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Foi há 20 anos... “ XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura” “Os Descobrimentos Portugueses e a Europa do Renascimento “ Inovação e Mudança nos Séculos XV e XVI: Contributo Português. Braga – Complementar à XVII Exposição. Simpósio e Exposições: “Arte, Ciência e Cultura através da Actividade Missionária”. por Carlos Jaca DIÁRIO DO MINHO 07/05/03 e 14/05/03

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Foi há 20 anos... “ XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e

Cultura”

“Os Descobrimentos Portugueses e a Europa do Renascimento “

Inovação e Mudança nos Séculos XV e XVI: Contributo Português.

Braga – Complementar à XVII Exposição. Simpósio e Exposições:

“Arte, Ciência e Cultura através da Actividade Missionária”.

por Carlos Jaca

DIÁRIO DO MINHO 07/05/03 e 14/05/03

Carlos Jaca 2

O Conselho da Europa, na continuação de uma política de Cultura

especificamente Europeia, encarregou, a partir de 1954, os diversos países membros, de

organizarem Exposições onde se patenteassem as múltiplas facetas de um património

comum.

Desde então, o Conselho da Europa promove exposições europeias de Arte,

(depois designadas de Arte, Ciência e Cultura) com o objectivo de divulgar a

universalidade do espírito europeu e da comunidade do seu património artístico ao

longo dos séculos, pondo em relevo todos os aspectos referidos à História, Cultura e

Arte europeias.

A primeira exposição, em 1954, foi realizada em Bruxelas sobre o tema: “A

Europa Humanista”; a décima sexta foi realizada em Florença, em 1977 e teve como

temática “Florença e a Toscana dos Médicis na Europa do Século XVI.”

Portugal candidatou-se à realização da décima sétima exposição do Conselho da

Europa.

Foi aceite o tema escolhido – poderia deixar de sê-lo? - Foi o relativo à fase

expansionista da História de Portugal, fase em que o País deu um importante contributo

para a aproximação dos povos e das culturas não só da Europa, mas também da África,

Ásia e América.

A XVII Exposição de Arte, Ciência e Cultura, que teve por tema “Os

Descobrimentos Portugueses e a Europa do Renascimento”, transformou Lisboa,

durante algum tempo (7 de Maio a 2 de Outubro), num álbum histórico de rara beleza,

tendo posto em evidência o contributo dos Descobrimentos Portugueses na difusão e

enriquecimento da cultura europeia.

O Renascimento, sólida ponte cultural, que levou o homem da Idade Média à

Idade Moderna está intimamente ligado à aventura dos Descobrimentos Portugueses.

Hoje é impossível falar do Renascimento, sem o considerar como a alvorada do

espírito moderno, caracterizado pelo respeito aos princípios científicos, cuja aplicação

deu lugar a uma nova energia social: a Técnica.

Foi esta, que aliada ao espírito dos nossos marinheiros e políticos, serviu para

arrancar o homem medieval ao universo então conhecido, levando-o ao contacto com

novas civilizações e culturas, que nos transformou, para além de cidadãos europeus, um

pouco, em cidadãos do mundo.

Antes de concluir, voltarei a abordar a XVII Exposição.

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O Homem e a Ciência Medieval

Para compreender melhor a importância dos Descobrimentos Portugueses na

transformação do homem europeu, rumo a uma mentalidade nova de visão universalista,

é necessário recuar no tempo e de prestar um pouco de atenção ao Homem Medieval –

não para criticá-lo, mas apenas para conhecê-lo – a ele e ao seu mundo. Sem esquecer

que foram homens, ainda medievais, e portugueses, que partiram um dia para dar

“novos mundos ao mundo”... Sem esquecer que foram eles os responsáveis da geração

de navegadores de Quinhentos.

Recorde-se, pois, com curiosidade, em saber respostas às questões que se põem

sobre a sua época, cultura, mentalidade.

Que homem vivia na Europa Medieval?

Que pensava ele do mundo que o rodeava?

De si próprio, da ciência, de Deus?

O Homem medieval era, ao mesmo tempo,

profundamente religioso e supersticioso e, acima de

tudo, um crédulo.

Na cultura medieval, Deus ocupava o centro de toda a especulação. A teologia

subordinava todas as ciências, sendo a própria filosofia considerada serva da teologia,

“ancilla theologie”. Os problemas religiosos dominavam e sobrepunham-se aos outros

e, se nem sempre os filósofos estavam de acordo quanto às soluções encontradas, como

no caso das relações entre razão e fé, o que é indiscutível é que a última palavra devia

pertencer à teologia, sob pena de se cair em heresia ou, pelo menos, de a resposta

apresentada ser afastada, por menos ortodoxa.

Para os pensadores medievais, o mundo fora criado e ordenado por Deus,

segundo uma ordem natural, na qual o homem e todos os seres se integravam. A

concepção que se tinha então do Universo derivava deste princípio e, depois de se

resolver o problema do lugar que cada coisa devia ocupar, nada mais a podia remover

daí.

Carlos Jaca 4

As gentes medievais não podiam acreditar na evolução progressiva da

Humanidade. A ordem existente era imutável. O burguês e o nobre, o clérigo e o

camponês, o dignitário da Igreja e o político desempenhavam funções que Deus lhes

tinha destinado e que os seus sucessores continuariam.

E, assim, a vida seguiria o seu curso até ao fim dos séculos.

Na base do pensamento medieval estava o ideal universalista que aspirava a

realizar a unidade de todas as coisas.

A cristandade devia formar uma unidade política e religiosa; importava reunir os

diferentes países e povos numa monarquia universal sob a autoridade do Imperador e

numa só Igreja, sob a autoridade do Papa.

Só assim, a Igreja e o Estado estariam em condições de exercer o seu magistério

sobre cada indivíduo em particular, e de o preparar para atingir o objectivo supremo da

existência: a união com Deus.

Da mesma maneira que no campo religioso era aceite a autoridade das

Escrituras, da Bíblia, dos ensinamentos dos Padres da Igreja, também na ciência se

acatavam sem discutir as grandes autoridades do passado, depois do seu pensamento ter

sido conciliado com a teologia cristã nos casos em que tal era necessário.

Aristóteles (séc. IV a.C.) era a voz dominadora que se fazia ouvir em quase

todos os domínios da cultura. Na cosmografia, através das teorias de Ptolomeu (séc. II)

persistiam as concepções aristotélicas; A medicina apoiava-se em Galeno (m.131) e em

Hipócrates (séc. IV a .C.), e as ciências naturais apoiavam-se em Plínio (séc. I). A

própria maneira como o ensino se processava e os conhecimentos se transmitiam

contribuía para aumentar esse autoritarismo. O professor, que repetia os Antigos,

dispunha de uma autoridade magistral (“magister dixit“), sendo o seu ensino

essencialmente livresco.

Estudar era aprender o que os livros diziam; até nas ciências da natureza, salvo

excepções sem significado para o geral, a observação directa estava posta de parte, para

não falarmos sequer da experimentação. O professor era chamado o lente, isto é, o que

lê. Mesmo quando, mais tarde, por exemplo, nas aulas de anatomia, se começaram a

fazer dissecações, o professor continuava a ler, enquanto o dissecador, submissamente,

mostrava aos discípulos o que, no corpo humano, tinha de estar de acordo com as

palavras magistrais.

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O que os autores clássicos e seus continuadores ao longo dos séculos haviam

escrito representava a verdade, que não podia ser posta em dúvida. Se, porventura, a

observação directa parecesse provar o contrário, então era essa observação que estava

errada devido a enganos do demónio ou a doença do corpo. Uma atitude deste tipo iria

prevalecer durante muito tempo. Mesmo em Portugal, as universidades, os livros

impressos, a cultura escolástica continuaram a ensinar e a aceitar os antigos mestres

com os antigos erros, muito depois de todos, desde o mais humilde marinheiro até ao

mais nobre vice- rei, terem de facto observado e tocado uma realidade diferente.

Durante muito tempo, o ensino oficial e a experiência prática coexistiram sem se

ferir mutuamente, conquanto frequentes vezes contraditórias. Não era fácil abalar até

aos alicerces e extirpar por completo toda uma tradição de séculos que criara um

método e, que, em si mesma fora fortalecida por ele.

Não admira, portanto, que aprendessem teorias que hoje sabemos erradas.

