Foi a Feira #1

40

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Primeira edição do fanzine Foi à Feira, com colaborações de Izaias Buson, Luisa Mollo, Paola Pasolini, Manoel Ricardo, Priscilla Martins, Rafael Abreu, Thiago Sales, Paulo Prot, entre outros jovens produtores culturais de Vitória - ES

Transcript of Foi a Feira #1

Page 1: Foi a Feira #1
Page 2: Foi a Feira #1

Ilust

raçã

o: J

ulia

na C

olli

Page 3: Foi a Feira #1

Jogamos tinta na parede. Dois anos de procura; mistura

das texturas que pudessem traduzir um sentimento de

expressão; nossas vontades estão aqui impressas – faz

tempo que deixaram de ser intenções. Palavras, ima-

gens e barreiras de som que nos atravessam a cabeça.

O fone de ouvido sintoniza as histórias narradas nas

próximas páginas; permite que ruídos se propaguem

pelo que sobrou da mistura de linguagens. Não dizemos

que aqui estão todas as intenções, mas o que sobrou

da vontade de imprimir em páginas anos de motivação,

a escrita dos nossos passos pela universidade, a con-

versa fiada, muito café.

Tempo que desaguou nos cinco meses em que tivemos

que dar conta de um edital de Núcleo de Criação do Pro-

grama Rede Cultura Jovem para grampear o Foi à Feira.

O produto dessas divagações - perspectiva de carac-

teres e pixels, nosso futuro em uma mancha gráfica.

É o que você pode acompanhar nas páginas

foiafeira.com e @foiafeira.

A barraca está armada! (brinks!)

INTR

O

Page 4: Foi a Feira #1

A F

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mui

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Júlio

Coe

lho,

cat

egór

ico,

7 d

e de

zem

bro

de 2

033.

Não tenho a mínima idéia de quem foram, mas

escreveram em algum lugar que eles definiram

a minha geração.

Lázaro Pacheco, rápido, 15 de junho de 2035.

Se bobear, a vocalista nem tinha tre-

pado ainda, quando o grupo começou.

Era tudo menino de ensino médio, a

maioria achando que sabia muito de

arte, música, o diabo a quatro. Arro-

gantes, mas acontece. Tem coisa pior

que adolescente humilde? Iam acabar

fazendo música de igreja. Um tédio só.

Frederico Domingues, ateu,

13 de março de 2035.

Um

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sta.

Um

a co

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stim

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Page 5: Foi a Feira #1

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Leila

Ald

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nten

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a, 2

0 de

out

ubro

de

2036

.

Não sei bem o estilo de som que eles faziam. Só lembro

da Mônica trazendo um povo meio estranho pra garagem

lá de casa e gravando uns demos que eu nunca ouvi. De

vez em quando, depois dos ensaios, ela conversava com

a gente, falando que eles tavam fazendo uma coisa inova-

dora, diferente, o papai dizendo no ato que as vanguardas

já tinham. Ele gostava de arte. Vivia comprando aquelas

coleções da Folha e d’O Globo que comentavam os ar-

tistas famosos e tal. Chato era quando teimava que, por

causa disso, ele fosse mais que um dentista que tinha uma

noção rasteira de arte e um pouquinho mais de conheci-

mentos gerais que a gente. E é claro que a Mônica ficava

puta, mas não dizia.

Rodrigo Vieira, sóbrio, na cozinha de sua casa,

13 de março de 2034.

Um

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ando

Car

doso

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o, 1

8 de

julh

o de

203

7.

ilustração: Saulo Pratti

Page 6: Foi a Feira #1

Calmaí, meu filho, que não tô te ouvindo direito. [...] Por que a

banda acabou? Ah, porque a gente cansou de tocar só por to-

car. Ganhar boas críticas e ser chamado de promessa era até

legal, mas não dava pra viver daquilo. Ninguém ali compunha

compulsivamente, ninguém acreditava muito em inspiração,

entende? Foi por isso que, ao contrário dos mil grupos que

surgiam o tempo inteiro, o Fora do Ouvido começou sério.

Podia até parecer que a gente fosse um pouco desleixado,

mas por baixo daquele visual excêntrico nós não passávamos

de adolescentes metidos num terno, bem executivos, bem

monocromáticos. Garotos de negócio. Por isso que o Caio se

vestia daquele jeito, era uma piada interna que a gente tinha.

