Folha de S.Paulo - Poder, p. 2

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ab PUBLICADO DESDE 1921 - PROPRIEDADE DA EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S.A. UM JORNAL A SERVIÇO DO BRASIL Presidente: LUIZ FRIAS Diretor Editorial: OTAVIO FRIAS FILHO Superintendentes: ANTONIO MANUEL TEIXEIRA MENDES E JUDITH BRITO Editor-executivo: SÉRGIO DÁVILA Conselho Editorial: ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, MARCELO COELHO, JANIO DE FREITAS, CLÓVIS ROSSI, CARLOS HEITOR CONY, CELSO PINTO, ANTONIO MANUEL TEIXEIRA MENDES, LUIZ FRIAS E OTAVIO FRIAS FILHO (secretário) Diretoria-executiva: MARCELO BENEZ (comercial), MURILO BUSSAB (circulação), MARCELO MACHADO GONÇALVES (financeiro) E EDUARDO ALCARO (planejamento e novos negócios) EDITORIAIS [email protected] Em decisão que não pode ser qualificada senão como censura inadmissível, o juiz Hilmar Caste- lo Branco Raposo Filho, da 21ª Va- ra Cível de Brasília, concedeu limi- nar que impede esta Folha de pu- blicar reportagem sobre tentativa de extorsão sofrida pela primeira- dama Marcela Temer. Os fatos são de conhecimento público: em abril do ano passa- do, a mulher do presidente Michel Temer (PMDB), então interino, te- ve seu telefone celular clonado; em outubro, Silvonei José de Je- sus Souza foi condenado pelo cri- me de ter exigido R$ 300 mil em troca da não divulgação dos arqui- vos a que teve acesso. Este jornal publicou informa- ções sobre o caso na sexta-feira (10), em sua versão digital. Naque- le dia, um advogado lotado na Ca- sa Civil pediu à Justiça, em nome da primeira-dama, a supressão do texto, também reproduzido na edi- ção impressa de sábado (11). Em seu despacho, que ainda al- cançou o jornal “O Globo”, o juiz veda a divulgação de qualquer da- do —seja em forma de áudio, ima- gem ou mensagem escrita— obti- do no aparelho celular. “A invio- labilidade da intimidade tem res- guardo legal claro”, afirma. Tivesse ouvido todas as partes antes de conceder a liminar, o ma- gistrado não poderia desconhecer que a reportagem amparava-se in- teiramente nas ações penais aber- tas para a apuração do crime, cu- jo conteúdo estava disponível a quem se dispusesse a consultá-lo. Ora, como falar em preservação da intimidade pessoal quando se lida com episódios verídicos e no- tórios, com documentos oficiais a que os cidadãos têm livre acesso? De resto, trata-se de caso de evi- dente interesse público. Tentativa de chantagem contra a mulher do presidente da República é aconte- cimento relevante, cujas repercus- sões em potencial transcendem a esfera da privacidade. O direito do público à informa- ção, basilar em uma democracia, pressupõe que os veículos de co- municação disponham de plena autonomia para conduzir sua li- nha editorial, conforme os precei- tos constitucionais e o entendi- mento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal. Quem informa responde pela ve- racidade e pela relevância do que publica; os que se sentem preju- dicados têm todo o direito de re- correr aos tribunais. O descabido é a censura prévia, cuja memória deveria restringir-se aos tempos dos regimes autoritários. A ofensiva contra princípios tão elementares mancharia a imagem de qualquer governo. Desta vez, adiciona-se o efeito de fomentar uma desconfiança indevida com a reação desproporcional à gravi- dade dos fatos noticiados. Interesse público Censura descabida a texto sobre tentativa de extorsão sofrida por Marcela Temer afronta direito à informação com argumento equivocado Caso não haja novo adiamento, o governo deve definir nesta sema- na as regras da 14ª rodada de licita- ção para exploração de petróleo e gás. O debate principal, que ainda