Assim, a Terra ocupava, imóvel, o centro do Universo.

O Conhecimento da Terra

Mas desta Terra que ele julgava o centro do Universo, o que sabia ele?

Quando os Portugueses iniciaram a época dos grandes descobrimentos, o escasso

horizonte humano, que era dado entrever aos povos do Ocidente, longe de se alargar

havia-se estreitado. Da Europa – as regiões setentrionais eram ainda imperfeitamente

conhecidas. Desconhecia-se a existência da América. Do continente africano –

ignorava-se quase completamente a África negra, propriamente dita. Da Ásia – as

notícias correntes sobre as regiões meridionais compunham-se de alguma realidade e

muita fantasia; e do Extremo Oriente pouco ou quase nada era sabido. Num curto

período de tempo, durante a segunda metade do século XIII e a primeira do seguinte, o

vastíssimo continente começara a ser devassado até quase ao seu extremo oriental por

mercadores e missionários, mas logo a queda dos Mongóis na China e o advento do

Turcos no Extremo Oriente o cerraram à pertinaz curiosidade dos cristãos.

Ptolomeu continuava a ser a fonte principal dos conhecimentos geográficos.

Carlos Jaca 6

Mas as variantes dos seus manuscritos e a perda dos primitivos mapas que

acompanhavam a obra do geógrafo alexandrino tornavam difícil, quer a sua leitura, quer

a sua interpretação.

Sob o ponto de vista cosmográfico, conhecimentos tão vulgares como o da

esfericidade da Terra ou a existência dos

antípodas, eram apenas aceites por uma parte das

pessoas mais cultas da época.

As próprias noções geográficas de

Ptolomeu (século II da era cristã) desde o século

XIII, inibiam a expansão da Cristandade. Assim

sucedia com o seu conceito do Oceano Indico

fechado como um mar interior; o prolongamento

da África para leste até unir-se nesta direcção

com a China; as suas afirmações sobre a

existência duma zona inabitável por causa do calor, recebidas como verdades

indiscutíveis pela escolástica medieval – ideias que detiveram por largo tempo o

pensamento da exploração geográfica.

Sobre a forma do planeta, a sua grandeza, a distribuição das terras e das águas, a

extensão do “habitat“ humano, e a religião, a política, os costumes de grande parte da

Humanidade, tudo se ignorava.

Em resumo: o homem não conhecia o homem nem a terra que habitava.

Quando muito, os seus conhecimentos estendiam-se a

um quarto do planeta e dos seus habitantes.

Mas, à falta de conhecimentos exactos, formara-se

uma literatura geográfica, na sua maior parte mítica e

fabulosa. Tipo específico dessa literatura foi o “Livro das

Maravilhas” que apareceu no terceiro quartel do século de

Trezentos, sob o pseudónimo de João de Mandeville, e que

obteve uma voga e um êxito espantosos. O autor, de quem se

disse que foi “o maior dos mentirosos”, descrevia nesse livro

as supostas viagens que fizera a todos os países que então se conheciam. Mas a

substância fora tomada da obra de outros viajantes e adornada pelo autor com lendas,

romances de cavalaria e informações duma fantasia delirante.

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E dá que pensar, que ainda, no século XV, se acreditasse que na Ásia... “nas

montanhas do Oriente vivem os Pigmeus, homens com dois côvados (o,66m) de altura

se dedicam à caça dos grous ( ave pernalta). Esta gente tem três anos de gestação e

morre aos oito anos de vida...

Certos monstros humanos têm os pés no sentido de diante para trás e com oito

dedos... outros têm cabeça de cão... há homens com um só olho chamados arimaspos”...

E sobre os mares que não navegava e desconhecia que lendas existiam?

Era o “Mar Tenebroso”. Toda a classe de monstros, perigos e obstáculos

povoavam o Oceano Atlântico, na crença geral.

Transmitida ou forjada pelos Árabes, a lenda do “Mar Tenebroso” descrevia um

oceano habitado por seres estranhos e mergulhados em escuridão constante, onde todos

os navios naufragariam nas ondas medonhas ou nas águas ferventes.

Toda a classe de superstição afrouxava a curiosidade e refreava o desejo de

riquezas.

Durante muito tempo os Portugueses da Idade Média, como os Europeus, em

geral, hesitaram entre a vontade

de seguir além, para ocidente e

para sul, e o temor de não

regressar mais. Era necessária a

pressão de grande número de

forças poderosas para vencer

esse medo e forçá-los a ir.

Mas, alguma coisa,

muita coisa mesmo vai mudar.

A sabedoria dos Antigos que dominara durante séculos sem que alguém ousasse

contrariá-la, iria ser corrigida por comerciantes e navegadores, os quais, ainda que

desprovidos do estudo das letras clássicas, passaram a dispor de um instrumento que se

revelaria bem mais eficiente: a sua própria experiência.

Carlos Jaca 8

A “ Revolução da Experiência”

“ Enorme, incalculável, foi o concurso dos Descobrimentos para o surto do

espírito europeu moderno, para o desenvolvimento do humanismo, para a criação do

senso crítico, para a queda do princípio da autoridade na ciência e na filosofia, para os

lentos progressos do “Homo Sapiens” em frente da tirania do “Homo Credulus”

(António Sérgio).

Indiscutivelmente, que a maior contribuição dos portugueses para a “revolução

cultural” da Idade Moderna veio da empresa oceânica; terá sido esta a determinante

mais poderosa e significativa que veio dar ao humanismo português um carácter técnico

e científico muito específico e particular, profundamente diferente do restante

humanismo europeu.

As aquisições sucessivas obtidas obrigaram a profundas alterações na maneira

de ser, sentir e pensar, conduzindo ao desmantelamento de conceitos tradicionais

fundamentais, constituindo a muitos títulos uma “revolução cultural”.

Do ponto de vista puramente tecnológico,

as grandes descobertas teriam sido possíveis

muito mais cedo do que realmente principiaram.

Nos começos do século XIV, estavam

conseguidos os principais inventos na arte de

navegar e era inegável a sua convergência na

Península Ibérica, nomeadamente em Portugal.

Os exploradores portugueses não partiram

do zero, quando se abalançaram às viagens de

descoberta pela terra ou pelo mar. A “Esfera” de Sacrobosco, condensada e editada em

português, em Lisboa, por cerca de 1509, existia já anteriormente no cartório de

Alcobaça, até talvez na Biblioteca de D. João I, e no convento Franciscano de Leiria,

por legado de Mestre Gil, Cónego da Sé de Coimbra. Dos documentos medievais

resulta, aliás, que não faltavam por cá, desde longa data, os astrolábios, e que o

almanaque astronómico de Tortosa (Cidade da Catalunha) fora posto na língua materna

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entre 1307 e 1339. Não estavam isolados, na cultura portuguesa dos séculos XIV e XV,

os subsídios da ciência geográfica e astronómica transmitidos pelas obras dos escritores

judeus e árabes. Eram completados pelos informes orais dos genoveses, dos

maiorquinos, dos cristãos etíopes e dos conversos marroquinos.

Os Portugueses frequentaram, nos anos de Trezentos, como soldados e

missionários, as cortes de Marrocos, e mouros famosos refugiaram-se também em

Portugal nesse período.

No ponto de partida dos exploradores lusíadas, achavam-se noções científicas

(ou que desde séculos se tinham por científicas), sujeitas agora à prova da experiência

dos homens de acção.

As verdades da ciência estabelecida retrocederam no espírito dos marinheiros

portugueses, à medida que as navegações se foram desenvolvendo. A teoria do “Mar

Tenebroso” foi a primeira a ser batida e lançada no cemitério das velhas lendas quando,

em 1434, os marinheiros portugueses, conseguem

vencer o medo e o primeiro grande obstáculo desse

“Mar Tenebroso”: a dobragem do Cabo Bojador,

por Gil Eanes, “depois de o Senhor Infante bem

quinze vezes mandar dobrá-lo”...

E nesse preciso momento muitas lendas se

desfazem: havia vida vegetal para além desse cabo.

“E porque, Senhor – disse Gil Eanes, - me pareceu

que devia trazer algum sinal de terra, pois que em

ela saí, apanhei estas ervas que aqui apresento a

Vossa Mercê, as quais em este reino chamamos rosas de Santa Maria”... (Zurara).