Sabe a história de que a gente tocava samples ao vivo, nos

nossos shows? Então – era manobra. A gente não acreditava

naquele papo de crise de originalidade, de morte do autor. O

que a gente queria era pegar uma coisa meio morta, que tava

mais pro lado de “recorte e cole”, e refazer de um jeito que

parecesse virtuosismo musical. Fora a questão que era ter um

projeto multimídia, com a música como destaque: aquilo não

era novo. Desconhecido, sim. Não novo. O negócio é que, de-

pois de um tempo, todo o trabalho de criar a banda não dava em

nada. O que eu quero dizer é que a gente acabou mesmo porque

o grupo não era rentável. A nossa intenção era mais ganhar

notoriedade e dinheiro que fazer música boa, e parece que a

primeira parte a gente conseguiu. Afinal, você me ligou, não é?

Júlia Diniz, desencantada e desfeita, 12 de agosto de 2032.É cl

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que

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iana

Tor

res,

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iritu

osa,

17

de n

ovem

bro

de 2

035.

Desculpe, Eduardo, mas não tenho muito contato com ninguém daquela época. Queria ajudar

com a sua pesquisa, mas vou viajar amanhã e só volto daqui a duas semanas. Tenho certeza

que se você ligar pro Murilo, ele fala com você sem problemas: o telefone dele é 3227 9750.

Atenciosamente, Caio Bizo.

De: [email protected], esquecido, Para: [email protected], desinformado,

15 de agosto de 2035.

Todo mundo morto ou de-

saparecido. Não desapa-

recido desaparecido. Per-

dido por aí, no anonimato.

Renato Guimarães, embria-

gado, bar do Cláudio, 31 de

dezembro de 2037.

Page 7: Foi a Feira #1
Page 8: Foi a Feira #1
Page 9: Foi a Feira #1
Page 10: Foi a Feira #1

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Page 11: Foi a Feira #1
Page 12: Foi a Feira #1

SemSom

imploro a surdez

conserve

minha lucidez

texto: Lívia Corbellari | ilustração: Pauto Prot

Page 13: Foi a Feira #1

Ilustração: Camila Torres

Page 14: Foi a Feira #1

ilustracao aline

fotografia: Marianna Schmidt | texto e ilustração: Aline Manente

Page 15: Foi a Feira #1

ilustracao aline

Page 16: Foi a Feira #1

Mas não existe um certo charme

em ser um “maldito” da MPB? Vê o

Macalé, tira de letra... Que charme o

quê! É legal ver uns meninos cantando

uma música sua em cada esquina e

saber que você não tem dinheiro pra

comprar café no outro dia? A gente

só vê menino fazer fama com as

músicas dos outros, vem com aquela

história de músicas raras, de que tá

Por que você não deu certo? Acha que faltou

beleza, ser um rostinho bonito, um ser comporta-

do? Tenho certeza, não foi nada disso. Caetano era

e é feio pra caramba e olha aí... acabou aclamado

por ter sido exilado. O que aconteceu comigo é

a praga de ter ido pro Rio de Janeiro... em 1978,

um gato preto cruzou o meu caminho. Ah, se eu

tivesse ido pra Brasília seria bem mais feliz, ia ter

conhecido o Renato Russo e impedir que o Dinho

Ouro Preto avacalhasse com as suas letras.

Por que você não deu certo? Acha que faltou

beleza, ser um rostinho bonito, um ser comporta-

do? Tenho certeza, não foi nada disso. Caetano era

e é feio pra caramba e olha aí... acabou aclamado

por ter sido exilado. O que aconteceu comigo é

a praga de ter ido pro Rio de Janeiro... em 1978,

um gato preto cruzou o meu caminho. Ah, se eu

tivesse ido pra Brasília seria bem mais feliz, ia ter

conhecido o Renato Russo e impedir que o Dinho

Ouro Preto avacalhasse com as suas letras.

