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Fluxo Sangüíneo: Uma Aplicação da Integral de Riemann Universidade Federal de Uberlândia Faculdade de Matemática Mariana Fernandes dos Santos Villela Patrícia Borges dos Santos [email protected] [email protected] Rosana Sueli da Motta Jafelice [email protected] Introdução Neste trabalho o fluxo sangüíneo será apresentado como uma aplicação da integral de Riemann. Iniciamos com uma breve biografia de Riemann, e, em seguida com as noções necessárias para a definição de integral através das somas de Riemann. A seguir, é dada uma explicação do funcionamento do sistema circulatório, e a partir daí, apresentaremos a Lei de Poiseuille. Esta lei foi descoberta por Jean Louis Poiseuille (1799-1869), fisiologista e físico francês, e nos dá a partir da expressão da velocidade do sangue a fórmula do fluxo sangüíneo [2]. O objetivo deste trabalho é encontrar uma expressão matemática que nos permita calcular o fluxo sangüíneo de uma artéria obstruída, pelo acúmulo de colesterol, utilizando duas aproximações geométricas diferentes desta obstrução. A História de Riemann Georg Friedrich Bernhard Riemann, filho de um pastor luterano, foi educado em condições modestas. Era uma pessoa tímida e fisicamente frágil. Com boa instrução em Berlim e depois em Göttingen, obteve seu doutoramento com uma tese sobre teoria das funções de variáveis complexas, onde aparecem as equações denominadas de Cauchy- Riemann, embora lá fossem conhecidas por Euler e D'Alembert. Neste trabalho já estabelece o conceito de superfície de Riemann que desempenharia papel fundamental em Análise. Riemann foi nomeado professor na Universidade de Göttingen em 1854, apresentou um trabalho perante o corpo docente e que resultou na mais célebre conferência da história da Matemática. Nele estava uma ampla e profunda visão da Geometria e seus fundamentos que até então permanecia marginalizada.

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Fluxo Sangüíneo: Uma Aplicação da Integral de Riemann

Universidade Federal de Uberlândia

Faculdade de Matemática

Mariana Fernandes dos Santos Villela Patrícia Borges dos Santos [email protected] [email protected]

Rosana Sueli da Motta Jafelice

[email protected]

Introdução

Neste trabalho o fluxo sangüíneo será apresentado como uma aplicação da integral de

Riemann. Iniciamos com uma breve biografia de Riemann, e, em seguida com as noções

necessárias para a definição de integral através das somas de Riemann. A seguir, é dada uma

explicação do funcionamento do sistema circulatório, e a partir daí, apresentaremos a Lei de

Poiseuille. Esta lei foi descoberta por Jean Louis Poiseuille (1799-1869), fisiologista e físico

francês, e nos dá a partir da expressão da velocidade do sangue a fórmula do fluxo sangüíneo

[2].

O objetivo deste trabalho é encontrar uma expressão matemática que nos permita

calcular o fluxo sangüíneo de uma artéria obstruída, pelo acúmulo de colesterol, utilizando

duas aproximações geométricas diferentes desta obstrução.

A História de Riemann

Georg Friedrich Bernhard Riemann, filho de um pastor luterano, foi educado em

condições modestas. Era uma pessoa tímida e fisicamente frágil. Com boa instrução em

Berlim e depois em Göttingen, obteve seu doutoramento com uma tese sobre teoria das

funções de variáveis complexas, onde aparecem as equações denominadas de Cauchy-

Riemann, embora lá fossem conhecidas por Euler e D'Alembert. Neste trabalho já estabelece

o conceito de superfície de Riemann que desempenharia papel fundamental em Análise.

Riemann foi nomeado professor na Universidade de Göttingen em 1854, apresentou

um trabalho perante o corpo docente e que resultou na mais célebre conferência da história da

Matemática. Nele estava uma ampla e profunda visão da Geometria e seus fundamentos que

até então permanecia marginalizada.

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FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 347
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Ao contrário de Euclides e em sentido mais amplo do que Lobachevsky, observou que

seria necessário tratar-se de pontos, ou de retas, ou do espaço não no sentido comum, mas

como uma coleção de n-uplas que são combinadas segundo certas regras, uma das quais, a de

achar distância entre dois pontos infinitamente próximos.