desperta expressiva controvérsia, gira em torno da política de conte- údo nacional —ou seja, o compro- misso de utilização de equipamen- tos e serviços brasileiros. Levada a extremos nos últimos anos, tal exigência mostrou-se ine- ficaz. O louvável objetivo de dina- mizar cadeias locais de produção esbarrou em limites de capacida- de e de investimento. Obrigada a arcar com atrasos e preçosexcessivos nas suas compras, a Petrobras amargou prejuízos e ma- logros —nenhuma das dez platafor- mas adquiridas desde 2010 foi en- tregue no prazo; os equipamentos comprados chegam a custar 40% acima do padrão internacional. União, Estados e municípios também sofreram com o reduzi- do interesse da iniciativa privada nos últimos leilões. A produção adiada acarreta a perda de em- pregos e de arrecadação —segun- do a Petrobras, R$ 36 bilhões dei- xaram de entrar nos cofres públi- cos em oito anos, entre royalties, contribuições sociais e impostos. As regras de conteúdo nacional precisam ser repensadas, portan- to. Pelas normas atuais, em alguns casos até 80% dos serviços e equi- pamentos são reservados a produ- tores brasileiros. Como nem sem- pre as empresas conseguem cum- prir as exigências, cria-se uma si- tuação de insegurança jurídica. Parte do governo, representada pela área econômica, deseja vol- tar à prática de fixar somente me- tas totais mais baixas (em torno de 40%) de conteúdo doméstico, dando às empresas liberdade de escolha para cumprir o percentual. Outros, no Planalto e nas associa- çõesempresariais,reconhecemane- cessidade de mudança, mas pleitei- am regras menos genéricas. Preten- dem, por exemplo, manter exigên- cias específicas em cinco segmen- tos —bens, serviços, engenharia, sistemas auxiliares e infraestrutura. Seja como for, acelerar a produ- ção e eliminar gargalos deveriam ser as metas de toda política indus- trial. Para tanto, é mais vantajoso concentrar os estímulos nas ca- deias em que o país possa ganhar escala e competitividade global. É preciso domar o poder dos lobbies de empresas ineficientes, que não fazem jus à proteção. A situação de penúria em que se encontram alguns Estados pro- dutores, além do mais, reforça o argumento de que qualquer ten- tativa de desenvolver a indústria precisa levar em conta os riscos e custos envolvidos, especialmen- te para o contribuinte. O prejuízo é nosso O alemão Bertolt Brecht, di- ante do avanço da violência e da injustiça, alertava que quando não se reage ao arbí- trio em algum momento todos serão alcançados por ele. O dramaturgo denunciou a pas- sividade da sociedade diante de prisões arbitrárias, ironi- zando: não protestei e quan- do finalmente vieram me bus- car eu não tinha sequer para quem pedir ajuda. Tal qual o cenário que ante- cedeu o nazismo na Europa, os que praticaram o golpe no Bra- sil são vítimas das suas própri- as incoerências, ou seja, “o fei- tiço virou contra o feiticeiro”. Vejamos: os que ontem fo- ram ao Judiciário para impedir a posse de Lula como ministro de Dilma são os mesmos que hoje recorrem para garantir um ministério a Moreira Franco. O Judiciário suspendeu a posse de Lula no ministério sob o argumento de que “ha- via desvio de finalidade, visto que o real objetivo seria lhe ga- rantir foro privilegiado”. Ora, foi amparado nesse despacho que o juiz da 14ª Va- ra Federal do Distrito Federal concedeu liminar suspenden- do a nomeação de Moreira Franco, afirmando: “O enredo dos autos já é conhecido do Poder Judiciário. Nesta ação popular, mudam apenas os seus personagens”. E agora? O que fazer com a nomeação de Moreira Franco, citado mais de 30 vezes nas de- lações da Lava Jato? Na lógica estabelecida pelo Judiciário a