Muito antes de findar o século XV – em 1488 – os Portugueses atingem, na

exploração atlântica, o momento decisivo: a ultrapassagem do Cabo Tormentório.

Estava completa – do lado do Ocidente – o sinuoso traçado da nova estrada marítima e

por ela poderiam navegar, nos decénios seguintes, os construtores do Império:

comerciantes, aventureiros, soldados e missionários.

Apesar das ameaças do “gigante”, dos perigos e das tormentas, abriu-se um novo

caminho para a Índia e para as especiarias... Lisboa será a capital comercial da Europa.

E tudo isto, não foi por acaso (“indo a acertar”), mas por conclusão científica, (“mas

partiam os nossos mareantes muy ensinados e providos de instrumentos e regras de

astrologia e geometria”).

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Muitas das supostas conquistas definitivas do homem sofriam, dia a dia, em

consequência dos descobrimentos, profundas correcções ou totais desmentidos. Muitos

conceitos se pulverizaram e novos conhecimentos se adquiriram.

Deste modo, um grande choque se deu entre o que poderia ser a bagagem

cultural do homem que embarcava nas caravelas e o que lhe era dado observar nesse

mundo com que tomava contacto. Forçados a agir perante uma realidade não prevista,

levados a formular juízos de valor sobre certas ideias medievais em presença de factos

objectivos, obrigados, finalmente, a estabelecer critérios de valorização entre os vários

processos aplicados à técnica da náutica e estabelecidos pela astrologia, os navegadores

foram atirados para o caminho que conduzia a uma mentalidade inteiramente nova.

É muito provável que, logo a partir dos meados do século XV, se tivessem

começado a desenhar entre os pilotos, os marinheiros e os mercadores que seguiam nas

caravelas, a tendência para considerar os dados experimentais como o ponto de partida

de um conhecimento positivo e para receber com cepticismo uma boa parte da cultura

letrada.

Perante revelações que vinham

contrariar ideias desde há muito aceites, e

até consideradas com frequência como

incontestáveis, havia que verificar todos

os conhecimentos tradicionais, reconstruir

explicações sobre os escombros das que

dia a dia ruíam sob o impulso da

observação directa e persistente; com

efeito, só um conhecimento “de visu” (de

vista; por ter visto) podia obstar a erros; se os antigos se enganaram muitas vezes nas

suas concepções geográficas, fora por não terem frequentado as áreas descritas, como os

navegadores dos séculos XV e XVI haviam feito (segundo um pensamento explícito de

Duarte Pacheco Pereira).

As correcções a ideias veiculadas tradicionalmente,

e em cadeia, desde a Antiguidade, a par da aquisição de

novos dados que a observação fornecia, enriqueciam os

conhecimentos do homem, abriam-lhe perspectivas cada

vez mais amplas e mais de acordo com a realidade.

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Os portugueses do século XV provaram pela experiência e pela dedução

científica: que o Oceano Atlântico era navegável e estava livre de monstros; que o

mundo equatorial era habitado e habitável e que a pigmentação (cor negra) nada tinha

que ver com a quentura do sol; que era possível navegar sistematicamente longe da

costa e conseguir perfeita orientação pelo Sol e pelas estrelas; que a África tinha uma

ponta meridional e que existia um caminho marítimo para a Índia; que as pseudo-Índias,

descobertas por Colombo, eram, na realidade, um novo continente separando a Europa

da Ásia Oriental e que as três Américas formam um bloco territorial continuo; que a

América do Sul tinha uma ponta meridional como a Africa e que existia um outro

caminho para a Índia por ocidente; que os três oceanos comunicavam entre si; que a

terra era redonda e circum-navegável; que afinal existiam antípodas. Traçaram os

contornos dos continentes e dos oceanos, esboçando, pela primeira vez, uma geografia

ecuménica da Terra. Desenharam o primeiro mapa dos céus do hemisfério austral.

Trouxeram a conhecimento do mundo ocidental grande número de civilizações e

culturas desconhecidas, pondo muitas outras em contacto permanente.

Nunca em Portugal se falou tanto de “experiência” como neste século – e havia

razão para isso. Duarte Pacheco Pereira no seu “Esmeraldo de Situ Orbis” (Livro IV)

escreve. “ E como quer que a experiência he madre das cousas, por ella soubemos

radicalmente a verdade”.

Duarte Pacheco Pereira era devoto da experiência, quer dizer, do conhecimento

que vem da longa prática das coisas. A experiência de que nos fala e em que tanto se

louva, não é ainda a experimentação e nem mesmo a observação sistemática e metódica

posta na base do conhecimento científico e realizada com o objectivo de o verificar ou

adquirir – mas tão só o conhecimento empírico, que resulta da prática quotidiana da

vida.

Assim, é com Ptolomeu na mão que D. João de Castro vai verificando o

assentamento dos lugares e rectificando o desacerto.

Este gosto da experiência comunica-se dos homens do mar aos que o não são – e

que viajaram ! A todos impele o mesmo desejo de denunciar o erro e confundir a

ignorância – de “ ver claramente visto “, como diz Camões.

Na obra de outro português ilustre da época – Garcia da Orta – há duas

personagens principais: O Doutor Ruano – o homem das escolas, que sabe de cor o que

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disseram os Antigos – e o Doutor Orta – o viajante, o homem submisso aos factos

observados, amigo de saber.

Ao argumento de autoridade opõe incansavelmente a sua própria verificação: -

“eu vi”. Daí o alto valor desse livro “Colóquios dos simples e drogas e cousas

medicinais da Índia”, impresso em 1503, na Índia.

Os portugueses já não acreditavam nos antigos, mas no “vi claramente visto” e

na experiência: “A experiência nos tem ensinado”... “a experiência nos faz viver sem

engano das fábulas que alguns dos antigos cosmógrafos escrevem acerca da descrição

da terra e do mar”... E os livros antigos, não podiam falar da América, nem do Brasil –

terra encoberta até 1500.

E foi o espanto, o encantamento, e essa aventura que é a carta de Pêro Vaz de

Caminha ao rei D. Manuel I – é a visão primeira dos novos homens: os índios.

...”E assim seguimos nosso caminho por este mar de longo até que, terça-feira

das oitavas de Páscoa”... topámos aves a que chamam furabuchos. Neste dia a horas de

véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente, dum grande monte mui alto e

redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã com grandes arvoredos;

ao monte alto o capitão pôs

o nome de Monte Pascoal e

à terra – a Terra de Vera

Cruz...

E dali houvemos

vista de homem pardos,

todos nus...

Vieram à nau e “um

deles pôs olho no colar do

capitão e começou a acenar

para o colar, como que

dizendo que ali havia ouro... mostraram-lhes um carneiro, não fizeram caso. Mostraram-

lhes uma galinha, quase tiveram medo dela...não lhe queriam pôr a mão; e depois a

tomaram como que espantados”.

Este encontro é o nascimento de uma grande nação de língua portuguesa num

continente novo. É talvez, a maior consequência da epopeia de Quinhentos... e de mar

em mar, de continente em continente, humanidades novas, totalmente ignoradas,

surgem aos olhos dos navegantes, na orla ou no interior dos continentes. E ao mesmo

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tempo, plantas, flores, selvas, feras, aves, astros, povos, artes e religiões, desenrolam

formas, cores, sabores, aromas. Lisboa cheira a canela e a pimenta...

Em boa verdade, o homem de Quinhentos realizou um espantoso romance à

maneira de Júlio Verne: foi de súbito arrojado

sobre um planeta novo e imenso. E essa torrente

de vida nova, que o arrastou, havia fatalmente

de abalar-lhe e fecundar-lhe o pensamento, a

moral e a fé. As armadas partem – o homem

leva a saudade e deixa a família, a mulher – e

Gil Vicente escreve o “Auto da Índia”.

Apesar de toda esta fantástica epopeia, só há pouco mais de meio século se

reconheceu, com o carácter cientifico das navegações dos portugueses, que eles foram

os criadores da ciência náutica, que permitiu a navegação oceânica e a expansão da

Europa em todo o Mundo. Fomos os criadores do navio próprio para os descobrimentos

ao longo das costas de África e da América – a caravela; adaptámos o astrolábio aos

usos da navegação e formulámos pela primeira vez os métodos e regimentos para

determinar a posição das terras descobertas; traçámos as novas estradas oceânicas;

fixámos nos mapas o contorno dos mundos, e redigimos, dia a dia, viagem a viagem,

naufrágio a naufrágio, o roteiro de todos os mares e em todos os rumos da rosa-dos-

ventos. À nossa escola de navegação vieram sucessivamente a Espanha, a França, a

Inglaterra e a Holanda buscar os mestres – pilotos, cosmógrafos, roteiristas e

cartógrafos, que os guiassem na sua obra de expansão, verdade unanimemente

reconhecida pelos sábios dos mesmos países que beneficiaram da lição lusitana.

