pensar conceitual o negativo pertence ao contedo mesmo e seja como seu movimento imanente e sua determinao, seja como sua totalidade - o positivo. O que surge desse

    movimento, apreendido como resultado, o negativo determinado e, portanto, igualmente um contedo

    positivo. (HEGEL, 2002, p. 62). 26

    Tendo comeado do sujeito, como se esse ficasse no fundamento em repouso, descobre que - medida que o predicado antes a substncia - o sujeito passou para o predicado, e por isso foi suprassumido; e enquanto o que

    parece ser predicado se tornou uma massa inteira e independente, o pensamento j no pode vaguear livremente

    por a, mas fica retido por esse lastro. (HEGEL, 2002, p. 63).

  • 29

    em si suas determinaes. O conceito, portanto, ao se apresentar como seu vir-a-ser, o Si do

    objeto (HEGEL, 2002, p. 62).

    [...] a natureza do juzo e da proposio em geral que em si inclui a

    diferena entre sujeito e predicado - destruda pela proposio especulativa; e

    a proposio da identidade, em que a primeira se transforma, contm o

    contrachoque na relao sujeito-predicado. O conflito entre a forma de uma

    proposio em geral e a unidade do conceito que a destri semelhante ao que

    ocorre no ritmo entre o metro e o acento. (HEGEL, 2002, p. 63-64).

    Na proposio filosfica, ento, a identidade sujeito-predicado no deve anular sua

    diferena, mas deve se mostrar sua unidade como harmonia, em que o predicado exprima a

    substncia e o sujeito incida no universal (HEGEL, 2002, p. 64). O modo da proposio

    especulativa, pela suprassuno da forma na proposio, aquele pelo qual o retornar do

    conceito a si tem de ser apresentado. E esse movimento, o movimento dialtico da

    proposio, o Especulativo efetivo, aquele pelo qual seu enunciar a exposio

    especulativa. O movimento dialtico, que tem as proposies como elementos seus, tem por

    seu contedo o sujeito27

    , que o verdadeiro (HEGEL, 2002, p. 65-66).

    De outro lado, no primeiro captulo da Fenomenologia, que trata da Certeza

    sensvel, o saber do imediato ou do essente, afastando o conceituar, imediatamente nosso

    objeto. O contedo concreto da certeza sensvel, a verdade mais abstrata e pobre, aparece

    imediatamente como o mais rico e o mais verdadeiro conhecimento, pois sem limite: fora, no

    espao-tempo, e interiormente (HEGEL, 2002, p. 85). Os momentos diticos28

    , os dois estes,

    so o Eu e objeto, que esto na certeza sensvel mediatizados: Eu tenho a certeza mediante a

    coisa, e esta est na certeza mediante o Eu. A essncia, imediatez, e o exemplo, mediao, so

    diferentes, mas ambos esto na certeza sensvel como momentos: o essente simples, o

    27

    Excetuando o Si intudo sensivelmente ou representado, sobretudo o nome como nome que indica o sujeito puro, o Uno vazio e carente-de-conceito. Por esse motivo pode ser til, por exemplo, evitar o nome Deus, porque essa palavra no , ao mesmo tempo, imediatamente conceito, mas o nome propriamente dito: o repouso

    fixo do sujeito que est no fundamento. (HEGEL, 2002, p. 66). 28

    O conceito caracterizado por sua relao com o no-conceitual assim como, finalmente, segundo a teoria do conhecimento tradicional, toda e qualquer definio de conceitos carece de momentos no-conceituais,

    diticos tanto quanto, em contrapartida, por se distanciar do ntico da como unidade abstrata dos onta compreendidos nele. Alterar essa direo da conceptualidade, volt-la para o no-idntico, a charneira da

    dialtica negativa. (ADORNO, 2009, p. 19).

  • 30

    imediato ou essncia o objeto; j o inessencial, mediatizado, no em-si, mas por meio de

    um outro: o Eu, um saber (HEGEL, 2002, p. 86).

    Tendo sido indagada a certeza sensvel sobre o que o isto, o aqui e o agora,

    descobre-se que, por um lado, o agora como um negativo em geral, que se mantm como

    um mediatizado, e em sua simplicidade indiferente, como o agora dia ou agora noite. O

    universal , portanto, o verdadeiro da certeza sensvel; um tal simples que por meio da

    negao um no isto (HEGEL, 2002, p. 87). Enunciamos, assim, o sensvel como um

    universal, dizemos, pois, o isto, o universal, o ser em geral.