suspensão deve ser mantida. Governo e Judiciário estão, portanto, diante de um dile- ma, no qual qualquer dos ca- minhos possíveis prenuncia um desgaste já anunciado. Outra vítima de sua incoe- rência é Alexandre de Moraes, ministro de Temer e filiado ao PSDB. Ele sustentava que membros de um governo não deveriam ser nomeados para o STF e seus aliados afirma- vam que as indicações segui- riam atributos técnicos e em nenhuma hipótese políticos. Dupla incoerência! Hoje, alguns editorialistas chamam a atenção para o peri- go da proliferação das manifes- tações em defesa do autoritaris- mo, dos exageros da Lava Jato e da falta de denúncia e reação a esses abusos. Ironicamente, são os mesmos que aplaudiram a condução coercitiva de Lula e o vazamento ilegal de conver- sa telefônica entre a presiden- ta Dilma e o ex-presidente. Tais contradições e incoe- rências têm levado as pessoas a uma conclusão óbvia: o dis- curso de Temer e de seus con- sorciados era apenas um en- redo, com o objetivo de depor a presidenta para se apodera- rem do governo e, uma vez ins- talados, entregarem o nosso patrimônio ao capital estran- geiro, arrancarem direitos dos trabalhadores, lotearem as obras públicas com empresas estrangeiras e montarem um “governo de amigos”. Enquanto a violência explo- de, estamos sem ministro da Justiça e Temer continua atu- ando para proteger seus auxi- liares da Lava Jato. VANESSA GRAZZIOTIN escreve às terças nesta coluna. O preço da incoerência VANESSA GRAZZIOTIN SÃO PAULO - A censura é sempre errada, mas às vezes consegue ser também ridícula. A decisão do juiz que obrigou a Folha e o jornal “O Globo” a retirar da internet reporta- gens sobre a tentativa de extorsão de que foi vítima a mulher do pre- sidente Michel Temer parece per- tencer ao segundo grupo. O que a reportagem da Folha fazia era basicamente juntar fatos já am- plamente noticiados sobre a conde- nação, no ano passado, do hacker que tentou chantagear Marcela Te- mer com informações que constam de processos judiciais que estavam à disposição de qualquer consulen- te no site do Tribunal de Justiça de São Paulo. Pelas regras da transitivi- dade, o juiz censurou o próprio Po- der Judiciário, o que implica deitar por terra o princípio da publicidade do processo penal. Vale lembrar que esse princípio é a mais efetiva senão a única arma de que a sociedade dis- põe para coibir eventuais abusos da Justiça e do Ministério Público. Embora a preservação da intimi- dade também seja um relevante va- lor a preservar, questões levantadas nos processos não dizem respeito só à mulher do presidente, mas também ao próprio mandatário. E o direito à privacidade não pode servir de es- cudo contra o escrutínio público a que a Presidência deve submeter-se. Colocar-se contra a censura não é mero fetiche corporativo de jornalis- tas. A liberdade de expressão e de im- prensa se conta entre as mais valio- sas joias do pensamento iluminista. Como já escrevi aqui, ela está na ba- se de algumas das mais produtivas de nossas instituições, como a demo- cracia, as artes e a liberdade acadê- mica —e, consequentemente, o de- senvolvimento científico. Mais até, ao assegurar que todas as ideias possam ser discutidas sob todos os ângulos, a liberdade de ex- pressão permite que cada sociedade encontre seu ponto de equilíbrio en- tre a mudança e a conservação. Ju- ízes deveriam pensar 300 vezes an- tes de mandar suprimi-la. [email protected] Sob censura HÉLIO SCHWARTSMAN BRASÍLIA - Alguns políticos são mestres em fazer uma coisa e anun- ciar o seu contrário. Michel Temer lembrou que domina a arte nesta se- gunda (13), ao divulgar novas regras para a demissão de ministros. Com uma penca