Fogo a Areia de José Aurélio
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…as esculturas que vou fazendo são actos cada vez mais livres, por isso
cada vez menos pré-conceituosos, procurando em cada dia e em cada
acção, fazer o jogo da vida1.
José Aurélio
José Aurélio: viver a escultura
Ainda jovem estudante na casa dos 20 anos, nos finais da década de 50, José Aurélio inicia o seu
percurso artístico segundo as principais vertentes que irão caracterizar a sua obra: pluralismo formal,
matérico e conceptual, constante postura experimental, marcado sentido social e ético. O gosto
de experimentar o novo sobrevive, até hoje, como traço de juventude, no artista amadurecido e
empenhado no desígnio de articular imaginativamente espírito e matéria. Torna-se por isso difícil a
identificação de uma direcção, objectivo ou programa que esclareça as opções tomadas, ou mesmo
a sistematização por fases, núcleos, ou outro qualquer método de arrumação a que habitualmente
se recorre em esforço de clarificação. Será, contudo, na articulação de todas estas vertentes, concre-
tizada em extensa obra, mais do que num único fio condutor, formal ou conceptual que poderá ser
identificada a marca autoral do escultor.
Qualquer tentativa de sistematização da produção artística de José Aurélio deve sobretudo ter em
conta a constância de um espírito investigador. Definido como um “experimentador”2, reconhece
em si próprio esse renovado entusiasmo por encarar novos desafios e encontrar soluções para os
problemas que o seu próprio trabalho, à escala do estúdio ou do espaço público, vai colocando.
Poucas vezes as soluções encontradas para uma situação são aplicáveis noutras quer no que respeita
a selecção dos materiais a utilizar, quer no que tem que ver com as soluções técnicas para problemas
de construção, resistência e durabilidade.
1 José Aurélio in 5 Escultores. Setúbal: Museu de Setúbal, 1984. 2 AZEVEDO, Fernando de – “A Paz e a Árvore da Vida”. Monumento à Paz. Almada: Câmara Municipal de Almada, 2001.
O método de trabalho de José Aurélio define e simultaneamente reflecte esta postura. Tipicamente, a
busca de solução para um problema inicia-se com uma produção intensa de desenhos seguida pela
construção de maquetas com variáveis graus de sofisticação.
O processo de trabalho que, no caso de uma grande escultura para um parque, passa pela produção
de uma maqueta, destinada a ser substituída pela grande peça final, por vezes encontra justificação
ali mesmo, no pequeno formato, e o registo final necessita apenas um ajuste do material de pro-
dução. É o que acontece, muitas vezes com as jóias ou as medalhas, as primeiras produzidas em
materiais preciosos, as segundas, geralmente cunhadas ou fundidas em bronze. O mesmo método
aplica-o ainda José Aurélio ao ensaio de articulação de materiais diversos na produção do que se
poderia designar por estudos finais. São construções em arame, cartão, contas, pedacinhos de chapa
ou plástico, gravetos, paus, que resultam em surpreendentes coisas íntimas.
O manusear de um material até encontrar a forma satisfatória tem equivalente na selecção que resul-
ta do olhar receptivo à descoberta, ao encontro, no sentido picassiano, da peça de maquinaria solta,
do pedaço de madeira na praia, da lâmpada ou do botão, que articula entre si ou que integra na
construção em ferro ou na peça fundida em bronze. Para José Aurélio, “a escultura é um processo de
ocasiões, de circunstâncias, onde não se podem perder as oportunidades do momento”3. Para que a
oportunidade não se perca é necessário, antes de mais, reconhecê-la enquanto tal e, em seguida, ser
capaz de materializar as respectivas potencialidades formais, materiais ou simbólicas.
José Aurélio é mestre desse processo que exige não só o domínio de múltiplas tecnologias como
disponibilidade para deixar falar as formas e os materiais, sem lhes sobrepor a voz de um quaquer
pré-conceito. Através desse diálogo com as matérias mas também com os lugares, os tempos, e as
pessoas, se concretizam as obras públicas destinadas a muito espaço e muita gente.
A obra pública de José Aurélio vive, antes de mais, da sua extraordínária sensibilidade para a escala.
José Aurélio transita, do pequeno formato (da medalha, por exemplo) para a grande escultura de
exterior, com a segurança que lhe vem de extensas pesquisas desenvolvidas na definição da forma
3 “ Uma conversa na Quinta da Preta”. José Aurélio Gestos e Sinais. Lisboa: Fundação Mário Soares: Magno, 2001.
e de profundos conhecimentos técnicos e de comportamento dos materiais. Mas, tendo presentes
a especificidade das condições de produção e de recepção do pequeno formato como da obra mo-
numental, José Aurélio está sobretudo atento à necessidade de adequar a sua visão pessoal à voz
colectiva exterior sabendo que é nesse equilíbrio que se joga o sucesso de cada peça.
Da diversidade aparentemente caótica da vasta produção escultórica de José Aurélio emerge esse
sagrado amor pela matéria que move o escultor na sua incansável investigação. Preferindo trabalhar
os metais José Aurélio ouve, com humildade, as gentes que, ao longo dos séculos com eles tem lida-
do e aprende, atento, as técnicas tradicionais. Estuda as formas identificando o que nelas foi ditado
pela matéria e o que pertence à identidade dos tempos e dos lugares. No processo vai encontrando
as suas respostas, inventivas, arrojadas e quase sempre provisórias, como são as dos verdadeiros
investigadores.
Os riscos que cada nova situação transporta e a necessária revisão de soluções verifica-se talvez com
mais evidência (e emoção) no combate amigável, já com algumas décadas, que José Aurélio vem
travando com o vento. A busca de resposta para a questão de criar habitantes do céu, utilizando a
linguagem essencialmente matérica (entenda-se pesada) da escultura na produção de peças simul-
taneamente leves e resistentes às variações meteorológicas, tem alimentado uma criação cinética
única na escultura em Portugal que combina tecnologias sofisticadas com aplicações tradicionais de
conhecimento empírico acumulado ao longo dos séculos.
Afirmar que José Aurélio vive a escultura é reconhecer-lhe a postura de absoluta abertura no que diz
respeito à definição do seu campo de actividade, isto é, para José Aurélio tudo pode ser escultura
ou melhor, tudo pode ser encarado como uma questão a resolver dentro do âmbito da escultura. É
também afirmar que José Aurélio se coloca a ele próprio dentro da escultura que vai concebendo e
fabricando, podendo as múltiplas facetas da sua obra ser entendidas, no limite, como metáfora de si
mesmo ou ainda ver o escultor “como personagem da sua obra”4.
4 SOUSA, Rocha de – “Imagens para uma escultura que se move no tempo”. Natureza Metálica. Centro Cultural Malaposta, 1994
Espírito e matéria5
José Aurélio inicia-se na escultura num tempo nacional difícil mas onde a escultura oficialmente
monolítica apresentava já algumas brechas abertas por primeiros ensaios de abstracção, os objectos
surrealistas e, mais directamente relevante para o jovem artista, a escultura muito pessoal de Jorge
Vieira. Desde as primeiras produções, ainda enquanto aluno da Escola de Belas Artes de Lisboa, José
Aurélio revela um pendor experimentalista traduzido em utilizações de vários materiais e exploração
de diversas técnicas que constituíram, na época, manifestações de independência face ao monolitis-
mo do ensino académico.
Entra para a ESBAL, em 58, por opção e incentivo de Lagoa Henriques. Será ainda este escultor que o
apresentará a Jorge Vieira que, na sua opinião, fazia “da melhor escultura” praticando “uma conten-
ção das formas como ninguém”. Se para o mestre formado por Barata Feyo, a questão formal ganha,
naturalmente, primazia, a José Aurélio o trabalho de Jorge Vieira interessa também pela inventivida-
de e a utilização de materiais pobres que interpreta como sinais de uma postura de independência e
inconformidade que o jovem escultor respeita e encontra em si próprio.
A reforma do ensino artístico, introduzindo novas disciplinas e pressupondo uma aprendizagem de
trabalho com novos materiais, quase não se faz sentir ainda por muito tempo e a escultura em barro,
enquanto suporte de transição para materiais mais nobres e duradouros, continua predominante ao
longo de todo o curso. Os professores, António Duarte, Joaquim Correia, Martins Correia e Soares
Branco asseguram continuidade a uma concepção da escultura que tem como quase exclusivas
vocações o retrato, a estatuária comemorativa ou decorativa, e o relevo essencialmente decorativo.
José Aurélio dá por terminada a sua formação escolar com uma já interessante carreira artística em
curso. Com ele haviam estudado mais cinco jovens escultores, entre os quais Espiga Pinto e Fernando
Conduto. Na pintura, será Rogério Ribeiro o mais próximo e com os três manterá José Aurélio, ao
longo dos anos, contactos profissionais e de amizade.
5 José Aurélio, Espírito e matéria, 1958. Ferro. 970x500x130cm. Exposta pela primeira vez numa Exposição Extra-escolar, 1958,
Lisboa.
José Aurélio expõe, pela primeira vez, numa Exposição Extra-Escolar da ESBAP, com uma particpação
que anuncia já as variadas direcções que o seu trabalho irá seguir: uma cerâmica intervencionada,
uma capa de caderno com desenhos a marcador, uma ânfora em bronze sustentada por três pernas
antropomórficas. Nesse mesmo ano, a recém-fundada Fundação Calouste Gulbenkian, organiza a
sua primeira grande exposição na Sociedade Nacional de Belas Artes. Com este ponto de situação
prospectivo é premiado, na escultura, o consagrado Barata Feyo, os já citados António Duarte e
Joaquim Correia, mas também Jorge Vieira que expõe peças de cariz surrealizante e a maqueta, ra-
dicalmente abstracta, para o monumento ao Prisioneiro Político Desconhecido. Ecos dessas formas
encontram-se em peças contemporâneas do jovem José Aurélio, nomeadamente a já citada ânfora,
numa Construção em ferro e numa Cabeça de Peixeira em terracota, ambas de 58, todas presente-
mente desaparecidas.
No ano seguinte, José Aurélio apresenta, em Exposição Extra-escolar, Espírito e matéria, que assinala
um momento de independência relativamente às referências nacionais e internacionais a que se
reporta essa fase inicial de formação e carreira. O tema, que irá retomar em 85, em peça de maior
ambição, em ferro e pedra, indicia a busca que irá nortear a produção de uma vida, complementan-
do uma acentuada sensibilidade pelos valores culturais intangíveis com um conhecimento profundo
dos meios mais adequados à sua materialização.
Nascido em Alcobaça, José Aurélio cresce familiarizando-se com a escultura erudita e popular, entre
o Mosteiro e o trabalho artesanal local. À dimensão académica e aos contactos com artistas inde-
pendentes acrescenta, a partir de 58, a experiência de produção industrial aceitando o convite para
dirigir o Estúdio da Secla, nas Caldas da Rainha. Tipicamente, José Aurélio transforma a conveniência
de um emprego em oportunidade de conhecimento e experimentação.
A primeira produção cerâmcia é de 1957, em Alcobaça, seguida de exposição na Galeria Diário de
Notícias, no ano seguinte. Tomás de Melo interessa-se pelo que vê e põe-no em contacto com a
Secla, empresa de produção cerâmica, que convida José Aurélio a dirigir o sector artístico da fábrica.
O convite que, nessa qualidade, o escultor faz, por sua vez, a António Quadros, é sintomático da
direcção que lhe interessa seguir: não perdendo de vista a vertente pragmática que caracteriza a
actividade de uma indústria, trabalhar na fronteira entre o erudito e o popular, na livre exploração
da fantasia e do humor.
Estas duas referências artísticas nacionais de José Aurélio, em início de actividade, Jorge Vieira e
António Quadros, elucidam as prioridades que o jovem escultor define para si próprio e para o seu
trabalho: uma postura de independência, de trabalho directo com os materiais, de destemor pelo
risco de explorar caminhos não validados por sistemas aceites.
58 é também o ano de uma primeira experiência internacional. Tendo colaborado com Jorge Vieira
na produção das peças que este apresenta na Feira Internacional de Bruxelas, José Aurélio viaja pela
Bélgica, Holanda e França confirmando afinidades com a escultura de Picasso, González, Calder e
Moore. Em 59, apresenta-se no palco internacional da I Bienal de Paris com O grito, prémio Mestre
Manuel Pereira, de manifesta inspiração picassiana.
Em 1960 recebe a primeira encomenda, destinada a um hotel. Em Dança escultura executada di-
rectamente em gesso, um par, enlaçado, representado em tamanho natural, dança animadamente.
A obra, de paradeiro desconhecido, constituirá, na sua atipica figuração, um raro caso de caminho
ensaiado em fase inicial de carreira e não retomado pelo escultor ao longo da vida. Nesse mesmo
ano, José Aurélio abandona os estudos. A decisão prende-se com uma importante encomenda para
o exterior de um edifício em Lisboa, uma grande incisão em pedra que executa no ano seguinte. Com
o finalizar do percurso académico encerra-se o primeiro ciclo de uma obra que, como foi referido,
apresentava, nas suas múltiplas vertentes, as principais referências bem como os caminhos indepen-
dentes que começava a abrir. Sintomaticamente, a peça que envia, no ano seguinte, à II Exposição de
Artes Plásticas da Fundação Gulbenkian, Besta 666, é obra muito sua na combinação dos materiais,
na técnica constructiva que utiliza, na imaginosa ambiguidade da representação, na dinamização
que obtém com o movimento da água.