    Mas, como vemos, o mais verdadeiro a linguagem: nela refutamos

    imediatamente nosso visar, e porque o universal o verdadeiro da certeza

    sensvel, e a linguagem s exprime esse verdadeiro, est pois totalmente

    excludo que possamos dizer o ser sensvel que visamos. (HEGEL, 2002, p.

    88).

    A relao imediata com o saber, como inessencial, e o objeto, como essencial, atravs

    dessa comparao, e seu respectivo resultado, se inverteu: agora o objeto, tornado universal,

    est como o inessencial e o saber como essencial, no qual se encontra agora a certeza sensvel.

    Sua verdade est no objeto como meu objeto, ou seja, no 'visar' [meinen/Meinen]: o objeto

    porque Eu sei dele. (HEGEL, 2002, p. 88). O aqui e o agora so mantidos pelo Eu. Na

    experincia, no desvanece o Eu como universal um ver simples, mediatizado pela negao.

    A certeza sensvel experimenta, ento que sua essncia est no seu todo: nem no

    objeto nem no Eu, que so universais, j que o que viso em ambos inessencial. A certeza

    sensvel toda, portanto, se mantm em si como imediatez, sua verdade est, pois, na relao

    que-fica-igual a si mesma (HEGEL, 2002, p. 89-90). Quando se faz com que a certeza

    sensvel indique a constituio do imediato, o agora, tem-se por consequncia o experimentar

    de que o agora um universal. O verdadeiro agora , em suma, o conjunto de muitos agora.

    De forma semelhante o aqui, quando indicado, um este negativo e o aqui universal, uma

    multiplicidade simples de aquis (HEGEL, 2002, p. 89-90).

    O falar tem a natureza divina de inverter imediatamente o 'visar', de

    torn-lo algo diverso, no o deixando assim aceder palavra. Mas se eu quiser

    vir-lhe em auxlio, indicando este pedao de papel, ento fao a experincia do

    que , de fato, a verdade da certeza sensvel: eu o indico como um aqui que

    um aqui de outros aquis, ou que nele mesmo um conjunto simples de muitos

  • 31

    aquis, isto , um universal. Eu o tomo como em verdade, e em vez de saber

    um imediato, eu o apreendo verdadeiramente: [eu o percebo]. (HEGEL, 2002,

    p. 94).

    Destarte, a dialtica da certeza sensvel consiste na simples histria de seu movimento

    e experincia, a prpria conscincia natural atinge esse resultado, entretanto o esquece. A

    verdade do isto sensvel, a experincia universal, uma afirmao que se converte em seu

    contrrio quando experimentada na certeza sensvel. mister, que se relembre a dvida do ser

    das coisas sensveis, que beira o desespero, ali na escola primordial: nos mistrios de Elusis,

    de Ceres, de Baco (HEGEL, 2002, p. 93).

    Quando se trata do enunciar de uma coisa efetiva, de um objeto externo, procede-se a

    no que h de mais universal, importa mais a sua igualdade do que sua diferena. O isto

    sensvel o visado inatingvel pela linguagem, a qual pertence conscincia, o universal

    em si. O indizvel (das Unaussprechliche) para Hegel, , pois, o no verdadeiro, o no

    racional, o puramente visado(HEGEL, 2002, p. 93-94).

    2.3) Linguagem e a Crtica do Racionalismo Ocidental Do Conceito de

    Esclarecimento na Dialtica do Esclarecimento

    Em sua obra Dialtica do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer fazem ver o processo

    de esclarecimento como um projeto que procura emancipar o ser humano atravs do

    desencantamento do mundo (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p. 17). Retomam, assim, o

    conceito de esclarecimento (Aufklrung) em sua acepo kantiana, como emancipao, e em

    uma via weberiana, como desencantamento do mundo ou secularizao dos mundos da vida,

    em que a meta do esclarecimento se pe como substituio da imaginao pelo saber, na

    subordinao da intuio ao conceito (BERNSTEIN apud HUHN, 2004, p. 25); ou ainda,

    como caracteriza Habermas, representam as convergncias entre a tese weberiana da

    racionalizao e a crtica da razo instrumental da tradio Marx-Lukcs (HABERMAS,

    2012, p. 593). Processo que bem se destaca na modernidade, recuperando a caracterizao do

    intelecto autocrtico, na passagem citada pelos autores em que Bacon, o considerado pai da

    cincia moderna, ao propor um casamento feliz entre o intelecto e a natureza, realizaria

    assim um casamento patriarcal, que j provm de um esgotamento da conexo e da seduo

    mtica. essa a indiferena com relao ao contedo que marca a racionalidade formal, a

    racionalidade instrumental, o que possui uma intimidade visceral com a maneira pela qual o

  • 32

    capital produz e se reproduz. Esse saber dominao, poder, ou seja, tcnica (ADORNO e

    HORKHEIMER, 2006, p. 18).