Para Riemann, o plano é uma superfície de uma esfera e reta, o círculo máximo sobre

a esfera. Com os estudos de espaços métricos em geral com curvatura, tornou-se possível a

teoria da relatividade, contribuindo assim para o desenvolvimento da Física.

Riemann conseguiu muitos teoremas em Teoria dos Números, relacionando-os com

Análise, onde encontramos também a equação de Cauchy-Riernann que é uma concepção

intuitiva e geométrica da Análise, em contraste com a aritmetização de Weierstrass.

Por volta de 1854, realizou um estudo bem mais aprofundado sobre a integral e em sua

homenagem a integral estudada por ele passou a receber o nome de Integral de Riemann. Tal

nome serve para distinguir essa integral de outras que foram introduzidas mais tarde, como

por exemplo, a Integral de Lebesgue. A forma usada para introduzir o conceito de Integral de

Riemann nos cursos de Cálculo é a versão devida a Cauchy. O que justifica isto é que, ela é

simples e bastante acessível aos alunos de um curso de inicial de Cálculo, além de atender aos

propósitos de um curso desta natureza.

Nos cursos de Análise Matemática apresenta-se uma versão mais refinada, a Integral

de Darboux-Riemann, usando os conceitos de soma inferior, soma superior, integral inferior e

integral superior, que correspondem ao método de exaustão usando, respectivamente,

polígonos inscritos e polígonos circunscritos.

Mas, para que ninguém alimente idéias equivocadas, observamos que as diversas

definições da Integral de Riemann mencionadas são equivalentes e a diferença entre elas se

situa na adequação das definições para a obtenção das propriedades da referida Integral.

Em 1859, Riemann foi nomeado sucessor de Dirichlet na cadeira de Göttingen já

ocupada por Euler. Com seu estado de saúde sempre precário, acabou por morrer em 1866 em

conseqüência de uma tuberculose.

Integral de Riemann

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348 FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007

Seja f: [a,b] →R limitada não negativa, isto é, f(x) > 0 ou f(x) = 0 para todo x em [a,b]

e tomemos uma partição: x0 = a < x1 < ... < xn = b, do intervalo [a,b] que tenha todos os n

subintervalos com o mesmo comprimento ( )b a

dxn

−= .

Tomaremos apenas os primeiros pontos da partição e faremos uma análise geométrica

da curva no subintervalo [xo,x1] (veja Figura 1). Para os outros subintervalos ocorre uma

situação similar. A área sob a curva no intervalo [xo,x1] pode ser obtida através da área S1 do

retângulo cuja base mede dx = x1-xo e a altura é a linha tracejada cuja medida é dada por f(c1)

onde c1 é um ponto em [xo,x1].

Figura 1: Representação da soma das áreas dos retângulos sob a curva.

Existe uma compensação da área "branca" que fica acima da curva e dentro do

retângulo que fica abaixo da curva e fora do retângulo. Em cada subintervalo Ij=[xj,xj+1] desta

partição tomamos um ponto genérico qualquer cj e formamos n retângulos, todos com as

bases de medida dx e alturas dadas por:

f(c1), f(c2), ..., f(cn).

Se a partição tem n subintervalos, denotamos por Sn a soma das áreas dos n retângulos:

( )1 21

( ) ( ) ... ( )n

n n j

j

S f c dx f c dx f c dx f c dx=

= + + + =∑

sendo a soma realizada sobre todos os j=1,...,n. Se essas somas forem calculadas para todos os

valores de n, formaremos uma seqüência:

{S1, S2, ..., Sn, ...}.

Se esta seqüência numérica {Sn} é convergente para um número real bem definido,

diz-se que f é integrável no intervalo [a,b], e o valor do limite desta seqüência é denotado por:

( ) ( )1

limnb

ja x

j

f x dx f c dx→∞

=

= ∑∫ (1)

A expressão da esquerda é a integral de f entre os limitantes de integração a e b e a

expressão da direita é o limite da seqüência de somas parciais Sn.

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FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 349

A integral definida por (1) é denominada Integral de Riemann e as somas

( )1

n

n j

j

S f c dx=

=∑

são chamadas de somas de Riemann.