Nesse ano de 1961, José Aurélio fixa residência em Óbidos. A decisão, ditada, em primeiro lugar, por
razões práticas de proximidade com a fábrica Secla, teria consequências determinantes na constru-
ção de um projecto de vida e de um percurso artístico independente. A improvável escolha de Óbidos
para estabelecer não só residência e atelier mas também uma galeria, a Ogiva, revelou-se uma aposta
de resultados únicos no panorama artístico nacional envolvendo os mais interessantes e promissores
jovens artistas num identificável “espírito Ogiva” que perduraria muito para além dos curtos três anos
de viabilidade do projecto.
Muito espaço e muita gente6
O destino social de muita da escultura de José Aurélio, tem que ver com o seu entendimento do lugar
e do papel do artista na sociedade enquanto agente catalizador de acção política no sentido mais
lato. Esse entendimento, reflete-se na aptência para a criação artística de vocação colectiva seja na
intervenção, com peças monumentais, no espaço público, seja na produção de pequenos múltiplos,
na generalidade medalhas, destinados à fruição privada por um grande número de destinatários.
Trata-se, em qualquer dos casos de escultura de função comemorativa (celebratória ou evocativa) que
exige, por um lado, a adequação de uma visão pessoal a uma ideia exterior e, por outro, o encontrar
da melhor solução formal e técnica para cada situação tendo em consideração as distintas condições
de produção e de recepção de uma e de outra tipologia.
A vocação monumental de grande parte da escultura de José Aurélio anuncia, desde os primeiros
trabalhos, o significativo número de projectos de obras para espaços públicos que irá concretizar. A
concepção e produção de uma escultura monumental são, por regra, para José Aurélio, um processo
colectivo. A fase de pesquisa do evento ou personalidade a comemorar, o estudo da história e identi-
dade do lugar de implantação, são fases de diálogo em que o escultor se abre à participação exterior
e a deixa contribuir no processo criativo. No momento de execução, a colaboração com outros pro-
fissionais, nomeadamente arquitectos e técnicos ou, em casos mais raros, a contribuição do trabalho
de uma comunidade, são uma mais valia apreciada pelo escultor.
É em 1966 que se oferece a José Aurélio a primeira oportunidade de intervenção num espaço pú-
blico7. A encomenda, da Câmara Municipal de Óbidos, veicula a solicitação do governo central de
um monumento aos heróis de Angola. O escultor resolve o problema ideológico e político com uma
proposta de monumento a todos “aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertan-
do” e imagina uma forma ambígua, de mão aberta simultaneamente lida como uma pomba, em
betão rebocado e pintado de branco, implantada directamente no solo. A escala e a cor ajustam-se
6 Segundo José Aurélio: “A escultura precisa de muito espaço e muita gente”, José Aurélio Escultura, Óbidos: Galeria Ogiva, 1973.
7 Em 1964, havia participado no concurso para a amarração da ponte 25 de Abril, em equipa com o arquitecto António Aurélio e
o pintor Querubim Lapa. O primeiro prémio seria atribuído ao projecto do arquitecto Conceição Silva com escultura de Jorge Vieira.
à dimensão e ao casario da vila, a forma abre-se a uma simbologia de paz evitando a retórica glorifi-
cadora da ideologia vigente. A solução técnica será, admitidamente, a sua primeira experiência com
alguma importância: “uma estrutura em betão com aplicação de reboco que lhe deu a forma final”8
inteiramente produzida no local.
O 25 de Abril, e o intenso envolvimento cívico que se lhe seguiu, multiplicaria as oportunidades de
participação em projectos de carácter público. Em 10 de Junho de 74, José Aurélio colabora na orga-
nização, pelo Movimento Democrático de Artistas Plásticos que ele próprio integra, da acção pública
de execução, por dezenas de artistas, de um grande painel mural na Galeria de Arte Moderna de
Belém. A sua contribuição artística será uma escultura efémera de grande formato, Portugal Novo,
uma embalagem em madeira, com 4,5 m de altura, em forma de mapa de Portugal carimbado com
destinatário: “Para todos”, remetente: “Movimento das Forças Armadas”, conteúdo: “Um Portugal
Novo” e o aviso: “Muito Frágil”.
O mesmo envolvimento cívico e político ditariam a participação no concurso para um Monumento
a Humberto Delgado. José Aurélio vence o concurso de iniciativa local, organizado pela Sociedade
Nacional de Belas Artes. e executa, em 1976, em Cela Velha, Alcobaça, o primeiro “monumento
em liberdade à liberdade”. “Experiência difícil de repetir”, a obra, executada com baixo orçamento
apesar do apoio da Câmara Municipal e de emigrantes oriundos da região, mobilizou a população
que contribuiu com materiais e trabalho. Produzido no lugar, com soluções técnicas inventivas dado
os escassos meios financeiros disponíveis, utiliza o betão na construção dos elementos verticais
dispostos em anel quebrado por uma vertical que irrompe do centro. A mensagem, formalmente
simples, torna-se ainda mais explícita pelas inscrições, à maneira de grafittis (castração, humilhação,
repressão, mordaça), alusivas ao passado recente. 10 anos mais tarde, em 1984, um monumento
na Vidigueira celebra o aniversário da revolução com os testemunhos físicos da actividade produtiva
local. José Aurélio utiliza mós de lagar de azeite, em granito, numa construção alegórica que sugere
o movimento rotativo e transforma o elemento líquido em água escorrendo em lágrimas.
8 “ Uma conversa na Quinta da Preta”. José Aurélio Gestos e Sinais. Lisboa: Fundação Mário Soares: Magno, 2001.
Em 1977, José Aurélio aceita o convite para colocar uma peça de exterior em frente ao edifício da
Embaixada de Portugal em Brasília9. Conjuntamente com o arquitecto, foi seleccionada a Cruz de
Cristo, forma que o escultor vinha trabalhando e apresentara em 73, na Ogiva, em bronze de pe-
quenas dimensões. Inicialmente, tratara-se de transformar a forma plana da Cruz de Cristo para um
objecto com presença do espaço. José Aurélio encontra uma equivalente dimensão volumétrica que
se iria revelar uma das formas mais conseguidas do seu repertório escultórico. A Cruz de Cristo de
José Aurélio é, fundamentalmente, um volume virtualmente inscrito num cubo, constituído por seis
elementos iguais, correspondentes às seis faces do cubo, cujas bases se ligam entre si. A escala mo-
numental, necessária nessa situação particular, exigiu alguma simplificação adicional dos elementos
formais iniciais mas o essencial manteve-se verificando-se que funciona na perfeição em qualquer
escala como se veria, alguns anos mais tarde, quando transformada em jóia. Em Brasília, a peça
repousa sobre um vértice imaginário do cubo em inesperado dinamismo, reforçado pelo vermelho
intenso que a recobre destacando-se contra o ritmo regular da longa fachada em betão do edifício.
Em 1988, e até 90, José Aurélio abraça a “maior aventura da minha vida”, as gárgulas para o novo
edifício da Torre do Tombo. O escultor havia participado, por várias vezes, com intervenções escultó-
rica, em projectos de arquitectura, desde a referida grande incisão em pedra em 61, a baixos-relevos
em materiais vários. Mas, admitidamente, a que mais o “pôs à prova como escultor, como fazedor de
coisas”10 foram essas “exclamações no silêncio” como lhes chamaria Vasco Graça Moura. Para as oito
gárgulas, previstas no projecto de arquitectura, José Aurélio definiria um conteúdo simbólico, um
rosto e um nome, agrupando-as tematicamente em quatro “Fautores da História” e quatro “Guardas
da Escrita” A execução envolveu a extracção de blocos de pedra calcária da Serra de Alvados retirados
da pedreira expressamente para o projecto e a talha directa de cubos de 2m de lado. A “aventura”
não se ficou pelo trabalho de investigação aturado na definição conceptual do projecto, nem pela in-
ventividade formal mas passou também pela descoberta de soluções engenhosas para, movimentar
os blocos de 20 toneladas, virá-los e trabalhá-los nas seis faces.
9 Arquitecto do edifício, Chorão Ramalho.
10 “ Uma conversa na Quinta da Preta”. José Aurélio Gestos e Sinais. Lisboa: Fundação Mário Soares: Magno, 2001.
Em 1999, José Aurélio executa a Grande Escultura do Parque da Paz, em Almada. O projecto revela-se
novo desafio no âmbito da escultura pública. Ocupando uma praça com 48 x 26 metros no interior
do parque e aí funcionando como “centro geométrico de um acontecimento urbanístico”11 equilíbra
as funções simbólica e estética; não sendo um monumento comemorativo, recusa uma leitura ten-
dencialmente unívoca; não se associando a um projecto de edifício, dispensa os constrangimentos
formais e técnicos que este, inevitavelmente impõe. O que se joga num projecto como este, é o refor-
ço da capacidade comunicativa do próprio parque intensificando a sua mensagem “de carácter imi-
nentemente poético”12. A complexidade do problema leva José Aurélio a apresentar três propostas
alternativas. A solução escolhida “desdobra, deserenrola e recorta, a partir de um eixo central, uma
estrutura espiraliforma que parte de um centro vertical para uma periferia, brincando com o espaço”,
deste modo adequando-se ao sentido do próprio parque “como novelo de caminhos que não levam
a parte alguma e que tem o seu centro onde quer que se encintre aquele que o está usufruindo”13.
Com função idêntica à do monumento, a medalha exige a “capacidade de reduzir uma ideia de ela-
boração complexa à sua expressão mais simples”14 . A intimidade do trabalho criativo e de produção
do modelo ou do prototipo contrasta com a extensão de público que acede à obra por via da sua
natureza múltipla. As condicionantes impostas pelo muito pequeno formato e por essa condição de
múltiplo comemorativo, sejam de natureza técnica, material ou simbólica constituem um desafio
para José Aurélio que tem, na sua vasta produção medalhística algumas peças emblemáticas da sua
obra escultórica.
A extensa produção medalhística de José Aurélio inicia-se em 66 com uma medalha para a Air France
destinada a comemorar os 20 anos da ligação aérea Paris-Lisboa. A medalha, fundida em bronze, é
executada a partir de uma matriz gravada no gesso que resulta num pequeno baixo-relevo circular
editado em 20 exemplares.
11 AZEVEDO, Fernando de – “A Paz e a Árvore da Vida”. Monumento à Paz. Almada: Câmara Municipal de Almada, 2001.
12 PARDAL, Sidónio – Parque da Cidade de Almada. Almada: Câmara Municipal de Almada, 1997.
13 PORFIRIO, José Luís – Parque da Cidade de Almada. Almada: Câmara Municipal de Almada, 1997.
14 COOK, John - The Medal, Set., 1984 [publicado no catálogo José Aurélio Medalhas. Alcobaça: Museu de Alcobaça, 1987].
Mas seria com a sua participação no concurso para a medalha duplamente comemorativa do cen-
tenário de Calouste Gulbenkian e da inauguração do Museu Gulbenkian, em 69, que José Aurélio
se iria afirmar na cena medalhística internacional. Vencendo um concurso com mais de duzentas
participações submtido a um juri internacional, José Aurélio vê reconhecido um trabalho que aborda
a medalha como objecto escultórico ao intervir na linguagem tradicionalmente facilitadora da produ-
ção em série: a perfeita circularidade interrompida, a superfície irregularmente texturada, o grafismo
aplicado manualmente resultam num objecto que se experencia como único não obstante integrar
uma edição de 2000 exemplares (fig. 10). No ano seguinte, José Aurélio transforma o múltiplo que
é a medalha em elemento de uma nova peça original, Homenagem a uma medalha premiada, uma
construção vertical modular, conceptualmente próxima da brancusiana coluna sem fim que José Au-
rélio revisita, mais tarde, em obras de outra escala.
Idêntica sensibilidade objectual aparece na medalha para a Feira Mundial de Osaka, em 70. José
Aurélio faz convergir a tradição ocidental da medalha, enquanto pequeno objecto de natureza co-
memorativa com a tradição nipónica do netsuke, objecto de uso pessoal esculpido em intricados
motivos decorativos “linda de ver – linda de tocar”15.
Entre 1970 e 73, JoséAurélio produz seis medalhas em bronze dedicadas à Galeria Ogiva, em Óbi-
dos16. Com excepção da medalha cunhada em 200 exemplares, todas são fundidas com edições
não superiores a 100 exemplares. Trata-se de objectos escultóricos, produzidos com a minúcia e a
subtileza da jóia, oferecem superfícies ricas em texturas, relevos, saliências e reentrâncias, volumes,
aberturas e movimento, objectos ricos em estímulos ao tacto, convidando à manipulação mais do
que à simples observação visual (fig. 13).
O carácter de objecto precioso desse tipo de medalha é invertido na medalha evocativa do Movi-
mento Democrático de Artistas Plásticos, de 74. José Aurélio transporta para a medalha o carácter
humorístico e experimental de muita da sua produção escutórica, produzindo, semi-manualmente,
dezenas exemplares em plástico e papel nas cores da bandeira nacional, de um objecto que, no ver-
15 COOK, John - The Medal, Set., 1984 [publicado no catálogo José Aurélio Medalhas. Alcobaça: Museu de Alcobaça, 1987].
16 1970: medalha referente à galeria Ogiva e medalha assinalando a sua inauguração; 1971: dedicada a Josefa de Óbidos e,
simultaneamente comemorativa do 1º ano de actividade da Ogiva; 1972: Ogiva 2 anos; 1973: Ogiva 3 anos I e Ogiva 3 anos II.
so, se confunde com um pin exibindo um slogan político, enquanto que no reverso se transforma
em jogo popular.