Esta realidade esteve bem patente nos Jerónimos, local onde se encontrava o

mais espectacular núcleo expositivo da XVII Exposição. Nos Jerónimos “cumpriu-se o

mar”. E o mar cumpriu-se n’ “Os Lusíadas” .

“Poema do Oceano” ... disse alguém! É que o poeta andou, viveu, sofreu, através

de três oceanos, a epopeia marítima dos Portugueses. No poema há muito do que foi

vivido e experimentado – vivida toda a viagem do Gama; vivido o mito do Adamastor;

vivida e bem longe de ser produto da fantasia, a Ilha dos Amores. Foi com objectividade

que o poeta descreveu os fenómenos do mar, como os fogos de Santelmo, a tromba

marítima, as correntes, a tempestade.

Carlos Jaca 14

Camões criou a poesia do mar...

Os mareantes abriram o caminho do mar...

Os viajantes passearam pelo mar e pela aventura da “Peregrinação” de Fernão

Mendes Pinto.

Os mercadores trouxeram para Lisboa pelas estradas marítimas, os perfumes, o

exotismo do oriente e américas.

Os missionários levaram uma nova religião, uma nova moral e a cruz nas

caravelas.

Na Europa do crepúsculo do século XV, na Europa do Renascimento, Portugal

está na “crista da onda”

As Descobertas na Balança Cultural da Europa

Pelo que já ficou dito, é fácil constatar que a experiência portuguesa, o saber e a

doutrina dos portugueses se projectaram na Europa com uma relevância fundamental.

A contribuição de Portugal para o Renascimento não se deu tanto no capítulo das

artes ou das humanidades como no da ciência. Foi no campo da navegação, astronomia,

ciências naturais, matemática e, como é óbvio, geografia, que o contributo português

veio por completo modificar o curso da ciência e do conhecimento geral.

Inicialmente, o eixo do interesse europeu pela empresa ultramarina dos

portugueses, fixou-se no que tinha de epopeia e na revelação factual de continentes

desconhecidos ou só lendariamente conhecidos. Deslocou-se, no entanto, pouco a

pouco, com o andar dos anos, para a geografia, a fauna, a flora, as crenças e os costumes

dos povos.

Efectivamente, foi enorme a ressonância das viagens marítimas e da conquista

dos continentes pelos portugueses na consciência cultural do europeu.

A Europa, com o Papa Alexandre VI à sua frente, ficou assombrada com a

sucessão fantástica dos acontecimentos. Os próprios companheiros de Cabral

duvidaram, segundo João de Barros, do que os seus olhos viam. Esboroara-se, num

espectáculo quase inimaginável de ruínas e de esperança, a dogmática cultural e

científica do Ocidente.

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Pedro Bembo, já príncipe consagrado das letras e da Igreja, confessou também,

por 1534 – 1538, na sua “Istoria Viniziana”, que as navegações luso – espanholas eram

“o maior e mais belo acontecimento que alguma Idade jamais vira”. E Francisco

Guicciardini (séc. XVI) chamou-lhes “o que de mais memorável, de há muitos séculos

para cá, ocorreu no mundo “.São quase as mesmas as palavras de João Baptista

Ramúsio (séc.XVI): “a empresa maior e mais maravilhosa que desde há muitos séculos

se realizou”. Nem delas se afasta um teórico político famoso, Giovanni Botero, em

1590: “a acção verdadeiramente heróica e digna de ser preferida às proezas mais

célebres e mais famosas dos antigos ... da pregação dos Apóstolos para cá, nada foi tão

grande nem tão admirável”.

Por obra da Expansão, aluíram-se, em poucas décadas, as fronteiras geográficas

multisseculares do mundo. O mundo tornou-se, quase de repente, um mundo ilimitado.

O universo em que gregos, romanos e cristãos tinham assentado os seus pressupostos de

pensamento e de vida mostrava-se infinitamente para cá da realidade.

O princípio da relatividade avançou na cultura do europeu em prejuízo do

princípio de certeza pré – estabelecida, à medida que as viagens nos territórios

novamente descobertos se multiplicaram. O esquema medieval, fortemente contestado

pelos teóricos do humanismo, além e aquém dos Alpes, foi assim, atingido nos próprios

alicerces pelas revelações da Expansão.

Todas as informações que os navegadores e marinheiros recolhiam, expandiram-se

no continente europeu e atingiram todos os meios com uma rapidez extraordinária; a

este fenómeno de difusão só em nossos dias, como já foi referido, se começou a dar o

devido peso, graças a manuscritos que foram sendo encontrados.

Relevante, é o facto das “notícias ultramarinas” se terem espalhado rapidamente

pela Europa, quase sempre pela iniciativa de eruditos ou humanistas interessados e

atentos; foi o caso do alemão Konrad Peutinger, que solicitou a Valentim Fernandes de

Morávia (impressor alemão ao serviço na Corte de D. Leonor) cópias de relatos sobre as

viagens dos portugueses; e foi também o que se passou com o italiano Duque de

Ferrara, que mandou a Lisboa Alberto Cantino para lhe adquirir uma carta geográfica

em que estivessem anotados todos os descobrimentos portugueses, missão que Cantino

desempenhou a contento, levando em 1502 para Itália um dos mais belos exemplares

conhecidos de planisférios portugueses (ainda se conserva e é designado em geral por

Carlos Jaca 16

“planisfério de Cantino”, tendo sido várias vezes reproduzido, nomeadamente no

volume I da “Portugaliae Monumenta Cartographica”).

Acerca das publicações referentes às actividades ultramarinas dos portugueses,

não cabe aqui fazê-lo de modo exaustivo, nem tal era possível. Assim, registe-se,

apenas, algumas consideradas mais significativas.

Os textos em língua latina ou novi – latina (com excepção da portuguesa)

relativos aos Descobrimentos e ao Ultramar, publicados no século XVI e primeira

metade do século XVII, em Portugal ou no estrangeiro, apontam para cerca das duas

centenas de espécies. A sua abundância desde o limiar de Quinhentos e a reedição

sucessiva de algumas obras manifestam claramente a impressão causada nos centros

culturais europeus, sobretudo na França e na Flandres, pelo feito nacional.

Saliente-se, entre os de maior ressonância internacional, os opúsculos atribuídos

a Américo Vespúcio, o “Mundus Novus” e a “Lettera”, cuja repercussão foi enorme na

Europa. O primeiro, dado a lume em Paris, teve nada menos de trinta e quatro edições

entre 1503 e 1506, imprimindo-se depois, por muitas vezes, em latim, italiano, alemão,

flamengo e francês. Quanto à “ Lettera” publicada inicialmente, em Florença, circulou

em latim na “ Cosmographie Introductio” , bem como em várias reproduções

autónomas feitas um pouco por todo o continente.

Obras basilares de autoria portuguesa tiveram também honras de publicação na

Europa do Renascimento. Está neste caso a “História do descobrimento e conquista da

Índia”, de Fernão Lopes de Castanheda, traduzida em francês, alemão, italiano e inglês.

A “Verdadeira informação das terras do Preste João”, de Francisco Álvares, traduzida

em castelhano, francês, italiano e alemão, assim como a “Relatione del Reame di

Congo”, de Duarte Lopes, depois trasladada ao latim e impressa em Francfort. As

“Décadas da Ásia” de João de Barros, vertidas em italiano e a “Carta dos Padres do

Colégio de Coimbra”, de Fernão Mendes Pinto, impressa naquela língua, seguida da

“Peregrinação” em francês e em alemão. As edições latinas e a versão francesa do “De

Rebus Emmanuelis Gestis”, de Jerónimo Osório. Outro tanto se dirá dos “Colóquios”

de Garcia da Orta, latinizados por Charles L`Écluse e sucessivamente impressos em

Antuérpia entre 1567 e 1583. A “Europa Oriental”, de Fr. João dos Santos posta em

francês em 1684.