    Um aps o outro, os comportamentos mimtico, mtico e metafsico

    foram considerados como eras superadas, de tal sorte que a ideia de recair neles

    estava associada ao pavor de que o eu revertesse mera natureza, da qual havia

    se alienado com esforo indizvel [unsglicher Anstrengung] e que por isso

    mesmo infundia nele indizvel terror [unsgliches Grauen]. (ADORNO e

    HORKHEIMER, 2006, p. 37, entre chaves nosso).

    Assim, a estratgia fundamental dos autores mostra-se em sua apropriao da anlise

    hegeliana da dialtica do senhor e do escravo, tendo como fito volt-la para a lgica da razo,

    o conceito-senhor, dependente inelutvel do objeto, da intuio-escrava (BERNSTEIN apud

    HUHN, 2004, p. 25). Desse modo, tomam como modelo crucial para visualizao da dialtica

    do esclarecimento em seus primrdios, o episdio das Sereias, presente no canto duodcimo

    da Odisseia homrica, porquanto a partir dele possvel ver na estruturao das vivncias, no

    espao temporalizado, a possibilidade de experincia, aquilo que pode ser comunicvel, ou

    seja, posto em categorias (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p. 38). a formao do

    intelecto autocrtico, os processos de formao do eu, atravs do auto-apoderamento, que

    permite exercer o poder de mando sobre si e domnio sobre o exterior. A temporalizao,

    submisso do vivencial e do singular a estruturas abstratas, o que abre o mbito da

    experincia compartilhada, que pode se transformar em saber praticvel. aquilo que marca a

    passagem para a civilizao e para a Histria.

    Como a cincia tudo constri, nada lhe escapa como genuinamente outro, o

    esclarecimento segue o caminho pela extirpao do no-idntico, a marca mais expressiva dos

    processos de modernizao e secularizao. De outro lado, por seu turno, a liberdade kantiana

    j tende para um comportamento adaptativo29, assim como o mito do dado, fomentado pelo

    pensamento positivista, reduz a condio racional pura e simples autoconservao; desse

    modo, se d a correlao entre o esquematismo transcendental e a teoria da mediao do

    valor, como semelhantemente enunciada por Lukcs30

    , o que caracteriza de antemo o estado

    de calamidade triunfal e a falncia da crtica, no qual resplandece o mundo totalmente

    esclarecido (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p. 36). Lukcs, ao expor os dilemas e

    antinomias do pensamento moderno no mbito prtico, deseja, na esteira da Lgica de Hegel,

    29

    Para isso ver, por exemplo, HABERMAS, 1980, p. 336. 30

    Ver, por exemplo, LUKCS, 2003, p. 250.

  • 33

    que a necessidade e a carncia de ir alm do pensamento abstrato provenha da eticidade da

    sociedade burguesa cindida em seus extremos, donde a necessidade da dialtica, que por tal

    impulsionada. Esse rebaixamento da prtica a questes de tcnica conduz a uma ciso

    irreconcilivel entre o racional, o abstrato, e o irracional, o contedo, levando ao

    esvaziamento da sacralidade, bem como negligncia quanto aos fins ltimos da existncia

    (LUKCS, 2003, p. 245). O argumento de fundo em Lukcs a reconexo com a totalidade

    (LUKCS, 2003, p. 247), j que o mpeto do mtodo reificado, incapaz de acess-la, uma

    sistematizao coercitiva em movimento oposto, o irracional, ao ficar extrnseco, faz

    colapsar essa sistematicidade -, remetendo ao conceito de coisa-em-si. Somente a visualizao

    do sujeito no objeto e vice-versa, para ele, pode resolver essa equao funesta, acessando a

    dimenso do ns. Por outro lado, atravs de sua Dialtica transcendental, Kant faz ver que a

    totalidade inacessvel, ao tempo que, j aponta na direo, mais tarde por ele trabalhada, de

    que ela necessria e regulativa. A racionalidade moderna expressa o problema mais

    fundamental da lgica: a impossibilidade de ligar os conceitos ao contedo. por essa razo

    que Kant, em sua terceira Crtica, precisa reconhecer uma legalidade do contingente (KANT,

    1974, p. 274), ou uma contingncia inteligvel, um sistema coerente de leis empricas

    (LUKCS, 2003, p. 250).