O mesmo carácter de jogo, convidando à interactividade, se verifica na medalha/objecto comemo-
rativa do 8º centenário da Abadia de Alcobaça, de 1978. Dois círculos, que apresentando cada um
uma das faces da medalha, interceptam-se perpendicularmente aos respectivos diâmetros que se
articulam por meio de dobradiças permitindo que cada uma das faces se abra ou feche segundo a
acção de quem manipula o objecto.
A visão escultórica de José Aurélio, o sentido rigoroso de escala, permite-lhe a materialização de um
mesmo conceito celebratório ou evocativo, alternativamente no muito grande e no muito pequeno
formato. A convicção de José Aurélio de que a escultura “precisa de muito espaço e muita gente”17
ganha assim um sentido mais amplo em duplas produções como a homenagem ao General Humber-
to Delgado com o monumento público inspirando a medalha tridimenssional ou a Memória da che-
gada dos portugueses ao Japão, de 92, em que a escultura nasce a partir dos modelos da medalha.
Coisas íntimas18
É na tranquilidade do seu atelier que José Aurélio vai ensaiando e materializando as suas ideias,
sonhos e sentimentos. Ao cabo de várias décadas, os frutos dessa inquietação permanente povoam
densamente o espaço de trabalho que é afinal coincidente com o da vida privada e familiar. Por vezes,
emergem em exposições, em espaços públicos ou em vitrinas de ourivesarias. Mas nem sempre ga-
nham outro estatuto, escala ou registo e vão apenas apontando caminhos possíveis, como anotações
que se guardam para futuras meditações.
Um entendimento da escultura enquanto objecto permanece na obra de José Aurélio, seja com um
sentido quase de desafio ao estatuto maior da escultura, seja como um veículo de experimentação
formal e conceptual. Adivinha-se já na série de pequenas esculturas em terracota, de 57, a maior
17 José Aurélio Escultura. Óbidos: Galeria Ogiva, 1973.
18 Título de exposição no Círculo de Artes Pásticas de Coimbra (CAPC), 1983.
parte hoje desaparecidas, que miniaturizam figuras humanas modeladas em liberdade formal, re-
miniscentes do humor e sensualidade de outros bonecos de barro encontrados tanto nas versões
populares das feiras como em mais sofisticadas peças de Jorge Vieira. Ou num pequeno sapo, do
ano seguinte, combinando a terracota com o ferro, associação improvável de materiais opostos
nos respectivos graus de durabilidade, maleabilidade e temperatura. Esse percurso da escultura até
ao objecto fá-lo pouco depois José Aurélio, em sentido inverso, no Estúdio da Secla, investindo o
objecto cerâmico do estatuto escultórico de peça autónoma, despido de funcionalidade prática. A
libertação da segurança que a figura oferece faz-se com a invenção de novos objectos como Espelho,
de 64, inteiramente em ferro e incorporando a realidade utilitária de dois garfos.
A contaminação de uma vocação puramente estética, simbólica ou comemorativa da escultura pela
vida quotidiana nunca corresponde, no trabalho de José Aurélio, a uma trivialização ou rebaixamento
de estatuto. Antes, trata-se de investir a peça escultórica de elementos poéticos ou de humor, que lhe
acrecentam complexidade e cativam afectivamente o espectador pelo manifesto envolvimento pes-
soal do seu autor. É que, para José Aurélio, a escultura, uma das mais públicas disciplinas das Belas
Artes, é também uma coisa íntima.
Tome-se, como exemplo, a peça Maria de 68. O ponto de partida é um manequim de loja de que José
Aurélio se apropria e utiliza como modelo no processo de fundição em bronze. Na caixa de areia que
utiliza para a passagem dessa forma a bronze, inscreve os sulcos que irão resultar nas excrescências
ondulantes laterais e a decoração e inscrição no corpo da peça. Após a fundição, retém os vestígios
dos canais pelos quais se verte o bronze no momento da fundição, incorporando na peça essa me-
mória do processo. No lugar da cabeça inexistente coloca uma irreverente bola de bilhar vermelha
negando à obra final a sisudez do bronze. Finalmente reduz o pedestal a uma haste em ferro e latão
que permanentemente acompanhará a peça fixando-lhe o estatuto de objecto autónomo.
O mesmo acontece com diferentes tipologias, nomeadamente a jóia. Por estatuto, eminentemente
público na dose de ostentação que normalmente implica, a jóia é, simultaneamente algo que se usa
junto ao corpo, remetendo para essa proximidade mesmo quando guardada em estojo ou exposta
em vitrina. A esse duplo estatuto, público e privado, José Aurélio acrescenta a dimensão do afecto e
da sensualidade, privilegiando assim a vertente íntima da jóia. A ambiguidade reforça-se no material
utilizado na produção da joia: o ouro, a prata, o marfim ou o coral mas também sementes, ossos,
vidros, fio, materiais pobres que recordam que o verdadeiro valor da peça se joga no investimento
afectivo que materializa.
Em 1982, a propósito da XVII Exposição de Arte, Ciência e Cultura, José Aurélio concebe uma série
de peças de ourivesaria subordinadas ao tema dos descobrimentos. Os pendentes reproduzem as
formas planas do astrolábio, do quadrante, ou da rosa-dos-ventos ou o volume da esfera armilar e
da balestilha. De entre a série, destaca-se a Cruz de Cristo, já referida a propósito da sua utilização
monumental. O processo construtivo claramente modular, as formas geometricas regulares, o ritmo
conseguido pela repetição dos vários elementos resultam, como se disse, numa forma escultórica
que funciona em qualquer escala e, quando produzida no material adequado, tanto pode adquirir
conotações lúdicas, como celebratórias, ser uma jóia, um brinquedo ou uma escultura pública.
A aptência de José Aurélio para trabalhar a escala, pensar intermutavelmente o grande e o peque-
no encontrando os materiais ajustados para cada caso regista-se em exposições como Ouro, Prata,
Marfim e outras Especiarias, na Culturgest, em 1995 e Agua e outras Jóias, nas Caldas da Rainha em
2003. Em ambas se expunham esculturas e jóias sendo que as segundas se distinguiam pela função
acrescentada a uma visão indiscutivelmente escultórica ao nível do enunciado conceptual e da mate-
rialização formal. José Aurélio joga com o conceito de jóia em instalações de grande escala, produ-
zidas expressamente para as exposições. Pulseira do mar, por exemplo, é apresentada em instalação
de alguns metros de diâmetro nem por isso deixando de conter esse elemento de intimidade que a
jóia transporta já não pela escala ou o uso mas antes pela familiaridade dos elementos materiais que
a constituem, que podem ser náuticos como na Pulseira do Mar (roldanas, âncora, bóias, cordas,
bandeiras, hélices, cadernais).
Mas essa intimidade que caracteriza tanta da obra escultórica de José Aurélio, verifica-se num sem
número de objectos, esculturas de médio ou grande formato que regista não propriamente uma
produção paralela mas talvez antes um enfatizar de uma atenção prestada à realidade envolvente
descobrindo, em quase tudo, matéria escultórica.
Em 1983, José Aurélio expõe, no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, Coisas Íntimas. Aí se podiam
ver “trabalhos nunca mostrados em pública exposição, que foram acompanhando o escultor nos
seus ‘ateliers’; objectos encontrados que se impõem pela sua força de aparição ou se acumulam
em conjuntos (ossos), e vão ganhando composição e sentido, suportes de uma meditação difusa;
jóias, outra intimidade, essa, para ver, mexer, usar, na sua óbvia relação com o corpo e com o amor
também”19.
Um grupo de peças funciona como aproximações a uma auto-representação de intensão mais ou
menos explícita nos títulos Máscara, Retrato e Auto-retrato. A Máscara (ou Cisne Negro) que não
esconde, antes revela a personalidade lúdica, descontraída e imaginativa do seu autor, é de aço, os
olhos, duas esferas, também em aço, pintadas de branco, lembra uma grande ave mas, de facto,
não se trata de nenhum animal específico. Em Auto-Retrato o escultor tranformou-se em espécime
caprino materializado em madeira, chifre, vidro e ferro. Trata-se, por um lado de afirmar que o
escultor gosta dos seus materiais, dos desafios que lhe coloca a sua manipulação, das formas que
lhe sugerem, das improváveis combinações que possibilitam. Mas não será de negligenciar alguma
aproximação às “feições gargulares” do escultor, sinal de que José Aurélio, “está no que faz”20.
Outra série evoca memórias, antropomorfizações resultantes de combinações improváveis de mate-
rias ou em utilizações imaginativas de materiais tradicionais: ferro e osso em Memória do ditador,
ferro em Memória de mulher e Memória de Ângelo Correia, ferro e granito em Memória da Lavandei-
ra, testemunhos de aversões, afectos ou amizades pessoais, lugares vividos e por isso também coisas
íntimas. Memórias de experiências mais remotas, preservadas em detritos encontrados, materiais
orgânicos, objectos descartados, em Memória da praia, madeira e cortiça (3-72); Memória da beira-
mar (24-73); Cabeça de sereia, esferovite, percebes, alumínio e vidro (2-82)
Em diferente registo intimista, José Aurélio transpõe para a escultura paisagens e naturezas mortas,
categorias tradicionalmente reservadas à pintura. Mais uma vez, é o carácter eminentemente objec-
tual da escultura que se impõe não já pela incorporação ou reutilização dos objectos reais, mas pela
sua representação em materiais e técnicas escultórico por excelência. Fruto venenoso conjuga duas
técnicas de fundição em bronze (o miolo, utilizando um molde, o revestimento, através da modela-
ção directa da areia) numa peça estranhamente grande par o fruto que representa na sua pequenez
19 PORFÍRIO, José Luís - “As coisas…A vida…”.Círculo de Artes Plásticas de Coimbra:54 Exposições: 1981-1983. Coimbra:
Galeria CAPC, 1983.
20 “ Uma conversa na Quinta da Preta”. José Aurélio Gestos e Sinais. Lisboa: Fundação Mário Soares: Magno, 2001.
enquanto objecto escultórico. Passeio pela linha do horizonte, materializa, utilizando material e
técnicas idênticas, uma pequena paisagem no limiar de uma escala impossível. O Jarro e a Garrafa,
leva mais longe esse jogo de ambiguidades entre os objectos reais, as tradições de representação
pictórica e escultórica e os géneros artísticos em que se inscrevem: os objectos estão presentes não
apenas pela forma mas também pela escala naturalista; a natureza morta enriquecida com contrastes
de texturas e cores, apresenta-se-nos tendencialmente em dois planos literalmente justapostos; o
volume, real, nos seus 8 cm de espessura, não corresponde ao vulto dos objectos representados mas
antes aproxima-se do baixo-relevo, a técnica mais pictórica da escultura.
Habitantes do Céu
A criação de objectos cinéticos tem ocupado José Aurélio ao longo dos anos. Naturalmente, inte-
ressa-lhe o resultado mas o processo de resolução dos problemas técnicos, o encontrar a solução
simultaneamente mais simples e resistente, constituem, para José Aurélio motivação permanente. O
movimento está presente em todas as tipologias: jóias que, não por acaso, são preferencialmente
pendentes, incorporam frequentemente elementos cinéticos seja a cauda de uma sereia, ou um fio-
de-prumo; medalhas com dobradiças, abrem-se e fecham-se para revelar a sua mensagem; escultu-
ras sobre sólidos plintos, contrariam com delicadas articulações o peso do bronze ou do ferro de que
são feitas; pequenos desenhos móveis no espaço em arames, fios, contas ou largos e precários gestos
em madeira e pano desafiam a brisa; esculturas monumentais, rigorosamente planeadas resisitem ao
vento parecendo leves e frágeis.
O Anjo, enquanto metáfora do movimento, aparece pela primeira vez na obra de José Aurélio numa
aldraba, em bronze, para a casa de um amigo e, no ano seguinte, num pequeno amuleto em prata
que o escultor transportou consigo durante largos anos. Em 59, o anjo surge em peças produzidas
no Estúdio Secla, em posição de voo, uma haste de metal prendendo-o a uma base em pedra. Outras
entidades voadoras, mais ou menos fantásticas povoam o universo da produção de José Aurélio na
Secla, permanecendo, contudo, bem agarradas à terra de que são feitas. Voltam os anjos em 61,
para um baixo-relevo em bronze encomendado para as instalações de uma companhia internacional
de transportes aéreos, como Habitantes do Céu e, em 97, aparece um Bicharoco em aço, na fachada
de um edifício de Lisboa.
O movimento real aparece, em 66, com a Passarola uma versão muito pessoal da máquina voadora
setecentista, “filigrana” em madeira, cobre, vidro e latão. O movimento pendular que dá vida à peça
é obtido pelo método de instalação, pendurada do tecto, em interior ou, episodicamente, de um
ramo de árvore, cumprindo-se assim o seu destino com a ajuda do vento.
Mas o movimento incorporado no método de construção da própria peça começa a partir de 67,
com Fonte e Composição Móvel onde se combinam materiais (bronze, latão e marfim) e técnicas
de fundição e de construção simples para obter movimentos pendulares. Em anos seguintes outras
peças como Interpenetrações móveis, de 69, e novas Composições móveis diversificam as formas
onsistindo na incorporação do movimento real accionado apenas pelo toque.
Em todas estas esculturas o movimento acontece num ou outro elemento de peças que se destinam
a ser colocadas, em completa estabilidade, numa base. Em Árvore móvel, de 72, José Aurélio explora
esse contraponto entre o estável e o móvel, opondo os dois principais elementos constituintes da
escultura: a horizontalidade, estabilidade, opacidade e peso do material da “mesa” que constitui a
parte inferior da peça, e a verticalidade, mobilidade e leveza da árvore.