de auxiliares na mira da Lava Jato, o presidente con- vocou a imprensa para dizer o se- guinte: “O governo não que blin- dar ninguém, e não vai blindar”. Em seguida, ele acrescentou: “Não há nenhuma tentativa de blindagem”. Não é preciso ir longe para ver que o discurso não para em pé. Há me- nos de duas semanas, Temer recri- ou um ministério para Moreira Fran- co. O cargo deu foro privilegiado ao peemedebista, que foi citado 34 vezes numa delação da Odebrecht. Em português claro, Temer nomeou o aliado para blindá-lo da Justiça. Ao anunciar a nova cartilha, o pre- sidente afirmou: “Se alguém con- verter-se em réu, estará afastado”. Parecia uma medida moralizadora, mas era o oposto disso. O presiden- te deu um salvo-conduto aos auxili- ares investigados por corrupção. A partir de agora, eles poderão ser de- latados à vontade até que os inquéri- tos se transformem em ações penais. De acordo com Temer, só será “afastado provisoriamente” quem for alvo de denúncia formal da Pro- curadoria-Geral da República. A de- missão será reservada ao ministro que conseguir a proeza de virar réu no Supremo Tribunal Federal. Na prática, o presidente oficiali- zou a blindagem dos auxiliares en- crencados com a Justiça. A lentidão do Supremo se encarregará de man- ter a equipe unida. Em quase três anos de Lava Jato, a corte só recebeu cinco denúncias contra políticos. O subsecretário de Assuntos Jurí- dicos da Casa Civil, Gustavo do Vale Rocha, foi autor da ação do governo que censurou a Folha. Ele tem expe- riência no ramo. Como advogado de Eduardo Cunha, moveu uma série de processos contra jornalistas que es- creveram sobre o correntista suíço. Temer oficializou a blindagem BERNARDO MELLO FRANCO RIO DE JANEIRO - A piada correu rápido. Ao ser informado de sua cas- sação pelo Tribunal Regional Eleito- ral por abuso de poder econômico e político, o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, se surpreendeu por... ainda ser o governador do Rio. Não precisa ter sido contempo- râneo do corsário francês René Du- guay-Trouin —que em 1711 seques- trou o Rio de Janeiro e levantou um resgate de 610 mil cruzados, 100 cai- xas de açúcar e 200 bois— para se convencer de que cariocas e flumi- nenses enfrentam a pior crise da sua história. O buraco nas finanças só afunda, e a única saída é a tentati- va de privatizar “a bangu” a Com- panhia Estadual de Águas e Esgotos. Nos protestos da semana passada nos arredores da Assembleia Legisla- tiva, o fotógrafo Ricardo Borges tra- duziu em imagem o drama de penú- ria e caos: sem munição, um PM ati- rou uma pedra portuguesa nos ma- nifestantes. O maior culpado está preso, o ex- governador Sérgio Cabral, pirata de lenço branco amarrado na cabeça que não poupou nem as vítimas da maior tragédia climática do país: a Polícia Federal investiga a cobrança de suborno até em obras emergenci- ais após as chuvas na região serrana, em 2011, as quais deixaram mais de 900 mortos e 35 mil desabrigados. Pezão terá de lidar nos próximos dias com mais uma denúncia cabe- luda. Auditores do Tribunal de Con- tas do Estado constataram que o go- verno deixou de fazer repasses ao Ri- oprevidência, que acumula um defi- cit de R$ 10,5 bilhões. O fundo che- gou a criar duas empresas em para- ísos fiscais, dando como garantia os royalties do petróleo. A PF suspeita que Pezão também se beneficiou do butim praticado por Cabral. O atual (até quando?) gover- nador não seguiu o conselho de Ma- chado de Assis —“suje-se gordo”. Te- ria recebido propinas no total de R$ 750 mil. Quer dizer, é o que se des- cobriu até agora. O butim dos piratas ALVARO COSTA E SILVA Laerte ab A2 opinião TERÇA-FEIRA, 14 DE FEVEREIRO DE 2017