    A regresso da racionalidade ao intelecto autocrtico implica a subordinao das

    vivncias ao mbito do comunicvel e seu deplorvel empobrecimento31

    . Na trajetria da

    mitologia logstica, os sujeitos perdem a dinmica da reflexo sobre si, bem como a

    capacidade de reconhecer no outro os efeitos do recrudescimento sobre si prprio, a

    conscincia perde a capacidade crtica de estranhamento e reconhecimento (ADORNO e

    HORKHEIMER, 2006, p. 42). A falncia da crtica se mostra no carter obsoleto da razo sob

    a sociedade racionalizada. Sem a negatividade do conceito, resta apenas a intuio mstica das

    coisas, no h a relao paradoxal de estranhamento do objeto pela conscincia, que abre, por

    seu turno, a capacidade crtica, dinmica de que depende a dialtica. o que deve

    proporcionar o acesso pelos conceitos para alm dos conceitos, ir com o esclarecimento para

    alm dele: a natureza que se revela em sua face mutilada diretriz na Dialtica Negativa de

    Adorno, de sua teoria crtica de racionalidade, a qual pretende que a natureza chame de novo

    a si mesma pelo nome (ADORNO, 2009, p. 19).

    31

    Cf. O ensaio O Fetichismo na Msica e a Regresso da Audio, em que se diz: Ao invs de entreter, parece que tal msica contribui ainda mais para o emudecimento dos homens, para a morte da linguagem como

    expresso, para a incapacidade de comunicao. A msica de entretenimento preenche os vazios do silncio que

    se instalam entre as pessoas deformadas pelo medo, pelo cansao e pela docilidade de escravos sem exigncias.

    [...] Se ningum mais capaz de falar realmente, bvio tambm que j ningum capaz de ouvir. (ADORNO, 1980, p. 166, grifo nosso).

  • 34

    Para o esclarecimento, o elemento bsico do mito o antropomorfismo. A partir dele,

    possvel desdobrar a diferena da identidade, desdobrar o mundo como um gigantesco

    juzo analtico (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p. 34), e com isso aplacar a angstia de

    um fora; o que se torna o alicerce da cincia moderna na unidade do sujeito, como revela o

    argumento da cera cartesiano - a unidade do objeto obtida atravs da ideia de substncia32

    .

    A tendncia numrica, lgica, da racionalidade ocidental se torna prtica de vida, culminante

    na sociedade burguesa com a ideia de equivalncia ou o valor de troca (ADORNO e

    HORKHEIMER, 2006, p. 20). Atravs de uma reconstruo da polarizao entre conceito e

    intuio, coloca-se em evidncia o construtivismo da cincia, que se vale da unidade do

    sujeito como unidade da natureza, o que se diferencia da conjurao mgica, que pr-

    ritualstica ou no sistemtica. A ritualizao j pressupe um processo de esclarecimento,

    mostrada pela compulso pela repetio para afugentar o medo da dissoluo. No caso da

    cincia, trata-se de uma repetio pela via do conceito e no da magia, pela intuio, o xam

    quer se perder e se confundir no outro. A cincia elimina a substitutividade especfica, criando

    condies para uma fungibilidade universal (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p. 22). O

    que na esfera do mundo mgico insubstitudo, o hic et nunc, a natureza intrnseca da obra de

    arte, torna-se, na postura ritual, substitutividade. Na magia, o nome - em relao interna e

    conteudstica - traz a viva lembrana da coisa que, ainda que diferente, irmanada e

    semelhante a ela assim como o sonho e a imagem (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p.

    22). O nome , pois, uma reao ante o horrvel e simultaneamente fascinante, grito de terror

    ante o inslito (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p. 25).

    No decorrer do desvanecimento da iluso mgica, surge a religio popular, o mito

    patriarcal solar, como totalidade desenvolvida linguisticamente. Ela desvaloriza a crena

    mtica mais antiga com sua pretenso de verdade. Esse processo de esclarecimento j

    prenuncia o seu fim, sua prpria destruio, o que culmina na cincia, que signo sem

    imagem (ADO