Multiplomóvel, em aço inox, transfere para a série (250 exemplares) o conceito de escultura em
movimento. Neste caso, a escultura é também um brinquedo, transportável, e o movimento resulta
exclusivamente da intervenção deliberada do fruidor sobre uma forma de engenhosa concepção, não
tendo a escultura qualquer componente móvel. O mesmo princípio seria utilizado na escultura para
exterior, em pedra, aço e ferro, D. Quixote, de 83, sendo a controlada acção humana, substituída,
pela mais aleatória força do vento que acabaria por destrui-la.
Na década de 70, José Aurélio inicia uma numerosa e variada série de peças cinéticas para exterior.
As suas referências são os papagaios de papel e os cataventos de ferro, de relativamente pequena
dimensão nos telhados, ou de maior envergadura quando acoplados a engenhos de água. Entre es-
ses dois tipos de estruturas, umas fundamentalmente precárias, as outras destinadas a durar, vai José
Aurélio imaginando as suas construções cinéticas, investigando soluções construtivas e seleccionan-
do materiais que ofereçam, simultaneamente, leveza e durabilidade necessárias para poder vencer
essa luta que vem travando com o vento que lhe destrói as peças exigindo permanente vigilância e
restauro.
A primeira Construção móvel destinada a ser instalada no exterior, com carácter de permanência, é
de 73, em aço inox. Em 80, Bambusina festiva assume o seu destino precário nos próprios materiais
em que é construída (bambu, cordel e pano)
Em 93, José Aurélio tem oportunidade de produzir uma série de esculturas em torno do tema da ae-
ronáutica, para a Base Aérea nº1, em Sintra. Não se tratou somente de uma oportunidade temática
mas sobretudo de utilizar, como matéria-prima, detritos, peças e materiais aeronáuticos obsoletos.
O resultado foi um significativo número de peças de exterior agrupáveis em esculturas de natureza
eminentemente lúdica, que utilizam modelos de avião ou bombas de exercício que “nos aparecem
como personagens numa narração”, em obras que articulam componentes de várias origens não já
em situações narrativas mas em “coincidência com a relação dos objectos com o espaço, o ar, os
movimentos relativos”, peças “ao mesmo tempo quietas e inquietas sobre a horizontalidade de um
plano, chão ou plinto”21 e brancusianas colunas sem fim em perpétuo impulso ascendente.
Na década de 90, José Aurélio intensifica a produção de cataventos. O espaço em torno do atelier
povoa-se de estruturas prontas a moverem-se com o vento. As técnicas aperfeiçoam-se com a von-
tade de as fazer durar ao mesmo tempo que o seu carácter lúdico autoriza e estimula a imaginação
nas combinações improváveis de objectos e materiais seleccionados na sua constução que incluem
hélices de vários tamanhos e proveniências, rodas e rolamentos de bicicletas, peças desenhadas ex-
pressamente utilizando metais de diferentes naturezas e proveniências. Esse parque eólico privativo
é, já há alguns anos, um projecto em curso que, por sua vez, tem inspirado outras obras como a
instalação, em 2002, de Peixes voadores para Alqueva, um festivo e poético “cardume” voador à
entrada do castelo de Reguengos de Monsaraz.
21 PORFIRIO, José Luís – “Na Terra como no Céu”. Phoenixes. Sintra, 1997.
Esse sagrado amor pela matéria22
Admitidamente, o ferro é o material preferido por José Aurélio que o começou a utilizar em 1958,
possivelmente encorajado pelo exemplo de Jorge Vieira com quem trabalha na produção de escultu-
ras em ferro para o Pavilhão de Portugal da Feira Internacional de Bruxelas, nesse ano. As referências
internacionais são Picasso e González, como se pode verificar em Grito, de 58 ou nos picassianos Pan
e uma cabeça de cavalo, igualmente intitulada Grito com que obtém o Prémio Mestre Manuel Pereira,
em 59. Em Portugal, as iniciais afinidades temáticas e formais com Jorge Vieira, verificam-se também
no uso do ferro em construções abstracatas ou imaginativamente figurativas. Mas José Aurélio cedo
parte para explorações mais pessoais das possibilidades do material e, logo em 58, Espírito e matéria,
reduz-se a uma acutilante composição abstracta que apresenta numa Exposição Extra-Escolar.
Nessa época inicial para José Aurélio, Jorge Vieira está também presente no uso do barro como
matéria final e nas formas que lhe dá, desde as primeiras miniaturas antropomórficas, de 57, à Ca-
beça e Cabeça de Peixeira, do ano seguinte. Diferentes formas e motivos aparecem trabalhados em
barro vidrado ou com engobes produzidos no âmbito do trabalho que desenvolve, a partir de 58,
no Estúdio da Fábrica Secla: de novo Pan, num medalha, e Anjo, ambos de 59 ou, em 60, um Galo,
seguidos de várias outras figuras que imaginativamente vão tomando a forma de objecto de uso,
seja jarro ou terrina.
Até 1961, o ano da autonomização do escultor que abandona os estudo para se lançar numa carrei-
ra profissional, José Aurélio mostrava competência no uso de quase todos os materiais que irá a uti-
lizar, com mais ou menos frequência, ao longo da sua carreira. Utiliza ainda a prata e o bronze, em
imaginativos pequenos objectos, mais ou menos utilitários, como um pequeno amuleto ou aldrabas
para casa própria ou de amigos. Não tendo tido grande expressão na obra de José Aurélio, a pedra
aparece também em Cabeça de Cavalo, de 58. O talhe directo será a técnica sempre utilizada por
José Aurélio para trabalhar a pedra, seja em obra de menor dimensão, como Degrau, de 61, Quime-
ra, do ano seguinte, ou Colar de Afrodite, de 89, em monumentos como o Padrão do 8º Centenário
22 CARNEIRO, Alberto – José Aurélio Escultura. Óbidos: Galeria Ogiva, 1973.
da Abadia de Cister, de 78, seja na grande obra para o edifício da Torre do Tombo, as oito Gárgulas,
já mencionadas.
Em 66, na primeira oportunidade de trabalho em obra pública, inicia-se no uso do betão para Mão,
em Óbidos e utiliza o mesmo material no ano seguinte, em duas obras, satisfazendo encomenda
privada destinada à Quinta do Paúl. Mas a sua mais importante obra em betão será o Monumento a
Humberto Delgado, em 76, já referido.
Em 1967, José Aurélio envolve-se numa experiência de trabalho na Fundição Sá Lemos, em Vila
Nova de Gaia, que irá ter decisivas repercussões no seu trabalho. Se até aí pouco utilizara o bronze,
provavelmente pelas conotações marcadamente académicas que inevitavelmente teria, José Aurélio
acerca-se agora do material e das técnicas tradicionais de o trabalhar com a abertura que o caracte-
riza acabando por desenvolver um método próprio que reequaciona as premissas mais fundamentais
de uma tradição milenar.
O que está em causa é a utilização do método de criação de moldes em areia, a partir de um modelo
prévio, destinados à fundição de peças em bronze. No processo de produção habitual, ao escultor
cabe a criação da peça em material provisório (tipicamente, o gesso), e validação da peça (ou peças,
no caso de se tratar de um edição de múltiplos) final em bronze. Os momentos intermédios de pro-
dução são executados, nas oficinas de fundição, pelos respectivos técnicos que executam o molde
em areia e procedem à fundição propriamente dita.
José Aurélio apropria-se de um método de mediação para o transformar numa técnica criativa. A
areia torna-se a matéria inicial da obra, nunca existindo um objecto prévio, em barro, gesso, ou em
qualquer outro material. O escultor cria a forma directamente na areia, abrindo sulcos, escavando as
formas, obtendo um negativo sem que, para isso tenha alguma vez existido um positivo. O trabalho
directo na areia elimina a possibilidade de produção de réplicas ou múltiplos e o resultado é, neces-
sariamente, uma peça irrepetível.
A descoberta, e a exploração das suas possibilidades, resulta numa produção intensa de novas peças
introduzindo-lhes movimento, combinando outros materias. Mas a característica mais saliente desta
produção talvez seja o papel que o desenho passa a ter na obra escultórica de José Aurélio. O novo
método, pode ser descrito como de desenho em areia resultando em peças em que a linha, sinuosa
ou geométrica, adquire um protagonismo raro em escultura. Não se trata de inscrições na superfície,
nem tão pouco de baixos-relevos, mas de um delinear de planos tridimensionais. Essa linearidade,
que dá forma a superfícies eminentemente planas, é complementada, por vezes, com áreas de mar-
cado volume, ou de vazio, que criam novos ritmos enquanto reafirmam a tridimensionalidade da
peça.
A explosão criativa resultante da descoberta da técnica é apresentada em exposição individual de
José Aurélio na Ogiva, em 1973. Algumas peças integram já outros materiais, combinam técnicas,
ensaiam tipologias. O método traduz-se numa nova liberdade porque diminui a dependência de um
processo que, tradicionalmente, escapa aos escultores. Simultaneamente, minimiza interrupções no
processo criativo permitindo uma continuidade na construção da peça propícia à inclusão do aciden-
te ou da solução encontrada no momento, que explicam a sugestão de espontaneidade e a frescura
de muitas das peças.
Nessa mesma exposição, o ferro reaparece numa série de 5 Variações sobre um Tema. Mas é nos
anos 80 que o ferro, “fundido, construído ou simplesmente dobrado”23, ressurge em força na obra
de José Aurélio. O escultor apresenta outro à vontade na sua utilização, aplicando-o sobretudo em
projectos para eventuais obras de grande formato, algumas concretizadas. Em 1986, mostra uma
série de Siglas em exposição colectiva no Mosteiro de Alcobaça homenageando assim os canteiros
que trabalharam na construção do Mosteiro e nas paredes deixaram testemunho da sua presença.
José Aurélio transcreve essas assinaturas incisas na pedra para volumes, obtidos pela modelação do
ferro, resultando em desenhos no espaço de escala monumental, por vezes concretizada em peças
de grandes dimensões. Em 87, o processo torna-se mesmo o enfoque da obra em série intitulada,
justamente, Dobragens, atitude que o escultor retoma em 93, com nova série culminando numa
monumental Dobragem Biombo.
A utilização de materiais encontrados e de fragmentos de objectos descontextualizados, caracteriza
23 12 Sinais no Tempo. Montemor-o-Novo: Galeria Municipal , 1997.
também uma parte assinalável da produção de José Aurélio. São peças que começam a aparecer nos
anos 70, década particularmente propícia a alimentar a sua veia experimentalista. Pequenos objectos
reminiscentes de uma atitude vizinha do surrealismo, como “memórias” de passeios à beira-mar ou
retratos e mácaras, já referidos, combinam plástico madeira e cortiça penas, conchas e lâmpadas.
Nos anos 80, a utilização de fragmentos e peças avulsas assume outra responsabilidade em obra
mais pública como a Máquina do Mundo, homenagem a Camões que, sobre um tambor de moinho
de torrar café, acumula molas, foices, cruzes, cravos, uma trempe de lareira, segmentos de grades de
janela, correntes, rodas dentadas.
Em 94, José Aurélio reafirma a sua Natureza metálica, em escultura e exposição com o mesmo nome.
A sua produção mais recente confirma essa fascinação pelas “matérias do fogo” que Alberto Carnei-
ro já identificara no amigo referindo, logo a propósito da primeira exposição individual na Ogiva, em
73, “esse diálogo constante que ele mantém com os seus materiais, desde a lava incandescente do
bronze vertido nos moldes de areia até ao pequenino parafuso”24. O método de trabalho continua a
envolver exercícios de paciência e reflexão até à descoberta da forma adequada como pôde testemu-
nhar Fernando de Azevedo relativamente ao projecto para a Grande Árvore da Paz, em aço corten,
para Almada, iniciado em 97: “um pedaço de papel, um rectângulo inteiro e umas dobragens e
recortes. Mais: uns recortes como um jogo desinteressado que, pouco a pouco surpreende e se torna
como um comando do destino, uma figura. Um palmo de papel inteiramente recortado, dobrado e
desdobrado nos cortes, aparece enfim, na forma transposta de uma árvore: tronco, ramos e raízes,
por assim dizer”25. Nos últimos anos, José Aurélio regressou à oficina de fundição, encontrando no-
vas potencialidades numa técnica que explorara nos anos da juventude. Regressa também à Ogiva,
mais de trinta anos depois da sua primeira exposição, expondo a obra recente em diálogo com a de
então, ambas nascidas entre o fogo e a areia.
24 CARNEIRO, Alberto – José Aurélio Escultura. Óbidos: Galeria Ogiva, 1973.
25 AZEVEDO, Fernando de – “A Paz e a Árvore da Vida”. Monumento à Paz. Almada: Câmara Municipal de Almada, 2001.
Começavam os anos 70. Em Outubro foi inaugurada,
em Óbidos, uma diferente galeria de arte – a Ogiva. À
altura, não tinha mais de 10 anos. Contudo, se revisito
a memória, consigo-a clara, nítida, grata. Grata exac-
tamente na medida em que descobri outras coisas, vi
pessoas diferentes, porque sem saber bem o quê nem
porquê, tive a noção de que tudo o que ali acontecia
e a que eu assistia, acrescentava algo a todos os que
lá estavam. Hoje sei que partilhavam a pertinência de
um desafio, a fraternidade de encontros que só ali
poderiam ocorrer. Ali, onde a centralidade geográfica
que o acaso ditou permitia organizar colectivos de
artistas plásticos que não mais viriam a ter lugar.