Tudo isto sem falar dos opúsculos de Damião de Góis e de André de Resende

impressos nos Países Baixos, nem das obras de Pedro Nunes editadas em vários locais

da Europa.

Carlos Jaca 17

São bastantes, por outro lado, os textos elaborados pelos missionários do império

lusitano ou relacionados com as suas actividades, tendo presente que vários destes

livros começaram por circular em latim, e que muitos de entre eles receberam tradução

total ou parcial em italiano.

Por fim, e para melhor avaliação da presença da literatura portuguesa além dos

Pirinéus, a “Lettre du Roy de Portugal à Notre Saint Père le Pape, de la conversion de

quate royaumes indiens” (1546), bem como os “Commentaires” (1579), de Afonso de

Albuquerque.

É indiscutível que os Europeus quinhentistas assistiram a uma verdadeira

revolução no campo do conhecimento, imposta pelas notícias trazidas por muitos dos

navegadores que regressavam da Índia ou da América.

A mentalidade do homem europeu transforma-se passo a passo, adaptando-se às

novas realidades que despontam.

Por consequência, na balança cultural da Europa, os descobrimentos entram como

factor de muito peso na estruturação do ambiente em que nasceu o Renascimento; daqui

saiu o movimento cientifico que desabrochou no século XVII, e que parece hoje

imparável na sua marcha acelerada. Os descobrimentos contribuíram assim, e de

maneira importante, para essa viragem decisiva na história da Humanidade.

A “XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura”“ Lisbonne: Le Cap Canaveral de la Renaissance”. (Publicação belga, « Pourquoi Pas ? »

A XVII Exposição de Arte, Ciência e Cultura não só nos mostrou os efeitos dos

Descobrimentos na Europa do Renascimento, mas também os resultados nas novas

terras descobertas. Aliás, o objectivo da

Exposição era lançar uma nova visão

sobre a influência mútua das culturas

mundiais que foram encontradas através

dos Descobrimentos e a cultura europeia

através de Portugal, o agente desses

“achamentos”.

É óbvio que ao encontrarem-se

outras civilizações e culturas se trouxeram para a Europa coisas aqui desconhecidas

Carlos Jaca 18

como animais exóticos, plantas, objectos artesanais e, sobretudo, outras gentes, assim

como da Europa se transplantaram homens e a sua civilização para os novos mundos.

Com efeito, verifica-se uma influência mútua, nos dois sentidos, em tudo o que se

relaciona com a produção cultural.

Em toda a Exposição se procurou fazer uma súmula destas influências. No

aspecto artístico, tudo o que diz respeito à cartografia, navegação, ciência náutica,

medicina (descoberta de novas drogas e plantas) literatura de viagens ou relatos com

fortíssima influência na narrativa e até a influência que a Companhia de Jesus teve na

arquitectura religiosa. Também a arquitectura militar (fortalezas) e armaria sofrem

essas influências.

Astrolábio, o Símbolo

Realizada sob os auspícios do Conselho da Europa e, como inicialmente referi,

subordinada ao tema de “Os Descobrimentos Portugueses e a Europa dos

Renascimento”, a Exposição decorreu entre 7 de Maio e 2 de Outubro de 1983, não só

nos seus núcleos principais – Mosteiro da Madre de Deus, Casa dos Bicos, Museu

Nacional de Arte Antiga, Mosteiro dos Jerónimos e Torre de Belém – mas igualmente

com um grande número de actividades e realizações paralelas.

Considerado o maior acontecimento cultural do século, tanto a nível nacional

como internacional, a XVII Exposição dominou o noticiário cultural em 1983. Foi, com

efeito, o acontecimento cultural mais falado e mais noticiado do referido ano.

O astrolábio, o símbolo da Exposição de Arte, Ciência e Cultura, figurou num

verdadeiro dilúvio de cartazes, catálogos, prospectos e documentos espalhados pelo

mundo inteiro, divulgando o nome de Portugal.

O astrolábio é um antigo instrumento usado para

medir a altura dos astros acima do horizonte e

desempenhou importante papel nos

descobrimentos, pois permitia a rigorosa

determinação do lugar onde se encontravam os

navegadores.

Os gregos já o conheciam (150 a. C.), mas

foram os árabes que o difundiram e introduziram na

Península, surgindo em seguida noutras zonas europeias.

Carlos Jaca 19

Os portugueses, entretanto, simplificaram-no, reduzindo-o ao círculo exterior

graduado e a uma peça – a medicina em cujos extremos existem duas pínulas (lâminas

metálicas) e respectivos orifícios através dos quais se fazia a observação dos astros.

Assim, determinava-se com mais facilidade, sem grandes cálculos a latitude de

um lugar . E foi esse instrumento que deu lugar à expressão “Pesar o Sol” – perto da luz

do meio-dia, o movimento da medicina assemelhava-se, de facto, ao fiel de uma

balança, na observação da altura meridiana.

Para obter a altura de uma estrela colocava-se o instrumento diante dos olhos,

suspenso por um anel, ficando no plano vertical do astro e rodava-se a medicina até que

o observador visse o astro através dos dois orifícios que existem nos seus extremos.

Foi durante o decorrer da Exposição, mais propriamente em 26 de Junho que, o

então embaixador do Brasil em Portugal, Dario Castro Alves, ofereceu em nome da

Marinha Brasileira, à Armada Portuguesa, representada pelo almirante Sousa Leitão,

um astrolábio que havia 315 anos se encontrava entre os destroços de um naufrágio.

O astrolábio foi fabricado por A. Goys, que fez parte de uma prestigiosa família

portuguesa de artífices que, em 1630, já fazia instrumentos náuticos. Tem o diâmetro de

17 cm e pesa 2,3 quilos e pertenceu ao galeão português “Sacramento” que, em

consequência de um temporal, em 1668, se afundou na Baía com muitos outros navios.

A oferta do astrolábio deve-se à iniciativa do português António Branquinho,

director da Tap-Air Portugal no Rio de Janeiro e membro da fundação cultural Brasil –

Portugal, que alertou o ministro da marinha daquele país da desoladora situação de em

Portugal não existir um único original (invento e fabrico português) e os brasileiros

possuírem à época, três instrumentos recuperados de navios portugueses, afundados há

mais de três séculos. O astrolábio oferecido iria figurar no Museu da Marinha, em

Lisboa.

O astrolábio que serviu de símbolo à XVII Exposição de Arte, Ciência e Cultura,

foi o pertencente à nau “Madre de Deus”, afundada em 1610, em Nagasaki.

A Exposição em cinco “andamentos”

A visita aos diversos núcleos da Exposição oferecia uma imagem perfeita dos

antecedentes medievais dos Descobrimentos Portugueses e da sua influência no

panorama social, económico e cultural do Renascimento Europeu.

Carlos Jaca 20

“Os Descobrimentos Portugueses e a

Europa do Renascimento”, temática complexa e

vasta foi metodologicamente desdobrada por

vários monumentos da cidade de Lisboa,

localizados na orla ribeirinha, permitiam em si

mesmo e desde logo, um discurso cultural,

urbanístico e arquitectónico.

Do estuário do Rio Tejo em direcção ao

horizonte atlântico, do Convento da Madre de

Deus até ao Mosteiro dos Jerónimos, passando

pela Casa dos Bicos, pelo Museu Nacional de

Arte Antiga e, pela Torre de Belém desenvolveram-se os sub – temas desta vasta

matéria.

Os objectos que integraram esta XVII Exposição Europeia estavam dispostos e

agregados em cinco núcleos distintos, mas todos relacionados com idêntica finalidade,

que era oferecer ao visitante uma ideia abrangente do que representaram os

Descobrimentos na Europa da Renascença.

Estes núcleos foram ordenados numa sequência lógica direccional apontando o

mar e regressando à terra para dialogar com aquilo que do mar não foi trazido.

A Exposição incluiu cerca de 400 obras de arte vindas de países europeus e

ainda, e pela primeira vez, de países não europeus.

A participação nacional foi de 1300 peças aproximadamente, 1100 das quais de

instituições oficiais e 200 emprestadas por particulares, peças que documentaram

sectores como o da tapeçaria, da ourivesaria, da armaria, da pintura, das ciências e do

livro, na sua evolução entre os séculos XIV e XVII.