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PUBLICADO DESDE 1921 - PROPRIEDADE DA EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S.A.

U M J O R N A L A S E R V I Ç O D O B R A S I L

Presidente: LUIZ FRIASDiretor Editorial: OTAVIO FRIAS FILHOSuperintendentes: ANTONIO MANUEL TEIXEIRA MENDES E JUDITH BRITOEditor-executivo: SÉRGIO DÁVILAConselho Editorial: ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, MARCELO COELHO,JANIO DE FREITAS, CLÓVIS ROSSI, CARLOS HEITOR CONY, CELSO PINTO,ANTONIO MANUEL TEIXEIRA MENDES, LUIZ FRIAS E OTAVIO FRIAS FILHO (secretário)Diretoria-executiva: MARCELO BENEZ (comercial), MURILO BUSSAB (circulação),MARCELO MACHADO GONÇALVES (financeiro) E EDUARDO ALCARO (planejamento e novos negócios)

EDITORIAIS [email protected]

Em decisão que não pode serqualificada senão como censurainadmissível, o juizHilmar Caste-loBrancoRaposoFilho,da 21ªVa-raCíveldeBrasília, concedeulimi-nar que impedeestaFolhadepu-blicar reportagem sobre tentativadeextorsão sofridapelaprimeira-damaMarcela Temer.Os fatos são de conhecimento

público: em abril do ano passa-do,amulherdopresidenteMichelTemer (PMDB), então interino, te-ve seu telefone celular clonado;em outubro, Silvonei José de Je-sus Souza foi condenadopelo cri-me de ter exigido R$ 300 mil emtrocadanãodivulgaçãodosarqui-vos a que teve acesso.Este jornal publicou informa-

ções sobre o caso na sexta-feira(10), emsuaversãodigital.Naque-ledia,umadvogado lotadonaCa-sa Civil pediu à Justiça, em nomedaprimeira-dama,asupressãodotexto, tambémreproduzidonaedi-ção impressa de sábado (11).Emseudespacho,queaindaal-

cançou o jornal “O Globo”, o juizvedaadivulgaçãodequalquerda-do—seja emformadeáudio, ima-gem oumensagem escrita— obti-do no aparelho celular. “A invio-labilidade da intimidade tem res-guardo legal claro”, afirma.Tivesse ouvido todas as partes

antesdeconcedera liminar, oma-gistradonãopoderiadesconhecerqueareportagemamparava-se in-teiramentenasaçõespenaisaber-tas para a apuração do crime, cu-jo conteúdo estava disponível aquemsedispusesseaconsultá-lo.Ora, comofalar empreservação

da intimidade pessoal quando selida comepisódios verídicos eno-tórios, comdocumentosoficiais aque os cidadãos têm livre acesso?Deresto, trata-sedecasodeevi-

dente interessepúblico.Tentativade chantagemcontra amulherdopresidentedaRepúblicaéaconte-cimentorelevante,cujas repercus-sões empotencial transcendem aesfera da privacidade.O direito do público à informa-

ção, basilar em uma democracia,pressupõe que os veículos de co-municação disponham de plenaautonomia para conduzir sua li-nhaeditorial, conformeosprecei-tos constitucionais e o entendi-mento consagrado pelo SupremoTribunal Federal.Queminformarespondepelave-

racidade e pela relevância do quepublica; os que se sentem preju-dicados têm todo o direito de re-correr aos tribunais. O descabidoé a censura prévia, cuja memóriadeveria restringir-se aos temposdos regimes autoritários.Aofensivacontraprincípios tão

elementaresmanchariaa imagemde qualquer governo. Desta vez,adiciona-se o efeito de fomentaruma desconfiança indevida coma reação desproporcional à gravi-dade dos fatos noticiados.

Interesse públicoCensura descabida a textosobre tentativa de extorsãosofrida por Marcela Temerafronta direito à informaçãocom argumento equivocado