Pequena entre adultos, entre outros filhos também,
lembro-me de percorrer aquele espaço amplo, com
escadas e patamares que criavam diferentes plata-
formas gerando diversos pontos de vista. E é neste
caminho de pré-adolescência que encontro, como
uma marca impressiva, o escultor José Aurélio, já
amigo da família, e descubro uma escultura outra,
que podia ser tocada, balançada, colorida. Lembro-
me do atelier do escultor, pejado de objectos de
aparente inutilidade, com estranhos instrumentos de
trabalho e onde, por vezes de um dia para o outro,
aconteciam “coisas”, onde chapas se uniam a outras
e, dessa união, nasciam as esculturas.
Anos depois, entre muitas outras peças, mais preci-
samente em 1985, surgiu a Fruteira. Fundida com
técnica de areia, esta obra em bronze, assente num
pilar de pedra toscamente modelado, devolveu-me
alguma coisa deste início da década de 70. Talvez
uma incursão tangencial às naturezas mortas de Jo-
sefa, também de Óbidos. Talvez uma reminiscência de
um tempo de tantas generosidades, em que a mesa
se punha para a partilha de tantos. Talvez o valor
simbólico da fruta fresca, assim colocada em jeito
de oferenda. Talvez a proximidade da terra. Ou talvez
apenas o reencontro dos gestos familiares do escultor
modelando e polindo o bronze, conformando-o ao
seu pensamento. Ou, talvez ainda, o prazer de redes-
cobrir uma genealogia plástica que comigo se cruza.
Por tudo isto, torna-se necessário registar aqui o meu
obrigada a José Aurélio por me ter desafiado para
esta escrita que, sem o meu querer deliberado, me
escapou para uma confissão de memórias.
Ana Isabel Ribeiro
A Fruteira da memória
Sabes Rosa, me han pedido que hable de ti. Tengo un
amigo artista que te va a llevar a una exposición. Mal
sabía él cuando hizo su escultura, que por detrás de
aquella niña-mujer, estabas tú, orientando su mano.
Pero yo lo supe en cuanto te vi en su casa. Sentada
a la puerta, mirando al cielo como siempre hacías,
tenías que ser tú.
Por eso, te llevé conmigo.
Não sei se fazes ideia do que significa que os outros
encontremos na tua obra pedaços das nossas vidas.
Não sei se outros te terão dito, que uma parte da tua
energia criadora vai com as tuas obras, cada vez que
metes mão na matéria e retiras dela bocados da vida
dos outros. Crias e tiras. Crias e das. É o que fazes.
Como o Zé do Telhado. Teimoso fazedor e ladrão de
ideais e sonhos.
A veces, me siento a tu lado sonriendo, y me pongo
a cuchichear contigo. Como cuando éramos niñas,
y preparábamos secretos atentados contra primos
y vecinos, convencidas de que los asustaríamos con
nuestra terrible creatividad.
A veces, cuando te veo sentada al borde del agua,
solitaria e concentrada en tus propios pensamien-
tos, se me caen lágrimas como puños, pensando
en la hermana que me dejó sin aliento, el día que se
marchó para siempre.
A veces, te veo reflejada en la noche contra el Tajo,
brillando en la oscuridad y se me hace la luz en el
corazón y en el cerebro y te veo a mi lado, empujando
al destino.
Con el amor y la energía que solo dos mujeres que
aman pueden hacer.
Que segredos escondes por trás de escopros e
martelos, no bricabraque da tua caverna? Quem te
ensinou a modelar atitudes? A que mulher roubaste,
enquanto dormia, a segura calma de dama-cheia, de
infanta-matrona que puseste na tua obra? Terás tu
consciência de que só alguns homens privilegiados
conseguem ler nas nossas entrelinhas e retratar o
eterno feminino que há em cada uma de nos? Onde
está o outro género em ti? Como consegues mostrar
em duro e pesado bronze, o lado poderoso, sensual
e doce da Eva que todos nós, homens e mulheres,
somos um pouco?
Ana Mercedes
Sabes Rosa...
Estas “Composições” são pequenas peças em bron-
ze, sólidos geométricos combinados com versatili-
dade. Numa predomina a morfologia da pirâmide
com o vértice como ponto de apoio, invertendo a
sua posição de fixidez ao solo; noutra predominam
os círculos e duas semi-esferas, uma está assente no
solo, e a outra lança-se no espaço agarrada a um
semi-circulo.
São composições simples que formulam proposições
acerca do equilíbrio dos sólidos, e se alimentam do
rigor da geometria, da resistência dos materiais e da
estrutura formal que as suporta.
Mas o mais curioso acerca destas peças, se as olhar-
mos com atenção, é a malícia com que são produ-
zidas, pois sem dúvida alguma desafiam as leis da
física. É neste aspecto que reside o seu encanto,
numa espécie de trompe l’oeil da escultura que nos
permite esquecer o peso dos sólidos, quer através do
uso do bronze patinado diferentemente, quer atra-
vés do modo como os elementos estão ligados entre
si permitindo um jogo formal versátil.
Composições
Em toda a obra de José Aurélio, desde as peças
como estas ou ainda mais pequenas como as me-
dalhas ou as jóias, até às esculturas de grande porte
ou monumentos públicos, encontramos sempre esta
afinação pela surpresa, a qual se transforma rapida-
mente numa experiência lúdica.
No caso destas duas “Composições” que são peças
que resultam de combinações básicas e que utilizam
recursos pouco elaborados − sobretudo se as com-
pararmos com outras obras do escultor − é este
apelo ao que há de essencial que nos atrai.
Aliás toda a obra de José Aurélio se estrutura entre
uma linha mais geométrica e outra figurativa. Em
ambos os casos, estas linhas encontram-se no ponto
em que a metamorfose se impõe como uma quali-
dade poética, transformando aquilo que parecia im-
possível ser modificado. E neste aspecto, podemos
condensar a qualidade de um percurso ou de uma
obra, como nestas composições escultóricas que
parecem desafiar as leis da gravidade.
Cristina Azevedo Tavares
As imagens passam a uma velocidade estonteante.
O som, as palavras, misturam-se. Dramas, risos,
vozes de animais, vozes esganiçadas dos desenhos
animados, música, imagens de guerra, de paz,
grandes vidas resumidas em meia hora, anúncios....
umas vezes o pensamento alheia-se de tudo, outras
acompanha. Tudo é veloz. De repente, na pausa, os
olhos repousam em duas silhuetas. Gradualmente,
sobem contornando as curvas de uma acentuadas
pelas formas rectas da outra. Não as consigo sepa-
rar. E num crescendo de complementaridade, uma
cria asas e as duas voam na imaginação de uma
relação perfeita. Elas completam-se.
Dinora
“Toi et Moi” e a TV
Os caminhos da criação artística cruzam-se, desde os
primórdios, na obra de José Aurélio, com os do pa-
trimónio histórico-cultural.. De facto, nela abundam
as peças que assinalam acontecimentos e figuras da
história portuguesa, mais longínqua ou mais recente.
Na sua origem estão muitas vezes projectos ditados
por um intuito comemorativista, próprio da relação
entre as instituições (que encomendam) e o passado.
Mas a alusão histórica e o contexto patrimonial não
estão apenas presentes na escultura, onde o registo
público é dominante, ou na medalhística. Marcam
igualmente, de forma mais ou menos ostensiva,
muitas peças de atelier, incursões na ourivesaria e nos
objectos destinados a espaços mais intimistas. O que
quero sublinhar é que na obra de José Aurélio, o en-
contro com a história e o património são uma inter-
secção insistentemente procurada e não um contacto
tangencial e fortuito.
O trabalho sobre a memória histórica e o diálogo
com o património constituem exigências de uma
reflexão moderna sobre a identidade, quando esta
é vista como uma construção e não como um dado,
Pedro e Inês
um múltiplo e não uma unidade pré-determinada.
Constituem igualmente o ensejo para propor uma
nova síntese nos plano simbólico e formal, que forje
um novo nexo emocional com o passado. Nesta pers-
pectiva, a obra de José Aurélio preenche um espaço
importantíssimo da relação do Portugal actual com a
sua própria memória.
O episódio de Pedro e Inês, que José Aurélio tratou
segundo os cânones da medalhística, consagra a pre-
valência da vida sobre a morte, do amor e do desejo
sobre os constrangimentos de situação. O autor jun-
tou o seu contributo ao de todos aqueles, escritores
e artistas plásticos, que desde o século XVI fazem de
Inês a Rainha de Pedro (de facto, um Rei sem Rainha).
Ao conceber uma peça em que duas cabeças coroa-
das, masculina uma e feminina a outra, se justapõem
parcialmente, como verso e reverso, José Aurélio deu
ênfase ao sonho (o espaço limpo dourado que se
abre na frente de cada uma das personagens), em
detrimento do acontecido e preferiu a história aos
factos.
João B. Serra
“Aquilo é um rádio?” Perguntou-me , ironicamente. Não, respondi eu. “Julguei. Como tem antenas”... .Aquilo não são antenas. Aquilo são cornos.” Cornos? “tornou o outro. “Mas aquilo não é um animal.” En-gana-se! Atirei - lhe eu, sobranceiramente. Hesitou cedendo um pouco, “ Bom, pelo menos, até parece ter olhos”... E não lhe cheira a nada, nem lhe sabe a nada? “Não me sabe a nada? Acha que deveria cheirar? Acha que deveria saber-me a alguma coisa?” Por que não ? A ideia de um sabor forma-se também pela percepção dos olfactos. Se constata que tem olhos e se vier a aceitar que tem cornos, muito pro-vavelmente, tratar-se-á de um ser que tem uma qual-quer forma de vida, que se transforma, enfim...que terá, como nós, um sistema límbico que permite trazer à lembrança o perfume de alguém, aromas pri-maveris... “Não! Desculpe, por favor, não exageremos e deixe-se de litratices! O que vejo ali é um valentíssi-mo cepo, embora bem afagado e quase polido, mas um cepo, um pedaço de toro que sobe hirto e fálico e que, na sua ascensão, vai diminuindo de volume até que, subitamente, bifurca-se e... “Interrompo -- o: E esse cepo, ou toro, como Você o denomina, não lhe cheira a nada? “ E Você a insistir! Se me cheira? É obvio que, se aproximar o nariz, claro que cheira porque toda a madeira, como um membro decepado do corpo, tem cheiro até à sua dissolução e transfor-mação absolutas. Mas Você interrompeu-me, aliás, com alguma impertinência, quando eu estava, muito simplesmente, a relatar-lhe o que via. Dizia-lhe eu que o cepo, no topo da sua trajectória ascensional, por-
A Criatura
que aquela coisa parece-me nascer do chão, atinge o ponto onde, ao bifurca-se, diria que de uma maneira inevitável e repentina, gera dois ramos. Foi, digamos, um acontecimento que fez surgir uma nova estrutu-ra. Você não leu o Prigogine? “ Meu Caro, vejamos com calma: Começou por perguntar-me se aquela criatura era um rádio...”Alto! Alto aí! Por amor de Deus! Desculpe–me , uma vez mais, mas acho que a sua imaginação está a entrar, decididamente, no campo do delírio. Uma criatura? Além do cepo, que não passa de um pau, Você sabe o que são aqueles dois elementos cromados? Pois fique sabendo que são dois míseros ferros que terão pertencido a uma canga de bois. Sabe o que é aquilo a que chama os cornos? São duas varetas de metal e os olhos não passam de duas simples esferas de vidro pechisbeque presas por arames. Francamente! E chama, Você ,criatura ao conjunto de toda esta quinquilharia! Uma criatura, meu Amigo, é um ser que foi criado e, nesse sentido, acho até que há algo de pecaminoso na sua afirmação, porque só ao Criador tal é possível Com que então criatura ? Agora, parece-me que co-meço a perceber onde Você queria chegar com essa história dos cheiros.”
Pois ainda bem que começou a entender.
Aquela criatura – insisto no nome- paradoxalmente, não foi criada, no sentido místico do termo, nem gerada por um Criador , mas construída por um demiurgo que, como é da natureza dos demiurgos, junta coisas com coisas, preciosas ou sucateiras e,
por vezes, deste fazer e desfazer das tralhas, resul-tam criaturas como esta, que testemunha o meu quotidiano há quase quarenta anos. Hoje, é a minha mais fiel e disponível companheira. Silenciosamente, os seus belos olhos azuis, daquele azul tão transpa-rente, afagam-me com doçura nas horas amargas da solidão. Assiste às minhas refeições, acompanha as minhas horas de leitura e escuta comigo a música que nos enche a casa e todas as conversas, entre familiares ou amigos, com absoluta discrição. Se o sol da manhã trás novas, e nos entra, radioso , pela portada da varanda, rejubila também e o brilho dos seus braços torna-se mais brilhante e o azul dos seus olhos mais fosforescente. Quando, por alguns anos, viveu no nosso quarto, velava, atentamente, o nosso sono e viu-nos, sem espírito de voyeur, fazer amor apaixonadamente. Confiei-lhe, inclusivamente, o que tenho de mais precioso: o meu filho que, na sua cama de criança, dormia protegido sob o seu olhar ma-ternalmente azul . Por vezes, quando estou cansado, encosto-me ao seu tronco e o aroma velho da ma-deira traz-me a sombra fresca da árvore .Nos ferros, lá no alto, que à canga, realmente ,pertenceram, há a memória do odor quente e adocicado da junta pa-chorrenta e as varetas de metal, a que Você chamou, talvez acertadamente , antenas, sintonizam-me com o universo inteiro.
Percebeu, Você, agora, aquela história dos cheiros?