Temos nesta definição uma partição muito particular do intervalo [a,b], subdividindo-o

em partes iguais, podemos refazer o processo com intervalos de comprimentos diferentes,

sendo cada intervalo da forma [xj,xj+1] e comprimentos dxj=xj+1-xj. Assim, as somas de

Riemann Sn tomam a forma

( )1 1 2 21

( ) ( ) ... ( )n

n n n j j

j

S f c dx f c dx f c dx f c dx=

= + + + =∑

Ao proceder desta forma temos que tomar uma precaução adicional, ou seja, não basta

tomar o limite de Sn quando n → ∞ , mas temos que acrescentar a condição que o maior dos

comprimentos dx1, ..., dxn deve convergir para zero. Com isto, temos a notação:

( ) ( )0

1

limnb

j ja p

j

f x dx f c dx→

=

= ∑∫

onde |P|=max{dx1,...,dxn}, isto é, é a norma da partição P, [4].

O sistema circulatório

Os animais têm de realizar, interruptamente, trocas de substâncias com o ambiente,

pois todas as suas células precisam receber nutrientes e oxigênio, e eliminar gás carbônico e

outros resíduos tóxicos produzidos no metabolismo, e isso, no homem se dá pelo o sistema

circulatório fechado.

O sistema circulatório possui diversas funções, as quais são: o transporte de nutrientes,

o transporte de oxigênio, a remoção do gás carbônico, a remoção das excreções, o transporte

de hormônios e o transporte de células e de anticorpos do sistema imunológico.

Os componentes desse sistema são: sangue, vasos sangüíneos e o coração.

Sangue

O sangue humano é constituído por um líquido amarelado, o plasma, e por três tipos

de elementos celulares, as hemácias, os leucócitos e as plaquetas (veja Figura 2).

No plasma 92% de seu peso é água, sendo o restante devido à presença de proteínas,

sais e substâncias diversas, tais como nutrientes, gases, excreções e hormônios. As hemácias,

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350 FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007

também conhecida como glóbulo vermelho, são células especializadas no transporte de

oxigênio, e já os leucócitos ou glóbulos brancos são células responsáveis pela defesa do

organismo. E, por fim, as plaquetas são pequenas células ovais, as quais participam

ativamente do processo de coagulação do sangue.

Figura 2: Composição do sangue.

Artérias, veias e capilares sangüíneos

As artérias são vasos que levam sangue do coração para os órgãos e tecidos do corpo,

sua parede é espessa e contém três camadas de tecidos, o endotélio, tecido muscular liso e o

tecido conjuntivo.

Os capilares sangüíneos são vasos muito finos que ligam as arteríolas (artérias

finíssimas, que se encontra nos órgãos e tecidos) às vênulas (vasos muito finos que se

conectam, no lado oposto às arteríolas, aos capilares sangüíneos, que se unem para formar

veias progressivamente maiores).

As veias são vasos que levam o sangue dos órgãos e tecidos de volta ao coração. A

parede das veias é formada por três camadas, equivalentes às da artéria. Entretanto, as

camadas medianas e externas das veias são menos espessas. Nas veias encontram-se válvulas

que impedem o refluxo do sangue, o que garante a circulação em um único sentido (Figura 3).

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FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 351

Figura 3: Esquema ilustrando diferenças entre artérias, veias e capilares.

Coração

O coração é um órgão musculoso, do tamanho aproximado de um punho fechado e

com peso aproximadamente de 400g. Ele apresenta quatro cavidades internas, denominadas

câmaras cardíacas, duas superiores que são os átrios e duas inferiores, os ventrículos (veja

Figura 4).

O átrio direito se comunica com o ventrículo direito por meio da válvula tricúspide e o

átrio esquerdo comunica com o ventrículo esquerdo pela válvula bicúspide, os quais têm

como funções garantir a circulação do sangue no coração em um único sentido, dos átrios

para os ventrículos.

As câmaras do coração contraem-se e dilatam-se alternadamente, em média, 70 vezes

por minuto. A contração de uma câmara cardíaca é denominada sístole e seu relaxamento

diástole. A freqüência cardíaca varia de acordo com o grau de atividades e situação emocional

em que se encontra uma pessoa, e este controle da freqüência é feito pelo nódulo sino-atrial.

Figura 4: Representação do coração.