Casonãohajanovoadiamento,ogovernodevedefinirnestasema-naasregrasda14ªrodadadelicita-çãopara exploraçãodepetróleo egás.Odebateprincipal,queaindadesperta expressiva controvérsia,giraemtornodapolíticadeconte-údonacional—ouseja, o compro-missodeutilizaçãodeequipamen-tos e serviços brasileiros.Levada a extremos nos últimos

anos, talexigênciamostrou-se ine-ficaz.O louvável objetivodedina-mizar cadeias locais de produçãoesbarrou em limites de capacida-de e de investimento.Obrigada a arcar com atrasos e

preçosexcessivosnassuascompras,aPetrobrasamargouprejuízosema-logros—nenhumadasdezplatafor-mas adquiridas desde 2010 foi en-tregue no prazo; os equipamentoscomprados chegam a custar 40%acimadopadrão internacional.União, Estados e municípios

também sofreram com o reduzi-do interesse da iniciativa privadanos últimos leilões. A produçãoadiada acarreta a perda de em-pregos e de arrecadação—segun-do a Petrobras, R$ 36 bilhões dei-xaram de entrar nos cofres públi-cos em oito anos, entre royalties,contribuições sociais e impostos.As regrasdeconteúdonacional

precisam ser repensadas, portan-to.Pelasnormasatuais,emalgunscasosaté80%dosserviçoseequi-

pamentossãoreservadosaprodu-tores brasileiros. Como nem sem-pre as empresas conseguemcum-prir as exigências, cria-se uma si-tuação de insegurança jurídica.Partedogoverno, representada

pela área econômica, deseja vol-tar à prática de fixar somenteme-tas totais mais baixas (em tornode 40%) de conteúdo doméstico,dando às empresas liberdade deescolhaparacumpriropercentual.Outros,noPlanaltoenasassocia-

çõesempresariais,reconhecemane-cessidadedemudança,maspleitei-amregrasmenosgenéricas.Preten-dem,porexemplo,manter exigên-cias específicas em cinco segmen-tos —bens, serviços, engenharia,sistemasauxiliareseinfraestrutura.Seja como for, acelerar aprodu-

ção e eliminar gargalos deveriamserasmetasdetodapolítica indus-trial. Para tanto, émais vantajosoconcentrar os estímulos nas ca-deias emque o país possa ganharescalaecompetitividadeglobal. Éprecisodomaropoderdos lobbiesdeempresas ineficientes, quenãofazem jus à proteção.A situação de penúria em que

seencontramalgunsEstadospro-dutores, além do mais, reforça oargumento de que qualquer ten-tativa de desenvolver a indústriaprecisa levar emconta os riscos ecustos envolvidos, especialmen-te para o contribuinte.

O prejuízo é nosso

OalemãoBertoltBrecht,di-ante do avanço da violência eda injustiça, alertava quequando não se reage ao arbí-trio emalgummomento todosserão alcançados por ele. Odramaturgodenunciouapas-sividade da sociedade diantede prisões arbitrárias, ironi-zando: não protestei e quan-do finalmentevierammebus-car eu não tinha sequer paraquem pedir ajuda.Tal qual o cenário que ante-

cedeuonazismonaEuropa,osquepraticaramogolpenoBra-sil sãovítimasdassuasprópri-as incoerências,ouseja,“o fei-tiço virou contra o feiticeiro”.Vejamos: os que ontem fo-

ramaoJudiciáriopara impedira posse de Lula comoministrode Dilma são os mesmos quehojerecorremparagarantirumministério aMoreira Franco.O Judiciário suspendeu a

posse de Lula no ministériosob o argumento de que “ha-via desvio de finalidade, vistoqueorealobjetivoseria lhega-rantir foro privilegiado”.Ora, foi amparado nesse

despachoqueo juizda 14ªVa-ra Federal do Distrito Federalconcedeu liminar suspenden-do a nomeação de MoreiraFranco,afirmando:“Oenredodos autos já é conhecido doPoder Judiciário. Nesta açãopopular, mudam apenas osseus personagens”.E agora? O que fazer com a

nomeaçãodeMoreiraFranco,citadomaisde30vezesnasde-lações daLava Jato?Na lógicaestabelecida pelo Judiciário asuspensão deve ser mantida.Governo e Judiciário estão,

portanto, diante de um dile-ma, no qual qualquer dos ca-minhos possíveis prenunciaum desgaste já anunciado.Outra vítima de sua incoe-