Vieram de além fronteiras,

peças que significavam pontos altos

da participação portuguesa, não só nos

Descobrimentos como em outras

actividades que muito tiveram a ver

com o progresso da Humanidade.

Colaboraram no certame,

Espanha, Inglaterra, Dinamarca,

Carlos Jaca 21

França, Holanda, Suécia, República Federal Alemã, Áustria e Itália, pela Europa;

Canadá, Estados Unidos da América, Índia e Japão, por outros continentes.

Os países africanos de Língua Portuguesa estavam representados através de

filmes, por existirem apenas obras arquitectónicas inamovíveis referentes à época em

foco.

O Imperador Hiroito, emprestou um biombo “Namban”; a Rainha Isabel de

Inglaterra, o quadro “Rapto de Ganimedes”, de Clovis, pertencente ao património do

Castelo de Windsor; e do Palácio do Oriente e do Museu de Armaria de Madrid, vieram

respectivamente uma tapeçaria de Pastrana e a armadura de D. Sebastião.

Entretanto, oitenta por cento da armaria portuguesa foi cedida pelo

coleccionador e investigador luso – alemão, Rainer Daehnardt.

Vejamos, então, um por um, quais eram os núcleos principais da XVII

Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura.

Mosteiro da Madre de Deus “A voz da terra ansiando pelo mar”

Neste belíssimo e pouco conhecido monumento lisboeta, o público teve

oportunidade de observar os antecedentes medievais dos descobrimentos sob o

sugestivo título de “a voz da terra ansiando pelo mar” – uma frase de Fernando Pessoa,

o qual, igualmente “alimentou” todos os outros núcleos.

Mandado construir no século XVI, o

Convento da Madre de Deus foi repositório de

inúmeras obras, cuja importância para a história da

arte portuguesa ilustram a preocupação dos vários

beneméritos reais por aquele mosteiro.

Habitado por diversas instituições ao longo

da sua existência, em 1960 acolheu o Museu do

Azulejo que está dotado de uma das mais valiosas colecções do género existentes no

mundo, representando um notável esforço de preservação artística.

Aqui se iniciou o percurso da Exposição. Portugal de antes dos descobrimentos,

o seu estilo de vida influenciado pela própria situação geográfica. As peças expostas

Carlos Jaca 22

organizaram-se em seis grupos geográficos de Portugal. No segundo, através da

exposição de arados, moedas, pretendia

dar-se a ideia do que era a circulação das

coisas nesses séculos que iniciaram a nova

história. Através de livros e pergaminhos

tínhamos informação da circulação das

ideias, temas e conceitos.

A secção dedicada às formas mostrava-nos alguns especímenes de escultura,

pintura e iluminura dos séculos XIII e XIV, entre os quais a Bíblia de Florença, o

Apocalipse de Lorvão, o Missal de Alcobaça, a bula “ Manifestis Probatum”, o Tratado

de Alcanises...

A seguinte desenvolvia os contactos estabelecidos entre portugueses e

estrangeiros na mesma época – viagens, casamentos, estudos e até a guerra. A última

mostrava-nos as diferentes representações do mundo e a vontade de conhecer cada vez

mais, que animou os homens do fim da Idade Média.

Casa dos Bicos – “O Homem e a Hora são uma só”

“O Homem e a Hora são uma só” é a frase de Fernando Pessoa que o

comissariado da “XVII” escolheu para o núcleo do

antigo armazém de bacalhau, situado na zona

ribeirinha da cidade.

A Casa dos Bicos acolhia o quotidiano dos

séculos XV e XVI numa demonstração do carácter

internacional da Dinastia de Avis.

Construída por volta de 1523 por Afonso de

Albuquerque, filho do vice-rei da Índia, representando o desejo dos grandes senhores

de partilhar o esplendor da corte. Tão fora do vulgar era o trabalho que ornamentava a

fachada, desde logo se popularizando sob o nome de Casa dos Bicos ou Casa dos

Diamantes.

É um dos raros exemplares do género existentes na Europa.

Este núcleo foi destinado à Dinastia de Avis e às ligações que as figuras dessa

“Casa” mantiveram com a Europa, resultando situações que, na época, muito alteraram

Carlos Jaca 23

a vida do Paço. Nessa perspectiva foram escolhidos alguns acontecimentos decisivos

para a história. Aí destacava-se o casamento de D. João I com Filipa de Lencastre (um

reforço da aliança com a Inglaterra); viagem do Infante D. Pedro pela Europa

(contactos ao mais alto nível com

flamengos, romanos e venezianos);

casamento de Isabel, filha de D. João I,

com Filipe o Bom, Duque de Borgonha

(penetração na zona europeia comercial

e culturalmente mais importante);

embaixada de D. Manuel ao Papa Leão

X (ponto alto das relações com Roma e

Itália); casamento de Isabel, uma irmã de D. João III, com Carlos V, Rei de Espanha e

Imperador da Alemanha, do qual nasceu Filipe II e se encerra a dinastia de Avis.

Entre as peças expostas avultava a longa galeria de retratos de gente ilustre da

história nunca, até então, reunidos num só local, ao lado de objectos da vida quotidiana,

desde o “Livro de Horas” de D. Duarte até ao “Livro de Cozinha” da Infanta D. Maria.

Museu Nacional de Arte Antiga – “Abre-se a terra em sons e cores”.

“Abre-se a terra em sons e cores “ – é mais uma vez Pessoa a dar o mote.

O terceiro núcleo, no Museu de Arte Antiga, albergava as obras de arte, ciência

e cultura da época. O Palácio das Janelas

Verdes, com fachada barroca de linhas severas,

começou por ser residência dos condes de Alvor

e mais tarde da família do Marquês de Pombal.

No Museu de Arte Antiga esteve exposto

o contacto dos portugueses com os outros

povos, a sua capacidade de assimilação, a sua

formação cristã enraizada desde as origens, para além da arte nacional nesses séculos

de transformação social, cultural e económica.

Tratava-se, pois, do núcleo destinado a apresentar os vários confrontos da

temática artística com outras visões extensivas à vivência portuguesa.

Carlos Jaca 24

Difícil é salientar algumas das peças que aqui foram

expostas: desde a celebérrima Custódia de Belém à não

menos espectacular cruz de Alcobaça, passando pelo

esplendor das tapeçarias de Pastrana (oportunidade única de

terem sido vistas), não esquecendo as pinturas de Durer,

Cranach ou Hieronimus Bosch e toda a grande pintura

portuguesa (Nuno Gonçalves e Grão Vasco), era um não mais

acabar de preciosidades, expostas com um critério

museológico digno de apreço, porque raro em Portugal.

Torre de Belém – “A mão que ao Ocidente o véu rasgou”

Considerado como um dos mais expressivos monumentos da era manuelina e

exemplo artístico do mais alto valor da arquitectura militar, foi edificado nas próprias

águas do Tejo donde partiram as naus para as viagens da descoberta.

A Torre de Belém pelo seu aspecto defensivo de guarda da Barra do Tejo

simboliza pois, a navegação como proeza de mar e terra. Daí, o ter sido escolhida para

museu de armaria sob a epígrafe de

Fernando Pessoa de “A mão que ao

Ocidente o véu rasgou”.

A armaria foi ali apresentada

como uma arte directamente ligada à

cultura e não sob um prisma bélico.

As armas expostas representavam

uma pluralidade de valores: a riqueza

do material, beleza do cinzelamento

e gravação artística, antiguidade,

raridade e utilidade, desde as armas de ferro corroído mas exemplares únicos no mundo

até às batidas a ouro e prata ou chapeadas desses metais, as que ostentavam

Carlos Jaca 25

incrustações de pedras preciosas, embutidos de madrepérola, marfim e cobre

trabalhado.

A “vedeta” deste núcleo era, evidentemente, a armadura de D. Sebastião, vinda

expressamente de Espanha, e

uma outra, curiosíssima,

mandada fazer quando “O

Desejado” tinha apenas cinco ou

seis anos.

Mas havia ainda a espada

de D. João I e de D. Isabel a

“Católica”, a armadura de D.

Manuel I, a espada, pistola e

armadura de Carlos V, o capacete dourado de D. António, Prior do Crato, a espada e

punhal de Filipe I de Portugal (II de Espanha) e muitas outras preciosidades.