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352 FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007

Fisiologia da circulação sangüínea

A circulação sanguínea pode ser descrita de uma forma simples do seguinte modo: o

sangue, após ser oxigenado nos pulmões dirige-se para a aurícula esquerda do coração

passando pelas veias pulmonares. Em seguida, é transferido para o ventrículo esquerdo

através da válvula mitral e deste é bombeado para todo o corpo. À saída do ventrículo

esquerdo, passa pela válvula aórtica, que dá passagem para a artéria aorta e é conduzido

através de uma rede complexa de artérias cada vez menores, indo alimentar todas as células.

Após as trocas gasosas, de nutrientes e de detritos existentes ao nível celular, o sangue

regressa ao coração através de veias cada vez de maior dimensão, até entrarem no coração

através da veia cava em direção à aurícula direita.

A passagem da aurícula direita para o ventrículo direito é feita através da válvula

tricúspide e, a partir do ventrículo direito, o sangue passa ainda na válvula pulmonar que dá

acesso à artéria pulmonar que o conduz no sentido dos pulmões onde será oxigenado [1].

A biofísica da circulação sangüínea

A hidrodinâmica é a área da mecânica dos fluidos que estuda o seu movimento.

Existem essencialmente dois tipos de fluidos, um que é considerado ideal, ou seja, que não

tem viscosidade e os fluidos viscosos, aqueles que apresentam viscosidade.

A viscosidade é a grandeza que mede a fricção existente entre camadas adjacentes de

um fluido ou, de um ponto de vista prático, é a dificuldade ou facilidade com que um fluido

escorre.

A maioria dos fluidos apresenta viscosidade, em particular, a grande parte dos fluidos

biológicos, cujo exemplo que nos interessa é o sangue. Estes são caracterizados por uma

viscosidade não desprezível.

A conseqüência mais visível de se considerar a viscosidade de um fluido num

escoamento é o seu perfil de velocidade. Também relacionado com a viscosidade do fluido

está o tipo de escoamento que este apresenta. Na verdade, em fluidos reais, com viscosidade

não nula, verifica-se que para valores de velocidade do fluido abaixo de certo valor, o

escoamento é considerado laminar, isto é, todas as partículas do líquido se movem

paralelamente ao tubo e a velocidade aumenta uniformemente a partir de zero na parede, em

direção ao centro. No entanto, quando esse valor é ultrapassado, o escoamento passa a ser

turbulento.

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FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 353

No corpo humano a pressão do sangue se deve a contribuição da pressão estática, da

pressão dinâmica e da pressão mecânica. Em virtude do próprio peso do sangue as artérias e

veias estão sob a pressão estática, que dependerá da altura da coluna de sangue em relação ao

pé. A contribuição da pressão dinâmica é em virtude das diversas velocidades do sangue no

corpo. O efeito da pressão mecânica é em virtude do coração, que ao bombear o sangue para o

corpo está lhe exercendo certa pressão. No percurso do sangue haverá variações de pressão

sangüínea pelo corpo, muito em virtude dos efeitos da viscosidade. Um outro fato interessante

é que a pressão do sangue arterial (sangue rico em oxigênio) é maior que a do sangue venoso

(sangue rico em gás carbônico). Isto se deve ao fato do sangue arterial ter o auxílio do coração

para ser bombeado para o resto do corpo, o que não ocorre com o sangue venoso.

Para aplicar à circulação sanguínea alguns dos resultados da hidrodinâmica, é

necessário analisar as propriedades do sangue e assumir algumas aproximações. Antes de

tudo, deve ter-se presente que o sangue, embora seja considerado como um fluido

homogêneo, na verdade, é constituído por diversas partículas em suspensão, o que, do ponto

de vista de análise do seu escoamento, torna a sua descrição particularmente difícil,

nomeadamente, quando os vasos que o conduzem são muito estreitos.

Um segundo ponto, prende-se com a elasticidade dos vasos que conduzem o sangue.

Apesar de se aceitar, que o sangue circula através de tubos rígidos, esta aproximação não é

verdadeira, uma vez que, como se sabe, as paredes dos vasos são extremamente elásticas,

sendo, inclusivamente, um fator importante de regulação do fluxo sangüíneo [6].

O cientista francês Jean Louis Poiseuille (1799-1869) se interessou bastante por

questões relacionadas com a circulação sanguínea e determinou experimentalmente como

variava a velocidade do sangue, o que posteriormente pôde ser deduzido teoricamente.