rênciaéAlexandredeMoraes,ministro de Temer e filiado aoPSDB. Ele sustentava quemembros de um governo nãodeveriam ser nomeados parao STF e seus aliados afirma-vam que as indicações segui-riam atributos técnicos e emnenhuma hipótese políticos.Dupla incoerência!Hoje, alguns editorialistas

chamamaatençãoparaoperi-godaproliferaçãodasmanifes-taçõesemdefesadoautoritaris-mo, dos exageros da Lava Jatoeda faltadedenúnciae reaçãoa esses abusos. Ironicamente,sãoosmesmosqueaplaudiramaconduçãocoercitivadeLulaeo vazamento ilegal de conver-sa telefônica entre a presiden-taDilma e o ex-presidente.Tais contradições e incoe-

rências têm levadoaspessoasa uma conclusão óbvia: o dis-curso de Temer e de seus con-sorciados era apenas um en-redo, com o objetivo de depora presidenta para se apodera-remdogovernoe,umavez ins-talados, entregarem o nossopatrimônio ao capital estran-geiro, arrancaremdireitosdostrabalhadores, lotearem asobras públicas comempresasestrangeiras e montarem um“governo de amigos”.Enquantoaviolênciaexplo-

de, estamos sem ministro daJustiça e Temer continua atu-andoparaproteger seus auxi-liares da Lava Jato.VANESSA GRAZZIOTIN escreve às terçasnesta coluna.

O preço daincoerência

vanessa grazziotin

São paulo - A censura é sempreerrada, mas às vezes consegue sertambém ridícula. A decisão do juizque obrigou a Folha e o jornal “OGlobo”a retirarda internet reporta-gens sobre a tentativa de extorsãode que foi vítima a mulher do pre-sidente Michel Temer parece per-tencer ao segundo grupo.OqueareportagemdaFolha fazia

era basicamente juntar fatos já am-plamentenoticiados sobre a conde-nação, no ano passado, do hackerque tentou chantagear Marcela Te-mer com informações que constamde processos judiciais que estavamàdisposição de qualquer consulen-te no site do Tribunal de Justiça deSãoPaulo.Pelasregrasdatransitivi-dade, o juiz censurou o próprio Po-der Judiciário, o que implica deitarpor terra oprincípio dapublicidadedoprocessopenal.Vale lembrarqueesseprincípioéamaisefetivasenãoaúnicaarmadequeasociedadedis-põeparacoibir eventuaisabusosdaJustiça e doMinistério Público.Embora a preservação da intimi-

dade também seja um relevante va-lorapreservar,questões levantadasnosprocessosnãodizemrespeitosóàmulherdopresidente,mastambémaoprópriomandatário. E o direito àprivacidade não pode servir de es-cudo contra o escrutínio público aqueaPresidênciadevesubmeter-se.Colocar-secontraacensuranãoé

merofetichecorporativode jornalis-tas.Aliberdadedeexpressãoedeim-prensa se conta entre asmais valio-sas joiasdopensamento iluminista.Como jáescrevi aqui, ela estánaba-se de algumas das mais produtivasdenossasinstituições,comoademo-cracia, as artes e a liberdade acadê-mica —e, consequentemente, o de-senvolvimento científico.Mais até, ao assegurar que todas

as ideias possam ser discutidas sobtodos os ângulos, a liberdadede ex-pressãopermitequecadasociedadeencontreseupontodeequilíbrioen-tre a mudança e a conservação. Ju-ízes deveriam pensar 300 vezes an-tes demandar [email protected]