Para a astrologia, Sérgio Sampaio é o ariano redimido de sua impulsividade depois de dar muitas cabeçadas em vida. Sempre soube o que quis, mas aparentemente, sempre quis a coisa errada e por isso é o exemplar perfeito de artista falido. Ressuscitado pela nova ordem musical capixaba, o FoiaFeira resolveu abrir uma sessão descarrego para Sérgio dar seu parecer.

Mas não existe um certo charme

em ser um “maldito” da MPB? Vê o

Macalé, tira de letra... Que charme o

quê! É legal ver uns meninos cantando

uma música sua em cada esquina e

saber que você não tem dinheiro pra

comprar café no outro dia? A gente

só vê menino fazer fama com as

músicas dos outros, vem com aquela

história de músicas raras, de que tá

Para a astrologia, Sérgio Sampaio é o ariano redimido de sua impulsividade depois de dar muitas cabeçadas em vida. Sempre soube o que quis mas, aparentemente, sempre quis a coisa errada e por isso é o exemplar perfeito de artista falido. Ressuscitado pela nova ordem musical capixaba, o Foi à Feira resolveu abrir uma sessão descarrego para Sérgio dar seu parecer.

Page 17: Foi a Feira #1

Como foi a sua estadia na Bahia?

Dizem que você largou as drogas,

mudou de vida... é verdade? O que

aconteceu é que eu entendi todo

aquele papo sobre a Sociedade Alter-

nativa... arrumei uma mulher que bebe

mais whisky que eu, não liga nem um

pouco pro meu corte de cabelo e que

ainda vai me ensinar a jogar capoeira

qualquer dia... ou não. De qualquer

jeito, fiquei na subnutrição por muito

tempo pra praticar exercícios físicos

agora. Mas quem sabe um dia eu fico

sarado?

Que tipo de musica você tem escuta-

do ultimamente? Meu sobrinho mais

novo - ele tem 14 anos - andou me

mostrando umas coisas novas, meio

coloridas... eu pedi umas dicas de algo

meio depressivo e vanguardista na

contracultura de hoje em dia, sabe c

resgatando a cultura e etc. Compor que é bom nin-

guém quer mais. Se pelo menos um deles pagasse

minha conta no boteco, aí sim, seria massa.

Mas você também nunca conseguiu levar uma

vida de compositor profissional, a ponto de

ganhar dinheiro e tudo o mais... Músico que

ganha dinheiro no Brasil só se for compositor de

jingles... E, olha, sinceramente quero uma cruz da

grã-ordem kavernista cravada no meu peito antes

de ter que ouvir minhas músicas idiotas a cada vez

que o Faustão for para o comercial.

E você tem músicas idiotas? Ah, claro que tenho!

Todos nós, os compositores, as temos! Ima-

gina, os Beatles fizeram a música mais idiota do

mundo quando compuseram “Obla di Obla dá”. E

ainda tem gente que acha que é harmonicamente

perfeito! Rapaz, fiquei tão revoltado quando li isso

que até fiquei tuberculoso... ou foi o cigarro e a

cachaça, tanto faz. Mas teve lá suas coisas boas...

a primeira vez que fui pra CTI eu compus “Que

Loucura!”. Agora estou esperando alguém dizer

que é genial e aí vamos finalmente lançar um LP

que vai ser uma brasa.

Falando em ‘brasa’, você até tentou compor para

o Robertão. Por que não deu certo? Aquele filho

da mãe ainda teve coragem de me procurar pra

compor um “bloco à la jovem guarda” pra ele.

Compus um bloco, de cimento desta vez, p ara

atirar na janela da casa dele, que ficava a uns 300

metros da minha. Fulica, que era meu vizinho de

longa data, dizia que era um pecado acabar na

concretude das letras do Roberto...

Como foi a sua estadia na Bahia?

Dizem que você largou as drogas,

mudou de vida... é verdade? O que

aconteceu é que eu entendi todo

aquele papo sobre a Sociedade Alter-

nativa... arrumei uma mulher que bebe

mais uísque que eu, não liga nem um

pouco pro meu corte de cabelo e que

ainda vai me ensinar a jogar capoeira

qualquer dia... ou não. De qualquer

jeito, fiquei na subnutrição por muito

tempo pra praticar exercícios físicos

agora. Mas quem sabe um dia eu fico

sarado?