Consideremos o fluxo de sangue em um vaso sangüíneo. Um segmento de uma artéria

ou de uma veia pode ser encarado como um tubo cilíndrico de diâmetro constante.

Admitamos que a secção transversal seja um círculo de raio R. O sangue possui viscosidade

que é representado por η (letra grega eta). A viscosidade é medida em poise∗, a qual é cm-1 g

s-1 no sistema CGS (cm = centímetro, g = grama, s = segundo).

Também há atrito nas paredes do tubo. A velocidade do sangue em contato com a

parede do vaso é zero e a velocidade é máxima ao longo do eixo do centro do tubo. O fluxo

sangüíneo pode ser laminar, quando os vasos sangüíneos estão em condições normais, ou

turbulento, por exemplo, em um vaso que é parcialmente obstruído.

∗ A palavra poise para a unidade de viscosidade é uma abreviação de Poiseuille, vide bibliografia [5].

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354 FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007

Agora admitamos um fluxo laminar. Seja r a distância a qualquer ponto do líquido a

partir do eixo do tubo (veja Figura 5). Então a velocidade v é uma função de r. Podemos

escrever v = v(r). O domínio da função é o intervalo 0 ≤ r ≤ R. Então a velocidade v (cm s-1)

é

2 2Pv = (R - r )

4ηL

onde L representa o comprimento do tubo (cm), P∆ a diferença de pressão entre os dois

extremos do tubo (cm-1 g s-2), R e η foram definidos anteriormente.

Figura 5: Representação da distância r a partir do eixo do tubo.

Claramente, v = 0 para r = R. Para r =0 a velocidade alcança o seu máximo. Então a

imagem da função é 0 ≤ v ≤ 2PR

4ηL

∆.

Para conceituar a lei de Poiseuille, é importante definir primeiramente fluxo, o qual é a

quantidade de fluido que passa por um determinado ponto da circulação em um dado período

de tempo. Da mesma forma esta definição serve para o fluxo sangüíneo que é, geralmente,

expresso em mililitros, ou litros por minuto e no total da circulação de uma pessoa adulta em

repouso é de cerca de 5.000 mL por minuto. A isto denomina-se débito cardíaco, porque

constitui a quantidade de sangue bombeada por cada ventrículo do coração num período

unitário de tempo. Portanto, é claro que essa mesma quantidade de sangue deve passar através

de ambas as circulações sistêmica e pulmonar.

O fluxo sangüíneo varia bastante nos diferentes tecidos e em determinados tecidos

necessitam de um fluxo bem maior do que outros. Tecidos como músculos esqueléticos

apresentam grandes variações no fluxo sangüíneo através dos mesmos em diferentes

situações: Durante o repouso o fluxo é relativamente pequeno, mas aumenta

significativamente durante o trabalho, quando o consumo de oxigênio e demais nutrientes

aumenta e a produção de gás carbônico e outros elementos também aumenta.

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FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 355

Com isso, a seguinte lei definida por Poiseuille é que o fluxo ϕ de um tubo cilíndrico

transportando um líquido viscoso com o raio R, comprimento L, pressão ∆P e coeficiente de

viscosidade η:

4R P.

8ηL

πϕ = ∆

Esta lei tem extrema importância para o estudo do fluxo sangüíneo [3], e será deduzida

na próxima secção.

Fluxo Sangüíneo: Uma Aplicação da Integral de Riemann

Vamos agora calcular o volume de sangue que flui através de uma secção da artéria,

ou seja, o fluxo sangüíneo. Para tanto, dividamos o intervalo 0 < r < R em n subintervalos

iguais, de comprimento ∆r, tal que rj seja o início do j-ésimo subintervalo. Estes subintervalos

determinam n anéis concêntricos, conforme Figura 6:

Figura 6: Representação de uma artéria subdividida em anéis concêntricos.

Quando ∆r é pequeno, a área do j-ésimo anel é aproximadamente igual à área de um

retângulo cujo comprimento é a circunferência do menor perímetro do anel e cuja largura é

∆r, isto é,

jÁrea do j-ésimo anel 2 r rπ≅ ∆ .