Jorge Pinheiro
A composição, emocionada por sentimentos e inter-
pretações, por nexos e objectivos para condividir e
responsabilizar, é constituída por elementos gerados
na geometria, de regras próprias, por elementos an-
tropomórficos e fitomórficos.
A esta capacidade para integrar diferentes géneses for-
mais, para criar o novo com o existente, junta-se um
continuado raciocínio de selecção, não em nome de
uma aparente e explícita homogeneidade de formas,
que satisfaria uma perceptível marca formal, de evi-
dente e impositiva auto-identificação, mas de opções,
que transmitem o forte e multifacetado mundo de
significados da escultura de José Aurélio.
Sem dúvida uma “flor articulada”, que se inscreve na
atitude e no percurso do artista, mas também, certa-
mente, uma operação emotivo-formal com elementos
decompostos, separados, desagregados, encontrados,
que são aglutinados, articulados e movimentados de
acordo com exigentes graus de liberdade. Ao reco-
nhecimento de uma originária condição, de quase
caos, sobrepõe-se a vontade de uma nova realidade,
armónica, propositiva, optimista: onde, da desordem,
nasce ordem. À dispersão insignificante de formas e
objectos no espaço, contrapõem-se correspondências,
novos sentidos.
Subjacente, está uma herança, mas sobretudo uma
inovadora continuidade do mundo formal gerado no
mediterrâneo, fruto de uma delicada quanto insistente
maturação e apuro de formas, símbolos, finalidades,
até úteis. Um mundo marcadamente fitomórfico que
se representa pela mão do homem e lhe atribui iden-
tidade. José Aurélio é um escultor do mediterrâneo,
mundo onde, frequentemente, são ténues e misterio-
sos os limites entre natureza e artifício.
Assim aconteceu, historicamente, com as volutas do
capitel jónico, que fixaram para sempre um elemento
constitutivo e referencial para a arquitectura.
Nesta peça articulada, de multíplice leitura, que como
aquelas também encabeça um elemento vertical de
suporte, formas e movimento são pluridimensionais.
Movimento complexo: sujeito à gravidade, desta faz
uso na tensa relação entre três volutas, que são espi-
rais, no arco com duas séries de esferas que o encur-
vam para terra, na energia que se entrega à atmosfera
e é figurada por dois discos e o arco que seccionam.
Formas precisas e singulares, ancoradas e suspensas,
articuladas, que trocam energia entre matéria e a sua
ausência, que é espaço.
José Charters Monteiro
Árvore Móvel
Aparentemente opostas “Coluna” e “Origens”
são duas peças afinal convergentes na pulsão
sem limites que as anima, para cima sempre
mais para cima no primeiro caso, para dentro
ou para um fundo cada vez mais fundo, no
segundo, movimentos perpétuos num como
no outro caso.
Como o seu nome indica “Coluna” joga na
verticalidade, intenção que nasce não de
um gesto mas de uma soma ou do acres-
centamento rítmico de fragmentos ou de
elementos, aparentemente desiguais que
mais não são que a soma de uma mesma
forma em frente e verso, jogando ora
com a sua face lisa ora com a sua face
relevada, forma que se repete num subtil
decréscimo, prolongando, visual e imagi-
nariamente, o seu crescimento vertical.
“Origens” é um círculo colocado na ver-
tical como se uma roda (do tempo?) se
tratasse, emitindo um braço em espiral na direcção
do seu centro, forma perfeita e acabada a do círculo
que, afinal, sempre pode ser acrescentada em direc-
ção ao fundo cada vez mais fundo, ou ao centro cada
vez mais centro.
Se nos lembrarmos, ou soubermos, que estas formas
nascem do vazio, obtido pela escavação numa caixa
de areia, i.e., que são o positivo desse negativo, encon-
traremos nestas, e em muitas outras formas, criadas a
partir desse vazio, uma subtil ironia que se acrescenta
quando, como nestes dois casos, elas são capazes, não
só de se enfrentar, como de configurar o mundo no
seu crescimento e acrescentamento contínuo. Imagens
do mundo estas esculturas são também imagens nos-
sas, quero dizer, imagens do homem que neste mundo
habita, animal vertical por excelência que faz da mão,
do olhar e do entendimento instrumentos para subir
cada vez mais alto, ir cada vez mais longe, saber e sen-
tir cada vez mais fundo.
José Luís Porfírio
Motor ImóvelDuas Esculturas de José Aurélio
Observo com prazer a imagem que reproduz a escul-tura a que o artista atribuiu o nome de Infrutescência. Erecta, como que almejando a altura de um céu azul sem mácula, tendo ao fundo num primeiro plano o casario branco de Aljubarrota, e, mais distante, um segmento alongado, de contornos de contornos sensuais da serra dos Candeeiros, a obra sugere-me, talvez efémera mas incisivamente, a vitória de eros sobre thanatos, das forças vitais sobre a afirmação niilista e hedionda dos valores da morte.
A escultura consiste numa haste em bronze, com um metro de dez centímetros de altura, qual esguio tronco de planta, associando à sua afirmação fálica o elemento contrastante de dezenas de frutos que dela emergem, assim proporcionando o cariz da se-dução erótica feminina... Redondo, apetitoso, era o fruto da tentação no Génesis, redondas, apetitosas, seriam as formas de Eva... Como dizia Kleist em Do Teatro das Marionetas, «devemos comer de novo da árvore do conhecimento para retomarmos ao estado de inocência».
Na esteira de Freud, mas acentuando o carácter revo-lucionário do erotismo na práxis civilizacional, Herbert Marcuse, no seu Eros e Civilização, afirma, algures, que «a percepção estética é acompanhada do prazer, ela implica um fortalecimento da sensualidade contra a tirania da razão (da qual não pode, no entanto, prescindir)». Trata-se de uma sábia tirada de dialéc-tica perfeita, que vem certeiramente ao encontro do
que me parece sintetizar não só a escultura de que é objecto este texto, como grande parte do já longo, árduo e profícuo labor artístico de José Aurélio, esse trabalhador incansável, esse «jogador» impenitente. Também no trabalho, não prescindindo da razão (da ciência, do conhecimento da Natureza), ele, pelo lúdi-co do jogo e da insinuação erótica, se insurge contra a tirania da razão. E fá-lo em pulsão (ou impulso) à qual bem se poderá aplicar o iluminado conceito de «libido genitófuga» do filósofo Géza Roheim. «Geni-tófuga» porque, precisamente, pelo carácter lúdico, descomprometido com um finalismo produtivista/alienante, a libido se afirma como um em-si, que ex-clui a genitalidade como mera função de (re)produção – podendo, no entanto, a (re)produção constituir-se como corolário (um para-si) daquele valor em-si. Se assim não fosse, lisa seria a haste de Infrutescências, e não pejada dos frutos que a povoam.
Talvez «lateralizando» um pouco a tendência deste texto, remeto-me e remeto os seus possíveis leitores para dois versos admiráveis do grande poeta que é Fernando Echevarría: «Por detrás do aberto haverá sempre abrir-se / muito maior o espaço.». A profun-didade, diria genesíaca destes versos, que nos levam também a pensar no conceito de «obra aberta» de Umberto Eco, conduzem-nos a essa zona tão rica, tão fascinante, tão ambígua e tão sedutora que é a luz que no nosso íntimo ilumina aquilo que nos é indizí-vel, aquele movimento interior que não sabemos ex-
Infrutescência: Uma Escultura(Trabalho e ciência, eros e inocência)
primir e cujo reflexo/resposta encontramos, por vezes, em certa poesia, em certa música, ou nem isso, em certo «nada» que é «tudo», explosão surda do reino do invisível: «É o invisível que visibiliza / seu corpo em ritmo» (ainda Echevarría). Será esse «abrir-se» antes do «aberto», esse «invisível» como fonte de energia que desencadeia o big bang da criação, gerando/visibilizando o seu (próprio) corpo em ritmo. Eis aí o surgir da obra de arte (da obra; da obra aberta).
Se falei em «lateralizar», fi-lo porque a abordagem de sentido erótico que vinha fazendo da escultura em questão, e da obra do escultor em geral, poderá substituir-se ou desviar-se para outras leituras, leituras tão pessoais, tão subjectivas, tão «abertas», quantos os olhares dos seus fruidores. Dizia Schiller: «O que “deve” ser, será a própria liberdade – a liberdade de jogar. A faculdade mental que exerce essa liberdade é a da imaginação. O livre jogo da imaginação traça e projecta as potencialidades do ser total.»
A já aludida e nunca de mais repetida vertente lúdica da obra de José Aurélio encontra-se aqui também absolutamente justificada. E o riquíssimo e multifor-me imaginário do artista foi sempre abrindo canais e canais de sentidos e vertentes imensas que se conju-gam num só caudal final que só um nome pode ter: LIBERDADE.
Levi Condinho
Uma obra de arte é sempre mais do que aquilo que
o seu criador idealizou, dando azo, por vezes, a si-
tuações irónicas e a apreciações muito distantes das
originais. Como se diz correntemente, as formas e
as ideias que as obras de arte veiculam podem ser
percepcionadas e traduzidas de modos diferentes,
dependendo dos sujeitos e dos contextos em que
se estabelece o contacto. Mas é precisamente esta
dimensão aberta das obras de arte, tornando-as ob-
jecto de múltiplas recriações e interpretações, que
constitui um dos fascínios da relação que se pode
estabelecer com elas.
Quando olhei para esta peça pela primeira vez pen-
sei, de imediato, nos alvéolos e nos respectivos caixi-
lhos pétreos que preenchem o vão da grande janela
da fachada principal da igreja da Batalha – uma obra
fantástica feita de desdobramentos sucessivos e de
combinações cuidadosamente estudadas de várias
formas irregulares e contracurvadas. Para o bem e
para o mal, a dinâmica flamejante das linhas ascen-
sionais e centrífugas desse janelão interpuseram-se
entre mim e as formas plásticas criadas por José
Aurélio nesta peça. Vim a descobrir, mais tarde, que
Alvéolos
esta percepção, resultante de uma óbvia deformação
profissional, não podia estar mais afastada da fonte
de inspiração do artista e das suas intenções origi-
nais. A assimilação que fiz destas formas, associada
ao conhecimento que tenho da relação profunda,
visceral mesmo, entre José Aurélio e o imaginário
medieval português, inspirando-se nele e recriando-
o, levou-me de imediato, talvez erroneamente, para
a Batalha – sublinho que esta prontidão foi verídica,
não é, de todo, um efeito literário, gasto e oco.
Mas, ao fim e ao cabo, as formas são livres e não se
compadecem com os espartilhos que lhes queremos
colocar para as apreender. Por isso, no fundo, creio
que o fascínio pela rede emaranhada de alvéolos
irregulares, a rugosidade do bronze e o jogo que
este, tal como a pedra, estabelece com a luz do sol,
mudando-lhe as tonalidades e os efeitos de sombra,
criam uma ponte válida para o gozo de efeitos plás-
ticos idênticos, sejam eles criados hoje no bronze,
ontem no calcário estremenho e antes disso, e sem-
pre, nas raízes de um arbusto.
Luís Urbano Afonso
A vertente estética desta segunda fase da obra eó-
lica do escultor, transmuta-se em figurações aladas
e em representações zoomórficas que representam
animais que são caracterizados pelo seu dinamismo,
como o caracol que prefigura o movimento espira-
lado, a serpente que prefigura o ziguezague e ainda
o peixe cuja cauda prefigura a ondulação do movi-
mento natatório, necessário à propulsão dentro de
água. É excepcional o valor da foto em que o artista,
qual Hércules ou Vulcano de helénica presença,
exibe o catavento e o eleva como se fora um facho
de luz, um archote do futuro ou um litúrgico gesto
de louvor ao Criador, personificado no seu corpo
que é catavento. Encarna também uma dimensão
expressiva de cisterciense borgonhês e medieval que
apresenta à comunidade o fruto do seu trabalho
executado no bronze intemporal e eterno, dourado
a folha de ouro. Revela ainda um momento funda-
dor, mágico e ritual, em que o acaso (ou talvez não)
faz desvendar um sábio mestre forjador mostrando
e demonstrando que o catavento é ele. Como os
ventos tecem novas formas que não são dele, assim
os cataventos originam, captam e permitem fluir as
composições mais insólitas e inesperadas. É assim
que a energia do céu e que vem do ar se liberta na
atmosfera e penetra num ventre de metal para o fa-
zer rodopiar e elevar à categoria de object d’art.
Madalena Braz Teixeira
Eolos
Quando se olha uma escultura somos obrigados a
rodar com ela. Esta condição tão
Lógica , imediata e evidente, é simultaneamente a sua
propriedade mágica e a diferença
Que estabelece com outras formas de arte.
Esta condição ainda lhe dá atributos de pensamento
e realização, porque se nós, perante a obra, o senti-
mos tão evidente, o autor desde o primeiro momen-
to, ou o gesto ou “inspiração” que o mobiliza para o
trabalho, é obrigado a “ver” no espaço, a sentir-lhe
o volume. Julgo que essa continuidade ou forma de
realização, ao fim de muitos anos de trabalho, se ins-
tala como uma forma de ver e de pensar o corpo das
peças e lhes dar, certamente, as seguranças que a sua
construção implica na dimensão, na harmonia, na
surpresa, na inventiva de realizar, de progredir atrás
duma ideia. Como é evidente, não se procura novida-
de nestas breves palavras, mas antes, através delas, o
entendimento duma arte e naturalmente dum artista
que tão apegada e apaixonadamente a pratica.
A peça sobre a qual tento escrever chama-se “INFINI-
TO”, sendo simples a razão imediata da escolha; um
certo mistério envolvente, porventura mais verdadeiro
que a explicação dada pelo imediatismo duma asso-
ciação de imagens.