Que tipo de musica você tem escuta-

do ultimamente? Meu sobrinho mais

novo - ele tem 14 anos - andou me

mostrando umas coisas novas, meio

coloridas... eu pedi umas dicas de algo

meio depressivo e vanguardista na

contracultura de hoje em dia, sabe

resgatando a cultura e etc. Compor que é bom nin-

guém quer mais. Se pelo menos um deles pagasse

minha conta no boteco, aí sim, seria massa.

Mas você também nunca conseguiu levar uma

vida de compositor profissional, a ponto de

ganhar dinheiro e tudo o mais... Músico que

ganha dinheiro no Brasil só se for compositor de

jingles... E, olha, sinceramente quero uma cruz da

grã-ordem kavernista cravada no meu peito antes

de ter que ouvir minhas músicas idiotas a cada vez

que o Faustão for para o comercial.

E você tem músicas idiotas? Ah, claro que tenho!

Todos nós, os compositores, as temos! Ima-

gina, os Beatles fizeram a música mais idiota do

mundo quando compuseram “Ob-la-di, Ob-la-da”.

E ainda tem gente que acha que é harmonicamen-

te perfeito! Rapaz, fiquei tão revoltado quando li

isso que até fiquei tuberculoso... ou foi o cigarro

e a cachaça, tanto faz. Mas teve lá suas coisas

boas... a primeira vez que fui pro CTI eu compus

“Que Loucura!”. Agora estou esperando alguém

dizer que é genial e aí vamos finalmente lançar um

LP que vai ser uma brasa.

Falando em ‘brasa’, você até tentou compor para

o Robertão. Por que não deu certo? Aquele filho

da mãe ainda teve coragem de me procurar pra

compor um “bloco à la jovem guarda” pra ele.

Compus um bloco - de cimento, desta vez - para

atirar na janela da casa dele, que ficava a uns 300

metros da minha. Fulica, que era meu vizinho de

longa data, dizia que era um pecado acabar na

concretude das letras do Roberto...

Page 18: Foi a Feira #1

O que você tem feito em todos esses

anos de ostracismo? Eu to tentando

me dedicar mais às artes plásticas,

uma coisa que eu já tinha vontade de

fazer há muito tempo. Pra mim um ar-

tista tem que ser completo, sabe? Tem

que entender a Arte como um todo...

Já fiz alguns quadros aqui na comuni-

dade do Cemitério do Caju que foram

muito aplaudidos, apesar de não ter

vendido quase nada. Acho que é um

carma, mas tudo bem, eu to acostu-

mado. Também to querendo investir no

meu potencial de escritor... já tenho

até um título pro meu romance “Eu

sou aquele que disse”... é sobre um

músico profeta que é renegado três

veze s antes de ser santificado.

Você está numa fase de revalorização

enquanto artista. Como você enxerga

essa “onda sampaiófila”? Sincera-

mente, acho um tédio. Mas que se

há de fazer? Só espero que continue

rendendo direitos autorais...

com é, né, a gente precisa se atualizar. Ele diz que

é o que tem de mais moderno e mais rebelde hoje

em dia. Raulzito, que é pra mim o rebelde maior,

é imensamente monocromático... não entendi

ao certo a poesia das cores. Cor demais ofusca

os meus olhos, não que eu esteja sempre sóbrio

para prestar atenção, mas... como é que eu posso

sentar num boteco e tomar pinga ouvindo falsete e

auto tune? Não dá...

Hoje em dia, com os downloads em mp3 e a pi-

rataria, as vendas de discos caíram significativa-

mente e muitos artistas foram a falência. Como

você encara essa situação?

Numa ótima! Eu nasci falido! Pior não dá pra ficar.

E até faz parte do meu estilo “artista marginal”

não vender muitos discos, não ganhar muito

dinheiro. Até virei vegetariano pra economizar nos

gastos de casa. E acho que tem uma real beleza

em compartilhar... Quer dizer, desde a década de

70 que eu já estou na era do compartilhamento.