Mosteiro dos Jerónimos – “Cumpriu-se o Mar”

“Cumpriu-se o Mar”. Fernando Pessoa a dar o título à evocação da epopeia

marítima, exposta no mais belo exemplo da arte manuelina.

Este núcleo da XVII Exposição Europeia

tinha por objectivo a relacionação das viagens

portuguesas e do seu contributo para o

conhecimento da Terra com o movimento

renascentista de Quinhentos.

As peças expostas, vindas de museus e

colecções particulares portuguesas e

acompanhadas de exemplares emprestados por museus de toda a Europa e do mundo

por onde os portugueses andaram, demonstravam visualmente esta temática. Assim,

viam-se cartas e mapas anteriores aos descobrimentos e relatos de viagens como a de

Marco Polo, importantes como motivação para os portugueses. Poder-se-ia, também,

observar a evolução tecnológica da construção naval e os reflexos de vária ordem da

presença de Portugal, nomeadamente no campo da arte.

Carlos Jaca 26

Além de diversas obras de arte e objectos do quotidiano, teríamos visto a lápide

da primeira sepultura de S. Francisco Xavier, um globo chinês, representação oriental

do mundo, padrões deixados pelos portugueses ao longo das costas descobertas,

astrolábios achados em navios afundados, a primeira espingarda fabricada no Japão, os

“Roteiros” de D. João de

Castro e a “Peregrinação” de

Fernão Mendes Pinto.

Durante cinco meses

centenas de milhares de

portugueses puderam rever a

sua História, facto que se

traduziu na primeira das muitas

e variadas razões porque a XVII Exposição valeu a pena.

Claro, valeu a pena, o que não a isenta de alguma polémica e de uma

organização considerada deficiente, por via das falhas e metas não alcançadas. Apenas

um exemplo: lamentavelmente, não terá sido dado o justo e devido relevo

à evangelização – principal instrumento de civilização – não só na sua acção nas

províncias ultramarinas mas, ainda, nos países até onde a nossa influência se alargara,

sem dúvida um dos aspectos mais significativos da Expansão.

Apesar das críticas e dos defeitos que lhe foram apontados, o acontecimento

conseguiu chamar a atenção para temas bem representativos da trajectória de um povo,

motivou artistas e estudantes (os estudantes do ensino básico e secundário constituíram

metade dos cerca de um milhão de visitantes da “XVII”), explicando a estes o que

dificilmente seria apresentado nas escolas, proporcionou a recuperação de monumentos

importantes e o reatamento do diálogo entre Portugal e o mundo e deixou a Europa

espantada perante dados da cultura portuguesa, até há pouco tempo desconhecidos para

ela.

Carlos Jaca 27

BRAGA – Complementar à XVII Exposição. Simpósio e

Exposições: “ Arte, Ciência e Cultura através da Actividade

Missionária”

“ Arte, Ciência e Cultura através da Actividade Missionária” foi o tema de um

Simpósio e duas exposições que se realizaram, nesta cidade, de 27 a 30 de Outubro de

1983 e com encerramento em Ponte de Lima.

Tratava-se de uma iniciativa da Universidade Católica Portuguesa e da

Universidade do Minho, considerada complementar à “ XVII Exposição de Arte,

Ciência e Cultura”, que tinha acabado de decorrer em Lisboa, subordinada ao tema “Os

Descobrimentos Portugueses e a Europa do Renascimento”.

A capital do Minho foi escolhida para sede

deste Simpósio, dadas as suas raízes como centro de

irradiação evangelizadora. Símbolos dessa actividade

conservam-se o famoso colégio de S. Paulo fundado

por D. Diogo de Sousa em 1531, e ampliado pelo

Infante D. Henrique (Cardeal, tio-avô de D. Sebastião)

e por Frei Baltazar Limpo.

Este Colégio, onde leccionaram Clenardo,

Vaseu, Marcial de Gouveia e outros, foi doado por D.

Frei Bartolomeu dos Mártires à Companhia de Jesus

(1560) com a obrigação de nele se ensinar a ler e a

escrever, Humanidades e Língua Latina, Artes e Casos

de Consciência e, posteriormente, Teologia.

Devido ao prestígio dos reitores – o primeiro dos quais foi o Beato Inácio de

Azevedo – e dos mestres o Colégio tornou-se célebre, sendo frequentado em 1619, por

mil alunos. Mais tarde esse número subiu a três mil.

Foi, assim, um dos maiores centros de Humanismo e Cultura Renascentista pdo

país e por ele passaram figuras insignes da missionação.

Mas, para além do Colégio de S. Paulo, floresceram em Braga o Seminário

Conciliar de S. Pedro, fundado em 1572 por D. Frei Bartolomeu dos Mártires e o

Colégio do Pópulo fundado em 1596 por D. Frei Agostinho de Jesus.

Carlos Jaca 28

Uma outra razão para a escolha de Braga como sede do Simpósio foi o facto de

nas suas numerosas bibliotecas e museus conservar um importante espólio documental

e artístico, referente à época dos Descobrimentos.

A temática desenvolvida, ao longo das sessões, foi a seguinte: Humanismo e

Renascimento, Sentido de “Missão” (“dilatando a Fé e o Império”), Factores de

irradiação e Expansão, Espaços geográficos de acção portuguesa e projecção cultural,

Estruturas e fórmulas institucionais, Figuras Humanas e seus roteiros no Oriente (Ásia:

S. Francisco Xavier, António Andrade, Bento de Góis, Mateus Ricci, Beato Miguel de

Carvalho e Beato Francisco Pacheco), Brasil (Manuel da Nobrega, José Anchieta,

Inácio de Azevedo e António Vieira) e África (Gonçalo da Silveira); Formas de

produção literária: Roteiros de viagens, crónicas, Documentos Epistolográficos, Os

grandes textos de formação cientifico-cultural por áreas: (Teologia, Filosofia, Direito,

Línguas), Documentos normativos e Códigos Orientadores, Os centros de formação ao

tempo do Renascimento escolástico peninsular: as Universidades, os Colégios, os

Mosteiros e Conventos, As escolas e o Ensino ao serviço da actividade missionária e

dos modelos de implantação cristã.

Estes temas foram desenvolvidos, entre outros, por: Luís António Oliveira

Ramos; Lúcio Craveiro da Silva; José Bacelar e Oliveira; Jorge Borges de Macedo;

Aurélio de Oliveira; Luís Adão da Fonseca; José Marques; António Montes Moreira;

José Adriano de Carvalho; António Silva; Fernando de Mello Moser; Manuel Cavaleiro

de Ferreira; António Braz Teixeira; Mário Martins; Raul de Almeida Rolo; Amadeu

Rodrigues Torres; Manuel Augusto Rodrigues; Ernesto Domingues; Geraldo Dias

Coelho e Maria Cândida Pacheco.

O Simpósio sobre “Arte Ciência e Cultura através da Actividade Missionária”,

iniciado a 27/10/83, incluía a organização de exposições bibliográfico – documentais e

artísticas.

A Biblioteca Pública de Braga colaborou organizando uma exposição

bibliográfica, que esteve patente no Salão Medieval da Universidade do Minho.

As obras seleccionadas pertenciam (e pertencem) à secção “ Reservados” da

própria Biblioteca, o que significa que foram apenas expostos livros impressos nos

séculos XVI – XVIII, de grande raridade e valor.

Carlos Jaca 29

O núcleo principal da exposição, de acordo com o tema – base do Simpósio, era

constituído por obras relacionadas com a actividade missionária na África, Oriente e

Brasil: evangelização, acção das ordens religiosas, biografias, roteiros e descrições de

viagens, etc.

Foram ainda, apresentadas, algumas obras de vultos cimeiros do Renascimento

e edições de escritores clássicos, não esquecendo a literatura portuguesa da época.

De salientar que a maioria dos livros expostos pertencia aos mosteiros e

conventos da região de Braga, o que prova a grande riqueza e valor intelectual das suas

bibliotecas nos séculos XVI e seguintes.

No Salão Medina do Museu Pio XVII (Seminário de Santiago), esteve patente

uma exposição, sob a responsabilidade técnica do Museu dos Biscainhos,

documentando o Humanismo em Braga, nos séculos XVI e XVII, e as suas

repercussões no Oriente e Brasil, podendo, assim, ser admirados quadros e imagens

daquele período, bem como paramentos chineses e indianos, para além de mobiliário

oriental.