Ao percorrer a grande nave do Mosteiro de Alcobaça,
(onde praticamente o autor nasceu), pelos corredores
laterais, vi, senti, reencontrei a peça infinita na forma
dos altos arcos que a belíssima estrutura desenha. E
aí, o que mais me surpreendeu nas duas, na peça e na
arquitectura, foi o espaço livre, a rotura fina, aperta-
da pelas paredes que, por uma geometria de grande
equilíbrio, lhe dão o corpo ou o vazio interventivo
que lhes significam o desejo de infinito. Tal como na
música, e é uma analogia tentadora, o silêncio separa
dois acordes para melhor os revelar.
Falei em “mistério” e é cada vez com maior convicção
que me revejo numa linha insegura, por natureza
inexplicável, mas que nos remete para um sentido
anterior, exigente, que abre a aproximação às peças
sem recurso imediato à razão, à explicação ou à sua
interpretação pela palavra. Pausas de reflexão e de si-
lêncio parecem necessárias à construção de qualquer
entendimento.
É, no entanto, difícil o silêncio e a tentação é muitas
vezes mais forte perante as peças, de lhes manifestar-
mos o gosto, a alegria, as tentativas mais diversas de
O Infinito que se aproxima
dizer, usando a ferramenta das palavras, como recur-
so efectivo de comunicação entre cada um de nós e a
peça, entre cada um de nós e os outros.
Uma contradição conciliável!
Assim dito, diria ainda do “INFINITO” que, na beleza
do despojamento formal, dois volumes ascendem no
espaço, simétricos, rigorosos, iguais, separados por
linha de ar, numa escala de difícil referência, entre
a fotografia que olho e a peça que vi. Posso sempre
imaginá-la entre a dimensão da mão ou a do corpo
inteiro como confronto, ou a monumentalidade à
qual o Mosteiro se associa como referência primeira
deste encontro.
Este “INFINITO”, no entanto, aproxima-se gerido pelo
escultor. É de homens que se trata, cujo sonho não
conhece finitude e por isso entre a mão e o Mosteiro,
a escala não lhe determina a forma, mas é a forma
que lhe dá as asas para que o “mistério” possa voar.
Obrigado Zé, fabricante de formas, escultor, que te
encontras tanto com o seixo afeiçoado pelo mar,
como com o Mosteiro que desde menino te guarda.
Rogério Ribeiro
Bolas
Rui Vieira Nery
Bolas
Não me poderei ligar emotivamente a uma peça da
exposição de José Aurélio, sem primeiro falar sobre
as pequenas maquetas que vivem espalhadas pelo
atelier. As maquetas, sejam elas de papel ou num
material mais duradouro, guardam a memória das
formas e dos lugares para onde foram pensadas.
São representações simbólicas de lugares ligados
às pessoas e às suas aspirações. Talvez por isso se
entenda a liberdade poética e as diferentes formas
de expressar conteúdos formais que se adequam a
diferentes contextos comunitários e geográficos.
Essas maquetas, muito simples, resolvidas pela mera
dobragem de uma folha ou o encontro experimen-
tado com as qualidades de um qualquer material,
são expressões conscientes de um domínio a to-
dos os níveis da linguagem escultórica. Quando se
pensa colocar escultura de grandes dimensões em
espaços de domínio público, é necessário pensar os
lugares como uma rede muito complexa e sensível.
As esculturas públicas de José Aurélio são pontos de
conexão identitários que subtilmente reforçam os
elos que ligam as comunidades aos seus lugares de
memória e os projectam no futuro.
No lugar da obra
As pequenas maquetas são parte de história de todo
o trabalho do escultor. Poderei, sem dúvida, reco-
nhecer nesta série de trabalhos expostos antevisões
de monumentais esculturas, e esta peça em particu-
lar reforça um tal ponto de vista.
Esta ideia é expressa na dimensão da mesma e na
forma inteligente como é exposta – a altura da
peanha permite uma aproximação monumental ao
objecto, projecta no espaço a escultura e permite,
pelo olhar, caminhar pelo seu interior.
A peça poderá ser definida por três planos que se
interceptam. Está presente a vontade de transcender
o carácter pictural que uma figura frontal apresenta;
visa também transformar de forma dinâmica e tridi-
mensional as várias vistas em um só objecto escultó-
rico; e, deste modo, oferece um olhar ideal do todo
tornado conteúdo poético.
E assim, sem perder as qualidades próprias de cada
parte do grupo, a escultura ganha sentido poético
quando percebemos a frontalidade de uma parte
projectada na inversa da outra, sendo o observador
um elemento cúmplice activo.
Sérgio Vicente
Esta peça, cujas componentes são susceptíveis de
alguma variação na disposição, sempre sob a condi-
ção evidente de serem respeitadas certas simetrias e
concentricidades, pelo facto de se chamar Paisagem
dramática evoca logo alguma pintura romântica de
Caspar David Friedrich e também outras paisagens
de altaneira solidão, como a dos picos a elevarem-se
agressivos e a proporcionarem uma estonteante no-
ção de abismo no interior da Ilha da Madeira. Mas,
para além destes apelos a uma experiência individual
e fragmentária, esta peça também tem qualquer coi-
sa de druídico, de espaço pronto para um ritual anti-
quíssimo e cósmico de influição de poderes mágicos e
de medição da passagem do tempo, e far-nos-ia pen-
sar, por aí, numa metáfora em bronze de Stonehenge
ou de Alles Stenar, à espera de que o sol provoque
projecções das sombra no espaço e acentue interva-
los de luz nos vãos pontuados por esguios separado-
res. Depois ainda, saindo destes quadros referenciais
possíveis e induzidos pelo próprio título, atenta-se no
contraponto entre sete elementos verticais, pontiagu-
dos e ásperos, de secção triangular e pátina escura,
com outros tantos elementos mais baixos, arredonda-
Paisagem Dramática
dos como grandes formas ungulares saindo da base,
na sua pátina de bronze esverdeado. Tudo disposto
em torno de uma placa circular. O espaço modula-se
pois na vertical e na horizontal. Dele desprende-se um
sentido do trágico que, subitamente, se imobilizou e
de que afinal, num paradoxo irresolvido, acaba por se
desprender a grande serenidade dos enigmas trans-
formados numa espécie de música plástica ou de labi-
rinto organizado como partitura tridimensional para
incessantes deambulações. Porquê? Talvez porque a
escala mais ou menos portátil do conjunto instalado,
diluindo pela proporção o potencial de ameaça da
paisagem, se adequa a uma contemplação mais ínti-
ma e mais à medida das nossas pacatas melancolias.
Sem poder ser domesticada, esta paisagem torna-se
doméstica. Propõe-se como exercício da vertigem,
mas controla-a. Passou a ser, ou a poder ser, qualquer
coisa cuja natureza se situa entre o brinquedo e o
objecto propiciador da meditação, entre a armadilha
para o olhar e o jogo em que o ver, o sentir, o evocar
e o pensar se tornam indissociáveis.
Vasco Graça Moura
As quatro esculturas de homenagem a Josefa de
Óbidos, pintora do século XVII, ilustram de maneira
muito clara os caminhos de pesquisa do seu autor.
Como sempre, tais peças testemunham o que é tra-
ço comum na produção de José Aurélio: a exigência
na busca da forma pura, o rigor constante em nome
da depuração, e o eterno debate travado com a
matéria em bruto, a fim de sondar os limites da
descritividade possível. Essas são notas essenciais de
identidade do trabalho de José Aurélio, do seu estilo
de escultor, e são, também, características de modus
faciendi que muito importam se quisermos empre-
ender um diálogo fecundo com a sua escultura.
José Aurélio é um artista de fidelidades subterrâ-
neas, de perduradas memórias: os temas históricos
encontram no seu alfobre criativo uma dimensão de
exigência e, ao mesmo tempo, de busca do essen-
cial, os indícios do tempo, os sinais fundamentais da
identidade buscada. Com Josefa de Óbidos, a mais
notável mulher-pintora da arte barroca portuguesa,
passou-se o mesmo: o escultor prescrutou, desven-
dou, viu as obras, buscou descobrir o outro lado da
personalidade e intuir-lhe o espírito artístico preciso.
Estas quatro peças, realizadas todas por volta de
1971, quando José Aurélio teve a ideia peregrina de
abrir o espaço da sua Galeria Ogiva para homenage-
ar a pintora do século XVII, são prova cabal deste fio
metodológico de trabalho, desta fidelidade a uma
linha rigorosa de criação, em que o pendor imagi-
nativo se recria com a sonoridade do testemunho
histórico. Josefa era, como se sabe, uma imaginosa
especialista em miniaturas, naturezas-mortas, cenas
bíblicas e representações alegóricas com Meninos
Jesus vestidos de rendas e Cordeiros Pascais em cer-
caduras de flores, temas com que encheu de arte,
cor e afecto, num estilo sempre inconfundível, os
espaços sagrados da região. Era importante para o
escultor, por isso, num gesto de depuração minima-
lista, adequarem-se as peças a um percurso plástico
que foi, sempre, ingénuo mas coerente, feminil, se-
dutor, feito de irreverências e de personalidade.
Quatro peças para Josefa de Óbidos
Em 1970, José Aurélio abriu as portas da Galeria
Ogiva, sítio emblemático de debates artísticos, de
actos de resistência e de surdas conspirações contra
a ditadura, para que duas dezenas de artistas con-
temporâneos se associassem a um modo-outro de
ver, a três séculos de distância, a pintura de Josefa de
Óbidos. Já esse acto, pelo que tinha de inovador, ao
pôr em diálogo vivo obras do século XVII e obras do
século XX, revelava, na sua coragem e na dimensão
polémica que abria, bastante das preocupações e
exigências do escultor. Foi nesse contexto que nas-
ceu a belíssima medalha com o Cordeiro Pascal, bem
como a retoma do mesmo tema em volume, e a de-
liciosa jóia-peitoral, reflexo do mundo doméstico e
feminil da célebre pintora seiscentista. A exploração
do intimismo, em notas de alta qualidade plástica, a
partir do desvendamento dos sinais da arte joséfica,
equacionam de modo exemplar os caminhos criado-
res da escultura de José Aurélio.
Vítor Serrão
BIOGRAFIA
1938José Aurélio nasce em Alcobaça.
1958Matricula-se no curso Especial de Escultura da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL). Coordenador do sector artístico da fábrica SECLA, Caldas da Rainha, até 1966.Trabalha com Jorge Vieira na sua participação na Feira Internacional de Bruxelas. Na mesma feira trabalha na produção de publicação para o pavilhão do Brasil. Viagem de estudo a França, Bélgica e Holanda.
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAISJosé Aurélio e Guilherme Lopes Alves. Posto de Turismo, Sintra. Fernando Pernes escreve texto para a exposição sobre a escultura de José Aurélio.Pintura e escultura de Manuel Baptista, João Gomes Horta e José Aurélio. Galeria Diário de Notícias, Lisboa.
EXPOSIÇÕES COLECTIVASExposição Extra-escolar dos alunos da ESBAL. Lisboa. 1959Prémio Mestre Manuel Pereira com a escultura em ferro O Grito.Viagem de estudo a França.
EXPOSIÇÕES COLECTIVASExposição Extra-escolar dos alunos da ESBAL. Lisboa. I Bienal de Paris. Participa com a escultura O Grito.
1960Primeira encomenda: escultura Dança para Hotel em
Vale de Lobos.Baixo-relevo em barro policromado, interior do Hotel Vasco da Gama, Monte Gordo. Abandona a ESBAL.
1961Instala residência e atelier em Óbidos. Grande incisão em pedra, em edifício na Avenida António Augusto Aguiar, Lisboa. Habitantes do Céu, baixo-relevo em bronze, British Airways, Lisboa. Baixos-relevos em madeira, restaurante Gambrinos, Lisboa.
EXPOSIÇÕES COLECTIVASII Exposição de Artes Plásticas, Fundação Calouste Gulbenkian. III Salão dos Novíssimos, SNI, Lisboa
1962Inicia pesquisa e levantamento documental da faiança portuguesa popular e erudita, no âmbito da sua actividade na SECLA.
1964Participa no concurso para o Maciço de Amarração da Ponte 25 de Abril. Formou equipa com António Aurélio e Querubim Lapa. O projecto foi premiado com menção honrosa.Elemento escultórico metálico, Terminal British Airways, Londres
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAISCerâmicas, Cooperativa Árvore, Porto.
1965Inaugura Ogiva “Pequena”, em Óbidos.Grito, escultura em ferro, para o Centro Português em Roterdão.
1966Primeiro monumento: Mão, Óbidos.
Primeira medalha: Air France -20 anos - Paris Lisboa.
EXPOSIÇÕES COLECTIVAS Arte Portuguesa, Rio de Janeiro, Brasil.
1967Experiência de trabalho na Fundição Sá Lemos, em Vila Nova de Gaia. Desenvolve técnica de escultura em bronze fundido, em molde de areia talhado directamente, sem modelo prévio.
1968Baixo-relevo em mármore branco, Casa dos Estudantes Portugueses, Cidade Universitária, Paris [destruído].Elementos em bronze para o Monumento a João de Sousa Machado, Lobito, Angola. Projecto de arquitectura de Sommer Ribeiro.
1969Primeiro prémio no concurso para a medalha Comemorativa da Inauguração da Sede e Museu da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) no âmbito das comemorações do centenário do nascimento de Calouste Gulbenkian.