O compartilhamento ao vivo. Em cada bar que eu

parei pra tomar uma pinga eu deixei uma canção,

uma homenagem ao garçom que me arrumava

um quartinho nos fundos... acho que música boa

é boa pra tudo. As vezes eu lembro da Angélica,

uma travesti que dividiu quarto comigo em 71 que

dizia que a minha música era boa de escutar en-

quanto ela trabalhava... por isso sempre me pedia

pra tocar uma pra ela.

como é, né, a gente precisa se atualizar. Ele diz que

é o que tem de mais moderno e mais rebelde hoje

em dia. Raulzito, que é pra mim o rebelde maior,

é imensamente monocromático... não entendi

ao certo a poesia das cores. Cor demais ofusca

os meus olhos, não que eu esteja sempre sóbrio

para prestar atenção, mas... como é que eu posso

sentar num boteco e tomar pinga ouvindo falsete e

auto tune? Não dá...

Hoje em dia, com os downloads em mp3 e a pi-

rataria, as vendas de discos caíram significativa-

mente e muitos artistas foram à falência. Como

você encara essa situação?

Numa ótima! Eu nasci falido! Pior não dá pra ficar.

E até faz parte do meu estilo “artista marginal”

não vender muitos discos, não ganhar muito

dinheiro. Até virei vegetariano pra economizar nos

gastos de casa. E acho que tem uma real beleza

em compartilhar... Quer dizer, desde a década de

70 que eu já estou na era do compartilhamento.

O compartilhamento ao vivo. Em cada bar que eu

parei pra tomar uma pinga eu deixei uma canção,

uma homenagem ao garçom que me arrumava

um quartinho nos fundos... acho que música boa

é boa pra tudo. As vezes eu lembro da Angélica,

uma travesti que dividiu quarto comigo em 71 que

dizia que a minha música era boa de escutar en-

quanto ela trabalhava... por isso sempre me pedia

pra tocar uma pra ela.

O que você tem feito em todos esses

anos de ostracismo? Eu tô tentando

me dedicar mais às artes plásticas,

uma coisa que eu já tinha vontade de

fazer há muito tempo. Pra mim um ar-

tista tem que ser completo, sabe? Tem

que entender a Arte como um todo...

Já fiz alguns quadros aqui na comuni-

dade do Cemitério do Caju que foram

muito aplaudidos, apesar de não ter

vendido quase nada. Acho que é um

carma, mas tudo bem, eu tô acostu-

mado. Também tô querendo investir

no meu potencial de escritor... já te-

nho até um título pro meu romance

“Eu sou aquele que disse”... é sobre

um músico profeta que é renegado

três vezes antes de ser santificado.

Você está numa fase de revalorização

enquanto artista. Como você enxerga

essa “onda sampaiófila”? Sincera-

mente, acho um tédio. Mas que se

há de fazer? Só espero que continue

rendendo direitos autorais...

“Desde a década de 70 que eu já estou na era do compartilhamento”

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o: C

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Page 19: Foi a Feira #1

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Page 21: Foi a Feira #1
Page 22: Foi a Feira #1

Criação coletiva produzida na Tábua de Carne (coletivo Foi à Feira + grupo Cronópio).

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texto: Haroldo Lima | ilustração: Juliana Colli e Rayza Mucunã

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Este desenho fez parte de uma intervenção urbana com lambe-lambes em Olinda, Recife e Vitória. (set/out 2010)

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fotografia e criação: Jorge Pena

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Cristiano Rezende: estuda Design Gráfico,

tem interesse em revistas, fotos e moda.

Izaias Buson: estudante de Comunicação

Social da Ufes, adora andar de bicicleta.

Joanna Ardisson: faz Design de Moda, gosta

de tudo quanto é novidade sobre maquiagem

e música pop.

João Oliveira: estuda Publicidade e faz alguns

quadrinhos nas horas vagas.

Jorge Pena: designer gráfico e fotógrafo.

Juliana Tinoco: graduanda em Jornalismo.

Apaixonada por comunicação visual e

aspirante a designer.

Lívia Corbellari: faz Jornalismo, interessa-se

por literatura e é colaboradora da

@revistagraciano

Luisa Mollo: faz Design Gráfico, Moda e curso

de maquiagem. Participa do blogue

mulamula.com.br.

Manoel Ricardo: estuda design, gosta de

desenhar e tocar contrabaixo. Escreve para

o blogue sobre HQs acabandoaquartafeira.

wordpress.com

Marianna Schmidt: estuda design e fotografia,

não sabe desenhar.