A multiplicação da área do j-ésimo anel (cm2) pela velocidade do fluxo sangüíneo

através dele fornece a razão (cm3 s-1) com que o sangue escoa. Como a velocidade do sangue

através do j-ésimo anel é aproximadamente igual a v(rj) cm s-1, segue-se que:

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356 FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007

Fluxo sanguíneo

através do j-ésimo anel

área do velocidade do sangue

j-ésimo anel através do j-ésimo anel

( ) ( )j j2 r r v rπ≅ ∆

( ) ( )2 2

j j

P2 r r R - r

4ηLπ

∆≅ ∆

( )2 3j j

P2 R r - r r

4ηLπ

∆≅ ∆

O fluxo através da secção inteira é a soma das razões associadas a cada um dos n anéis

concêntricos, ou seja,

( )2 3j j

1

PFluxo 2 R r - r r

4ηL

n

j

π=

∆≅ ∆∑

Por conseguinte, quando n cresce ao infinito, o somatório tende para o valor verdadeiro do

fluxo,

( )2 3j j

1

PFluxo = = lim 2 R r - r r

4ηL

n

nj

ϕ π→∞

=

∆∆∑

( )R 2 3

0

P= 2 R r - r r

4ηLdπ

∆∫

2 42

0

P R r= 2 r -

4ηL 2 4

R

π ∆

4

3R= P /

8ηLcm s

π∆

Esta é a expressão matemática da Lei de Poiseuille. A dependência com o inverso da

viscosidade e do comprimento do tubo é natural: quanto mais comprido for o tubo, para uma

mesma diferença de pressão, menor deverá ser o fluxo. O mesmo se aplica à dependência com

a viscosidade: quanto mais viscoso for o fluido, menor deverá ser o fluxo. Curiosa é a

dependência do fluxo sangüíneo com o raio da secção reta ser com a quarta potência de R, [2]

e [3]!

Exemplo

Para termos uma visão mais ampla da Lei de Poiseuille, e da expressão da velocidade,

estudaremos um exemplo numérico, o qual foi escolhido por ser o mais realista possível.

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FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 357

Consideremos o sangue arterial com sua maior concentração de O2 ligado à

hemoglobina. Para o sangue humano sua viscosidade é um pouco inferior, à do sangue

venoso, em média η = 0,027 poise. O sangue flui através de uma arteríola (capilar arterial

largo) de comprimento L = 2 cm e raio R = 8 × 10-3 cm. Em uma extremidade, a pressão é

maior do que a outra e essa diferença é P∆ = 4 × 103 cm-1 g s-2. Então a velocidade é dada

por:

( ) ( ) ( )3

2 2 -6 2 -1 4 2 -1P 4 × 10 v = (R - r ) = (64 × 10 - r ) cm s v = 1,185 - 1,85× 10 r cm s

4ηL 4 × 0,027 × 2

∆⇒

e a seguir ilustraremos a dependência da velocidade com a distância a qualquer ponto do

líquido a partir do eixo do tubo, ou seja, r, com o gráfico da Figura 7:

0 1 2 3 4 5 6 7 8

x 10-3

0

0.2

0.4

0.6

0.8

1

1.2

1.4

Distancia (cm)

Velocidade (cm/s)

Figura 7: Gráfico da velocidade x distância em relação ao eixo central da artéria.

E o fluxo é dado por:

( )4 -3 4 -12

3 3 -4 3 1R × (8 × 10 ) × 4096 × 10 = P = (4 × 10 ) = (4 × 10 ) = 1,1914 × 10

8ηL 8 × 0,027 × 2 0,432cm s

π π πϕ ϕ −∆ ⇒

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358 FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007

Veja no gráfico da Figura 8 como o fluxo varia de acordo com a variação do raio da

arteríola.

0 1 2 3 4 5 6 7 8

x 10-3

0

0.2

0.4

0.6

0.8

1

1.2x 10

-4

Raio (cm)

Fluxo (cm3/s)

Figura 8: Gráfico do fluxo x raio da artéria.

Artéria aorta e o fluxo sangüíneo

Vamos analisar o que se passa ao nível da artéria aorta, lembrando que artéria aorta é a

mais importante artéria do sistema circulatório do corpo humano. Dela se derivam todas as

outras artérias do organismo. A aorta se inicia no coração, na base do ventrículo esquerdo, e

termina à altura da quarta vértebra lombar, onde se divide nas artérias ilíacas comuns.