1970Inaugura galeria Ogiva, em Óbidos.Viagem de trabalho e estudo ao Japão, Hong Kong, Macau, Tailândia, Nepal, Irão, Grécia e Suécia.Alegoria à chegada dos portugueses ao Japão, elementos escultóricos para o Pavilhão de Portugal, Feira Mundial de Osaka, Japão.
Medalhas Ogiva - Galeria de Arte e Ogiva - Inauguração.
Medalha Feira Mundial de Osaka.
1971Instalação As Bambinelas com Artur Rosa e Helena Almeida. Galeria Ogiva, Óbidos.
Medalha Josefa na Ogiva
EXPOSIÇÕES COLECTIVASJosepha na Ogiva, Galeria Ogiva, Óbidos. Exposição de homenagem a Josefa de Óbidos no 1º ano do aniversário da galeria. XIV Intermedaille, Colónia, Alemanha.
1972Medalha Pintor António ArealMedalha Ogiva - 2 Anos
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS14 Medalhas. Gravarte, Lisboa.
1973Primeiro prémio no concurso para a Medalha do Congresso de Projectistas e Consultores.Em Memória de Um Amigo, Caldas da Rainha.
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAISJosé Aurélio Escultura, Galeria Ogiva, Óbidos. Instalação Tidos, contidos e consumidos, Círculo de Artes Plásticas, Coimbra.
EXPOSIÇÕES COLECTIVAS XV Intermedaille, Helsínquia, Finlândia.
1974Integra o Movimento Democrático dos Artistas Plásticos. Realiza escultura Portugal Novo durante a execução do painel colectivo do 10 de Junho, Galeria de Arte Moderna de Belém, Lisboa.
Medalha Movimento Democrático de Artistas Plásticos
1975EXPOSIÇÕES COLECTIVASXVI Intermedaille. Cracóvia, Polónia.
1976Vence concurso para o Monumento ao General Humberto Delgado, Cela Velha, Alcobaça.
EXPOSIÇÕES COLECTIVASExposição de Arte Moderna Portuguesa SNBA, Lisboa.
1977Cruz de Cristo, escultura metálica em aço pintado de vermelho, Embaixada de Portugal, Brasília.
EXPOSIÇÕES COLECTIVASCultura Portuguesa, Madrid. Participa com Cruz de Cristo.XVIII Fidem. Budapeste, Hungria.
1978Bolseiro da Fundação Gulbenkian, subsídio de investigação.Padrão comemorativo do 8º Centenário da Fundação da Abadia de Alcobaça.Escultura metálica, Novo Leblon, Rio de Janeiro, Brasil.
Medalha Abadia de Alcobaça – 8º Centenário
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS9 Esculturas, Novo Leblon, Rio de Janeiro.
1979Instala atelier em Vila da Feira, para realizar o Monumento a Manuel Laranjeira.
Com a colaboração de Alberto Carneiro trabalha na execução do Monumento ao Espírito Feirense.
EXPOSIÇÕES COLECTIVASEscultura e Vida, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Expõe Homenagem a Josefa d’Óbidos II.XVIII Fidem, Lisboa.
1980Emissor/Receptor, Gávea, Rio de Janeiro, Brasil.Máquina do Mundo. Integrada na exposição do 4º Centenário de Luís de Camões, SNBA.O Principezinho, escultura em bronze, prata e vidro, realizada para o Dia Mundial da Criança, Casa da Cultura, Caldas da Rainha.
Medalha 4º Centenário de Luís de Camões.
EXPOSIÇÕES COLECTIVASArte dos anos 80 na Sociedade Nacional de Belas Artes. SNBA, Lisboa.
1981Instala-se em Alcobaça. Executa o projecto e as obras de recuperação da casa da Quinta da Preta.
1982Grande Escultura da Carris, primeiro prémio em concurso nacional, Miraflores, Lisboa. Padrão para o Concelho de Castanheira de Pêra.
Medalha A Fernando Pessoa.
1983Estudos para Homenagem ao Teatro de Animação. Projecto não executado, do qual existe maqueta.
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAISCoisas Intimas, Círculo de Artes Plásticas, Coimbra.
EXPOSIÇÕES COLECTIVASColecção de jóias alusivas aos Descobrimentos, Castelo de Palmela. No âmbito da exposição O Astrolábio 1555 integrante da XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura. XIX Fidem. Florença, Itália.
1984Monumento 25 de Abril - 10 anos, Vidigueira.Primeiro prémio para medalha do 1º Centenário do Porto de Leixões.
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS5 Escultores, Museu de Setúbal.
EXPOSIÇÕES COLECTIVASThe resurgent art medal: an International Selection. Penn State University, E.U.A.
1985Prémio da 1ª Bienal de Escultura, Caldas da Rainha.Monumento à Padeira de Aljubarrota, Alcobaça.Monumento às Origens de Porto de Mós.Fonte 5º Centenário do Hospital Termal, Caldas da Rainha.Fonte da Benedita. Benedita, Alcobaça.
Medalha Viagem à China.
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAISEscultura, Centro Cultural Regional, Santarém
EXPOSIÇÕES COLECTIVASI Bienal de Escultura, Caldas da Rainha. Um rosto para Fernando Pessoa: obras de trinta artistas portugueses contemporâneos, FCG, LisboaXX Fidem. Estocolmo, Suécia
1986EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS
Siglas, Museu de Alcobaça.
EXPOSIÇÕES COLECTIVASIII Exposição de Artes Plásticas, FCG, Lisboa.
1987Primeiro prémio no concurso de medalha FAO - World Food Day.Artista convidado do Congresso da British Art Medal Society.Com o escultor David Reid, promove cursos de novas tecnologias no âmbito da fundição de cera perdida na ESBAL e na Casa da Moeda.
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS18 Esculturas em ferro 40 medalhas, Casa da Moeda, Lisboa. José Aurélio Medalhas, Mosteiro de Alcobaça. José Aurélio Bronzes.British Council, Lisboa.
EXPOSIÇÕES COLECTIVASXXI Fidem, Colorado Springs, E.U.A.
1988Estudos e início da execução de oito gárgulas para o edifício da Torre do Tombo, Cidade Universitária, Lisboa.
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAISJosé Aurélio Escultura. Instalação Homenagem a Túlia Saldanha. Círculo Artes Plásticas, Coimbra.
1989Execução e colocação das gárgulas na Torre do Tombo. Viagem de estudo a França.Homenagem à Revolução Francesa, escultura em aço corten.
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS
Escultura. Galeria Municipal de Almada
EXPOSIÇÕES COLECTIVASThe Medal as Art, Pittsburgh, EUA.
1990Monumento aos Cordoeiros, Cortegaça.
EXPOSIÇÕES COLECTIVASMulher é o tema: colectiva de escultura. Câmara Municipal de Loures
1991Monumento aos 75 anos de Abrantes.Memorial para Sagres, proposta do escultor apresentada à Comissão dos Descobrimentos.
1992Ninfita Neptuna, mascote para o Pavilhão de Portugal na Expo de Sevilha.Memória da chegada dos Portugueses ao Japão, escultura móvel em bronze.
Medalha Memória da chegada dos Portugueses ao Japão.
EXPOSIÇÕES COLECTIVASEscultura para tocar. Convento dos Cardais, Lisboa.
1993Monumento ao Trabalho, Almada.Alegoria ao Desporto, Vila Franca de Xira.
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAISIdeia para um Monumento. Estudos para Monumento ao Trabalho, Galeria Municipal de Almada.
1994EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS
Natureza Metálica, Centro Cultural Malaposta. 50 medalhas + 1, Cidade da Praia da Vitória, Ilha Terceira.
EXPOSIÇÕES COLECTIVASRosto do Infante, Convento de Cristo, Tomar; Pavilhão das Indústrias, Viseu.
1995Projecto para a valorização do Nó da Auto-estrada em Stª Maria da Feira. Esculturas e projecto urbanístico.Estudo do projecto e do programa de acção cultural para a Casa Humberto Delgado.Monumento “Em louvor de”, projecto de António Dacosta. Realizado em parceria com o Arquitecto Sérgio Infante, Cantagalo, Ilha Terceira.
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAISOuro, Prata, Marfim e outras Especiarias. Culturgest, Lisboa. Lembranças da Terceira Ilha. Museu do Hospital, Caldas da Rainha.
EXPOSIÇÕES COLECTIVASUm ourives e 7 artistas. Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa
1996Memorial, Boquilobo, Torres Novas.Retrato de Rodrigo Maria Berquó, no centenário da sua morte, Caldas da Rainha.S. Mamede, em granito, Vila Maior, Feira.Participa no Colóquio Historia da Cerâmica Moderna, Caldas da Rainha.Montagem dos elementos escultóricos do Nó da Feira.Estudos para o Monumento à Paz, Parque de Almada.
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS3 Encontros com Pessoa. Casa Fernando Pessoa, Lisboa.
1997Monumento aos Pioneiros da Aviação, Alfragide.Projecto plástico do Elevador Panorâmico de Almada.Projecto de parceria com o Arquitecto José Manuel Charters Monteiro para valorização da antiga escola da Pide, em Sete Rios, Lisboa [não executado].
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS12 Sinais no Tempo 67-97.Galeria Municipal, Montemor-o-Novo. Phoenixes, Palácio do Marquês, Sintra.
1998Prémio da XXVI FIDEM, Haia, HolandaRetrato de D. João V, Coudelaria de Alter.Nª Srª da Boa Viagem, Pavilhão da Santa Sé, Expo 98, Lisboa.
EXPOSIÇÕES COLECTIVASA Figura Humana na Escultura Portuguesa do Século XX. Edifício da Alfândega: PortoXXVI FIDEM, Haia, Holanda
1999Grande Escultura do Parque da Paz, em aço corten, Almada.Escultura para a Estação de 7 Rios, Lisboa.Retrato de Camões, Assembleia da República, Lisboa. Grande Catavento, Coudelaria de Alter.Escultura Metálica, Centro Cénico da Cela, Alcobaça.Padrão 25 de Abril - 25 Anos, Alcobaça.Presépio do Santuário, Fátima.À Roda do Círculo, Escola Frei Estêvão Martins,
Alcobaça.Troféu Acontece [RTP]Objecto Oculta Mão. Intervenção na Casa Fernando Pessoa, Lisboa.Moeda Comemorativa do 25 de Abril - 25 Anos
EXPOSIÇÕES COLECTIVAS3 Peças 3 Autores. Lugar do Desenho, Gondomar.Estúdio Secla: Uma renovação na cerâmica portuguesa, Museu Nacional do Azulejo
2000Proposta para intervenção artística no Castelo de Alcobaça [não executada]. Comunicação na Academia Nacional de Belas Artes
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAISDesenho e Escultura, Casa da Cerca, AlmadaManuel Laranjeira. Três intervenções/ instalações, Casa Fernando Pessoa, Lisboa.Raízes da Poesia, Associação Defesa do Património, MértolaInstalação 7 Difusores Cósmicos, Museu Aberto, MonsarazJóias e Outras Alquimias, Museu do Traje, Lisboa.7x7 - Mitos e Coincidências, Biblioteca Municipal, Ponte de Sor.
EXPOSIÇÕES COLECTIVASA Moda do Século, Museu do Traje, Lisboa.Virgínia Vitorino, Galeria Conventual, Alcobaça.
2001Coordena o projecto de arte pública no âmbito da celebração dos 25 anos de poder local em Almada – construção de 11 esculturas em cada uma das 11 freguesias do município. Executa no âmbito deste projecto a escultura Nós e os outros. Monumento Porta de Abril, São Paulo, Brasil
Inês, Escola Inês de Castro, Alcobaça.
2002 9 Peixes Voadores, Reguengos de MonsarazPrémio Escultura SNBA com Moinho dos sete caminhos, escultura em alumínio e ferroPresépio, Almada
2003Menção Honrosa – Prémio Dorita Castel Branco, SintraMenção Honrosa, Bienal do Seixal
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAISLiberdades: Antologia da obra do escultor José Aurélio. Casa do Corpo Santo, Casa de Bocage e Museu do Trabalho, SetúbalÁgua e outras jóias, Museu do Hospital e das Caldas, Caldas da RainhaAbril, Associação 25 de Abril, Lisboa
EXPOSIÇÕES COLECTVASInertes com vida, SECIL, Fábrica de Cimento Maceira-Liz, Maceira. (e)vocações. Expõe duas instalações a partir de arte sacra pré existente, Galeria de São Bernardo, Mosteiro de Alcobaça.
2004Poesia, Capuchos, Costa de Caparica
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAISEscultura/ instalação Paisagem dramática, Museu Aberto, Reguengos de Monsaraz
2005Memorial Pablo Neruda, Capuchos, Costa de CaparicaCírio do Vau, Óbidos
Bibliografia seleccionada:
FURTADO, José Afonso - O escultor, o Poeta, a Fotógrafa. Alcobaça: Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Alcobaça, 2004. Fotografias de Ana Gaiaz; escultura José Aurélio e Vasco Graça Moura.
José Aurélio: Gestos e Sinais. Lisboa: Fundação Mário Soares: Magno, 2001.
Monumento à Paz: Escultura de José Aurélio. Almada: Câmara Municipal de Almada, 2001. Texto de Fernando de Azevedo, poema de Levi Condinho, fotografia de Jorge Barros, design João Machado.
MOURA, Vasco Graça - Variações metálicas. Lisboa: ASA, 2004. Poemas de Vasco Graça Moura a partir de esculturas e do atelier de José Aurélio. Com fotografias de Ana Gaiaz.
PARDAL, Sidónio - Parque da Cidade de Almada: arquitectura de uma paisagem. Lisboa: Câmara Municipal de Almada e CESUR (Universidade Técnica de Lisboa), 1997.