Na abertura da exposição, o Cónego Dr. Luciano dos Santos referiu dois

aspectos: artístico e histórico. Quanto ao primeiro salientou que naquele Museu e

exposição se encontravam peças das melhores dos séculos XI – XVIII, lição magnifica

da escultura bracarense.

A parte histórica punha em relevo o que tinha sido Braga no Humanismo do

século XVI, em especial da Companhia de Jesus, por exemplo através dos Beatos

Inácio de Azevedo, Miguel de Carvalho e Francisco Pacheco. Destes jesuítas havia

painéis na exposição, bem como de alguns Arcebispos de Braga e do seu papel no

Portugal do Humanismo: D. Diogo de Sousa, D. Agostinho de Jesus e D. Aleixo de

Meneses.

Promovida pelo Instituto Limiano realizou-se, também, no Museu dos

Terceiros, em Ponte de Lima, uma exposição icono – bibliográfica.

Aqui, em Ponte de Lima, teve lugar o encerramento do Simpósio, em evocação

do Beato Francisco Pacheco, missionário e mártir do Japão, nascido naquela cidade, e

em razão dos monumentos da época, aí conservados.

Antes da sessão solene de encerramento, numa celebração litúrgica evocativa do

Beato Francisco Pacheco, presidida por D. Eurico Dias Nogueira, na homilia então

proferida, o Arcebispo Primaz começando por referir-se à XVII Exposição, afirmou ter

Carlos Jaca 30

constituído “um belo e eloquente documentário sobre a Cultura, as Artes, a Ciência e o

modo de ser e de agir de um Povo que escasso em número e exíguo em território,

realizara uma empresa a raiar pelo incrível, revelando uma alma grande, fez de todo o

Mundo a própria Pátria... impulsionado pela fé, levou a mensagem libertadora do

Evangelho às mais desvairadas gentes, desenvolvendo entre povos, que até aí então

mutuamente se ignoravam ou combatiam, sentimentos de amistosa vizinhança e

solidariedade fraterna”.

D. Eurico salienta, ainda, que este último aspecto, uma das grandes ideias –

força da nossa epopeia marítima, quase passou despercebida naquela Exposição, que

assim ficara incompleta, não lhe parecendo que a episódica referência a S. Francisco

Xavier e pouco mais pudessem preencher tão lamentável lacuna.

Assim, diz, fizeram bem os organizadores do Colóquio de Braga, “ levando a

cabo uma iniciativa cultural que, de algum modo, completou a Exposição em causa,

atenuando a lacuna apontada”, tendo sido pena que as circunstâncias de tempo e lugar

não lhe permitissem a projecção que lhe era devida e merecida, “para bem da verdade e

serviço da cultura histórica e religiosa”. E mais: de facto, a expansão ultramarina

portuguesa nos séculos XV e XVI não se compreenderia em pleno e ficaria gravemente

truncada se não se tivesse em conta a vivência religiosa da época e não se colocasse o

proselitismo cristão entre os seus factores primordiais.

O Arcebispo Primaz não omitindo o peso do factor económico, científico e

político e mesmo o espírito de aventura que influíam na época, considera que ao seu

lado e até talvez a sobrepor-se-lhes, estava o espírito cristão, o serviço de Deus, o

desejo de levar o Evangelho a gentes dele desconhecedores.

Ainda antes de evocar os acontecimentos que, no Oriente, levaram ao martírio o

Beato Francisco Pacheco, D. Eurico acrescentou:

“Terminada a influência política de Portugal fora das suas fronteiras naturais,

com o encerramento do ciclo do Império, não cessaram as responsabilidades

missionárias dos portugueses.

Elas continuam vivas, decorrentes da nossa condição de cristãos e também das

nossas tradições históricas. (...)

Deixando de concentrar a atenção no antigo espaço colonial, como até há pouco

e não obstante os novos países de expressão portuguesa continuarem a ser campo

privilegiado para a nossa colaboração evangelizadora, por expresso desejo e insistente

Carlos Jaca 31

pedido das Igrejas locais nelas estabelecidas – os missionários portugueses estão a

partir para várias outras regiões da África e da América que solicitam a sua ajuda”.

Bela e excelente lição de História de Portugal e... Universal.

Já na sessão de clausura do Simpósio sobre “Arte, Ciência e Cultura através da

actividade Missionária”, José Augusto Seabra, titular da pasta da Educação, louvou a

iniciativa da Universidade Católica Portuguesa e da Universidade do Minho, no

sentido de aprofundarem a investigação em torno do contributo dos missionários na

epopeia dos descobrimentos. E afirmou, citando Agostinho da Silva: “tudo o que

Portugal fez foi de jeito “missionário”.

Citando o mesmo pensador, José Augusto Seabra disse que o espírito

universitário é um espírito católico, ainda que muitas vezes o Estado tenha dificuldades

em o assumir e entender. Congratulou-se, por isso, com a colaboração entre as

universidades do Estado e a Universidade Católica porque – disse – esta é o outro lado

da universalidade que a universidade deve incarnar.

No termo dos trabalhos foram comunicadas as propostas aprovadas pela

Comissão Cultural:

Reconhecendo a relevância da actividade missionária para se compreender

adequadamente o papel dos Descobrimentos Portugueses no contexto da Europa do

Renascimento, os participantes no Simpósio propuseram, entre outros objectivos, que

se considerasse a iniciativa como ponto de partida para futura investigação e actividade

cultural na área então estudada, e que tais actividades se desenvolvessem em âmbito

vasto, que englobasse a irradiação da cultura do humanismo cristão, a partir dos centros

europeus e particularmente peninsulares, assim como as regiões onde a missionação se

fizera sentir.

Estas iniciativas realizaram-se sob a égide do Ministério da Cultura e do

Comissariado para a “XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura”, cabendo a

organização à Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa (Braga),

Unidade Pedagógica de História e Ciências Sociais da Universidade do Minho, Instituto

Superior de Teologia de Braga, Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Braga, Museu

Pio XII, Museu e Tesouro da Sé e Instituto Limiano. Teve o patrocínio e cooperação da

Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa e de elementos do Centro

Histórico da Universidade do Porto.

Carlos Jaca 32

Bibliografia consultada:

Albuquerque, Luís de – “Os Descobrimentos Portugueses”. Publicações Alfa –

1985.

Cortesão, Jaime – História dos Descobrimentos Portugueses”. Círculo de

Leitores – 1979.

“Diário do Minho” – 25, 26, 27, 28, 29 e 31 de Outubro / 1983.

Dias, José Sebastião da Silva – “Os Descobrimentos e a Problemática Cultural

do Século XVI”. Editorial Presença – 1982.

“Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura” – Lisboa, 1983. Imp. Nac.

Casa da Moeda.

Fraga, Maria Teresa de – “Humanismo e Experimentalismo na Cultura do

Século XVI”. Livraria Almedina. Coimbra – 1976.

Marques, A. H. Oliveira – “História de Portugal”, Vol. I. Edições Ágora. Lisboa

– 1973.

Nogueira, D. Eurico Dias – Homilia no encerramento do Simpósio: “O Ideal

Missionário na Expansão Ultramarina de Portugal”, in “Acção Católica. Vol. LXVIII,

Maio – Dezembro – 1983.

Peres, Damião – “História dos Descobrimentos Portugueses”. Coimbra – 1960.

“Revista de Imprensa”. Comissariado para a XVII Exposição Europeia de Arte,

Ciência e Cultura:

“A Capital”, 21/2/83, “A Tarde”, 28/6/83; “Brasil – Portugal”/ Rio de Janeiro,

27/4/83; “Correio da Manhã”, 29/9/83; “Diário de Lisboa”, 31/3/81, 17/12/82 e

18/1/83; “Diário de Noticias”, 7/5/83 e 2/10/83; “Expresso”, 11/7/81; “Jornal de Letras,

7/5/83; “Jornal de Noticias”, 19//2/82, 5/5/83 e 27/6/83; “O Comércio do Porto”,

7/5/83; “O Dia”, 8/5/83 e 9/5/83; “O Globo”, 7/5/83; “O País”, 5/5/83; “O Primeiro de

Janeiro”, 29/9/83.

Sérgio, António – “Breve Interpretação da História de Portugal”. Clássicos Sá

da Costa – 1972.