Nathália Vargas: graduanda em artes

plásticas, gosta de fazer ilustrações e

colagens.

Paola Lougon Pasolini: faz Design Gráfico, se

formou em fotografia, escreve para o blogue

de besteirices Mulamula junto de Luisa Mollo.

Paulo Prot: designer free lancer, músico e

surdo de um ouvido. Curte tipografia, ilustração

e música instrumental.

Priscilla Martins a.k.a. catastrophize: designer,

notívaga e tia. movida a café e metáforas.

Rafael Abreu: aspirante a jornalista cuja

necessidade básica (além de comer e dormir) é

ouvir música. Escreve para o bloodypop.com.

Sarah Vervloet: faz Letras e Relações

Internacionais, se amarra em Literatura

Brasileira e Literatura Fantástica.

Thairo Pandolfi: ex engenheiro e aspirante

a arquiteto, arrisca numas fotos de fim de

semana.

Thiago Sales: pesquisador de relações de

frequências, tocando guitarra e aplicando

design; iluminador cênico e ilustrador.

COLABORADORES DO FOIÀFEIRA#1

Naturalmente, existem muitas digitais perdidas entre as páginas deste zine - mãos que deixaram traços e qualidades indissociáveis ao objeto que você tem agora . À todos que acompanharam, de perto ou de longe, o nosso processo criativo e que não couberam em duas ou três linhas de descrição, agradecemos por todos os palpites, críticas e toda e qualquer palavra de incentivo.

REVISÃOJoyce Castello: estudante de Jornalismo,

mantém o blogue pedecarona.wordpress.com.

Rodolpho Paixão: conterrâneo de Zé Mayer,

estuda Jornalismo e participa do Observatório

da Mídia Regional.

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ALINE MANENTE_ [email protected]

Estuda Design Gráfico e Moda. Ouve Florence and the

Machine pra se exorcizar nas madrugadas enquanto devora

uma barra de chocolate ao leite e surta no Facebook.

CAMILA TORRES_ [email protected]

Designer que, enquanto rolam playlists, emite sua própria

trilha onomatopaica.

CAROL RUAS_ [email protected]

Escuta Mestres da Guitarrada nos domingos em que pensa

em amazônia, xamãs, caboclos, tucupis, bebe cachaça e

come sururu debaixo de um sol de rachar.

HAROLDO LIMA_ [email protected]

Faz do Gal Fa-Tal a oração da manhã de sábado - a proposta

de recomeço que todo fim de noite de sexta pede.

JULIANA COLLI_ [email protected]

Bolotas, designer e malabarista. Costuma estourar os

tímpanos com Daft Punk para potencializar trabalhos

mecânicos nas segundas, pela manhã.

JULIANA LISBOA_ [email protected]

Para ouvir com um fanzine e uma limonada sem açúcar na

mão, Foge Foge Bandido!

RAYZA MUCUNÃ_ [email protected]

Gosta de ouvir Funeral do Arcade Fire imaginando estar

dentro de Edward Mãos de Tesoura fazendo esculturas de

gelo e maquiando o Johnny Depp.

SAULO PRATTI_ [email protected]

Designer, curioso, zen e esquecido; ouve Bryter Layer só

com a lâmpada do abajur acesa enquanto o mundo inteiro

acaba lá fora.

Todos os textos, ilustrações, colagens

e experimentações são fruto de

colaborações entre os membros

do Coletivo e os colaboradores que

toparam doar um tanto de criatividade

e compartilhar experiências para que

o Foi à Feira pudesse ser publicado.

Contato: [email protected]

O Foi à Feira é uma publicação do

Coletivo Foi à Feira – contemplada

pelo edital de Núcleo de Criação

do Programa Rede Cultura Jovem,

2009/2010.

Impressão: Gráfica Jep | Tiragem: 1000 exemplares | Vitória, maio/novembro de 2010 | www.foiafeira.com

PROGRAMA REDE CULTURA JOVEM

COLETIVO FOIÀFEIRAEXPEDIENTE

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Xepa em:

ilustração: Manoel RicardoImpressão: Gráfica Jep | Tiragem: 1000 exemplares | Vitória, maio/novembro de 2010 | www.foiafeira.com

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