O poise (P), como havíamos dito, é a unidade de viscosidade dinâmica no sistema

CGS de unidades. A unidade análoga no Sistema Internacional de Unidades é o Pascal

segundo (Pa·s):1 Pa·s = 1 kg·m−1·s−1 = 10 P (poise) [5]. Assim, tendo em vista que o diâmetro

da artéria aorta é cerca de 2 cm, admitindo que o seu comprimento é aproximadamente 40 cm,

e que a diferença de pressão é 32.6 Pa, sabendo que a viscosidade do sangue é de

aproximadamente de η = 4 × 10-3 Pa s, facilmente se calcula a velocidade do sangue que nela

circula no eixo central e o fluxo sangüíneo:

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FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 359

( ) ( )22 2 -1-3

P 32.6 v = (R - r ) = 0.01 v = 0,51 m s

4ηL 4 × 4 × 10 × 0.4

∆⇒ e

( )4 -2 4

-5 3 1-3

R × (10 ) = P = (32,6) = 8 × 10

8ηL 8 × 4 × 10 × 0,4m s

π πϕ ϕ ϕ −∆ ⇒ ⇒

Infarto

O miocárdio (músculo do coração) recebe alimentos e oxigênio através das artérias

coronárias, os primeiros ramos da aorta, ou seja, o coração é o primeiro a usufruir de seu

próprio trabalho. Uma das formas de ocorrer um infarto é pelo acúmulo de colesterol

(lipoproteína de alta densidade) que pode se acumular nas paredes da aorta, dificultando a

nutrição do miocárdio, e, isto ocasiona uma redução na área transversal da aorta e produz uma

pressão dinâmica maior, ocasionando uma redução na pressão mecânica (veja Figura 9). Com

uma redução da pressão mecânica, ocorre um refluxo na coronária e conseqüentemente uma

isquemia (suspensão localizada de irrigação sanguínea devida à má perfusão circulatória

arterial). Sem receber nutriente e oxigênio o músculo cardíaco morre, isto é, ocorre o infarto

agudo do miocárdio. Existem outras formas de ocorrer infarto, como por exemplo, pela

aterosclerose (entupimento) das coronárias em virtude do acúmulo de LP(a) e LDL, dois tipos

de colesteróis, chamados de maus colesteróis.

Figura 9: Representação do coração após ocorrer infarto, e em destaque a artéria obstruída.

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360 FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007

Com esta definição, vamos verificar o que acontece com o fluxo sangüíneo caso haja

um entupimento parcial de uma artéria.

Suponha que ocorra uma obstrução nessa artéria de 25%, assim vamos modelar duas

situações de obstrução cujas aproximações serão descritas nas Figuras 10 e 11.

Para o cálculo do fluxo sangüíneo (ϕ1) da artéria obstruída como na Figura 10,

fizemos o mesmo procedimento, pelo qual deduzimos a Lei de Poiseuille. Dividindo o

intervalo 0 < r < R em n subintervalos iguais, de comprimento ∆r, tal que rj seja o início do j-

ésimo subintervalo. Assim, a área do j-ésimo anel é aproximadamente igual à área de um

retângulo cujo comprimento é a circunferência do menor perímetro do anel e cuja largura é

∆r. A circunferência do menor perímetro do anel que estamos considerando agora é dado

por: j j j

3 2 r r r

2 2

π ππ − ≅ , e então a j

3área do j-ésimo anel é r r

2

π∆ .

Figura 10: Representação uma artéria com 25% de obstrução na área da secção transversal.

Logo, podemos obter o fluxo sangüíneo:

Fluxo sanguíneo

através do j-ésimo anel

área do velocidade do sangue

j-ésimo anel através do j-ésimo anel

( )j j

3r r v r

2

π ≅ ∆

( )2 2

j 1

3r r R -

2 jk rπ ≅ ∆

( )2 31 j j

3R r - r r

2k

π≅ ∆

Edson
Edson
FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 361

onde, 1

P

4ηLk

∆= , sendo L o comprimento da artéria onde ocorreu a obstrução e ∆P1 a pressão

neste local.