Sob censurah é l i o s c hwa r t s m a n

BRaSÍlIa - Alguns políticos sãomestres em fazer umacoisa e anun-ciar o seu contrário. Michel Temerlembrouquedominaaartenestase-gunda(13),aodivulgarnovasregraspara a demissão deministros.Com uma penca de auxiliares na

miradaLava Jato, opresidente con-vocou a imprensa para dizer o se-guinte: “O governo não que blin-darninguém,enãovaiblindar”.Emseguida, ele acrescentou: “Não hánenhuma tentativadeblindagem”.Nãoéprecisoir longeparaverque

o discurso não para em pé. Há me-nos de duas semanas, Temer recri-ouumministérioparaMoreiraFran-co. O cargo deu foro privilegiadoao peemedebista, que foi citado 34vezes numa delação da Odebrecht.Emportuguêsclaro,Temernomeouo aliado para blindá-lo da Justiça.Aoanunciaranovacartilha,opre-

sidente afirmou: “Se alguém con-verter-se em réu, estará afastado”.Parecia umamedidamoralizadora,mas era o oposto disso. O presiden-te deuumsalvo-conduto aos auxili-

ares investigados por corrupção. Apartir de agora, elespoderão serde-latadosàvontadeatéqueosinquéri-tossetransformememaçõespenais.De acordo com Temer, só será

“afastado provisoriamente” quemfor alvo de denúncia formal da Pro-curadoria-GeraldaRepública.Ade-missão será reservada ao ministroque conseguir a proeza de virar réuno Supremo Tribunal Federal.Na prática, o presidente oficiali-

zou a blindagem dos auxiliares en-crencados coma Justiça. A lentidãodoSupremoseencarregarádeman-ter a equipe unida. Em quase trêsanosdeLavaJato,acortesórecebeucinco denúncias contra políticos.

Osubsecretário deAssuntos Jurí-dicosdaCasaCivil, GustavodoValeRocha, foi autordaaçãodogovernoquecensurouaFolha.Ele temexpe-riêncianoramo.ComoadvogadodeEduardoCunha,moveuumasériedeprocessos contra jornalistas que es-creveram sobre o correntista suíço.

Temer oficializou a blindagemB e r n a r D o m e l l o F r a n c o

RIo de JaneIRo - A piada correurápido.Aoser informadodesuacas-saçãopeloTribunalRegionalEleito-ral por abusodepoder econômico epolítico, o governador do Rio, LuizFernando Pezão, se surpreendeupor... aindaserogovernadordoRio.Não precisa ter sido contempo-

râneo do corsário francês René Du-guay-Trouin —que em 1711 seques-trou o Rio de Janeiro e levantou umresgatede610milcruzados, 100cai-xas de açúcar e 200 bois— para seconvencer de que cariocas e flumi-nensesenfrentamapiorcrisedasuahistória. O buraco nas finanças sóafunda, e a única saída é a tentati-va de privatizar “a bangu” a Com-panhiaEstadualdeÁguaseEsgotos.Nosprotestosdasemanapassada

nosarredoresdaAssembleiaLegisla-tiva, o fotógrafo Ricardo Borges tra-duziuemimagemodramadepenú-ria e caos: semmunição,umPMati-rou uma pedra portuguesa nosma-nifestantes.Omaior culpado está preso, o ex-

governador Sérgio Cabral, pirata delenço branco amarrado na cabeçaque não poupou nem as vítimas damaior tragédia climática do país: aPolíciaFederal investigaacobrançadesubornoatéemobrasemergenci-aisapósaschuvasnaregiãoserrana,em 2011, as quais deixarammais de900mortos e 35mil desabrigados.Pezão terá de lidar nos próximos

dias commais uma denúncia cabe-luda.AuditoresdoTribunaldeCon-tasdoEstadoconstataramqueogo-vernodeixoudefazerrepassesaoRi-oprevidência,queacumulaumdefi-cit de R$ 10,5 bilhões. O fundo che-gou a criar duas empresas empara-ísos fiscais,dandocomogarantiaosroyalties do petróleo.APF suspeita quePezão também

sebeneficioudobutimpraticadoporCabral.Oatual (atéquando?)gover-nadornãoseguiuoconselhodeMa-chadodeAssis—“suje-segordo”.Te-ria recebidopropinas no total deR$750 mil. Quer dizer, é o que se des-cobriu até agora.

O butim dos piratasa lva r o c o s ta e s i lva

Laerte

abA2 opinião ★ ★ ★ TerçA-FeirA, 14 De Fevereiro De 2017