Assim como feito anteriormente, integrando essa expressão obteremos:

431

1

3 RFluxo = = /

8

kcm s

πϕ .

Da mesma maneira, vamos agora calcular o volume de sangue que flui através de uma

secção da artéria obstruída (ϕ2), ilustrada na Figura 11.

Figura 11: Representação uma artéria com 25% de obstrução na área da secção transversal.

Como a área da secção transversal da artéria será reduzida de 25% teremos:

2

2

R 100% 3

475%t R

t

π

π

−⇒ =

−.

Desse modo, a velocidade será dada por:

2 2 2 22 2

3v = (t - r ) v = R - r

4k k

,

onde, 22

P

4ηLk

∆= , sendo L o comprimento da artéria onde ocorreu a obstrução e ∆P2 a pressão

neste local.

Então o fluxo será dado por:

2 32 2 j j

1

3Fluxo = = lim 2 R - r

4

n

nj

k r rϕ π→∞

=

34 2 3

20

3= 2 R - r

4

R

k r r dπ

Edson
Edson
362 FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007

342 4

22

0

3= 2 R -

4 2 4

R

r rkπ

429 R

= 32

kπ.

Assim, supondo que nos três casos o sangue possua a mesma viscosidade (η), e considerando

o mesmo comprimento (L) da artéria, temos que:

1 1

4

3

P

P

ϕϕ

∆=

∆ e

2 2

16

9

P

P

ϕϕ

∆=

∆,

ou seja, a razão entre ϕ e ϕ1 é proporcional à razão entre ∆P e ∆P1 e a razão entre ϕ e ϕ2 é

proporcional à razão entre ∆P e ∆P2.

Anemia

A anemia é uma anomalia caracterizada pela diminuição da concentração da

hemoglobina dentro das hemácias e pela redução na quantidade de hemácias no sangue. Isso

resulta em uma redução da capacidade do sangue em transportar o oxigênio aos tecidos, pois a

hemoglobina, uma proteína presente nas hemácias, é responsável pelo transporte de oxigênio

dos pulmões para os demais órgãos e tecidos e de dióxido de carbono destes para ser

eliminado pelo pulmão.

Os sintomas da anemia são variáveis, sendo os mais comuns fadiga, fraqueza, palidez

(principalmente ao nível das conjuntivas), déficit de concentração ou vertigens. Nos quadros

mais severos podem aparecer taquicardia, palpitações. Afeta também a gengiva (causando, em

casos mais graves, o seu sangramento).

Um dos sintomas acima, a taquicardia, se deve ao fato do sangue de uma pessoa

anêmica apresentar menor viscosidade e, consequentemente, um maior fluxo através de seus

vasos.

Desse modo, para verificar esse fato, usamos a equação de fluxo, assim:

43R

Fluxo = P /8ηL

cm sπ

com R o raio da artéria, L o comprimento da artéria, η a viscosidade do sangue e P∆ a

variação da pressão.

Como uma pessoa anêmica tem uma menor viscosidade, pela equação percebemos

que:

Edson
Edson
FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 363

43R

Fluxo = P /8ηL

cm sπ

↑ ∆↓

diminui o valor do denominador, e então haverá um aumento do fluxo. Isto justifica o

aumento dos batimentos cardíacos.

Conclusão

Neste trabalho estudamos uma aplicação da Integral de Riemann em um fenômeno

biológico, demonstrando a Lei de Poiseuille e a fórmula do Fluxo Sangüíneo.

A partir destes conhecimentos modelamos duas representações geométricas da

obstrução de uma artéria e calculamos as razões entre o fluxo sangüíneo de uma artéria

normal e os fluxos destas representações da artéria obstruída.

Referências Bibliográficas

[1] Amabis & Martho, Biologia do organismo 2. Editora Moderna, volume único. [2] Batschelet, E., Introdução à matemática para biocientistas. São Paulo: EDUSP,1978. [3] Hoffman, L. D.; Bradley, G. L., Cálculo: um curso moderno e suas aplicações. Rio de Janeiro: LTC,2002. [4] http://wikipedia.org/wiki/Integral_de_Riemann [5] http://pt.wikipedia.org/wiki/Poise [6]http://w3.ualg.pt/~cmsilva/documentos/AulaTP_1_F%C3%ADsica_M%C3%A9dica .pdf

Edson
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